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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO CIVIL: uma análise sobre o princípio da proporcionalidade Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICO: JOÃO JUTAHY CASTELO CAMPOS São José (SC), junho de 2005.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO CIVIL: uma análise sobre o princípio da proporcionalidade

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí

ACADÊMICO: JOÃO JUTAHY CASTELO CAMPOS

São José (SC), junho de 2005.

1

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO CIVIL:

uma análise sobre o princípio da proporcionalidade

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Professor Msc. Júlio Guilherme Müller.

ACADÊMICO: JOÃO JUTAHY CASTELO CAMPOS

São José (SC), junho de 2005.

1

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO CIVIL: uma análise sobre o princípio da proporcionalidade

JOÃO JUTAHY CASTELO CAMPOS

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

São José, 13 de junho de 2005.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Prof. Msc. Júlio Guilherme Müller - Orientador

_______________________________________________________ Prof. Márcio Roberto Harger - Membro

_______________________________________________________ Prof. Cláudio Andrei Cathcart - Membro

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais João Clébio e Édna, que com grande esforço, me deram a oportunidade de alcançar este objetivo tão almejado. Dedico também este trabalho aos meus irmãos, Larissa e Rafael, à minha avó Hilda, aos meus padrinhos Ilson e Célia e aos meus tios Luiz Henrique e Marilda, que assim como meus pais, tornaram possível o sucesso desta etapa em minha vida.

SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................... 2

INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 3

1 A PROVA NO PROCESSO CIVIL....................................................................................... 5

1.1 CONCEITO DE PROVA ...................................................................................................... 5 1.2 CONCEITO DE PROVA JUDICIÁRIA................................................................................ 5 1.3 OBJETO DA PROVA........................................................................................................... 7 1.4 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS..................................................................................... 13 1.4.1 Quanto ao objeto ................................................................................................................... 13 1.4.2 Quanto ao sujeito .................................................................................................................. 14 1.4.3 Quanto à forma ..................................................................................................................... 15 1.5 AVALIAÇÃO DA PROVA ................................................................................................ 16 1.5.1 Sistema da prova legal .......................................................................................................... 16 1.5.2 Sistema da livre convicção ................................................................................................... 17 1.5.3 Sistema da persuasão racional .............................................................................................. 18 1.6 FINALIDADE DA PROVA................................................................................................ 20 2. PROVA ILÍCITA................................................................................................................ 22

2.1 GARANTIA FUNDAMENTAL DO DIREITO À PROVA................................................. 22 2.2 PROVA LÍCITA E PROVA ILÍCITA ................................................................................. 26 2.2.1 Prova ilícita e prova ilegítima............................................................................................... 28 2.2.2 Prova emprestada .................................................................................................................. 33 2.2.3 Prova ilícita por derivação .................................................................................................... 36 2.3 QUESTÃO DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA NO DIREITO COMPARADO E NO DIREITO BRASILEIRO................................................................................................. 38 2.4 VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO BRASILEIRO.................................................................................................................................................. 42 3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A PROVA ILÍCITA............................. 45

3.1 NORMAS, REGRAS E PRINCÍPIOS. ................................................................................ 45 3.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ........................................................................ 52 3.2.1 Subprincípios inerentes à proporcionalidade ........................................................................ 55 3.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A PROIBIÇÃO DA PROVA ILÍCITA. ... 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 64

BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................... 66

2

RESUMO

A presente monografia tem o escopo de analisar a possibilidade de utilização da prova

obtida por meios ilícitos no processo civil. E para isto se faz num primeiro momento uma análise

geral do instituto da prova, bem como suas classificações e os sistemas sob a qual esta pode ser

analisada. Num segundo momento se analisa o direito à prova como garantia fundamental, os

aspectos da prova emprestada, da prova ilícita por derivação, assim como a prova ilícita no

direito brasileiro. E finalmente, se analisa o aproveitamento desta prova ilícita no processo

através do uso do princípio da proporcionalidade, em razão da vedação da utilização da prova

ilícita ser um princípio e não uma regra a ser aplicada através de um tudo ou nada. Esta prova

ilícita, em determinados casos, deverá ser sopesada e utilizada com o intuito de garantir a

realização de um direito com maior relevância, em detrimento de outros bens jurídicos.

PALAVRAS-CHAVES: prova; prova ilícita; garantia fundamental; norma; regra; princípio da

proporcionalidade.

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem o escopo de analisar a prova no processo civil num caráter

genérico, e, como objetivo específico, busca verificar em determinados casos à utilização da

prova ilícita, à qual é vedada pela Constituição Federal vigente, expressamente no artigo 5º,

inciso LVI.

A Constituição Federal de 1988 ao vedar a utilização das provas obtidas por meios

ilícitos em nosso ordenamento jurídico-processual fundou tal conduta negativa por parte de quem

a alega à categoria de princípio, já que inserida expressamente na Constituição Federal.

A preocupação advinda da utilização da prova obtida por meio ilícito no processo é

saber se quando existente no caso em tela choque entre direitos fundamentais ou

infraconstitucionais de mesmo nível, existem circunstâncias demonstradas nas aludidas provas,

aptas a provarem determinado fato, capaz de suprimir a garantia constitucional ou

infraconstitucional da parte contrária, sendo assim a prova a prova ilícita admitida em juízo,

afastando-se a ilicitude da prova. Note-se que sem a utilização da prova ilícita, o resultado do

processo seria outro.

É no confronto entre a segurança social e a segurança das liberdades individuais que se

encontra o problema exposto neste trabalho. Resta saber se as provas colhidas com violação a

regras ou princípios de direito material, serão utilizadas no processo, com o intuito de resguardar

outros valores também previstos constitucionalmente, como o direito à vida, à igualdade, à

propriedade etc.

Sob a influência principalmente da doutrina e dos tribunais da Alemanha, surge o

princípio da proporcionalidade, com fundamental importância a tutelar garantias estabelecidas

pelo legislador, devendo o juiz através da função a que lhe é conferida, ponderar os direitos

postos em conflito através do princípio da proporcionalidade, resultando na máxima tentativa de

buscar-se a verdade, garantindo assim, a realização da justiça.

Neste trabalho o autor busca objetivamente analisar a prova em sentido latu, bem como,

observar os elementos que levaram o legislador à não admitir em nosso ordenamento as provas

obtidas por meios ilícitos, para que, num segundo momento, seja estabelecido um limite, se é que

isto é possível, entre valores garantidos constitucionalmente, contendo de um lado a busca da

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verdade (finalidade do processo), e, de outro, a ampla garantia dos direitos individuais e coletivos

previstos na Constituição Federal. Assim, quando existir conflito entre valores fundamentais

previstos na Constituição através dos princípios do Estado de Direito, poderá ocorrer a

preponderância de um destes princípios sobre o outro de mesma categoria, através da utilização

do chamado princípio da proporcionalidade.

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1 A PROVA NO PROCESSO CIVIL

1.1 CONCEITO DE PROVA

A idéia de prova traz a definição de “que atesta a veracidade ou a autenticidade de

alguma coisa; demonstração evidente” 1.

Nos dizeres de MOACYR AMARAL SANTOS 2, o vocábulo prova vem do latim

probatio – prova, ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação,

confirmação, e se deriva do verbo probare (probo, as, are) – provar, ensaiar, verificar, examinar,

reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com alguma coisa, persuadir alguém de

alguma coisa, demonstrar.

No sentido comum da palavra a prova pode ser entendida como “o meio pelo qual a

inteligência chega à descoberta da verdade” ou “a relação particular e concreta entre o

convencimento e a verdade” 3.

1.2 CONCEITO DE PROVA JUDICIÁRIA

A prova é estabelecimento de “um fato supostamente verdadeiro” 4, sendo que esta não é

um instrumento capaz de abrigar a determinação da verdade absoluta acerca dos fatos alegados

no pretenso direito.

No sentido jurídico, “é o conjunto de meios e processos tendentes a convencer o

magistrado acerca da existência ou inexistência de um fato” 5.

Como bem coloca CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1.656, vocábulo “prova”. 2 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 01. 3 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 01. 4 BENTHAM, Jeremy. Tratado de las pruebas judiciales, v. 1, Buenos Aires, Ejea, 1971. p. 19 apud: SILVA, Ovídio A.Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 339. 5 MAGALHÃES, Roberto Barcellos de. Dicionário jurídico e repertório processual. 3º volume, Rio de Janeiro, Editora Didática e Científica Ltda., letra O a Z.

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A verdade e a certeza são dois conceitos absolutos, e, por isto, jamais se tem a segurança de atingir a primeira e jamais se consegue a segunda, em qualquer processo (a segurança jurídica, como resultado do processo, não se confunde com a suposta certeza, ou segurança, com base na qual o juiz proferiria seus julgamentos). O máximo que se pode obter é um grau muito elevado de probabilidade, seja quanto ao conteúdo da norma, seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção desses nas categorias adequadas 6.

Apesar das partes disporem de vários meios probatórios durante a instrução processual,

o que se pode ver desde já é que nem sempre os fatos a serem provados corresponderão a verdade

e certeza concretamente.

O vocábulo “prova”, em sentido geral, têm inúmeros significados. Porém em sentido

jurídico, extrai-se os seguintes conceitos que passa a expor.

Conforme leciona OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, no domínio do processo civil a

palavra prova pode significar tanto a atividade que os sujeitos do processo realizam para

demonstrar a existência dos fatos formadores de seus direitos, que haverão de basear a convicção

do julgador, quanto o instrumento por meio do qual essa verificação se faz 7.

Na lição de PLÁCIDO E SILVA, o sentido de provar é “manifestar, fazer patente, pôr

em evidência, mostrar a certeza de um fato ou a verdade acerca do que se alega, mediante

apresentações de razões (...) a fim de que se legitime a pretensão trazida a juízo” 8.

MICHELE TARUFFO esclarece que nesse campo “a prova então, assume a função de

fundamento para a escolha racional da hipótese destinada a constituir o conteúdo da decisão final

sobre o fato” 9.

Aponta MARINONI, que a prova, em direito processual, “ é todo meio retórico,

regulado pela lei, e dirigido a, dentro dos parâmetros fixados pelo direito e de critérios

racionais, convencer o Estado-juiz da validade das proposições, objeto de impugnação, feita no

processo” 10.

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 449. 7 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 337. 8 SILVA. De Plácido e. Vocábulo jurídico. 10º edição. Rio de Janeiro: Forense, 1982. 2º volume. 9 TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici, cit., p. 421. Apud: MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 292. 10 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 292.

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Eis que, na lição de MOACYR AMARAL SANTOS, num sentido genérico “provar é

convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa”, porém, de uma forma mais

específica, tem-se que a “prova judiciária”, objetivamente, é entendid a como os meios destinados

a fornecer ao juiz o conhecimento da verdade dos fatos deduzidos em juízo, e no sentido

subjetivo aquela prova se forma no espírito do juiz, seu principal destinatário, quanto à verdade

desses fatos. Consiste na convicção que as provas produzidas no processo geram no íntimo do

juiz quanto à existência ou inexistência dos fatos alegados em juízo 11.

JOÃO BATISTA LOPES conceitua ainda a prova sob o aspecto objetivo e subjetivo,

sendo aquele o agrupamento dos meios produtores da existência de fatos relevantes ao processo,

e este, a convicção íntima do juiz sobre realidade dos fatos alegados pelas partes no processo 12.

Na mesma diretriz, posiciona-se HUMBERTO THEODORO JÚNIOR ao salientar que o critério

objetivo é o instrumento ou o meio apto a demonstração dos fatos, como por exemplo, os

documentos, as perícias, as testemunhas etc. Subjetivamente, afirma o autor estar a prova quanto

aos fatos alegados intrínseco ao estado psíquico (espírito) do juiz, quanto à convicção deste 13.

Dentre tais conceitos abstrai-se que a prova é a base que compõe a convicção do

magistrado sobre os fatos que elucidam a causa; é a demonstração dos fatos alegados pelas partes

no litígio ou da veracidade de suas afirmações.

1.3 OBJETO DA PROVA

Todos os pretensos direitos têm por fundamento fatos e/ou normas jurídicas que o

asseguram. O autor de uma ação expõe sua pretensão a qual será analisada pelo magistrado. E

através da sentença prolatada, esta produzirá os efeitos jurídicos com fundamento nos fatos

trazidos a lide. O autor, bem como o réu, produzem suas afirmações fáticas podendo estas ser

verdadeiras ou não. Desta forma, permanece a dúvida em saber qual a verdade processual, a qual

deverá ser solucionada pelo juiz através de sua convicção formada pelas provas colhidas no

11 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 12º edição, v.02. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 329. 12 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 22. 13 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 366/367.

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processo. Da análise dos fatos e da inserção destes no direito é que o magistrado irá proferir sua

decisão através da sentença.

Se as questões alegadas pelas partes (tanto pelo autor quanto pelo réu) importam apenas

em questões de direito, como por exemplo, a interpretação da lei, a aplicação de súmulas, a

aplicação de princípios gerais de direito etc, caberá ao juiz, logo após a fase postulatória, julga-

las. Neste caso segue-se a postura positivista, ou seja, o juiz através de seu conhecimento das leis

não sofre influência de outras questões externas, apenas aplica o que está na lei. O direito é que

corrobora seu entendimento. No entanto, se a demanda versada nos autos diz respeito a fatos, ou

seja, acontecimentos do dia-a-dia das pessoas dos quais geram conseqüências jurídicas, poderá

ser necessário a demonstração de sua existência, quando negada pela outra parte. Desta forma,

questões de direito não necessitam de demonstração, porque se parte do princípio que o juiz tem a

obrigação de conhecê-las (“ iura novit curia”). Porém, quanto às questões de fato, pode ocorrer a

exigência de sua demonstração, eis que o juiz terá de buscar a verdade, ou, ao menos, a sua

verossimilhança 14.

O juiz precisa se convencer da existência ou inexistência dos fatos para considerá-los na

sentença, porque a afirmação do juiz necessariamente deverá corresponder à verdade. Em outras

palavras, o juiz necessita saber da verdade em relação aos fatos afirmados pelos litigantes. Assim,

a exigência da verdade, torna-se imprescindível quanto à existência ou não dos fatos, que são

inseridos no processo por meio das provas. A prova é o norte que guia o juiz na sua decisão.

Pelos próprios conceitos extraídos dos mais diversos juristas, abstrai-se que no direito

probatório os fatos é que são objeto de prova, pois, presume-se que as regras de direito são

conhecidas pelo juiz (iura novit curia). Assim, somente os fatos relevantes ao deslinde do

processo constituem objeto de prova, ou seja, aqueles fatos em que se funda a ação ou defesa, é

que haverão de ser objeto de prova.

Fatos relevantes ou influentes são aqueles fatos que tem condições de influenciar na

decisão do processo. A prova do fato é relevante quando se observa que a prova é admissível,

pertinente e concludente. Admissível será a prova quando aplicável ao caso concreto e não

vedada pela lei. A prova será pertinente quando demonstra os fatos e aplica adequadamente os

princípios de direito suscitados. E, finalmente, será a prova do fato relevante considerada como

14 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 21.

9

concludente quando torna compreensível o ponto questionado, ou comprova as alegações feitas

pelas partes 15.

A atividade jurisdicional prestada pelo Estado através do juiz no julgamento do processo

necessita, em princípio, da prova dos fatos.

No entanto, alguns juristas, ao contrário da doutrina majoritária, adotam outra posição

quanto ao objeto da prova.

Nesta direção posiciona-se o jurista LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO

CRUZ ARENHART, ao disporem que “a prova não se destina a provar fatos, mas sim

afirmações de fato. É, com efeito, a alegação, e não o fato, que pode corresponder ou não à

realidade daquilo que se passou fora do processo” 16.

No mesmo sentido, ADA PELEGRINI GRINOVER, entende que “constituem objeto da

prova as alegações de fato e não os fatos alegados” 17.

SENTIS MELENDO afirma: “os fatos não se provam; os fatos existem. O que se prova

são as afirmações que poderão referir-se a fatos” 18.

Esta também é a lição de JOÃO DE CASTRO MENDES ao dizer que:

... seria impróprio dizer que ficou provado o fato de alguém não estar em certo lugar, ou a prova de que determinado evento não ocorreu. Na hipótese de a finalidade da prova ser a demonstração de um ‘fato negativo’, percebe-se facilmente que o objeto da prova não é o fato, mas, como afirma CASTRO MENDES, as alegações ou afirmações sobre o fato 19.

Apesar de não ser pacífico na doutrina, a posição majoritariamente aceita é aquela

baseada em que apenas os fatos relevantes, pertinentes, controversos e necessários, é que devem

ser objeto de prova, filiando-se os mais diversos autores neste vértice, como OVÍDIO A.

BAPTISTA DA SILVA 20, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR 21, JOÃO BATISTA LOPES

15 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 247. 16 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 293. 17 GRINOVER, Ada Pellegrini. ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos. DINAMARCO. Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15ª edição, revista e atualizada. São Paulo: editora Malheiros, 1999, p. 349. 18 Apud SILVA, Ovídio A.Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 343. 19 Apud SILVA, Ovídio A.Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 343. 20 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000.

10

22, HÉLIO MARCIO CAMPO 23 etc, que seguem a corrente de DEVIS ECHANDIA, SILVA

MELERO, dentre outros. E a substância disto encontra-se prevista no artigo 302 do Código de

Processo Civil preconizando que o juiz tem por verdadeiros os fatos alegados pelo autor na inicial

e não impugnados pelo réu, ressalvado se o fato não impugnado pelo réu estiver em contradição

com sua própria defesa considerada como um todo.

E arremata MOACYR AMARAL SANTOS:

Pela prova, procura-se averiguar a verdade dos fatos alegados pelos litigantes. A decisão assenta-se na prova dos fatos, na apuração dos fatos. Ressalta, desde logo, sem necessidade de maiores esclarecimentos, que o objeto da prova são os fatos sobre os quais versa a ação e devem ser verificados 24.

PONTES DE MIRANDA, também expõe em sua obra que “a prova refere -se a fatos”, e

complementa “A prova concerne... à existência e à inexistência no mundo fático ou no mundo

jurídico” 25.

Independentemente da posição doutrinária, existem afirmações de fato que não

dependem de prova, como é o caso dos fatos notórios e os não controversos, bem como os

alegados por uma parte e confessados pela outra e aqueles em cujo favor milita a presunção legal

de existência ou de veracidade, pois estes são tomados por verdadeiros, eis que, pela sua

substância, já se supõe como provados.

Assim é a regra aplicada ao artigo 334 do Código de Processo Civil, ao dispor que não

dependem de prova os fatos: “I - notórios; II - afirmados por uma parte e confessados pela parte

contrária; III - admitidos, no processo, como incontroversos; IV - em cujo favor milita presunção

legal de existência ou de veracidade” 26.

Notórios são os fatos de conhecimento geral, do povo, ocorrida em uma região, num

determinado círculo de pessoas. São as situações inseridas naturalmente na informação, no

21 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 22 Cf. LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. 23 CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1994. 24 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 07. 25 PONTES DE MIRANDA. Comentários Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense, 1974, p. 14. 26 NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação em vigor. 36ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004. Artigo 334.

11

conhecimento e na cultura de determinados indivíduos. Assim são, por exemplo, “as datas

históricas, os fatos heróicos, as situações geográficas, os atos de gestão política etc” 27.

Existem situações em que a lei exige a notoriedade como elemento essencial de um

direito ou fato jurídico, a exemplo da ação pauliana, em que a insolvência do devedor deve ser

notória para ensejar a anulação do ato jurídico oneroso de transmissão de bens (artigo 159 do

Código Civil de 2002) 28.

Entretanto, faz-se o seguinte questionamento: a própria notoriedade é objeto de prova?

Ou, os fatos notórios, em determinados casos podem ser objeto de prova? Sim, pois pode ocorrer,

por exemplo, que o juiz decida conforme as regras e costumes locais, ou seja, o fato é notório

naquela região, porém, pode não ser em outra localidade. Assim, um juiz do Acre aprovado em

um concurso da magistratura em Santa Catarina, pode desconhecer o fato notório e exigir que

dele se faça a sua prova.

No mesmo diapasão da notoriedade, não constitui objeto de prova os fatos

incontroversos, pois estes, uma vez que não contestados pela parte contrária, tomam-se por

verdadeiros, e, prová-los diante desta condição serviria apenas como um meio protelatório à

celeridade processual. No entanto, ressalta HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que no caso de

o fato incontroverso se tratar de direitos indisponíveis, como aqueles referentes ao estado da

pessoa natural, a falta da parte contrária em contestar, não retira da parte que o alega, o ônus de

provar o fato incontroverso, a exemplo das ações negatórias de paternidade, anulação de

casamento etc 29.

Da mesma forma são dispensados de serem provados, e com razão, os fatos alegados por

uma parte e confessados pela outra. É também desnecessária, e até porque não inútil, a prova dos

fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade, como por exemplo “o

filho nascido na constância do casamento dos pais não precisa demonstrar a legitimidade de sua

filiação; e o devedor que tem em seu poder o título de crédito não precisa provar o respectivo

pagamento” 30.

27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369. 28 CAHALI, Yussef Said. Novo Código Civil, Lei 10.406/2002, em vigor a partir de 11/01/2002. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002, artigo 159. 29 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369. 30 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369.

12

Exceção à regra surge quando a parte tem que provar o próprio direito. Como já dito, em

princípio prova-se os fatos e por exceção prova-se o direito. MOACYR AMARAL SANTOS

ressalta que a necessidade de prova do direito surge quando a parte invoca:

... direito estrangeiro, singular, estadual, municipal ou consuetudinário. Mas, nesses casos, a prova visa apenas a auxiliar o juiz, que poderá ignorar o direito invocado. Tanto é assim que, independentemente de prova, poderá o juiz aplicar o direito singular, se conhecê-lo e, por isso, não exigi-la, ou dispensá-la 31.

Como já dito, o direito, via de regra geral, não depende de prova, pois se presume que o

magistrado tenha o dever de conhecê-lo. Excetua-se desta regra, o previsto no artigo 337 do

Código de Processo Civil, em que existe a possibilidade de o juiz exigir prova do direito

municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, ou seja, o juiz poderá exigir da parte que

alega tal direito (ônus de sua prova), a determinação da produção de sua prova, atestando o seu

teor, bem como a sua vigência. A mesma regra encontra-se prevista no artigo 14 da Lei de

Introdução ao Código Civil vigente (Decreto-lei 4.657/1942) que prevê: “Não conhecendo a lei

estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência” 32.

Com efeito, os fatos que necessitam de prova são aqueles elencados no artigo 302 do

Código de Processo Civil, quais sejam os controversos, relevantes e determinantes ao processo,

devendo o juiz fixar em audiência as provas a serem produzidas (art. 331 do C.P.C.) 33. São

controversos os fatos alegados por uma das partes e que, no momento oportuno, venham a ser

impugnados/contestados pela parte contrária a qual não os aceita como verdadeiros. São

relevantes à questão submetida ao julgamento do juiz os acontecimentos da vida que influenciam

na solução da lide no que dizem respeito à causa e com esta mantém uma relação direta ou

indireta, descartando-se aqui os fatos impertinentes que não tenham relação com a causa. Fatos

determinados ou precisos são aqueles que em circunstâncias gerais possuem características

31 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 241. 32 CAHALI, Yussef Said. Código Civil, Código de Processo Civil, Constituição Federal, Lei de Introdução ao Código Civil vigente (Decreto-lei 4.657/1942), 4ª edição, atualizada até 04/01/2002. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2002, artigo 14. 33 CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1994, p. 19.

13

distintas ao que lhe é semelhante, a exemplo das pessoas, coisas etc, e, no meio processual, estes

fatos são aqueles que especificam determinadas circunstâncias importantes ao processo 34.

1.4 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS

Dentre diversas classificações doutrinárias existentes para a prova, interessa neste ponto

a análise daquela trazida por FRAMARINO MALATESTA, utilizando-se também de algumas

classificações de BENTHAM e CARNELUTTI, sendo esta adotada por juristas brasileiros como

MOACYR AMARAL SANTOS 35, OVÍDIO BATISTA DA SILVA 36, JOÃO BATISTA

LOPES 37, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR 38.

1.4.1 Quanto ao objeto

A prova neste ponto pode ser classificada como direta ou indireta. Direta é a

demonstração do próprio fato probando ou consistente no próprio fato, como por exemplo, a

escritura pública apresentada para demonstrar a propriedade sobre um imóvel. Indireta é a prova

que se refere a um fato diverso daquele a que se pretende demonstrar, porém, através de uma

atividade intelectual, permite-se chegar a uma conclusão sobre os fatos dos autos objeto de prova

(ex.: danos causados a plantação, que poderão caracterizar a prática de turbação) 39.

MOACYR AMARAL SANTOS define:

34 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 28/29.; CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1994, p. 19/20.; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369.; SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 342. 35 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983. 36 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000. 37 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. 38 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 39 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 32; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369.; SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 48/49.

14

Enquanto que na prova direta a conclusão objetiva é conseqüente da afirmação da testemunha ou da atestação da coisa ou documento, sem necessidade de trabalho algum do raciocínio, na indireta o raciocínio reclama a formulação de hipóteses, sua apreciação, exclusão de umas, aceitação de outras, enfim trabalhos indutivos, maiores ou menores, para se atingir à verdade relativa ao fato probando. Por meio da simples percepção da prova direta, tem-se sua conclusão objetiva; só pode afirmar-se a conclusão da prova indireta por meio de trabalho do raciocínio, da sua percepção à percepção do fato probando 40.

Indícios são vestígios deixados por um fato, dos quais se deduz por raciocínio lógico e

presuntivo, a existência do fato principal (ex.: falta de equilíbrio, alteração na face, diminuição

dos reflexos etc, são indícios de estado de embriaguez. Entretanto, só o exame de graduação

alcoólica é que constituirá a prova direta.). Presunções são raciocínios lógicos que, partindo-se de

fatos conhecidos, deduz-se a existência de outro até então desconhecido 41. (Ex.: alguém que é

visto correndo para tomar um ônibus, presume-se que tal pessoa esteja com pressa) 42.

A propósito, é importante lembrar os ensinamentos do ilustre jurista FRANCESCO

CARNELUTTI, segundo o qual a prova pode ser dividida em histórica ou crítica. A prova

histórica, por exemplo, é quando a testemunha produz perante o juiz o fato probando (prova

testemunhal). Já a prova crítica, por exemplo, são os indícios que, através do raciocínio, se

permite à fixação da veracidade da prova 43.

1.4.2 Quanto ao sujeito

Nesse ponto a prova pode ser classificada em pessoal e real. Pessoal é a prova de um

fato, feita por uma pessoa, baseada na revelação consciente que declara ou afirma a verdade do

fato, e é também baseada nas impressões técnicas do fato relacionadas ao íntimo da pessoa, como

por exemplo, a prova testemunhal e o depoimento pessoal 44.

40 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 48/49. 41 MAGALHÃES, Roberto Barcellos de. Dicionário jurídico e repertório processual. 3º volume, Rio de Janeiro, Editora Didática e Científica Ltda., letra O a Z, p. 311 e 468. 42 GLIGIO, Wagner D. Direito processual do trabalho, 8ª edição. São Paulo: LTr, 1993, p. 269/ 270. 43 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Pádua, Cedam, 1936. in SILVA, Ovídio A. Baptista da. 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 341. 44 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 49.; LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 32/33.

15

Já a prova real consiste no próprio fato e nas suas circunstâncias produzidas pelas

pessoas ou coisas inconsciente e involuntariamente passível de ser verificada através de

documentos, perícias etc, como por exemplo, a posição em que permanecem os veículos após um

acidente automobilístico 45.

MOACYR AMARAL SANTOS ainda conclui: “Resumindo, pode -se dizer que é prova

pessoal toda a afirmação pessoal consciente, destinada a fazer fé dos fatos afirmados. Toda outra

prova é real” 46.

1.4.3 Quanto à forma

Quanto à forma, as provas prestadas em juízo podem ser testemunhais (testemunhas,

confissão, e, nos sistemas que o prevêem como prova o juramento); documentais, também

chamadas de literais ou instrumentais, que consistem na declaração consciente de uma pessoa sob

a forma escrita e não podendo esta ser feita de forma oral (escrituras públicas e particulares,

cartas etc); e materiais, consistentes na própria materialidade do fato a que se pretende provar

(exame de corpo do delito, instrumentos do crime, exames etc) 47.

BENTHAM ainda classifica que quanto à forma as provas podem subdividir-se em

casuais e preconstituidas. Casuais são os meios de prova utilizados ocasionalmente, sendo que a

sua formação não tenha ocorrido com a intenção direta de ser utilizada no processo,

preconstituidas são as provas produzidas sob determinados requisitos legais e servem para

demonstrar a ocorrência de atos ou fatos, tendo a formação desta prova a intenção precisa de ser

empregada como prova judiciária 48.

45 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, pág. 49.; LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 32/33. 46 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 50. 47 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 49.; LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 32/33; SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 340/ 341. 48 BENTHAM in SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 54; SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 341.

16

1.5 AVALIAÇÃO DA PROVA

A avaliação da prova consiste num processo intelectual que se destina a produzir a

verdade ou convicção do juiz a respeito dos fatos litigiosos. Conforme explana o ilustre jurista

MOACYR AMARAL SANTOS: “Na avaliação se desenvolve o trabalho intelectual do juiz. É

ato seu. É ele quem pesa e estima as provas. Ele, que as coligiu, dirigiu, inspecionou, é quem

delas vai extrair a verdade” 49.

É cediço que o juiz através de seu intelecto não forma sua convicção arbitrariamente,

seguindo tão somente suas aspirações pessoais, mas deve este atender a critérios e diretrizes

contidas na doutrina e na experiência jurídica para formar o seu convencimento 50. Desta

maneira, o juiz deve observar determinados sistemas para o estabelecimento de critérios quanto à

apreciação das provas, dentre os quais se apresentam três sistemas:

a) o do critério legal;

b) o da livre convicção;

c) o da persuasão racional 51.

1.5.1 Sistema da prova legal

Tal sistema tem origem no processo bárbaro, no direito romano primitivo e no direito

medieval, quando as provas eram fundamentadas nas ordálias, também chamados de “juízo de

Deus” 52.

Segundo o sistema das provas legais, também denominadas provas positivas ou

tarifadas, é atribuído a cada prova um valor fixo e imutável previamente estabelecido pela lei, não

49 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 391. 50 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 46. 51 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 391. 52 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369.

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dispondo o juiz de liberdade para apreciação da mesma (utilização de critérios pessoais e

subjetivos de convencimento). Em tal sistema as provas seguem uma hierarquia legal. O juiz não

exprime seu juízo de valor quanto à prova, apenas limita-se a aplicar a lei ao caso em questão 53.

OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA traz um exemplo que traduz a utilização de tal critério,

justamente à época no qual este foi amplamente utilizado, ou seja, no direito primitivo: “O

depoimento de um servo jamais poderia ter o mesmo valor do testemunho de um nobre, mas o

depoimento de dez servos equivaleria ao de um nobre ou senhor feudal, embora intimamente o

juiz tivesse sobradas razões para crer que o nobre mentira e o servo dissera a verdade” 54.

O juiz através deste sistema deverá decidir com base no que foi alegado e provado pelas

partes (secundum allegata et probatia indicare debet) mesmo que sua convicção lhe indique que

a prova produzida não exponha a verdade dos autos 55.

Tal critério, porém, encontra-se totalmente superado no direito moderno. Apesar disto,

JOÃO BATISTA LOPES, após breve análise do Código de Processo Civil vigente, afirma ainda

ser possível encontrar dispositivos que contemplem o critério das provas legais, como o artigo

366 que prescreve: “Quand o a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público,

nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta”. Na mesma diretriz cita

o autor outros exemplos: “a prova de alienação fiduciária em garantia, o desapreço revelado pelo

legislador pela prova testemunhal (arts. 400 e 401 do CPC)” 56. Bem a propósito é importante

salientar que tais dispositivos são considerados exceções ao princípio de que as provas têm valor

relativo (ou seja, não há hierarquia entre elas), devendo o juiz aprecia-las segundo o critério da

persuasão racional, o qual será estudado logo adiante.

1.5.2 Sistema da livre convicção

53 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 393. 54 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 348. 55 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 393/394. 56 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 47/50.

18

O sistema da livre convicção, também denominado de sistema da íntima convicção, livre

apreciação da prova ou princípio do livre convencimento, tem origem no direito romano e toma

por base justamente o oposto do sistema da prova legal, dando ao juiz ampla liberdade em

apreciar as provas. O juiz através deste sistema é soberano e julga secundum conscientiam, pois

sua decisão é sustentada com base na sua consciência a respeito da análise dos fatos da causa 57.

MOACYR AMARAL SANTOS esclarece:

No sistema da livre convicção, também chamado da íntima convicção, o juiz é soberanamente livre quanto à indagação da verdade e à apreciação das provas. A verdade jurídica é a formada na consciência do juiz, que não é, para isso, vinculado a qualquer regra legal, quer no tocante à espécie de provas, quer no tocante a sua avaliação. A convicção decorre não das provas, ou melhor, não só das provas colhidas, mas também do seu conhecimento pessoal, das suas impressões pessoais, e à vista destas lhe é lícito repelir qualquer ou todas as demais provas. Além do que não está o juiz obrigado a dar os motivos em que funda a sua convicção, nem os que levaram a condenar ou absolver 58.

Tal sistema se difere ao da prova legal anteriormente demonstrado, porque o juiz não

fica adstrito a obedecer regras legais previamente estabelecidas, tanto na espécie dos meios de

prova, quanto na sua avaliação, podendo inclusive, decidir contrariamente à prova dos autos.

1.5.3 Sistema da persuasão racional

Também chamado de sistema da convicção condicionada ou convicção racional, o

sistema da persuasão racional pode ser interpretado como um sistema misto que se utiliza tanto

do sistema da prova legal quanto do sistema da livre convicção, sendo tal sistema o mais

produtivo na atividade jurisdicional dos países modernos.

Diferentemente do sistema da livre convencimento em que o juiz pode julgar sem se

atrelar à prova produzida nos autos, no sistema da persuasão racional o juiz tem a obrigatoriedade

de fundamentar sua conclusão, indicando os motivos e circunstâncias dos fatos tido como

57 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 395; SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 349. 58 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 396/397.

19

verdadeiros em que se apóia a decisão. Deve o juiz, indicar na sentença os elementos que o

fizeram obter vossa convicção, e a fundamentação deve ser coerente com a prova inserida nos

autos 59.

Segundo este sistema, o juiz deve julgar, assim como no sistema da prova legal,

secundum allegata et probata, porém, sem a rigidez em que o valor atribuído a cada prova se

encontra previsto na lei. Observa-se assim, que embora atrelado à prova dos autos, é lícito ao juiz

apreciar a prova e, após, formar o seu íntimo convencimento. Constata o critério da persuasão

racional que o juiz deverá decidir conforme a observação de regras jurídicas e das máximas de

experiência, bem como dos meios que regulam a prova e sua produção 60.

A convicção aponta MOACYR AMARAL SANTOS, fica condicionada:

a) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica controvertida;

b) às provas destes fatos, colhidas no processo;

c) às regras legais e máximas de experiência;

d) ao julgamento motivado 61.

O mesmo autor resume tal sistema, comentando apropriadamente:

O juiz, não obstante, aprecie as provas livremente, não segue as suas impressões pessoais, mas tira a sua convicção das provas produzidas, ponderando sobre a qualidade e vis probandi destas; a convicção está na consciência formada pelas provas, não arbitrária e sem peias, e sim condicionada a regras jurídicas, a regras da lógica, a regras de experiência, tanto que o juiz deve mencionar na sentença os motivos que a formaram 62.

Importante frisar que o juiz para formar o seu convencimento poderá determinar a

produção de provas não requeridas pelas partes ou não produzidas por elas. Portanto, “ ex officio”,

isto lhe é facultado pelo artigo 130 do Código de Processo Civil vigente. Com efeito, prescreve o

artigo 130: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas

necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente

protelatórias”.

59 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 350/351. 60 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 371. 61 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 399.

20

O juiz será guiado pelo seu pensamento e decidirá pela sua livre convicção, no entanto,

ficará sua decisão vinculada aos fatos e circunstâncias presentes nos autos 63.

Segundo a definição outorgada na doutrina de ADA PELLEGRINI GRINOVER,

“Persuasão racional, no sistema do devido processo legal, significa convencimento formado com

liberdade intelectual mas sempre apoiado na prova constante dos autos e acompanhado do dever

de fornecer a motivação dos caminhos do raciocínio que conduziram o juiz à conclusão” 64.

Este é o sistema adotado por nosso Direito Processual Civil, quanto à análise sobre a

avaliação da prova, como resulta claro da análise do artigo 131 do mesmo diploma legal, verbis:

“Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes

dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que

lhe formaram o convencimento” 65.

1.6 FINALIDADE DA PROVA

A finalidade da prova se concentra em convencer o juiz sobre as alegações apresentadas

pelo autor na sua petição inicial, bem como pelo réu em sua contestação, com o objetivo de

constatar uma decisão justa e favorável à luz da verdade real 66. Por outro lado, como muitas

vezes não é possível solucionar a lide extraindo tão somente a verdade real, “... deve -se

reconhecer que o direito processual se contenta com a verdade processual, ou seja, aquela que

aparenta ser, segundo os elementos do processo, a realidade”. 67

Ainda observa MOACYR AMARAL SANTOS:

62 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 398/399. 63 PONTES DE MIRANDA. Moacir Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo II: artigo 131. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 401. 64 GRINOVER, Ada Pellegrini. ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos. DINAMARCO. Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15ª edição, revista e atualizada. São Paulo: editora Malheiros, 1999, p. 351. 65 NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação em vigor. 36ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004. Artigos 130 e 131. 66 CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1994. p. 22. 67 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 36ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001. P. 370.

21

A questão de fato se decide pelas provas. Por estas se chega à verdade, à certeza dessa verdade, à convicção. Em conseqüência, a prova visa, como fim último, a incutir no espírito do julgador a convicção da existência do fato perturbador do direito a ser restaurado. ‘A finalidade da prova não é outra senão convencer o juiz, nesta qualidade, da verdade dos fatos sobre os quais ela versa’. (...). O dever do juiz é dizer e investigar a verdade. Para isso se acha munido de poderes extensos, concedidos pelo Estado, e encontra auxiliares nos próprios litigantes, que estão no dever de fornecer-lhe os meios de investigação. Exatamente porque ‘o dever do juiz é obter todas as provas de parte a parte, da melhor forma possível, compará-las e decidir segundo a sua força probante, nunca deixa de ser acertada a proposição de BENTHAM, que por si só resume a importância do assunto ‘a arte do processo não é senão a arte de administrar as provas’ 68.

O destinatário da prova não poderia ser outra pessoa senão o juiz, e este julgará

conforme o alegado e provado pelas partes nos autos, em busca, como já mencionado, da verdade

processual. 69

68 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, P. 06/07. 69 CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1994. P. 22.

22

2. PROVA ILÍCITA

2.1 GARANTIA FUNDAMENTAL DO DIREITO À PROVA

O processo está voltado a tutelar princípios e valores superiores ao interesse

controvertido das partes (supremacia da ordem pública), estando assim, dirigido à realização do

bem comum. A maior importância dada à ordem pública sobre os interesses de ordem privada em

conflito, se dá, no sistema processual, por diversos aspectos, como, por exemplo, na garantia

constitucional de inafastabilidade de jurisdição, na garantia do juiz natural, no impulso oficial, na

liberdade de valores das provas, na obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais, no

contraditório efetivo e equilibrado, nas nulidades absolutas etc 70.

PAULO BONAVIDES assevera a distinção entre direitos e garantias escrevendo:

“ Direito é a faculdade reconhecida, natural, ou legal, de praticar ou não praticar certos atos.

Garantia ou segurança de um direito, é o requisito de legalidade, que o defende contra a ameaça

de certas classes de atentados de ocorrência mais ou menos fácil”. “Os direitos representam sós

por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são os

principais, as garantias são acessórias”, bem como, “... os direitos declaram-se, as garantias

estabelecem-se” 71.

A Constituição é o fundamento de validade da lei e a função das garantias

constitucionais é “dar proteção efetiva e concreta ao direito, abstrata e legal mente reconhecido”.

E é por meio destas garantias que o Estado ou os particulares se utilizam contra a inobservância

do direito objetivo. Estas garantias podem ser formais ou materiais. “As formais são estáticas e

têm perfis estruturais”, como, por exemplo , a rigidez das normas, a legalidade etc. Já as materiais

ou substanciais são, “ao contrário, dinâmicas (por exemplo, o controle de constitucionalidade das

leis) e asseguram condições de satisfação prática dos direitos fundamentais consagrados na

Constituição” 72.

70 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 91/93. 71 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 483/484. 72 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 94/95.

23

Ao juiz cabe, após verificar a aplicabilidade destas garantias, aplicar a lei, afastando

assim que uma sentença injusta venha a ser fundamentada em uma lei que não respeita as regras

jurídicas. A Constituição, como fonte de hierarquia das normas, permite a análise dos valores

trazidos pelos princípios e regras, os quais casualmente se colidem na solução do caso exposto. A

norma deixa de ser um dado e passa a ser o resultado da interpretação do juiz, à luz do caso

submetido à sua decisão 73.

Partindo-se da Constituição, o processo civil, além de ser uma técnica lógico formal, é

também uma reunião de instrumentos para a realização da justiça. “Desta forma, as leis

processuais devem traduzir e regulamentar a garantia de justiça contida na Constituição” 74.

A democracia se traduz na preocupação com que o direito processual deve ter em

considerar as partes igualitariamente, oferecendo-se a estas todos os meios possíveis de

realização probatória que possam influenciar no convencimento do magistrado. Assim, o direito à

prova assegura uma maior participação das partes, contribuindo para a busca da verdade no

processo. Daí entender que os institutos processuais não estão somente no Código de Processo

Civil e nas leis que regulamentam o direito, mas, essencialmente, na Constituição 75.

O processo, visualizado como instrumento para realização da justiça, deve estar a

serviço da concretização essencial da Constituição Federal. Assim, o processo deve reproduzir as

bases do regime democrático enunciadas na Constituição. O processo deve ser o resumo do

Estado Democrático de Direito, visando a garantia dos direitos fundamentais 76.

73 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 96/98. “Por exemplo, a hipótese da necessária transfusão de sangue a recém-nascido que corre perigo de vida cujos pais, sendo Testemunhas de Jeová, não consentem, em razão dos seus dogmas religiosos, com a realização da transfusão. Nesse caso, existe um conflito de valores, expressos, de um lado, no direito à liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI, CF) e, de outro, no direito à vida (art. 5º, caput, CF). Somente pela aplicação do princípio da proporcionalidade poderia o Judiciário resolver esse conflito entre dois valores igualmente constitucionais e consagrados normativamente pelo sistema jurídico”. ( omissis) “Conforme a jurisprudência do Tribunal Federal Constitucional alemão, a máxima da proporcionalidade implica três máximas parciais de adequação, necessidade (postulado do meio mais benigno) e proporcionalidade em sentido estrito (postulado de ponderação propriamente dito). Cf. Robert Alexy. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 111/112”. 74 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 98. 75 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 101/102. 76 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 99.

24

Dentro do regime geral dos direitos fundamentais encontramos três princípios que

estabelecem os elementos estruturantes do Estado de direito democrático. Primeiro, o princípio

da universalidade consagra que os direitos fundamentais são direitos de todos os cidadãos, são

direitos do próprio ser humano 77. Segundo, o princípio da igualdade na aplicação do direito

observa que “as leis devem ser execu tadas sem olhar as pessoas”. E quanto à igualdade na criação

do direito, tal princípio cria um direito igual para todos, ou seja, trata por igual todos cidadãos 78.

O princípio da igualdade não é somente um princípio de Estado de direito, mas também um

princípio de Estado social, considerando-se assim um princípio de justiça social 79. Terceiro, o

princípio do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efetiva visa “não apenas

garantir o acesso aos tribunais, mas sim e principalmente possibilitar aos cidadãos a defesa de

direitos e interesses legalmente protegidos através de um acto de jurisdictio” 80. Em termos

gerais, ressalta CANOTILHO:

O direito de acesso aos tribunais reconduz-se fundamentalmente ao direito a uma solução jurídica de actos e relações jurídicas controvertidas, a que se deve chegar um prazo razoável e com garantias de imparcialidade e independência possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de causas e outras. Significa isto que o direito à tutela jurisdicional efectiva se concretiza fundamentalmente através de um processo jurisdicional equitativo – due process (...) 81.

Nesse sentido, a teoria da tutela constitucional do processo civil estabelece hierarquia

entre as normas jurídicas, tendo fundamentalmente a Constituição como ordem suprema sobre as

formalidades legais que regem o processo civil. Por esta razão, podemos analisar tal teoria, tanto

na designação do acesso à justiça, quanto sob o enfoque do direito ao processo 82.

77 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, 2000, p. 407/409. 78 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, 2000, p. 416/417. 79 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, 2000, p. 420. 80 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, 2000, p. 423. 81 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, 2000, p. 423/424. 82 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 104.

25

O direito de ação ou petição, previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º,

incisos XXXIV e XXXV (garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional),

implica: a) no direito ao conjunto dos instrumentos processuais aptos a tutelar os direitos; e b) no

direito de que sejam afastados todos os obstáculos econômicos, sociais, psicológicos etc., que

proíbam o acesso à justiça 83.

Já o direito ao processo justo compreende a constitucionalização das garantias e

princípios que estruturam o processo civil, como as garantias da ação, da ampla defesa, do

contraditório, da imparcialidade do juiz, das decisões fundamentadas etc. Pode-se dizer que “o

direito ao processo justo é sinônimo do direito à efetiva tutela jurisdicional” 84.

O direito probatório pode ser tanto um direito pessoal, como um direito impessoal. É

direito impessoal quando o Estado, por iniciativa própria e através do juiz, produz a prova a fim

de que se possa descobrir a verdade, ou seja, neste caso, “o ato da produção da prova compete

principalmente ao juiz; subsidiária e supletivamente às partes” 85.

O direito probatório, no entanto, trata-se de um direito subjetivo processual quando diz

respeito a um direito pessoal (individual) de se provar no processo os fatos deduzidos na ação ou

na defesa 86, levando a crer que o direito à prova constitui tanto uma garantia de ação como de

defesa das partes.

O que se visualiza é que o direito à prova decorre da garantia constitucional do devido

processo legal, que “significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo

legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade” 87, (due

process of law – derivado do direito anglo-saxão e introduzido em nosso ordenamento através do

inciso LIV, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988). Em outras palavras, o devido processo

legal “equivale ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional

de aplicação de sanções criminais particularmente graves” 88.Assim o direito à prova é um dos

83 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 105; Cf. RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 28. 84 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 107. 85 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 288/289. 86 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 28. 87 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 108/113. 88 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, 2000, p. 481.

26

elementos que constituem as garantias constitucionais da ação, da defesa e do contraditório.

Ressalte-se que, por ser a garantia do devido processo uma garantia muito ampla, esta pode ser

considerada como “o gênero das demais garantias processuais” 89, portanto aqui se insere, dentre

outras garantias já citadas, “o direito de alegar e produzir todas as provas necessárias e

admissíveis a influir na formação do convencimento do juiz” 90. Entretanto, como já dito, por ser

o due process of law uma garantia muito abrangente, esta deve ser aplicada com racionalidade ao

direito processual, e desta forma, assegurado está o direito ao processo justo, que consiste na

prestação jurisdicional correta e na oportunidade que a Constituição, unida com as leis

processuais, realize de forma clara a defesa dos direitos prejudicados ou ameaçados de lesão 91.

DINAMARCO comenta: “impedir que a parte tenha direito à prova significaria privá -la

dos meios legítimos de acesso à ordem jurídica justa, a serviço da qual o processo está

predisposto e, com isso, inviabilizar a concretização da noção de justiça contida na Constituição” 92. Trata-se na verdade de considerar o direito processual (através do processo), como sendo uma

garantia para se buscar a idéia de justiça, modelada na Constituição 93.

2.2 PROVA LÍCITA E PROVA ILÍCITA

Consoante o artigo 332 do Código de Processo Civil vigente, que dispõe: “Todos os

meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são

hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”, é autorizado o uso

no processo de qualquer meio de prova, mesmo que não indicada no C.P.C., desde que este meio

de prova seja legal e moralmente legítimo. À vista disso, esta é a prova considerada lícita.

89 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 108/113. 90 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 108/113. 91 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 108/113. 92 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 204. 93 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 102/103.

27

Cumpre, no entanto, traçar um breve relato do que é prova ilícita, prova moralmente legítima e

prova moralmente ilegítima 94.

Partindo-se da concepção formada a partir do que é “moral”, o que se verifica é que a

prova moralmente legítima é aquela que “não ofende o homem comum ou o padrão comum de

moral social”. Desta feita, o juiz, p ara considerar uma prova como moralmente ilegítima tem que

levar em consideração o lugar, a época e a circunstância em que ela foi obtida, ou seja, o juiz ao

considerar a época e o lugar em que a prova foi obtida, deverá apreciar o modo com que a

população naquela época entendia (ou entende) que a prova era (ou é) “moralmente ilegítima” 95.

Genericamente pode se considerar a prova ilícita como sendo aquela que viola uma

norma, seja esta de direito material ou de direito processual (porém, não cumpre neste momento o

estudo mais aprofundado destes temas, os quais serão abordados no tópico seguinte). Entretanto,

não há que se confundir prova ilícita e prova atípica. Frisa-se que prova atípica, também chamada

de prova inominada, é aquela que não se encontra tipificada em nosso ordenamento jurídico,

enquanto que a prova ilícita, pode abordar tanto as provas típicas como as provas atípicas.

Convém destacar que, não é porque a prova seja atípica ou inominada, que será ela ilícita, até

porque, pode ocorrer de uma prova ser típica e mesmo assim ser considerada ilícita 96.

Importante ressaltar que durante a formação da prova atípica, assim como da prova

típica preconstituída, pode ser dispensado o contraditório. Todavia, é extremamente necessária a

constatação do contraditório depois que a prova atípica se insere no processo 97.

O texto constitucional previsto no inciso LVI, do artigo 5º, da Constituição Federal de

1988, dá a entender que jamais se possa admitir qualquer prova cuja obtenção tenha ocorrido de

forma ilícita. Porém, levando-se em conta que a regra não seja absoluta, porque “nenhuma regra

constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras e princípios também

constitucionais”, necessário se faz confrontar os bens jurídicos em jogo (desde qu e garantidos

94 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 302. 95 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 303. 96 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 303/304. 97 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 304.

28

constitucionalmente), para que se possa verificar a admissão ou não da prova obtida de forma

ilícita 98.

2.2.1 Prova ilícita e prova ilegítima

No tocante a necessidade e os meios de se provar a verdade dos fatos, é necessário que

se verifique a questão da eficácia ou utilidade de determinados meios de prova, bem como, da sua

destinação. Convém lembrar que ao apreciar a prova ilícita deve ser estabelecido um limite ético

do exercício do direito à prova, o que gera um conflito entre a necessidade do emprego da prova

ilícita e a certificação dos direitos e garantias constitucionais previstos em nossa Carta Magna 99.

São também utilizados pela doutrina como sinônimo de provas ilícitas os seguintes

termos: “prova proibida”, “prova vedada”, “prova il egal”, “prova ilegalmente obtida”, “prova

ilicitamente obtida”, “prova ilegitimamente obtida”, e, também, “proibições probatórias” 100.

Podemos observar sob o aspecto legislativo três momentos que restringem o direito à

prova. Primeiramente, o artigo 202 do Código de Processo Civil de 1939 dispunha, verbis: “São

admissíveis em juízo todas as espécies de prova reconhecidas nas leis civis e comerciais”. A

prova era então regulada, ou restringida, somente às esferas civil e comercial. Adveio

posteriormente o Código de Processo Civil de 1973, inserindo o artigo 332, segundo o qual

“todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste

Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”. Com

efeito, o C.P.C. de 1973 ampliou os meios de prova ao incluir os “moralmente legítimos”,

atendendo assim a um duplo aspecto: a) admissão de meios de prova que embora não previstos na

lei, podem ser admitidos desde que não afetem a moralidade; e, b) por ser o termo “moralmente

legítimos” um conceito amplo, conferiu -se ao juiz indiretamente, definir caso a caso os meios de

prova. A Constituição Federal de 1988 trouxe um terceiro momento na fixação dos critérios de

admissão da prova em juízo, prescrevendo em seu artigo 5º, inciso LVI, in verbis: “São

inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos”. Resta, pois, que a atual

98 GRECO FILHO, Vicente. Manual do processo penal. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 178. 99 OLIVEIRA, C.A. Álvaro de. (organizador). Prova Cível. Rio de Janeiro: forense, 1999. SILVEIRA, Patrícia Azevedo da. A prova ilícita no cível, p. 187/188. 100 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 13.

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Constituição em vigor, não considerou como prova que possa a vir a ser utilizada no processo

aquela obtida por meio ilícito 101.

Todavia, é de se observar que nem só a proibição do uso da prova ilícita no processo

constitui uma garantia constitucional, pois também o direito à prova é assegurado pela

Constituição. Desta forma, pode surgir o conflito entre os princípios constitucionais do acesso à

justiça e do direito à prova com a proibição constitucional do uso da prova ilícita no processo 102.

Adotando a terminologia utilizada pela Constituição Federal de 1988, traz-se dentro das

teorias como a de ECHANDIA, CAPELETTI e NUVOLONE 103, a noção de provas obtidas por

meios ilícitos.

Procurando a noção de provas obtidas por meios ilícitos ECHANDIA expressa que o

problema pode ser identificado em cinco momentos, quais sejam:

... em primeiro lugar, reconhece a ilicitude pelo procedimento utilizado (empregado) para a prova, p. ex., confissão obtida mediante tortura, sendo ilícita, neste sentido (com exemplos ligados à legislação colombiana), a prova obtida mediante coação, quer seja ela física, moral, etc; em segundo lugar, aponta a ilicitude da própria prova (ou do próprio meio de prova), ainda que o procedimento adotado seja corrente e normal, p. ex., inspeção judicial quanto à violência carnal ou reconstituição em caso do crime de estupro; em terceiro lugar, anota a proibição imposta pela lei para utilizar determinado meio de prova em certos casos, p. ex., testemunho que importe violação de segredo profissional; em quarto lugar, menciona a proibição legal para investigar determinado fato, p. ex., investigação de paternidade de filho de mulher casada; e, por derradeiro, em quinto lugar, da utilização de meios não-incluídos entre aqueles legalmente autorizados pela lei 104.

CAPPELLETTI coloca a questão das provas ilícitas sob dois aspectos:

... a uma, no que se refere às provas que são admitidas em juízo, mas que tenham sido criadas ou chegado à parte que tenciona a sua produção por intermédio de um ato ilegítimo; e, a duas, na inadmissibilidade de produção de prova decorrente de vedação

101 OLIVEIRA, C.A. Álvaro de. (organizador). Prova Cível. Rio de Janeiro: forense, 1999. SILVEIRA, Patrícia Azevedo da. A prova ilícita no cível, p. 188/192. 102 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 304. 103 ECHANDIA, Hernando Devis. Pruebas ilícitas, in Revista do Processo n. º 32/82. Compendio de derecho procesal, vol. II, Bogotá, 1972, Editorial ABG; CAPPELLETTI, Mauro. Efficacai di prove illegittimamente ammesse e comportamento della parte. in Rivista di Diritto Civile, Padova Cedam, vol. III, 1ª parte, 1961.; NUVOLONE, Pietro. Le prove vietale nel processo penale nei paesi di diritto latino, in Riv. De Dir. Processuale, vol. 21, 1966, Cedam Padova; in RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 13/14. 104 ECHANDIA, Hernando Devis. Pruebas ilícitas, in Revista do Processo n. º 32/82. Compendio de derecho procesal, vol. II, Bogotá, 1972, Editorial ABG. Apud: RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 13/14.

30

expressa pela lei, agrupando as duas hipótese no que convencionou chamar de ‘provas trazidas em juízo mediante uma ato ilegítimo’ 105.

Entretanto, a doutrina de NUVOLONE parece ser aquela que mais se adequa com a

noção de prova vedada ou ilegal. A prova vedada ou ilegal constitui o gênero, compreendendo a

prova ilícita e a prova ilegítima como suas espécies 106.

Considerando a prova ilícita e a prova ilegítima como espécies de prova vedada ou

ilegal, cabe neste momento distinguí-las, assim como, faz-se uma breve distinção entre direito

material e direito processual.

Conforme o dicionário jurídico MARIA HELENA DINIZ:

DIREITO MATERIAL. Teoria geral do direito. Trata-se do direito substantivo, que é um complexo de normas que regem as relações jurídicas, definindo a sua matéria. Por exemplo, direito civil, direito penal, direito comercial etc 107.

E, por direito processual, se entende:

DIREITO PROCESSUAL. Ramo do direito público interno que rege a organização e as funções do Poder Judiciário e o processo judicial, isto é, a operação por meio da qual se obtém a composição da lide. É um instrumento do direito substantivo ou material, pois todos os seus institutos básicos (jurisdição, ação, execução, processo) justificam-se no quadro das instituições estatais, ante a necessidade de se garantir a autoridade do ordenamento jurídico-positivo, tornando-o efetivo. É portanto, um direito adjetivo ou formal que regula a aplicação do direito substantivo ou material aos casos concretos, ou seja, disciplina a criação de normas jurídicas individuais (sentenças), pela aplicação de uma norma geral, e estabelece as normas procedimentais indicativas dos atos sucessivos e das normas que deve cumprir o juiz para aplicar o direito. Disciplina a atividade dos juízes, dos tribunais ou órgãos encarregados da distribuição da justiça, determinando como devem agir para cumprir a lei que foi violada. O direito processual rege não só a atividade jurisdicional do Estado para a aplicação das normas jurídicas gerais ao caso sub judice, mas também a organização do Poder Judiciário, a determinação da competência dos funcionários que o integram e a atuação do órgão judiciante e das partes na substanciação do processo ou do juízo 108.

105 CAPPELLETTI, Mauro. Efficacai di prove illegittimamente ammesse e comportamento della parte. in Rivista di Diritto Civile, Padova Cedam, vol. III, 1ª parte, 1961. Apud: Cf. RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 14. 106 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 15; AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 43. 107 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Volume II. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 169. 108 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Volume II. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 174/175.

31

Para NUVOLONE, “se a norma violada for de direito material, a violação afronta

diretamente os direitos individuais; em se tratando a norma atingida de direito processual, diz

respeito diretamente às finalidades do processo” 109.

Na mesma diretriz, BERGMANN afirma que a prova ilícita é aquela que afronta norma

de direito material, ou seja, quando a ofensa ao direito diz respeito à obtenção da prova, como,

por exemplo, o documento subtraído. Ao passo que, a prova ilegítima é aquela que se confronta

com a norma de direito instrumental, ou seja, ela é ilegitimamente produzida, como por exemplo,

a prova de um fato que deixou vestígios ser feita exclusivamente através de prova testemunhal.

Daí porque, a prova produzida contra o ordenamento processual é chamada de prova ilegítima

(vedação de ordem processual), e, de outro quadrante, quando a violação atinge um princípio de

direito material (meios e modos utilizados para se obter a prova), estará configurado o instituto da

prova ilícita 110.

ADA PELEGRINI GRINOVER ressalta que a Constituição Federal de 1988 adotou a

terminologia utilizada na doutrina, que distingue a prova ilegítima da prova ilícita ou da prova

obtida por meios ilícitos, correspondendo aquela como sendo a prova que viola normas de direito

processual, e esta, como sendo a prova que ao ser colhida transgride normas de direito material,

sobretudo àquelas contidas na Carta Magna 111.

E arremata AVOLIO esclarecendo que a prova ilegítima é aquela cuja sua produção

atenta contra as normas de direito processual. A título exemplificativo, a lei processual penal

contém alguns artigos que determinam a exclusão de alguns tipos de prova, como, pessoas que

em razão de função, ministério (cargo), ofício ou profissão, devam guardar segredo (artigo 207

do Código de Processo Penal vigente); ou a recusa de depor por parte de parentes ou afins (artigo

206 do Código de Processo Penal vigente); ou a produção de cartas particulares, interceptadas ou

109 NUVOLONE, Pietro. Le prove vietale nel processo penale nei paesi di diritto latino, in Riv. de Dir. Processuale, vol. 21, 1966, Cedam Padova. Apud: RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 15. 110 BERGMANN, Érico R. prova ilícita – A constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Escola Superior do Ministério Público/Associação do Ministério Público, 1992, p.13/14. 111 OLIVEIRA, C.A. Álvaro de. (organizador). Prova Cível. Rio de Janeiro: forense, 1999. SILVEIRA, Patrícia Azevedo da. A prova ilícita no cível, p. 193; Alcides de Mendonça Lima, “A Eficácia do Meio de Prova Ilícito no Código de Processo Civil Brasileiro”, in Revista de Processo, nº 43, ano 11, jul. set., 1986, p.138, São Paulo, Revista dos Tribunais: legítimos são os meios de prova que estão previstos em lei. Lícitos são os meios de prova que, embora não previstos em diploma legal, são admitidos por não serem imorais. O método adotado para defini-las tem sua razão de ser, na medida em que na época em que esse ensaio foi escrito, a Constituição vigente era a de 1969. Adiante menciona que “um meio legítimo poderá tornar -se ilícito, se foi obtido ou for produzido fora dos ditames

32

obtidas, por meios criminosos (artigo 233 do Código de Processo Penal vigente). Em caso de

descumprimento destas normas a sanção correspondente a cada transgressão, que pode ser uma

sanção de nulidade, encontra-se na própria lei processual 112.

Comenta apropriadamente AVOLIO, ao dispor que a prova ilícita ou ilicitamente obtida:

É de se entender a prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material – sobretudo de direito constitucional, porque, como vimos, a problemática da prova ilícita se prende sempre a questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana; mas, também, de direito penal, civil, administrativo, onde já se encontram definidos na ordem infraconstitucional outros direitos ou cominações legais que podem se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal e acertamento da verdade, tais os de propriedade, inviolabilidade do domicílio, sigilo da correspondência, e outros. Para a violação destas normas, é o direito material que estabelece sanções próprias. Assim, em se tratando da violação do sigilo da correspondência ou de infração à inviolabilidade do domicílio, ou ainda de uma prova obtida sob tortura, haverá sanções penais para o infrator 113.

Feita a distinção quanto à natureza da norma violada, necessária se faz outra, quanto ao

momento da sua infração: enquanto na prova ilegítima a transgressão ocorre no momento da sua

produção no processo, a prova ilícita supõe, de antemão, uma contrariedade no momento em que

a prova é colhida, seja anteriormente ou durante o processo, mas sempre externamente a este 114.

E arremata LENZ, estabelecendo ser a prova ilícita aquela que contraria normas de

direito material, seja quanto ao meio ou quanto ao modo com que a prova é obtida em juízo. Já a

prova ilegítima é aquela que se contrapõe ao direito processual, quer seja na sua produção, quer

seja na inserção da prova em juízo 115.

A prova ilegítima não se admite no processo por conseqüência de sua proibição prevista

nas normas de direito processual. E parte disto dizer que se a prova for ao mesmo tempo ilegítima

morais; mas o meio ilícito será sempre, evidentemente, ilegítimo, porque, além de não estatuído em lei, ainda está maculado por qualquer ato do interessado”. 112 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 47 e 81. 113 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 44. 114 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 44/45. 115 LENZ. Luis Alberto Thompson Flores. Os meios moralmente legítimos de prova. In RT 621/273; In. RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 17.

33

e ilícita, também não será admitida, pois, censurada pela primeira. O problema se encontra com a

prova ilícita, o qual será abordado adiante 116.

2.2.2 Prova emprestada

É preciso esclarecer se a prova emprestada pode ser utilizada no processo civil

brasileiro, vez que, não existe expressamente em nosso ordenamento, previsão legal quanto à

matéria.

Primordialmente, necessário se faz estabelecer o que é prova emprestada.

Pode ocorrer que as provas produzidas em um processo venham a ser oferecidas em

outro. É o caso, por exemplo, de depoimentos de testemunhas, de litigantes, de exames, de

laudos, documentos etc., trasladados de um processo para outro, com o intuito de fazer prova. É a

prova que utilizada juridicamente em outra causa, é extraída desta, para ser aplicada à causa em

questão 117.

MARINONI relata ser a prova emprestada aquela que foi produzida em outro processo e

buscada para ser utilizada no processo em que surge o interesse da sua utilização. Procura-se

desta forma, evitar a repetição inútil de atos processuais, vez que já produzidos em outro

processo, podendo assim serem reaproveitados na lide pendente. Nesse contexto, além do

reaproveitamento de atos já produzidos em outra demanda, pode ocorrer também que a prova, por

determinado motivo, não seja mais possível de ser colhida, sendo causa suficiente ou pelo menos

admissível, a tomada de empréstimo da prova já realizada noutro processo 118.

Em rigor, apesar de ser admissível (avaliação preliminar da prova), necessário se faz

estabelecer a eficácia da prova emprestada.

Quanto à eficácia, o que se analisa é qual o seu valor probatório. A prova emprestada,

assim como todas as outras, tanto poderá convencer, como poderá cooperar no convencimento,

116 BERGMANN, Érico R. prova ilícita – A constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Escola Superior do Ministério Público/Associação do Ministério Público, 1992, p. 14. 117 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 351. 118 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 302.

34

servindo também como simples argumento ou até ser considerada ineficiente. Tudo isto

relacionado as “condições objetivas e subjetivas que apresenta, das partes nela interessadas, do

caráter do fato probando, da natureza do processo, enfim, das circunstâncias que influem na

avaliação e estimação das provas” 119.

A prova emprestada produz diferentes efeitos entre as provas preconstituídas e as provas

simples ou casuais. As provas preconstituídas obtidas de empréstimo de processo anterior, devido

a sua própria essência, terão sempre o mesmo valor probatório independentemente do juízo em

que forem apresentadas. Uma escritura pública ou um documento particular, ainda que utilizados

em processo anterior, não serão considerados provas emprestadas quando utilizadas novamente

em processo subseqüente 120. Apenas as provas casuais ou simples, ou seja, aquelas que foram

colhidas no curso do processo anterior, “sem que tenham sido inte ncionalmente constituídas e

preparadas para a demonstração dos fatos dos litigantes”, serão consideradas provas emprestadas

quando utilizadas novamente num segundo processo, devendo neste ocorrer a análise quanto a

sua eficácia 121.

Relativamente às pessoas dos litigantes, o valor dessa prova produzida em processo

anterior pode ocorrer entre terceiros, entre uma das partes e terceiros, bem como entre as mesmas

partes. Quanto à prova emprestada tiver sido produzida num processo anterior somente entre

terceiros, o que se pode dizer é que “só as provas produzidas contraditoriamente contra a parte à

qual se opõem poderão e deverão ser levadas em consideração pelo juiz”, não tendo tal prova

qualquer eficácia, ou quase nenhuma. Mas o Juízo, através do sistema “do ju iz ativo” até pode

acolhê-las, porém, com determinadas ressalvas, desde que entenda ter ocorrido as necessárias

garantias à descoberta da verdade “no processo concebido como instrumento público de

distribuição da justiça”, já que se presume dentro deste si stema, ser a prova do juízo (formada

pelo juízo) 122. Se a prova transportada tiver ocorrido entre uma das partes e terceiro, apesar de

ser considerada por alguns autores como prova que gera conseqüências no outro processo,

119 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 353. 120 SILVA, Ovídio A.Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 360. 121 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 354; Cf. SILVA, Ovídio A.Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 360. 122 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 356/357.

35

convém-se atribuir a tal prova apenas o seu valor de simples presunção quanto ao fato a que se

visa demonstrar 123.

Em razão disto a conclusão geralmente aceita é a de que a prova emprestada deverá ter

sua eficácia inicial, da mesma forma como tida no outro processo, quando as partes sejam as

mesmas, tanto no processo em que a prova é colhida quanto no processo para a qual ela é

transportada. Porém, não basta que as provas tenham sido coletadas do processo entre as mesmas

partes, devendo além disto, ter sido no processo anterior, durante a elaboração da prova,

observadas as formalidades previstas na lei, ou seja, que as partes tenham participado

adequadamente do contraditório, e também, que o fato a ser provado seja idêntico ao processo

antecedente 124.

OVÍDIO BAPTISTA ao citar ECHANDIA 125, traz um exemplo de ocorrência da prova

emprestada de um processo para outro com o mesmo valor original, qual seja, quando “a prova é

produzida em processo acumulados, seja por conexão, dependência ou acessoriedade” 126.

LOPES traz à luz em sua obra o exemplo de que, ao se supor que na ocorrência de uma ação

possessória, poderá a parte, mesmo que a lei processual não disponha a respeito e desde que

preenchidos os requisitos supra mencionados, utilizar-se de elementos contidos em laudo pericial

produzido em outro processo (exemplo: plantas, croquis etc.) 127.

A respeito da prova emprestada, comenta com oportunidade o mestre MOACYR

AMARAL SANTOS:

Em todas as hipóteses de prova emprestada, releva observar, o seu valor advém, essencialmente, do seu poder de convencimento. Quer isso dizer, como já se assinalou a princípio, que, como todas as demais provas, a emprestada deve ser avaliada pelo juiz da nova causa. Ao avaliá-la, este não fica vinculado ao valor que teve na primeira. Salvo o respeito devido à coisa julgada, o juiz da nova causa deve agir, na apreciação de tal

123 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 361. 124 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 358/359; NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5ª edição. Revista, ampliada e atualizada com a Lei das Interceptações Telefônicas 9.296/96, Lei de Arbitragem 9.307/96 e a Lei dos recursos nos Tribunais Superiores 9.756/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 146/148; RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p, 40/41. 125 Apud: SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 361 126 ECHANDIA, Hernando Devis. Pruebas ilícitas, in Revista do Processo n. º 32/82. Compendio de derecho procesal, vol. II, Bogotá, 1972, Editorial ABG; Apud: SILVA, Ovídio A.Baptista da. Curso de processo civil. Volume 1, 5ª edição revista e atualizada. São Paulo. R. T. editora, 2000, p. 361. 127 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 57.

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prova, como se ela tivesse sido colhida por carta precatória, podendo atribuir-lhe, em face das demais provas, a eficácia que merecer 128.

De todo o exposto e através da análise do artigo 332 do Código de Processo Civil de

1973, a doutrina inclina-se pela aceitação da utilização das provas emprestadas, transportadas de

outros processos (desde que observados os requisitos próprios), “onde se produziram para a

demonstração dos mesmos fatos, por serem moralmente legítimas”, demonstrando -se hábeis a

comprovar a verdade, já que inexiste vedação constitucional por parte do inciso LVI, do artigo 5º,

da Constituição Federal de 1988 129.

Contudo, neste ponto é importante fazer o seguinte questionamento: Pode ser utilizada

em um novo processo, como prova emprestada, uma prova considerada como ilícita num

processo anterior entre as mesmas partes? Poderia ser dito que não, pois como já dito “a prova

emprestada deverá ter sua eficácia inicial, da mesma forma como tida no outro processo”, e já

que considerada como prova ilícita no processo anterior, ilícita será no processo posterior, em

que se busca o empréstimo da prova, ou seja, a prova em sua própria origem já é ilícita,

fulminando sua utilização posteriormente no processo entre as mesmas partes. Entretanto, diante

desta negativa, se fosse esta prova ilícita o único meio de prova apto a demonstrar a veracidade

no processo subseqüente, necessária se faria analisar se tal prova emprestada poderia ser utilizada

através da aplicação do princípio da proporcionalidade.

2.2.3 Prova ilícita por derivação

A prova ilícita por derivação é aquela prova que foi obtida de forma lícita, porém,

retirada a partir de uma informação de uma prova obtida por meio ilícito. É o caso, por exemplo,

de não ser admitida uma busca e apreensão (formalmente lícita), derivada de escuta telefônica

clandestina. Outro caso, por exemplo, é quando a confissão é obtida mediante tortura, revelando

o acusado onde se encontra o produto do crime, que vem a ser apreendido regularmente. Cumpre

128 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5º edição atualizada, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 374. 129 OLIVEIRA, C.A. Álvaro de. (organizador). Prova Cível. Rio de Janeiro: forense, 1999. SILVEIRA, Patrícia Azevedo da. A prova ilícita no cível, p. 199.

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saber então, se estas provas, formalmente lícitas, porém derivadas de provas ilícitas, possam vir a

ser utilizadas no processo, servindo inclusive para formar a convicção do juiz 130.

Advinda da Suprema Corte Norte Americana, o princípio do “ the fruit of poisonus tree”,

conhecido como o princípio dos frutos da árvore envenenada ou o vício da planta se transmite a

todos os seus frutos, trata da questão afirmando que se a prova, em caráter principal, for

inconstitucional, a prova derivada desta também será contaminada. Entretanto, na Alemanha, a

tendência jurisprudencial e doutrinária é de se admitir a prova ilícita por derivação em razão da

busca da verdade através do processo 131.

Mesmo não tendo a Constituição Federal de 1988 disposto sobre a questão da

admissibilidade das provas derivadas, a doutrina e a jurisprudência pátria consideram a tese

dominante de que é proibido o uso de provas obtidas por conseqüência daquelas vedadas pelo

ordenamento. Tal entendimento se consubstancia no sentido de que a utilização no processo da

prova derivada de prova ilícita “poderia servir de expediente para contornar a vedação probatória:

as partes poderiam sentir-se estimuladas a recorrer a expedientes ilícitos com o objetivo de

servirem-se de elementos de prova até então inatingíveis pelas vias legais” 132.

Importante frisar que, em grau de recurso, pode o tribunal chegar à conclusão de que

uma das provas que fundamentaram o julgado recorrido é ilícita. Ocorrendo tal situação, define

MARINONI:

Suponha-se, porém, que o tribunal, em grau de recurso, tenha chegado à conclusão de que uma das provas que fundamenta o julgado recorrido é ilícita. Nesse caso deverá o tribunal simplesmente afastar a prova ilícita e manter o resultado a que chegou o juiz, ou mandar o juízo de 1º grau julgar o mérito apenas na prova lícita? Não poderá o tribunal julgar o mérito, ainda que com base na prova que considerar lícita, pois terá suprimido um grau de jurisdição. Caberá, portanto, ao juízo de primeiro grau novamente julgar o mérito, agora apenas com base na prova que o tribunal julgar lícita, embora a pessoa do juiz que proferiu a sentença impugnada deva ser substituída.

130 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 73; RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 15; MARINONI, Luiz Gilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 307. 131 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 73; RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 33. 132 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 75.

38

É nesse sentido que se fala em descontaminação do julgado, pois o julgado, que antes era contaminado pela prova ilícita, será substituído por outro que será fundado somente na prova que for considerada lícita 133.

De outro quadrante, não haverá supressão de um grau de jurisdição se a questão

referente à ilicitude da prova foi argüida em primeiro grau, pois, o julgamento do recurso pelo

tribunal implica na devolução de todas as questões suscitadas e discutidas no processo, mesmo

que a sentença não as tenha julgado por inteiro (artigo 515, § 1º, do Código de Processo Civil de

1973) 134.

Note-se, porém, que quando a prova derivada de prova ilícita for a única capaz de

demonstrar uma alegação, através do princípio da proporcionalidade, equilibrando-se direitos ou

valores em jogo, será permitido afastar, no caso em tela, o princípio “ the fruits of poisonous tree” 135.

2.3 QUESTÃO DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA NO DIREITO COMPARADO

E NO DIREITO BRASILEIRO

As provas ilícitas merecem maior atenção quando postas aos sistemas do “livre

convencimento” e da “verdade real”, fazendo com que, na ocorrência eventual de um equilíbrio

dos interesses em jogo, se inclinasse indiscutivelmente, para a busca do princípio da investigação

da verdade, ainda que fosse com fundamento em meios ilícitos 136.

Neste norte, trazendo-se ordenamentos do direito comparado a fim de demonstrar mais

um caráter histórico-comparativo do que dogmático, RICARDO RABONEZE 137 expõe em sua

obra a idéia de juristas alemães como SCHÖNKE, o qual preconizava que o interesse coletivo

deveria predominar sobre formalidades antijurídicas no procedimento, como, por exemplo, a

133 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 308. 134 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 95. 135 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 307. 136 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 45. 137 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999.

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busca ilegal; GUASP considerava eficaz o uso da prova ilicitamente obtida, não se aplicando

sequer sanções penais, civis ou disciplinares aos responsáveis pela transgressão; Entre os norte

americanos, FLEMING condenava a eliminação da prova ilicitamente obtida, à qual não poderia

ser retirada do processo, por exemplo, por causa do exercício demasiado da autoridade policial;

WIGMORE entendia que a supressão de tal prova, no exemplo de FLEMING, levava a

considerar o oficial da lei que ultrapassava os limites da sua atividade “um perigo maior para a

comunidade que o próprio assassino sem castigo”. Estes autores, buscando sempre a verdade real,

comentavam que não levar em conta provas formalmente corretas tão somente pela existência de

abuso quanto a sua obtenção seria não considerar elementos de convicção importantes a

demonstrar o justo efeito do processo. A doutrina minoritária italiana também se utilizou da

mesma conclusão quanto à admissibilidade das provas ilícitas, com base na máxima “ male

captum bene retentum” (a maior parte da doutrina italiana afasta posturas a favor da

admissibilidade das provas ilícitas, contudo, esta inadmissibilidade não é entendida em termos

absolutos) 138. Exemplo deste provérbio ocorre quando a “testemunha que vai prestar depoimento

sobre o que viu dentro de uma casa na qual foi introduzida com a finalidade deliberada de

testemunhar no futuro” 139. Importante lembrar que no próprio sistema da common law, que dá

origem aos sistemas da Inglaterra e dos E.U.A o tratamento da admissibilidade das provas ilícitas.

tem focalizações contrapostas. O primeiro admite a prova illegally obtained, já o último a rejeita. 140

Os que aderem à teoria de admissibilidade da prova ilicitamente obtida, contemplam ser

admissíveis no processo o uso das provas ilícitas, ou seja, provas obtidas com violação as normas

materiais. Entretanto, consideram ser inadmissíveis as provas ilegítimas, ou seja, aquelas que

ferem normas de direito processual 141. BERGMANN entende que embora partindo de

pressupostos diversos, a prova ilícita validamente introduzida no processo deve ser utilizada,

138 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 45/50. 139 BERGMANN, Érico R. prova ilícita – A constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Escola Superior do Ministério Público/Associação do Ministério Público, 1992, p. 15. 140 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 19. 141 BERGMANN, Érico R. prova ilícita – A constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Escola Superior do Ministério Público/Associação do Ministério Público, 1992, p. 14.

40

punindo-se o infrator da norma material com as sanções cabíveis. Pelo que, seriam inutilizáveis

no processo somente as provas que a lei processual proíbe 142.

Seguindo-se esta teoria, ECHANDIA aduz que, há que se falar sobre os efeitos que a

admissão das provas ilícitas trazem ao processo, argumentando-se sobre a nulidade do ato,

inexistência e eficácia probatória, neste último aspecto ocupando-a no sentido de ser incapaz de

provocar o conhecimento do juiz 143.

No mesmo sentido expõe GRINOVER ao afirmar que a Constituição Federal de 1988,

como já visto, não admite o uso das provas ilícitas, contudo, também não estabelece

explicitamente a conseqüência quando admitido o ingresso de tal prova no processo, apesar de

proibida. Apesar disto a questão toma outro rumo já que não consideradas como admissíveis pela

Constituição Federal de 1988, não serão tidas como provas. Trata-se de uma inexistência jurídica.

Simplesmente não são provas e nem tem aptidão para surgirem como provas. Daí resulta a sua

ineficácia 144.

Importante observar que a prova ilícita admitida no processo civil pode gerar

conseqüências muito mais graves que no processo penal, apesar de tratarem de tutelas diversas.

No processo penal, a doutrina adota a admissão da prova ilícita pro reo, como aplicação do

princípio da proporcionalidade. Porém, a doutrina majoritária sustenta que se admitida no

processo civil, levaria-se ao desequilíbrio da igualdade processual entre as partes, pois, mesmo

que contraditada pela outra parte, a prova ilícita em sua própria origem adveio de meio ilícito,

contrapondo-se as normas de direito constitucional 145.

Se o juiz aproveitar para a formação do seu convencimento fatos demonstrados através

da prova ilicitamente obtida, bem como, utilizá-la para a motivação de qualquer ato decisório,

mais específico na sentença, incorrerá no error in procedendo (erro de procedimento), o que

poderá ocasionar a nulidade dos atos praticados, ressalvados aqueles que não tenham ligação com

a prova ilícita 146. Caso o magistrado julgue ser admitida a prova ilícita, tal decisão pode ser

142 BERGMANN, Érico R. prova ilícita – A constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Escola Superior do Ministério Público/Associação do Ministério Público, 1992, p. 15; AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 46. 143 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 41. 144 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 41/42. 145 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 42. 146 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 42.

41

anulada via recursal, reportando-se neste ato, a teoria da descontaminação do julgado (aplicação

do princípio “ the fruit of poisonus tree”) 147.

A maioria dos autores brasileiros, apesar de ser claro o disposto no inciso LVI, do artigo

5º, da Constituição Federal de 1988, exprime certa preocupação com a prova ilicitamente obtida,

principalmente à luz da moderna doutrina e da jurisprudência estrangeira que adota o princípio da

proporcionalidade. A esse respeito comenta-se apropriadamente o renomado mestre

constitucionalista CELSO RIBEIRO BASTOS, que além de analisar o inciso LVI, do artigo 5º,

da Constituição Federal de 1988, também o critica adotando uma posição mais

“contemporizadora, que propiciasse à legislação ordinária e a jurisprudência um avanço no

sentido de, em determinadas hipóteses, aceitar-se a prova, ainda que ilícita”. O mesmo autor

conclui que o “preceito constitucional há de ser interpr etado de forma a comportar alguma sorte

de abrandamento à expressão taxativa de sua redação”. O nobre autor ainda faz uma distinção

parecida com a de NUVOLONE, denominando como:

Ilegalidade, ilicitude intrínseca o vício incidente na prova por força de um desvio processual e ilicitude ou ilegalidade extrínseca, a mácula da prova que ofende um direito individual ou fundamental, acrescentando: No que diz respeito a ilegalidade extrínseca, o problema se coloca de maneira mais complexa. Esta complexidade resulta do fato de que o que se almeja com o dispositivo constitucional é que não se atente contra os direitos individuais. A não-aceitação da prova daí advinda seria a proteção que a ordem jurídica há de conferir aos direitos da pessoa, mas ninguém pode negar que a prova por ter sido, no que diz respeito à sua geração, uma prova legal. Veja-se o exemplo de uma testemunha que vai depor sobre o que viu em uma casa na qual fora introduzida com este propósito deliberado de futuramente testemunhar. O prestar testemunho, obedecidas as regras do processo civil, é uma prova perfeitamente válida. Ocorre entretanto que ela só se tornou possível porque antes da sua produção houve a prática de uma inconstitucionalidade: a quebra do direito à intimidade. (...) ... mesmo que ela não viesse a testemunhar no processo, a atuação desta pessoa já seria inconstitucional pelo mero relato do que no local ocorrera. Na medida em que o propósito constitucional é prestigiar e defender certos direitos fundamentais, é preciso reconhecer que o comando contido no parágrafo sob comento deve ceder naquelas hipótese em que a sua inobservância intransigente levaria à lesão de um direito fundamental ainda mais valorado. (...) Aliás, interpretação em sentido contrário deixaria de prestigiar o interesse social em que se faça justiça para encarecer tão-somente o direito individual encarnado em uma pessoa

148.

147 Vide tópico 2.2.3 Prova ilícita por derivação, quando se menciona o princípio da descontaminação do julgado. 148 BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: editora Saraiva, 1988, p. 273/276.

42

O mesmo autor ainda esclarece que, mesmo antes da Constituição Federal de 1988, já

existia a vedação de provas com vícios intrínsecos porque ofendem normas que disciplinam a

produção dos elementos de prova, isto é, o “ferimento ao dispositivo processual civil”. Nestes

casos então, descabe a prova. Já na ilegalidade extrínseca, que prestigia e defende direitos

fundamentais, o dispositivo constitucional deve ceder, pois, segundo o autor, “nas hipóteses em

que a inadmissibilidade da prova ilícita levaria à lesão de um direito fundamental de maior valor” 149.

2.4 VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO BRASILEIRO

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, doutrina e jurisprudência

apresentavam duas correntes no que tange a admissibilidade processual das provas ilícitas, com

predominância da teoria da admissibilidade, principalmente no direito de família 150.

Diversos autores sustentam que a proibição do uso da prova obtida ilicitamente já era

aplicada anteriormente a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, entretanto, esta

proibição era vislumbrada no sentido do artigo 332 do Código de Processo Civil vigente,

considerando-a como prova ilegal ou prova moralmente ilegítima. O que fez a Constituição

Federal de 1988, na visão destes autores, foi consagrar este princípio que não admite o uso das

provas ilícitas 151.

A vedação constitucional do uso processual das provas obtidas por meios ilícitos é

expressa pelo inciso LVI, artigo 5º, da Constituição Federal de 1988. Tal vedação é na verdade,

conseqüência do princípio do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV), objetivamente ligado

ao direito processual, também denominado pela doutrina norte-americana de procedural due

process of law, que juntamente com outros direitos fundamentais, como o direito de ação, direito

149 BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: editora Saraiva, 1988, p. 273/276. 150 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 78. 151 BERGMANN, Érico R. prova ilícita – A constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Escola Superior do Ministério Público/Associação do Ministério Público, 1992, p. 47; Cf. RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 29.

43

ao contraditório entre as partes, entre outros, formam as garantias constitucionais que revestem o

processo 152.

A partir da análise da Constituição vigente, os autores constitucionalistas, em sua

maioria, apesar de serem pouco diretos, expõem que a questão da admissibilidade das provas

ilícitas se encontra dirimida. E assim se posicionam alguns autores, a saber, WOLGRAN J.

FERREIRA, que:

Garante este inciso a licitude dos meios usados para a obtenção de prova nos processo. Trata-se de uma inovação no texto constitucional, dirigida à limpidez e seriedade processual. É óbvio que a prova mais ilícita de se obter provas é a tortura. No entretanto, não é o único meio ilícito. O suborno às testemunhas, as ameaças às pessoas ligadas ao acusado, as promessas de soltura na hipótese de serem indicados os chefes de quadrilha constituem métodos ilícitos para a obtenção de provas 153.

E ainda, FERREIRA FILHO analisa:

Provas ilícitas. Não havia, no direito constitucional anterior, nada a este respeito. Toma, agora, a Constituição posição relativamente a este tema, que é tormentoso, pois tanto a doutrina quanto a legislação estrangeira se dividem a propósito, aqui sendo ela admissível, lá sendo ela inteiramente rejeitada 154.

A vista disto, se torna límpido que a Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo

5º, inciso LVI, a limitação do direito probatório de uma forma geral, não permitindo que se

utilize no processo provas obtidas com ilicitude. Tal limitação pode ser considerada como um

limite do direito de prova dos fatos apresentados em juízo, sob pena de ser considerada a nulidade

de todo o procedimento, caso venha a ser utilizada tal prova 155.

NELSON NERY JÚNIOR, seguindo uma linha semelhante à de CELSO RIBEIRO

BASTOS, trata, no entanto, “que não devem ser aplicados os extremos, no sentido de admitir ou

inadmitir, peremptoriamente, a validade e eficácia de uma prova obtida ilicitamente” 156.

152 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 27. 153 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários a Constituição brasileira de 1988. Campinas: Julex livros, 1989, p. 216. 154 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários a Constituição brasileira de 1988. V.1. Artigos 1º ao 103, 2ª edição atualizada e reformulada. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 67. 155 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 29. 156 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2ª edição. Revista, ampliada e atualizada com a Lei das Interceptações Telefônicas 9.296/96, Lei de Arbitragem 9.307/96 e a Lei dos recursos nos Tribunais Superiores 9.756/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 143.

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E nas palavras do ilustre AVOLIO, o que se depreende é que: “contrariamente à

admissibilidade das provas ilícitas encontra-se hoje a doutrina dominante, temperada, por muitos

autores, pela teoria da proporcionalidade, especialmente no tocante a prova ilícita pro reo” 157.

157 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 81.

45

3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A PROVA ILÍCITA.

3.1 NORMAS, REGRAS E PRINCÍPIOS.

A doutrina, ao falar sobre os direitos inerentes à personalidade humana, ou seja, sobre os

direitos fundamentais, afirma que qualquer pessoa do povo que possui um direito fundamental,

assim o possui porque uma norma constitucional válida o reconheceu como tal direito 158.

Convém destacar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, § 2º, segue o

entendimento que, além do conceito formal de direitos fundamentais, ou seja, aqueles previstos

na Constituição Federal como tais direitos, existe um conceito material de direitos fundamentais,

já que existem outros direitos que, por seu conteúdo, embora não citados explicitamente no texto

constitucional, são considerados direitos fundamentais. 159

A Constituição gera a idéia de que todas as normas constitucionais são normas jurídicas.

O direito não constitui um fim em si mesmo, mas sim, consiste no elemento essencial para a

realização da pacificação, da justiça e de determinados valores escolhidos pela sociedade. Assim,

a norma jurídica busca conferir a produção de efeitos no mundo dos fatos, moldando, alterando

ou modificando a realidade de alguma forma 160.

Um dos maiores doutrinadores sobre a matéria, o alemão ROBERT ALEXY, ao ser

mencionado na obra de ZANON JÚNIOR 161, conceitua a norma a partir da diferença entre

enunciado normativo e norma propriamente dita. Enunciado normativo é o próprio texto legal em

si, ou seja, é o texto formado pelo estudo dos fundamentos de proibição, permissão ou obrigação.

Já a norma, é a interpretação dada ao enunciado normativo. Deste modo, um enunciado

158 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 12/13. 159 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 14. 160 BARCELLOS. Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 31/32. 161 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004. 122 páginas.

46

normativo pode trazer como conseqüência diferentes normas jurídicas, dependendo da época ou

do contexto à qual se insere, conforme a atuação do intérprete da norma 162.

“Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da

interpretação sistemática de textos normativos” 163.

A Constituição Federal de 1988 contém a chamada cláusula aberta em seu artigo 5º, §2º,

pois afirma que além dos direitos humanos reconhecidos na Constituição Federal, também

contempla outros direitos humanos que estão fora desta, muito embora também os considere

como direitos fundamentais, o que leva a crer que a norma de direito fundamental “é o

significado de um enunciado normativo que confere direitos fundamentais subjetivos ou

disciplina o regime jurídico dos direitos fundamentais” 164.

As normas, dentro do sistema jurídico, revelam-se, quanto a sua estrutura, sob a forma

de princípios e de regras, e, levando-se em conta a estrutura das normas de direito fundamental,

observa-se que: “(1) as regras e princípios são duas espécies de norma; (2) a distinção entre

regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas” 165. Daí justifica dizer que a

existência de regras e princípios possibilita compreender a Constituição como um sistema aberto

de regras e princípios. Conseqüentemente, os princípios e as regras são normas que exercem a

ordem, ou seja, naturalmente são imperativos. Os princípios constitucionais são considerados

normas jurídicas imperativas porque o efeito por ele buscado deverá ser realizado à força pela

ordem jurídica caso isto não ocorra espontaneamente, assim, como ocorre com as demais normas

jurídicas 166.

Ao longo da história, a doutrina nunca questionou o caráter de norma das regras

jurídicas, no entanto, quanto aos princípios jurídicos, estes tiveram amplamente questionada a sua

normatividade, até que ocorresse a consolidação desta através de doutrinadores pós-positivistas

162 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 16. 163 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 22. 164 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 17. 165 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina. P. 1123-1126; BARCELLOS. Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 43/44. 166 BARCELLOS. Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.º. 56.

47

como RONALD DWORKIN, ROBERT ALEXY, PAULO BONAVIDES, dentre outros, que

serão comentados oportunamente 167.

Segundo BONAVIDES, a normatividade dos princípios ocorreu em três fases diferentes:

a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista. Na fase jusnaturalista os princípios não estavam

contidos no direito, mas sim, numa esfera abstrata, metafísica, associados a uma dimensão ético-

valorativa de idéias que inspiram o direito. Já na fase positivista, os princípios ingressam nos

Códigos como fonte normativa subsidiária, unicamente como sendo uma “válvula de segurança”

apta a garantir a efetividade absoluta da lei. Porém, neste período surgem doutrinadores, e dentre

eles CRISAFULLI, que sustentava ser os princípios gerais propriamente como normas. Por fim, a

terceira fase, é a do pós-positivismo, que corresponde aos momentos constituintes atuais, observa

que os princípios constitucionais têm um papel fundamental, já que a Constituição acentua a

hegemonia axiológica (valorativa) dos princípios, consagrando-os não apenas como direito, mas

como “pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas

constitucionais” 168. Somente nesta fase, com a inclusão no texto das Constituições tidas como

modernas é que “os princípios passaram a ser considerados normas jurídicas, e os juízes passaram

a aplicá-los nos casos concretos com a mesma força conferida às regras” 169.

Os princípios, assim como as regras, estabelecem juízos de “dever -ser”. Feita tais

considerações de que os princípios, assim como as regras, são normas jurídicas, restando analisar

a distinção entre estes dois tipos de normas.

No estudo de DWÖRKIN, este faz um ataque geral a fase do Positivismo (general attack

on Positivism) ao se basear, com maior ardor, no modo de aplicação e no relacionamento

normativo para distinguir regras e princípios. Na concepção do autor, as regras são aplicáveis ao

modo “tudo ou nada” ( all-or-nothing), levando-se em conta que se a hipótese para a qual a regra

existe é preenchida, poderá a regra ser considerada válida, gerando assim os seus efeitos, ou,

entretanto, será considerada a regra inválida. Havendo colisão entre regras, uma delas deverá ser

excluída do ordenamento jurídico. Em descompasso, os princípios “não determinam

absolutamente a decisão, mas somente contém fundamentos, os quais conjugados com outros

167 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 18. 168 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 232/238. 169 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 19.

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fundamentos provenientes de outros princípios”. Daí parte dizer que os princípios, ao contrário

das regras, possuem uma avaliação de peso (dimension of weight) quando colidentes com outros

princípios, pois um princípio se aplicará no caso concreto, caso o outro princípio não obtenha

maior peso. Ou seja, o princípio com peso maior se sobrepõe ao outro, sem que, no entanto, este

perca sua validade no sistema jurídico 170.

Nesse contexto ALEXY, ponderando as disposições sustentadas por DWÖRKIN, inferiu

com maior precisão o conceito de princípios, aduzindo serem os princípios jurídicos apenas uma

espécie de norma jurídica através da qual se estabelecem “deveres de otimização” que se aplicam

em diversos graus, conforme as possibilidades normativas e fáticas. E explica o autor:

“Normativas, porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se

contrapõem; fáticas, porque o conteúdo dos princípios como das regras de conduta só pode ser

determinado quando diante dos fatos” 171. Neste caso, existindo a colisão entre princípios não se

deve resolver imediatamente a questão utilizando-se de um princípio em detrimento do outro,

mas sim, deverão ser ponderados os princípios em choque, estabelecendo que um deles, no caso

concreto, deverá prevalecer. Nesse aspecto, os princípios “possuem apenas uma dimensão de

peso e não determinam as conseqüências normativas de forma direta, ao contrário das regras”.

Quando os princípios entram em conflito, a questão se resolve mediante regras de prevalência,

assemelhando-se desta forma a aplicação do “tudo ou nada”. O que diferencia é que no conflito

entre regras há que se verificar se a regra está ou não está inserida no ordenamento jurídico

(“prob lema do dentro ou fora” de determinado ordenamento jurídico), ao passo que, quando

surge o conflito entre princípios, este já ocorre dentro da mesma ordem jurídica (“teorema da

colisão”) 172.

CANOTILHO trata da distinção entre princípios e regras, e, segue em determinados

aspectos doutrinadores como DWÖRKIN e ALEXY, narrando:

Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de DWÖRKIN: applicable

170 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 28/29. 171 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 28/30. 172 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 28/30.

49

in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Conseqüentemente, os princípios, ao constituirem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à «lógica do tudo ou nada»), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. (...) em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas «exigências» ou «standards» que, em «primeira linha» (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm «fixações normativas» definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas) 173.

O já comentado jurista alemão ROBERT ALEXY prefere ater-se ao grau de abstração

dos efeitos jurídicos da norma, segundo o qual, os princípios tem um grau de generalidade

elevado, ao contrário das regras, que possuem um grau de generalidade baixo. Tendo este critério

como supedâneo, considera-se que “a diferença entre regras e princípios não é apenas gradual,

mas também qualitativa” 174.

Pode-se afirmar assim que as regras se diferenciam qualitativamente dos princípios,

porque são normas que não admitem ser sopesadas, balanceadas, pois, uma vez consideradas

válidas no ordenamento, estas devem ser aplicadas. As regras se limitam ao critério do tudo ou

nada: ou são válidas, devendo assim ser aplicadas ao caso concreto, ou, são inválidas, devendo

então ser banidas do ordenamento jurídico 175. Em outras palavras, obedecendo às regras o

critério do tudo ou nada: “ou seus pressupostos encontram -se presentes, situação que determina a

obediência à norma, ou seus pressupostos estão ausente, ensejando a não-aplicação da norma” 176.

De outro modo, os princípios são “normas que ordenam a realização de algo dentro das

possibilidades fáticas e jurídicas existentes no caso concreto”. Daí porque, ROBERT ALEXY os

considera como “deveres de otimização”, pois, dentro dos limites do direito e da realidade, os

princípios devem ser realizados ao máximo 177.

173 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, p. 1125/1126 174 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 21. 175 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 21. 176 SCHÄFER. Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais: Proteção e Restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 36. 177 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 21.

50

Existem vários critérios utilizados pela doutrina para distinguir os princípios das regras,

ÁVILA emprega a seguinte definição:

Em primeiro lugar, há o critério do caráter hipotético condicional, que se fundamenta no fato de as regras possuírem uma hipótese e uma conseqüência que predeterminam a decisão, sendo aplicadas ao modo se, então, enquanto os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para futuramente encontrar a regra para o caso concreto. Dworkin afirma: ‘Se os fatos estipulados por uma regra ocorrem, então ou a regra é válida, em cujo caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou ela não é, em cujo caso em nada ela contribui para a decisão’. Caminho não muito diverso também é seguido por Alexy quando define as regras como normas cujas premissas são, ou não, diretamente preenchidas. Em segundo lugar, há o critério do modo final de aplicação, que se sustenta no fato de as regras serem aplicadas de modo absoluto tudo ou nada, ao passo que os princípios são aplicados de modo gradual mais ou menos. Em terceiro lugar, o critério do relacionamento normativo, que se fundamenta na idéia de antinomia entre as regras consubstanciar verdadeiro conflito, solucionável com a declaração de invalidade de uma das regras ou com a criação de uma exceção, ao passo que o relacionamento entre princípios consiste num imbricamento, solucionável mediante ponderação que atribua uma dimensão de peso a cada um deles. Em quarto lugar, há o critério do fundamento axiológico, que considera os princípios, ao contrário das regras, como fundamentos axiológicos para a decisão a ser tomada 178 .

Resta por assim dizer que a distinção entre princípios e regras não está somente no fato

de que “as regras devam ser aplicadas no todo e os princípios só na medida máxima”, pois, tanto

os princípios quanto às regras, espécies de normas, devem ser aplicados conforme o seu conteúdo

de “dever -ser”. O que distingue é que “os p rincípios não determinam diretamente (por isso prima

facie) a conduta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes”, e assim, sua

concretização depende intensamente de um ato institucional para a tomada da decisão. Com

efeito, as regras não necessitam muito de um ato do poder judiciário para que se tome a decisão,

já que a sua aplicação encontra-se prevista, definida na norma 179.

Os princípios buscam imediatamente um fim perseguido pela norma, enquanto que as

regras buscam imediatamente o que está descrito na norma.

Baseado nestas considerações conclui ÁVILA:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios

178 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 30/31. 179 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 54/55.

51

que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospecticas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação de correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção 180.

A partir das distinções feitas entre regras e princípios, é possível expor que a

Constituição Federal de 1988 não optou por um modelo único para as normas de direitos

fundamentais, ou seja, na Carta Magna vigente, os direitos fundamentais estão dispostos tanto

sob a forma de princípios quanto sob a forma de regras 181.

Embora se possa relacionar as normas de uma Constituição como sendo de regras e

princípios, o estudo desse tipo de normas considera que elas possuem um duplo caráter. Assim,

mesmo quando os direitos fundamentais estão previstos sob a forma de regras, estes são

remetidos aos princípios, por causa do valor ou do bem jurídico que visam proteger. Daí parte

dizer que a norma de direito fundamental tem caráter de princípio 182.

O direito a prova decorre das garantias constitucionais da ação, da ampla defesa, do

contraditório, bem como de outros direitos fundamentais implícitos (artigo 5º, § 2º, da

Constituição Federal de 1988). Importa dizer então que o direito à prova é uma garantia

constitucional. Com a visualização do direito à prova como direito processual fundamental, é

possível estabelecer restrições probatórias (conforme o enunciado do inciso LVI, do artigo 5º, da

Constituição vigente) que somente se justificam quando se torna necessário resguardar outro

direito fundamental de maior relevância. Disto parte ressaltar que as provas ilícitas são

concebidas dos direitos fundamentais 183.

Logo, se os direitos fundamentais possuem caráter principiológico e as provas ilícitas

constituem uma garantia destes direitos fundamentais, trata-se, em linhas gerais, que a garantia

contra a utilização de provas ilícitas é um princípio.

180 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 70. 181 BARROS. Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 159. 182 BARROS. Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 159 e 217. 183 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 173/176.

52

Tratando-se de norma principiológica, a não utilização de prova ilícita admite gradações,

segundo as possibilidades normativas e fáticas, e, por se tratarem os princípios jurídicos como

mandados (deveres) de otimização, pode o princípio da não utilização da prova ilícita ser

cumprido (aplicado) em diferentes graus. Dentro do caso concreto, os princípios em jogo se

submetem a uma dimensão de peso, devendo ser aplicado àquele que tenha maior relevância em

relação ao outro princípio.

Não se trata de aplicar o critério do tudo ou nada proposto por DWÖRKIN, mas sim,

quando existente a colisão entre princípios, deve ser analisada a diferença entre eles e o que cada

um busca, para que então, conforme o caso exposto, seja aplicado o princípio mais adequado,

mesmo que o meio para que ocorra a realização deste princípio de maior valor venha a ser

exercido através de uma prova ilícita.

É do enunciado normativo, ou seja, do texto legal, que se retira o conteúdo da garantia

contra a utilização da prova ilícita, porém, como já visto, que esta garantia tem o caráter de

princípio, a utilização da prova ilícita no processo não pode ser decidida através de uma

determinação imediata do juiz que afasta a sua análise, mas sim, deve ser analisado o critério de

prevalência entre os bens jurídicos em jogo, função esta que cabe ao princípio da

proporcionalidade.

3.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Existem várias expressões que cunham o princípio sob análise. Os americanos falam em

razoabilidade, a qual oportunamente dá a idéia de razão, adequação, idoneidade, logicidade,

equidade, bom senso, prudência, moderação etc. Os alemães, no entanto, designam como

proporcionalidade ou proibição de excesso (Übermass) o princípio que os americanos discorrem

como razoabilidade 184.

184 BARROS. Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 71/74.

53

A expressão proporcionalidade em sentido literal significa correspondência ao

equilíbrio entre grandezas. Em um sentido mais amplo, significa “a adequação entre os meios e

os fins e a utilidade de um ato para a proteção de um determinado direito” 185.

Importa observar que o princípio da proporcionalidade não está escrito no texto

constitucional, no entanto, sua observância independe de estar ele expresso na Constituição (deve

ser contemplado como uma norma implícita ao sistema 186), porque tal princípio pertence à

natureza e essência do Estado de Direito 187.

NERY JÚNIOR entende que “o fundamento constitucional do princípio da

proporcionalidade encontra-se no conteúdo do princípio do Estado de direito” 188.

Na mesma linha, é importante lembrar os ensinamentos do insigne jurista PAULO

BONAVIDES, in verbis:

Em nosso ordenamento constitucional não deve a proporcionalidade permanecer encoberta. Em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais. De tal sorte que urge, quanto antes, extraí-lo da doutrina, da reflexão, dos próprios fundamentos da Constituição, em ordem a introduzi-lo, com todo o vigor no uso jurisprudencial. (omissis). No Brasil a proporcionalidade pode não existir enquanto norma geral de direito escrito, mas existe como norma esparsa no texto constitucional. A noção mesma se infere de outros princípios que lhe são afins, entre os quais avulta, em primeiro lugar, o princípio da igualdade, sobretudo em se atentando para a passagem da igualdade-identidade à igualdade-proporcionalidade, tão característica da derradeira fase do Estado de Direito 189.

Entende MULLER, ao ser comentado na obra de BONAVIDES que em sentido amplo,

o princípio da proporcionalidade constitui a regra fundamental a que devem obedecer tanto as

pessoas que o exercem, como aquelas que suportam o poder. Visualizando de um modo mais

restrito, o princípio da proporcionalidade presume existir uma relação entre os fins e os meios

185 BARROS. Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 75. 186 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 100. 187 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 364. 188 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5ª edição. Revista, ampliada e atualizada com a Lei das Interceptações Telefônicas 9.296/96, Lei de Arbitragem 9.307/96 e a Lei dos recursos nos Tribunais Superiores 9.756/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 153. 189 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 394/395.

54

para a realização dos efeitos do princípio. E acrescenta BONAVIDES dispondo que o princípio

da proporcionalidade é na verdade, um princípio de Direito Constitucional, ao lado do princípio

do Estado de Direito, sendo a sua natureza a mesma dos direitos fundamentais, cujos limites são

determinados por este princípio 190.

AVOLIO entende que atualmente a proporcionalidade possui um sentido técnico no

direito público, ao expor:

Para que o Estado, em sua atividade, atenda aos interesses da maioria, respeitando os direitos individuais fundamentais, se faz necessário não só a existência de normas para pautar essa atividade e que, em certos casos, nem mesmo a vontade de uma maioria pode derrogar (Estado de Direito), como também há de se reconhecer e lançar mão de um princípio regulativo para se ponderar até que ponto se vai dar preferência ao todo ou às partes (Princípio da Proporcionalidade), o que também não pode ir além de um certo limite, para não retirar o mínimo necessário a uma existência humana digna de ser chamada assim 191.

Com oportunidade comenta CAMBI:

Ressalta-se, destarte, a importância do princípio da proporcionalidade, cuja função é buscar a análise e a compatibilização, sistemática e axiológica, das regras e dos princípios constantes do ordenamento, com a finalidade de concretização da solução jurídica mais adequada à justiça do caso concreto. Além disso, a utilização desse princípio permite a interpretação das leis infraconstitucionais à luz dos princípios fundamentais e dos valores essenciais contidos na Constituição, bem como, devido ao grau de abstração desses valores, e princípios frente às regras jurídicas, a constante e progressiva evolução dos institutos jurídicos. O que está na essência do princípio da proporcionalidade e, de qualquer modo, de toda decisão de uma controvérsia jurídica, é o favorecimento de um valor ou de um interesse em detrimento de um outro valor ou de um outro interesse. Por isso, a escolha deve pautar-se pela maior eficácia do bem que se procura tutelar, sem, com isso, causar um resultado proporcionalmente mais negativo do que a tutela que se deixa de assegurar. A virtude do princípio da proporcionalidade é, pois, a busca do equilíbrio, do balanceamento ou da ponderação dos valores e interesses contrapostos 192.

Desta forma, havendo conflitos entre valores constitucionais e infraconstitucionais,

optar-se-á pelo primeiro, ao passo que, existindo conflitos entre valores posicionados no mesmo

plano normativo, aplicar-se-á o princípio da proporcionalidade 193.

190 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 357. 191 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 61. 192 CAMBI. Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. V. 3. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 173.

55

3.2.1 Subprincípios inerentes à proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade atualmente assume um caráter de princípio de controle

exercido pelos magistrados quanto à adequação dos meios para que se atinja os fins e ao

balanceamento dos direitos ou interesses em conflito 194. Ele se aplica quando existe um nexo de

causalidade entre dois elementos distintos, um meio e um fim, de modo que se possa proceder

aos três exames fundamentais à aplicação do princípio da proporcionalidade que são: o da

adequação (busca saber se o meio promove o fim desejado), o da necessidade (busca verificar se

dentre os meios disponíveis e adequados para que se promova o fim, não existe nenhum outro

meio que ofereça menor restrição ao direito fundamental afetado) e o da proporcionalidade em

sentido estrito (analisa se as vantagens ocasionadas pelo fim justificam as desvantagens

provocadas pelo meio utilizado) 195.

A proporcionalidade é analisada na relação entre meio e fim, ou seja, “o exame da

proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma

finalidade”. Assim deve ser analisada a possibilidade da medida adotada conduzir à realização da

finalidade (exame da adequação), de a medida ser a menos restritiva dentre aquelas possíveis a

buscar a finalidade (exame de necessidade) e de a finalidade pública ser tão importante a ponto

de justificar a restrição (exame da proporcionalidade em sentido estrito) 196.

A adequação dos meios aos fins consiste na exigência de que a medida restritiva deve

ser idônea em busca do fim perseguido 197. O meio adequado pode ser analisado sob “três

aspectos: quantitativo (intensidade), qualitativo (qualidade) e probabilístico (certeza)”. Dentre

estas considerações a adequação só resulta na declaração de invalidade do ato do Poder Público

193 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, p. 267. 194 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, p. 267. 195 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 112/113. 196 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 113/114. 197 BARROS. Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 78.

56

nos casos em que for evidente a incompatibilidade entre o meio e o fim 198. A exigência da

adequação “pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e

conforme os fins justificativos da sua adopção” é o controle da relação de adequação medida-

fim” 199.

O exame da necessidade, também conhecido como princípio da exigibilidade ou da

menor ingerência possível, verifica a existência de meios alternativos àqueles escolhidos

inicialmente pelo Legislativo ou pelo Executivo, para que se possa promover o fim sem restringir

os direitos fundamentais afetados. Ou seja, deve-se respeitar a escolha promovida pelo órgão

competente, somente afastando-se esta se o meio pelo qual se promoveu a escolha for

evidentemente menos adequado que outro meio 200. O pressuposto da necessidade traz a idéia de

que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Exige-se sempre “a prova de que, para

a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o

cidadão” 201. O princípio da necessidade leva em conta que a medida restritiva seja indispensável

para resguardar o direito fundamental e também, que tal medida não possa ser substituída por

outra igualmente eficaz, porém menos gravosa para o cidadão 202.

Chegando-se a conclusão de a adequação e a necessidade estão configuradas para que

seja determinada a relação entre a restrição adotada e o fim a que se destina, resta saber se o

resultado obtido com a interferência é proporcional à carga coativa da mesma. Então, aqui se

insere o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, também chamado de princípio da

“justa medida”. Este princípio procura colocar os meios e o fim e m equação através do juízo da

ponderação, determinando se o meio utilizado é ou não é proporcional em relação ao fim. Trata-

se de “pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim” 203. O que se deve

perguntar é: “As vantagens causadas pela pro moção do fim são proporcionais às desvantagens

198 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 121. 199 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, p. 268. 200 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 122/123. 201 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, p. 268. 202 BARROS. Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 81. 203 BARROS. Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 84/85; Cf. CANOTILHO. José

57

causadas pela adoção do meio?” 204. Trata-se de uma resposta muito subjetiva, pois, o intérprete

da norma, mesmo após ter constatado a presença da adequação e da necessidade de se restringir

um dos direitos postos em conflito, terá que verificar se tal restrição encontra-se em proporção

com o fim perseguido 205. É nesta fase em que se aplica a máxima da proporcionalidade através

da “ponderação dos pesos do princípio em jogo” 206.

3.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A PROIBIÇÃO DA PROVA ILÍCITA.

Apesar de ser a prova obtida por meios ilícitos vedada em nosso ordenamento jurídico,

existem casos em que tal prova poderá ser utilizada através do fundamento constitucional do

princípio da proporcionalidade. E isto ocorre em razão de ser a prova ilícita um princípio, de

poder esta ser aplicada em diferentes graus e não como um “tudo ou nada”.

A doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha,

principalmente, falam da incidência do princípio da proporcionalidade no procedimento

probatório, no sentido de diminuir o princípio da proibição da prova obtida de forma ilícita 207.

O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade consiste numa formação

doutrinária e jurisprudencial inserida nos sistemas jurídicos dos países que não admitem o uso da

prova obtida ilicitamente, permitindo, através da vedação probatória, que o julgador faça uma

escolha, no caso em tela, entre os valores constitucionais em conflito 208.

Portanto, a possibilidade de serem aproveitadas as provas obtidas por meios ilícitos,

torna-se um caso bastante complexo à luz da Constituição Federal de 1988, que dispõe:

Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Portugal, Coimbra: editora Livraria Almedina, p. 269. 204 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição, 2ª tiragem. Malheiros editores, 2005, p. 124. 205 BARROS. Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 85. 206 ZANON JÚNIOR. Orlando Luiz. Máxima da Proporcionalidade Aplicada a Quebra do Sigilo Bancário pelo Fisco e o Direito Fundamental à Vida Privada. Florianópolis: Momento Atual, 2004, p. 101. 207 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5ª edição. Revista, ampliada e atualizada com a Lei das Interceptações Telefônicas 9.296/96, Lei de Arbitragem 9.307/96 e a Lei dos recursos nos Tribunais Superiores 9.756/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 152. 208 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 64.

58

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...). X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (...). LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; (...). § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte 209.

No processo civil é vedada à produção e a valoração das provas obtidas de forma ilícita

que violem a vida privada, a honra, a imagem, bem como, a correspondência, a comunicação de

dados e a comunicação telefônica das pessoas. Entretanto, como se analisará posteriormente, tal

enunciado universal deverá ser questionado quando existente outros princípios de maior

relevância 210.

Conforme o texto constitucional, predomina na doutrina atualmente, a interpretação de

que o juiz não considera tais provas como válidas, ante a forma como as quais foram produzidas 211. Porém, esta teoria vem sendo atenuada por outras disposições doutrinárias, que procuram

corrigir possíveis distorções em que a gravidade da rigidez da exclusão da prova ilícita poderia

levar em determinados casos excepcionalmente graves 212. Na mesma linha TROCKER ao ser

comentado por RABONEZE afirma ser possível a utilização da prova obtida de forma

209 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários a Constituição brasileira de 1988. V.1. Artigos 1º ao 103, 2ª edição atualizada e reformulada. São Paulo: Saraiva, 1997, artigo 5º, incisos X, XI, XII, § 1º e § 2º. 210 GOUVEIA. Lúcio Grassi. O princípio da proporcionalidade e a questão da proibição da produção e valoração da prova ilícita no processo civil. Revista Dialética de Direito Processual. Volume 7. Outubro de 2003. São Paulo: Dialética, 2003, p. 50. 211 GOUVEIA. Lúcio Grassi. O princípio da proporcionalidade e a questão da proibição da produção e valoração da prova ilícita no processo civil. Revista Dialética de Direito processual. Volume 7. Outubro de 2003. São Paulo: Dialética, 2003, p. 48. 212 GRINOVER. Ada Pellegrini. As nulidades no Processo Penal. 3ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 1993, p. 115.

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inconstitucional, quando se trata de “realizar exigência superior de caráter público ou privado

merecedor de particular tutela” 213.

E bem observa GRECO FILHO:

O texto constitucional parece, contudo, jamais admitir qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita. Entendo, porém, que a regra não seja absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito 214.

Para ilustrar a função do princípio da proporcionalidade, transcreve-se a seguinte

ementa do Desembargador JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA:

Prova obtida por meio de interceptação e gravação de conversas telefônicas do cônjuge suspeito de adultério: não é ilegal, quer à luz do Código Penal, quer do Código Brasileiro de Telecomunicações, e pode ser moralmente legítima, se as circunstâncias do caso justificam a adoção, pelo outro cônjuge, de medidas especiais de vigilância e fiscalização 215.

Na fundamentação, o desembargador BARBOSA MOREIRA, em entendimento

modelo, adotou o princípio da proporcionalidade, ao admitir a prova obtida através de

interceptação e gravação clandestina de conversas telefônicas do cônjuge suspeito de adultério,

aduzindo ser esta prova moralmente legítima, pois, se reputou razoável e justificáveis as

circunstâncias que levaram o outro cônjuge a adotar medidas especiais de vigilância e

fiscalização 216. Preleciona o eminente ministro:

... parece inda longínqua a pacificação das opiniões que se digladiam a propósito do tema. Vai predominando, contudo, a tendência a fugir das soluções radicais, extremas, consistentes em excluir de maneira absoluta a admissibilidade das provas ilegitimamente adquiridas ou em reconhece-las sem quaisquer restrições. (...). Prefere-se adotar critério mais matizado, que, levando em conta as características do caso concreto, abra ao juiz a possibilidade de balancear os interesses em jogo, de acordo com o chamado “princípio da proporcionalidade” ( Verhaltnismässigkeitsprinzip), para admitir a prova, abstraindo

213 RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 22. 214 GRECO FILHO, Vicente. Manual do processo penal. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 178. 215 A. I. 7.111 – 5º C. 22.11.1983 – TJRJ, in RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 30. 216 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 68.

60

de sua eventual origem ilegítima, quando necessário, a preservação de valores relevantes que, de outro modo, se veriam injustamente sacrificados 217.

Observe-se que a questão da utilização da prova obtida por meios ilícitos já vem sendo

apreciada há um bom tempo pelos tribunais. Importante pronunciamento, em acórdão de 1951,

concerne à posição do ministro RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO, cuja ementa se

transcreve: “Prova. Gravação de conversa telefônica. Captação por meio criminoso. Violação do

sigilo de correspondência. Meio probatório não previsto em lei. Livre apreciação, todavia, pelo

juiz” 218.

Especialmente no que diz respeito à prova ilícita pro reo, a doutrina e a jurisprudência

em processo penal aceitam quase que de forma unânime a prova ilícita, aplicando o princípio da

proporcionalidade “sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente” 219.

Referindo-se a esta hipótese, colaciona-se a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São

Paulo, em 16.09.1992, que versava sobre processo criminal por lesões corporais graves, que no

caso, foi admitida a prova através de uma fita a qual continha a gravação de conversa telefônica

entre a vítima e a ré do processo, gravada pela própria acusada, entendendo-se que:

O direito à intimidade, como de resto todas as demais liberdades públicas, não tem caráter absoluto e pode ceder quando em confronto com outros direitos fundamentais, como, por exemplo, o de ampla defesa. É o chamado “critério da proporcionalidade” consagrado pelos tribunais alemães 220.

“A liberdade do réu, em cotejo com o direito à intimidade de terceiro, possui maior peso

e significância no quadro das liberdades públicas” 221.

A prova ilícita, como se vê, vem sendo utilizada no processo através da aplicação do

princípio da proporcionalidade quando em benefício pro reo, pois, evidentemente, quando o

conflito acontece entre a condenação de uma pessoa inocente e a utilização de uma prova ilícita

217 A. I. 7.111 – 5º C. 22.11.1983 – TJRJ, in RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 2ª edição. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 30/31. 218 REVISTA DOS TRIBUNAIS de 1951, 194/157 e seguintes, in BERGMANN, Érico R. Prova ilícita – A constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Escola Superior do Ministério Público/Associação do Ministério Público, 1992, p.43. 219 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 72/73. 220 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 72/73. 221 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 154.

61

que possa conduzir a absolvição do réu é imprescindível que seja dada maior valoração à

liberdade do indivíduo.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do habeas-corpus Nº 71.373-4 do Rio

Grande do Sul, entendeu por maioria de votos, em deferir o habeas-corpus, que reconheceu não

estar o impetrante obrigado a se submeter ao exame de DNA em ação de investigação de

paternidade. É a ementa oficial:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos 222.

Data vênia à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, o entendimento aqui

deveria ser outro, visto que jamais poderia o impetrante desobrigar-se de realizar o exame de

DNA, pois, como bem assinalou o Ministro CARLOS VELLOSO, em seu voto vencido:

... não há no mundo interesse moral maior do que este: o do filho conhecer ou saber quem é o seu pai biológico. Assim, tenho como perfeitamente aplicáveis, no caso, as disposições infraconstitucionais mencionadas pelo Sr. Ministro Relator, especialmente a que se inscreve no art. 332 do CPC. O exame, no caso, é obrigatório, deve ser realizado 223.

Conforme dito anteriormente, existe um engano quando se afirma que universalmente,

“em processo civil é sempre inconstitucional e portanto vedada a produção e valoração das

provas obtidas com violação da vida privada, honra e imagem das pessoas, da correspondência e

das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas (os denominados meios ilícitos)” 224. O

caso concreto a seguir elucida tal engano, senão vejamos:

222 In www.stf.gov.br. Link: jurisprudência. H.C. Nº 71.373-4 - Rio Grande do Sul – Relator Min. Francisco Rezek. Julgado em: 10 /11 /1994. 223 In www.stf.gov.br. Link: jurisprudência. H.C. Nº 71.373-4 - Rio Grande do Sul – Relator Min. Francisco Rezek. Julgado em: 10 /11 /1994. Parte integrante do voto vencido do Ministro Carlos Velloso. 224 GOUVEIA. Lúcio Grassi. O princípio da proporcionalidade e a questão da proibição da produção e valoração da prova ilícita no processo civil. Revista Dialética de Direito Processual. Volume 7. Outubro de 2003. São Paulo: Dialética, 2003, p. 50.

62

... numa ação de guarda de menor movida pelo pai, deve ser julgado procedente o pedido quando houver prova nos autos, obtida através de gravação clandestina, de que o menor sofria abusos sexuais por parte do pai, um desequilibrado mental, mesmo esse genitor tendo sido considerado normal por testes psicológicos realizados por ordem judicial e demais meios de prova utilizados ? (...) Dessa forma, nada obsta a aplicação do princípio da proporcionalidade para que seja realizada uma ponderação entre os interesses do pai do menor, que quer ter sua privacidade garantida e o do próprio menor, que luta pela manutenção do direito à dignidade e respeito do ser humano em formação. Feita a ponderação, torna-se evidente a necessidade de que, no caso em tela, seja dada preferência ao interesse do menor, que só será garantido com a utilização da prova em questão 225.

Nesta diretriz posiciona-se MARINONI:

Há casos, como o referido, em que estão contrapostos dois direitos dignos de tutela, e é nesse sentido que se fala de balanceamento dos valores em jogo. O uso da prova ilícita, porém, ainda que dependente dessa ponderação, somente pode ser aceito quando a prova foi obtida ilicitamente porque inexistia outra maneira para a demonstração dos fatos em juízo. A prova ilícita somente pode ser admitida quando é a única prova que pode demonstrar a alegação que é fundamental para a realização de um direito que, no caso concreto, merece ser tutelado ainda que diante do direito da personalidade lesionado. Para que o juiz possa concluir se é justificável o uso da prova, ele necessariamente deverá estabelecer uma prevalência axiológica de um dos bens em vista do outro, de acordo com os valores do seu momento histórico. Não se trata, porém, de estabelecer uma valoração abstrata dos bens em jogo, já que os bens têm pesos que variam de acordo com as diferentes situações concretas. O princípio da proporcionalidade, como já foi dito, exige uma ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo na respectiva situação 226.

E acrescenta GOUVEIA, posicionando-se:

Melhor postura consiste em assumirmos que, em muitos casos de realização do direito, torna-se necessária uma ponderação de interesses, devendo o julgador aceitar que, até mesmo o denominado núcleo fundamental dos direitos fundamentais só pode ser delineado à luz do caso concreto, sendo necessária a utilização do chamado princípio da proporcionalidade para a determinação de qual princípio deverá prevalecer na ponderação 227.

225 GOUVEIA. Lúcio Grassi. O princípio da proporcionalidade e a questão da proibição da produção e valoração da prova ilícita no processo civil. Revista Dialética de Direito Processual. Volume 7. Outubro de 2003. São Paulo: Dialética, 2003, p. 50/53. 226 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3ª edição, revista e ampliada. Malheiros editores, 1999, p. 261. 227 GOUVEIA. Lúcio Grassi. O princípio da proporcionalidade e a questão da proibição da produção e valoração da prova ilícita no processo civil. Revista Dialética de Direito Processual. Volume 7. Outubro de 2003. São Paulo: Dialética, 2003, p. 52.

63

Baseado nestas considerações, o que se vê é que o aludido princípio da

proporcionalidade reconhece ser inconstitucional o uso da prova ilícita na lide, no entanto, há

casos em que é permitido ao juiz aceitar a utilização da prova ilícita baseado no equilíbrio entre

direitos fundamentais conflitantes, “sacrificando algum valor insculpido na constituição, para

escolher o caminho mais justo e buscar o apanágio da justiça”, ou seja, os direitos fundamentais

podem ser restringidos “em favor do bem -estar da coletividade e da defesa da ordem jurídica”,

através da aplicação do princípio da proporcionalidade 228.

228 BERGMANN, Érico R. Prova ilícita – A constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Escola Superior do Ministério Público/Associação do Ministério Público, 1992, p.17.

64

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à prova encontra-se implicitamente introduzido no Direito Constitucional

brasileiro, estando integrado ao conjunto dos direitos fundamentais. No entanto, apesar da

vedação expressa do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal vigente, pode ocorrer que a

utilização da prova obtida por meios ilícitos no processo se justifique quando, no caso concreto,

se torne indispensável proteger valores constitucionais de idêntica ou superior relevância.

A essência dos direitos fundamentais em muitos casos é esboçada conforme o caso

concreto. O que se quer dizer é que quando direitos fundamentais entram em conflito, deve-se

buscar o objetivo a ser realizado por determinado direito fundamental conforme o caso exposto,

capaz de afastar outro direito também garantido constitucionalmente. Então, a partir do momento

em que esta prevalência ocorra somente através da utilização da prova ilícita, a justificativa para

o seu uso é através da utilização do princípio da proporcionalidade.

A utilização da prova obtida por meios ilícitos no processo civil se torna necessária

quando somente através desta prova se possa buscar a “verdade real” 229, devendo ocorrer uma

ponderação de interesses dos direitos ou bens jurídicos que variam de acordo com o caso

concreto. Nada mais é que dar preferência a um dos interesses em jogo, através da utilização do

princípio da proporcionalidade, que determinará por meio da ponderação, qual princípio deve

prevalecer em relação ao outro bem jurídico também garantido constitucionalmente, podendo

assim, tornar-se necessária a utilização da prova ilícita a fim de que seja garantida esta

preferência, justificando então a admissibilidade da prova obtida por meios ilícitos, através deste

juízo de ponderação.

A doutrina brasileira mais moderna se manifesta no sentido de que através da adoção do

princípio da proporcionalidade, para que em determinados casos, seja diminuída a vedação

constitucional da prova ilícita, admitindo-se assim esta prova no processo, com o objetivo de

preservar o Estado de Direito. Todavia, através da análise de acórdãos do Supremo Tribunal

Federal, observa-se que este toma uma posição diferente quanto a sua jurisprudência, mostrando-

se mais relutante em aceitar a teoria da proporcionalidade advinda principalmente do direito

229 Leia-se “verdade real” no sentido da maior realização possível em se averiguar a verdade no processo.

65

alemão, e, em conseqüência, inadmitindo na maioria dos casos a utilização da prova obtida por

meios ilícitos.

O que se buscou nesta monografia não foi estimular a produção das provas

contrariamente ao texto expresso na Constituição Federal de 1988, mas sim, observar que em

determinados casos, a existência da prova ilícita garante a realização de um direito em detrimento

de outro, e que sem a utilização desta prova, o resultado obtido no processo seria outro. A

utilização da prova ilícita traz consigo o intuito de corrigir eventuais distorções que possam

ocorrer quando confrontados direitos ou bens jurídicos de mesma dimensão, igualmente

garantidos na Constituição, e o que corrobora a utilização deste tipo de prova, apesar de contrária

ao ordenamento jurídico brasileiro, é o princípio da proporcionalidade.

66

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