a prÁtica do turismo e a produÇÃo dos lugares: um …

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e-ISSN 1981-9021 ARTIGO 2020 Moretti. Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Licença Creative Commons BY-NC-SA 4.0, que permite uso, distribuição e reprodução para fins não comercias, com a citação dos autores e da fonte original e sob a mesma licença. A PRÁTICA DO TURISMO E A PRODUÇÃO DOS LUGARES: UM OLHAR SOBRE MACANETA – MOÇAMBIQUE THE PRACTICE OF TOURISM AND THE PRODUCTION OF PLACES: A LOOK AT MACANETA - MOZAMBIQUE RESUMO Edvaldo Cesar Moretti a a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados, MS, Brasil DOI: 10.12957/geouerj.2020.53712 Correpondência: [email protected] Recebido em: 13 set 2019 Revisado em: 07 abr 2020 Aceito em:15 mai 2020 Artigo produzido a partir de projeto desenvolvido em Moçambique. Apresenta apontamentos sobra a pratica turística em Marracuene, distrito de Maputo, com foco na produção do lugar turístico. A hipótese é que o turismo comunitário proporciona possibilidade de geração de trabalho e renda com o controle dos trabalhadores sobre as suas práticas. No concreto ocorre a subjugação do trabalho dos artesãos e pescadores na logica da mercantilização das práticas sociais dos moradores locais, essa realidade impõe apontar propostas de superação desse processo, com a identificação de sinais presentes nas práticas de produção comunitária. Palavras-chave: Prática Turística; Lugar; Macaneta/Moçambique ABSTRACT Article produced from a project developed in Mozambique. It presents notes on the tourist practice in Marracuene, Maputo district, focusing on the production of the tourist place. The hypothesis is that community tourism offers the possibility of generating work and income by controlling workers over their practices. In particular, the work of artisans and fishermen is subjugated in the logic of commodifying the social practices of local residents, this reality calls for proposals to overcome this process, with the identification of signs present in community production practices. Keywords: Tourist Practice; Place; Macaneta/ Mozambique.

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Page 1: A PRÁTICA DO TURISMO E A PRODUÇÃO DOS LUGARES: UM …

e-ISSN 1981-9021 ARTIGO

2020 Moretti. Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Licença Creative Commons BY-NC-SA 4.0,

que permite uso, distribuição e reprodução para fins não comercias, com a citação dos autores e da fonte original e sob a mesma licença.

A PRÁTICA DO TURISMO E A PRODUÇÃO DOS LUGARES: UM OLHAR SOBRE MACANETA – MOÇAMBIQUE

THE PRACTICE OF TOURISM AND THE PRODUCTION OF PLACES: A LOOK AT MACANETA - MOZAMBIQUE

RESUMO Edvaldo Cesar Moretti a

a Universidade Federal da Grande

Dourados (UFGD), Dourados, MS, Brasil

DOI: 10.12957/geouerj.2020.53712 Correpondência: [email protected] Recebido em: 13 set 2019 Revisado em: 07 abr 2020 Aceito em:15 mai 2020

Artigo produzido a partir de projeto desenvolvido em Moçambique. Apresenta apontamentos sobra a pratica turística em Marracuene, distrito de Maputo, com foco na produção do lugar turístico. A hipótese é que o turismo comunitário proporciona possibilidade de geração de trabalho e renda com o controle dos trabalhadores sobre as suas práticas. No concreto ocorre a subjugação do trabalho dos artesãos e pescadores na logica da mercantilização das práticas sociais dos moradores locais, essa realidade impõe apontar propostas de superação desse processo, com a identificação de sinais presentes nas práticas de produção comunitária.

Palavras-chave: Prática Turística; Lugar; Macaneta/Moçambique

ABSTRACT

Article produced from a project developed in Mozambique. It presents notes on the tourist practice in Marracuene, Maputo district, focusing on the production of the tourist place. The hypothesis is that community tourism offers the possibility of generating work and income by controlling workers over their practices. In particular, the work of artisans and fishermen is subjugated in the logic of commodifying the social practices of local residents, this reality calls for proposals to overcome this process, with the identification of signs present in community production practices.

Keywords: Tourist Practice; Place; Macaneta/ Mozambique.

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INTRODUÇÃO

Texto produzido a partir das diversas reflexões realizadas durante o projeto “Práticas sociais e saberes

de mulheres e homens e a produção do território rural no Distrito de Marracuene em Moçambique: viabilidade

das alternativas produtivas no mundo da sustentabilidade”, desenvolvido no período de 2014 a 2018, com

apoio da CAPES/AULP. O projeto foi realizado a partir de parceria entre grupos de pesquisa da Universidade

Federal da Grande Dourados (UFGD) e grupo de pesquisa da Universidade Eduardo Mondlane de

Moçambique, especificamente o Centro de Análises de Política (CAP), tal qual podemos observar suas

instalações conforme figura 1:

Figura 1. Edifício do CAP/UEM – Maputo. Autor: MORETTI, E. C., 2016.

O principal objetivo do projeto foi analisar a produção do lugar turístico, na perspectiva da geração de

trabalho e renda, bem como os aspectos que envolvem a permanência das famílias na terra. Para o alcance

desse objetivo, a atividade turística é referência para as ações propostas em uma perspectiva do turismo

comunitário, considerando fundamental pensar o processo de autogestão das práticas e a valorização das

manifestações culturais:

[...] que se utiliza dos recursos naturais e culturais existentes nos lugares de forma sustentável, surge o turismo de base comunitária, o qual se diferencia do turismo convencional, chamado de massa, por priorizar a conservação do meio ambiente e das culturas tradicionais, e emergir como alternativa para que pequenas comunidades potencializem que seus modos de produção e de organização possam ser compreendidos como atrativos turísticos, sem que ocorra a espetacularização, mas sim oportunidades de trabalho e geração de renda para seus moradores. (SAMPAIO; ZAMIGNAN, 2011, p. 26).

A metodologia que alicerçou a pesquisa se constituiu por um caráter qualitativo, reflexivo e horizontal,

e envolveu as reflexões intercambiadas por teorias, pela prática costumeira e por experiências multiculturais

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dos grupos e de pessoas envolvidos na pesquisa. Essa metodologia qualitativa é auto avaliativa e reflexiva

porque é concebida como construção dialética propulsora da emergência de contradições da vida cotidiana,

em caminhos sem definições objetivas e lineares, isso indica a complexidade dos fenômenos, “não sendo fácil

separar causas e motivações isoladas e exclusivas” (MARTINS, 2004, p. 291).

O lugar a ser pesquisado foi definido em dialogo com a Coordenadora do projeto da Universidade

Eduardo Mondlane de Moçambique. O distrito de Marracuene foi entendido como adequado para realizarmos

as atividades propostas pela equipe, considerando que é uma área com atividade rural expressiva, além da

atividade turística já implantada na Praia de Macaneta, com pessoas que se dedicam a prática de atividades

artesanais, como produção de utensílios, pesca bem como a proximidade com Maputo (cidade onde se localiza

a Universidade Eduardo Mondlane). Nas figuras 2 e 3, é possível observar a localização de Marracuene e da

Praia de Macaneta, já na figura 4 é possível observar as famílias dos pescadores ajudando a puxar a rede de

pesca:

Figura 2. Localização de Marracuene e Praia de Macaneta em relação a Maputo. Fonte: Cenacarta-Moçambique.

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Figura 3. Posição da Praia de Macaneta em Marracuene. Fonte: Cenacarta-Moçambique.

Figura 4. Praia de Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2016.

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A partir da opção teórica e metodológica e a definição do lugar da pesquisa, definimos utilizar os

preceitos do turismo comunitário orientado pela economia solidária, como hipótese para a geração de

trabalho e renda com vistas à valorização do modo de vida das pessoas, considerando as características de seu

cotidiano, sua história e memória de resistência, são pressupostos para a organização das atividades turísticas.

Para desenvolver a análise de tal realidade e perceber o potencial turístico de algumas comunidades,

localizadas em Marracuene - Moçambique, foram considerados aspectos da vida cotidiana, tais como: as

relações de gênero, o trabalho das mulheres, a presença das crianças nos espaços sociais, a interferência do

turismo de/para o mercado, as transformações rurais e urbanas no território mediadas pelo mercado, os

conflitos culturais.

Procuramos preliminarmente construir um panorama da participação da atividade turística em

Moçambique, através do levantamento de dados junto ao Sindicato de Trabalhadores na Indústria do Turismo

e do Ministério do Turismo.

O sindicato conta com 53.710 trabalhadores filiados, sendo que destes, 29.150 são homens e 24.560

são mulheres. São trabalhadores do circuito turístico de Moçambique, sendo constituído, sobretudo, por

funcionários de hotéis e resort. No sindicato são 31.730 sócios e destes 12.440 são mulheres, assim

constatamos que não há mulheres na direção do sindicato. De acordo com o presidente do sindicato o salário

base da categoria é de 4.676 Meticais (moeda local). O salário médio, no entanto, gira em torno de 8.000

Meticais. Atualmente, as principais lutas da categoria estão pautadas na reivindicação de 90 dias de

afastamento para gestantes, 13º salário, abono de férias e previdência social1. (Entrevista realizada com o

presidente do Sindicato de Trabalhadores na Indústria do Turismo de Moçambique, 2016).

Outra entrevista relevante foi com o Secretário Nacional do Turismo, no Ministério do Turismo de

Moçambique. Recebemos informações sobre os projetos para o desenvolvimento do turismo em

Moçambique, destacando que os projetos visam a divulgação de lugares turísticos de Moçambique com

destaque para o turismo de Praia e Mar.

A produção de lugares destinados ao turismo ocorre em parceria com empresas privadas internacionais,

com destaque para empresas hoteleiras chinesas e sul-africanas. O poder publico realizou parcerias com

empresas chinesas e efetivou empréstimos para a implantação de infraestruturas, principalmente obras

relacionadas a construção de rodovias. Especificamente, para a área de pesquisa, duas obras chamam atenção:

a construção da ponte sobre o Rio Incomati (figura 6) permitindo o acesso à praia de Macaneta, substituindo

o transporte por balsa; a construção de rodovia Estrada Circular de Maputo (figura 5) que agilizou o acesso a

1 Dados obtidos através do junto ao Sindicato de Trabalhadores na Indústria do Turismo em pesquisa de campo em 2016.

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Marracuene, diminuindo o tempo de viagem dos turistas provenientes da África do Sul. Estas obras são

realizadas pela empreiteira chinesa China Road & Bridge Corporation (CRBC).

Figura 5. Obra para construção da Circular de Maputo. Autor: MORETTI, E. C., 2016.

Figura 6: Ponte de acesso à praia de Macaneta Autor: MORETTI, E. C., 2016..

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Jornais locais destacam a importância das obras para o turismo de praia, incluindo Marracuene e a praia

de Macaneta, como podemos observar a seguir:

Turistas começam a usar estradas de ligação Turistas provenientes dos quatro cantos do mundo já estão a utilizar as estradas Boane/Bela Vista e Bela Vista/Ponta D’Ouro como trajeto preferencial para alcançar a província sul-africana de Durban. Efetivamente, começa a ser corriqueiro cruzar-se, por aquelas bandas, com automóveis de matrícula estrangeira, sendo maioritariamente turistas à busca de lazer, e a tendência é aumentar, o que não era muito comum até há poucos meses. (JORNAL DE DOMINGO, 2017, s/p.)

Figura 7. Aspecto da Praia de Macaneta. Barcos de Pescadores. Autor: MORETTI, E. C., 2015.

A prática turística na praia de Macaneta está centrada em hotéis, implantados na orla marítima. Os

hotéis são as infraestruturas disponíveis para a hospedagem dos turistas além de promoverem a atratividade

para esta praia especificamente.

Hotéis

Na praia estão localizados hotéis de diferentes categorias, entre eles destacam: Jays Beach Lodge; Surise

Lodge Macaneta; Macaneta Resort; Macaneta Holiday Resort; Lugar do Mar; Tan’n Biki.

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Figura 8. Placas indicativas de hotéis em Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2014.

Figura 9. Edificação de hotel em Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2016.

Figura 10. Hotel em Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2015.

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As informações sobre os proprietários destes hotéis são bastante imprecisas, mas, nas entrevistas com

trabalhadores e moradores, é indicado que os proprietários são empresários da África do Sul e obtiveram

direito de uso da terra para implantação dos hotéis.

Os trabalhadores dos hotéis são contratados de duas formas diferentes, alguns por temporada e outros

fixos. Os trabalhadores fixos são em número menor, são mantidos para realizarem a manutenção dos hotéis

na baixa temporada. Nos hotéis que realizamos as pesquisas, estavam empregados entre 3 a 5 funcionários

fixos para cada hotel, informação prestada de forma informal pelos próprios trabalhadores dos hotéis. Os

trabalhadores braçais dos hotéis são moçambicanos (camareiras, atendentes, vigias, serviços gerais de

manutenção) os cargos de gerência são destinados a sul-africanos. Infelizmente, não conseguimos

informações oficiais sobre o número de trabalhadores dos hotéis em Macaneta, também não foi

disponibilizado pelas empresas o quantitativo de trabalhadores por hotel.

Os hotéis atendem preferencialmente turistas sul-africanos, motivados pelo lazer de praia, pesca no

mar e mergulho. O acesso aos hotéis de Macaneta ocorrem via terrestre com veículo adequados para as

estradas que passam pelas dunas de Macaneta.

Os hotéis possuem uma baixa relação com a comunidade local do Distrito de Marracuene e da praia de

Macaneta. O único produto oriundo do trabalho da população local é o pescado do mar, coletado pelos

pescadores locais que fornecem parte dos peixes para os restaurantes dos hotéis.

Algumas ações dos hotéis tem promovido o distanciamento ainda maior dos moradores locais da

atividade turística, uma delas, a mais criticada pelos moradores é a implantação de cancelas nas vias de acesso

à praia de Macaneta, protegidas por homens armados de forma ostensiva, com a cobrança de taxas para

acesso a praia.

Outra ação bastante impopular junto a comunidade são placas indicativas dos hotéis, representação de

um homem branco para sinalizar a direção para o hotel. Na relação histórica conflituosa entre o colonizador

e os habitantes locais, essa ação é considerada ofensiva, é entendida como informando que o hotel é

destinado a homens brancos, como podemos observar na figura 11:

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Figura 11. Indicação de hotéis em Marracuene. Autor: MORETTI, E. C., 2014.

Os hotéis promoveram a implantação de quiosques na praia, que atendem aos turistas, e ao mesmo

tempo, comercializam alimentos e bebidas.

Figura 12. Quiosque na Praia de Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2016.

Estes quiosques funcionam apenas no período de concentração de turistas, normalmente durante as

férias e feriados prolongados na África do Sul.

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Os hotéis não possuem relação direta com a prática da pesca marítima, desenvolvida por pesadores

amadores. Mas, utilizam do pescado destes, para alimentação dos turistas. A paisagem da chegada dos barcos

de pesca é um atrativo para os turistas, que nesses momentos deslocam-se até o local de chegada dos barcos,

essa paisagem é utilizada pelos hotéis como divulgação do lugar turístico.

Figura 13. Pesca artesanal na Praia de Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2014.

A pesca artesanal representa a maior fatia da produção pesqueira moçambicana. Conforme informado

pelo Ministério do Mar, Águas Interiores e Pesca, em seu Balanço Analítico do Plano Econômico e Social, em

2015 foram produzidos pela pesca artesanal 259 mil toneladas de pescado diverso, em termos de valoração

registou uma realização de 17 449 milhões de meticais.

Quadro 1. Produção da pesca artesanal em Moçambique no ano de 2015. Fonte: Moçambique (2015).

Produto Toneladas

Lagosta 116

Caranguejo 2.894

Peixe Marinho 162.272 Peixe de água doce 76.405

Camarão 5.240

Acetes 2.462

Cefalópedes 1.772

Tubarão 1.298

Outros 2.638

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Dados fornecidos pelo Ministério do Mar, Águas Interiores e Pesca, informam que em Macaneta, atuam

cerca de 220 pescadores em cerca de 50 embarcações movidas a remo. As artes de pesca usadas são: linha,

emalhar e arrasto. Tem uma produção média por barco de cerca de 200kg (Dados de 2014).

A pesca realizada a partir da Praia de Macaneta ocorre no Canal de Moçambique no Oceano Indico, é

realizada por pescadores de Marracuene de forma artesanal, envolve os homens na pesca e mulheres na

separação, transporte e comercialização dos peixes. Por ser realizada em barcos a remo a pesca é realizada

apenas nas proximidades do litoral, ocorrendo pressão sobre o estoque pesqueiro. Segundo informações

coletadas junto aos pescadores locais, eles perceberam que ocorreu diminuição da quantidade de peixes

pescados.

Parte do pescado é comercializado para os hotéis, e a outra parte in natura nas feiras locais e nos

mercados na cidade de Maputo, parte é salgado para venda futura e mesmo transportado para venda em

mercados mais distantes. É comum o uso do pescado para troca, normalmente trocado por alimentos agrícolas

produzidos por agricultores no Distrito de Marracuene ou por produtos industrializados – roupas ou alimentos.

Na sequencia de fotos, o processo de coleta do peixe: a chegada de barco de pesca na praia, a retirada

das redes de pesca, a separação dos peixes, o armazenamento e o transporte do produto da pesca.

Figura 14. Imagens do desembarque de pescado em Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2015.

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A prática turística na Praia de Macaneta provocou alterações no cotidiano dos pescadores. Nos anos de

2015 e 2016 eles foram retirados de seus lugares tradicionais de desembarque na praia, passaram a atuar em

pontos distantes dos hotéis. Segundo os pescadores, essa solicitação foi para afastar eles dos hóspedes dos

hotéis que utilizam a praia para banho e atividades variadas de lazer (Entrevistas com pescadores na praia de

Macaneta, 2016).

O maior problema gerado foi o aumento da distância a ser percorrida no transporte dos pescados. O

pescado é transportado por mulheres, que percorrem grandes distancias com os peixes equilibrados na cabeça

como podemos observar na figura 14:

Figura 15. Transporte de peixes, praia de Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2015.

Figura 16. Turistas estrangeiros na praia de Macaneta. Autor: MORETTI, E. C., 2015.

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Essas práticas, aliadas a implantação de cancelas nas vias de acesso a praia, fortemente protegidas por

homens armados, ocasiona o distanciamento dos moradores locais em relação as atividades turísticas. A

produção do lugar turístico afasta os moradores locais de suas práticas, reforça um processo de exclusão social

presente na vida cotidiana dos moçambicanos.

O turismo promove a inserção de práticas sociais ao processo de mercantilização da vida, a produção

de utensílios culturais são incorporados ao turismo, como objetos desejados. Essa prática, comum e que

promove geração de trabalho e renda, está presente nas relações entre o turismo e a comunidade em

Marracuene, dois destes objetos foram alvo de nosso olhar, a produção de máscaras e de panelinhas.

Produção de máscaras

As máscaras encontradas à venda em mercados na cidade de Maputo, são produzidas por grupos

organizados em oficinas de artesanato sendo reconhecidos como os artesãos de máscaras.

Figura 17. Oficina de produção de artesanato, máscaras. Autor: MORETTI, E. C., 2014.

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O grupo pesquisado, realiza a atividade em baixo de uma árvore, lugar reconhecido como oficina,

cortam coletivamente a árvore através de instrumentos simples (serrotes, machados e facões), a partir de

pedaços de madeira produzem peças artesanais, com destaque para as máscaras.

Cada artesão produz uma peça integral, não ocorre divisão do trabalho para produção de uma peça.

Cada artesão define o modelo da peça e as cores a serem utilizadas no acabamento, mas existe troca constante

de conhecimento e de sugestões para cada peça em produção.

A oficina, conta com a presença de 10 artesões, entre jovens e idosos. Todos homens e moradores do

próprio local da oficina e vivem da renda do comércio do artesanato.

A comercialização é feita na própria oficina, normalmente os compradores são comerciantes das feiras

de artesanatos localizadas em Maputo, esporadicamente ocorre encomendas de pessoas interessadas nas

obras.

Os artesãos não comercializam suas peças diretamente para hotéis, ou outras empresas turísticas. Eles

não possuem relação com o turismo, apenas produzem as peças artesanais e as repassam para vendedores

que tem acesso aos turistas.

Figura 18. Produção de máscaras na oficina de artesanato. Autor: MORETTI, E. C., 2014.

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Produção de panelinhas de barro

Na feira de Marracuene e em mercados na cidade de Maputo, observamos a comercialização de panelas

de barro, produzidas artesanalmente por mulheres.

As panelinhas de barro são utensílios utilizados para elaborar chás destinados aos recém-nascidos.

Existe a crença que as mães devem oferecer os chás para as crianças até completarem um ano de idade, desta

forma evitam que a criança fique doente. Por ter esta função cultural as panelinhas de barro são facilmente

comercializadas e não tem originalmente o turismo objetivo da produção.

Recentemente, com o incentivo ao turismo, as panelinhas de barro passaram a despertar atenção de

turistas e consequentemente são comercializadas nas feiras de artesanato.

As panelinhas de barro são produzidas no campo, por mulheres, normalmente nas próprias terras onde

moram, em áreas de fácil acesso a matéria-prima destinada a produção. Não existe organização de mulheres

produtoras das panelinhas, e a comercialização nas feiras é feita diretamente pelas mulheres produtoras ou

membros da família. Nos centros de comércio para os turistas as panelinhas são vendidas pelos comerciantes

que compram o produto das mulheres produtoras.

A produção das panelinhas é artesanal, não envolve nenhum equipamento ou máquina, somente as

mãos. Após a produção as panelinhas são colocadas para secar de forma natural e armazenadas na própria

casa das mulheres produtoras.

Figura 19. Produção de panelinhas de barros realizada por artesã de Marracuene. Autor: MORETTI, E. C., 2014.

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A técnica de produção de máscaras e de panelinhas, foram repassadas por membros da própria família,

constituindo em uma atividade familiar em sua essência.

A comercialização ocorre nas feiras comunitárias e nas feiras destinadas aos turistas em Maputo. A

comercialização nos mercados turísticos é realizada por atravessadores, possuidores de acesso a estes

mercados, seja como fornecedores para vendedores com pontos nos mercados, seja, como vendedores direto

nas feiras de rua que atendem turistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os levantamentos de campo apontam para olhares além das falas, discursos e planos do Governo

Moçambicano, que muitas vezes estão enquadrados nos projetos internacionais de financiamento e distantes

das realidades locais.

Ocorre um distanciamento fenomenal entre a implantação de equipamentos para o turismo, vias de

acesso, pontes, hotéis, marinas, orlas, propaganda e a população moçambicana. O trabalho no turismo é

realizado de forma informal, sem garantia de continuidade. Ocorre profunda distinção entre os trabalhos

masculinos e femininos, para as mulheres cabem papéis no processo de trabalho nem sempre de acordo com

o que elas desejam.

A incorporação ao turismo das práticas sociais e culturais de produção de bens locais é incipiente, feita

de forma coletiva na produção, mas individualizada na comercialização, promovendo o distanciamento do

produtor artesão do resultado do fruto de seu trabalho, transformado em uma mercadoria sem conteúdo nas

feiras.

Concretamente podem ser apresentadas propostas que partem de algumas ações que consideramos

urgentes para inserção dos trabalhadores no controle da gestão da prática turística, com a produção de um

lugar no sentido de pertencer aos sujeitos que o produzem. Para tanto é fundamental:

- Organização social em torno do tema turismo, com participação direta de trabalhadores do turismo,

produtores de artesanato e de utensílios que podem serem valorizados como artesanato;

- Trabalhar no sentido de “empoderar” os produtores e trabalhadores locais para o controle da prática

turística, construindo formas de mediação entre os interesses das grande empresas e das comunidades;

- Apoiar e implementar práticas que melhorem as condições de trabalho da população produtora de

utensílios artesanais no sentido de valorizar esse trabalho;

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- Pautar a implantação de organização social no sentido de controle do comércio dos produtos

artesanais, com preocupação em ampliar as possibilidades de inserção dos produtos produzidos

artesanalmente em todos os lugares destinados ao turismo.

As ações foram pensadas a partir das reflexões do cotidiano vivenciado pelas pessoas entrevistadas,

seus sonhos, desafios e capacidade de resistir. Mas, é claro que não é possível tratar o turismo como uma

atividade separada dos processos sociais, políticos, culturais e econômicos vividos pela população. Portanto,

o avanço da possibilidade de implementar o turismo na sua forma comunitária, esta atrelada ao

direcionamento político definido pela nação.

O turismo, na perspectiva de prática social, precisa ser analisado e proposto participando das questões

sociais, politicas, econômicas, culturais e ambientais, que se apresentam para os povos. Foi nesse sentido que

desenvolvemos as atividades de pesquisa, procurando dar significados para nossas inquietações, e gerando

possibilidades de contribuir para a reflexão sobre os caminhos a serem trilhados.

Para o desenvolvimento do turismo comunitário, como uma atividade realizada por meio de um

trabalho digno que gere renda compatível às necessidades das pessoas, em primeiro lugar as pessoas devem

dizer o que pensam, querem e sabem fazer; segundo é fundamental ponderar sobre a realidade do país, como

as comunidades viviam e vivem, seus saberes e fazeres, a cultura com suas permanências e mudanças, dentre

outros matizes do cotidiano.

Finalizo as reflexões sobre turismo comunitário e produção de geografias em Moçambique, com as

palavras de Ricardo Ossagô de Carvalho,

“É importante ressaltar que a resistência dos povos em defender seus territórios, suas culturas e sua visão de mundo, não se mede pelo sucesso qualitativo ou quantitativo obtido. Ela se mede, apesar dos momentos de derrotas e glórias, pelo simples fato de defender a dignidade e a liberdade humana quando estas são ameaçadas.” (CARVALHO, 2014, p. 16)

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Ricardo Ossagô de. O entendimento da África e o Brasil africano. Revista. Publicação Semana da África na UFRGS. v.1 n. 1. Maio 2014.

JORNAL DE DOMINGO. Turistas começam a usar a estrada de ligação. Disponível em: <www.jornaldomingo.co.mz>. Acesso em: 23/04/2017.

MARTINS, José de Souza. Sociologia da Fotografia e da Imagem. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

MOÇAMBIQUE. Direito do Uso e Aproveitamento de Terra. 2015. Portal do Governo de Moçambique. Disponível em: http://www.portaldogoverno.gov.mz/por/Cidadao/Informacao /Direito-do-Uso-eAproveitamento-de-Terra. Acesso em: 11/11/2016 às 18h24min.

MOÇAMBIQUE. Ministério do Mar, Águas Interiores e Pesca. Balanço Análitico do Plano econômico e social – 2015. Maputo. Março de 2016.

SAMPAIO, Carlos Alberto Cioce; ZAMIGNAN, Gabriela. Estudo a Demanda Turística: Experiência de Turismo Comunitário da Microbacia do Rio Sagrado, Morretes (PR). Revista CULTUR. Ano 06. n. 1, fev. 2012.