a psi nas situações de emergência e desastres uma reflexão humanista

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CAMPUS I-CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE-CCBS CURSO DE PSICOLOGIA VALÉRIA BEZERRA DA SILVA A PSICOLOGIA NAS SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIAS E DESASTRES: UMA REFLEXÃO HUMANISTA CAMPINA GRANDE-PB 2013

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atendimento em urgência e emergência

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARABA

    CAMPUS I-CENTRO DE CINCIAS BIOLGICAS E DA SADE-CCBS

    CURSO DE PSICOLOGIA

    VALRIA BEZERRA DA SILVA

    A PSICOLOGIA NAS SITUAES DE EMERGNCIAS E DESASTRES: UMA

    REFLEXO HUMANISTA

    CAMPINA GRANDE-PB

    2013

  • VALRIA BEZERRA DA SILVA

    A PSICOLOGIA NAS SITUAES DE EMERGNCIAS E DESASTRES: UMA

    REFLEXO HUMANISTA

    Trabalho de concluso de Curso apresentado como pr-

    requisito para obteno do titulo de Licenciatura e

    Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estadual da

    Paraba. rea de atuao: Clinica-Abordagem Centrada na

    Pessoa. Orientadora: Prof Dr Carla de SantAna Brando

    Costa

    CAMPINA GRANDE PB

    2013

  • FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UEPB

    S586p Silva, Valria Bezerra da.

    A psicologia nas situaes de emergncias e desastres

    [manuscrito] : uma reflexo humanista / Valria Bezerra da

    Silva. 2013.

    41 f.

    Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Psicologia)

    Universidade Estadual da Paraba, Centro de Cincias

    Biolgicas e da Sade, 2013.

    Orientao: Profa. Dra. Carla de SantAna Brando Costa,

    Departamento de Psicologia.

    1. Psicologia humanista. 2. Atuao profissional. 3. Estado

    emocional. I. Ttulo.

    21. ed. CDD 155.2

  • VALRIA BEZERRA DA SILVA

    PSICOLOGIA NAS SITUAES DE EMERGNCIAS E DESASTRES: UMA

    REFLEXO HUMANISTA

    Aprovada em 22/ 08 / 2013

  • Dedico este trabalho aos meus pais Jos Bezerra da Silva e Ana Ferreira da

    Silva, assim como a minha irm Rosineide Bezerra da Silva, com imenso

    carinho, pelo exemplo de vida que sempre me deram e por me

    possibilitarem acreditar no meu potencial.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus pelo dom da vida, pela fora, pacincia e determinao durante todo o

    curso.

    A minha me, pela compreenso e disponibilidade para me ajudar nos momentos mais

    delicados, atravs de suas oraes e conselhos e principalmente por todo o amor que sempre

    me deu.

    A meu pai (in memoriam), embora fisicamente ausente, sempre sentia sua presena ao meu

    lado, dando-me fora.

    A meus irmos e irms por toda ajuda e apoio ao longo da concluso desse curso.

    A todos os amigos e amigas que estiveram ao meu lado durante o curso.

    A meu noivo Eronildo, pelo amor, carinho, apoio e ateno.

    Aos professores do Curso de Psicologia da UEPB, por toda aprendizagem que me

    possibilitaram ao longo desses cinco anos de graduao.

    Aos meus professores do ensino fundamental e mdio pelos ensinamentos.

    A minha orientadora Professora Carla de SantAna Brando Costa pela dedicao e ajuda

    indispensvel na elaborao desse trabalho.

  • Ainda que o mesmo fato acontea simultaneamente para uma multido de

    pessoas, cada um interpretar a partir de si mesmo, dando a um nico

    acontecimento inmeros significados. Seu mundo absolutamente nico, s

    existe a partir de voc e est completamente vinculado a seu nvel de

    conscincia sobre si e sobre o prximo. (Flvio Siqueira).

  • RESUMO

    Vivemos numa sociedade na qual crescente a patologizao do humano, a cada atualizao dos livros de

    psiquiatria aumenta o numero de novas doenas. Esta realidade corresponde chamada medicalizao da vida

    cotidiana. Com isso, as potencialidades, capacidades, e competncias humanas passam a ser subestimadas.

    Contrria a essa perspectiva patologizante, a Psicologia humanista, que tem como um dos principais

    representantes Carl Rogers, tem entre os seus pressupostos bsicos a nfase na valorizao da pessoa humana,

    nas suas capacidades e potencialidades inerentes. Ao longo da vida, ns, seres humanos, estamos sujeitos, direta

    ou indiretamente, a vivenciar diversas situaes, sejam elas de perdas, conquistas ou mal-estar. Muitas destas

    podem gerar sofrimento fsico e mental e o modo como iremos encarar cada uma delas peculiar. Vrias so as

    situaes provocadoras de sofrimento para o ser humano, no entanto, dentre as mais perturbadoras e geradoras

    de mal-estar para a vida humana esto s circunstncias de desastres e emergncias. Assim, considerando os

    contextos de adversidades, pretende-se estudar as contribuies da Psicologia, para a compreenso e

    minimizao do sofrimento humano, tendo como base os princpios e conceitos da Psicologia humanista.

    Destarte, apreendemos que numa situao de desastre e emergncia os princpios humanistas colaboram para o

    acolhimento e minimizao do sofrimento das vtimas e possibilitam condies para que o sujeito expresse

    sentimentos decorrentes da tragdia. Portanto, a psicologia cumpre um papel fundamental na minimizao do

    sofrimento das vtimas. Durante a atuao dos profissionais envolvidos no apoio, essencial uma postura

    humana, baseada nos princpios humanistas.

    PALAVRAS CHAVE: Emergncias e desastres; Psicologia humanista; sofrimento humano; atuao do

    psiclogo.

  • ABSTRACT

    We live in a society in which there is an ever-growing pathology of human beings, in every update of psychiatry

    books there is an increase in the number of new diseases. This reality corresponds to the so-called medicalization

    of everyday life. Therefore, the human potential, capabilities and skill become underestimated. Contrary to this

    pathologized perspective, humanistic psychology, whose main representative is Carl Rogers, has among its basic

    emphasis the value of a human person, and their inherited capacity and potential. Throughout life, we as human

    beings are subject, directly and indirectly, to experience different situations and adversities, whether they are

    losses or gain. Many of these can lead to physical and mental suffering and the way each of us handle them can

    be peculiar. There are many provocative situations that can lead to suffering of humans, however, often the cause

    of the most disturbing of malaise for humans are the circumstances of disasters and emergencies. Thus, based on

    the humanistic psychology and considering the contexts of adversity, we intend to study the contributions of

    psychology to understand and minimize human suffering. To start, we observe that in a situation of disaster or

    emergency, the humanistic principles collaborate to host and minimize the suffering of victims and provide

    conditions for the subject to express feelings that may arise from the tragedy. Therefore, psychology plays a

    fundamental role in the lessening of suffering of the victims. During the work of the professionals involved in

    the support of victims, it is essential to maintain a human posture based on the humanistic principles.

    Key-words: Emergencies and disasters; humanistic psychology; human suffering; psychologist performance.

  • Sumrio

    Introduo.............................................................................................................................. 10

    Captulo 1 - Caracterizando as situaes de emergncias e desastres.................................... 13

    1.1- Importncia da incluso dos profissionais de psicologia no cuidado com vtimas de

    emergncias e desastres .......................................................................................................... 17

    Captulo 2 - O Papel da psicologia nas situaes de emergncias e desastres ...................... 21

    Captulo 3 - Os princpios bsicos da psicologia humanista e suas articulaes com o cuidar

    das vtimas de situaes de emergncias e desastres............................................................... 28

    Consideraes finais ............................................................................................................. 36

    Referncias ............................................................................................................................. 38

  • 10

    Introduo

    Vivemos numa sociedade na qual crescente a patologizao do humano. A cada

    atualizao dos livros de psiquiatria aumenta o nmero de novas doenas ou novos

    diagnsticos. Esta realidade corresponde a chamada medicalizao da vida cotidiana, onde o

    foco o adoecimento, patologias, doenas e insuficincias humanas. Com isso, as

    potencialidades, capacidades, habilidades e competncias humanas passam a ser

    subestimadas, ou mesmo desconsideradas. Deste modo, prega-se o uso indiscriminado de

    remdios ou plulas da felicidade, tendo como intuito ajudar as pessoas a lidar com a

    situao geradora de sofrimento psquico. No se trata, aqui, da defesa da erradicao dos

    remdios psiquitricos, pois, em determinados casos estes so eficientes e necessrios. No

    entanto, o que vivemos atualmente uma completa medicalizao da vida cotidiana, na qual

    diversos comportamentos ou expresso humana so considerados patolgicos. Assim, a

    medicalizao surge para normalizar ou enquadrar o sujeito ao padro dito normal pela

    sociedade. Diante disso, a subjetividade, bem como a individualidade humana, se tornam cada

    vez mais secundrias sob algumas perspectivas. O ser diferente passa a ser considerado

    anormal.

    Contrria a essa perspectiva patologizante, a Psicologia humanista, que tem como um

    dos principais representantes Carl Rogers, tem entre os seus pressupostos bsicos a nfase na

    valorizao da pessoa humana, das capacidades e potencialidades inerentes, por considerar a

    tendncia autodireo, a tendncia natural para o crescimento pessoal, desde que sejam

    possibilitadas determinadas condies. Nesta mesma vertente, encontra-se tambm a

    Psicologia Positiva de Martin Seligman, que afirma ser o sujeito capaz de lidar com as

    adversidades da vida por possuir, diante de situaes difceis e geradoras de sofrimento, a

    capacidade de superao. A esta capacidade, d-se o nome de resilincia. Tanto a tendncia

    para o auto direcionamento e crescimento, quanto resilincia, indicam a capacidade de

    transformao, adaptao ativa e superao do ser humano. Porm, para o desenvolvimento

    destas capacidades so necessrias condies bsicas fomentadas pelo suporte emocional no

    contexto scio - familiar, nas relaes afetivas e sociais durante situaes de perdas, de

    fragilidade e de dificuldades.

    Estas disposies humanas perante as situaes e contextos adversos tm sido bastante

    estudadas e observadas em pessoas que vivenciaram alguma situao de desastre e

    emergncia ao longo da vida. Na ltima dcada, a Psicologia tem contribudo e ocupado um

  • 11

    espao importante na ajuda a essas pessoas que passam por situaes de desastres e

    emergncias. Assim, segundo Bruck (2007), a Psicologia das emergncias, neste sentido,

    um tema que ele denomina como sendo de angstia pblica. O autor nomeia de angstia

    pblica o sentimento difuso de mal estar que surgem nas situaes ou acontecimentos

    estressores como, por exemplo, nos acidentes de trnsito com vtima, enchentes, incndios,

    etc. , pois, nesse contexto que a Psicologia pode e deve estar inserida, cumprindo com seu

    papel social e humano atravs de uma atuao tica, responsvel e engajada com o outro, que

    no momento to difcil como numa situao de desastre necessita de um apoio psicolgico,

    fundamental para a minimizao de seu sofrimento psquico.

    Ao longo da vida, ns, seres humanos, estamos sujeitos, direta ou indiretamente, a

    vivenciar diversas situaes, sejam elas de perdas, conquistas ou mal-estar. Muitas destas

    podem gerar sofrimento fsico e mental e o modo como iremos encarar cada uma delas

    peculiar, ou seja, cada pessoa enfrenta a situao a partir de como a percebe. Assim, a

    maneira como cada um entende o contexto que esta vivenciando, assim como as capacidades

    pessoais de cada sujeito, influencia no modo de lidar com as adversidades cotidianas. Vrias

    so as situaes provocadoras de sofrimento para o ser humano, no entanto, dentre as mais

    perturbadoras e geradoras de mal-estar para a vida humana esto s circunstncias de

    desastres e emergncias. Ocasies como estas podem provocar angstia, desorganizao

    psquica, paralisao, tristeza, dor, sentimento de desolao e impotncia, sendo assim o

    sujeito encontra-se num grande desequilbrio. Em consequncia, sente-se mais vulnervel

    aos riscos e doenas fsicas e psquicas devido ao sofrimento oriundo da situao

    inesperada. No entanto, percebe-se que algumas pessoas conseguem superar o evento

    traumtico melhor que outras, ou seja, apesar de toda a aflio envolvida, conseguem

    minimiz-la e preservar sua sade e bem estar.

    Considerando as diferentes formas das pessoas reagirem e lidarem com as situaes de

    desastres por elas vivenciadas, bem como com as consequncias destas, tem-se o intuito de

    estudar como vtimas de desastres, mesmo diante de perdas afetivas, familiares, patrimoniais e

    sociais, conseguem superar as adversidades e encontram equilbrio para reelaborar e dar

    continuidade aos projetos de vida. Assim, considerando os contextos de adversidade,

    pretende-se estudar as contribuies da Psicologia, para a compreenso e minimizao do

    sofrimento humano, tendo como base os princpios e conceitos da Psicologia humanista.

    Neste sentido, qual seria o papel do psiclogo numa situao em que so tambm necessrios

    cuidados como primeiros socorros, abrigos, remdios, alimentos, gua? Qual e como deve ser

  • 12

    a atuao desse profissional neste contexto? Quais as suas contribuies na minimizao do

    sofrimento decorrente da situao traumtica? Deste modo, a pesquisa nessa rea relevante,

    pois possibilitar um maior conhecimento sobre o papel da psicologia nas situaes de

    desastres e emergncias considerando as capacidades humanas frentes as adversidades da

    vida.

    Portanto, o presente estudo tem como objetivo geral estudar o papel da psicologia nas

    situaes de emergncias e desastres. Alm disso, tem entre os objetivos especficos discutir

    sobre o papel Psicologia e dos psiclogos na minimizao do sofrimento humano em

    situaes de emergncias e desastres, bem como, estudar as contribuies da psicologia

    humanista na compreenso das necessidades humanas frente a situaes de emergncias e

    desastres.

  • 13

    Captulo 1 - Caracterizando as situaes de emergncias e desastres

    O desastre pode ser entendido como o resultado de eventos adversos ou crticos, entre

    eles, aqueles naturais ou provocados pelo homem, sobre uma populao vulnervel, causando

    diversos danos e prejuzos humanos, materiais, ambientais econmicos e sociais (BRUCK,

    2007). Assim, o desastre se caracteriza como evento ou situao que coloca o sujeito diante de

    perdas, sociais, familiares e patrimoniais. O comportamento e os processos sociais afetam e

    so afetados por todos os estgios dos desastres, desde o perodo pr-desastre ao impacto e

    aos estgios da recuperao (KREPS, 1984; TIERNEY, 1989 apud COLHO, 2011).

    A capacidade de ajuste e os recursos materiais, psicolgicos, sociais e fsicos da

    comunidade so elementos essenciais para definir quando um evento destrutivo poder

    conduzir ao desastre, pois, tais recursos colaboram bastante no enfrentamento. Por

    conseguinte, estes tambm se referem preparao de profissionais para lidar com a situao,

    os trabalhos preventivos, as instituies e apoios que so possveis solicitar, assim como as

    tecnologias disponveis que podem ser teis tanto na preveno quanto durante a ocorrncia

    do desastre. Por exemplo, os efeitos de uma enchente ou terremoto podem variar em

    diferentes lugares do mundo, pois, algumas sociedades desenvolvem recursos tais como as

    tecnologias para diminuir os efeitos das enchentes e terremotos e constroem planos de

    emergncia mais eficazes (TIERNEY, 1989 apud COLHO, 2011). Neste sentido, deve se

    considerar que:

    Qualquer evento adverso pode provocar um desastre, ou seja, causar danos e prejuzos

    quando incidir em comunidades que no esto preparadas para enfrent-lo. Por isso, hoje

    existe uma tendncia em se considerar as aes e omisses humanas em todos os desastres,

    pois so elas que criam as condies para que estes fenmenos ocorram em maior ou menor

    intensidade (em certas situaes) e para que produzam maiores ou menores impactos

    (LOPES, COSTA, SOARES, FURTADO, ALVES, SOLINO, CARTAGENA 2010, p.28).

    As agncias internacionais definem desastre como uma severa ruptura ecolgica e

    psicolgica, que excede a capacidade de enfrentamento da comunidade afetada (WHO,

    1992, apud COLHO, 2011p. 2). De acordo com o Conselho de Psicologia do Paran (CRP-

    08 p.16), citado por Farias, Scheffel, Schruber Jr. (2011) calcula-se que para cada pessoa

    atingida ou afetada por um evento de desastres h, no mnimo, quatro indivduos

    traumatizados psicologicamente. Sendo assim, se percebe a necessidade de uma assistncia

    profissional especializada diante de tais eventos.

    O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente-IBAMA (2002) caracteriza os desastres de

    acordo com a evoluo, origem, e intensidade. Assim, ainda segundo o IBAMA, quanto a

    evoluo, existem trs tipos: os agudos (ou sbitos), estes tm como caracterstica a rapidez

  • 14

    dos efeitos, pois frequentemente so devastadores, ou seja, destroem rapidamente o local

    atingindo. Entres estes esto os deslizamentos, enxurradas, vendavais, incndios nas

    instalaes industriais e em edificaes com grandes quantidades de usurios, abalos

    ssmicos, etc; os graduais (ou crnicos), que so aqueles que trazem as consequncias e danos

    ao longo do tempo e de forma mais lenta, como as secas, eroso, desertificao; e o terceiro

    tipo, classificado de desastre por somao, que so aqueles de efeitos parciais, como os

    acidentes de trnsito, acidentes de trabalho, violncia urbana, entre outros. No caso desta

    ltima modalidade de desastre, um exemplo a ser citado so os acidentes de trnsito, a

    somatria de inmeras ocorrncias parecidas pode representar um total de prejuzos que, por

    fim, ultrapassa os causados pelos desastres mais visveis, como enchentes e vendavais (LOPES,

    2010, apud, FARIAS, SCHEFFEL, SCHRUBER Jr., 2011, p.6).

    Em relao a classificao dos desastres, o IBAMA (2002) estabelece, ainda, a

    tipologia em relao origem do desastre, que pode ser situado como: natural, humano e

    misto. No que se refere s causas naturais, estas envolvem, de acordo com o IBAMA, os

    terremotos, enchentes, tsunamis e as secas, os quais tm entre os fatores causais as questes

    climticas e geogrficas. Sobre os desastres que tem origem humana, o autor ressalta aqueles

    causados por aes e/ou negligncia de pessoas. possvel citar, neste caso, os acidentes de

    transporte, conflitos religiosos, guerras, acidentes qumicos, doenas, entre outros. Temos

    como exemplo mais recente de desastre por fator humano no Brasil, o incndio da boate Kiss,

    na cidade de Santa Maria - RS, que resultou em 242 mortes, segundo o jornal o Globo1.

    Quanto aos desastres de fator misto, (natural humano), ainda de acordo com o IBAMA

    (2002), so aqueles referentes falta de infraestrutura urbana e escassez dos servios

    essenciais, como o desemprego, pobreza, etc; provocando consequentemente um clima de

    incertezas, falta de esperana e revolta, podendo assim promover desastres humanos

    relacionados violncia urbana e conflitos sociais. Em relao a esta modalidade de origem

    dos de desastres, Lopes, et al (2010, p.27) destaca que:

    (...) os desastres provocados por aes e omisses humanas podem ser subdivididos em

    trs: Os Tecnolgicos decorrentes do uso de tecnologias, destacando os relacionados aos

    meios de transporte, produtos perigosos e exploses, entre outros; Os Sociais, resultantes

    do desequilbrio nos inter-relacionamentos econmicos, polticos e sociais, tais como o

    desemprego, a marginalizao social, a violncia e o trfico de drogas, entre outros. E por

    1 Boate Kiss: Parentes de vtimas vo recorrer ao conselho superior do MP contra deciso; por Flvio Ilha,

    Jornal O Globo, publicado em 16/07/13. Disponvel em:< http://oglobo.globo.com/pais/boate-kiss-parentes-

    de-vtimas-vao-recorrer-ao-conselho-superior-do-mp-contra-decisao-9054338?topico=tragedia-em-santa-maria>

    http://oglobo.globo.com/pais/boate-kiss-parentes-de-vtimas-vao-recorrer-ao-conselho-superior-do-mp-contra-decisao-9054338?topico=tragedia-em-santa-mariahttp://oglobo.globo.com/pais/boate-kiss-parentes-de-vtimas-vao-recorrer-ao-conselho-superior-do-mp-contra-decisao-9054338?topico=tragedia-em-santa-maria

  • 15

    fim os Biolgicos ocasionados pelo subdesenvolvimento, da pobreza e da reduo

    deficincia dos servios promotores da sade pblica.

    Por fim, a classificao do IBAMA (2002) estabelece ainda a tipologia de desastres

    em relao a intensidade do evento, que analisada de acordo com o nvel, sendo de Nvel I

    os desastres de pequeno porte ou acidentes; Nvel II, os desastres de meio porte; Nvel III,

    desastres de grande porte; e Nvel IV, desastres de muito grande porte. Percebe-se que

    medida que aumentam os nveis, cresce a gravidade ou efeitos desastrosos do evento. De

    acordo com Brasiliano citado por Farias (2011), os desastres tambm se classificam pela sua

    durao, sendo crnicos ou episdicos. Os primeiros causam srios prejuzos no ambiente,

    principalmente em longo prazo, entre eles os eventos de secas e eroses; os segundos so

    ressaltados pelo autor em conformidade com a dimenso e impactos em curtos espaos de

    tempo, como exemplos os terremotos, vulces, etc.

    A partir destas classificaes, possvel perceber que um desastre pode envolver uma

    srie de fatores, causas, consequncias e vtimas, e a maneira como estes se apresentam

    recebe diversas influencias, dentre estas, a dos aspectos climticos, geogrficos, bem como a

    maneira como estes so explorados ou utilizados por uma populao. No enfrentamento da

    ocorrncia de situaes de desastres tambm influencia o uso dos recursos e estratgias

    disponveis, como tambm os trabalhos desenvolvidos pelas instituies e comunidades

    vulnerveis para preveno e consequente diminuio do impacto. No Brasil, ainda h poucas

    e frgeis estratgias para o enfrentamento s situaes de desastres, especialmente em relao

    as estratgias antecipatrias a desastres j esperados, como aqueles classificados como

    crnicos.

    No Brasil, os desastres de maior prevalncia so os por somao de efeitos parciais,

    seguidos pelos graduais ou de evoluo crnica. Os desastres por somao de efeitos

    parciais so os que produzem mais volume de danos e de prejuzos ao longo dos anos. Por

    isso, h uma tendncia para considerar que os desastres no Brasil so pouco importantes, o

    que no corresponde realidade epidemiolgica do Pas. Os desastres so extremamente

    importantes e causam anualmente um grande volume de danos, que podem ser evitados,

    caso o Programa de Preveno de Desastres seja priorizado. (BRASIL, 2007, p.28).

    Na tentativa de minimizar os efeitos dos desastres, Lopes, et al (2010) destaca as aes

    da Defesa Civil na reduo de seus impactos, bem como do sofrimento humano que antecede

    e decorre destas circunstncias, pois necessitam do envolvimento dos diversos setores da

    sociedade, por meio de entidades, organizaes, pblicas e privadas. Portando, Lopes, et al

    (2010) enfatiza que as atividades e intervenes no podem compor uma tarefa isolada, pois

  • 16

    isso envolve custos elevados, sendo assim, essencial mobilizao e participao daqueles

    que compem a sociedade.

    Assim, de acordo com o Ministrio de integrao nacional (2007), apesar de a Defesa

    Civil ser o rgo responsvel pelo planejamento e desempenho das aes em eventos de

    desastres (de acordo com o Decreto n 5.376, de 17 de fevereiro de 2005, que dispe sobre o

    Sistema Nacional de Defesa Civil - SINDEC e o Conselho Nacional de Defesa Civil), este

    precisa contar com o apoio, colaborao e participao dos diversos setores da sociedade

    numa situao que se caracterize como de emergncia, conforme destacado em seu Art. 6:

    Art. 6o O Conselho Nacional de Defesa Civil - CONDEC, rgo colegiado de carter

    normativo, deliberativo e consultivo integrante da estrutura regimental do Ministrio da

    Integrao Nacional, tem por finalidade a formulao e deliberao de diretrizes

    governamentais em matria de defesa civil, e tem por competncia: (...) V- promover

    estudos referentes s causas e possibilidades de ocorrncia de desastre de qualquer origem,

    sua incidncia, extenso e consequncia; (...) XXIII - propor critrios tcnicos para anlise

    e aprovao de obras e servios destinados a prevenir riscos, minimizar danos e recuperar

    reas deterioradas por desastres; XXIV - dar prioridade ao apoio s aes preventivas e s

    demais relacionadas com a minimizao de desastres (BRASIL, 2007, p.4; 6).

    Percebe-se que as intervenes e aes da Defesa civil, bem como da comunidade e de

    profissionais envolvidos em trabalhos com populaes vulnerveis no se restringem ao

    momento do desastre, pois o trabalho muito mais amplo. Diversos trabalhos podem ser

    desenvolvidos objetivando a minimizao do impacto do desastre, por isso, possvel se

    referir a atividades antes, durante e ps-desastre. Sendo assim, Lopes, et al (2010) frisa que a

    participao ou insero do Psiclogo e outros profissionais de outras reas na situao de

    desastre e na sua gesto essencial, pois estes profissionais podem atuar em diferentes fases

    ou momentos do evento. Ainda segundo a autora, os trabalhos destes profissionais podem ser

    realizados destacando os seguintes aspectos: a preveno, atravs de uma atividade que

    possibilite a conscincia comunitria sobre o assunto e entender como as pessoas percebem os

    riscos aos quais esto expostas, bem como mapear reas de risco; e a fase da recuperao ou

    ps-desastre, quando os referidos profissionais podem estar inseridos no atendimento s

    pessoas afetadas, na administrao dos abrigos e no desenvolvimento de planos de

    reconstruo, entre outros. Nesta direo, ressalta que o trabalho da Defesa Civil no est

    restrito situao ps- desastre:

    Durante muito tempo, o trabalho de enfrentamento aos desastres, por parte da Defesa Civil

    brasileira, concentrou-se nas aes desenvolvidas aps o impacto do evento adverso,

    envolvendo o socorro, a assistncias pessoas atingidas e a reabilitao do cenrio do

    desastre. por isso que muita gente, ainda hoje, associa as aes de defesa civil coleta,

  • 17

    organizao e distribuio de donativos, ao repasse de recursos pblicos para reas

    atingidas por desastres naturais ou a coordenao de servios de segurana pblica e de

    defesa civil (LOPES et al, 2010, p.24).

    Diante disso, nota-se que a noo de apoio quando j ocorrido o evento no se resume

    apenas aos primeiros momentos ou dias do desastre. Tal apoio deve se estender o tempo

    necessrio para as vtimas que precisam de ajuda, como tambm para aqueles que, direta e

    indiretamente, foram atingidos. Alm disso, cada indivduo tem suas caractersticas pessoais

    para apreender, bem como resignificar sua experincia. Outros fatores tambm devem ser

    considerados como: as caractersticas do evento, dimenso dos estragos, danos e

    consequncias a curto e longo prazo. O respeito ao tempo subjetivo de cada sujeito

    fundamental, pois, passado o impacto inicial, com os primeiros socorros, o indivduo vai

    tomando conscincia das perdas e junto a isso vem o sentimento de incerteza, insegurana e

    tristeza.

    1.1- Importncia da incluso dos profissionais de psicologia no cuidado com vtimas de

    emergncias e desastres

    De acordo com Bruck (2007), a insegurana provocada diante do imprevisto, a

    possibilidade de algo inimaginvel se tornar realidade como, por exemplo, o ataque as torres

    gmeas nos Estados Unidos; e, no Brasil, o incndio no Gran Circo Americano2 e,

    recentemente, na boate Kiss. Situaes como estas podem gerar angstia pblica, ou seja,

    ao estresse e a um sentimento de mal estar, resultante de uma situao limite. Sobre isso, o

    autor comenta:

    Uma atitude de estar muito aberto ao novo, consciente do desafio de ver-se em situaes

    complicadas que exigem criatividade e competncia, pode demandar uma necessidade de

    mudar o modo de agir, podendo torna-se necessrio modificar a imagem que uma pessoa

    tenha de si prprio, imprescindvel que toda a ao conte com o autoexame ou autocrtica

    ( BRUCK,2007,p.53)

    Assim, quanto mais a pessoa est aberta s resignificaes, menos esttica e estagnada

    est sua personalidade (FUJISAKA 2009, p.65). Para Rogers (1977), na medida em que o

    sujeito est aberto para sua experincia o funcionamento de sua personalidade flui, e ele

    torna-se mais flexvel no decorrer da assimilao de experincias novas. Tal flexibilidade e

    2 Folha de S. Paulo: O incndio no circo a policia solta o principal suspeito. So Paulo, 20 de dezembro de 1961.

    Disponvel em:< http://acervo.folha.com.br/fsp/1961/12/20/2/>

    http://acervo.folha.com.br/fsp/1961/12/20/2/

  • 18

    assimilao do novo permite ao indivduo manter um estado de acordo entre a noo de eu e

    a experincia, ou seja, entre o que ele pensa/percebe sobre/em si, o modo como ele age frente

    a determinada situao e a percepo de tal experincia vivenciada. Percebe-se assim a

    importncia do sujeito estar aberto para novas experincias, pois como enfatizado, tal

    flexibilidade, contribui na reelaborao e na maneira do indivduo perceber e lidar com suas

    vivncias, especialmente quando se trata de situaes catastrficas. Nesta direo, podemos

    considerar que as vtimas de situaes desastrosas enfrentam uma mesma situao de

    diferentes formas, haja vista a capacidade de cada para lidar com as perdas decorrentes.

    No que concerne as vtimas dos desastres, estas podem ser classificadas em seis nveis

    (TAYLOR e BRUCK, 2009; apud FARIAS, SCHEFFEL, SCHRUBER Jr. 2011 p.7):

    Vtimas de primeiro grau so as que sofrem o primeiro impacto direto das emergncias ou

    desastres, com perdas materiais e danos fsicos; vtimas de segundo grau so os familiares e

    amigos das anteriores; vtimas de terceiro grau so as chamadas vtimas ocultas,

    constitudas pelos integrantes das equipes de primeiros auxlios, como o Servio de

    Atendimento Mvel de Urgncia (SAMU), bombeiros, mdicos, psiclogos, policiais,

    pessoas da defesa civil, voluntrios e outros; vtimas de quarto grau a comunidade afetada

    em seu conjunto; vtimas de quinto grau so as pessoas que ficam sabendo atravs dos

    meios de comunicao; vtimas de sexto grau so aquelas pessoas que no se encontravam

    no lugar do acontecimento por diferentes motivos.

    Diante de um cenrio to difcil de uma catstrofe so necessrias diversas

    mobilizaes para ajudar as vtimas. De acordo com Silveira (2011), inicialmente, o Estado e

    a sociedade devem garantir as necessidades bsicas da populao atingida por meio da

    instalao de abrigos provisrios para aqueles que perderam suas casas, alimentao,

    remdios, e os cuidados mdicos imediatos. Para o autor, aps esse momento inicial, muitas

    vezes, nada mais se consegue realizar ou fazer para acompanhar as vtimas, suas famlias e

    comunidade. Sendo assim, Silveira (2011) destaca ainda que nesse cenrio multifacetado

    que a Psicologia encontra um amplo campo de atuao atravs de suas intervenes, tanto a

    nvel individual como tambm grupal. Bruck destaca:

    O socorro tradicional visa o apoio material, a recuperao da sade, moradia, alimentao e

    demais necessidades bsicas. O apoio emocional, especialmente dentro das questes da

    vulnerabilidade recente, sendo que entre ns no h dispositivos ou protocolos utilizados

    em organizaes como a Defesa Civil, ou mesmo o SAMU ou o Corpo de Bombeiros, que

    ainda encontram-se disputando espaos de poder, mas com pouca produo que participe

    das discusses mundiais sobre o tema (BRUCK, 2007, p.120).

    Ento, depois dos primeiros socorros queles que objetivam atender inicialmente as

    necessidades bsicas, como os cuidados fsicos, ferimentos, dores no corpo e os possveis

    riscos a sade das pessoas (contaminao, lixo, produtos inflamveis etc), possvel o

    planejamento das intervenes psicolgicas adequadas e necessrias. Para isso, so

    indispensveis algumas informaes sobre o evento trgico, como nmero de vtimas, como

  • 19

    elas esto, ou seja, seu estado de sade, onde esto s famlias que perderam parentes e, s

    vezes, seu prprio lar; se existe algum parente ou amigo que pode dar algum apoio; os riscos e

    estragos, ou seja, faz-se necessrio ter a noo das necessidades dos atingidos pela tragdia.

    Em relao a tais necessidades, Bruck afirma que:

    Na experincia que adquiri acompanhando as misses de socorro, talvez a nica coisa que

    eu possa afirmar seja a necessidade das vtimas, quando conscientes, de avisar um familiar

    daquilo que tinha lhe acontecido. Fica clara, a importncia de um vnculo nestes momentos.

    Se a pessoa contar com algum para oferecer esta ajuda j estar sendo dado um primeiro

    passo para a recuperao emocional. Esta ajuda simples, e por isto, delicada e sutil, onde

    falar nem sempre o mais importante. (BRUCK, 2007, p.127)

    Segundo Ramirez (2011), entre os objetivos do trabalho dos profissionais da sade

    mental nessas situaes est oferecer apoio emocional aos familiares que perderam seus

    parentes, lhes proporcionar os auxlios bsicos de sade mental no comeo do processo do

    luto3, o qual vai desde a fase de negao, caracterizada pela no aceitao da perda e pela

    enorme dor diante do vazio deixado, fase da aceitao, que tem como caractersticas a

    elaborao do luto, ou seja, a pessoa aceita a perda com maturidade e consegue seguir sua

    vida apesar, da saudade e/ou falta do outro.

    Na ateno pessoas vtimas de situaes de desastres o cuidado com a sade vai

    muito alm, portanto, dos cuidados fsicos. O suporte emocional indispensvel, bem como o

    apoio social, que pode ser oferecido pelos diversos setores que compem a sociedade, dentre

    eles: as religies, as politicas pblicas, assim como os lideres polticos e de opinio, a mdia,

    empresrios, comunidades, pessoas disponveis a ajudar, entre outros. A mobilizao e

    envolvimento destes diversos setores tm como objetivo ajudar aqueles (as) que esto ou

    foram expostos a uma situao de desastre e emergncia. De acordo com Lopes, et al (2010),

    o envolvimento das pessoas dispostas a ajudar, bem como das organizaes, visa

    transformao de uma realidade social, ou seja, a mudana de algum aspecto da realidade

    imediata para outra realidade. A autora considera essencial que todos aqueles que estejam

    colaborando ou ajudando percebam e identifiquem a necessidade do que se quer mudar, e

    juntos busquem as alternativas e recursos possveis. importante que as pessoas e grupos

    sejam capacitados para a ao, pois as mudanas so decorrentes de aes continuadas.

    3 De acordo com (BOWLBY, 1985 apud KOVCS, 1992, p.1), o processo do luto refere-se a quatro fases: A

    primeira seria a fase do choque que tem a durao de algumas horas ou semanas e pode vir acompanhada de

    manifestaes de desespero ou de raiva. A segunda fase seria a do desejo e busca da figura perdida, que pode

    durar tambm meses ou anos. A terceira seria a fase de desorganizao e desespero, onde a esperana

    intermitente, os desapontamentos repetidos, o choro, a raiva, as acusaes, podem ser manifestaes desta fase.

    Por fim, a fase de alguma organizao, onde se processa uma aceitao da perda definitiva e a constatao de

    que uma nova vida precisa ser comeada.

  • 20

    Diante disso, possvel compreender que o apoio e ajuda nessas situaes vai muito

    alm do aspecto econmico financeiro, pois cada pessoa ou protagonista envolvida tem sua

    historia e, consequentemente, seus projetos de vida, objetivos, prioridades, singularidades e

    conquistas. importante para aqueles que iro colaborar com seu saber e fazer profissional ter

    essa noo durante suas intervenes.

    Nessa perspectiva, o mais importante no so as condies do contexto, mas a

    percepo que cada um tem de sua experincia, e esta, por sua vez, baseada na histria de

    vida do sujeito, suas vivncias, aprendizagens, dificuldades, desafios, interesses entre outros

    aspectos que refletem na maneira como cada um se percebe ao longo da vida e no modo como

    encara as situaes ou experincias que surgem na nela. Podemos afirmar, portanto, que:

    O homem contemporneo tem marcas. Marcas de experincias, de lutas de sofrimentos.

    Marcas de ausncia, presena, conquistas, perdas. Marcas que traduzem ou revelam quem

    ele , como foi sua histria, como o seu vivido, como planeja seu futuro. Sua forma de

    estar no mundo, seu olhar diante dos acontecimentos e o modo como se relaciona desvelam,

    para aquele que se dispe a ouvir, todo o arsenal de conhecimento a respeito de si e daquilo

    que o cerca, que parece brotar da prpria angstia a revelao das dimenses do sofrimento

    e da fragilidade humana (PEREIRA e CALDAS, 2012, p.255).

    A valorizao da percepo do sujeito sobre sua experincia elemento central da

    fenomenologia que, atravs do mtodo fenomenolgico4 de Husserl, sistematiza a descrio,

    reduo e compreenso da experincia do sujeito, pois, o fenmeno para Husserl

    simplesmente aquilo que se oferece ao olhar intelectual, observao pura, e a fenomenologia

    se apresenta como um estudo puramente descritivo dos fatos vivenciais do pensamento e do

    conhecimento oriundo dessa observao (GILES, 1975, p. 132).

    Tal sistematizao permite notar que o olhar fenomenolgico possibilita entender

    melhor a singularidade do sujeito perante sua percepo sobre a vida, assim como os

    significados que este d para suas experincias. Sendo assim, entende-se que cada indivduo

    atribui um significado para suas vivncias ao longo da vida, possui uma maneira particular de

    lidar, olhar e dar sentido ao fenmeno que se apresenta, ou seja, dar sentido sua experincia.

    Na perspectiva fenomenolgica, a conscincia adquire um novo significado, totalmente

    diferente daquele existente at ento. Ela definida como percepo, de modo que no h

    separao e oposio entre os dados sensvel e racional no ato de apreenso das coisas.

    Nossas experincias constituem a fonte de todo o conhecimento, sendo este adquirido no

    4 A trajetria fenomenolgica consiste em trs momentos que compem a sequncia de aplicao do mtodo: a

    descrio, a reduo e a compreenso. As descries revelam as estruturas do fenmeno, as experincias,

    buscando a essncia naquilo que aparece e se mostra. O segundo momento consiste em determinar e selecionar

    quais partes da descrio so essenciais, pondo em suspenso todas as afirmaes relativas s vivncias, para

    somente ento compreend-las e explicit-las. O terceiro momento consiste na compreenso fenomenolgica,

    que tambm interpretativa. O movimento da passagem do individual para o geral resulta das convergncias,

    divergncias e idiossincrasias que se apresentam nos casos individuais (MERIGHI, 2003, apud, GOMES et

    al,2008 p.148).

  • 21

    prprio mundo, um mundo que existe ao nosso redor e que s passa a existir efetivamente

    para ns quando lhe atribumos um sentido. O mundo est a mesmo, ele inesgotvel, pois

    o conhecimento que podemos ter dele em perspectiva, ou seja, h vrias possibilidades ou

    ngulos de apreend-lo, dependendo das nossas vivncias (MOREIRA, 1997, p.403).

    Portanto, compreende-se a partir do olhar fenomenolgico que numa situao de

    desastre e emergncia, perante o sofrimento ocasionado pelo evento, necessria uma viso

    particular de cada sujeito envolvido. Cada um atravs de sua histria e vivncias perceber e

    atribuir um significado nico, particular, para a sua experincia. Sendo assim, possvel

    afirmar que mesmo passando pela mesma situao, como num um desastre, cada uma das

    vtimas ir perceber e lidar com esse momento a partir do modo como percebe essa

    experincia. As diferentes percepes, significaes, expresses de sofrimento e de

    enfrentamento, por parte de cada pessoa afetada por uma catstrofe, requer o olhar e ateno

    individualizados a fim de fomentar as necessidades mais particulares de cada caso.

    Captulo 2 - O Papel da psicologia nas situaes de emergncias e desastres

    A insero do psiclogo nas aes de desastres vem sendo reconhecida desde inicio do

    sculo XX atravs de estudos e pesquisas de profissionais que buscaram observar melhor as

    emoes e reaes psicolgicas das pessoas afetadas por um desastre. Segundo Colho, citado

    por Farias, Scheffel, Schruber Jr. (2011), o primeiro estudo sobre a insero do psiclogo na

    rea de desastres ocorreu no ano de 1909, atravs do psiquiatra Edward Stierlin, que tinha

    como objetivo entender as aes relacionadas s emoes dos indivduos envolvidos em

    desastres. Em 1944, Lindemann realizou o primeiro estudo sobre a interveno psicolgica no

    ps-desastre atravs de uma avaliao sistemtica das respostas psicolgicas dos

    sobreviventes e de seus familiares no incndio do Clube Noturno Coconut Grove, em Boston,

    EUA (CARVALHO, BORGES 2009, p.3).

    De acordo com Alamo (2007), citado por Carvalho, (2009), foi nos anos de 1960 e

    1970 que a Psicologia buscou analisar, assim como estudar, as reaes individuais no ps-

    desastre. Assim, em 1970, a Associao de Psiquiatria Americana publicou um manual sobre

    primeiros auxlios psicolgicos em casos de desastres, no qual so apresentados alguns tipos

    de reaes clssicas aos desastres e os princpios bsicos para identificar pessoas que esto

    abaladas emocionalmente (CARVALHO, 2009).

    No que se refere aos primrdios da insero do trabalho da Psicologia em situaes de

    desastres no Brasil, temos como o acidente radioativo com o Csio-137, em Goinia-GO, em

  • 22

    1987(CHEMELLO, 2010). De acordo com Carvalho, (2009), em 1992 a UFRJ - Universidade

    Federal do Rio de Janeiro, a UnB - Universidade de Braslia e a UCG - Universidade Catlica

    de Goinia se engajaram num trabalho conjunto com uma equipe de Psiclogos Cubana, com

    experincia nesse tipo de atuao por terem atuado no Acidente Nuclear de Chernobyl. Em

    parceria com tais universidades, psiclogos colaboraram no atendimento aos afetados pelo

    Csio-137, adaptando o mesmo programa utilizado em 1986 em Chernobyl s demandas da

    comunidade atingida.

    No Brasil, tem havido seminrios objetivando discusses e propostas de atuaes na

    rea da Psicologia, pois cada vez mais se reconhece e se valoriza a importncia do trabalho do

    psiclogo na reconstruo ou reabilitao da sade mental dos atingidos por uma catstrofe.

    Segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP) (2011), no I seminrio Nacional de

    Psicologia das Emergncias e dos Desastres, realizado em 2006, em Braslia-DF, foram

    iniciadas as discusses sobre a atuao da Psicologia no desenvolvimento de uma conscincia

    social sobre os problemas decorrentes dos desastres, tendo como intuito enfatizar a preveno

    e tambm ateno s vtimas em situaes de desastres. No ano de 2011 foi realizada na

    mesma cidade a segunda edio do Seminrio Nacional de Psicologia das Emergncias e dos

    Desastres e, de acordo com o CFP, dentre os temas abordados, incluiu-se o histrico da

    atuao deste Conselho no tema das emergncias e desastres, assim como a possibilidade de

    atuao da psicologia das emergncias e desastres em sua interface com a defesa civil.

    Deste modo, diante da participao e atuao cada vez mais frequente de Psiclogos

    (as) nos trabalhos direcionados s vtimas de eventos catastrficos, o CFP publicou em maio

    de 2013, no seu site, uma nota tcnica sobre atuao de psicloga (o)s em situaes de

    emergncias e desastres, relacionadas com a poltica de defesa civil e, nas consideraes

    gerais, destaca o seguinte:

    As situaes de emergncias e desastres que vm atingindo inmeras reas no Brasil nos

    ltimos anos e, especialmente, as consequncias que esses acontecimentos geram / trazem

    para a populao atingida e para a sociedade, motivaram o Sistema Conselhos de Psicologia

    a elaborar uma Nota Tcnica para nortear o trabalho que as (os) psiclogas (os)

    desempenham, especificamente, em tais situaes, seja como profissional contratado ou

    como voluntrio. Nos dois casos, ela(e) estar agindo como psicloga (o) e;

    consequentemente; est submetido s determinaes e exigncias do Cdigo de tica e

    outras regulamentaes normativas que regem a profisso, inclusive terem o registro ativo

    no CRP da sua rea de jurisdio. Espera-se, com isso, esclarecer algumas questes que

    surgiram com mais frequncia neste cenrio. Todo exerccio da Psicologia regido pelo

    Cdigo de tica que deve ser do conhecimento do profissional, norteando assim a sua

    prtica em qualquer mbito de atuao (CFP, 2013).

    Ainda de acordo com o CFP (2013), no que concerne ao exerccio profissional da

    Psicloga (o) bem como o que diz respeito s pessoas afetadas, direta ou indiretamente, e que

  • 23

    sofreram as consequncias do evento catastrfico como perdas prejuzos, e danos, recomenda-

    se uma ateno maior na prtica psicolgica para no causar ou possibilitar a vitimizao ou

    patologizao dessas pessoas. Para se evitar isso, o CFP destaca uma conduta profissional

    tica baseada na defesa da garantia de direitos e sendo proibida a induo ou manipulao de

    qualquer natureza do protagonismo dessas pessoas, conforme os Princpios Fundamentais e o

    Art. 2, b, do Cdigo de tica: Induzir a convices polticas, filosficas, morais, ideolgicas,

    religiosas, de orientao sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exerccio de

    suas funes profissionais (CFP, 2005, p.9).

    Destarte, a Psicologia das emergncias e desastres tem como foco a atuao para a

    minimizao do sofrimento diante de uma realidade traumtica, pois, tais momentos trazem

    consequncias difceis para a vida de muitas pessoas ao mesmo tempo e exigem delas foras

    pessoais para vencer as dificuldades decorrentes do desastre. Para Ramrez (2011), se faz

    essencial que o profissional de psicologia possibilite e busque aliviar o sofrimento humano,

    para o autor este um princpio fundamental na interveno psicolgica em emergncias e

    desastres. Assim:

    A psicologia das emergncias postula, em primeiro lugar, a emergncia do humano. Isto

    no significa ficar colado no drama, que o emocionalismo e a paralisia diante da tristeza.

    Significa discutir e buscar as teorias e prticas que possam oferecer caminhos, sempre

    levando em conta a experincia e o contexto que aparecem as situaes de crise. Os

    atendimentos de emergncias mexem com todos ns (BRUCK 2007, p.48).

    De acordo com Marcomini (2010), o trabalho da Psicologia nas emergncias inclui a

    reconstruo do que a autora chama de tecido social esfacelado, sendo possvel atuar aps o

    trauma e durante todo o processo de reconstruo no apenas fsica, mas tambm social. A

    vivncia e o significado de um evento de desastre algo singular para cada pessoa envolvida

    ou exposta a tal situao considerada traumtica. Alm disso, a maneira como percebe e lida

    com a situao de desastre tem influncia de suas experincias anteriores, sua percepo de

    risco, ou seja, a noo que o sujeito possui sobre os perigos e vulnerabilidades que est

    exposto, suas condies sociais e econmicas, bem como as perdas envolvidas. Para Lopes:

    A carga traumtica para cada indivduo afetado ocorre tambm em funo de sua

    organizao psquica prvia. Desastres que poderiam ser classificados como de mdia

    gravidade podem produzir forte impacto em algumas pessoas e em outras no. O inverso

    tambm pode acontecer, embora seja menos provvel. (LOPES et al, 2010, p.118),

    A adequao da interveno da psicologia vai depender, contudo, da forma como

    configuramos as fontes de insegurana bem como da forma como dimensionamos as

    capacidades de resposta das comunidades (MATTEDI, 2008, p.163). Deste modo, se devem

  • 24

    garantir algumas orientaes aos agentes responsveis e aos voluntrios em relao a algumas

    atitudes necessrias durante as primeiras providncias, dentre estas: garantir o fornecimento

    de gua, condies de higiene adequadas e de segurana, que so essenciais por se tratarem de

    componentes iniciais importantes para a reorganizao dos afetados. Outro fator que merece

    ateno, de acordo com Lopes, et al (2010), a necessidade de segurana afetiva das pessoas,

    a qual definida pela relao afetiva estabelecida com quem est sua volta, ou seja,

    parentes, amigos, assim como, pelo acolhimento dos profissionais e voluntrios. Portanto, nas

    situaes que se caracterizam como de emergncia e desastre, so importantes todos os apoios

    disponveis: famlia, comunidade, poder pblico, amigos e profissionais, a curto e longo

    prazo, pois essas situaes so, na maioria das vezes, muito destruidoras e exigem tempo para

    as pessoas e comunidade retomarem suas vidas.

    Sobre as fases de interveno, Ramirez (2011) ressalta, ainda, a importncia da gesto

    de risco de sade mental, a qual se refere a todas as aes e intervenes que devem ser

    desenvolvidas antes da tragdia. Portanto, o autor enfatiza na preveno da doena mental,

    bem como promoo da sade mental antes, durante e depois da tragdia. Para Colho (2011),

    ao se avaliar os efeitos, consequncias e estragos de um desastre essencial analisar as

    vulnerabilidades das pessoas e o risco com o qual elas tm de lidar no seu cotidiano, em vez

    de apenas enfatizar o agente fsico que ocasionou o desastre. Alm disso, em nvel de

    assistncia social, Ventura destaca que:

    importante ressaltar que o acompanhamento deve sempre focar a ao para o retorno da

    famlia proteo social bsica, que prope o fortalecimento dos vnculos familiares e

    comunitrios e tem como carter fundamental a preveno das situaes de riscos sociais.

    Outra questo fundamental que a etapa de acompanhamento ps-emergencial mantm seu

    carter intersetorial, a fim de a famlia receber ateno das diversas polticas de proteo

    social (VENTURA, 2011, p.53).

    Em relao s aes posteriores ao evento, ou seja, aps a fase da emergncia,

    Ramirez (2011) enfatiza que se deve avaliar o impacto do desastre sobre a sade mental dos

    afetados. Para isso, destaca alguns aspectos importantes durante o planejamento das

    intervenes, que tm como foco recuperao da populao ou comunidade atingida.

    Segundo o autor, aps a realizao dos atendimentos essenciais que permitem o inicio do

    processo de reestabelecimento das condies normais da comunidade atingida (alimentao,

    abrigos, higiene, etc) faz-se necessrio usar as estratgias e intervenes disponveis para

    reduzir o estresse dos profissionais e voluntrios, pois, mesmo sendo afetados de forma

    indireta pela tragdia, essas pessoas se encontram em meio a uma situao difcil e de muito

    sofrimento. Assim, para o sucesso destas intervenes, relevante, segundo Silveira (2011),

  • 25

    organizar as atividades e capacitar os psiclogos que esto frente dessas atividades para

    produzir competncia tcnica e, alm disso, buscar apoio das polticas pblicas para atender

    de maneira mais competente os atingidos, possibilitando ao psiclogo se inserir e atuar de

    modo competente e abrangente neste contexto.

    Podemos, assim, destacar como foco do trabalho nas situaes de emergncias e

    desastres a reconstruo e reabilitao, ou seja, nos processos de reparao a mdio e longo

    prazos referentes ao aspecto fsico, mental, social e econmico.

    Percebe-se, assim, a importncia dos recursos desenvolvidos pela sociedade e pelo poder

    pblico na superao e reabilitao ps-ocorrncia desses eventos, assim como, na

    preveno das consequncias dos mesmos atravs de fomento de informao s

    comunidades sobre seus riscos, de sensibilizao e capacitao para oferecer apoio capaz de

    responder adequadamente as necessidades, minimizando o impacto do evento em sua sade

    mental (RAMREZ, 2011, p.71).

    Corroborando Rogers (1977), quando se refere necessidade de um ambiente ou

    condies favorveis para o sujeito crescer enquanto pessoa, entende-se que em tais situaes

    estes recursos ou condies a que se refere so proporcionados pelo o apoio da famlia,

    comunidade, amigos, polticas pblicas, servios de sade, instituies, voluntrios,

    profissionais e a populao de modo geral.

    Finalizada as etapas de interveno, Ramirez (2011) afirma tambm que as equipes de

    sade, assim como os voluntrios envolvidos nas aes, devem realizar uma desmobilizao

    psicolgica, ou seja, um momento que lhes permita compartilhar os seus pensamentos e

    sentimentos diante dessa tarefa onde a prioridade sobre os cuidados est no outro. Refere-se,

    ento, a uma ocasio de troca de experincias, reflexes, coleguismo e ressignificaes

    pessoais e grupais da situao em que os membros da equipe esto envolvidos.

    Percebe-se, assim, que o processo de promoo da sade mental no tem um tempo ou

    fator determinado para comear e finalizar, pois, deve ser constante e de acordo com cada

    realidade psicossocial. Suas aes devem focar no s o processo do sofrimento decorrente do

    trgico, mas tambm na preveno, de modo a trabalhar junto comunidade frisando suas

    capacidades e potencialidades e proporcionar condies favorveis para a tomada de

    conscincia das potencialidades que muitas vezes ficam latentes, bem como so por vezes

    subestimadas. Isso possibilita que o sujeito enfrente as dificuldades e adversidades da vida

    atravs de seus recursos prprios, independente da situao ou evento, evitando, assim, o uso

    abusivo de medicamentos que algumas vezes so ingeridos como tentativa de diminuir o

    estresse e a angstia decorrentes da situao do desastre.

  • 26

    Por vezes, a medicao o recurso mais adequado, entretanto, importante facilitar

    junto s vtimas as possibilidades decorrentes de seus recursos pessoais. O significado de

    todo evento uma interao complexa entre o evento, o passado e o presente da pessoa, bem

    como o seu contexto social (COLHO, 2011, p.1).

    Nesta direo, Rogers (1977) afirma que, , pois, a capacidade do ser humano tomar

    conscincia de sua experincia, de avali-la, verific-la e corrigi-la que demonstra sua

    tendncia inerente ao desenvolvimento em direo maturidade e crescimento pessoal e,

    assim sendo, em direo autonomia e responsabilidade.

    Portanto, um aspecto fundamental ao longo de todas as intervenes do profissional da

    Psicologia no contexto de emergncia a escuta psicolgica, pois, esta ressalta a demanda

    emocional imediata e/ou emergente do sujeito. Para Schmidt (2004), a escuta psicolgica

    pensada e praticada, tendo como base o acolhimento do sofrimento imediato do sujeito e visa,

    portanto, acolher e responder a demandas por ajuda psicolgica. Pensando em um cenrio de

    desastre onde os atingidos direta ou indiretamente encontram-se fragilizados emocionalmente

    em consequncia das perdas e do contexto difcil, a escuta torna-se um recurso adequado e

    eficiente. Sendo assim, a escuta se refere tcnica ou primeiro recurso de ajuda psicolgica.

    Sobre isto, importante ressaltar a capacitao do profissional da psicologia, pois, se faz

    necessrio adotar atitudes ou posicionamentos adequados na relao com as vtimas. Assim,

    torna-se relevante uma postura isenta de julgamentos de valor e que demonstre aceitao e

    acolhimento em relao pessoa que esta sendo escutada.

    A escuta emptica5 favorece que a pessoa afetada possa se expressar e perceber que

    esta sendo compreendida e entendida. Segundo Rogers (1977), uma atitude emptica refere-se

    capacidade de colocar-se no lugar do outro, apreender a experincia a partir do referencial

    do outro, sem restringir-se aos aspectos unicamente emocionais.

    A atitude emptica se faz essencial ao profissional da Psicologia, pois, cada indivduo

    entende, compreende e d um sentido para sua vivncia a partir de um olhar especifico sobre

    si e suas experincias. Assim sendo, a maneira como cada pessoa percebe e enfrenta as

    situaes que surgem ao longo de sua trajetria, recebe influencia direta da imagem

    construda sobre si mesma. Assim, do ponto de vista da perspectiva humanista, tendo como

    base o enfoque fenomenolgico, podemos destacar que:

    5 O termo empatia foi criado pela Psicologia clinica para indicar a capacidade de se imergir no mundo

    subjetivo do outro e de participar da sua experincia, na extenso em que a comunicao verbal e no verbal o

    permite. Em termos mais simples, a capacidade de se colocar verdadeiramente no lugar do outro, de v o

    bbbmundo como ele o v (ROGERS; KINGET. 1977 p.104).

  • 27

    Na perspectiva fenomenolgica existencial, sentido o modo como experincia

    humana compreendida da forma como o sujeito a vive: as coisas do mundo, o que so e

    como so tm significado para o homem, elas se expressam no ser do homem, dando

    consistncia a ele (ao homem) a seu fazer e ao seu saber (CRITELLI, 1996, apud,

    PEREIRA e CALDAS, 2012, p. 256).

    Percebe-se, ento, a importncia do psiclogo compreender fenomenologicamente a

    experincia do sujeito em adoecimento ou sofrimento, especialmente queles em sofrimento

    decorrente de desastre. De acordo com Lopes, et al (2010), o psiclogo pode atuar nas aes

    que envolvem o atendimento aos abrigados, assim como na direo e planejamento das aes

    dos membros da equipe de ajuda, sensibilizando-os quanto escuta acolhedora e sem

    preconceitos (LOPES, et al p.125). Por conseguinte, destaca tambm algumas posturas

    importantes diante das primeiras intervenes psicolgicas, dentre elas:

    Adotar uma atitude de escuta responsvel e emptica, que permita a pessoa afetada

    expressar, o melhor recurso na assistncia psicolgica de urgncia. No tentar resolver,

    responder, ou mesmo esclarecer todas as perguntas que os afetados o fazem sobre os

    aspectos referentes s causas do desastre. No tentar acalm-los, convencendo-lhes de que

    as suas impresses sobre o evento esto equivocadas. Manter o autocontrole: quem oferece

    a primeira ajuda deve controlar seu prprio comportamento. Disposio para trabalhar em

    equipe (LOPES et al, p.125).

    Nota-se que o trabalho da Psicologia acontece desde a preveno, no se resumindo ao

    ps-desastre, sendo assim, importante afirmar que essencial o apoio das politicas pblicas

    tanto nas aes de preveno quanto nas de reconstruo.

    Em relao atuao do psiclogo na etapa ps-emergencial, Ventura (2011) afirma a

    importncia do trabalho desse profissional no acompanhamento das famlias atingidas pelas

    catstrofes, apoiando-as no enfrentamento das perdas. Na esfera da assistncia social Ventura

    situa o trabalho do psiclogo em trs nveis de proteo.

    A proteo social bsica, por meio das equipes dos Centros de Referncia da Assistncia

    Social (Cras); a proteo social especial de mdia complexidade, mediante os Centros

    Especializados de Assistncia Social (Creas); e a proteo social especial de alta

    complexidade, por meio de abrigos e instituies de longa permanncia (VENTURA 2011;

    p.53).

    Em 6entrevista ao Conselho Regional de Psicologia 05 Regio CRPRJ, a psicloga

    Angela Colho anuncia que o trabalho se amplia nas inmeras reas de atuao da Psicologia,

    indo desde a preveno, a partir de atividades em escolas, unidades bsicas de sade (UBS) e

    Centros de Referncia e Assistncia Social (CRAS), buscando utilizar as metodologias

    participativas, por meio das quais a comunidade poder expor o que interessa a ela trabalhar.

    6 Fonte:< http://www.crprj.org.br/publicacoes/jornal/jornal29-angela-coelho.pdf>

    http://www.crprj.org.br/publicacoes/jornal/jornal29-angela-coelho.pdf

  • 28

    A amplitude do trabalho do psiclogo permite-nos supor que h poucos limites na

    atuao. Desde que pautada nos princpios ticos da profisso e direcionada minimizao do

    sofrimento humano, a interveno psicolgica parece ser necessria e urgente, pois esta,

    juntamente aos demais procedimentos de emergncia, possibilitar a reorganizao de pessoas

    e de comunidades inteiras, especialmente do ponto de vista psquico, permitindo a cada uma

    das pessoas afetadas a retomada do curso normal de suas vidas, apesar das perdas.

    Captulo 3 - Os princpios bsicos da psicologia humanista e suas articulaes com o

    cuidar das vtimas de situaes de emergncias e desastres

    Os princpios humanistas, tais como liberdade, responsabilidade, autenticidade, viso

    positiva do homem, entre outros elementos subjacentes ao pensamento humanista, ampliaram

    o olhar sobre o ser humano, favorecendo o desenvolvimento de importantes avanos na

    psicologia a partir de 1960, com desdobramentos na atuao dos psiclogos desde ento.

    Especialmente nesta ltima dcada, aps significativas mudanas de paradigmas na sade e

    nas propostas de ateno por meio das polticas pblicas, a interveno de base humanista nas

    aes em prol da sade permitiu um olhar amplo sobre as pessoas em situaes de

    enfrentamento e diante de condies que geram sofrimento, tais como nos desastres e

    emergncias. Assim, percebe-se que a Psicologia tem muito a colaborar para a humanizao

    em momentos difceis que trazem, geralmente, um sofrimento em massa, pois, de acordo com

    Colho (2011), o significado de um desastre para os sobreviventes determina no s como a

    situao vivenciada, mas, tambm como a recuperao ocorre.

    A psicologia humanista possui como modelo de cincia, uma viso integral do homem

    respeitando sua complexidade. Neste sentido:

    Os humanistas, reeditando em novas verses propostas da Psicologia Compreensiva de

    Dilthey, da perspectiva holista da Psicologia da Gestalt, da primeira Fenomenologia de

    Husserl, e dos questionamentos existencialistas sobre a singularidade e irracionalidade da

    existncia concreta, tendem a acordar que a Psicologia deve se afirmar em um modelo de

    cincia do homem, respeitando e se adaptando s especificidades de seu objeto de estudo.

    (BOAINAIN, 1994, p.11)

    Sendo assim, a psicologia humanista busca compreender o homem a partir do todo, ou

    seja, como um ser-no-mundo. As origens do humanismo na psicologia norte americana se

    entrelaam com o surgimento da fenomenologia e do existencialismo moderno europeu,

    especialmente em relao ao foco na existncia humana e suas singularidades. De acordo com

    Siqueira (2008, p.1), a Psicologia Humanista fundamenta-se nos pressupostos da

  • 29

    Fenomenologia e Filosofia Existencial; centrada na pessoa e no no comportamento, visa

    compreenso e o bem-estar da pessoa no a interpretao e o controle. Alm disso, enfatiza a

    condio de liberdade e responsabilidade do ser humano, opondo-se ao foco na anlise do

    comportamento, ressaltado pelo Behaviorismo, e no aspecto determinista do inconsciente no

    processo de formao da personalidade, defendido pela Psicanlise.

    De acordo com Giovanetti (2003), o conceito histrico-cultural do humanismo se situa

    no perodo do Renascimento europeu - entre os sculos XV XVI, tendo como finalidade

    uma volta aos estudos dos autores clssicos grego-latinos. Desta maneira, a recuperao dos

    grandes modelos de sabedoria do pensamento antigo possibilitava o crescimento do homem,

    assim como, por outro lado, o humanismo como possuidor de um significado ideal

    (GIOVANETTI, 2003; p.26). Os primrdios do humanismo colocam o homem como centro

    de todas as coisas, contrariando a filosofia crist que, at ento, colocava Deus como o centro

    de tudo. Durante o Renascimento europeu intensificou-se a produo artstica e cientifica,

    colaborando para a ideia de um homem mais capaz que passa a ser o centro

    (antropocentrismo), diferentemente da ideia perpassada no perodo histrico anterior, a idade

    mdia, onde a vida humana estava centrada em Deus (teocentrismo).

    No sentido estrito o humanismo um movimento cultural, europeu, tendo seus primrdios

    j no sculo XIV e que esteve intimamente ligado a Renascena. O movimento cultural da

    Renascena precisa ser entendido em funo do seu contexto. De algum modo, ele aparece

    como uma espcie de reao ao sobrenaturalismo medieval que naquela poca, significava

    o desprezo pelo que humano nada das coisas dessa vida importante, a no ser aquilo que

    aqui uma aquisio de mritos para a vida futura, eterna aps a morte. A vida presente,

    nesse sentido no levada a srio em sua consistncia prpria, no tem valor nenhum em si

    mesmo. O prprio homem, em si, em seu corpo no precisa ser cultivado um vez que seu

    destino a morte. A sade do corpo, a maturidade psicolgica, no so importantes a no

    ser como substrato mnimo para as virtudes que preparam para a vida eterna. (AMATUZZI,

    2008, p.13).

    Sendo assim, o humanismo europeu, atravs de suas ideias, pensamentos e novos

    olhares em relao ao ser humano, acarretou importantes contribuies para o despertar da

    chamada Psicologia humanista. O Humanismo trouxe para a Psicologia uma importante

    contribuio com sua atitude concreta em favor do homem (AMATUZZI, 2001, p.17, apud

    LIMA, 2008). atravs da centralidade no humano, retomada nos Estados Unidos durante a

    dcada de 1940, resgatando os princpios humanistas Renascentistas e aplicando-os na

    concepo humanista desenvolvida na psicologia.

    Assim, o humanismo europeu que deu respaldo para o movimento humanista

    americano, permitiu a ampliao do olhar sobre o homem no que se refere a sua

  • 30

    responsabilidade, capacidade, potencialidade, liberdade de escolha, bem como sua tendncia

    para o crescimento e atualizao. O movimento humanista veio resgatar valores humanos

    esquecidos e reconstruir um novo foco ao homem enquanto ser concreto singular, repleto de

    valores e potencialidades (LIMA, 2008, p.7). Entre os principais representantes do

    humanismo esto Carl Rogers (1902-1987) e Abraham Maslow (1908-1970).

    Deste modo, tal movimento na psicologia surge como uma reao a secundarizao do

    homem e de suas capacidades. Nessa perspectiva, Rogers (1977) prope em sua teoria um

    olhar mais positivo em relao ao homem e suas capacidades, confrontando, assim, os

    princpios de teorias que focavam no ser humano a partir de aspectos negativos e

    patologizantes. Para Rogers, o homem possui uma capacidade inerente para o crescimento,

    amadurecimento e atualizao, os quais sintetizam o que ele denomina de Tendncia

    Atualizante. De acordo com o autor:

    A tendncia atualizao a mais fundamental do organismo em sua totalidade. Preside o

    exerccio de todas as funes, tanto fsicas quanto experienciais. E visa constantemente

    desenvolver as potencialidades do indivduo para assegurar sua conservao e seu

    enriquecimento, levando em conta as potencialidades e os limites do meio (ROGERS,

    1977, p.41).

    Ainda se referindo tendncia atualizante, Rogers frisa a necessidade de condies

    favorveis para que a mesma no se mantenha latente ao longo da vida do sujeito. Entre tais

    condies, ele ressalta a importncia da liberdade experiencial, atravs da qual o indivduo

    sente-se livre para vivenciar, elaborar e, se desejar, expressar suas experincias e sentimentos

    tal como os compreende e sente. Outra condio fundamental a aceitao incondicional, ela

    d condies para que a pessoa se sinta aceita e se aceite independente do julgamento dos

    outros. Ento, conforme Rogers (1977), o desenvolvimento da atualizao de modo eficaz no

    automtico, pois demanda certas condies, certo clima interpessoal, ou seja, um contexto

    de relaes humanas positivas, favorveis conservao e valorizao do eu, isto , requer

    relaes desprovidas de ameaa ou de desafio concepo que o sujeito faz de si mesmo.

    De acordo com Siqueira (2008), Maslow, considerado um dos fundadores da

    psicologia humanista, tambm contribuiu e influenciou no movimento humanista. Durante

    toda a sua carreira interessou-se profundamente pelo estudo do crescimento e

    desenvolvimento pessoais e pelo uso da psicologia como um instrumento de promoo do

    bem estar social e psicolgico (SIQUEIRA, 2008 p.4) Enquanto Rogers se refere tendncia

    atualizante Maslow destaca a auto-realizao, a qual se refere a capacidade do homem para

    explorar suas capacidades, potencialidades e habilidades, ou seja, sua capacidade para crescer

  • 31

    e realizar-se. Os conceitos, embora com denominaes diferentes, tm significados bastante

    semelhantes, pois, segundo Amatuzzi (2008), ambos os autores possuem uma viso ou crena

    positiva sobre o homem e naquilo que ele expressa.

    Essa viso positiva em relao ao ser humano proposta pelo o humanismo representa

    uma evoluo muito importante no s para a psicologia, mas tambm para o prprio homem,

    pois, tal olhar repercute na representao e na percepo do homem sobre si. A conscincia de

    si e do mundo ao longo da vida possibilita que o sujeito reconhea suas potencialidades e

    limites para lidar com as adversidades da vida, bem como perceba seu prprio crescimento e

    amadurecimento pessoal. Segundo Bruck (2007, p.20), o desafio diante da crise,

    principalmente em uma situao inesperada, significa um momento de dor e sofrimento, mas,

    tambm pode representar uma oportunidade de crescimento, contribuindo para a formao de

    novas posturas em relao vida.

    Nesta direo, a valorizao das especificidades humanas pela psicologia humanista

    permite-nos o desenvolvimento de estudos, anlises e compreenso da subjetividade humana,

    de aspectos antes (antes dos anos de 1960) negligenciados pelos estudos em psicologia, haja

    vista no serem palpveis ou mensurveis. Assim, do ponto de vista da psicologia humanista,

    a compreenso do mundo e da existncia humana est integrada, homem e mundo so uno,

    indissociveis. Neste sentido, no possvel compreender o homem sem a compreenso de

    seu contexto; ou compreender situaes sociais sem o entendimento acerca das aes

    humanas. Nesta perspectiva, compreender o ser humano , antes, compreender suas

    necessidades, dificuldades, sentimentos, percepes, de forma particular e especfica.

    entender o modo como cada ser humano percebe e vive cada situao e as consequncias

    desta forma de viver. Assim, em contextos de emergncias e desastres necessrio ter

    sensibilidade para observar de modo amplo a situao catastrfica e os danos gerados, e

    escutar e compreender de forma especfica cada um dos afetados para entender suas

    necessidades e intervir sobre as mesmas.

    Nessa perspectiva, Augras (2004, p.12) ressalta que a sade do indivduo ser

    avaliada em sua habilidade para manter o equilbrio, mas, tambm, para superar a crise do

    ambiente atravs da sua capacidade criadora para transformar o meio inadequado em mundo

    satisfatrio. Sendo assim, percebe-se o quanto as capacidades e habilidades do sujeito

    tornam- se importantes diante do enfretamento de situaes adversas e que a sade pode estar

    presente nos momentos de crise, pois, a maneira ou modo como o indivduo vai lidar com a

  • 32

    situao possibilitar um momento de crescimento ou adoecimento psquico. Deste modo, se

    faz essencial destacar a necessidade de intervenes direcionadas promoo e preveno da

    sade nas comunidades, principalmente naquelas mais vulnerveis, visando a valorizao e

    participao do sujeito no processo constante de manuteno e/ou busca de sua sade,

    evitando ou minimizando as condies favorveis ao adoecimento.

    Atravs de intervenes promotoras de sade possibilitado ao sujeito uma melhor

    qualidade de vida atravs do acesso a cultura, lazer, trabalho, bem como por meio da

    orientao e reeducao para a mudana de hbitos objetivando o bem- estar do indivduo. De

    acordo com Brando, Arajo e Mximo (2011), atuar na promoo da sade exige um olhar

    que se sobreponha ao foco na doena, trata-se de aes que visem transformar as condies de

    vida possveis de gerar problemas de sade.

    Segundo Brasil (2010, p.17), o principal objetivo da promoo da sade , pois,

    promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos sade relacionados aos seus

    determinantes e condicionantes modos de viver, condies de trabalho, habitao, ambiente,

    educao, lazer, cultura, acesso a bens e servios essenciais. E, ressalta ainda que a sade ,

    tambm, produo da sociedade. Sendo assim, exige sua intensa participao, desde os

    usurios de servios, movimentos sociais, trabalhadores da Sade, entre outros, tanto na

    apreciao como na realizao de aes e iniciativas que visem melhoria da qualidade de

    vida.

    Segundo Czeresnia (2003), as aes preventivas referem-se s intervenes dirigidas a

    evitar o aparecimento de doenas especficas, reduzindo assim sua incidncia e prevalncia

    nas comunidades. Neste sentido, o discurso preventivo tem como base o conhecimento e

    informao sobre algo que oferea risco a sade do homem. Assim, os projetos de preveno

    e de educao em sade so organizados atravs da divulgao de informao cientfica e de

    recomendaes e orientaes que visem mudanas de hbitos e atitudes.

    , pois diante desse trabalho de promoo e preveno da sade que a Psicologia deve

    tambm estar inserida. principalmente neste campo que observamos a possibilidade de

    reflexo acerca dos princpios humanistas, que desde a sua origem estiveram relacionados s

    possibilidades do ser humanos para o crescimento, fortalecimento, superao, adaptao ativa,

    reorganizao e busca do equilbrio e sade. Os princpios e conceitos da psicologia

    humanista que durante as dcadas de 1970 e 1980 foram criticados e considerados frgeis

    assumem nova roupagem nos anos de 1980 por meio da psicologia positiva. A psicologia de

    orientao positiva emerge em terreno mais frtil que a psicologia humanista dos anos de

    1960 em virtude das primeiras mudanas relativas s concepes de sade, decorrentes de

  • 33

    aes de movimentos sociais e na sade, propondo um olhar mais positivo acerca do ser

    humano, mais direcionado aos aspectos saudvel e as possibilidades de crescimento (LEMOS

    e CAVALCANTE, 2006).

    Assim, atualmente identificamos nas aes de preveno e promoo sade

    princpios humanistas relevantes para constituio de estratgias junto s comunidades nas

    quais so identificadas determinadas necessidades. De modo mais especfico, ao tratarmos da

    psicologia nas situaes de emergncias e desastres, cabe apontar princpios e conceitos da

    psicologia humanista que se coadunam com a proposta de interveno em tais contextos, pois,

    tais princpios/conceitos alm de respaldar esta prtica, ainda recente na profisso, aponta

    para a necessidade de ateno ao ser humano com todas as suas necessidades e

    especificidades, considerando todo seu entorno familiar, social, econmico, afetivo visando

    compreender suas condies e, assim, atender adequadamente as suas necessidades diante de

    situaes de tragdias e perdas.

    Nesta direo, apesar de j termos estabelecido ao longo da discusso o dilogo entre

    o pensamento de Carl Rogers e a ateno s pessoas em situaes de emergncias,

    concluiremos esta discusso destacando alguns dos conceitos/princpios da Psicologia

    humanista que consideramos coerentes com a proposta de interveno da psicologia nas

    emergncias e desastres e, portanto, relevantes para subsidiar o trabalho dos psiclogos neste

    campo.

    - Compreenso do ser humano como um todo: nas situaes de emergncias e desastres,

    conforme j discutido, a ateno global s vtimas vai desde os cuidados fsicos e materiais ao

    suporte emocional. O olhar sobre o ser humano como um todo, tal como preconizado por

    Rogers e Maslow implica em observar e compreender a todas as suas necessidades, desde as

    necessidades materiais e fsicas s necessidades sociais, psquicas e espirituais. Neste sentido,

    para uma eficaz interveno emocional se faz necessria a avaliao e compreenso das

    condies em todos os aspectos, que a pessoa se encontra, a fim de entender as

    particularidades subjetivas de determinada situao para determinado sujeito.

    - Noo de Experincia: a noo de Experincia para Rogers (1977) a capacidade do

    indivduo expressar e sentir sua experincia de forma livre, sem receio de ser julgado, ele

    reconhece e elabora suas experincias e sentimentos pessoais como ele o entende. Isto

    significa que a percepo de cada situao, bem como o modo como cada pessoa a vivencia

    tem significados, dimenses e propores distintas. Assim, na atuao do psiclogo nas

  • 34

    situaes de emergncias e desastres no caber, conforme j discutido, avaliar a gravidade

    emocional das pessoas de forma generalizada, nem em funo da proporo das

    consequncias. Cabe, a ateno individualizada, a avaliao do impacto da situao desastrosa

    sobre cada pessoa, inclusive, avaliando as condies de cada um para se reorganizar frente as

    perdas decorrentes da situao.

    - Tendncia Atualizante: Este conceito base da teoria rogeriana afirma que todo ser vivo

    possui uma predisposio para o crescimento, a preservao, a manuteno e o

    enriquecimento de si, desde que dadas as condies favorveis para tal (ROGERS, 1977).

    Contudo, o prprio Rogers exemplifica em suas obras situaes em que mesmo em condies

    mnimas para a manuteno ou crescimento (fsico ou emocional) foi observado o

    desenvolvimento. Sabemos que em situaes de emergncias e desastres as condies, de um

    modo geral, no so propcias sade e bem estar, mas, tambm sabemos que condies

    mnimas podem ser criadas a partir da ao conjunta entre comunidade e os diversos setores

    da sociedade, visando o restabelecimento das necessidades bsicas, a reabilitao das

    condies de organizao e convvio familiar e social e o apoio mtuo, o atendimento

    emergencial sade fsica e mental, suprimento, dentre outras necessidades relevantes.

    Promovidas as condies mnimas para o desenvolvimento humano, ser possibilitada a

    atualizao das pessoas, em nveis coerentes com as possibilidades de enfrentamento de cada

    uma.

    -Empatia: O termo empatia refere-se capacidade de imergir na subjetividade do outro,

    participar de sua experincia. Para Rogers (1977), a empatia permite colocar-se no lugar do

    outro, perceber sua experincia tal como ele a percebe. Numa situao de desastre e

    emergncia, a atitude emptica do Psiclogo diante do sofrimento da vtima algo

    fundamental, pois, possibilita que a pessoa em sofrimento se sinta entendida, compreendida,

    bem como acolhida. A empatia permite que o psiclogo, no s abranja a experincia do

    sujeito a partir do modo como ele a percebe, mas tambm reconhea seus sentimentos,

    entenda qual o significado da experincia para o indivduo, assim como, tenha conhecimento

    da sua forma de enfrentamento perante a situao. Ao sentir que o outro compreende seus

    sentimentos o sujeito sente-se mais seguro no momento de express-los e, ao mesmo tempo,

    consegue reconhec-los e senti-los verdadeiramente, sem medo de ser julgado, facilitando na

    elaborao e ressignificao de sua experincia.

  • 35

    -Uma concepo positiva do desenvolvimento humano: Diante do inesperado surgem

    angstia e insegurana ocasionada pela situao traumtica. Inicialmente algumas pessoas

    podem no saber como recomear, seguir sua vida imersa em tantas dificuldades. Para Rogers

    (1977), sendo oferecidas as condies favorveis para a tendncia atualizante se desenvolver,

    o sujeito crescer no sentido da maturidade. Para tanto, ressalta a importncia do indivduo

    tomar conscincia de seus sentimentos, pensamentos e desejos para haver, assim, uma

    correspondncia entre a experincia vivida e suas percepes. Tudo isso oferecer condies

    para a pessoa avaliar, entender e perceber sua experincia e, consequentemente, super-la e

    aprender com ela.

    Compreendemos, assim, que mesmo diante de uma situao limite como a de um

    desastre, a pessoa pode crescer rumo autonomia e responsabilidade, que para Rogers so

    caractersticas essenciais da maturidade. Apesar do sofrimento ocasionado pela situao de

    desastre o indivduo capaz de superar as dificuldades, crescer e aprender com a situao.

  • 36

    Consideraes Finais

    A situao de emergncia e desastre considerada uma experincia ou vivncia muito

    difcil para aqueles que se encontram ou passaram por tal circunstncia, diversos fatores e

    caractersticas justificam tal viso. Por ser uma ocasio limite inicialmente pode surgir o

    desespero perante algo inimaginvel e assim pode emergir no sujeito, vrios sentimentos em

    consequncia da vivncia traumtica.

    Desse modo, possvel compreender que o indivduo encontra-se em sofrimento e

    necessita de ajuda imediata, e est deve ser oferecida pelos diversos setores da sociedade,

    desde as instituies pblicas e privadas, as comunidades e voluntrios. Sendo assim, vrios

    servios esto inseridos nessa ajuda, defesa civil, politicas pblicas que visem promoo e

    preveno da sade, a rede de sade mental, os hospitais entre outros. Foi possvel perceber

    que tal ajuda no se resume ao momento do desastre vai muito mais alm, ou seja, necessita

    trabalhar de maneira preventiva tendo conhecimento das situaes ou foco de risco. E durante

    a ocorrncia e ps-desastre, oferecer e possibilitar todo apoio necessrio desde os recursos

    humanos aos materiais, a todos os atingidos.

    Durante a atuao dos profissionais envolvidos no apoio as vtimas, no s as tcnicas e

    instrumentos so importantes no seu trabalho, uma postura humana ou baseada nos princpios

    humanistas essencial no momento de acolher os atingidos. J que isso poder influenciar no

    seu enfrentamento ou modo de perceber a experincia. Pois, como ressaltado por Rogers ao

    notar que o outro entende o que esta sentindo, o sujeito sente-se compreendido e isso pode lhe

    ajudar na ressignificao e percepo da vivncia. Entende-se tambm que cada indivduo

    percebe a situao de um modo particular, com base na sua histria, vivncias e experincias.

    E isso precisa ser considerado tambm pelos profissionais.

    Nessa perspectiva o psiclogo deve estar inserido, contribuindo na promoo e

    preveno da sade mental. Portanto em tal contexto de crise, esse profissional tem muito a

    cooperar e ajudar, e o seu principal recurso a escuta psicolgica. A escuta possibilita o

    acolhimento da demanda imediata do sujeito em sofrimento, e numa ocasio de emergncia as

    pessoas atingidas demandam muitas falas sobre sua vivncia, ou seja, querem ser ouvidas.

    Atravs da escuta emptica o sujeito vai tomando conscincia de seus sentimentos perante a

    situao, assim como ampliando sua percepo sobre sua experincia.

  • 37

    Com base nos pressupostos da Psicologia humanista de Rogers e Maslow, possvel

    ressaltar a importncia dos recursos pessoais no momento de enfrentamento do evento

    traumtico, para estes autores o sujeito capaz de crescer rumo maturidade mesmo perante

    uma situao repleta de dificuldades. As condies oferecidas e o modo como ir perceber a

    experincia influenciar no seu enfrentamento. Sendo assim, podemos afirmar que se deve ter

    cautela quanto ao uso de medicamentos que visem ajudar emocionalmente as pessoas vtimas

    de desastre, no negando sua importncia em alguns casos, mas preciso destacar a

    capacidade humana de lidar tambm com eventos de crise e dificuldades, como acontece num

    desastre.

    Portanto, a psicologia cumpre um papel fundamental na minimizao do sofrimento das

    vtimas possibilitando que as mesmas expressem seus sentimentos perante a experincia e que

    no fiquem presas no emocionalismo, assim como paralisadas. Destacamos ento a

    importncia dos princpios humanistas no cuidar das vtimas, a empatia no momento de ouvir

    a demanda do outro, possibilitar que o atingindo tenha noo de sua experincia, pois isso lhe

    ajudar na ressignificao da mesma, bem como acreditar na capacidade de crescimento

    humano rumo autonomia e responsabilidade. Porque como frisado por Rogers, dado as

    condies favorveis que vai desde o aspecto fsico/material ao humano, o sujeito cresce

    pessoalmente mesmo em meio a dificuldade.

    Destarte, apreendemos que numa situao de desastre e emergncia os princpios

    humanistas colaboram para o acolhimento e minimizao do sofrimento das vtimas,

    possibilitam condies para que o sujeito expresse seus sentimentos decorrentes da tragdia,

    assim como os compreenda e tome conscincia destes. Em consequncia dar o significado

    pessoal para a mesma, baseado na sua percepo.

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    Referncias:

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