a publicidade e a cultura participativa - introdução à publicidade

4
A Publicidade e a Cultura Participativa. O termo Cultura Participativa se refere a um novo nível de inserção do consumidor no mercado, este sendo não mais só quem consome, mas quem colabora para uma ampla relação midiática com o produtor, que é o desenrolar de uma transformação que começa no desdobramento dos meios como TV, rádio e mídia impressa para um novo setor ainda ilimitado em padrões: a internet. A chamada cultura free na era digital molda uma adaptação dos meios, que devem agora selecionar o que se encaixa em cada plataforma, de maneira que seu retorno financeiro seja condizente ao apelo por informação e mais, com uma nova necessidade de participação por parte do consumidor. Logo, esse não é mais um termo referente a uma medida de incentivo da mídia e do mercado, mas uma realidade cultural expansiva. Essa nova necessidade de participação é por essência um reflexo social, resultado de um processo que acompanhou a evolução da tecnologia. Hoje grande parte da população tem acesso a instrumentos que possibilitam interferir na mídia, logo, internet se torna cada dia mais uma área que te convida a participar. A sociedade agora aprende que pode produzir conhecimento e disseminar informações, e além disso: ela tem o poder da escolha. Em um mundo onde a cybercultura não para de se expandir, a interação entre pessoas gerou a necessidade de uma construção coletiva de inteligência. Muita procura por informação, fazendo nascer novas demandas a cada dia. Eis então que o consumidor da informação passou a também produzir a informação. Os professores de Educação Física passaram a usar seus alunos para divulgar online os treinos e dicas da profissão, então outros professores poderiam adotar o que aprenderam postando os resultados na rede social, os alunos também poderiam se filmar praticando os exercícios todos os dias e assim por diante. O fã da série, do filme, do livro pode criar seu próprio conteúdo, gerando a febre dos Fanfics (ficção criada por fãs), dos blogs de críticas e resenhas, captura de diálogos em imagens, etc. Essa forma de interação se insere em peso na produção publicitária, de forma criativa e altamente influente. O consumidor que antes era passivo, se torna ativo. Ele adapta o que o produtor divulga ao seu cotidiano, suas vontades momentâneas e seu corpo social. Logo, a esfera digital, ainda que relativamente recente, já modela relações de mercado que se diferenciam em peso de anos atrás. Essa metamorfose vai da forma como a pesquisa de marketing é agora mais profunda e delicada, a como o consumidor agora recebe e responde ao produto com verdadeira liberdade e tem o poder de mudar o que antes apenas lhe era imposto. A capacidade de mudança é fruto justamente daquilo que podemos definir como o primeiro ponto importante a ser considerado quando começamos a analisar os desdobramentos diretos da Cultura Participativa no fazer publicitário: a capacidade de escolha. Os consumidores são protagonistas de suas próprias ações, que ocorrem o tempo todo e são regidas por um sistema constante de auto-seleção 1 de conteúdo. Ou seja, se antes a pulverização de uma mídia tradicional isolada já dificultava a obtenção da atenção de um espectador, agora isso parece ainda mais desafiador, uma vez que elas, teoricamente, precisariam disputar a audiência com outras plataformas.

Upload: lucas-linhares

Post on 22-Jul-2016

224 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Fernanda Carvalho, Gabriella Carvalho e Lucas Linhares. UFF.

TRANSCRIPT

Page 1: A Publicidade e a Cultura Participativa - Introdução à Publicidade

A Publicidade e a Cultura Participativa.

O termo Cultura Participativa se refere a um novo nível de inserção do

consumidor no mercado, este sendo não mais só quem consome, mas quem colabora

para uma ampla relação midiática com o produtor, que é o desenrolar de uma

transformação que começa no desdobramento dos meios como TV, rádio e mídia

impressa para um novo setor ainda ilimitado em padrões: a internet.

A chamada cultura free na era digital molda uma adaptação dos meios, que

devem agora selecionar o que se encaixa em cada plataforma, de maneira que seu

retorno financeiro seja condizente ao apelo por informação e mais, com uma nova

necessidade de participação por parte do consumidor. Logo, esse não é mais um

termo referente a uma medida de incentivo da mídia e do mercado, mas uma realidade

cultural expansiva.

Essa nova necessidade de participação é por essência um reflexo social,

resultado de um processo que acompanhou a evolução da tecnologia. Hoje grande

parte da população tem acesso a instrumentos que possibilitam interferir na mídia,

logo, internet se torna cada dia mais uma área que te convida a participar. A

sociedade agora aprende que pode produzir conhecimento e disseminar informações,

e além disso: ela tem o poder da escolha.

Em um mundo onde a cybercultura não para de se expandir, a interação entre

pessoas gerou a necessidade de uma construção coletiva de inteligência. Muita

procura por informação, fazendo nascer novas demandas a cada dia. Eis então que o

consumidor da informação passou a também produzir a informação. Os professores

de Educação Física passaram a usar seus alunos para divulgar online os treinos e

dicas da profissão, então outros professores poderiam adotar o que aprenderam

postando os resultados na rede social, os alunos também poderiam se filmar

praticando os exercícios todos os dias e assim por diante. O fã da série, do filme, do

livro pode criar seu próprio conteúdo, gerando a febre dos Fanfics (ficção criada por

fãs), dos blogs de críticas e resenhas, captura de diálogos em imagens, etc.

Essa forma de interação se insere em peso na produção publicitária, de forma

criativa e altamente influente. O consumidor que antes era passivo, se torna ativo. Ele

adapta o que o produtor divulga ao seu cotidiano, suas vontades momentâneas e seu

corpo social. Logo, a esfera digital, ainda que relativamente recente, já modela

relações de mercado que se diferenciam em peso de anos atrás. Essa metamorfose

vai da forma como a pesquisa de marketing é agora mais profunda e delicada, a como

o consumidor agora recebe e responde ao produto com verdadeira liberdade e tem o

poder de mudar o que antes apenas lhe era imposto.

A capacidade de mudança é fruto justamente daquilo que podemos definir

como o primeiro ponto importante a ser considerado quando começamos a analisar os

desdobramentos diretos da Cultura Participativa no fazer publicitário: a capacidade de

escolha. Os consumidores são protagonistas de suas próprias ações, que ocorrem o

tempo todo e são regidas por um sistema constante de auto-seleção1 de conteúdo. Ou

seja, se antes a pulverização de uma mídia tradicional isolada já dificultava a obtenção

da atenção de um espectador, agora isso parece ainda mais desafiador, uma vez que

elas, teoricamente, precisariam disputar a audiência com outras plataformas.

Page 2: A Publicidade e a Cultura Participativa - Introdução à Publicidade

Alguns grupos de comunicação têm se mostrado competentes na reação à

nova realidade. E é aqui que a convergência de mídias aparece de maneira mais clara

como uma solução, especialmente para a televisão: ao invés de disputar com outras

plataformas, o que seria um suicídio, é preciso integrá-las. Logo, os programas

televisivos, assim como os pertencentes às mídias tradicionais em geral, começaram a

adotar crescentemente sistemas de interação em tempo real com o conteúdo

transmitido. Paralelo a isso, eles também ocupam as mídias digitais produzindo

conteúdos específicos, com linguagem e características próprias desses novos meios

de comunicação.

Outro exemplo dessa participação ocorre quando a publicação que

determinada conta faz em uma rede social, por exemplo, é visualizada por um usuário

não só considerando o conteúdo dito principal, produzido pelo primeiro autor, mas é

visto como um todo que inclui interações espontâneas, interações numéricas e afins.

Conforme os usuários foram se apropriando melhor dessas ferramentas, construíram

uma realidade atual onde o conteúdo principal passa a ser muitas vezes o produzido

nos espaços conhecidos como “comentários” e “respostas a comentários”. E cada

nova interação constrói o conteúdo como ele é. Ou seja, na Cultura Participativa, a

interação passa a ser tanto fim quanto meio.

O terceiro fator importante para a consolidação da Cultura Participativa, que

reverberou em novos desafios para a Publicidade, está nas margens que limitavam as

plataformas, agora mais borradas pelo hibridismo, pela comunicação integrada e pelo

all-line2. Isso significa para os profissionais da Publicidade e da Comunicação que não

basta utilizar a velha fórmula de ocupar uma mídia acreditando que bastará para que a

marca tenha um processo de construção de imagem exitoso. É preciso, além de

entender que as manifestações espontâneas são uma realidade importante nessa

nova configuração social, compreender também que aquele conteúdo precisa interagir

com outras plataformas quando pertinente, e invariavelmente deverá gerar resultados

off-line.

Eis que se faz indispensável nesse contexto a relevância do conteúdo para o

seu target. Isso porque um anúncio interrompendo o feed do usuário pode ser tanto

um incômodo quanto um passo importante na construção de uma imagem positiva.

Isso depende do nível de conhecimento do perfil e do comportamento - online e off-line

- de quem está sendo alcançado e da capacidade de identificação e sentido que

aquele conteúdo é capaz de gerar.

E é claro que já não faltam exemplos de apropriação exemplar de todas essas

possibilidades. Considerando o mercado da Comunicação e as Mídias, é notável um

telejornalismo mais aproximado das linguagens digitais2; o público dos reality-shows

musicais selecionando ou reprovando candidatos durante a apresentação com um

simples gesto em um aplicativo móvel3; as revistas passando a exibir vídeos em uma

espécie de “página de LED”4, entre outras tendências.

Já concentrando na Publicidade, os cases em que é utilizado outdoor interativo

como mídia são ótimo exemplo de como a Publicidade pode servir com sucesso à

Cultura Participativa. O recente mais famoso é uma criação da agência London WCRS

para a anunciante Women’s Aid5, uma instituição que luta contra a violência

Page 3: A Publicidade e a Cultura Participativa - Introdução à Publicidade

doméstica. Na peça, o rosto de uma mulher com sangue e hematomas, seguido das

palavras “Look at me. We can stop it”. A interação estava numa tecnologia de

reconhecimento facial que calculava quantas pessoas olhavam para o outdoor e a

partir de determinada quantidade de olhares, as manchas começavam a desaparecer.

Ou seja, é interação de plataformas diferentes ao mesmo passo que interação entre

pessoas e essas plataformas.

Outro exemplo de ação de sucesso para o fornecedor é a “Você escolhe o

sabor!”, que mostra o quão influente é o poder de escolha. A Fanta, da Coca Cola

Company, investe há alguns anos nesse tipo de ação, criando novos sabores e

incentivando o público a escolher qual produto continua no mercado de acordo com a

sua preferência. A campanha atual7 envolve inclusive a implementação de combos de

pipoca personalizados da Fanta, com pequenas latas de amostra dos dois sabores em

diversos cinemas da rede Cinemark. Outras marcas também investiram na ideia nos

últimos anos: Habib’s com a escolha do recheio dos miniquibes, Ruffles com uma ação

que permitia ao consumidor criar um novo sabor para a Batata da onda e até o leite

fermentado Chamyto entrou na febre participativa e, claro, lucrativa.

Por fim, é possível ver um último exemplo de interferência do consumidor no

campo publicitário analisando revistas de moda recentes. O ano de 2015 marca uma

nova produção cultural mudada em valores não só comerciais, mas morais. Para

exemplificar, podem se comparar as edições brasileiras do mês de abril e maio

respectivamente de duas revistas famosas: Vogue e Elle8. Na primeira, um ensaio com

atrizes influentes no Brasil. O ensaio não repercutiu tão bem quanto esperado nas

redes sociais, com críticas em destaque ao Photoshop usado na atriz Fernanda

Montenegro, com a pele praticamente lisa, e na atriz Camila Pitanga, que

naturalmente morena, aparece com a pele branca na capa9.

Entra então a comparação com a segunda, a revista Elle, que comemorou seu

aniversário com uma edição especial: a capa toda espelhada tinha a ideia de que a

consumidora se visse e fosse então a própria capa. Entre as matérias de grande

destaque estavam um ensaio fotográfico com a atriz Rebel Wilson e outro com

algumas blogueiras. Os dois ensaios, muito bonitos, chamaram a atenção por

divergirem das fotos que usualmente divulgam em revistas de moda: eram mulheres

de todos os tipos, todas as curvas, cabelos diferentes e estilos singulares. Tudo fora

do padrão esbelto e maquiado. A repercussão da matéria foi explosiva, a quantidade

de fotos divulgadas, incluindo selfies com o espelho da capa, foram enormes. Na

página do Facebook foi visível o espaço e elogios que a revista conquistou. A

mudança já vinha acontecendo: a democratização da moda já vinha ganhando

espaço, e essa edição foi o Bastilha dessa transformação.

Apesar de todo potencial bom presente nessa nova cultura de participação,

podem existir alguns problemas quando não usada de maneira equilibrada. A

propriedade intelectual pode ser afetada, graças a apropriação e alteração do

conteúdo que pode estar protegido por direitos autorais e comerciais, o que pode gerar

um enorme desconforto e várias tensões entre as partes. Hoje, as indústrias midiáticas

se dividem em duas reações: algumas proíbem completamente qualquer participação

de fora e protegem de todas as formas o seu produto intelectual; outras adotaram uma

Page 4: A Publicidade e a Cultura Participativa - Introdução à Publicidade

doutrina cooperativista, enxergando em seus fãs colaboradores e participativos um

meio de enaltecer e promover seu produto.

1. Manuel Castells, 2000.

2. Ana Paula Cruz e Helena Figueiredo Pina.

3. Jornal Nacional (Rede Globo) revolucionou sua linguagem verbal, diminuindo a

distância da linguagem constante das redes, e visual, apresentando tecnologias

modernas com o conceito da aproximação. 27/04/2015.

4. Superstar (Rede Globo) estreia como o primeiro programa nacional ao vivo de TV

aberta que depende da participação online do público através de um aplicativo

para celular. 06/04/2014.

5. Enternainment Weekly é a primeira revista a apresentar propaganda em vídeo em

suas páginas para a Pepsi (17/09/2009). A tecnologia volta aprimorada na Esquire

e Popular Mechanics para a Chevrolet, pela Mccan (16/04/2015).

6. London WCRS, para a Women’s Aid – “Look at me”. 05/03/2015.

7. Campanha Fanta vs. Fanta: https://fantavsfanta.fanta.com.br/

8. Analise das redes sociais Facebook e Instagram das revistas Elle Brasil e Vogue

Brasil durante os meses de abril e maio.

9. http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2015/04/1610192-internautas-reclamam-de-

camila-pitanga-branca-e-globais-sem-rugas-na-vogue-veja.shtml

Bibliografia

1. OLIVEIRA, Diego. In site Meio e Mensagem: A cultura participativa e os ex

espectadores.

http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/ponto_de_vista/2015/03/23/A-cultura-

participativa-e-os-ex-espectadores.html

2. JENKINS, Henry. (2006) Cultura de Convergência.

Fernanda Carvalho, Gabriella Carvalho e Lucas Linhares são graduandos

de Comunicação Social na Universidade Federal Fluminense. Este é um

trabalho acadêmico da disciplina “Introdução à Publicidade”, orientado pela

professora Lilian Ribeiro.