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A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: AS REALIZAÇÕES DO NÃO Caio Cesar Castro da Silva Faculdade de Letras Rio de Janeiro Fevereiro de 2016

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A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

AS REALIZAÇÕES DO NÃO

Caio Cesar Castro da Silva

Faculdade de Letras Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: AS REALIZAÇÕES DO NÃO

Caio Cesar Castro da Silva

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra Co-orientadora: Profa. Dra. Dinah Maria Isensee Callou

Faculdade de Letras Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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A prosódia da negação no português brasileiro:

as realizações do não

Caio Cesar Castro da Silva

Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra

Co-orientadora: Profa. Dra. Dinah Maria Isensee Callou

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

______________________________________________________________________ Presidente, Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra (orientadora – UFRJ)

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Dinah Maria Isensee Callou (co-orientadora – UFRJ)

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Flaviane Romani Fernandes-Svartman (USP)

______________________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Carlos da Silva Schwindt (UFRGS)

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Valéria Neto de Oliveira Monaretto (UFRGS)

______________________________________________________________________ Prof. Dr. João Antônio de Moraes (UFRJ)

Suplentes:

______________________________________________________________________ Prof. Dr. Gean Nunes Damulakis (UFRJ)

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Claudia de Souza Cunha (UFRJ)

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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CASTRO DA SILVA, Caio Cesar.

A prosódia da negação no português brasileiro: as realizações do

não/ Caio Cesar Castro da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de

Letras, 2016.

xxvi, 230f.:il.; 31cm.

Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra

Co-orientadora: Profa. Dra. Dinah Maria Isensee Callou

Tese (doutorado)/ UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-

graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2016.

Referências bibliográficas: f.217-230.

1. Cliticização fonológica. 2. Redução dos ditongos nasais. 3. Palavras

funcionais. 4. Palavra prosódica. I. SERRA, Carolina Ribeiro. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de

Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. A prosódia da negação no

português brasileiro: as realizações do não.

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RESUMO

A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

AS REALIZAÇÕES DO NÃO

Caio Cesar Castro da Silva

Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa).

Investigamos, nesta tese, as realizações do item de negação com ditongo nasal

pleno (não) e com ditongo nasal reduzido (num), com o objetivo de definir o estatuto

fonológico das variantes e sua prosodização no português brasileiro. Temos por base a

hipótese de que ocorre um processo de cliticização fonológica que faz com que as

palavras funcionais não e num tenham comportamentos prosódico e entoacional

distintos.

A variação entre as duas formas é percebida na fronteira inicial do sintagma

entoacional e também em posição interna, enquanto na fronteira direita do mesmo

constituinte é categórica a manutenção da variante plena. A hipótese de que o

processo de redução envolva a perda do acento lexical é baseada na frequência com

que o operador de negação ocorre no discurso e na própria caracterização do processo

de cliticização em várias línguas naturais. Para analisar essa consideração, utilizamos

dados de fala espontânea retirados do Projeto Concordância e baseamos nossas

assunções teóricas na Teoria da Variação e Mudança, na Teoria da Hierarquia

Prosódica e na Fonologia Entoacional Autossegmental e Métrica. Propomos que num

tenha status de clítico e sua prosodização seja adjungida ao verbo (que funciona como

hospedeiro fonológico), formando um grupo de palavra prosódica; o item não, por sua

vez, é analisado como uma palavra prosódica, que pode ocorrer no mesmo sintagma

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fonológico que o verbo, ao final do enunciado, ou isoladamente, como uma resposta a

uma questão total.

A observação de condicionamentos fonológicos, como a distância entre sílabas

acentuadas, a análise acústica das médias de duração, a ocorrência de eventos tonais e

a comparação com outras palavras prosódicas que tenham estrutura fonológica

semelhante contribuíram como indícios para a confirmação da hipótese de haver uma

cliticização fonológica, e não sintática.

Palavras-chave: realização dos itens de negação; redução dos ditongos nasais;

cliticização fonológica

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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ABSTRACT

A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

AS REALIZAÇÕES DO NÃO

Caio Cesar Castro da Silva

Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa).

In this thesis, we investigate the realizations as the full nasal diphthong (não)

and as the reduced nasal diphthong (num) of the negation item, aiming to define the

phonological status of the variants and its prosodization in Brazilian Portuguese. We

take the hypothesis that a phonological cliticization process occurs making that the

function words não and num have distinct prosodic and intonational behaviors.

The variation between the two forms is perceived on the initial boundary of the

intonational phrase and also in internal positions, while on the right boundary of the

same constituent the preservation of the full form is categorical. The hypothesis that

the reduction process involves the loss of the lexical stress is based on the frequency

that the negation operator appears in speech and on the properties of the cliticization

process described in different languages. In order to analyze this assumption, we take

data of spontaneous speech extracted from Projeto Concordância and we support our

premises in the Linguistic Variation and Change Theory, in the Prosodic Hierarchy

Theory, and in the Autosegmental-Metrical Theory of Intonational Phonology. We

propose that num is a clitic and its prosodization is dependent on the verb (which

functions as a phonological host), forming a prosodic word group; the variant não,

therefore, is analyzed as a prosodic word, which may occur in the same phonological

phrase as the verb, at the end of the utterance, or in isolation, as an answer to a

yes/no question.

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The observation of phonological conditionings, such as the distance between

stressed syllables, the acoustic analysis of duration values, the occurrence of tonal

events (pitch accents and edge boundaries) and the comparison with other prosodic

words that have similar phonological structure contributed as evidences to the

confirmation of the hypothesis that there is a phonological cliticization, and not a

syntactic one.

Key words: realization of negation items; reduction of nasal diphthongs; phonological

cliticization

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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RESUMEN

A PROSÓDIA DA NEGAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:

AS REALIZAÇÕES DO NÃO

Caio Cesar Castro da Silva

Orientadora: Profa. Dra. Carolina Ribeiro Serra

Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa).

Investigamos, en esta tesis, las realizaciones con diptongo nasal pleno (não) y

con diptongo nasal reducido (num) de la partícula de negación, a fin de definir el

estatuto fonológico de las variantes y su prosodización en portugués brasileño. Nos

basamos en la hipótesis de que ocurre un proceso de cliticización fonológica el cual

establece que las palabras funcionales não y num tengan comportamientos prosódico

y entonacional distintos.

Se percibe la variación entre las dos formas en la frontera inicial de la frase de

entonación y también en posición interna, al paso que, en la frontera a la derecha del

propio constituyente, es categórica la manutención de la variante plena. La hipótesis

de que el proceso de reducción envuelve la pérdida del acento lexical se basa en la

frecuencia con la que el operador de negación ocurre en el discurso y también en la

propia caracterización del proceso de cliticización en diversas lenguas naturales. Para

analizar tal consideración, utilizamos datos de habla espontánea disponibles en el

“Projeto Concordância” y basamos nuestras premisas teóricas en la Teoría de Variación

y Cambio, en la Teoría de la Jerarquía Prosódica y en la Fonología Entonacional

Autosegmental y Métrica. Proponemos que num posee estatus de clítico y que su

prosodización depende del verbo (que funciona como hospedero fonológico), lo que

forma un grupo de palabra prosódica; se analiza la partícula não, por otro lado, como

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una palabra prosódica, que puede ocurrir en la misma frase fonológica del verbo, al

final del enunciado, o aisladamente, como una respuesta a una pregunta.

La observación de condicionamientos fonológicos, como la distancia entre

sílabas acentuadas, el análisis acústico de las medias de duración, la incidencia de

eventos tonales y la comparación con otras palabras prosódicas que poseen

estructuras prosódicas semejantes contribuyen para confirmar la hipótesis de que hay

una cliticización que no es sintáctica, sino fonológica.

Palabras-clave: realización de las partículas de negación; reducción de diptongos

nasales; cliticización fonológica

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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SINOPSE

Realizações do advérbio de negação não.

Redução dos ditongos nasais. Cliticização

fonológica e comportamento de palavras

funcionais.

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Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

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Aos meus pais, Carlos e Regina, que me

ensinaram o antídoto contra todos os problemas:

a confiança.

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O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás…

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem…

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Reparasse que nascera deveras…

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo.

Alberto Caeiro, em O guardador de rebanhos

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AGRADECIMENTOS

Há um provérbio chinês – puro clichê, é verdade – que diz que atravessar

grandes mares traz novos horizontes. Posso dizer, francamente, que os mares

atravessados nos últimos quatro anos foram quase impossíveis de desbravar. Escrever

estes agradecimentos foi algo impensável durante várias e duras etapas. Ainda bem

que, quando a esperança parecia desaparecer, uma força me impulsionava e me fazia

acreditar que o esforço valeria a pena. E valeu!

O mundo à nossa volta rodeia, rodeia e prega peças pelas quais nem sempre

esperamos. Parafraseando Camões, comigo não poderia ter sido diferente: imerso em

um mundo inconstante, a incerteza foi a constância mais certa na minha vida. Ainda

bem que, apesar da inconstância, houve fatos que me fizeram querer continuar

seguindo: a crença, o acolhimento, a história, a amizade e o porto seguro.

A crença na capacidade do outro é um ato altruísta e difícil, pelo simples e

óbvio fato de o outro ser o outro. O outro sempre pode nos decepcionar, sempre pode

não corresponder às nossas expectativas, sempre pode nos frustrar, mas mesmo assim

não devemos deixar de acreditar. O outro sempre pode nos mostrar que pode ser

diferente. Dessa forma, à Carolina, aquela que foi minha orientadora sem ter sido

durante um bom tempo, só tenho que agradecer por ter acreditado em mim. Minha

admiração pela seriedade com que desenvolve seu trabalho, pela dedicação que tem

com todos a sua volta e pela boa disposição em ajudar nunca será o bastante. Um

muito obrigado por tudo, sobretudo pelos chopes, pelas dicas de passeios lisboetas e

pela agradável companhia!

Acolher também é um risco. Um risco talvez ainda maior, porque, além de

acreditar no outro, é preciso trazê-lo para si. E nesse movimento, um não se torna o

outro, mas se torna um novo sob a guarida do outro. Recebi a oportunidade de me

tornar um novo duas vezes nesses anos. A primeira vez foi pelas mãos da Dinah, que

me recebeu no meu pior momento e me deu todo o apoio de que precisava. Foi sem

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dúvida um grande alicerce para que eu voltasse a acreditar em mim e voltasse a

acreditar na vida acadêmica. Seu senso de justiça, seu raciocínio rápido e sua

humildade em ensinar me deram e me dão esperança. A segunda vez foi por meio da

professora Marina Vigário, que me acolheu em seu grupo de pesquisa, em sua

instituição, em seu país, e me ensinou muito além do que eu imaginava. Sua

generosidade e sua inteligência incontestável foram marcantes para mim. Às duas, um

agradecimento profundo!

A história também mostra que é preciso ter claro de onde saímos para que

possamos nos reconhecer em nós mesmos no lugar aonde chegamos. Sem dúvidas, é

preciso um agradecimento ao Carlos Alexandre por ter me acompanhado durante boa

parte da minha vida acadêmica, por ter me aberto às portas para o mundo da pesquisa

e por ter sido meu primeiro mestre.

Há muito também o que agradecer a inúmeras pessoas que fizeram e fazem

parte da minha vida. Elas estiverem presentes com um sorriso farto, com um abraço

aberto ou apenas com um gesto simples de cumplicidade em diversos momentos. Seja

numa boa conversa em algum restaurante, seja numa mensagem do Whatsapp, essas

pessoas me fizeram caminhar. Pelo encorajamento que me deram em pequenos, mas

significativos, momentos, ficarão registradas na minha memória afetiva.

À minha fiel escudeira e irmã não sanguínea, Érica, agradeço pela fidelidade de

sempre; à Ana, minha outra irmã não sanguínea e parceira desde os trabalhos em

dupla da graduação, agradeço pela amizade sincera; à Elaine, a quem perturbo

constantemente, agradeço pela paciência.

Bruno e Carol, meus amigos quase hispanos, poder contar com vocês é um

alívio, mesmo que nem sempre possamos estar juntos. Vany e Luana, nossas histórias

dos forninhos que temos que carregar merecem uma série de TV. Obrigado pelas

risadas e pelas empanadas! Douglas, Érika e Erica, esses anos sem vocês e sem nosso

tradicional encontro no Outback não teriam sido os mesmos. Valeu pela parceria!

Aos meus ex-alunos da UFRJ e da FACIG, desejo toda a sorte na profissão que

escolheram. Agradeço por terem me ensinado também a ser um melhor profissional.

Aos meus alunos do CEFET, dedico todo o meu carinho. Vocês são sensacionais e me

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fazem ter esperança em um futuro melhor! Obrigado por me ensinarem que dar aula é

um constante aprendizado.

Aline, Vitor e Ingrid, nossas conversas impublicáveis e as inúmeras tardes de

bate-papo precisam continuar. Vocês fizeram me sentir em casa na F312! Obrigado por

tudo (sobretudo pelas imitações)! Duane, Márcio, Aline e Solange, como não lembrar

de vocês e ter a certeza de que o período em que vivemos em Portugal foi um dos

mais especiais da minha vida?! Obrigado por terem sido minha família durante todo

esse período! Beatriz, com quem divido diariamente meus sonhos, minhas alegrias,

minhas agruras, merece meu profundo agradecimento pelo companheirismo e pela

parceria. Ter muitos ciclos de felicidade, diálogo e implicâncias é o que desejo para o

nosso futuro.

Nestes anos, o que me motivou também a persistir foi saber que meu porto

seguro estava garantido em casa. Como estou inclinado aos clichês, posso tentar

resumir minha família em três imagens: a base da minha edificação, o degrau que me

ajuda a subir e a força que me impulsiona para frente. Sem eles, certamente, nada

disso estaria acontecendo. Então, sou profunda e eternamente grato aos meus pais,

que me ensinaram a honestidade, a justiça e a honra – três coisas que foram

fundamentais para mim nestes quatro anos de curso. Obrigado por terem me ensinado

que não preciso passar por cima de ninguém para atingir meus objetivos; obrigado por

terem me mostrado que as conquistas aparecem para aqueles que trilham o caminho

da honestidade; obrigado por terem me aconselhado a rebater as injustiças com

trabalho e dedicação; obrigado por terem me ensinado a amar. Amo vocês, pai, mãe,

irmã e irmão! Sem vocês, meu riso frouxo e meu sorriso largo não teriam prevalecido

durante esses anos.

Neste momento de fechamento de ciclo, é uma alegria, por exemplo, ver que

minha irmã, Thainá, inicia seu próprio ciclo com o mestrado. Desejo que tenha o dobro

de sucesso que eu tive e que as realizações da sua vida acadêmica sejam somadas

àquelas da vida pessoal. Gustavo, meu cunhado, obrigado também pelo

companheirismo e amizade! É bom saber que pessoas de bom coração passam a fazer

parte do nosso convívio. Contem comigo!

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Devo à Thainá também o suporte com a parte de “exatas” da tese. Ninguém

melhor do que uma bacharela em Estatística para me socorrer com o R, com os

gráficos, com as tabelas, com os cálculos. Muitíssimo obrigado, Mute! À Carol e ao

Vitor, agradeço profundamente pela ajuda nos resumos em espanhol e em inglês.

Agradeço às professoras Silvia Rodrigues e Silvia Brandão por terem

gentilmente cedido os áudios do corpus do Projeto Concordância. Agradeço também

aos meus colegas professores do Colegiado do Ensino Médio do CEFET por terem me

incentivado a fazer o doutorado sanduíche e por terem sido sempre tão camaradas

comigo!

Muitas outras pessoas passaram por minha vida nesses últimos anos e

merecem meu reconhecimento. Sintam-se agradecidas! Cada uma foi fundamental

para que eu atravessasse o grande mar chamado doutorado. Agora, metaforicamente

chegado à margem, aguardo os novos horizontes dos quais fala o ditado chinês. Espero

que sejam todos L+H. Como citarei em algum momento nesta tese, não importa muito

se serão L*+H ou L+H*. Importa mesmo é que sejam todos uma curva ascendente,

como deve sempre ser a vida.

Aos fatos, portanto.

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: layout de uma janela do programa Excel com as informações relativas aos dados produzidos em posição inicial ................................................................................................... 107 Figura 2: curva melódica do enunciado Não sou metida, produzida por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 225) ............................................................................................. 108 Figura 3: curva melódica do enunciado não merece presente, produzida por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 45) ................................................................................. 110 Figura 4: curva melódica do enunciado não consigo abandonar ele, produzido por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 88) ................................................................................. 139 Figura 5: curva melódica do enunciado não é mole, produzido por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 84) ................................................................................................................. 140 Figura 6: curva melódica do enunciado num tem tantos estudantes, produzido por informante homem, jovem, não culto (NIG A 1 H 8) ................................................................................... 141 Figura 7: curva melódica do enunciado não se forma, produzido por informante homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 13) ............................................................................................... 155 Figura 8: curva melódica do enunciado não acharam meu carro, produzido por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 22) ......................................................................................... 156 Figura 9: curva melódica dos enunciados num tem luz, num tem nada, produzidos por informante homem, jovem, culto (COP A 3 H 90) .................................................................... 158 Figura 10: curva melódica do enunciado não dependem de mim, produzido por informante mulher, idosa, culta (NIG C 3 M 62) .......................................................................................... 159 Figura 11: curva melódica do enunciado não conseguiram fazer instalações, produzido por informante homem, adulto, culto (COP B 3 H 27) .................................................................... 160 Figura 12: curva melódica do enunciado não tem muito emprego não, produzido por informante homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 12) .............................................................. 161 Figura 13: curva melódica do enunciado alunos que não respeitam assim o colégio, produzido por informante homem, jovem, culto (NIG A 3 H 42) ............................................................... 169 Figura 14: curva melódica do enunciado porque num dá, produzido por informante mulher, jovem, não culta (COP A 1 M 85) .............................................................................................. 169 Figura 15: curva melódica do enunciado que eles não roubaram dinheiro, produzido por informante homem, adulto, culto (COP B 3 H 154) .................................................................. 186 Figura 16: curva melódica do enunciado aí num gosto não, produzido por informante mulher, jovem, não culta (COP A 1 M 34) .............................................................................................. 187 Figura 17: curva melódica do enunciado mas num tem como, produzido por informante mulher, idosa, culta (NIG B 3 M 75) .......................................................................................... 187 Figura 18: curva melódica dos enunciados não, mas num atrapalharia também não, produzidos por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 1) ............................................... 194 Figura 19: curva melódica do enunciado eu num tô dizendo aqui que o dinheiro é horrível não, produzido por informante homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 124) .................................... 195 Figura 20: curva melódica do enunciado não, produzido por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 178) ................................................................................................................ 196 Figura 21: curva melódica dos enunciados eu num lembro não, e até hoje também num sonho não produzidos por informante mulher, jovem, culta (NIG A 3 M 124) ................................... 197

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Figura 22: curva melódica do enunciado não produzido por informante homem, jovem, não culto (NIG A 1 H 80) ................................................................................................................... 198 Figura 23: curva melódica do enunciado não produzido por informante homem, jovem, não culto (NIG A 1 H 90) ................................................................................................................... 199 Figura 24: curva melódica do enunciado num é culpa da na/ da globalização não produzido por informante homem, jovem, culto (NIG A 3 H 174) ................................................................... 200 Figura 25: representação hierárquica da prosodização de num ............................................... 209 Figura 26: representação hierárquica da prosodização do não pré-verbal .............................. 210 Figura 27: representação hierárquica da prosodização do não em fronteira direita de IP ...... 211 Figura 28: representação hierárquica da prosodização do não isolado ................................... 211

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: redução dos ditongos nasais em relação à variável escolaridade ............................... 40 Tabela 2: distribuição das estratégias de negação por escolaridade (adaptada de Furtado da Cunha, 2001: 9) ........................................................................................................................... 66 Tabela 3: distribuição de negação canônica e negativa dupla por faixas etárias ....................... 69 Tabela 4: distribuição de num em relação ao fator faixa etária (retirada de Ramos, 2002: 161) ..................................................................................................................................................... 70 Tabela 5: valores médios de duração e intensidade dos itens de negação (adaptada de Ciríaco, Vitral e Reis, 2004:149) ............................................................................................................... 71 Tabela 6: distribuição das amostras de Copacabana do Projeto Concordância ....................... 106 Tabela 7: distribuição das amostras de Nova Iguaçu do Projeto Concordância ....................... 106 Tabela 8: a relação entre homens e mulheres em Koasati (adaptado de Haas,1944: 144) ..... 126 Tabela 9: ocorrência de sujeito nulo de acordo com a faixa etária dos informantes (adaptado de Duarte, 1995: 80) ................................................................................................................. 130 Tabela 10: variável distância do operador de negação até a próxima sílaba acentuada e posição inicial de IP ................................................................................................................................ 145 Tabela 11: variável número de sílabas do verbo subsequente e posição inicial de IP ............. 147 Tabela 12: variável social escolaridade e posição inicial de IP .................................................. 149 Tabela 13: variável social sexo e posição inicial de IP ............................................................... 150 Tabela 14: variável social localidade geográfica e posição inicial de IP .................................... 151 Tabela 15: variável social faixa etária e posição inicial de IP .................................................... 151 Tabela 16: médias de duração dos itens num e não em posição inicial de IP .......................... 153 Tabela 17: médias de duração dos itens num e não em posição inicial de IP .......................... 154 Tabela 18: percentuais dos acentos tonais associados à primeira sílaba acentuada do IP em posição inicial ............................................................................................................................ 157 Tabela 19: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição inicial de IP ................................................................................................................................................... 158 Tabela 20: percentuais de ocorrência das ωs com /auN/ em posição inicial de IP .................. 161 Tabela 21: médias de duração de outras ωs com /auN/ e da variante não em posição inicial de IP ................................................................................................................................................ 163 Tabela 22: médias de duração da sílaba acentuada da ω nunca e da variante reduzida num em posição inicial de IP ................................................................................................................... 164 Tabela 23: variável tipo de elemento antecedente e posição medial de IP ............................. 172 Tabela 24: variável tamanho do elemento antecedente e posição medial de IP ..................... 172 Tabela 25: variável distância do operador de negação até a próxima sílaba acentuada e posição medial de IP ............................................................................................................................... 173 Tabela 26: variável número de sílabas do verbo subsequente e posição medial de IP ............ 175 Tabela 27: variável social escolaridade e posição medial de IP ................................................ 176 Tabela 28: variável social sexo e posição medial de IP ............................................................. 177 Tabela 29: variável social localidade geográfica e posição medial de IP .................................. 177 Tabela 30: variável social faixa etária e posição medial de IP................................................... 177 Tabela 31: médias de duração dos itens num e não e posição medial de IP ............................ 178

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Tabela 32: médias de duração do item num nas posições inicial e medial do IP ..................... 180 Tabela 33: percentuais de ocorrência das ωs com /auN/ em posição medial de IP ................. 181 Tabela 34: médias de duração de outras ωs com /auN/ e da variante não em posição medial de IP ................................................................................................................................................ 182 Tabela 35: médias de duração da sílaba acentuada da ω nunca e da variante reduzida num em posição medial de IP ................................................................................................................. 183 Tabela 36: médias de duração dos itens num e não em posição medial de IP ......................... 184 Tabela 37: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição medial de IP ................................................................................................................................................... 185 Tabela 38: contexto fonético subsequente em posição final de IP .......................................... 190 Tabela 39: médias de duração dos itens num e não em posição final de IP ............................. 191 Tabela 40: comparação das médias de duração do item não nas posições inicial, medial e final de IP ........................................................................................................................................... 192 Tabela 41: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição final de IP 193 Tabela 42: variável tipo de estratégia de negação ................................................................... 202 Tabela 43: distribuição das variantes nas três estratégias de negação .................................... 204

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ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1: gráfico de dispersão da duração dos dados de num em posição inicial de IP (o eixo horizontal representa o número de ocorrências de dados e o eixo vertical, o valor da duração em ms) ....................................................................................................................................... 137 Gráfico 2: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de não em posição inicial de IP (o eixo horizontal representa o número de ocorrências de dados e o eixo vertical, o valor da duração em ms) ......................................................................................................................... 138 Gráfico 3: distribuição de dados na posição inicial do enunciado ............................................ 142 Gráfico 4: distribuição de dados com base na variável distância até a próxima sílaba tônica . 148 Gráfico 5: distribuição de dados com base na variável tamanho do verbo subsequente ........ 148 Gráfico 6: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de num em posição medial de IP ................................................................................................................................................ 167 Gráfico 7: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de não em posição medial de IP ................................................................................................................................................ 168 Gráfico 8: distribuição de dados na posição intermediária do enunciado ............................... 170 Gráfico 9: distribuição dos acentos tonais no enunciado ......................................................... 186

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

PB: português brasileiro

PE: português europeu

L: low (tom baixo)

H: high (tom alto)

F0: frequência fundamental

Ms.: milissegundos

σ: sílaba

Σ: pé métrico

ω: palavra prosódica

C: grupo clítico

PWG: grupo de palavra prosódica

ɸ: sintagma fonológico

IP: sintagma entoacional

U: enunciado

Fnc: palavra funcional

W: weak (fraco)

S: Strong (forte)

Spec: especificador

NegP: Negation Phrase (sintagma de negação)

NEG: negação

TP: Tense Phrase

AgrP: Agreement Phrase

VP: Verbal Phrase (sintagma verbal)

V: verbo

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 27

2.PONTO DE PARTIDA ................................................................................................................. 34

2.1. Sobre a redução dos ditongos nasais ............................................................................... 35

2.1.1. Sobre os estudos anteriores sobre redução dos ditongos nasais ............................. 43

2.2. Sobre a negação ............................................................................................................... 51

2.2.1. Sobre a negação no PB .............................................................................................. 62

2.2.2. Sobre a prosódia da negação no PB .......................................................................... 71

2.3. Resumindo ........................................................................................................................ 74

3.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................................... 76

3.1. A Teoria da Variação e Mudança ..................................................................................... 76

3.2. A Teoria da Hierarquia Prosódica ..................................................................................... 79

3.3. A Fonologia Entoacional Autossegmental e Métrica ....................................................... 83

3.4. Palavras funcionais: entre palavras prosódicas e palavras clíticas .................................. 86

3.4.1. Palavras prosódicas ................................................................................................... 87

3.4.2. Palavras clíticas ......................................................................................................... 89

3.5. Resumindo ........................................................................................................................ 94

4.APORTE METODOLÓGICO ........................................................................................................ 97

4.1. Hipótese ........................................................................................................................... 97

4.2. O corpus ......................................................................................................................... 104

4.3. Os programas computacionais ....................................................................................... 107

4.4. Descrição da variável dependente ................................................................................. 111

4.5. Descrição das variáveis independentes: fatores linguísticos ......................................... 112

4.5.1. Posição do advérbio no sintagma entoacional ....................................................... 113

4.5.2. Tipo de estratégia de negação ................................................................................ 115

4.5.3. Contexto fonético subsequente .............................................................................. 117

4.5.4. Forma verbal ........................................................................................................... 120

4.5.5. Distância em sílabas até a próxima sílaba acentuada ............................................. 121

4.5.6. Número de sílabas do verbo subsequente .............................................................. 122

4.5.7. Tipo de elemento antecedente ............................................................................... 123

4.5.8. Número de sílabas do elemento antecedente ........................................................ 125

4.6. Descrição das variáveis independentes: fatores sociais ................................................ 125

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4.6.1. Sexo ......................................................................................................................... 127

4.6.2. Faixa etária .............................................................................................................. 129

4.6.3. Localização geográfica ............................................................................................. 131

4.6.4. Escolaridade ............................................................................................................ 132

4.7. Resumindo ...................................................................................................................... 134

5.RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................................... 135

5.1. Posição inicial do sintagma entoacional ........................................................................ 136

5.1.1. Análise das variáveis linguísticas e extralinguísticas ............................................... 142

5.1.2. Análise acústica ....................................................................................................... 151

5.2. Posição intermediária do sintagma entoacional ............................................................ 166

5.2.1. Análise das variáveis linguísticas e extralinguísticas ............................................... 170

5.2.2. Análise acústica ....................................................................................................... 177

5.3. Posição final do sintagma entoacional ........................................................................... 189

5.4. Resultados da variável tipo de estratégia de negação ................................................... 201

5.5. Prosodização das variantes e cliticização ....................................................................... 204

5.6. Resumindo ...................................................................................................................... 211

6.CONCLUSÃO........................................................................................................................... 214

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................. 217

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CAPÍTULO UM

INTRODUÇÃO

Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.

– Machado de Assis

Ao contrário do que Machado de Assis afirma, há mais de uma forma de negar.

Os expedientes utilizados pelos falantes para negar uma ideia variam desde a

anexação de um prefixo a uma palavra livre, como em (1), passando pela escolha de

uma palavra com valor de negação, como em (2), chegando à negação frásica,

propriamente dita, como em (3).

(1) João desconvidou o cunhado para a festa.

(2) Ninguém viu o roubo no ônibus.

(3) O estagiário não chegou a tempo da reunião.

A respeito do advérbio de negação não, há inclusive mais de uma possibilidade

de realização. Pode ser produzido no português brasileiro (PB) com ditongo nasal

pleno, como [nãw], pode ser produzido com a redução do ditongo nasal, como em

[nu], pode ser produzido com a redução do ditongo nasal e o desaparecimento da

ressonância nasal, como em [nu], e pode também ocorrer apenas com (quase)

completo apagamento da vogal, como [n]. Nesta tese, investigaremos a variação entre

a realização plena do operador de negação e sua realização com ditongo nasal

reduzido.

Acreditamos que esta redução seja motivada por razões de frequência de

ocorrência e condicionada por fatores prosódicos e entoacionais. Em primeiro lugar, é

válido notar a frequência com que negamos proposições (HORN, 2001), o que torna o

uso dos expedientes de negação bastante recorrentes e suscetíveis a modificações de

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INTRODUÇÃO 28

ordem fonética. A literatura (HOPPER & TRAUGOTT, 1993; BYBEE, 2010) tem

demonstrado que itens linguísticos mais frequentes estão sujeitos mais facilmente a

sofrer mudanças fonéticas do que itens menos frequentes, o que parece ser o caso do

advérbio não.

Fizemos um levantamento nas entrevistas de fala espontânea de quatorze

informantes do corpus do Projeto Concordância, a fim de observar a recorrência do

operador de negação (ocorra tanto a realização não, quanto a realização num) no

discurso de indivíduos de diferentes grupos sociais (separados por sexo, faixa etária,

escolaridade e localidade). Conforme pode ser visto no quadro a seguir, o item de

negação se mostrou bastante frequente, tendo sido uma das dez palavras mais

utilizadas por todos os falantes. Sua frequência, em geral, só não é maior que a de

palavras funcionais como o artigo a e os conectivos que e de, e de palavras lexicais,

como eu (o que é esperado em uma amostra de entrevista oral) e a forma verbal é.

Informante Oco de não/ total de palavras da amostra

Posição da palavra na amostra

Antes das palavras

COP A 3 H 222/12097 (1,8%) 8ª que, e, a de, eu

COP B 3 H 295/12420 (2,4%) 5ª que, e, a de, eu

COP B 1 H 248/8812 (2,8%) 2ª que

COP B 1 M 213/6217 (3,4%) 2ª que

COP C 3 M 240/9102 (2,6%) 5ª que, é, de

NIG A 1 H 190/8520 (2,2%) 5ª que, a, eu, é

NIG A 1 M 96/5317 (1,8%) 10ª que, a, de, eu, você, é

NIG A 3 H 445/11887 (3,7%) 2ª que

NIG A 3 M 426/12296(3,4%) 2ª que

NIG B 1 H 327/12456 (2,6%) 5ª que, eu, o a

NIG B 1 M 460/14044 (3,3%) 3ª que, eu

NIG B 3 M 284/12931 (2,1%) 4ª que, a, de

NIG C 1 M 254/9909 (2,5%) 5ª que, eu, é, a

NIG C 3 M 217/8682 (2,5%) 5ª que, eu, de, o, a

TOTAL 3917/144690 Quadro 1: frequência de ocorrência do advérbio de negação na amostra

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INTRODUÇÃO 29

Há, porém, ao menos três divergências com relação ao que relatam os demais

trabalhos sobre a redução dos ditongos nasais no PB. O processo de redução em

palavras que não sejam não tem baixa taxa de aplicação (VOTRE, 1978; BOPP da SILVA,

2005), ocorre apenas em sílabas átonas (BATTISTI, 2002) e parece sofrer julgamento

pejorativo por parte dos falantes de grupos sociais diferentes (NASCENTES, 1953;

AMARAL, 1955).

A primeira diferença, e talvez a mais fundamental, diz respeito à frequência dos

dois tipos de redução. Enquanto a redução que ocorre em palavras como viage

(~viagem) e correru (~correram) é considerada pouco frequente e difundida

diferentemente na fala dos grupos sociais, a taxa de redução que ocorre na palavra de

negação não é alta e atinge a fala de todos os grupos sociais. Inclusive, Guy (1981)

relata que a inclusão da palavra não nos dados do trabalho de Votre (1978) pode ter

enviesado parcialmente seus resultados, uma vez que a alta recorrência do item teria

levado a interpretações equivocadas.

A segunda diferença entre os dois tipos de redução é a respeito do domínio de

aplicação da regra. Battisti (2002) chega à conclusão de que o caráter átono da sílaba

pode ser o gatilho para a variação do processo, uma vez que os ditongos nasais teriam

sido preservados em sílabas tônicas. Todavia não apresenta uma sílaba pesada, o que a

torna forte candidata a ser uma palavra funcional portadora de acento lexical.

Considerar, portanto, que o domínio de aplicação da regra de redução seja a sílaba

átona não parece acomodar a análise que se pretende desenvolver neste trabalho.

Por fim, a terceira diferença que se pode apontar sobre os dois tipos é sobre a

percepção que os falantes têm do processo. Amaral (1955) e Nascentes (1953)

afirmam que a redução dos ditongos nasais é um fenômeno marcado e estigmatizado

no PB, caracterizando, sobretudo, a fala de indivíduos com menor taxa de

escolarização.

Realizamos um teste informal com falantes nativos do PB, para identificar se

havia algum tipo de julgamento pejorativo às formas de negação com ditongo nasal

reduzido. Os resultados apontaram para o fato de que todos os falantes consideravam

natural a produção de num, em vez de não. Isso pode ser devido ao fato de a redução

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INTRODUÇÃO 30

do item de negação ser consequência da alta frequência do mesmo e a variação se

encontrar abaixo do nível de consciência dos falantes, em termos labovianos.

A partir dessas observações iniciais, consideramos mais apropriado analisar a

redução do ditongo nasal no advérbio de negação como um fenômeno à parte,

inserindo-se apenas em um plano mais genérico no grupo de estudos que pesquisam a

redução dos ditongos nasais no PB. Há importantes diferenças com relação aos seus

condicionamentos e ao julgamento dos falantes sobre sua variação.

Conforme argumentaremos neste trabalho, a redução do ditongo nasal no

operador de negação se justifica pela alta taxa de ocorrência do item no discurso

(HORN, 2001; FURTADO da CUNHA, 2001). Sendo bastante frequente, a redução pode

ocorrer em domínios fonológicos não esperados, como a sílaba acentuada, e perde

também a marcação que faz com que o processo seja considerado característico da

fala de indivíduos menos escolarizados.

Do mesmo modo, observamos que a distribuição entre as variantes plena e

reduzida do advérbio de negação não se comportava da mesma maneira que as outras

situações de redução de ditongo nasal, como as que ocorrem nas palavras garage ~

garagem, homi ~ homem e fizeru ~ fizeram, por exemplo. No caso de não e num, há

restrições de contextos em que podem ocorrer, como foi demonstrado por Ramos

(2002). O item num sempre ocorre diante de um verbo, como em (4), pode co-ocorrer

com a realização plena não, como em (5), e nunca pode aparecer no fim de um

enunciado, como em (6).

(4) O estagiário num/ não chegou a tempo da reunião.

(5) O estagiário num/ não chegou a tempo da reunião não.

(6) * O estagiário num/ não chegou a tempo da reunião num.

No entanto, Ramos (2002) apresenta essas restrições como efeito de

condicionamentos sintáticos, quando, na verdade, acreditamos que as razões que

levam ao diferente comportamento das formas sejam fonológicas. A hipótese central

desta tese é a de que há um processo de cliticização fonológica, que atua na redução

da forma não em num, fazendo com que as palavras tenham, na estrutura de

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INTRODUÇÃO 31

superfície, estatutos fonológicos diferentes e, por consequência, prosodizações

diferentes.

Consideramos que a palavra não seja, no PB, uma palavra funcional portadora

de acento lexical, cujo estatuto deveria ser definido como o de uma palavra prosódica

(ω). A palavra num, ao contrário, seria uma palavra funcional com propriedades de

clíticos, o que a tornaria não acentuada. Além disso, o fato de ser um clítico, faz com

que num tenha restrições fonológicas a respeito do domínio em que pode ocorrer. Por

exemplo, é consenso na literatura (ANDERSON, 2005; PEPERKAMP, 1997) que clíticos

sejam fonologicamente dependentes de hospedeiros, que podem ser uma ω, um

sintagma fonológico (ɸ) ou até mesmo um sintagma entoacional (IP). Essa

dependência envolve uma adjunção ao hospedeiro em função de ser um item

fonologicamente forte, i.e., prosodicamente proeminente. Consideramos que num

seja, de fato, um clítico também por ocorrer sempre diante de um verbo, mas nunca

em posição final da sentença, como demonstrado nos exemplos (4-6). Como

demonstraremos, essas posições estão relacionadas às fronteiras dos domínios

prosódicos, e não propriamente ao posicionamento sintático na frase.

A fronteira inicial de IP, por exemplo, é marcada pela ocorrência de um evento

tonal associado à primeira proeminência. Esse evento, que é descrito por um

movimento ascendente na curva de F0 (MORAES, 1997; CUNHA, 2000; FROTA &

VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007; SERRA, 2009; SILVESTRE, 2012;

TONELI, 2014; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo), pode

condicionar a ocorrência de mais formas não reduzidas nessa posição.

Igualmente, a fronteira direita do IP é caracterizada no PB por receber um

acento tonal descendente na proeminência do último ɸ e um tom de fronteira baixo.

Além disso, alguns correlatos duracionais, como a pausa e o alongamento silábico,

podem ocorrer nessa posição, mostrando-se decisivos na identificação e percepção

dessa fronteira (SERRA, 2009). Todos esses fenômenos tornam a fronteira direita do IP

uma posição fonologicamente forte e menos suscetível à ocorrência de formas

reduzidas. É esperado, portanto, que sejam percebidas mais realizações da variante

não nesse caso, assim como na fronteira inicial do IP.

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INTRODUÇÃO 32

Em um plano geral, buscamos observar o encaixamento da variação na

estrutura prosódica, visto que pretendemos demonstrar o condicionamento

prosódico/ entoacional do processo variável. Em um plano mais específico, nosso

principal objetivo é investigar os indícios que confirmem a hipótese de que não e num

têm estatutos fonológicos diferentes no PB, fruto de um processo de cliticização

fonológica. Para tanto, pretendemos encontrar evidências que sustentem a hipótese e

nos permitam caracterizar não como uma ω e num como um clítico.

Esta tese está dividida em seis capítulos. No capítulo dois, realizamos uma

revisão da literatura sobre a redução dos ditongos nasais, buscando nos apropriar de

considerações que sejam importantes para a análise. Abordamos também os trabalhos

que foram feitos a respeito da negação na perspectiva pragmática e na abordagem

funcionalista. Descrevemos, ao fim do capítulo, dois importantes trabalhos sobre a

negação: um que analisa o comportamento acústico da variante reduzida num

(CIRÍACO, VITRAL & REIS 2004) e outro que verifica o contorno entoacional das

sentenças negativas do PB (ARMSTRONG, BERGMANN & TAMATI, 2008; SOUSA, 2012).

No capítulo três, discutimos os principais postulados das teorias que utilizamos

para desenvolver a análise das variantes de negação, a Teoria da Variação e Mudança

(WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968 [2006]; LABOV, 1994), a Teoria da Hierarquia

Prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986) e a Fonologia Entoacional Autossegmental e

Métrica (LADD, 1996 [2008]; FROTA, 2000).

No capítulo quatro, descrevemos a metodologia empregada e os princípios que

nortearam a seleção do corpus. Além disso, apresentamos a variável dependente e os

grupos de fatores que foram considerados na análise.

Os resultados das variáveis linguísticas e sociais são descritos no capítulo cinco.

Tendo por pressuposição o fato de que o acento lexical é um importante indício para

descrever as variantes, verificamos as médias de duração dos itens, visto que a

duração é um dos correlatos acústicos do acento no PB (MORAES, 1995). Analisamos

também as curvas melódicas, a fim de buscar indícios entoacionais que confirmem a

hipótese de cliticização fonológica.

Finalmente, apresentamos no capítulo seis as conclusões a que chegamos a

partir da interpretação dos resultados e da análise entoacional dos dados.

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INTRODUÇÃO 33

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CAPÍTULO DOIS

PONTO DE PARTIDA

A negação tem sido apontada como uma propriedade humana que distingue

nossa espécie das demais, justamente pela capacidade cognitiva que temos de opor

coisas, de mentir ou de ser irônicos, por exemplo (HORN, 2001). Apesar disso, muitos

pensadores, filósofos e linguistas a consideram uma forma menos informativa e

específica que as proposições afirmativas (HORN, 2001).

O tema tem despertado a atenção de estudiosos desde a antiguidade clássica,

como as discussões de Platão, em O Sofista, ou de Aristóteles, que promoveu, em

quase todas as suas obras, um intenso estudo sobre a negação que perdura até hoje.

As relações lógicas, as condições de verdade de proposições negativas ou a atuação da

negação em quantificadores, por exemplo, tornaram o pensamento aristotélico

necessário para qualquer estudo semântico, filosófico ou pragmático da negação.

De outro lado, Platão discute o conceito de negação como o outro, aquilo que

não é o mesmo, e não como o oposto, que é a maneira como geralmente se pensa algo

negativo. Citando como exemplo a expressão algo não grande, o Estrangeiro de Eleia

argumenta que se trata de alguma outra coisa, mas que não é necessariamente

pequena; pode ser igualmente grande, mas é outra, o que parece ser fundamental na

sua classificação.

São tão resistentes os pensamentos aristotélicos associados à negação que a

maioria das definições sobre o assunto fazem alguma referência à questão lógica que

foi incorporada aos estudos filosóficos ou linguísticos, como é o caso da definição

apresentada por Castilho (2010) em sua gramática:

Operador* utilizado quando consideramos falso o conteúdo sentencial ou o conteúdo lexical. São operadores de negação não, nunca, jamais. A negação do conteúdo sentencial, ou proposição*, é chamada negação de re. A negação de um constituinte sentencial é chamada negação de dicto. (CASTILHO, 2010: 685)

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PONTO DE PARTIDA 35

Além desses aspectos lógicos, como a condição de verdade do conteúdo da

sentença, conforme declara Castilho, há outros aspectos pouco estudados sobre a

negação. Um desses é o ponto de vista que utilizaremos nesta tese para abordar o

assunto: a relação entre estrutura prosódica e variação fonética.

Como descrevemos no capítulo anterior, a negação pode se realizar no PB

como um elemento pleno, não, ou como um elemento reduzido, num. Defendemos a

hipótese de que essa realização variável depende do domínio prosódico em que

ocorre, visto que a regra de redução parece ser bloqueada na fronteira de

constituintes mais altos na hierarquia prosódica, como o IP, mas é licenciada em

fronteiras mais baixas, como uma posição interna a um ɸ.

Revisaremos, neste capítulo, os trabalhos mais significativos sobre o tema e

que podem trazer contribuições relevantes para sustentar nossas hipóteses. Faremos

uma descrição geral sobre a pragmática da negação, que pode nos ajudar a

compreender a distribuição das estratégias de negação (negação canônica, dupla

negativa e negativa final) nas situações de comunicação. Em seguida, descreveremos

os resultados dos principais trabalhos feitos sobre a negação do PB. A maioria desses

estudos se dedicou à questão sintática do tema, mas há alguns poucos que se

preocuparam com os aspectos da variação fonética entre não e num (RAMOS, 2002;

CIRÍACO, VITRAL & REIS 2004), e com os padrões entoacionais das três estratégias de

negação (ARMSTRONG, BERGMANN & TAMATI, 2008; SOUSA, 2012).

Antes, iniciamos com uma revisão sobre o fenômeno da redução dos ditongos

nasais na literatura sobre o PB. Embora seja um processo bastante amplo – por

envolver tanto verbos, como os casos de ausência de marca de concordância verbal

(GUY, 1981), nomes terminados por -gem (BOPP da SILVA, 2005), ou até mesmo

preposições e advérbios, como são os casos de com e ontem, respectivamente –,

parece ser um consenso o fato de que atinge sílabas átonas. Como veremos, o

processo que ocorre no advérbio não é um caso excepcional de redução em sílaba

tônica, dada à alta frequência do item.

2.1. Sobre a redução dos ditongos nasais

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PONTO DE PARTIDA 36

A passagem do advérbio não a num se insere em um processo mais amplo e,

aparentemente, mais difuso, que é a redução dos ditongos nasais. Este fenômeno, que

já foi largamente estudado na literatura do PB (VOTRE, 1978; GUY, 1981; BATTISTI,

1997, 2002; BOPP da SILVA, 2005; SCHWINDT e BOPP da SILVA, 2009; SILVA, FONSECA

& CANTONI, 2012; GOMES, MESQUITA & FAGUNDES, 2013), apresenta-se

estavelmente variável, atingindo, predominantemente, sílabas finais átonas (BATTISTI,

1997: 15).

A redução dos ditongos nasais é caracterizada como um processo de

monotongação de um ditongo, seguido ou não de cancelamento da nasal em coda, em

sílabas átonas finais (BATTISTI, 1997). Há um aparente consenso em tratar o fenômeno

como um caso de variável binária nos trabalhos relacionados ao tema (VOTRE, 1978;

LEE, 1995; BATTISTI, 2002; BOPP da SILVA, 2005). A oposição discreta que se

estabelece é entre manutenção ou redução do ditongo nasal. De um lado, podemos

citar como exemplo as palavras fizeram, órgão e homem que teriam preservado, na

sílaba átona final, o ditongo seguido de apêndice nasal. De outro, há a variante com o

apagamento por completo do apêndice nasal e a simplificação do ditongo, como em

fizeru, órgu e homi.

Os autores citam ainda um terceiro tipo que se caracterizaria pela manutenção

do apêndice nasal, apesar de o ditongo ser reduzido à vogal simples, como em fizerum

e órgum. Nos estudos de Battisti (2002) e Bopp da Silva (2005), esse seria um caso de

manutenção do ditongo nasal, visto que há apenas uma simplificação na vogal-núcleo.

A descrição de Pontes (1972) evidencia que um desmembramento dessa última

variante permitiria considerações mais precisas a respeito do fenômeno em português.

Embora em casos como fizerum e órgum a nasal seja mantida, há, nesses exemplos,

uma modificação na estrutura da rima silábica que não há em fizeram e órgão.

Naqueles, o núcleo da sílaba é simples (1b), enquanto, nestes, é ramificado (1a), como

se observa nas representações da palavra órgão a seguir:

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PONTO DE PARTIDA 37

(1a) δ δ 1 A R 1 R N C 1 1 / ˈᴐ R g ã w N/

(1b) δ δ 1 R A R 1 1 /ˈ ᴐ R g u N/

Seguindo essa perspectiva, o processo passa a ser interpretado de modo

escalar, e não como variantes discretas. A argumentação desenvolvida está alinhada a

um comentário de Votre (1978), que, embora não faça a distinção de três variantes,

reconhece a possibilidade de suas produções na variedade carioca. Segundo o autor

(VOTRE, 1978: 109, 110), a desnasalização dos ditongos seria resultado da operação de

duas regras ordenadas:

A primeira [regra] (/VN/ /V/) é uma regra variável de supressão total da nasalidade, isto é, tanto da articulação consonântica como do traço de nasalidade da vogal. A segunda regra variável (/VN/ /V/(n)) é de acréscimo de um traço de nasalidade para a vogal, com a presença, em certos casos, de uma articulação consonântica de transição

Parece-nos bastante claro, sobretudo a partir da observação dos dados

retirados do corpus, que casos de simplificação no núcleo silábico sem alterações

robustas do apêndice nasal são, não apenas licenciados, como também frequentes na

fala carioca. Conforme ponderou Battisti (1997: 12), esse fenômeno talvez seja

característico de algumas variedades do português brasileiro, o que reforça a

interpretação de que haja três variantes.

A variação não ~ num aponta para os casos em que a nasalidade é mantida,

mesmo que a vogal-núcleo tenha sido alterada. Ainda que possa ser apontado na

literatura (VITRAL, 1999; RAMOS, 2002; CIRÍACO, VITRAL e REIS, 2004) que a forma

plena não seja reduzida a nu, não fizemos essa distinção na amostra com que

trabalhamos. Se considerássemos, como faz a maioria dos pesquisadores, que os casos

em que há tão-somente simplificação da vogal-núcleo são tipos de preservação do

ditongo nasal, não haveria distinção entre não e num, o que não parece ser verdade,

até mesmo por conta de sua disposição na sentença, como veremos mais adiante.

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PONTO DE PARTIDA 38

Retomando as operações fonológicas apontadas por Votre (1978), deve-se

observar que há dois tipos de redução das formas plenas: um que admite dois

estágios, ou seja, passa por duas regras ordenadas, que é o caso de fizeram ~ fizerum ~

fizeru; e outro que passa por apenas uma regra, como não ~ num.

A partir desses fatores, consideramos que seria mais adequado interpretar que

há dois tipos possíveis de redução dos ditongos nasais. De fato, Guy (1981) não

distinguia os casos em que havia apenas simplificação do ditongo daqueles que tinham

apagamento da nasal. De acordo com o autor (GUY, 1981: 202), “it [a regra de elisão

da nasal] applies variably to unstressed final monophtongs, including those which arise

from underlying diphthongs by a process of reduction or contraction”1 [grifo meu].

Essa perspectiva traz consequências imediatas ao objeto de estudo desta tese,

uma vez que a variação entre não e num diz respeito à segunda regra de redução,

como postulada por Votre (1978).

Além do mais, como pretendemos ter demonstrado ao fim do capítulo, a

etiqueta ditongos nasais em sílabas átonas é tão genérica que engloba casos que

parecem obedecer a condicionamentos diferentes. Para restringir a argumentação a

apenas dois exemplos, observemos que há dois tipos de ditongos nasais em sílabas

átonas, [ãw] e [ey]. Percebe-se que o ditongo [ey] pode aparecer em palavras como

ontem e homem, mas também em passagem e politicagem. Estas palavras – derivadas

– podem sofrer condicionamentos morfológicos que aquelas não sofrem, uma vez que

não há sufixo em sua formação. Além disso, de acordo com o dicionário Houaiss, o

sufixo –agem pode ter origem no francês –age ou no provençal –aitge, sendo que em

nenhuma das duas línguas a partícula apresentava apêndice nasal. Muito

provavelmente, razões históricas podem motivar a desnasalização desses sufixos. Os

resultados encontrados por Battisti (2002) e Bopp da Silva (2006) reforçam essa

hipótese, porque, em suas amostras, os nomes terminados em –gem foram um dos

principais condicionadores da redução. Em outras palavras, a maior probabilidade de

palavras terminadas em –gem passarem por redução pode estar relacionada a fatores

1 “Aplica-se variavelmente a monotongos finais não acentuados, incluindo aqueles que surgem de

ditongos por um processo de redução ou contração.” (tradução minha)

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PONTO DE PARTIDA 39

morfológicos, e não apenas fonológicos (SCWINDT, 2014; SCHWINDT, BOPP da SILVA E

QUADROS, 2012).

Já o ditongo [ãw], que, de acordo com a análise de Bisol (1989), deve ser

descrito como um ditongo verdadeiro (embora possa sofrer redução), pode ocorrer em

substantivos, como órgão e órfão. A autora explica que essa redução em órgu e órfu se

deve a dois fatores: o ditongo pesado não recebe acento por razões de

extrametricidade do pé métrico e há uma reanálise dos falantes que permite a

mudança na vogal-núcleo. Além disso, esse mesmo ditongo também pode aparecer

em formas verbais de 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito, como fizeram e

chegaram. Nesse caso, há um falso ditongo2, segundo a análise de Bisol.

Por serem ditongos verdadeiros, os encontros vocálicos de órgão e órfão

deveriam receber acento, visto que, na estrutura subjacente, a rima é ramificada, logo,

pesada. O condicionamento para sua possível redução, como aponta Battisti (1997:

54), é distinto do que leva à redução em falsos ditongos, como os que se encontram

nas formas verbais. Como, então, analisar dados diferentes entre si sob a mesma

designação?

Assim, verificamos que o título genérico redução dos ditongos nasais, atrai

processos que (i) são distintos entre si e (ii) são resultantes de diferentes

condicionamentos (morfológicos, fonológicos ou sintáticos). Seria interessante um

desmembramento dos diferentes casos de redução, a fim de que pudesse ser

analisado de modo mais acurado cada um deles.

Os trabalhos a respeito do fenômeno costumam apontar que a redução é um

traço das variedades ditas menos cultas. Nascentes (1953), em estudo sobre o falar

fluminense, sugere que falantes cultos tenderiam a realizar os ditongos em sua forma

plena, ao passo que os falantes menos cultos apresentariam maior frequência de

redução. Esse dado é reforçado por Amaral (1955) para a fala de indivíduos do interior

do país. Entretanto, dados recentes demonstram que não há uma tendência exclusiva

entre os indivíduos mais escolarizados de ditongarem.

2 Os ditongos verdadeiros correspondem a duas vogais na estrutura subjacente, enquanto os falsos

ditongos correspondem a apenas uma vogal.

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PONTO DE PARTIDA 40

Em um estudo piloto (CASTRO et alii, 2014), apresentamos os resultados de um

levantamento de dados feito com base em entrevistas de falantes cultos e não cultos

do Rio de Janeiro. Foram coletados, na ocasião, dados de doze entrevistas do Projeto

Concordância (distribuídos entre homens e mulheres de três faixas etárias diferentes).

Os resultados, como mostramos na tabela a seguir, ajudam a compreender o porquê

de (i) a redução não ser exclusiva das variedades mais populares e (ii) a realização

plena não ser predominante nas variedades cultas.

Escolaridade Oco./ Total % de redução

Fundamental 166/ 642 26

Superior 61/ 456 13

Total 227/1098 21

Tabela 1: redução dos ditongos nasais em relação à variável escolaridade

Os resultados apresentados na Tabela 1 permitem algumas considerações. Em

primeiro lugar, o que se observa é a baixa porcentagem de aplicação da regra de

redução na amostra (21% de um total de 1098 dados). Outros estudos (VOTRE, 1978;

GUY, 1981) também constataram que se trata ainda de um processo pouco produtivo

no português brasileiro. Além disso, percebe-se que entre os falantes não cultos a

frequência de redução chega a 26%, enquanto entre os cultos fica em 13%. Embora

seja mais frequente nas variedades populares, esses índices mostram que o fenômeno

não é um traço que as caracterize, pois sua aplicação continua sendo baixa se

compararmos aos 74% de manutenção do ditongo nasal. Por esse lado, ambas as

variedades deveriam ser caracterizadas pela preservação dos ditongos nasais em

sílabas átonas, o que vai de encontro às descrições feitas por Nascentes (1953) e

Amaral (1955).

Relativizado, então, o peso das variedades mais populares como favorecedoras

da redução, é preciso destacar que não há subsídios que relacionem o processo como

uma marca do português brasileiro, visto que há uma vasta literatura relatando a

perda da nasalidade e a monotongação de ditongos (NASCENTES, 1953; CASTRO, 1991)

no percurso de formação da língua portuguesa.

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PONTO DE PARTIDA 41

Outro ponto que merece destaque é a correlação entre sílabas átonas e

redução. Votre (1978: 158), ao discutir os resultados obtidos para a variável

tonicidade, afirma que é uma tendência universal a preservação da consoante nasal

em posições tônicas, ao passo que as átonas teriam propensão ao apagamento. Guy

(1981: 202) adota uma postura mais categórica em relação à acentuação ao afirmar

que a regra da perda da consoante nasal não se aplica em sílabas finais acentuadas,

como nas formas verbais do futuro do presente farão e chegarão, nem em nomes,

como coração e mão. Segundo o autor, casos como homem e viagem revelam um

monotongo na estrutura de superfície, fruto do processo de redução do ditongo, e, por

isso, esses exemplos podem ter a perda da nasal.

Do mesmo modo, Battisti (2002: 183) enfatiza que os ditongos nasais “sempre

se mantêm” em sílabas acentuadas. Para tanto, cita como exemplo as palavras jargão,

falarão, também e amém, cujas sílabas finais são tônicas e, portanto, não permitiriam

a aplicação da regra variável de redução. Bopp da Silva (2005) partilha a mesma ideia

de que sílabas acentuadas sempre preservam o ditongo. Entretanto, deve-se observar

que o advérbio não é um monossílabo tônico que admite a aplicação da regra variável

de redução (VOTRE, 1978; VIGÁRIO, 1998).

Cabe destacar o fato de que não é um item com elevada frequência de

ocorrência, o que o torna mais suscetível à atuação de processos como a redução.

Inúmeras palavras nas línguas naturais exemplificam a possibilidade de redução em

função da alta frequência (HOPPER & BYBEE, 2001; BYBEE, 2007).

Conforme retomaremos no capítulo 3, há também estudos que mostram,

especificamente, que monossílabos tônicos (e não apenas palavras maiores) podem

sofrer redução em outras línguas, como no inglês. Selkirk (1995) aponta que essa é

uma propriedade de certos verbos modais e preposições do inglês que são instâncias

de palavras funcionais. Sendo assim, levantamos a hipótese de que o não

representaria uma palavra funcional no português, de modo que em alguns contextos

pode ser produzido como a variante num. Assumimos também que os contextos estão

relacionados à posição que ele ocupa na sentença:

(2) João não/num1 apareceu aqui não/*num2.

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PONTO DE PARTIDA 42

Na sentença em (2), verificamos que o advérbio de negação pode aparecer em

duas partes da sentença: precedendo um verbo, posição marcada pelo índice subscrito

1 no exemplo; e no fim da oração, posição marcada com o índice 2. Apenas a posição 1

admite variação, enquanto, na posição 2, o ditongo se mantém categoricamente.

Esses fatos trazem novas perspectivas de análise do processo de redução dos

ditongos nasais, uma vez que os trabalhos anteriores restringiam o nível de análise a

constituintes mais baixos da hierarquia prosódica – mais especificamente, restringiam

à sílaba e à palavra (GUY, 1981; BATTISTI, 1997; BOPP da SILVA, 2005; BOPP da SILVA e

SCHWINDT, 2006). Battisti (1997) inclui o pé como domínio de operação da regra de

redução, porque, segundo sua análise, a redução atuaria em favor de uma má

formação estrutural de certas palavras. Como foi apontado por Bisol (2005), é um

problema de descrição e de análise o fato de o ditongo em vocábulos como órgão ou

órfão não receber o acento. O estudo de Bisol tenta explicar o porquê de o ditongo ser

átono (questões relacionadas à extrametricidade do pé, como discutimos acima). Já o

estudo de Battisti se propõe a explicar a razão de os ditongos serem apagados nestas

palavras, e não em palavras como coração ou mão. Além da tonicidade, naqueles

casos, a possibilidade de redução dos ditongos corrige a má formação do pé,

transformando um pé pesado em leve.

No entanto, o enunciado do exemplo (2) parece sugerir que nem a sílaba, nem

o pé métrico, nem a palavra sejam o escopo da aplicação da regra de redução. Se a

operação desta regra variável estivesse limitada a um desses domínios, não haveria

bloqueio na posição marcada com o índice subscrito 2. O mesmo acontece numa

resposta absoluta a uma pergunta total do tipo sim/não:

(3) O João apareceu aqui? Não/ *Num.

Os enunciados dos exemplos (2) e (3) nos fazem perceber que o domínio de

aplicação para a regra de redução do ditongo nasal pode estar relacionado a fronteiras

mais baixas da estrutura prosódica, como a palavra, uma vez que parece ser

bloqueado em fronteira de IP. Analogamente, Serra & Callou (2013, 2015) têm

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PONTO DE PARTIDA 43

demonstrado que o cancelamento do rótico em coda silábica também parece ser mais

frequente em níveis mais baixos da hierarquia prosódica. Desse modo, tentaremos

encontrar indícios que confirmem nossa hipótese de que a fronteira de IP inibiria a

realização da variante reduzida.

2.1.1. Sobre os estudos anteriores sobre redução dos ditongos nasais

Alguns estudos têm proposto uma descrição sistêmica e uma análise

variacionista da redução dos ditongos nasais (VOTRE, 1978; GUY, 1981; BATTISTI, 1997,

2002; BOPP da SILVA, 2005; SCHWINDT e BOPP da SILVA, 2009). Ainda que exista a

hipótese de que o fenômeno é uma marca da fala popular (NASCENTES, 1953;

AMARAL, 1995), nem todos concordam com essa interpretação.

Nesse conjunto, os trabalhos de Votre (1978) e Guy (1981) se destacam não

apenas por serem os primeiros a dar um tratamento sociolinguístico ao fenômeno,

mas por não tratarem estritamente de redução dos ditongos nasais. Votre buscou

observar a manutenção das vibrantes e das nasais em coda silábica em contexto de

final de palavra, enquanto Guy investigou a interação variacionista entre sintaxe e

fonologia na queda da marcação de plural em exemplos de concordância nominal e

concordância verbal.

Votre (1978: 15) sublinha a necessidade de uma pesquisa que investigue os

fenômenos variáveis que ocorrem na fala de analfabetos adultos, uma vez que

descobrir o funcionamento e os condicionamentos das regras que atuam em suas

produções pode trazer contribuições para o ensino. Para tanto, o autor utilizou um

material de gravações espontâneas com treze informantes do Rio de Janeiro, dentre os

quais nove estavam em estágio de alfabetização. Há um estudante do ensino médio e

três não alfabetizados que são utilizados apenas como grupo de comparação.

A metodologia utilizada pelo autor se baseia no tratamento quantitativo de

análise de dados, conforme elencado nos pressupostos da sociolinguística

variacionista. A variável dependente opõe realizações que retém a nasalidade final de

vocábulos a realizações que apagam esse segmento final. Embora a hipótese do autor

parta da assunção de que a tonicidade desempenharia um papel favorecedor à

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PONTO DE PARTIDA 44

preservação da nasal em coda final, os dados da amostra não foram limitados a sílabas

átonas. A tonicidade, ao contrário, foi uma das variáveis linguísticas controladas na

análise, opondo palavras que tenham a última sílaba tônica, como assim e alguém, a

vocábulos em que a última sílaba é átona, como ássim e viagem (VOTRE, 1978: 113).

As outras variáveis independentes do estudo, além da tonicidade, foram

número de sílabas do vocábulo, classe morfológica, vogal do ditongo, contexto

fonológico precedente, contexto fonológico subsequente e aspecto suprassegmental.

Essa última variável diz respeito à distância da sílaba com nasal em coda para a

próxima tônica; controla também se há uma pausa após a nasal. De acordo com o

autor (1978: 113), “esperava-se que quanto mais próximas estivessem as duas sílabas,

mais alta deveria ser a probabilidade de a nasalidade manter-se, por uma espécie de

‘saliência de enunciação’”. Esse grupo é especialmente relevante para o nosso

trabalho, pois seus resultados identificam que a pausa é um fator de retenção da

nasalidade. Conforme abordaremos no capítulo 5, a pausa é uma importante pista

acústica da fronteira de IP no PB (SERRA, 2009), contexto que bloqueia alguns

processos fonológicos. Esse, aliás, é um dos indícios que pode ajudar a explicar a

inibição da forma reduzida num na fronteira de IP (ver capítulo 5).

Os dados foram submetidos a tratamento estatístico sequencialmente, de

modo que se pudessem refinar essas variáveis linguísticas. Foram três procedimentos

estatísticos, chamados de categorização inicial, em que eram testados dados de

apenas cinco informantes; categorização intermediária, em que foram incluídas

variáveis sociais (sexo, idade e escolaridade) para o controle dos dados de todos os 13

informantes; e categorização final, em que apenas os fatores significativamente

relevantes de cada variável foram testados.

Além disso, o autor apresentou dados ao longo do texto de como teria se

comportado cada um dos informantes da amostra em relação a cada grupo de fatores,

o que já permite uma generalização sobre o papel que os falantes, isoladamente,

desempenham no processo.

Na categorização inicial, interessa-nos o resultado dos advérbios, que tiveram

probabilidade de .26 de preservar a consoante nasal, ou seja, de não ter redução. Esse

resultado foi um dos mais baixos dentre as classes de palavras investigadas e ainda

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PONTO DE PARTIDA 45

assim pode ter sido uma influência da forte redução que atinge o não. O contexto de

pausa, dentro do grupo Contexto Fonológico Subsequente, também se mostrou

favorecedor à manutenção da nasalidade, com .63 de probabilidade.

Chama ainda atenção a propensão ao apagamento da nasal que as vogais com

o traço [+ alto] apresentam, em oposição ao favorecimento da preservação em

contexto de vogais com traço [- alto]. Aquelas têm probabilidade de .87 de manterem

a nasal, enquanto estas, de .13. Entretanto, cabe uma ressalva a respeito desses

valores: são incluídas no grupo de vogais altas, as vogais /i/ e /u/, como em assim,

dizim, num, e fórum. Todos os dados com /i/ são tônicos, o que enviesa os resultados,

já que esse é um contexto francamente favorecedor da manutenção da nasalidade,

conforme hipótese do autor (1978: 113). Além disso, dos quase 13.000 dados de que

dispõe a amostra, mais da metade (6535) são dados de num. A partir desses fatos,

percebe-se que os valores apresentados são poucos confiáveis, frutos de um problema

metodológico, que, apesar de não invalidarem a análise, merecem questionamentos,

como os feitos por Guy (1981: 207).

Na categorização intermediária, as rodadas são apresentadas amalgamadas em

função do grupo social específico (alfabetizandos jovens ou alfabetizandos idosos, por

exemplo). Foram também incluídas as variáveis sociais sexo, idade e escolaridade.

Quanto ao gênero dos informantes, os resultados demonstraram que os

homens jovens e as mulheres idosas preservam mais que os homens idosos e as

mulheres jovens. Há, portanto, uma tendência de troca de papéis conforme se

observam faixas etárias diferentes. Quanto à idade dos informantes, percebeu-se que,

no grupo de alfabetizandos, os mais velhos mantêm mais a nasal que os mais jovens.

Finalmente, a respeito da escolaridade, o autor conclui que a escola é fundamental na

preservação da nasal, uma vez que os falantes não alfabetizandos tiveram índices de

probabilidade superior aos alfabetizandos.

Na categorização final, as rodadas são apresentadas por indivíduo, e não mais

por variável social. As considerações que os resultados possibilitam fazer são as de que

os alfabetizandos retêm menos a nasal em coda que os não alfabetizandos, bem como

a tendência de que se a desnasalização em coda final é um processo “relativamente

uniforme, sem flutuações drásticas” (VOTRE, 1978: 155).

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PONTO DE PARTIDA 46

Outra conclusão apresentada é a de que monossílabos tendem a manter as

nasais mais que polissílabos. A explicação, de acordo com o autor, poderia estar

relacionada ao Princípio da Saliência Fônica (NARO e LEMLE, 1976), pois em vocábulos

menores a nasalidade teria maior saliência, o que dificultaria seu cancelamento. O

resultado também confirma que o item num é responsável por enviesar os valores dos

alfabetizandos em relação aos não alfabetizandos. Também se concluiu que a

nasalidade pode ser mais facilmente suprimida nos casos em que não tem valor

morfêmico e em formas verbais não pretéritas, o que também pode ser explicado a

partir do nível de saliência fônica que essas formas apresentam. É muito mais saliente

a marcação do pretérito, por meio da desinência de modo e tempo, como em comeu-

comeram, que a marcação do presente, como em come-comem. Isso ajuda a explicar

por que formas não pretéritas tendem ao apagamento da marca de concordância mais

que as formas pretéritas.

Guy (1981), por sua vez, investiga a perda da marca de concordância nos casos

de plural de nomes, por meio do morfema –s, e ligação verbo-sujeito, por meio do

morfema –m. É, especificamente, este último caso que nos interessa, visto que

envolve o processo variável de perda ou manutenção da nasalidade.

O autor retoma o trabalho de Williams (1975) e percebe uma semelhança entre

a regra variável de apagamento da nasal no estágio sincrônico do português brasileiro

e o processo de desnasalização ao longo da história da língua portuguesa. Segundo o

panorama descrito por Williams, a desnasalização teria raízes na síncope do /n/

intervocálico. Se fosse gerado um monotongo átono final, o processo de apagamento

da nasalidade ocorreria. Um caso relatado é a passagem de homen (< homine) para

home. Se fosse gerado um ditongo átono final, o processo poderia ocorrer em alguns

dialetos, enquanto em outros seria preservado. É o caso de órfão (< orphanus) para

órfu. Ainda, segundo a descrição de Williams, se o resultado da síncope do /n/ fosse

um monotongo ou ditongo em sílaba acentuada, haveria manutenção da nasalidade.

Guy (1981: 202) afirma que o apagamento da nasal ocorre variavelmente

apenas em monotongos finais não acentuados, enquanto, categoricamente, a regra

não se aplica a ditongos ou sílabas portadoras de acento. A novidade, segundo o autor,

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PONTO DE PARTIDA 47

seria o apagamento na desinência número-pessoal de 3ª pessoa do plural –m, por vir

de marca flexional –nt do latim, e não da síncope da nasal.

Guy parte das variáveis independentes propostas por Votre (1978), bem como

de seus resultados, para fundamentar suas hipóteses e estruturar a metodologia de

análise. De acordo com Guy, há evidências de que vogais acentuadas não sofrem o

apagamento da nasalidade, por isso não foi incluído na análise o grupo de fatores

tonicidade, ao contrário do trabalho de Votre (1978).

Os contextos precedentes e subsequentes também foram investigados pelo

fato de o português ter um histórico de assimilação regressiva e progressiva no que

tange à nasalidade. Assim, a nasal poderia ser retida ou suprimida mais facilmente por

conta do ambiente fonético. Também por considerar uma perspectiva fonética do

processo, o autor não credita relevância à influência que a classe gramatical da palavra

teria na atuação da regra, uma vez que esta variável é morfológica. Por isso, essa

variável é utilizada como forma de controle com vistas à confirmação desta hipótese.

O autor inclui ainda grupos de fatores sociais, como a idade e o sexo dos

falantes, bem como o estilo de fala.

Como citamos anteriormente, Guy (1981: 208) discute alguns resultados

obtidos por Votre, como o do contexto fonético precedente. Segundo suas hipóteses,

é esperado que a nasal seja retida quando houver uma consoante nasal na posição de

ataque silábico, porque poderia haver atuação da regra de assimilação progressiva,

como em muito, que pode ser pronunciado [ˈmuytʊ]. Nos dados de Votre, ao contrário

do que se esperava, esse contexto desfavoreceu a manutenção da nasal, com

probabilidade de .70. Entretanto, o valor percentual para o fator é de 21,7%. Esse

descompasso entre taxa de probabilidade e percentual poderia ser explicado, segundo

Votre, pelo fato de aproximadamente 80% dos casos de consoante nasal no contexto

fonético precedente ser de num. Guy (1981: 208) destaca que o problema é considerar

num um caso de palavra acentuada, quando, na realidade, deveria ser tratado como

vocábulo átono com alta probabilidade de preservação da nasal. Assim, Guy opta por

excluir do corpus os monossílabos que podem ter variação na tonicidade, como não e

bom.

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PONTO DE PARTIDA 48

Um ponto importante que Guy cita brevemente é a ocorrência de não junto a

um verbo, posição em que se cliticiza (1981: 208). Nessa posição, segundo o

julgamento que o autor fez dos dados do seu corpus, é frequente que não apareça em

sua forma átona num. Cabe citar o trecho para demonstrar que a observação dos

dados que fazemos é uma tendência do português brasileiro, como demonstram

também Ramos (2002) e Ciríaco, Vitral & Reis (2004): “one often hears sentences like

num vai não ‘don’t go’, less often não vai; but não vai num is certainly impossible”3

(GUY, 1981: 208).

Quanto ao aspecto social, os resultados apontam que as mulheres tendem a

apresentar menos dados de desnasalização que os homens, com uma distribuição

probabilística de .61 de apagamento da nasal para os homens e .39 para as mulheres.

Para o grupo de fatores idade, não foram encontrados resultados significativos de

mudança, mas de uma variação estável.

A análise de Battisti (1997) visa a explicar a redução que pode atingir sílabas

com ditongos nasais, embora trate também da assimilação do ponto nasal-oclusiva e

do surgimento do ditongo ão. Uma das hipóteses da autora é que modelos baseados

em regras ordenadas ou regras que atuam em níveis diferentes não conseguem

descrever os casos de nasalização. Para tanto, vale-se de uma teoria que substitua

regras por princípios e aplicação/não aplicação por restrições hierarquizadas violáveis,

a Teoria da Otimalidade (PRINCE e SMOLENSKY, 1993).

A variação entre uma forma plena e uma forma reduzida é condicionada pela

interação entre as restrições na hierarquia proposta. O português apresenta um

sistema trocaico, que é sensível ao peso silábico e chamado troqueu moraico. Para

uma palavra ser considerada bem-formada, deve, entre outros motivos, ter acentuada

a sílaba pesada, que pode ser um núcleo ramificado ou uma coda preenchida, por

exemplo. O ditongo nasal constitui, logo, uma sílaba pesada, embora não seja

acentuado em casos como jovem ou órgão. Esse caso é uma exceção ao padrão rítmico

da língua.

3 “Pode-se ouvir frequentemente sentenças como num vai não, menos frequente não vai, mas não vai

num é certamente impossível” (tradução minha)

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PONTO DE PARTIDA 49

Sabe-se ainda que esse ditongo pode aparecer em sua forma plena,

preservando o ditongo nasal, ou reduzida. Há, na escolha de uma forma reduzida como

candidato ótimo, o alto ranqueamento de restrições prosódicas, como as de Pé, que

atuam na formação do sistema rítmico das línguas naturais.

A emergência de jovi, em vez de jovem, por exemplo, é explicada por uma

tentativa de que troqueus bem-formados sejam as formas de output. Em outras

palavras, a língua retira o peso moraico da sílaba que é pesada, mas não é acentuada,

como jovem e órgão que tem ditongo e coda preenchida. Dessa forma, emergem

palavras com boa formação, como o troqueu bimoraico jovi e órgu.

É, inclusive, por esse motivo que Battisti (1997) não pode assumir que sílabas

com monotongação e manutenção da nasal, como órgun, sejam casos de redução. Em

órgun, a sílaba continua sendo pesada, visto que a nasal ocupa a coda final. Considerar

esses casos como redução de ditongos nasais seria um problema para a confirmação

da hipótese de seu trabalho.

Bopp da Silva (2005) toma a análise variacionista feita por Battisti (2002) como

ponto de partida para ancorar suas hipóteses e comparar os resultados. O objetivo

geral da autora é controlar variáveis sociais e linguísticas, de modo que se identifiquem

quais fatores condicionam a redução dos ditongos nasais. Já o objetivo específico

refere-se ao peso que o fator bilinguismo tem na aplicação da regra variável, se a

favorece ou a desfavorece. Para tanto, o corpus utilizado contempla falantes bilíngues

do português e do alemão, residentes de Panambi, cidade do interior do Rio Grande do

Sul, e, também, falantes monolíngues, moradores de Porto Alegre.

O estudo de Battisti (2002) revelou um favorecimento da variável localização

geográfica como condicionadora da redução dos ditongos nasais. Com base nisso,

Bopp da Silva propõe que o bilinguismo, encontrado em certas colônias de imigrantes

europeus no Rio Grande do Sul, possa influenciar também o processo. Descobriram-se,

do mesmo modo, indícios de que há uma maior preservação dos ditongos nasais em

localidades de bilinguismo, como Panambi, por meio do Atlas Linguístico-Etnográfico

da Região Sul do Brasil (ALERS).

A partir desses referenciais, a autora levanta a hipótese de que o sistema

linguístico do alemão, que não apresenta vogais nasais, pode ter um papel decisivo na

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PONTO DE PARTIDA 50

manutenção dos ditongos nasais em contexto e sílaba átona final. Os falantes

bilíngues, ao aprenderem o português, tenderiam a reforçar a nasalidade desses

ditongos, evitando, assim, que se reduza.

A amostra do estudo foi organizada a partir das gravações de 24 informantes,

selecionados de acordo com o bilinguismo/monolinguismo, a idade e a escolaridade.

Utilizaram-se três faixas etárias para distinguir os falantes, bem como dois níveis de

escolaridade (até quatro anos de estudos e de nove a doze anos de frequência

escolar). A variável sexo, cuja relevância não foi identificada por Battisti (2002), não foi

controlada na pesquisa, visto que não permitiria o preenchimento adequado das

células de informantes.

A variável dependente do trabalho é a redução da nasalidade em ditongos no

contexto de sílaba átona final, podendo ter duas variantes: perda total da nasalidade

ou manutenção da nasalidade. Os casos em que há alteração na qualidade vocálica do

núcleo com preservação da nasalidade, como ontim ou órgum, são considerados pela

autora exemplos de não aplicação da regra de redução. Vale observar o trecho em que

isso é afirmado:

Nesses casos, o que se altera é o ditongo, que se reduz, mas a nasalidade continua preservada na sílaba em questão. Em surgindo em nossos dados ocorrências deste tipo, estas serão contempladas no grupo preservação, ou seja, serão consideradas casos de não-aplicação da regra, visto que o traço de nasalidade é mantido e o que nos interessa, no âmbito da variável dependente, é a redução da nasalidade, e não alterações nas vogais do ditongo (BOPP DA SILVA, 2005:104).

As variáveis linguísticas controladas por Bopp da Silva (2005) na análise

multidimensional dos dados foram as seguintes: vogal do ditongo, se média (viagem)

ou baixa (cantam); consoante do onset (anterior, posterior, nasal ou vazio); contexto

seguinte (consoante nasal, consoante não nasal, vogal ou pausa); tonicidade do

contexto seguinte (tônico ou átono); e classe de palavras. Já as sociais, como citamos,

foram idade, escolaridade e bilinguismo.

Foram reunidos 1728 dados, dos quais 31% correspondem à redução dos

ditongos nasais, enquanto 69%, à não aplicação da regra variável. Dentre os resultados

obtidos na pesquisa, destacam-se os da variável bilinguismo e de classe de palavras.

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PONTO DE PARTIDA 51

No primeiro caso, ficou confirmado que falantes monolíngues tendem a reduzir

mais os ditongos nasais que falantes bilíngues. A distribuição probabilística ficou em

0.41 para falantes bilíngues e 0.61 para os monolíngues, o que pode ser explicado

(BOPP da SILVA, 2005: 120) pela aprendizagem do português via escolarização. Os

bilíngues aprenderam, de acordo com Bopp da Silva, o português através da

frequência escolar, enquanto os monolíngues o teriam feito no uso cotidiano. Sendo a

escola ainda uma instituição formal, que trabalha, em muitos casos, com o conceito de

língua mais próxima à modalidade escrita, é provável que os bilíngues preservem mais

os ditongos nasais que os demais.

A autora assume que os mais velhos tenham maior influência da língua alemã e

que os mais jovens teriam menor contato com a língua e, portanto, apresentariam

menor interferência do alemão. A explicação para a hipótese é que os mais jovens

teriam sido criados em novas condições sociais (maior acesso aos meios de

comunicação, aumento da mobilidade, e interferência direta da escolarização regular),

o que reduziria o contato com a outra língua. Essa generalização é confirmada pelo

cruzamento das variáveis idade e bilinguismo, pois entre os falantes bilíngues os mais

idosos têm 17% de redução, enquanto os mais jovens, 30%.

O outro destaque dos dados da pesquisa de Bopp da Silva foi o grupo classe de

palavras, que se dividia nos seguintes fatores: nomes em -gem, nomes (adjetivos e

substantivos), verbos na forma pretérita e verbos na forma não pretérita. Foi

confirmada, na amostra, a tendência que a terminação -gem tem à redução, com peso

de relativo de 0.70. Embora não tenham sido considerados dados que admitem duas

entradas lexicais, como garagem e garage, a maior probabilidade de reduzir o ditongo

pode estar, portanto, relacionada a um fator histórico da própria terminação.

Na próxima subseção, descreveremos os principais trabalhos elaborados sobre

a negação, do ponto de vista semântico-pragmático, e sobre o operador de negação e

a sua distribuição em três diferentes tipos de construção, do ponto de vista sintático-

fonológico.

2.2. Sobre a negação

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PONTO DE PARTIDA 52

A negação padrão, enquanto universal linguístico, pode se manifestar nas

diferentes línguas naturais fonológica, morfológica, lexical ou sintaticamente (PAYNE,

1985; MIESTAMO, 2007). Chama-se negação padrão todo tipo de proposição que tem

seu valor de verdade revertido por um operador negativo, que pode ser, entre outras

coisas, um afixo, como na língua letã (exemplo em 4), uma partícula não flexionada,

como no francês, ou um verbo auxiliar, como no finlandês (exemplo em 5)

(MIESTAMO, 2007: 553, 554).

(4) (adaptado de Miestamo, 2007: 553)

a. tēv-s strādā pļava

pai-NOM trabalhar

3ªp.sg.

prado LOC.

‘Pai está trabalhando no prado’

b. tēv-s ne-strādā

pai-NOM NEG-trabalhar 3ªp.sg.

‘Pai não está trabalhando’

(5) (adaptado de Miestamo, 2007: 554)

a. koira-t haukku-vat

cachorro-PL latir-3ªp.pl.

‘Cachorros latem’

b. koira-t ei-vät haukku-vat

cachorro-PL NEG-3ªp.pl latir-3ªp.pl.

‘Cachorros não latem’

No PB, os expedientes utilizados para negar um enunciado declarativo são

frequentemente lexicais, embora possa também ocorrer algum prefixo com valor de

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PONTO DE PARTIDA 53

negação, como des-. A manifestação lexical da negação envolve pronomes (nada e

ninguém) e advérbios (nem e nunca), como é demonstrado nos exemplos de (6) a (10).

Contudo a negação padrão é expressa, majoritariamente, no PB pelo advérbio não

(MOURA NEVES, 2000), que pode se realizar com o ditongo nasal, [nãw], ou em sua

forma reduzida [nu]. Dos outros expedientes lexicais citados nos exemplos de (6) a

(10), os únicos que admitem a co-ocorrência com não na mesma oração são nada e

ninguém, como no exemplo (11):

(6) João desfez o nó da gravata.

(7) João viu nada na estrada.

(8) Ninguém viu o acidente na estrada.

(9) Ele nem viu o acidente na estrada.

(10) Ele nunca foi ao Japão.

(11) João não viu nada/ ninguém na estrada.

Destaca-se que os pronomes nada e ninguém em (11) estão em posição de

argumento interno do verbo ver. Caso esses pronomes ocupassem a posição de

argumento externo, o enunciado se tornaria agramatical, como atestam os exemplos

em (12)4:

(12) a. * Ninguém não viu o acidente na estrada.

b. * Nada não aconteceu na estrada.

De acordo com Negrão et alii,

Se um item negativo, como nada, nenhum, ninguém, nunca, jamais, ocorre em posição pré-verbal, ele não só dispensa o uso do não (evidenciando uma distribuição complementar entre o operador negativo e itens negativos de uma maneira geral), mas também funciona como um elemento que autoriza a eventual presença de outros itens negativos em posição pré-verbal (NEGRÃO et alii, 2002: 364)

4 Vitral (1999) afirma que, em alguns dialetos, essas frases seriam bem formadas.

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PONTO DE PARTIDA 54

Alguns exemplos de co-ocorrência de itens negativos em posição anterior ao

verbo são os que aparecem nos enunciados em (13), pois, no exemplo a, as palavras

nenhum e jamais antecedem o verbo voltar e, no exemplo b, são os vocábulos

ninguém e nunca que aparecem antes do verbo encontrar:

(13) a. Nenhum político jamais volta aos bairros depois das eleições.

b. Ninguém nunca encontrou o tesouro.

A ocorrência de elementos negativos é permitida, desde que não envolva o

operador negativo não, que parece ser bloqueado quando ocupa a posição pré-verbal

(NEGRÃO et alii, 2002), mesmo que o item negativo ocupe a posição de Spec de TP e o

operador de negação ocupe NegP (POLLOCK, 1989). Caso o item não seja deslocado

para o fim do enunciado, as frases são licenciadas, como é demonstrado abaixo nos

exemplos em (14), que são uma releitura de (12).

(14) a. Ninguém viu o acidente na estrada não.

b. Nada aconteceu na estrada não.

Esse tipo de construção, conhecida como negativa dupla (RONCARATI, 1997;

FURTADO DA CUNHA, 2000; SWENTER, 2004; SOUSA, 2012), é frequente no PB e pode

ocorrer com todos os elementos de negação apresentados nos exemplos de (6) a (10).

Alguns autores relacionam seu uso à expressão da ênfase ou reforço da negação.

Negrão et ali (2002: 357) afirmam que não foram encontrados no corpus do trabalho

dados de co-ocorrência de itens negativos com não adjacente ao verbo, mas a

ocorrência de não no fim da sentença funciona como uma “reafirmação da negação”,

como seriam os exemplos em (14). Mesmo assim, alguns exemplos demonstram que o

realce entoacional não é uma característica exclusiva da construção dupla negativa.

Podemos imaginar uma situação em que um suspeito é interrogado por autoridades

policiais e, ao ser questionado reiteradamente sobre sua participação em uma

atividade ilícita, responde: “eu NÃO tenho participação no caso!”. O dado tem por

base uma estrutura canônica de negação e configura um caso de ênfase, através da

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PONTO DE PARTIDA 55

qual o falante reforça a negação do pressuposto (ter participação no caso ilícito).

Sendo assim, como questiona Swenter (2004), parece que a ênfase não serve como

argumento único para explicar o surgimento e o uso contínuo das estruturas de

negativa dupla no PB, já que também pode ocorrer em estruturas de negação

canônica. Ao contrário, esse tipo de construção parece ser sensível à informação

semântica e pragmática, como a noção de informação nova e informação velha no

discurso. As noções de escopo e de foco tornam-se, dessa maneira, relevantes para

entender os contextos em que a construção de dupla negativa pode ocorrer no PB.

A negação pode ter como escopo uma oração ou apenas algum constituinte da

oração (MOURA NEVES, 2000), embora o foco possa incidir sobre um constituinte

específico. Essa diferenciação se faz necessária, porque o escopo se refere ao nível

sintático-semântico do enunciado, enquanto o foco diz respeito ao destaque

entoacional dado a uma porção do enunciado. Entretanto, o foco pode interferir no

escopo da negação, particularizando-o ao constituinte destacado, como demonstrou

Jackendoff (1972). Em um enunciado como aquele expresso em (15), o escopo da

negação é apenas o constituinte [o livro], porque não se nega o valor de verdade da

proposição, mas sim uma parte específica da proposição. De acordo com a análise

elaborada por Frota (2000), pode-se considerar este exemplo um caso de foco

contrastivo, em que um constituinte específico é focalizado e apresenta um contorno

melódico distinto do de uma declarativa neutra. A retificação do enunciado de (15) em

(15a) só é possível, porque existe um foco individualizado da negação no constituinte

[o livro]. Do contrário, se o enunciado tivesse sido produzido como uma asserção

neutra, seria impossível obter o mesmo significado de correção ou retificação.

(15) O menino não encontrou O LIVRO na estante.

(15a) O menino não encontrou O LIVRO na estante; encontrou o caderno.

(15b) * O menino não encontrou o livro na estante; encontrou o caderno.

Independente de o foco da negação recair sobre a oração ou algum

constituinte, o advérbio não tem sido identificado como um operador enfático por

alguns trabalhos (MIOTO, 1991; MARTINS, 1997; MOURA NEVES, 2000; FURTADO DA

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PONTO DE PARTIDA 56

CUNHA, 2001, entre outros). Contudo, conforme pretendemos evidenciar nesta tese,

nem todos os casos de não (ou num) estão relacionados a um acento de ênfase; ao

contrário, estes casos constituem um grupo bastante reduzido e com características

entoacionais e prosódicas muito particulares (para mais informações, ver capítulo 5).

Do ponto de vista pragmático, Swenter (2004) analisa que a ênfase não pode ser

caracterizadora da negação no PB, porque não explica em que condições cada tipo de

negação pode ser aplicada, ou seja, a ênfase não distingue em que contextos um

falante prefere uma construção de negação padrão e em que contextos a preferência é

pela negativa dupla. O autor (2004: 1434) exemplifica um contexto em que a produção

enfática parece ser natural, mas a ocorrência da dupla negativa não é licenciada: um

indivíduo, andando pela rua, se lembra de que havia se esquecido de desligar o fogão e

profere “Nossa, eu não desliguei o fogão (*não)!”. A impossibilidade de ocorrer uma

negativa dupla reforça o fato de que a ênfase não particulariza, nem distingue os tipos

de negação, visto que, em “Nossa, eu NÃO desliguei o fogão (*não)!”, um acento

enfático pode estar associado ao operador de negação pré-verbal, mas não pode

aparecer um não ao fim do enunciado. Esse caso revela, semanticamente, uma quebra

na expectativa do falante, que acreditava ter desligado o fogão. Segundo Swenter, a

negativa dupla não pode ocorrer quando as expectativas do falante são novas, o que

sugere que este tipo de negação é sensível à estrutura informacional do discurso, e

não à ênfase. Se alterarmos o contexto proposto anteriormente, de modo que a

informação sobre “desligar o fogão” seja uma informação velha, a negativa dupla é

licenciada. Neste novo contexto, dois indivíduos conversam na rua e um deles

pergunta “você desligou o fogão, né?”, ao passo que o outro responde “Nossa, não

desliguei não!”. A negativa dupla se torna possível justamente pelo fato de a

informação sobre desligar o fogão já ter sido introduzida no discurso pelo primeiro

interlocutor, o que faz com que a expectativa do falante não seja nova. Esse caso

revela que as três estratégias de negação sentencial no português não são

funcionalmente equivalentes, mas se distribuem de acordo com restrições semânticas

e/ou pragmáticas.

Uma dessas restrições se refere à negação de um pressuposto, em que apenas

a negação canônica pode ser aplicada (SWENTER, 2004). Nesses casos, é negada uma

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PONTO DE PARTIDA 57

pressuposição que se faz sobre o enunciado, mas não a declaração em si. Vejamos os

exemplos em (16) e (17), adaptados de Swenter (2004):

(16) A: O João parou de fumar.

B: Ele não parou de fumar (*não). Ele nunca fumou.

(17) A: O João parou de fumar.

B: Ele não parou de fumar (não). Ele ainda fuma.

Em (16), a negação no enunciado de B é sobre a pressuposição de que João

fumava, e não em referência ao fato de ele ter parado de praticar tal ato. Isso fica

evidente pela continuação do enunciado, negando a possibilidade de ele ter fumado

algum dia. Nesse caso, apenas a negação canônica é licenciada. Ao contrário, em (17)

tanto a negação canônica como a dupla negativa podem ocorrer, visto que a negação é

feita sobre a declaração de ter parado de fumar. Com isso, percebe-se que a dupla

negativa é permitida apenas para negar a asserção, mas não a pressuposição. Os

exemplos em (18) e (19), adaptados de Geurts (1998), reforçam a impossibilidade de

uma dupla negativa ocorrer em um contexto de negação do pressuposto.

(18) A: O João percebeu que chovia?

B: Não, o João não percebeu que chovia (não).

(19) A: O João percebeu que chovia?

B: Não, o João não percebeu que chovia (*não), porque não chovia.

Em (18), nega-se o fato de João ter percebido a chuva, enquanto, em (19), é

negado que chovia. Logo, se não chovia, o João não podia ter percebido a chuva.

Entretanto, neste exemplo, justamente por a negação incidir sobre a pressuposição do

enunciado, a dupla negativa é estranha. Como pode se observar, há mais de um tipo

de negação que reflete, segundo Geurts (1998), os mecanismos pelos quais a

denegação pode ser operada, desde a negação de uma proposição, que é a forma

clássica já assinalada por Aristóteles, passando pela negação de pressupostos,

implicaturas e formas linguísticas. Swenter (2004) verificou que as restrições que

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PONTO DE PARTIDA 58

atuam na escolha do tipo de estrutura de negação estão diretamente relacionadas a

essas classes de denegação. Assim, a operação de negar uma proposição parece não

restringir a seleção entre negativa canônica, dupla negativa ou negativa final, já que

negar uma declaração é a classe mais genérica. As demais, ao contrário, bloqueiam

(SWENTER, 2004) o uso de uma negativa dupla, conforme os exemplos em (16), (18) e

(19) demonstraram. O uso da negativa dupla pode também apontar para desambiguar

a interpretação de dois enunciados semelhantes:

(20) A: O João votou no Lula?

B1: O João não votou (não).

B2: O João não votou (*não).

O exemplo em (20), adaptado de Swenter (2004), torna bastante clara a

rejeição entre a negação de um pressuposto e a dupla negativa. A resposta de B2 a

uma pergunta geral do tipo sim/ não encaminha a leitura de que João não votou, seja

no Lula, seja em qualquer outro candidato; ele simplesmente não compareceu para

realizar o ato de votar. Já a resposta de B1 deve ser interpretada como uma negação

da proposição, que é votar no candidato Lula. Neste caso, o pressuposto “votar” é

afirmado.

Deve ser registrado ainda o fato de que a negação canônica pode ser usada em

qualquer uma das interpretações, seja no caso em que João não votou apenas no

candidato Lula, como em B1, seja no caso em que João não votou em ninguém, como

em B2 do exemplo em (20). Esses dados reiteram o fato de que a negação canônica

pode estar associada a informações novas no discurso, bem como a informações

velhas menos facilmente recuperadas, que é o caso do pressuposto do verbo votar.

A negativa dupla, por sua vez, deve se vincular às informações discursivas

velhas, porém apenas àquelas que forem facilmente acessíveis. Assim como ocorre no

exemplo do fogão, em que a expectativa do falante é quebrada pela inserção de uma

informação nova, há restrição para a estrutura de negativa dupla nos casos em que a

informação velha não estiver ativa.

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PONTO DE PARTIDA 59

Com relação às negativas finais, que são as construções em que o operador de

negação aparece apenas na posição posposta, Swenter (2004) afirma que atuam sobre

elas restrições discursivo-pragmáticas mais rigorosas. Diferentemente dos outros dois

tipos de construção negativa, a que envolve uma negação do fim do enunciado não é

licenciada em situações que envolvem a inferência de uma informação. Por exemplo,

essa construção não pode ocorrer em uma situação cuja informação seja inferível no

contexto discursivo, como em (21), adaptado de Swenter:

(21) A: Você pegou o dinheiro no banco?

B: *Fui não.

Neste exemplo, infere-se que A acredita que B tenha ido ao banco, já que esta

informação não está explícita. A negação de B refere-se a essa inferência, sendo

demonstrada, inclusive, pelo uso do verbo ir em sua forma de 1ª pessoa do singular do

pretérito perfeito. A dificuldade de aceitar a ocorrência de um enunciado como este é

desfeita pelo exemplo (22), em que são possíveis tanto a negação canônica como a

negativa dupla.

(22) A: Você pegou o dinheiro no banco?

B: Não fui (não).

A negativa final é, portanto, mais restrita que as demais construções, na

medida em que admite apenas a negação da proposição explicitamente ativa no

contexto, no caso, a pergunta de A. Desse modo, apenas a resposta à pergunta sobre

pegar dinheiro no banco pode ser relacionada a essa estrutura, como em (23):

(23) A: Você pegou o dinheiro no banco?

B: Peguei não.

A conclusão a que chega Swenter é que a negativa final é restrita a um

subconjunto de contextos em que a negativa dupla pode ser aplicada, sendo ambas

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funcionalmente distintas da negação padrão, que pode ser aplicada em todos os

contextos estudados. As estruturas de negação não padrão (negativa dupla e negativa

final) se assemelham por necessitarem de que a proposição negada seja uma

informação velha no discurso. No entanto, a negativa dupla acessa aquelas

informações que são facilmente recuperáveis, ou seja, que são inferidas, ao passo que

a negativa final recupera apenas aquelas informações dadas que são ativamente

explícitas no contexto. Roncarati (1997) apresenta informações relevantes nesse

sentido, pois seus resultados apontam que em contextos de negativa final o verbo da

pergunta frequentemente é retomado na resposta. Em outras palavras, além de exigir

que a asserção negada esteja explicitamente acessível, a negativa final recupera

também o verbo do contexto explicitamente ativo. É o que ocorre no exemplo (23), no

qual o verbo pegar do contexto ativo é repetido na resposta.

O surgimento dessas estruturas não canônicas é frequentemente relacionado a

uma necessidade de a língua marcar a ênfase. Um dos trabalhos seminais sobre o

assunto é o de Jespersen (1917) que trata sobre a renovação de partículas negativas

nas línguas naturais, de modo que a mudança se complete com a substituição do

antigo operador por um novo, ao qual, geralmente, está associado um acento enfático.

Esse processo ficou conhecido como Ciclo de Jespersen, cuja dinâmica envolve um

estágio em que os dois elementos de negação concorram na mesma sentença, ou seja,

um caso de dupla negativa (van der AUWERA, 2008). Essa restrição se faz necessária,

porque, como destaca van der Auwera (2008: 1), operadores de negação podem se

desenvolver diretamente de verbos ou nomes.

Sobre o processo de mudança por que passam as estruturas de negação,

Jespersen afirma que:

The history of negative expressions in various languages makes us witness the following curious fluctuation: the original negative adverb is first weakened, then found insufficient and therefore strengthened, generally through some additional word, and this in turn may be felt as the negative proper and may then in course of time be subject to the same development as the original word5. (Jespersen 1917: 4).

5 A história das expressões de negação em várias línguas nos faz testemunhar esta curiosa flutuação:

primeiramente, o advérbio de negação original é enfraquecido, depois considerado insuficiente para ser, portanto, fortalecido, geralmente, por uma palavra adicional, e esta, por sua vez, é sentida como a

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No francês, por exemplo, o advérbio de negação ne é a forma enfraquecida de

non, do qual se origina. A palavra pas, que acompanhava verbos de movimento, passa

a integrar a estrutura de negação, tendo a princípio seu significado original

preservado. A frequência de uso fez com que pas passasse a ser identificado

semanticamente com a negação, podendo, então, seu uso ser expandido para verbos

de outros significados. Com isso, duas construções competiram durante um período: a

estrutura neutra original, que continha apenas o advérbio ne, e a estrutura enfática,

composta de ne V pas. A ênfase, como afirma van der Auwera (2008: 4), é formal e

semântica, visto que, formalmente, há o acréscimo de uma nova estrutura e,

semanticamente, a palavra pas tem, primeiramente, seu significado preservado, que

não é o da negação sentencial. Em outras palavras, a estrutura enfática, a princípio,

necessitava do operador de negação original, pois não estabeleceria a negação

proposicional sem ele.

A negação, que é um universal linguístico (PAYNE, 1985), é recorrentemente

associada à ênfase, porque alguns estudiosos descrevem, desde o século XIX, que os

enunciados negativos pressupõem quase sempre os correspondentes afirmativos

(HORN, 2001). Daí haveria uma necessidade de reafirmar enfaticamente a negação da

proposição. Numa abordagem funcionalista, Givón (1979) afirma que as estruturas

negativas, no geral, são mais marcadas em termos discursivos e pragmáticos que as

proposições afirmativas, pois aquelas pressupõem uma discussão prévia da proposição

afirmativa ou, de outro modo, o falante deve assumir que o seu interlocutor reconhece

o enunciado afirmativo.

Essa hipótese para o surgimento das estratégias não canônicas tem sido

sustentada por alguns pesquisadores para explicar a concorrência de três estratégias

no PB (RONCARATI, 1997; VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA, 2001; SOUSA, 2007).

Inclusive, poderia se pensar num esquema como o apresentado em (24) para explicar

as etapas pelas quais o fenômeno passou até atingir a forma atual, que ainda é de

concorrência. Entretanto, conforme salienta Swenter (2004), há muitas diferenças

própria palavra de negação e pode, depois, ao longo do tempo, passar pelo mesmo processo da palavra original (tradução minha).

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PONTO DE PARTIDA 62

entre o processo que ocorreu no francês ou em outras línguas para o que ocorre no

PB, como o fato de o segundo elemento ser, a priori, o mesmo que o operador original

(não pré-verbal e não pós-verbal), e não ter surgido de um verbo ou um nome. Isso

implica que o significado original do segundo elemento é o de um operador de

negação sentencial, assim como o elemento original. A fim de detalhar essas

discussões específicas ao PB, na próxima subseção, faremos uma descrição dos

principais trabalhos que se debruçaram sobre o tema.

(24) estágio 1: Neg VP

estágio 2: Neg VP ~ Neg VP não

estágio 3: Neg VP ~ Neg VP não ~ VP não

2.2.1. Sobre a negação no PB

Os principais estudos desenvolvidos sobre o tema estão ancorados quer seja

nos pressupostos funcionalistas (RONCARATI, 1997; FURTADO da CUNHA, 2001;

SOUSA, 2007), seja nos gerativistas (MARTINS, 1997; VITRAL, 1999; CAVALCANTE,

2007, 2012; SOUSA, 2012), seja, sobretudo, nos sociolinguistas (ALKMIM, 2002;

RAMOS, 2002; REIMANN & YACOVENCO, 20011; ROCHA, 2013; SEIXAS, 2013;

REIMANN, 2014). Não há entre os trabalhos pesquisados um consenso a respeito do

estágio em que o processo se encontra atualmente no PB. Alguns estudos apontam ser

processo em variação estável em que convivem três estratégias para expressar a

negação: uma pré-verbal, outra pré- e pós-verbal e a última pós-verbal apenas.

Entretanto, outros trabalhos indicam ser um processo de mudança em progresso, com

a estratégia de dupla negativa substituindo paulatinamente a estratégia de negação

canônica. Como são muitos os trabalhos, selecionamos, para uma breve descrição,

apenas aqueles que mais contribuíram para esta tese no que tange à sua principal

hipótese, que é a da redução da partícula negativa.

Martins (1997) relaciona o enfraquecimento do não pré-verbal ao

aparecimento do não pós-verbal, porque aquele não seria mais capaz de negar a

sentença. Com isso, relaciona a existência de construções distintas para expressar a

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negação no PB ao processo descrito pelo Ciclo de Jespersen de mudança do padrão da

negação sentencial nas línguas do mundo.

Na proposta, o segundo não funcionaria como um marcador de reforço e teria

diferenças formais, a depender do tipo de construção em que ocorre. Nas sentenças

canônicas, o não gerado em NegP seria movido para adjunção ao núcleo de AgrP, já

que é a posição proclítica para a qual os clíticos são movidos no PB. Como o num

reduzido é incapaz de negar a sentença, seria necessário gerar um segundo operador

negativo, que funcionaria como um advérbio de VP. Assim, nas estruturas de dupla

negativa, [Neg VP não], haveria um núcleo fraco, ocupado pelo clítico num e o segundo

não teria função enfática, além de ser responsável por negar a sentença.

Nas estruturas de negativa final, [VP não], por outro lado, haveria uma forte

relação com a informação implícita da proposição negada, conforme fora apontado

por trabalhos na linha da pragmática (DRYER, 1996; SWENTER, 2004; LIMA, 2013). A

possibilidade de ocorrência em dois contextos, de acordo com Martins (1997), indica

essa necessidade de a informação pressuposta estar semântica e pragmaticamente

ativa no discurso. Os contextos seriam o das perguntas gerais, do tipo sim/não, e de

comandos com verbos no imperativo, como se observam, respectivamente, nos

exemplos (25) e (26) retirados de Martins (1997: 44):

(25) A: O João vai?

B: Vai não.

(26) Bate a porta não!

Perturba não!

Nos dois casos, a informação pressuposta está ativa no discurso e é facilmente

recuperada pelos interlocutores: em (25), a proposição negada é recuperada na

pergunta; em (26), as frases de comando negativo pressupõem que o interlocutor

havia executado aquelas performances; do contrário, não faria sentido dizer para

alguém “Perturba não!” quando esta pessoa estivesse quieta.

Essa restrição discursiva faz com que Martins (1997) proponha que a estrutura

de negação final seja um caso de tópico e a negação um comentário que se faz sobre

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essa sentença. Assim, a sentença seria movida para a posição TopP, enquanto o

operador de negação sentencial estaria em ΣP, uma categoria funcional responsável

por checar os traços de partículas negativas ou afirmativas. Esta categoria ocuparia

uma posição mais periférica neste tipo de sentença e no seu núcleo sintático haveria

um traço forte, que caracterizaria as negativas finais.

Para a autora, a estratégia de negação canônica configuraria um resquício na

língua, estando o PB em um estágio intermediário do modelo de mudança proposto

pelo Ciclo de Jespersen. Não concordamos com essa posição, uma vez que, conforme

mostraremos no capítulo 5, a negação canônica ainda corresponde à maior parte dos

dados.

Assim como Martins (1997), Vitral (1999) também demonstra por meio da

análise de dados que o Ciclo de Jespersen pode explicar a distribuição da negação em

três estruturas diferentes no PB. Segundo o autor, são dois os fenômenos que

evidenciam isso: o estatuto clítico de num e certas palavras terem adquirido

significado negativo ao longo da história da língua e, hoje, poderem ser usadas para

negar uma proposição.

Vitral (1999: 9) afirma que num tem as mesmas características que um clítico

pronominal6, pois não aparece junto a adjetivos, não funciona como resposta absoluta

a perguntas gerais, não pode ser topicalizado, nem ser movido para uma posição pós-

verbal. Uma partícula clítica licenciaria, então, o aparecimento de outro operador

funcional ao fim da sentença, como prevê o Ciclo de Jespersen.

O outro fenômeno que relaciona a mudança no padrão da negação sentencial

às três estratégias de negação no PB é o valor semântico que assumem certas palavras

por ocorrerem frequentemente em contextos de negação. No português, o autor cita

como exemplo a palavra nada, que originalmente era usada na locução rem natam

(‘coisa que exista’) do latim. Atualmente, essa palavra pode funcionar como um

operador de negação em posição pós-verbal, inclusive, como mostra o exemplo (27),

uma alternativa a (25).

6 No entanto, mostraremos no próximo capítulo, com base em Vigário (2003), que num não apresenta

todas as características de um clítico pronominal.

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(27) A: O João vai?

B: Vai nada.

Essa mudança no significado da palavra nada se assemelha ao processo de

ganho de significado por que passou a palavra pas do francês, embora este caso

envolva uma mudança sintática mais complexa, já que, de fato, passa a ser o operador

de negação sentencial. No português, o operador posposto prototípico é o não, e não

nada.

Sob a perspectiva teórica funcionalista, Furtado da Cunha (2001) analisa as três

estratégias de negação, com o objetivo de identificar como a função de quebra de

expectativa motiva os usos de cada uma das construções. A autora utiliza amostras de

fala e escrita do Corpus Discurso & Gramática. Os sujeitos analisados são de Natal, no

Rio Grande do Norte, e pertencem a diferentes níveis de escolaridade.

Os resultados ratificam a hipótese de que as estruturas não canônicas

tenderiam a aparecer menos na escrita, que é uma modalidade mais conservadora,

uma vez que não foram encontrados dados de dupla negativa, nem de negativa final

nos textos escritos. Na fala, esse tipo de estrutura está mais relacionado a fatores

sociais que apresentam características mais inovadoras, como falantes mais jovens e

menos escolarizados, modalidade oral e estilo coloquial.

Vale destacar os resultados para a distribuição das estratégias de negação na

modalidade oral em função do nível de escolaridade dos falantes. Conforme se

observa na Tabela 2 (adaptada de Furtado da Cunha, 2001: 9), há um uso bastante

expressivo da estrutura de negação padrão, com operador de negação pré-verbal, em

todos os níveis de escolaridade. Contudo, esse índice aumenta à medida que o nível de

escolaridade também se eleva.

Escolaridade Total não+SV não+SV+não SV+não

8º ano do ensino fundamental 365 293 (80,2%) 67 (18,3%) 5 (1,3%)

3º ano do ensino médio 562 508 (90,3%) 52 (9,2%) 2 (0,3%)

Universitário 538 497 (92,3%) 39 (7,2%) 2 (0,3%)

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Tabela 2: distribuição das estratégias de negação por escolaridade (adaptada de Furtado da Cunha, 2001: 9)

Além disso, percebe-se que as estruturas não canônicas apresentam resultados

um pouco melhores, embora ainda sejam valores muito baixos, entre os falantes que

têm apenas ensino fundamental. Conforme se analisam os falantes que têm ensino

superior, há uma maior inibição às estruturas de dupla negativa e negativa final.

As situações comunicativas de cada uma das estratégias são, segundo a autora,

as seguintes: recusa de uma oferta ou sugestão, como no exemplo (28), retirado de

Furtado da Cunha (2001: 10); ou rejeição de uma proposição previamente

mencionada, a que a autora chama de negação explícita (exemplo 29), ou rejeição de

uma proposição pressuposta, chamada de negação implícita (exemplo 30).

(28) ...e teve uma pessoa que chegou para mim e perguntou... “Gerson..

você aceita ficar no cargo e tudo?” num sei o quê.. eu disse.. “não... num

aceito não porque...” (retirado de Furtado da Cunha, 2001: 10)

(29) ... e um motorista dele.. nesse tempo ele.. num era... num era um

motorista dele não... era do hotel... porque ele ficou sem motorista

(retirado de Furtado da Cunha, 2001: 11)

(30) ... a nova regente... ela não tava sabendo reger direito... a regente do

coral.. tava errando lá um monte de coisas.. né.. quando ia dar as notas

pra pessoa... não dividia o coral em vozes.. né.. soprano.. contralto...

esse negócio todo (retirado de Furtado da Cunha, 2001: 11)

Em (28), é feita uma oferta, ficar no cargo, e, em seguida, é dada a recusa; em

(29), a informação de que não era o motorista do sujeito fora mencionada

anteriormente; por fim, em (30), acredita-se que, por ser regente, a ocupante do cargo

saiba o que uma regente deve fazer, porém não é o caso. Neste exemplo, a informante

está relatando as situações vividas no filme Mudança de hábito, em que uma mulher

se finge de noviça e tem de reger o coral de freiras. O pressuposto de que a regente

saiba suas funções é denegado por sabermos não se tratar de uma regente.

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Furtado da Cunha (2001: 11) assinala que, a partir da análise dos seus dados, as

três estratégias de negação são funcionalmente idênticas, pois as negativas padrão,

dupla e pós-verbal podem ser intercambiáveis uma vez que são usadas,

prioritariamente, para rejeitar uma asserção ou, secundariamente, para recusar um

convite. No entanto, como afirmou Swenter (2004), essas três estruturas possuem

usos distintos e específicos, sendo umas mais restritas que outras em relação à

estrutura informacional do discurso. Como vimos, uma negativa dupla não pode ser

usada em um contexto em que há quebra de expectativa do ponto de vista do falante.

O exemplo do fogão é ilustrativo dessa restrição: nele, um falante, ao se dar conta de

que não desligou o aparelho, profere “Nossa, não desliguei o fogão!”, mas não “Nossa,

não desliguei o fogão não!”. Da mesma forma, Swenter (2004) demonstrou que a

negativa final apresenta restrições que exigem que a proposição negada esteja

facilmente recuperada no discurso. Essa dependência não significa que as palavras

tenham que ser idênticas, ou seja, não há dependência lexical. No exemplo a seguir,

embora a pergunta apresente o verbo haver, a resposta é licenciada com o verbo ter,

visto que são semanticamente semelhantes (mas não idênticos) neste contexto e a

alteração não interfere na recuperação da proposição.

(31) A: Já houve algum assalto no prédio?

B: Não. Teve assalto não. (exemplo retirado de Swenter, 2004: 1451)

Esses exemplos demonstram, portanto, que a hipótese defendida por Furtado

da Cunha não se sustenta, sobretudo, porque ignora o princípio básico de que

construções diferentes que ativam significados semelhantes têm usos distintos.

Alkmim (2002), analisando as estruturas de dupla negativa, trata de dois

princípios básicos para a Teoria da Mudança Linguística (WEINREICH, LABOV &

HERZOG, 1968 [2006]): o de como uma mudança ocorre em dois estágios de tempo

diferentes, princípio da transição; e o que investiga os fatores que ajudam a uma

mudança se efetivar num sistema sociolinguístico, princípio da implementação.

A autora parte de duas hipóteses levantadas na literatura para o surgimento

das estruturas de dupla negativa, o que nos remete às hipóteses que também são

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debatidas para o processo de redução dos ditongos nasais, conforme salientamos na

apresentação deste capítulo. Por um lado, alguns pesquisadores indicam que o uso de

uma estrutura negativa mais marcada é fruto de um processo de crioulização, gerado a

partir do contato de línguas africanas com o PB (BAXTER & LUCCHESI, 1997; HOLM,

2009: 110). Por outro, há estudiosos que veem no enfraquecimento fonético do não a

explicação para o surgimento das estruturas não canônicas (FURTADO da CUNHA,

2001).

Alkmim (2002) não assume nenhuma das duas posições, mas propõe que tenha

havido uma reanálise do item não, que, no início de seu uso posposto, era percebido

como um enunciado e, posteriormente, passou a ser interpretado como parte do

enunciado anterior. Para fundamentar essa hipótese, a autora recorre a textos de

peças teatrais do século XIX e recolhe os dados de dupla negativa. Verificou-se que os

usos de não posposto estavam frequentemente associados à palavra senhor, como

forma de tratamento entre um indivíduo de classe mais baixa e outro de classe mais

elevada. O exemplo (32), retirado de Alkmim (2002: 176), demonstra isso:

(32) Não acho nada barato, não senhor (1ª metade do século XIX)

A partir da segunda metade do século XIX, observou-se uma menor co-

ocorrência de não e senhor, ao passo que aumentou o número de não isolado ou junto

a outras formas lexicais. A autora se apoia nos relatos de Said Ali (1976) para sustentar

a hipótese de que este não não fazia parte da sentença, mas formava outro enunciado

com o pronome de tratamento senhor. Com o uso cada vez menos frequente deste

pronome, o não passou a integrar a sentença anterior, configurando um processo de

gramaticalização (ALKMIM, 2002: 177). A autora não informa o número de peças

teatrais consultadas, mas, de qualquer forma, parece ser uma afirmação carente de

mais dados empíricos. Além disso, só foram consultados autores mineiros e de um

total de 1943 dados de negação, apenas 45 eram de dupla negativa. Como não é nosso

objetivo realizar uma análise histórica da negação, não consideraremos essa hipótese

no trabalho, uma vez que ainda necessita de indícios mais robustos para a sua

confirmação.

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PONTO DE PARTIDA 69

Um resultado interessante apresentado por Alkmim (2002) refere-se à possível

origem crioula das estruturas de dupla negativa. Após a constatação de que as três

estratégias de negação configuram um processo de mudança em progresso no PB, a

autora selecionou amostras de fala de habitantes de Mariana, em Minas Gerais, para

identificar o fator social que impulsionaria essa mudança. De acordo com os

resultados, os falantes mais jovens analfabetos ou com segundo grau,

independentemente de serem de etnia afro-brasileira ou não, constituem o grupo

inovador. Entre os indivíduos adultos ou idosos, há maior ocorrência de negativas

duplas entre os analfabetos do que entre os que haviam completado o segundo grau.

Em nenhum dos casos, o fator etnia se mostrou relevante, o que é um argumento

contrário à hipótese de que essas estruturas teriam se originado a partir do contato do

PB com línguas africanas.

A fim de verificar se a etnia, de fato, não interferia nos resultados, a autora fez

uma análise de dados em corpus de entrevistas com indivíduos pertencentes a uma

comunidade isolada de Pombal, também em Minas Gerais, que apresenta

características de etnia afro-brasileira. Os dados, comparados com os de Mariana,

reforçam a não influência do fator etnia, pois nos dois grupos sociais (Mariana e

Pombal) os favorecedores da transição foram os jovens, sobretudo, os analfabetos

(ALKMIM, 2002: 171).

Ao contrário da hipótese adotada por Alkmim (2002) de que a estrutura de

negativa dupla esteja em concorrência com a negação canônica e poderia ser

observado como um processo de mudança em progresso, Ramos (2002) afirma que

não se pode chegar a essa conclusão a partir de seus dados. A seguir, exibimos a tabela

adaptada de Ramos (2002: 164):

Negação canônica Negativas duplas Total

Jovens 73,9% (122) 17,8% (43) 100% (165)

Medianos 78,5% (187) 21,5% (51) 100% (238)

Idosos 82,1% (184) 17,9% (40) 100% (224)

Total 100% (493) 100% (134) 100% (627)

Tabela 3: distribuição de negação canônica e negativa dupla por faixas etárias

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De acordo com os dados, observamos que não há uma queda acentuada entre

o grupo dos falantes mais velhos e o dos mais novos, o que configuraria uma mudança

em progresso. Ao contrário, o processo parece bastante estável. Também se percebe

que, ao contrário do que os resultados de Alkmim (2002) mostraram, não parece haver

favorecimento da dupla negativa entre os mais jovens.

Ramos (2002) observa ainda a redução de não em num, sendo este um caso de

clítico. A autora (2002: 157) elenca um conjunto de características que definiriam o

item reduzido, como o fato de não ocupar uma posição final no enunciado; ser

reforçado pela variante não no mesmo enunciado; estar contíguo ao verbo, podendo

ser separado apenas por outros clíticos; e ter a presença de quantificadores, como

nada e ninguém.

Os resultados evidenciaram que essas predições estão corretas, além de indicar

um desfavorecimento do uso de num em orações subordinadas. Dado o caráter

inovador da redução do ditongo no item não, era esperado que num tivesse maior

frequência em orações absolutas ou principais. O peso relativo do fator oração

subordinada foi de 0.41, enquanto foi de 0.58 a probabilidade das orações absolutas

ou principais.

Embora a autora não encontre indícios para afirmar que as estratégias de

negação estejam em mudança em progresso, os dados respaldam a afirmação de que

a implementação de num seja um processo de mudança. Conforme é apresentada na

tabela a seguir, retirada de Ramos (2002: 161), a probabilidade de ocorrência de num

entre os jovens é bem mais elevada que o valor do grupo mais velho. Esse resultado

confirmaria, segundo a autora, o inovadorismo do item reduzido.

No. % Prob.

Jovens 139/ 165 84,2 0.70

Medianos 120/237 50,6 0.48

Idosos 85/225 37,7 0.32

Tabela 4: distribuição de num em relação ao fator faixa etária (retirada de Ramos, 2002: 161)

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PONTO DE PARTIDA 71

Na próxima subseção, descrevemos os trabalhos que analisam as estruturas de

negação ou a variação entre os itens de negação à luz da influência de parâmetros

prosódicos ou de pressupostos da fonologia entoacional.

2.2.2. Sobre a prosódia da negação no PB

Até onde vai nosso conhecimento, são poucos os trabalhos que se

preocuparam em analisar a negação a partir de uma perspectiva fonológica.

Armstrong, Bergmann & Tamati (2008) descrevem o contorno das três estratégias,

buscando relacionar os padrões entoacionais que distinguem cada uma delas.

Iniciamos, porém, pela revisão de Ciríaco, Vitral e Reis (2004), que observam os

correlatos acústicos da redução do item num.

Ciríaco, Vitral e Reis (2004) assinalam que as formas pronominais você e eles e

o advérbio não podem sofrer redução, que seria atestada foneticamente através dos

correlatos acústicos da acentuação lexical no português. Esses correlatos, segundo

Moraes (1995), seriam a duração, intensidade e, em determinadas posições, F0.

Foi construído um corpus de fala controlada com quatro informantes

universitários de Belo Horizonte, que realizaram três leituras de seis sentenças. Cada

uma das leituras foi feita numa velocidade de fala diferente, pois os autores

acreditavam que, conforme a leitura fosse feita mais aceleradamente, haveria maior

probabilidade de serem produzidas formas clíticas.

Na tabela a seguir, adaptada de Ciríaco, Vitral e Reis (2004: 149), encontram-se

as médias de duração e intensidade de num e não em dois contextos diferentes: diante

de sílaba átona e diante de sílaba tônica.

Realização Duração (ms) Intensidade (db)

...não falou... 179,8 51,7

...num falou... 101,7 55,9

... não disse... 171,7 54,9

...num disse... 128,9 56,5

Tabela 5: valores médios de duração e intensidade dos itens de negação (adaptada de Ciríaco, Vitral e Reis, 2004:149)

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Os autores destacam o fato de as formas plenas terem uma maior duração que

as correspondentes reduzidas, sobretudo nos contextos em que ao clítico segue uma

sílaba tônica. Esta seria a principal evidência para a proposta de que as formas

reduzidas estudadas sejam interpretadas como clíticos no PB.

Os valores de intensidade, contudo, não confirmaram a hipótese dos autores,

que dizia respeito a encontrar valores menores em decibéis para formas reduzidas,

assim como foi feito para os valores de duração. Se isso fosse verdade, poderia se

considerar que a intensidade, que é um correlato acústico do acento, serviria de

indício para o estudo da cliticização de formas linguísticas. Como se observa na Tabela

5, porém, os resultados de intensidade são maiores para as formas plenas do que para

as reduzidas. Os autores explicam esse resultado por uma possível compensação: o

valor maior na intensidade dos elementos reduzidos compensaria a perda na duração

dos itens. Acreditamos que esse resultado inesperado tenha sido residual e não reflita

o comportamento das formas reduzidas, em geral. Os próprios autores (CIRÍACO,

VITRAL & REIS, 2004: 155) destacam que se trata de um estudo piloto e assumem que

analisaram poucos dados, o que pode ter influenciado nos resultados, principalmente,

da intensidade. Como nosso corpus é de fala espontânea, torna-se ineficaz a análise da

intensidade, uma vez que ela depende de muitos fatores que deveriam ter sido

controlados durante a gravação das entrevistas. Por exemplo, os informantes

utilizaram microfone de lapela durante as gravações, o que prejudica a observação da

intensidade. O ideal seria o uso de um microfone normal, com o cuidado de haver um

controle entre a distância da boca do interlocutor até o microfone. Entretanto esses

equipamentos inibiriam os falantes e não estariam de acordo com a proposta do

Projeto Concordância, que era a de organizar uma amostra de fala com base em

pressupostos sociolinguísticos. Diante disso, será observado, neste trabalho, apenas o

parâmetro acústico da duração.

O trabalho de Armstrong, Bergmann & Tamati (2008), por sua vez, descreve o

padrão entoacional das três estratégias de negação em sentenças declarativas e

interrogativas. A premissa é de que, além das diferenças pragmáticas, essas

construções podem também se diferenciar prosodicamente. Para tanto, elaboraram

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PONTO DE PARTIDA 73

uma amostra de leitura controlada com seis falantes moradores de dois municípios

cearenses (Fortaleza e Aracati). A análise dos dados envolveu, além das três estratégias

de negação, as declarativas afirmativas que puderam ser usadas como contraste à

estrutura de negativa final, principalmente.

Os resultados das sentenças declarativas, os quais nos interessam,

demonstraram que o contorno ascendente inicial é menos frequente entre as

negativas do que entre as afirmativas. Entretanto, se ocorre um acento tonal, há duas

possibilidades: associação à primeira palavra acentuada do enunciado ou ao operador

de negação não pré-verbal. A associação do acento à primeira ω ocorreu em todos os

dados de declarativas afirmativas e em alguns de negativas finais. Contudo, em

negações canônicas e negativas duplas, o acento se associou ao item não, mesmo que

ele não fosse a primeira ω do enunciado. Esse resultado é um importante subsídio

para sustentar nossa hipótese de que não é uma palavra que recebe acento lexical e a

qual pode estar associado um acento tonal, que foi descrito pelos autores como um

L+H*. O padrão acentual ascendente é, de acordo com inúmeros trabalhos (MORAES,

1997; FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007; SERRA, 2009;

CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo), característico do contorno pré-

nuclear de muitas variedades do PB, embora possa não existir um consenso se o tom

baixo ou o alto está alinhado com a sílaba tônica, ou seja, se é um L*+H ou um L+H*

(FROTA & MORAES, no prelo).

É importante destacar essa distribuição diferente entre declarativas

afirmativas, por um lado, e declarativas negativas, por outro, porque aquelas

apresentaram, segundo Armstrong, Bergmann & Tamati (2008: 492), em todos os

casos, um acento tonal ascendente associado à primeira ω, enquanto as negativas não

(foram poucos os casos de negativas finais que tiveram esse comportamento e o

acento tonal não estava associada à primeira ω nos enunciados de negação canônica e

dupla negativa). Essa distribuição seria uma forma de os falantes anteciparem que se

trata de um enunciado negativo, pois, como não tem o padrão ascendente, o ouvinte

esperaria por uma negação. Justamente por ser um estudo de corpus controlado e

com poucos dados, os resultados podem ter sido enviesados. Entretanto, cabe

destacar que é uma proposta interessante e que merece uma futura observação.

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PONTO DE PARTIDA 74

Ainda com relação à proeminência inicial, a análise dos dados de negativa dupla

e final indicou que apenas os enunciados longos apresentaram o acento tonal L+H*

associado ao não. Os enunciados mais curtos não tiveram contorno ascendente inicial.

Apesar disso, em ambas as estruturas, se percebeu um acento tonal descendente

seguido de um tom de fronteira associados ao não final. Sobre isso, os autores (2008:

492) afirmam: a negative particle in non-canonical position receives more intonational

prominence overall and is never unaccented7. Acreditamos, ao contrário, que o padrão

entoacional observado pelos autores não tenha relação com a presença de não em

posição pós-verbal, mas se refere, de fato, à posição de fim de IP, que é marcada no PB

com um acento descendente seguido de tom de fronteira baixo (CUNHA, 2000; FROTA

& VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007; MORAES, 2008; SERRA, 2009;

CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo). É relevante o destaque para o

fato de que não sempre é acentuado na proeminência de IP. Um dos indícios que

corroboram essa afirmação é o fato de que ele nunca é reduzido nessa posição, sendo

sempre realizado como não.

2.3. Resumindo

Neste capítulo, assumimos que a variação fonética que ocorre entre não e num

no PB compõe um quadro de fenômenos bastante difusos que se reúnem sob o rótulo

de redução dos ditongos nasais. Em geral, este fenômeno atinge sílabas átonas,

porém, devido à alta frequência de determinados itens, pode também ocorrer em

sílabas tônicas, como é o caso do operador de negação.

As restrições, todavia, para a aplicação da regra de redução parecem se referir

aos domínios prosódicos do qual fazem parte. A proeminência de IP, por exemplo,

bloqueia a regra de redução, como ocorre com o cancelamento dos róticos (SERRA &

CALLOU, 2013, 2015). Além disso, falta investigar mais detidamente o não pré-verbal,

que pode encabeçar o IP ou aparecer após algum material fonético. No primeiro caso,

ele é a primeira palavra do enunciado e, se for acentuado, pode ter um acento tonal

associado ao seu contorno melódico. No segundo, ele não é a primeira palavra do

7 “Uma partícula negativa em posição não canônica recebe mais proeminência entoacional e nunca é

átona” (tradução minha).

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PONTO DE PARTIDA 75

enunciado e pode estar diante de um sujeito, um conectivo, ou mesmo um adjunto

curto. É preciso, portanto, verificar se essas duas posições pré-verbais, em que o

fenômeno é variável, apresentam alguma diferença na realização do não ou num. Em

outras palavras, busca-se saber se há diferentes percentuais de frequência de

ocorrência dos elementos de negação nessas posições.

Como explicaremos no capítulo 4, nossa hipótese é que essas posições

apresentam resultados diferentes tanto na realização das variantes não e num, como

na associação de acentos tonais, o que parece ser uma relação de causa e

consequência. Assim, quanto mais formas plenas ocorrerem, mais se espera que a elas

esteja associado um acento tonal; e quanto mais formas reduzidas, menos associação

tonal se espera. Essa associação, de acordo com os resultados de Armstrong,

Bergmann & Tamati (2008), parece não estar restrita ao primeiro elemento do IP,

podendo ocorrer no seu interior. Testaremos essa hipótese com base na análise dos

contornos entoacionais dos dados coletados na amostra de fala espontânea,

considerando todos os fatores que podem influenciar esse tipo de locução.

Em um plano mais abrangente, esses resultados podem corroborar a hipótese

central desta tese, que é a de que num esteja num processo de cliticização, por conta

da redução fonética, mas também pela não associação tonal. A fim de buscar mais

evidências para confirmar a hipótese, analisaremos os valores de duração das

variantes. Espera-se também que elementos reduzidos apresentem valores menores

que os correspondentes plenos.

Antes de tornar mais claras as hipóteses deste trabalho e discutir as motivações

que parecem sustentá-las, acreditamos ser imprescindível discutir o estatuto de

palavras prosódicas e clíticas nas línguas do mundo e nas diferentes variedades do

português. Esse é o objetivo do próximo capítulo.

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CAPÍTULO TRÊS

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Esta tese está alicerçada nos pressupostos teóricos e metodológicos da Teoria

da Variação, da Teoria da Hierarquia Prosódica e da Teoria Autossegmental e Métrica.

Assumimos que o sistema linguístico é variável e pode ser condicionado por fatores

internos ou externos à língua, estando esse princípio sociolinguístico encaixado na

estrutura fonológica, com repercussões prosódicas e entoacionais. As diferentes

perspectivas teóricas se complementam, na medida em que explicam (i) a

concorrência de formas linguísticas em uma mesma posição na hierarquia prosódica e

(ii) o bloqueio dessa concorrência em outro domínio da hierarquia. Os fenômenos

entoacionais auxiliam essa explicação, sobretudo, por funcionarem como marcas que

caracterizam os domínios fonológicos das línguas (LADD, 1996 [2008]).

Nas próximas seções, exploraremos alguns postulados importantes para essas

teorias e tentaremos aproximá-los das necessidades deste trabalho. Abordaremos

também a caracterização, nas línguas naturais, das palavras funcionais, que podem ser

divididas em palavras prosódicas e palavras clíticas.

3.1. A Teoria da Variação e Mudança

A Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006 [1968])

se interessa por analisar de que modo a sociedade interfere na linguagem ou a

linguagem age sobre a sociedade. O compromisso com a variação é inerente e decorre

da reflexão de que condicionamentos linguísticos, sociais, culturais e comportamentais

atuam na realização dos dados da língua. Se as sociedades, as culturas e os

comportamentos são distintos, haverá, incontestavelmente, reflexos na manifestação

da linguagem.

Para entender as premissas em que se assentam a Teoria da Variação e

Mudança, é preciso remontar ao início dos estudos linguísticos e verificar que a

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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associação entre língua e sociedade foi uma etapa necessária para o avanço dos

estudos variacionistas.

O século XX viu surgir o interesse pelo estudo da linguagem como um objeto

científico, cercado de rigor metodológico e fundamentação epistêmica (WEEDWOOD,

2002). Os princípios teóricos decorrem, em grande parte, da tradição objetivista que

dominou os estudos linguísticos dos últimos dois mil anos. Essa doutrina objetivista,

seja na sua esfera metafísica, seja em sua epistemologia, provocou inúmeros

problemas para as concepções do pensamento e da linguagem, sobretudo na

categorização humana (LAKOFF, 1987). De acordo com Putnam (2008), a percepção

cartesiana instaura uma cópia da realidade, quando, na verdade, a categorização

indica que a apreensão do real reflete uma invenção, mesmo que parcial, do mundo.

É esse cenário epistêmico-filosófico que ancora as principais assunções

estruturalistas e gerativistas da linguagem humana, como a dicotomia fundamental

saussuriana de língua e fala, retomada mais tarde sob a oposição chomskiana de

competência e desempenho. A concepção construída em torno do termo língua é

bastante sintomática desse processo, visto que passou a ser considerado um objeto

autônomo e homogêneo. Entretanto, nada parece mais pungente que a noção de um

falante ideal, isolado do contexto real de produção linguística (CHOMSKY, 1975).

A ideia de unidades discretas, como fonemas, morfemas etc, reitera a

concepção categórica que era pretendida para a língua. O espaço para a variação não

existia, por razões claras, nas teorias linguísticas, pois, conforme foi postulado por

Saussure (2006: 271), “a linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua

considerada em si mesma e por si mesma”. É o estudo dos fenômenos da linguagem

sem interferência do meio social, o que se aproxima, de certo modo, ao estudo da

competência do falante-ouvinte ideal, i.e., do sujeito universal, indiferente às trocas

sociais que são motivadas pela interação verbal. Chomsky (1975: 83) caracteriza o

falante ideal da seguinte forma:

situado numa comunidade completamente homogênea, que conhece perfeitamente a sua língua e que, ao aplicar o seu conhecimento no uso efetivo, não é afetado por condições gramaticalmente irrelevantes, tais como limitações de memória, distrações, desvios de atenção e de interesse, e erros (casuais e característicos)

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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A idealização que as reflexões estruturalistas e gerativistas provocaram fez com

que a linguística incorporasse a premissa da linguagem categórica. A preocupação em

verificar a competência mantinha distante o debate em torno do desempenho, já que

neste surgia a variação do mundo real (CHAMBERS, 1995). Assim, a própria coleta de

dados refletia o distanciamento da variação, pois se contava apenas com a intuição do

pesquisador.

Labov (2008 [1972]: 217, 218) considera que a dicotomia língua e fala acaba

instituindo um paradoxo para os estudos estruturalistas, visto que a parte social da

linguagem, a língua, pode ser observada a partir de qualquer indivíduo, já que todos

apresentariam o conhecimento inato necessário, porém os dados da parte individual

da linguagem, a fala, só podem ser obtidos a partir da observação de um grupo de

falantes. Essas críticas ao aspecto metodológico das teorias linguísticas, aliadas à

inclusão da diversidade na abordagem de língua (Bright, 1966), fizeram com que o

objeto de estudo da linguística passasse a ser a estrutura em seu contexto social.

O axioma da categoricidade foi, então, sendo enfraquecido com a insurgência

do paradigma variacionista, que propõe que as unidades linguísticas são variáveis,

contínuas e quantitativas (LABOV, 1966). De acordo com Chambers (1995: 25), são

variáveis porque admitem mais de uma realização para a mesma unidade; contínuas,

porque podem assumir diferentes significados dependendo da distância entre a forma

coloquial e a padrão; e quantitativas, porque se calcula sua ocorrência em termos de

frequência, e não da presença/ ausência.

A Sociolinguística substitui o axioma da categoricidade pela heterogeneidade

ordenada. Para tanto, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) desatam o nó que

amarrava a estrutura linguística à homogeneidade e assinalam a importância de

compreender a língua como um objeto variável. Por consequência, rejeitam o estudo

da língua do indivíduo, à custa das influências sociais e estilísticas que o meio pode

fornecer. Conforme Trudgill (1974: 21) afirma, foi conveniente, num primeiro

momento, focalizar o idioleto para que a disciplina linguística avançasse. No entanto, a

omissão do fato de que a língua é um fenômeno variável trouxe prejuízos para o

desenvolvimento teórico, porque a língua é, acima de tudo, um fenômeno social.

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A Sociolinguística se preocupa em compreender a relação que existe entre

língua, sociedade e cultura, buscando, portanto, observar a língua em seu contexto

social. A importância da empreitada sociolinguística não está só em procurar saber

como e por que as línguas mudam, mas também em identificar maneiras de

desenvolver teorias e hipóteses para entender a natureza da linguagem.

A condição essencial de que a língua seja um fenômeno heterogêneo permite

observar as relações sociais e culturais que são estabelecidas entre diferentes

comunidades linguísticas. Além disso, a premissa de variabilidade linguística possibilita

a realização de estudos sobre a mudança (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968

[2006]), sem que se abandone a funcionalidade da língua. Em outras palavras, a língua

funciona normalmente à medida que passa por mudanças. Daí que a Teoria da

Variação e Mudança se interessa pela transição de uma variante para outra, na

avaliação que os falantes fazem de cada uma das variantes, na implementação de uma

determinada variante no sistema linguístico e no reconhecimento de que qualquer

variação e/ou mudança é encaixada no sistema.

Esse encaixamento é especialmente interessante a este trabalho, porque

procuramos observar como a variação percebida no nível segmental se encaixa na

estrutura fonológica, apresentando, inclusive, indícios prosódicos e entoacionais que

confirmem essa relação.

3.2. A Teoria da Hierarquia Prosódica

As teorias fonológicas de base gerativa sofreram, durante algum tempo, as

críticas por analisarem a cadeia de fala como segmentos organizados linearmente e

por postularem um conjunto de regras fonológicas atuantes em domínios construídos

com base na estrutura morfossintática. A principal crítica surgiu do fato de que o

sistema fonológico não é isomórfico, embora fosse assim considerado pelas

abordagens de base transformacional. Na verdade, o componente fonológico da

gramática é heterogêneo e governado por princípios específicos (NESPOR & VOGEL,

1986: 1).

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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Um dos subsistemas que compõe o sistema fonológico é a Fonologia Prosódica,

panorama teórico de organização da fala em domínios hierárquicos, cujos princípios

são caracterizados com base nas regras fonológicas que atuam em cada domínio. O

constituinte prosódico é caracterizado, então, por pistas empíricas, o que permite que

seus algoritmos de formação variem de acordo com a língua. Fica claro, então, que os

domínios são analisados como estruturas universais, cujos algoritmos de formação

dependem das manifestações em uma língua específica, por isso são variáveis. Se um

domínio é ignorado em uma dada língua, não significa que não seja universal, mas sim

que ainda não foram encontradas pistas empíricas que validem a manifestação

daquele domínio na hierarquia prosódica da língua. Há vários questionamentos, por

exemplo, a respeito da existência do domínio do pé métrico no Português Europeu,

porém, como afirma Vigário (no prelo: 4), a razão para essa dúvida pode estar na

formulação do algoritmo do pé métrico nesta língua. Acreditava-se também que, no

francês, não havia indícios que sustentassem a existência da palavra prosódica.

Entretanto, foi demonstrado (HANNAHS, 1995; GUSSENHOVEN, 2004) que a formação

de glides e a nasalização de vogais no francês são fenômenos que ocorrem no domínio

da palavra prosódica. Percebe-se, portanto, a relevância da fonologia laboratorial para

formular testes e encontrar indícios que confirmem os domínios prosódicos nas línguas

naturais.

É importante observar, neste ponto, a independência da estrutura fonológica

para os demais componentes da gramática. Já que os domínios que constituem a

estrutura fonológica são definidos com base em regras fonológicas, não se pode

pretender que haja isomorfismo entre a estrutura fonológica e a estrutura

morfossintática, por exemplo. A estrutura sintática é infinita, visto que apresenta a

propriedade da recursividade, enquanto a estrutura fonológica é finita e fixa (FROTA,

2012: 7), ou seja, há um número específico de domínios que interagem e organizam os

dados de fala na estrutura linguística.

Deve ser ressaltado, além disso, o fundamento básico da não autonomia, seja

dos domínios, seja do próprio componente fonológico da gramática. A Fonologia

Prosódica é vista como uma abordagem de interface, na qual ocorre interação entre a

estrutura fonológica e a estrutura morfossintática, de um lado, e a interação entre os

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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domínios prosódicos dentro da própria estrutura fonológica, por outro lado. A crítica,

portanto, aos modelos teóricos anteriores não é restrita à análise da relação que existe

entre os diferentes componentes da gramática, mas se estende à natureza dos

princípios que regulam esses componentes.

Na perspectiva da Fonologia Prosódica, a estrutura fonológica, bem como seus

domínios, é governada por princípios e regras de natureza puramente fonológica, e

não sintática. Não se pressupõe, portanto, um isolamento da estrutura fonológica, de

modo que as informações fonológicas bastem a si mesmas, nem uma dependência

completa de outras estruturas, ao ponto de sua constituição depender de regras de

natureza não fonológica; busca-se a interação entre os níveis da gramática e os níveis

da hierarquia prosódica.

Essa hierarquia é constituída com base em condições de boa-formação que

satisfazem a Strict Layer Hypothesis (SELKIRK, 1984), que é a hipótese que estabelece

os critérios para a relação de dominância entre as diferentes categorias prosódicas na

estrutura hierárquica. Por exemplo, uma categoria X na hierarquia domina a categoria

Y, imediatamente abaixo na estrutura, assim como domina todas as categorias que

estiverem sob seu escopo. As vantagens dessa hipótese são a exaustividade e a não

recursividade. Em primeiro lugar, há o fato de que uma categoria está exaustivamente

contida em uma categoria maior na hierarquia; em segundo, o fato de que as

categorias não se repetem indefinidamente na hierarquia, mas são pré-concebidas e

estabelecidas, apesar do enunciado produzido. Conforme afirma Vigário (no prelo), um

enunciado longo como Este é o gato que pegou o rato que roubou o queijo tem a

mesma estrutura prosódica que o enunciado Sim. Essa propriedade da hierarquia

prosódica permite a constatação de que a fronteira de um domínio maior é alinhada

também ao limite de um domínio menor, o que possibilita a interação entre eles.

Neste caso, o Strict Layer Hypothesis define que a fronteira do constituinte X é

alinhada à fronteira de Y, domínio imediatamente dominado por X, e assim

sucessivamente.

As categorias prosódicas que compõem a hierarquia são sete – na versão

original (NESPOR & VOGEL, 1986) – e se organizam da mais baixa para a mais alta na

hierarquia desta forma: a sílaba (σ), o pé (Σ), a palavra prosódica (ω), o grupo clítico

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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(C), o sintagma fonológico (ɸ), o sintagma entoacional (IP) e o enunciado fonológico

(U). A depender da abordagem, a hierarquia pode ser representada por uma árvore

(NESPOR & VOGEL, 1986) ou por uma grade métrica (SELKIRK, 1984). Adotamos, nesta

tese, a representação arbórea:

U 3 IP 3 ɸ 3 C 3 ω 3 Σ 3 σ

Como se percebe, a hierarquia prosódica é uma estrutura n-ária, cuja

proeminência está sempre no nó mais à direita. A vantagem de ser uma estrutura

desse tipo, e não uma binária, de acordo com Nespor & Vogel (1986: 8), é a

simplicidade da n-ária, em razão de ser mais “achatada” (FROTA, 2012) e,

consequentemente, menos profunda. Essa representação mais “achatada” acaba

sendo um reflexo do princípio básico da não recursividade da estrutura fonológica.

Uma representação profunda dá conta de uma estrutura recursiva, como a sintaxe,

mas não é uma boa ilustração da estrutura fonológica, que é finita. Além do mais,

estruturas binárias criam nós intermediários que não encontram referentes na

estrutura fonológica.

A estrutura n-ária representa também a relação de proeminência entre nós

irmãos. Assume-se que o nó mais à direita seja o mais proeminente e, logo, assinalado

com o símbolo s (de strong ‘forte’), enquanto os demais nós dominados pelo mesmo

nó superior são fracos e assinalados com w (de weak ‘fraco’). Esses valores são

importantes, porque ajudam na delimitação dos constituintes por meio das cabeças

nos vários níveis (nós mais proeminentes) e das fronteiras (NESPOR & VOGEL, 1986;

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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FROTA, 2012). A cabeça do IP, por exemplo, corresponde à sílaba acentuada do último

ɸ, o que encontra correspondência na associação de eventos tonais. É nesta posição

em que ocorrem o acento tonal que caracteriza o núcleo do IP e o tom de fronteira

que demarca o limite direito deste constituinte. Essa relação entre as estruturas

entoacional e prosódica será mais explorada na próxima seção.

3.3. A Fonologia Entoacional Autossegmental e Métrica

Conforme descrito, o componente fonológico da gramática não é homogêneo,

mas composto de modelos teóricos que interagem entre si, dentre os quais estão a

Fonologia Prosódica e a Fonologia Autossegmental e Métrica (ARVANITI, no prelo).

Essa última teoria prevê o estudo da entoação, ramo da prosódia que abrange os

significados linguísticos e pragmáticos relativos à modulação da curva de F0 (LADD,

1996 [2008]).

Um dos principais postulados da teoria é o de que autossegmentos primitivos

se combinam na cadeia melódica que, por sua vez, se conectam a pontos

proeminentes da cadeia métrica, possibilitando o fraseamento prosódico dos

enunciados. Esses primitivos fonológicos são representados por um tom alto (H de

high) e um tom baixo (L de low), sendo organizados a partir da observação fonética, do

alcance de cada falante e dos outros tons da cadeia melódica (PIERREHUMBERT, 1980;

BECKMAN & PIERREHUMBERT, 1986; ARVANITI, no prelo). Dessa forma, os

pressupostos da teoria pretendem dar conta da interação entre a estrutura rítmica, a

proeminência e o fraseamento dos enunciados.

Segundo Ladd (1996 [2008]), essas proeminências são uma abstração

fonológica realizada foneticamente pelo acento lexical (stress) e pelas proeminências

no nível do enunciado (acentos tonais). Os tons – que, como vimos, são primitivos

autossegmentais – existem, portanto, independentemente da cadeia segmental. Por

isso, muitas vezes, chamam os estudos desses elementos de suprassegmentais.

Entretanto, de acordo com o que têm defendido alguns trabalhos nas últimas décadas

(para mais detalhes, ver BECKMAN & EDWARDS, 1994), o termo suprassegmental

evoca o significado algo que é complementar ao segmento, o que não é verdade. A

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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prosódia, segundo Ladd (1996 [2008]), Gussenhoven (2004) e Arvaniti (no prelo), não é

responsável pela complementação do nível segmental, mas pela organização do fluxo

de fala e pela relação entre as cadeias melódica e métrica.

Essa associação ocorre entre os autossegmentos primitivos e as proeminências

ou limites frásicos da estrutura métrica. Disso, decorre a complementariedade da

Teoria Autossegmental e Métrica com a Teoria da Hierarquia Prosódica (FROTA, 2000).

Os tons se associam, basicamente, às cabeças dos domínios prosódicos e às fronteiras

desses mesmos constituintes. Aqueles que se associam (geralmente) às cabeças são

chamados de acentos tonais, enquanto os que se associam aos limites são chamados

de tons de fronteira e são marcados com o símbolo %. É fundamental perceber a

diferença entre esses dois tipos de eventos tonais, uma vez que auxiliam na

caracterização e na percepção de domínios prosódicos distintos.

Os acentos tonais podem ser monotonais ou bitonais. No primeiro caso, o tom

é anotado com um asterisco (L* e H*) e indica a associação a alguma proeminência

relevante da curva de F0. No segundo caso, o acento complexo é composto de dois

tons, sendo que apenas um é marcado com o asterisco. O outro pode anteceder ou

suceder o tom forte e é chamado de leading tone, quando antecede o tom forte, e

trailing tone, quando sucede o tom forte. Em termos práticos, o tom assinalado com

asterisco se associa à sílaba acentuada da cadeia segmental, enquanto os tons fracos

não tem um ponto fixo na cadeia métrica; são considerados autossegmentos

flutuantes (ARVANITI, no prelo).

A figura a seguir, retirada de Pierrehumbert (1980: 29), revela como é

composta a gramática de tons na teoria Autossegmental e Métrica:

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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Nesta abordagem, os tons são combinados livremente, como mostram as

inúmeras, porém finitas, possibilidades de realização de um evento tonal. Conforme se

percebe, então, acentos tonais e tons de fronteira são requisitos fundamentais para a

boa-formação do contorno entoacional.

Igualmente importante é a observação das diferentes partes que compõem o

contorno entoacional. Há várias propostas para a análise da entoação

(PIERREHUMBERT, 1980; LADD, 1996 [2008]; GUSSENHOVEN, 2004), mas em comum a

todas elas existe a consideração de que o contorno entoacional deve ser analisado por

dois componentes: o núcleo e o pré-núcleo. Os acentos que estão associados a cada

um desses componentes funcionam de formas diferentes. Há relatos de línguas, por

exemplo, que marcam a parte elevada da proeminência, enquanto outras marcam a

parte limite da proeminência (JUN, 2005). Isso reflete a necessidade de observar os

acentos pré-nuclear e nuclear a partir de perspectivas diferentes, uma vez que

apresentam funções diferentes nas línguas naturais. Do mesmo modo, indica a forte

relação entre a Teoria da Hierarquia Prosódica e a Fonologia Entoacional

Autossegmental e Métrica, na medida em que fenômenos entoacionais, como o

acento tonal e o tom de fronteira, por exemplo, são percebidos como evidências para

os domínios prosódicos.

Essa relação entre os pressupostos das duas teorias pode ser medida, por

exemplo, na tipologia linguística com relação à acentuação. Há línguas que apresentam

uma distribuição tonal densa, enquanto outras têm uma distribuição pulverizada de

tons (CRUZ & FROTA, 2013). Isso ocorre, porque o domínio relevante para a ocorrência

do acento tonal varia entre as línguas, podendo ser mais baixo ou mais alto na

hierarquia prosódica. Quanto mais baixo for o domínio de associação tonal, mais densa

é a distribuição do acento; quanto mais alto o domínio, menos densa é a distribuição.

Essa é uma das características que distingue o PB do PE, o que vem sendo relatado em

importantes trabalhos nos últimos anos (FROTA, 2000; TENANI, 2002; VIGÁRIO, 2003;

FERNANDES, 2007; FROTA et alii, 2015). No PB, o domínio para a atribuição do acento

é a ω (TONELI, 2014), enquanto, no PE, o domínio é o IP, o que faz com que o PE tenha

uma distribuição de acentos tonais muito mais esparsa que o PB. Sobre isso, Frota &

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

86

Vigário (2000: 16) afirmam que “no PE, tal robustez entoacional é apenas

caracterizadora do domínio I”.

Neste trabalho, buscaremos explicar a variação entre a variante plena não e a

variante reduzida num a partir da relação de fenômenos entoacionais com as

proeminências ou os limites que caracterizam os constituintes prosódicos. Essa visão

integrada (FROTA, 2000), como se pode perceber, é que a variação segmental tem

condicionamentos prosódicos e entoacionais, e não extralinguísticos (VOTRE, 1978). O

fenômeno da redução do ditongo nasal no advérbio de negação parece estar

circunscrito ao domínio da palavra e, por isso, fazemos, na próxima seção, um

levantamento sobre o que tem sido proposto para definir e caracterizar a ω no PB.

3.4. Palavras funcionais: entre palavras prosódicas e palavras clíticas

Conforme Chomsky (1986) apontou, a diferença entre categorias lexicais e

funcionais desempenha um crucial papel na compreensão da gramática gerativa, visto

que, semanticamente, as categorias lexicais são caracterizadas pela capacidade de

selecionar argumentos, além de poderem atribuir, sintaticamente, caso a eles

(CHOMSKY, 1986: 193), ao passo que as categorias funcionais não apresentam a

propriedade de selecionar argumentos.

Fonologicamente, foi notado que as categorias funcionais também têm

propriedades diferentes daquelas apresentadas pelas categorias de base lexical

(SELKIRK, 1984; NESPOR & VOGEL, 1986; SELKIRK, 1995), a começar pela possibilidade

de ocorrerem tanto em uma forma forte, quanto em uma forma fraca. A força de uma

categoria, em termos fonológicos, é medida pelo acento: formas fracas são

consideradas reduzidas e não acentuadas, ao contrário das formas fortes, que são

tônicas.

Selkirk (1995) argumenta que a principal consequência dessa propriedade

fonológica é as palavras funcionais (fnc) poderem ter prosodizações diferentes, a

depender do seu comportamento fonológico. A autora sustenta que, caso seja

realizada como um item forte, a forma funcional deve ser prosodizada como uma ω. Já

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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no caso de ser prosodizada como um item fraco, sua prosodização deve ser a de um

clítico.

De acordo com a autora, há apenas dois casos em que a palavra funcional

sempre aparece sob a forma forte: quando é focalizada ou quando aparece isolada –

esta é crucial para a análise que pretende ser desenvolvida nesta tese. Utilizaremos

essa constatação do inglês para confirmar nossa impressão de que a redução de não é

bloqueada na fronteira direita de IP por estar relacionado a fronteiras maiores.

Ocorrendo como forma forte, a prosodização da palavra funcional deve

considerar seu mapeamento como uma ω isolada, cujas fronteiras mais baixas sofrem

influência das fronteiras mais altas, como na representação a seguir, adaptada de

Selkirk (1995: 16):

( ( ( ( ( ( fnc ) σ) Σ) ω) ɸ) IP) U

Desse modo, fica clara a prosodização que a palavra funcional pode assumir:

será considerada uma ω, se ocorrer em sua forma forte, sobretudo, nos contextos em

que estiver focalizada ou isolada; mas será considerada um clítico, se ocorrer em sua

forma fraca, reduzida e dependente de uma palavra lexical.

3.4.1. Palavras prosódicas

O debate sobre a ω tem considerado como central a assunção de que o acento

primário é a principal pista de identificação do constituinte em várias línguas naturais8

(SCHWINDT, 2000; VIGÁRIO, 2003; FERNANDES, 2007; TONELI, 2014). Essa pista está

presente, inclusive, no algoritmo de formação proposto por Vigário (2003: 263) para ω

no PE:

a minimal prosodic word has one and only one (word) primary stress a maximal prosodic word has one and oly one prominent element a unit bearing word stress must be included within a minimal prosodic word

8 Ainda que o acento não seja considerado elemento necessário para a formação de uma ω (cf. NESPOR

& VOGEL, 1986; FROTA et alii, 2012), considera-se um bom parâmetro para delimitar seu domínio.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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A partir das descrições de Schwindt (2000) e Fernandes (2007), percebemos

que essas condições de boa-formação propostas por Vigário (2003) também servem ao

PB, uma vez que a ω se organiza em pés métricos que mantêm uma relação de

proeminência entre si: um pé é classificado como forte, enquanto os demais são

fracos, o que ocasiona a presença de apenas um acento primário.

Com base nas funções estabelecidas por Booij (1983), Bisol (2005:165-167)

explora de que modo essa classificação é adequada para as ωs do PB. Segundo a

autora, a ω é domínio de relações de proeminência, de regras fonológicas e regras

fonotáticas. As ωs do PB, por exemplo, não podem ser iniciadas por consoantes

palatais, como /ʎ/ e /ɲ/; as exceções são palavras que entraram no português por

empréstimo, como lhama e nhoque. Ao contrário, os clíticos não estão sujeitos à

mesma restrição fonotática, uma vez que há clíticos iniciados por palatal, como lhe.

Ainda de acordo com Bisol (2000:21), as ωs estão sujeitas a regras lexicais e

pós-lexicais, ao contrário dos clíticos que sofrem modificações apenas das regras pós-

lexicais. Um exemplo de regra fonológica que atinge as ωs mas não atinge os clíticos é

a neutralização da sílaba pretônica, como acontece com sol > solaço e bela > beleza.

Nesses casos, a vogal da sílaba pretônica sofre alteamento de [ɔ] para [o] e de [ɛ] para

[e], respectivamente. Clíticos derivados de palavras lexicais não sofrem o processo no

mesmo contexto, como a forma verbal é no enunciado samba é vida que passa a

samb[ɛ] vida, mas não samb[e] vida.

Outra regra fonológica que caracteriza a ω é a assimilação de nasalidade, como

nos pares banana ~ bãnãna e aranha ~ arãnha. De acordo com Abaurre e Pagotto

(1996), essa regra ocorre apenas no interior de ω, sendo restringida na fronteira deste

constituinte. Isso impede, por exemplo, que haja assimilação do traço de nasalidade

entre um clítico e uma palavra lexical, como em a mamãe ([ɐmɐmɐj]; * [ɐmɐmɐj]) e do

menino ([dumininʊ]; * [dumininʊ]), o que é mais uma evidência de que os clíticos

estão sujeitos apenas a regras do nível pós-lexical.

Há também pistas entoacionais que auxiliam a identificar uma ω no PB. Os

resultados de Fernandes (2007), confirmados estatisticamente por Toneli (2014),

indicam que é opcional (mas muito frequente) a associação de um acento tonal a todas

as ωs de um ɸ no PB. Por isso, a distribuição tonal desta variedade é considerada

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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densa (FROTA et alii, 2015), se comparada com a variedade europeia do português.

Além disso, a autora afirma que é praticamente obrigatória a associação de um acento

tonal às cabeças do ɸ em uma sentença declarativa neutra. Aos clíticos, ao contrário,

não pode haver associação de acento tonal, visto não serem portadores de acento

primário. Outros acentos como o enfático, principalemente, ou o inicial (FROTA &

VIGÁRIO, 2000; VIGÁRIO, 2003) podem estar associados aos clíticos por prescindirem

de um acento lexical para sua ocorrência.

A ω se caracteriza ainda por ser diferente da palavra morfológica, visto que os

limites da ω são diferentes dos de uma palavra morfológica. Duas palavras

morfológicas, como no sintagma o amor (uma palavra clítica e uma palavra lexical),

podem constituir apenas uma ω. Por outro lado, Schwindt (2000) mostra que duas ωs

podem formar também uma palavra morfológica. Para tanto, cita a relação entre

prefixo e palavra lexical para mostrar que alguns prefixos podem se comportar como

ω, visto que apresentam acento primário. É o caso do prefixo pré- na palavra pré-

estreia. Nesse dado, há fonologicamente duas ωs e uma palavra morfológica apenas.

Ao contrário, no exemplo prefixo, o prefixo pré- se comporta como sílaba pretônica e

sofre alçamento de [ɛ] para [e].

3.4.2. Palavras clíticas

Há, para Selkirk (1995: 3), três tipos de clíticos, que se diferenciam em função

da dependência de uma palavra lexical adjacente: podem ser clíticos livres aqueles que

formarem um nó irmão à palavra adjacente, sendo ambos dominados por ɸ; podem

ser clíticos internos aqueles cujo nó dominante for o da palavra lexical, ou seja, são

dominados por ω; e podem ser, por fim, clíticos afixais os que forem completamente

integrados à palavra lexical. Como fica implícito, não há para Selkirk (1995) o

constituinte prosódico que abrange especificamente os clíticos – chamado por Nespor

& Vogel (1986) de grupo clítico. Os clíticos são analisados sob o escopo da ω e de ɸ.

O posicionamento contrário ao grupo clítico é defendido por inúmeros

pesquisadores, que não veem evidências robustas para postularem outro nível na

hierarquia prosódica (INKELAS, 1990; PEPERKAMP, 1996, 1997; BOOIJ, 1996; VIGÁRIO,

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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1999, 2003, 2007). Booij (1996), a partir dos dados do holandês, propõe que os clíticos

sejam analisados no domínio da palavra, uma vez que os proclíticos e os enclíticos

apresentam comportamentos diferentes entre si e podem se assemelhar,

respectivamente, a prefixos e sufixos. Vigário (2003) também descreveu diferenças na

relação prosódica que o clítico tem com seu hospedeiro no PE. A autora encontrou

indícios de que os proclíticos são adjungidos à palavra lexical, enquanto os enclíticos

são incorporados a ela. Peperkamp (1997) fez críticas ao grupo clítico baseadas no

lugar do constituinte na hierarquia prosódica, que parece não ser universal. Há línguas

em que o grupo clítico deveria estar posicionado mais acima na hierarquia, e não entre

ɸ e ω. Por exemplo, na língua haússa, falada na Nigéria, o grupo clítico pode ter como

hospedeiro uma frase, e não uma palavra lexical. Do mesmo modo, em algumas

línguas bantu, o hospedeiro do clítico pode ser um sintagma entoacional. Dado que a

hierarquia proposta por Nespor & Vogel (1986) é uma categoria que se propõe fixa e

universal, o grupo clítico não pode variar de posição em função das línguas.

Vigário (2007, 2010) propõe como alternativa ao grupo clítico o Grupo de

Palavra Prosódica (PWG – Prosodic Word Group), que não é um novo domínio, mas um

constituinte pensado a partir da ω e necessário para a explicação de determinados

fenômenos fonológicos. Há, no PE, ωs que têm diferentes graus de proeminência

dentro do mesmo ɸ, o que é contraintuitivo. Por exemplo, Vigário (2007: 682) relata

que no PE na estrutura quinta ordem dada pode haver elisão da vogal átona da palavra

quinta. Ao contrário, no exemplo ultra-óbvio problema não pode haver elisão na vogal

átona da forma ultra. De acordo com a autora, este seria um indício de que o

constituinte que domina ultra-óbvio é um PWG, e não um ɸ, como em quinta ordem.

Segundo a autora afirma, o PWG tem a vantagem de conservar o termo grupo

da nomenclatura grupo clítico e de não estar vinculado ao agrupamento de clíticos,

necessariamente, mas de ωs. Parece ser uma alteração simples, mas acarreta grandes

consequências para a teoria, visto que permite analisar satisfatoriamente palavras

compostas e a relação de palavras lexicais com clíticos ou afixos que podem funcionar

isoladamente (SCHWINDT, 2000). Além disso, evita o problema destacado por

Peperkamp (1997) de que, em algumas línguas, o clítico estaria relacionado a ɸ ou ao

IP, uma vez que o agrupamento do PWG é feito em função da ω, e não do clítico.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

91

Dessa forma, o clítico deixa de ser o elemento em torno do qual um domínio prosódico

se organiza e pode, assim, estar relacionado a domínios maiores na hierarquia

prosódica.

O termo clítico, já documentado há muitos anos, se originou da palavra klinein,

do grego, e significa ‘reclinar’ (ANDERSON, 2005). É propriamente essa a função do

elemento: se apoiar em algum constituinte. De acordo com Zwicky (1994), não se pode

assumir que seja uma categoria linguística, visto que funciona mais como um termo

genérico sob o qual vários elementos diferentes são analisados. O comportamento

desses elementos pode se aproximar ao de uma palavra independente até ao de

afixos.

Há uma vasta literatura que descreve e analisa o clítico de formas distintas nas

línguas naturais (ZWICKY, 1977, 1985, 1994; ZWICKY & PULLUM, 1983; KLAVANS, 1985;

HALPERN, 1998; BISOL, 2000, 2005; VIGÁRIO, 2003; ANDERSON, 2005; TONELI, 2014).

Em geral, é bem aceita a definição de que clítico é um construto teórico que se

materializa em uma palavra pequena, prosodicamente dependente da palavra

adjacente, o que é uma consequência do fato de não ter acento ou perder o acento

por razões de redução. Por ser dependente de outra palavra, não constitui um

enunciado isoladamente (ZWICKY, 1985; HALPERN, 1998; ANDERSON, 2005).

A adjunção do clítico a uma palavra sintática é, muitas vezes, observada como

um processo sintático. Nessa perspectiva clássica, ocorrendo adjunção sintática a um

hospedeiro, haverá adjunção fonológica ao mesmo hospedeiro. Entretanto, conforme

advoga Klavans (1985), o processo sintático e o processo fonológico pelos quais o

clítico passa são distintos. A adjunção de um clítico a seu hospedeiro é sempre um

processo fonológico, enquanto o posicionamento do clítico em relação ao hospedeiro

é um processo morfossintático (KLAVANS, 1985: 100).

A autora argumenta que nem sempre um clítico está fonológica e

sintaticamente ligado ao mesmo hospedeiro, o que é chamado de dupla cidadania

clítica (KLAVANS, 1985: 104). Na língua australiana Nganhcara, o verbo ocupa a última

posição do enunciado e pode ter um clítico adjungido a sua direita, como no exemplo a

seguir adaptado de Klavans (1985: 104):

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

92

nhila pama-ng nhingu pukpe-wu kuʔa wa:=ngu

ele.NOM homem ele.DAT criança-DAT cachorro dar = DAT.3sg

‘O homem deu um cachorro para a criança’

No exemplo, o verbo wa: é hospedeiro sintático e fonológico do enclítico ngu.

No entanto, o clítico pode se adjungir fonologicamente a qualquer uma das palavras

do enunciado, mantendo o posicionamento sintático junto ao verbo, como nos

exemplos abaixo:

nhila pama-ng nhingu pukpe-wu kuʔa=ngu wa:

nhila pama-ng kuʔa nhingu pukpe-wu=ngu wa:

nhila pama-ng kuʔa pukpe-wu nhingu =ngu wa:

kuʔa nhingu pukpe-wu nhila pama-ng=ngu wa:

kuʔa nhingu pukpe-wu pama-ng nhila =ngu wa:

A outra possibilidade de adjunção do clítico, como vemos nesses exemplos, é

estar enclítico à palavra que precede o verbo. Desse modo, o clítico continua sendo

dominado pelo mesmo nó sintático que o verbo, mas passa a ser fonologicamente

relacionado a outro constituinte. Há fortes evidências fonotáticas de que o hospedeiro

fonológico do clítico pode ser a palavra que antecede o verbo, pois o clítico pode

assumir, em algumas circunstâncias, as formas ngku e nhcara, que não são elementos

possíveis em início de palavra na língua. Desse modo, Klavans confirma sua hipótese

de que os clíticos são regidos por processos diferentes (sintático e fonológico) e

independentes, embora possam se relacionar.

Zwicky & Pullum (1983) também defendem que os processos têm naturezas

distintas. Para os autores (1983: 504-506), todo processo de cliticização ocorre em

nível posterior ao da sintaxe e segue duas predições: a de que regras sintáticas afetam

afixos, mas não clíticos, e a de que clíticos podem se adjungir a palavras que já

contenham clíticos, mas afixos não. Zwicky & Pullum citam exemplos do inglês para

mostrar que palavras com os clíticos ‘s e ‘ve não são consideradas unidades sintáticas,

enquanto palavras com o afixo de plural ou de passado regular são analisadas

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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sintaticamente como uma única forma. Além disso, mencionam o enunciado I’d’ve

done it if you’d asked me a fim de ilustrar que o clítico ‘ve pode se adjungir às formas

I’d, mas a palavra flexionada asked (‘perguntou’) não pode ser adjungida às formas

you’d, que contêm um clítico.

Zwicky (1977) estabeleceu uma distinção fonológica/sintática no que concerne

ao tipo de cliticização que pode ocorrer. Há três tipos de clíticos, os simples (simple

clitics), os especiais (special clitics) e os de ligação (bound words). Os dois primeiros

casos são variantes não acentuadas da forma independente e têm o mesmo significado

que essas formas livres. A diferença entre os dois tipos de clíticos é que os clíticos

simples são definidos estritamente pelo comportamento prosódico, enquanto os

especiais apresentam uma sintaxe diferente. Há ainda os clíticos de ligação, que – além

de não serem variantes de uma forma independente, pois ocorrem apenas na forma

fraca – estão vinculados fonologicamente a uma palavra simples, mas sintaticamente

estão relacionados a uma frase. Interessam-nos, particularmente, os clíticos simples,

pois há semelhanças da sua descrição com o comportamento da variante num no PB.

Anderson (2005: 10) define os clíticos simples como unaccented variants of free

morphemes, which may be phonologically reduced and subordinated to a neighbouring

word. In terms of their syntax, they appear in the same position as one that can be

occupied by the corresponding free word9. De acordo com Halpern (1998), ainda que os

clíticos simples possam aparecer na mesma posição que os não clíticos aparecem

canonicamente, eles não têm a mesma distribuição que as formas livres

correspondentes. O autor (1998: 102) cita como exemplo a contração da forma will,

auxiliar de futuro no inglês, que pode aparecer completamente reduzido diante de

pronomes, mas não diante de nomes – he’ll pode ser pronunciado [hļ], mas Mary’ll

não pode ser produzido como *[mærļ].

Acreditamos que a variante num seja um clítico simples da forma não pelo fato

de poder aparecer na posição canônica pré-verbal, mas não ter a mesma distribuição

sintática que não, porque esta pode ocorrer também após o verbo (João veio não) e

9 variantes não acentuadas de morfemas livres, que podem ser fonologicamente reduzidos e

subordinados a uma palavra vizinha. Em termos de sua sintaxe, porém, podem aparecer na mesma posição que poderia ser ocupada pela palavra livre (tradução minha).

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isoladamente. A forma num não pode aparecer no fim de um enunciado (*João veio

num), nem pode aparecer isoladamente como resposta a uma questão total (João

veio? *Num). Além do mais, não há uma sintaxe especial para num, como acontece

com os clíticos especiais, nem é o caso de ser um clítico de ligação, pois concorre com

a variante não na negação sentencial (clíticos de ligação aparecem apenas na forma

reduzida e não acentuada).

Há ainda uma última característica dos clíticos que é fundamental para a

análise que pretendemos desenvolver. Clíticos podem, como ressalta Halpern (1998),

ocorrer simultaneamente às formas não clíticas no mesmo enunciado, o que é

chamado de duplicação clítica (‘clitic doubling’). Há exemplos de várias línguas, como o

hebreu e o espanhol, em que essa possibilidade de co-ocorrência das formas clítica e

livre é permitida. É o caso do advérbio de negação no PB. Levantamos a hipótese de

que num seja um clítico também por conta da possibilidade de a estrutura de negação

aparecer sob a forma de dupla negativa, como no exemplo Maria num foi à festa não.

A ocorrência simultânea de num e não com o mesmo conteúdo semântico na mesma

proposição pode ser um indício de duplicação clítica.

3.5. Resumindo

Como vimos, não há um consenso sobre o tratamento que deve ser dispensado

aos elementos que são considerados clíticos. Parece, contudo, ser patente a

informação de que clíticos são elementos reduzidos que se originam de uma forma

independente da língua. As relações sintáticas e fonológicas entre o clítico e seu

hospedeiro também são diferentes, o que implica compreender que o hospedeiro

pode ser a mesma forma linguística (no caso de o domínio da cliticização sintática ser o

mesmo da cliticização fonológica), mas podem ser formas linguísticas diferentes (no

caso de haver diferença na cliticização). Aliás, a cliticização fonológica diz respeito à

adjunção do clítico ao seu hospedeiro, que pode ser uma ω ou constituintes mais altos

na hierarquia. Já a cliticização sintática se refere ao posicionamento do clítico em

relação ao hospedeiro, ou seja, se o nó que domina o hospedeiro também domina o

clítico.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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É também uma generalização a necessidade de observar o clítico como um

construto teórico escalar, que pode assumir características de maior ou menor

dependência ao hospedeiro. Bisol (2000:10) resume essa propriedade:

Clíticos são formativos difíceis de classificar como palavras independentes ou afixos. Diferem da palavra independente, porque não são candidatos a receber acento; diferem de afixos flexionais, pois são formas livres; diferem de afixos derivativos, porque são necessariamente periféricos.

Nosso objetivo é, portanto, verificar o estatuto fonológico das palavras

funcionais não e num no PB. Buscaremos indícios que confirmem nossa hipótese de

que num se comporta como um clítico e não como uma ω. Sendo considerado um

clítico, devemos tentar definir que tipo de clítico é num e qual é sua prosodização em

relação à palavra lexical verbal. Pretendemos mostrar que o clítico pré-verbal é

adjungido a uma ω, ao contrário de alguns prefixos que são incorporados a ela como

uma sílaba pretônica.

Fica evidente, portanto, o pressuposto da hierarquização fonológica que

abrange a análise desta tese. A organização da fala em domínios prosódicos é, sem

dúvidas, um campo fértil ainda a ser explorado para investigar os fenômenos fonéticos

e fonológicos do PB. Do mesmo modo, é igualmente importante para a análise que se

esboça neste trabalho considerar os fenômenos entoacionais que podem revelar

características das variantes pesquisadas. No caso específico desta tese, o acento

inicial de IP pode ser um indício para comprovar a hipótese de que não é uma ω, assim

como a não ocorrência deste acento tonal pode sustentar a hipótese de que num

tenha se cliticizado.

É, com base neste aspecto, talvez, o objetivo mais geral desta tese: mostrar que

a variação fonética pode ser condicionada por fatores fonológicos, cujas evidências

para explicá-la advenham da interação entre a estrutura entoacional e as fronteiras

prosódicas. O pressuposto básico da sociolinguística de que a linguagem se caracteriza

pela heterogeneidade ordenada (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968 [2006]) é

respondido nesse estudo de interface a partir das diferentes realizações que podem

ocorrer em domínios prosódicos diferentes. Aliás, essa é uma das premissas da Teoria

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

96

da Hieraquia Prosódica, ao propor que os domínios sejam postulados e, a partir disso,

evidências empíricas sejam encontradas nas línguas naturais.

Ao longo do texto, faremos alguns apontamentos teóricos que considerarmos

pertinentes ao trabalho, bem como retomaremos alguns pontos discutidos neste

capítulo. Não pretendemos, assim, esgotar o assunto, que é vasto em si próprio, mas

apenas apresentar os principais conceitos das teorias com as quais analisamos os

dados, a fim de situar o leitor.

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CAPÍTULO QUATRO

APORTE METODOLÓGICO

A análise pretendida nesta tese está fundamentada nas assunções da Teoria da

Hierarquia Prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986) e nas da Fonologia Entoacional de base

Autossegmental e Métrica (LADD, 2008). Metodologicamente, contamos com o

aparato da sociolinguística de base laboviana (LABOV, 1994), uma vez que

consideramos relevantes os procedimentos adotados para entender a

heterogeneidade ordenada do sistema linguístico (WEINREICH, LABOV & HERZOG,

1968 [2006]).

Neste capítulo, portanto, apresentamos os questionamentos e as hipóteses que

nos motivaram a investigar a variação entre duas formas de negação no PB; o corpus

de fala espontânea utilizado para observar os dados produzidos, bem como a

caracterização sociocultural dos informantes selecionados; e os programas

computacionais que permitiram as análises estatística e acústica dos dados.

Descrevemos também a variável dependente do trabalho e as variáveis independentes

linguísticas e sociais que podem condicionar a realização de uma das duas variantes

em questão – a forma plena não ou a forma reduzida num.

4.1. Hipótese

De acordo com o que já foi exposto nos capítulos anteriores, sabe-se que há

variação fonética entre duas possíveis realizações da negação sentencial no PB10. As

formas variantes não e num ocorrem sempre em posição pré-verbal, enquanto na

posição pós-verbal há um bloqueio à regra de redução, podendo ocorrer apenas a

forma plena não (RAMOS, 2002).

10

Sendo assim, não serão analisados os casos em que a negação incide sobre um constituinte específico

da sentença, ou, negação dicto, como foi chamada por CASTILHO (2010: 685), como a negação de um substantivo, por exemplo.

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APORTE METODOLÓGICO

98

A principal hipótese defendida nesta tese busca relacionar a redução fonética

por que passa o advérbio de negação à influência dos fenômenos que caracterizam os

tipos de fronteiras prosódicas. Em outras palavras, a variação entre não e num parece

ser condicionada por fatores prosódicos, como a posição em que ocorrem dentro dos

domínios prosódicos. Assim, em posições inicial e interna ao IP, percebe-se a variação,

que é bloqueada na fronteira direita do mesmo constituinte. A explicação para o

bloqueio derivaria do fato de a cabeça do IP ser uma posição forte, a qual estão

associados eventos tonais e onde podem ocorrer pausas e alongamentos. Nossa

hipótese é que esses fatores exerceriam algum papel para a não redução da forma não

nesta posição.

Como reflexo da redução que ocorre nas posições inicial e internas de IP,

ocorre um processo de cliticização, amplamente estudado na literatura sobre sintaxe

(VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA, 2001; RAMOS, 2002; SOUSA, 2007, 2012; entre

outros), mas pouco pesquisado do ponto de vista fonético e fonológico (CIRÍACO,

VITRAL & REIS, 2004). O elemento reduzido é, em geral, não acentuado e, com isso,

costuma estar contíguo a uma ω, o que é um comportamento observado para os

clíticos em diversas línguas do mundo (ANDERSON, 2005). Embora seja discutível, em

geral, a característica que define a ω no PB é o fato de ser portadora de um acento

lexical (FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007; VIGÁRIO &

FERNANDES-SVARTMAN, 2010). No caso da redução do item num, o operador de

negação se apoiaria no verbo que o segue. Esse mesmo verbo é uma ω e passa, assim,

a funcionar como hospedeiro para o clítico.

A hipótese que decorre é, então, que existe um processo de cliticização

fonológica do item num no PB, que tem como principais características (i) a perda do

acento lexical que o caracterizava como ω, (ii) a redução de um ditongo nasal para um

vogal nasal, ou, em alguns casos, uma vogal sem ressonância nasal e (iii) a

impossibilidade de ocorrer em outras posições, que não seja diante de uma ω verbal.

Contudo, acreditamos que ainda não haja elementos suficientes para caracterizá-lo

como um clítico prototípico, à semelhança dos clíticos pronominais do PB, pois, ao

contrário destes, num não tem mobilidade no enunciado e pode co-ocorrer no mesmo

enunciado com outra forma de significado semelhante. Vejam-se os exemplos (1) e (2)

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APORTE METODOLÓGICO

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a seguir, em que as formas num e não na mesma sentença são aceitáveis, mas as

formas lhe e para você parecem estranhas (embora aceitáveis em algumas

variedades).

(1) Ele num foi à festa não.

(2) ? Ele lhe deu o presente para você.

A fim de confirmar a hipótese de que num está em processo de cliticização,

pretendemos observar como se manifestam o correlato acústico de duração e o

padrão entoacional do contorno pré-nuclear.

Partimos das considerações feitas por Ciríaco, Vitral & Reis (2004) de que os

correlatos acústicos do acento no PB (MORAES, 1995) poderiam ser pistas importantes

para determinar o processo de cliticização. Segundo Moraes (1995: 180), em posições

fracas, que são internas a um “grupo prosódico”, os correlatos que importam são a

duração e a intensidade, enquanto em posições fortes, na fronteira de um

constituinte, é relevante observar também a frequência fundamental. Como a posição

que prevê variação entre os itens não e num é interna ao IP, consideraremos apenas a

duração das palavras.

Espera-se que as formas reduzidas, se forem, de fato, não acentuadas, tenham

valores de duração menores que os das formas plenas correspondentes. Será preciso,

então, cotejar os valores de num e não, a fim de confirmar a hipótese de cliticização. É

necessário que esses valores sejam comparados com base no mesmo indivíduo, pois

indivíduos diferentes podem ter velocidades de fala distintas, o que pode influenciar

os valores obtidos para a duração de uma palavra, por exemplo. Desse modo,

apresentaremos as médias de duração de não e de num por cada indivíduo e, ao fim,

analisaremos a média de todos os informantes do corpus, o que permitirá

compreender o panorama do processo.

A outra observação que se faz necessária diz respeito aos eventos tonais que

estão associados ao contorno pré-nuclear. Já que o processo é variável apenas na

posição pré-verbal, constata-se que as variantes podem aparecer como primeiro

elemento de um IP – no caso de orações com sujeito nulo (3) ou sujeito posposto (4),

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APORTE METODOLÓGICO

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por exemplo – ou no interior do IP – no caso de orações com sujeito pleno (5),

iniciadas por conectivos (6) ou adjuntos curtos (7), por exemplo:

(3) as crianças num tinham uma pracinha pra brincar, entendeu? (pausa) num

tinha nada, nada, nada (informante mulher, culta e adulta – NIG B 3 M 26)

(4) eles assaltaram a parte interna do port/ do postinho... e do escritório que

ficava ali também, saíram dali, não aconteceu nada (informante homem,

culto e adulto – COP B 3 H 189)

(5) eu que administro tudo aqui em casa, eles num sabem nem o preço de nada

(informante mulher, não culta e idosa – NIG C 1 M 31)

(6) mas geralmente é alguém que num prestava (pausa) muito raro morrer um

inocente (informante homem, não culto e jovem – NIG A 1 H 8)

(7) mas em termos de crime político, aqui num tem não, entendeu? (informante

homem, culto e jovem – NIG A 3 H 78)

O contorno pré-nuclear das sentenças declarativas no PB é marcado por uma subida

da curva de F0 (MORAES, 2008; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo),

havendo a possibilidade de que um acento tonal se associe à primeira ω do enunciado.

Como o operador de negação pode ser o primeiro elemento do enunciado, como

vimos nos exemplos em (3) e (4), a ausência ou a presença desse evento tonal pode ser

mais um indício para confirmar nossa hipótese de que num esteja em um processo de

cliticização. Se ele se comportar como uma palavra acentuada, poderá haver

associação tonal à estrutura segmental, porém se o comportamento for o de uma

palavra átona, não haverá a associação de um tom à estrutura segmental.

Com relação ao contexto de interior de IP, a primeira posição do IP pode ser

ocupada por um sujeito, um conectivo ou um adjunto, o que pode alterar a

configuração entoacional do enunciado. Nesse caso, se o antecedente for uma ω, por

exemplo, é provável que a ela esteja associado o evento tonal de início de IP, e não

mais ao advérbio de negação não. Em outras palavras, um enunciado como As

angolanas não venderam especiarias aos jornalistas provavelmente (mas não

necessariamente) tem um movimento ascendente relacionado à ω angolanas. Assim, o

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APORTE METODOLÓGICO

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acento tonal de início de IP estaria associado à sílaba tônica desta palavra, e não ao

operador de negação pré-verbal. Pesa contra essa hipótese, o fato de ter sido

formulada com base em fatos teóricos, mas não empíricos. Um fato mais empírico

pode ser encontrado em Armstrong, Bergmann & Tamati (2008: 2), que descreveram

um padrão entoacional em que a subida da curva de F0 está relacionada ao advérbio

de negação. Nesse caso, segundo os autores, houve associação de acento tonal à

variante não, independentemente de ela ser o primeiro elemento do enunciado.

Assim, não importaria haver um elemento à esquerda, pois mesmo assim um evento

tonal estaria associado à variante plena não.

Conforme abordamos no capítulo anterior, Fernandes (2007) propôs que o

domínio para a aplicação de acentos tonais no PB seja a ω, de modo que a cada

palavra acentuada possa estar associado um evento tonal. Frota & Vigário (2000)

demonstraram a relevância dos domínios baixos na hierarquia prosódica para a

atribuição tonal no PB, tendo enfatizado, especialmente, a associação tonal à cabeça

do ɸ. Entretanto, conforme foi detectado por Frota et alii (2015), parece haver, de

fato, a possibilidade de associação tonal a cada ω dos enunciados no PB, com

obrigatoriedade à cabeça do ɸ, o que também foi evidenciado por Toneli (2014). Os

resultados das autoras demonstram uma maior densidade tonal para o PB em

comparação com o PE.

Partindo dessas considerações, tomamos como pressuposto o fato de que um

acento tonal pode estar associado a qualquer ω, mesmo que esta não seja a primeira

ω do IP, nem a mais proeminente do ɸ. Desse modo, pode haver um evento tonal

associado à estrutura segmental de não, mesmo nos casos em que ocorre no interior

do IP e não é a proeminência do ɸ.

Outra questão que investigaremos a fim de confirmar a hipótese de haver um

processo de cliticização da variante não para num é o comportamento prosódico de

outras palavras que tenham estrutura segmental semelhante. Partimos do

pressuposto de que a variante não seja um monossílabo tônico, apresentando uma

configuração fonológica muito parecida com a de palavras também acentuadas, como

os verbos dão, são, vão, tão (forma reduzida de estão), e os nomes cão, chão, mão,

pão. Assim, é possível uma comparação do correlato acústico de duração dessas ωs

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APORTE METODOLÓGICO

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com os resultados obtidos para a variante não. Para tanto, é necessário que sejam

cotejadas as realizações de um mesmo falante e que as palavras estejam no mesmo

contexto prosódico, ou seja, foram comparados itens na mesma posição no enunciado

– início ou interior do IP – e na mesma relação de proeminência no ɸ – foram

observadas apenas as palavras que não eram cabeça de ɸ, pois não geralmente não é

cabeça deste constituinte (VIGÁRIO, 1998). Se nossas hipóteses estiverem corretas,

esperamos encontrar valores em milissegundos para a duração das ωs muito

semelhantes aos da variante não. Com isso, seria possível afirmar que não é um ω no

PB. Alguns exemplos de sentenças com as ωs são, tão e vão são demonstrados a

seguir:

(8) eu tenho alguns amigos que são economistas, que são, é (pausa)

administradores, engenheiros (informante homem, culto, jovem – COP A

3 H 118)

(9) eu falei assim, gente, uma pedra tão pequena que a gente vê

(informante mulher, não culta, jovem – COP A 1 M 16)

(10) essas crianças vão sofrer! Agora não, mas futuramente vão (informante

homem, não culto, adulto – NIG B 1 H 4)

Paralelamente, com o intuito de demonstrar que as variantes de negação não e

num apresentam comportamentos fonológicos diferentes, consideraremos também a

análise da palavra nunca em posição pré-verbal11, como no exemplo abaixo:

(11) e acham a quiche maravilhosa! Eu fico pensando, nunca comeram a

minha quiche! (informante mulher, culta, idosa – COP C 3 M 4)

A observação da ω nunca permite a comparação com a variante reduzida num,

pois (i) a primeira sílaba de nunca apresenta um padrão CVC e os mesmos segmentos

11

Não nos interessam os outros contextos em que nunca pode ocorrer, visto que não são ambientes em que num também possa aparecer. Por exemplo, a palavra nunca pode preceder um sujeito, como em Nunca o prefeito veio aqui, ou isoladamente como resposta a uma pergunta, como O prefeito veio aqui? Nunca; nesses contextos, num não pode aparecer e, por isso, não podemos fazer as comparações necessárias.

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APORTE METODOLÓGICO

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fonológicos que a forma num, a saber, /nuN/; (ii) a sílaba inicial da ω nunca é

portadora de acento lexical, enquanto acreditamos que o operador de negação num

seja átono; (iii) ambos têm a propriedade semântica de negar a proposição da

sentença; e (iv) a ω nunca também pode aparecer em posição contígua ao verbo,

assim como o operador de negação num. Desse modo, acreditamos que o

comportamento prosódico das formas seja comparável12, embora esperemos que seus

resultados apontem uma nítida diferença entre sílaba proeminente de uma palavra

prosódica (nunca), de um lado, e palavra clítica (num), de outro. Se conseguirmos

esses resultados, poderemos apontar a distinção entre não e num, a fim de

caracterizar esta como um clítico e aquela como uma ω.

Já na fronteira direita do IP, por sua vez, temos por hipótese que não há

variação, sendo categórica a ocorrência de não. Essa posição, além de ser marcada por

um contorno da curva de F0 diferenciado a depender da modalidade da frase, é uma

fronteira prosódica e pode também apresentar pausas e alongamentos, o que inibiria a

aplicação de processos fonético-fonológicos em geral (SERRA & CALLOU, 2013, 2015).

Diante das características elencadas para a fronteira direita de IP (SERRA,

2009), espera-se, pois, que o não que ocorre em posição final seja mais longo que as

ocorrências de não no início e no interior do IP e venha, geralmente, seguido de pausa.

Esperamos também que a ele possa estar associado algum evento tonal que

caracterize a fronteira direita de IP. No entanto, pelo fato de os dados do corpus serem

de fala espontânea, não há como prever o tipo de evento que pode ocorrer nessa

posição, haja vista a variação dos contornos dos enunciados (SERRA, 2009).

Além disso, pretendemos verificar a distribuição das variantes pelas três

estratégias sintáticas de negação: negação canônica, como no exemplo (12); dupla

negação, como no exemplo (13); e negação final, como no exemplo (14).

(12) é que nessa mudança de sistema que eu fiz... gerou uma confusão

danada, porque o pessoal do antigo sistema não queria que eu saísse

(informante homem, culto, adulto – COP B 3 H 63)

12

Deve ser ressaltado, entretanto, o caráter enfático da palavra nunca, o que, ainda assim, não invalida a comparação.

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APORTE METODOLÓGICO

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(13) ele ‘maqueia’ aquilo ali e acaba se dando bem, que tem pessoas que tem

um pouquinho de entendimento, eu acho que num aprova tudo que ele

faz não (informante mulher, não culta, adulta – NIG B 1 M 154)

(14) opção de ônibus tem bastante, tem problema com condução não

(informante mulher, culta, jovem – NIG A 3 M 44)

Ramos (2002) utilizou o argumento de que há uma maior probabilidade de

ocorrência da variante reduzida nas negações duplas como um indício para a hipótese

de que num seja um clítico. Entretanto, a autora não demonstrou esse favorecimento

da estrutura de dupla negativa. Outros trabalhos (VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA,

2001) também advogam o surgimento da estrutura de dupla negação como resultado

do enfraquecimento do operador de negação pré-verbal.

Pretendemos, portanto, observar a distribuição dos dados por essas três

estratégias e verificar se há um favorecimento da estrutura de dupla negação para

ocorrer mais dados da variante reduzida. Se houver o favorecimento, significa que a

estrutura sintática também atua na realização da forma clítica num. Esperamos

verificar que a estrutura canônica favorece a forma reduzida tanto quanto a estrutura

de dupla negação, porque isso fortalece nossa hipótese de que o processo de

cliticização analisado nesta tese é exclusivamente de natureza fonológica.

É preciso observar também qual a frequência da estrutura de negação canônica

e comparar seu resultado aos das estruturas não canônicas. Se houver uma proporção

menor de estrutura canônica, pode ser que haja um processo de mudança em

progresso (ALKMIM, 2002), e não de variação estável (RAMOS, 2002).

Na próxima subseção, apresentaremos a amostra utilizada para este trabalho,

bem como os motivos que nos fizeram adotá-la.

4.2. O corpus

O corpus do Projeto Concordância, utilizado nesta tese, foi escolhido com base

em uma generalização sobre a redução dos ditongos nasais, a de que é uma

característica da fala não culta. Diversos trabalhos (VOTRE, 1978; GUY, 1981; AMARAL,

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1955) utilizam o fenômeno para distinguir a fala dos indivíduos menos escolarizados e

a dos mais escolarizados. Como já assinalamos na revisão da literatura, a redução não

é um fenômeno exclusivo da fala não culta, visto que ocorre também na fala culta,

embora haja maior probabilidade de ocorrência de variantes reduzidas na fala de

pessoas menos escolarizadas (BATTISTI, 2002: 198).

Sendo o processo por que passam as variantes não e num a redução do ditongo

nasal, acreditamos que seria relevante a comparação de dados de fala culta com dados

de fala não culta, para que observemos se há uma maior identificação da fala não culta

também com a realização de num. Considerando essa assunção, definiu-se a análise de

dados de uma amostra que contemplasse a fala espontânea dos dois níveis de

escolaridade.

A princípio, cogitou-se o uso do material disponível nos projetos NURC (Projeto

da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro) e PEUL (Programa de Estudos sobre o

uso da língua) por serem de fácil acesso e de amplo conhecimento na comunidade

acadêmica. Contudo a qualidade das gravações poderia representar um problema

durante a análise acústica dos dados, visto que esses corpora são mais antigos.

Assim, optamos por utilizar o corpus do Projeto Concordância (disponível em

http://www.concordancia.letras.ufrj.br), coordenado pelas professoras Silvia Viera

Rodrigues (UFRJ) e Maria Antónia Ramos Coelho da Mota (Universidade de Lisboa). O

projeto surgiu da necessidade de investigar os padrões de concordância nas

variedades do português, já que a marcação de concordância verbal e concordância

nominal é, frequentemente, apontada como um dos principais diferenciadores de PB e

PE. Foram, então, selecionadas duas localidades no Rio de Janeiro (Copacabana e Nova

Iguaçu) e duas em Lisboa (Oeiras e Cacém), além do português africano, para servirem

como ponto de referência para a seleção de informantes. É um corpus atualizado e

robusto (18 informantes em cada localidade) que cumpre o papel de estabelecer

generalizações sobre as diferenças sintáticas e morfofonológicas das variedades.

O problema de utilizar amostras de fala espontânea relaciona-se ao fato de que

as entrevistas são, geralmente, gravadas nas casas ou locais de trabalho dos

entrevistados. Esses espaços físicos não têm o isolamento acústico necessário, o que

resulta em áudios com muito ruídos e interferências. Com isso, muitos dados tiveram

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APORTE METODOLÓGICO

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de ser eliminados e, em alguns casos, o informante teve que ser excluído da amostra

deste trabalho (cf. capítulo 5).

Inicialmente, havíamos selecionado vinte e quatro informantes do estado do

Rio de Janeiro, distribuídos em igual número em relação ao nível de escolaridade, à

faixa etária e ao sexo. Contudo, após a supressão de dados, restaram quatorze

informantes: seis homens e oito mulheres; sete falantes cultos e sete não cultos; seis

jovens, cinco adultos e três idosos; e cinco moradores de Copacabana e nove de Nova

Iguaçu. Como se percebe, a distribuição não é regular, mas isso não impede a análise,

sobretudo, do fator escolaridade. No estudo preliminar que realizamos com todos os

dados de redução de ditongo nasal (incluindo verbos e nomes terminados com -gem),

os fatores sociais não foram selecionados como relevantes pelo programa Goldvarb X.

Entretanto, consideramos necessário verificar se esse resultado se mantém na análise

apenas das variantes não e num.

Nas tabelas a seguir, são indicadas as referências das entrevistas que foram

selecionadas para este trabalho.

Copacabana Ensino Fundamental Ensino Superior

Homem Mulher Homem Mulher

Faixa 1 COP-A-1-M COP-A-3-H

Faixa 2 COP-B-1-H COP-B-3-H

Faixa 3 COP-C-3-M

Tabela 6: distribuição das amostras de Copacabana do Projeto Concordância

Nova Iguaçu Ensino Fundamental Ensino Superior

Homem Mulher Homem Mulher

Faixa 1 NIG-A-1-H NIG-A-1-M NIG-A-3-H NIG-A-3-Mcomp

Faixa 2 NIG-B-1-H NIG-B-1-M NIG-B-3-Mcomp

Faixa 3 NIG-C-1-M NIG-C-3-M

Tabela 7: distribuição das amostras de Nova Iguaçu do Projeto Concordância

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APORTE METODOLÓGICO

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4.3. Os programas computacionais

Seguimos os procedimentos metodológicos da sociolinguística de orientação

laboviana, a fim de controlar fatores linguísticos e sociais e verificar os

condicionamentos à redução do ditongo nasal. Primeiramente, os dados foram

organizados em planilhas do Excel com a especificação do arquivo de áudio

correspondente, a codificação das variáveis investigadas, o tom associado à estrutura

segmental e os valores de duração. A Figura 1 abaixo ilustra essa etapa:

Figura 1: layout de uma janela do programa Excel com as informações relativas aos dados

produzidos em posição inicial

Utilizamos o programa computacional Goldvarb X (SANKOFF et alii, 2005) para

o tratamento estatístico dos dados a partir dos códigos atribuídos a cada um dos

fatores controlados. Esse programa, bastante usado nas análises sociolinguísticas,

possibilita uma interpretação mais acurada dos dados.

Na análise acústica, havia a necessidade de observar o comportamento da

curva de F0 dos enunciados, para que pudesse ser feita a notação tonal, e obter a

média de duração silábica das variantes não e num. Para tanto, fizemos uso do

programa computacional PRAAT (BOERSMA & WEENINK, 2015), com o qual realizamos

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APORTE METODOLÓGICO

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as anotações em três camadas, a ortográfica, a tonal e a de fronteiras. A figura abaixo

ilustra como foi feita essa etapa.

Figura 2: curva melódica do enunciado Não sou metida, produzida por informante mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 225)

No PRAAT, foram obtidos os valores em milissegundos (ms.) da duração silábica

das variantes não e num nas posições pré-verbal e pós-verbal, o que pode ser o

principal indício para confirmar a hipótese de que há um processo de cliticização em

jogo. Formas reduzidas tendem a ser menores do que as correspondentes plenas

(SELKIRK, 1995; CIRÍACO, VITRAL & REIS, 2004), logo, o esperado é que num seja

sensivelmente menor, em termos de duração, do que não. Não se pode desconsiderar

o fato de que, invariavelmente, formas átonas tendem a ter naturalmente duração

menor que formas tônicas. Entretanto, essa tendência não invalida a comparação

entre não e num, uma vez que pretendemos comparar também não com outras

palavras monossilábicas que tenham ditongo nasal, como são, mão e vão, por

exemplo. Da mesma forma, faremos o cotejo dos valores de duração daquela forma

com a sílaba acentuada da palavra nunca. Essas análises visam a diminuir qualquer

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APORTE METODOLÓGICO

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incerteza que a caracterização de não como palavra tônica e num como palavra átona

pode gerar.

Com relação à notação tonal, foram atribuídos tons às proeminências – de

acordo com os postulados de Pierrehumbert (1980), Beckman & Pierrehumbert (1986)

e Ladd (1996 [2008]) – a partir da observação do comportamento da curva de F0 e da

percepção auditiva dos dados. Baseamos nossa análise também no que tem sido

descrito sobre as características melódicas dos enunciados no PB (MORAES, 1997,

2008; CUNHA, 2000; TENANI, 2002; CASTELO, 2011; SILVESTRE, 2012); em especial,

estivemos atentos às conclusões apontadas por Serra (2009) a respeito do

comportamento entoacional desses enunciados, uma vez que seus dados eram, assim

como os nossos, de fala espontânea. Acreditamos que a descrição dos contornos pode

ser, paralelamente ao objetivo principal (investigar o estatuto fonológico e a

prosodização das variantes de negação), uma contribuição para a literatura sobre

entoação no PB, uma vez que há poucos trabalhos que analisem dados de fala

espontânea.

Além de ser uma pista para identificarmos o processo de cliticização, a

atribuição tonal foi relevante para verificar se existia algum comportamento diferente

em relação ao padrão neutro no movimento do contorno pré-nuclear. Seguindo

generalizações de Vigário (1998) e Frota (2000) de que o advérbio de negação seria

marcado por foco no PE, consideramos a possibilidade de haver alguma marcação

tonal diferente associada a não em função do foco. Entretanto, nossa intuição e

também os resultados apontados por Swenter (2004) indicam que não há uma

correlação necessária entre o advérbio de negação e um acento de foco.

É necessário, portanto, que se verifique se os mesmos movimentos melódicos

são registrados no advérbio. Havendo diferença nos acentos, caberá identificar que

tipos de acento ocorrem nesse contexto. Nossa hipótese é que ocorra um acento tonal

L+H associado a não em posição inicial, que é o padrão da primeira proeminência dos

enunciados do PB (MORAES, 1997, 2008; FROTA & MORAES, no prelo), bem como das

outras proeminências do contorno melódico.

Na figura a seguir, mostramos um acento tonal associado à variante não. Como

nosso objetivo era verificar apenas o comportamento do item não, atribuímos, nesta

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APORTE METODOLÓGICO

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imagem, apenas o acento inicial de IP. Podemos perceber que há um movimento

ascendente no advérbio não, cujo pico se realiza na sílaba pretônica da forma verbal

merece. Esse é o movimento característico do início do IP no PB (MORAES, 1997;

TENANI, 2002; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no prelo), tendo sido

também encontrado no advérbio não por Armstrong, Bergmann & Tamati (2008) no

corpus analisado pelos autores. Esperamos, assim, que os dados da nossa amostra

apresentem esse tipo de comportamento entoacional.

Figura 3: curva melódica do enunciado não merece presente, produzida por informante mulher,

adulta, não culta (NIG B 1 M 45)

Foi utilizado também nesta tese o R (R Development Core Team, 2011), que é

um software de linguagem de programação para cálculos estatísticos. Especificamente,

pretendíamos calcular as médias de duração e verificar a comparabilidade das

variantes analisadas, como, por exemplo, saber se não e num são, estatisticamente,

iguais ou diferentes. Isso é relevante, porque, se os testes estatísticos apontarem que

são diferentes, há uma confirmação da nossa hipótese, que é a de que as variantes

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APORTE METODOLÓGICO

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têm estatutos fonológicos diferentes. Caso os resultados dos testes indiquem

igualdade entre as variantes, nossa hipótese não se aplica ao fenômeno em questão.

Foi feito, então, o Teste-T com as médias de duração de cada variante. Esse

procedimento estatístico verifica, entre outras coisas, a igualdade ou a diferença das

variáveis em relação à média, retornando um valor p. Caso o valor p seja menor do que

o nível de significância assumido como 5%, rejeita-se a hipótese nula, o que quer dizer

que as médias das variantes são diferentes. Nesse caso, por exemplo, não e num

devem ser considerados elementos fonológicos distintos. Ao contrário, se o valor p for

maior do que o nível de significância, não se rejeita a hipótese nula, ou seja, as médias

das variantes são iguais. Numa possível comparação entre não e num, por exemplo,

isso significaria que as variantes têm estatutos fonológicos iguais.

4.4. Descrição da variável dependente

A variável binária que se propõe investigar, neste estudo, focaliza a

manutenção ou a redução do ditongo nasal no operador de negação no PB. No caso de

manutenção, obtém-se a realização plena do advérbio, [nãw], ao passo que se houver

a redução, a realização percebida é [nu].

Como abordado na introdução da tese, a escolha deste objeto de estudo está

relacionada, sobretudo, à sua alta frequência de ocorrência no corpus. No primeiro

levantamento de dados com redução de ditongo nasal, reunimos 6857 dados, dos

quais 4914 (72%) envolvia uma das variantes do operador de negação. Como

consequência dessa alta frequência, a redução que se aplica, geralmente, a sílabas

átonas, pôde ocorrer em sílabas acentuadas, já que não é um monossílabo tônico.

Alguns exemplos em que concorrem as variantes não e num são apresentados a

seguir:

(15) no interior do Rio de Janeiro ... não precisamos ir para fora do nosso

Brasil não, não precisamos ir para fora do... do nosso estado (informante

mulher, culta, idosa, NIG C 3 M 119)

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APORTE METODOLÓGICO

112

(16) ali na praça Arco Verde que tem um... num sei se ainda tem o teatro de

arena, me parece que tinha virado igreja evangélica (informante

homem, não culto, adulto, COP B 1 H 9)

(17) criança tem que ter horário... e as mães pra não se preocuparem, que eu

sempre, eu sempre falo assim, educar dá trabalho, e a maioria das mães

de hoje num querem ter trabalho (informante mulher, não culta, idosa,

NIG C 1 M 59)

Nas próximas seções, detalharemos as variáveis independentes que foram

analisadas neste trabalho. Iniciamos pela apresentação das variáveis linguísticas e, em

seguida, as sociais. Conforme veremos, as variáveis sociais, ao contrário do que era

esperado, não foram selecionadas como fatores relevantes pelo programa estatístico.

4.5. Descrição das variáveis independentes: fatores linguísticos

Em termos labovianos, a variabilidade de um determinado fenômeno

linguístico depende de um conjunto de fatores internos ou externos à língua. A ênfase

que os sociolinguistas deram aos fatores sociais (PAREDES, 2003) se deve a uma

oposição às principais assunções gerativistas13 de concepção da linguagem. Nada mais

natural que, em um primeiro momento, tenham privilegiado a influência das variáveis

sociais, excluindo, inclusive, os casos que pudessem ser explicados por razões

estritamente linguísticas (HUDSON, 2007 [1980]: 169). Contudo, o desenvolvimento

dos estudos, focalizando, sobretudo, os processos fonéticos, fez despontar o interesse

em verificar a influência das variáveis linguísticas.

A sociolinguística merece destaque não apenas por incluir os fatores sociais na

pesquisa científica da área, mas também por seus métodos, que inovaram os estudos

linguísticos por tratar estatisticamente os condicionamentos internos, o que sinaliza

uma posição teórica distinta dos modelos que adotam elementos categóricos.

Neste estudo, definiram-se oito grupos de fatores internos: posição do

advérbio no sintagma entoacional; tipo de estratégia de negação; contexto fonético

13

Formalistas, na verdade, já que as ideias carreadas por Chomsky e seus correlatos têm origem numa longa tradição de estudos da linguagem dissociada do contexto social (HUDSON, 2007 [1980]).

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APORTE METODOLÓGICO

113

subsequente; forma verbal; número de sílabas do verbo subsequente; distância em

sílabas até a próxima sílaba acentuada; tipo de elemento antecedente; e número de

sílabas do elemento antecedente. A seguir, são apresentadas as hipóteses que

nortearam a escolha de cada uma das variáveis listadas.

4.5.1. Posição do advérbio no sintagma entoacional

O domínio de IP tem sido caracterizado no PB pela ocorrência de um tom

ascendente associado à primeira sílaba acentuada, pela presença de um contorno

nuclear, pela possibilidade de um alongamento silábico na última sílaba tônica e pela

possível ocorrência de pausa na sua fronteira direita (FROTA, 2000; FROTA & VIGÁRIO,

2000; TENANI, 2002; MORAES, 1997, 2008; TRUCKENBRODT, SANDALO & ABAURRE,

2008; SERRA, 2009).

O nome do constituinte IP deriva do fato de ser o domínio de ocorrência de um

contorno entoacional, que, nas línguas românicas, tem sua proeminência mais à direita

no domínio (FROTA & MORAES, no prelo). Esse contorno, que é formado por uma

sequência de eventos tonais (LADD, 2008: 133), parece ter uma modulação mais

variável no PB do que no PE (FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; CRUZ & FROTA,

2013; FROTA et alii, 2015), visto que na variedade brasileira a distribuição de acentos é

mais rica. Essa hipótese de maior densidade tonal vai ao encontro dos resultados de

Fernandes (2007), que propôs que a cada ω (e não apenas à prominência de ɸ), pode

estar associado um acento tonal no PB.

A posição inicial do IP tem sido caracterizada no PB por um movimento

ascendente na curva de F0, com a ocorrência de um acento tonal associado à primeira

ω do constituinte. Há, conforme afirmam Frota & Moraes (no prelo), descrições

divergentes referentes à especificação do alvo (target, na terminologia em inglês).

Essas descrições distintas podem ser reflexo, inclusive, da variação dialetal, já que

alguns trabalhos que analisam a fala do interior de São Paulo optam pelo acento L*+H

(TENANI, 2002) e outros, que analisam falantes cariocas, adotam L+H* (MORAES,

2008).

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APORTE METODOLÓGICO

114

Essa descrição sobre as posições inicial e interna de IP é relevante para o objeto

de estudo desta tese por dois motivos que estão estreitamente relacionados. Em

primeiro lugar, ela evidencia que os acentos tonais podem estar associados não

apenas a elementos na fronteira inicial do IP, mas também a ωs no seu interior

(FERNANDES, 2007). Isso possibilita sustentar a hipótese de que um acento tonal possa

estar associado a não, seja ele a primeira ω do enunciado ou não. De igual modo,

permite verificar se ocorre acento tonal associado à variante num, esteja também em

posição inicial ou medial do IP. Nossa expectativa é que não ocorra esta associação,

uma vez que consideramos que num seja uma forma átona, logo, não seria uma ω. Em

segundo lugar, o comportamento entoacional seria indício para confirmarmos a

hipótese de que ocorre um processo de cliticização e também permitiria evidenciar a

prosodização de cada uma das palavras no PB.

Um operador de negação também pode ocorrer na cabeça de IP, porém, ao

contrário das posições inicial e interna do constituinte, é categórica a ocorrência de

não na fronteira direita. Por o processo não ser variável nesta posição, pretendemos

apenas confirmar a nossa intuição de que não há realizações da variante reduzida na

margem direita do IP.

Nesta posição, há pistas acústicas que permitem identificar a fronteira direita

de IP, como a ocorrência de pausa e de alongamento na última sílaba tônica do

enunciado, ou em menor medida na postônica. Serra (2009) investigou a percepção

desses correlatos duracionais, a fim de verificar que estratégias os falantes utilizam

para identificar rupturas. De acordo com seus resultados, ainda que o alongamento

pré-fronteira seja mais perceptível na sílaba tônica, nem sempre é uma pista robusta

para identificar a fronteira de IP, porque pode variar de acordo com o falante. Ao

contrário, a pausa se mostrou um fator decisivo para a percepção de rupturas tanto na

fala espontânea quando na leitura, na medida em que demarcava a fronteira de IP em

88% dos dados de fala espontânea e 96% dos dados de leitura (SERRA, 2009: 181).

Na análise acústica, pretendemos, portanto, observar o papel desses

parâmetros duracionais, visto que podem desempenhar papel inibidor na realização de

formas reduzidas, ou seja, por se tratar de uma posição fonologicamente forte, é

provável que não possa ocorrer ali elementos fracos. Seria, nesse sentido, mais um

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APORTE METODOLÓGICO

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indício para corroborar a hipótese de que num tem comportamento aproximado ao de

um clítico, quando acompanhado de um verbo em outra posição na frase (início ou

meio do IP).

Com base nisso, alguns exemplos dos contextos analisados são expostos a

seguir. Nos exemplos (18) e (19), há um enunciado em que o operador de negação

aparece no início de um IP; em (20) e (21), o operador está no interior de IP; e em (22)

e (23), está na fronteira direita do mesmo constituinte.

(18) faço meu trabalho e vou embora.. num chamo atenção de ninguém

(informante mulher, culta e jovem, NIG A 3 M 45)

(19) na época que eu fui pra fazer o curso, não tinha curso pra iluminador, só

pra ator (informante homem, não culto, jovem, NIG A 1 H 10)

(20) tem as micaretas da vida, mas aí, nas micaretas, eu num vou, porque os

filhos num deixam eu ir, né?! (informante mulher, culta, idosa, NIG C 3

M 14)

(21) às vezes até a pessoa quer se reconciliar, quer continuar, mas num pode,

mas eu vejo muita gente que não quer assumir a vida de casada

(informante mulher, não culta, idosa, NIG C 1 M 55)

(22) fui jogado num canto... não por maldade da minha mãe não, coitada

(informante homem, não culto, adulto, NIG B 1 H 38)

(23) Documentador: você estudou a vida inteira no mesmo colégio?

Informante: não, eu comecei num colégio pequeno no Flamengo... fica

na Paissandu (informante homem, culto, jovem, COP A 3 H 13)

4.5.2. Tipo de estratégia de negação

A distribuição do operador de negação é relativa ao verbo, podendo ser

anterior ou posterior a ele, o que organiza configurações estruturais diferentes de

expressar conteúdos sentenciais negativos. São três as estratégias de negação: pré-

verbal (canônica), pré e pós-verbal (dupla), e apenas pós-verbal (final).

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APORTE METODOLÓGICO

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Conforme relatamos anteriormente, os trabalhos que se debruçaram sobre o

tema (RONCARATI, 1997; VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA, 2001; ALKMIM, 2002)

apontam um percurso para o surgimento das estratégias não canônicas a partir do

enfraquecimento fonético do operador de negação em posição pré-verbal. Assim, da

negação canônica, primeiramente teria surgido a dupla negação e, posteriormente, a

negação final. Esse processo também se relaciona, segundo os autores, ao Ciclo de

Jespersen, uma vez que pressupõe um processo de enfraquecimento fonético que é

compensado pelo reforço da informação negativa em outra posição sintática/

fonológica. Quase todos os autores pesquisados caracterizaram a implementação do

não pós-verbal como um caso de ênfase para tornar mais clara a informação opaca do

num reduzido.

Como questionamos no segundo capítulo, a ênfase não serve para

particularizar as construções não canônicas, uma vez que a negação canônica também

pode ter uma realização enfática. Citamos como exemplo o caso da pessoa que, ao

andar na rua, lembra que não havia desligado o fogão (SWENTER, 2004). Essa pessoa

pode proferir um enunciado com negação canônica, mas não com dupla negação ou

negação final. Então, algo como Nossa, não desliguei o fogão! é possível, mas frases do

tipo Nossa, desliguei o fogão não! tendem a ser rejeitadas. De acordo com o que

argumenta Swenter (2004), a rejeição de uma estrutura e a aceitação de outra estão

mais relacionadas com a estrutura informacional da sentença (se é uma informação

nova ou velha no discurso) do que com a expressão da ênfase.

De todo modo, consideramos relevante controlar como os operadores de

negação se distribuem entre as três estratégias, pois pode ser mais um recurso para

analisar a hipótese de cliticização. Um possível favorecimento às estratégias de

negação dupla e final pode indicar que há um processo de menor estabilidade e de

(provável) mudança em progresso.

A seguir, são apresentados exemplos de cada uma das estratégias de negação:

em (24), são dados de negação canônica, ou pré-verbal; em (25), de negação dupla; e

em (26), de negação final.

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APORTE METODOLÓGICO

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(24) meus problemas, eu tenho que resolver dentro da minha casa, eu num

posso ir para o meu trabalho, chegar lá e ficar de cara feia (informante

mulher, não culta, idosa, NIG B 1 M 177)

(25) aí ela começou, melhor você não pegar ônibus nesse ponto aí não

(informante mulher, culta, idosa, NIG A 3 M 30)

(26) o cara num fede nem cheira... sei se vocês gostam dele não (informante

homem, não culto, adulto, COP B 1 H 50)

Foram consideradas estratégias de dupla negação apenas os dados em que o

primeiro operador de negação era uma das variantes não ou num, como em (25). Os

casos em que ocorreu o advérbio nunca nessa posição, como em (27), foram

descartados, visto que o objetivo central desta tese é investigar a variação que ocorre

decorrente da redução do ditongo nasal no operador de negação prototípico.

(27) não, nunca parei para sentar para ver negócio de político não

(informante mulher, não culta, jovem, NIG A 1 M 57)

4.5.3. Contexto fonético subsequente

De acordo com o que foi descrito por Duarte e Paiva (2011), o contexto

subsequente desempenha um relevante papel nos estudos de fenômenos fonológicos

variáveis. Alguns processos, como a harmonização vocálica e a palatalização das

oclusivas alveolares são particularmente interessantes, do ponto de vista fonológico,

pois o gatilho para sua realização depende fortemente do ambiente subsequente.

Sobre o primeiro caso, a harmonização, Schwindt (1995) ressalta que o contexto

subsequente se mostrou relevante tanto para a elevação da média anterior [e], quanto

para a média posterior [o]. Ainda sobre a elevação das pretônicas, Bisol (2009) afirma

que a vogal alta em posição subsequente é a principal condicionadora fonética dos

casos de harmonia vocálica, porém não atua nos dados em que a elevação não

apresenta motivação aparente, como cebola.

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APORTE METODOLÓGICO

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Em Brandão (2008), desenvolve-se uma análise descritiva dos elementos que

ocupam a coda em português (R, S e L), tendo por base amostras de fala de

comunidades do Norte e do Noroeste do estado do Rio de Janeiro. Para todas as

variáveis analisadas, o ambiente subsequente se mostrou relevante. Inclusive, no caso

da palatalização do S, há maior aplicação da regra se à sibilante, nos contextos medial

e final, seguir uma africada pós-alveolar ou uma oclusiva dental. Resultados

semelhantes foram encontrados por Brescancini (2003), demonstrando a relevância

desse fator.

A observação dos dados de negação permitiu o levantamento dos contextos

que restringem a redução do advérbio. Note que, nos exemplos em (28) abaixo,

chamados de negação reforçada (RAPOSO et alii, 2013) ou negação dupla (RONCARATI,

1997; FURTADO DA CUNHA, 2000), o enunciado (a) apresenta a possibilidade de o item

aparecer reduzido ou não. Já, no enunciado (b), a redução do item torna a frase

agramatical do ponto de vista fonológico.

(28) a. Ele não/ num telefonou não.

b. * Ele não/ num telefonou num.

Como descrito por Serra (2009), a margem direita do enunciado representa

uma ruptura do ponto de vista analítico e perceptivo. Uma das pistas utilizadas para

identificá-la é a pausa em várias línguas do mundo (SELKIRK, 1984; NESPOR & VOGEL,

1986; FROTA, 2000; FROTA & VIGÁRIO, 2000). No exemplo b de (28) num, ao contrário

de não, ocupa essa fronteira de IP, o que torna o enunciado estranho. Parece haver,

então, uma restrição a elementos fracos em posição final de enunciado. Esse

comportamento foi observado para o inglês por Selkirk (1995: 17), segundo a qual, it is

a fact that, in the absence of pitch accent, the prosodic structure of a Fnc [function]

word correlates with the position in which that Fnc is embedded in the sentence14.

Desse modo, acreditamos que a pausa, aliada a fatores fonológicos (ocorrência de um

acento nuclear) possa bloquear a redução dos itens de negação nesta posição.

14

“É um fato que, na ausência de um acento tonal, a estrutura prosódica da palavra funcional se correlaciona com a da posição que a palavra funcional ocupa na sentença” (tradução minha).

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A mesma restrição ocorre em respostas a perguntas totais (perguntas sim/

não), pois a preservação do ditongo nasal é categórica, como mostra o exemplo em

(29). Neste caso, a palavra funcional é também um IP e um enunciado (Utt),

obedecendo, portanto, a princípios reguladores de domínios mais altos na hierarquia

prosódica.

(29) A: Ele telefonou?

B: * Num.

Esses dados, que trazem importantes questionamentos para os estudos sobre

fraseamento prosódico, parecem indicar que contextos de fronteira de IP

(acompanhados ou não de pausas) não contribuem para a aplicação da regra de

redução no advérbio de negação.

Observaremos também a ocorrência de oclusivas, fricativas, nasais, laterais e

vogais. Com relação à redução dos ditongos nasais em verbos e nomes, os trabalhos

consultados (VOTRE, 1978; GUY, 1981; BATTISTI, 2002) são contundentes ao afirmar

que vogais favorecem a redução do ditongo nasal, ao contrário das consoantes. Ainda

que a redução do ditongo nasal no advérbio não esteja relacionada a outros fatores,

verificaremos se há algum favorecimento da redução no caso de vir seguido por uma

vogal e um desfavorecimento se estiver diante de uma consoante. A seguir, são

exemplificados os contextos, podendo o operador de negação estar diante de vogal

(30), oclusiva (31), fricativa (32), nasal (33) e lateral (34).

(30) continua a mesma coisa, gente! A única coisa que mudou é que eles num

andam mais com aqueles aparatos (informante homem, não culto,

adulto, COP B H 19)

(31) às vezes, vou à praia... mas não preciso me vestir pra fazer essas coisas

em Copacabana (informante mulher, culta, idosa, COP C 3 M 6)

(32) se num fosse a família Real vindo pro Brasil, nós seríamos ainda um

Império, creio eu, né? (informante homem, culto, jovem, NIG A 3 H 157)

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(33) eu num entendo muito de política não, ainda mais aqui de Nova

Iguaçu... porque como eu num me ligo muito em política (informante

mulher, não culta, adulta, NIG B 1 M 137)

(34) ah, eu num lembro não e também até hoje também num sonho não

(informante mulher, culta, jovem, NIG A 3 M 124)

4.5.4. Forma verbal

Observando os dados do corpus, percebemos que as variantes não e num

podem acompanhar qualquer verbo, seja na sua forma flexionada (finita), seja na sua

forma não flexionada (infinita). Entretanto, as formas não flexionadas apresentam um

comportamento morfológico diferente das demais, na medida em que se aproximam

de nomes.

É importante frisar que dados como a não aceitação foram excluídos da

amostra, uma vez que a palavra aceitação é um substantivo e, nesse caso, o advérbio

de negação funciona como um prefixo. Justamente por ser um prefixo, a forma

reduzida sempre é bloqueada diante de um substantivo, haja vista a estranheza

causada por a num aceitação (?).

Verbos no infinitivo, gerúndio ou particípio, por serem as formas nominais do

verbo, têm comportamento similar ao de nomes. Se com os nomes é bloqueada a

redução, é preciso verificar, então, se com as formas nominais do verbo ocorre a

mesma restrição. Por isso, acreditamos que esse contexto seja menos favorecedor da

redução do ditongo nasal.

Em seguida, são apresentados exemplos com verbo flexionado (35) e com

verbo não flexionado (36).

(35) estão construindo ainda, vai ser muito bom, né? (pausa) Copacabana

num tem essa coisa da cultura, né? (informante homem, não culto,

adulto, COP B H 24)

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(36) apesar de você confiar nos médicos, você fica com medo de chegar lá e

não conseguir uma vaga, num é não confiar no profissional às vezes

(informante mulher, culta, jovem, NIG A 3 M 22)

4.5.5. Distância em sílabas até a próxima sílaba acentuada

Alguns trabalhos (FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002; FERNANDES, 2007)

têm apontado sistematicamente a relevância de verificar a distância entre sílabas

acentuadas, pois fatores rítmicos, como a disposição das proeminências, podem

interferir na (não) aplicação de fenômenos fonológicos (FROTA, 2000) e na percepção

do fraseamento prosódico (SERRA, 2009). Nas palavras de Tenani (2002: 51),

a alternância entoacional é implementada obedecendo a uma distância ótima, dada em termos de número de sílabas, entre os eventos tonais dentro de ɸ e entre ɸs. Em outras palavras, esses resultados revelam que a configuração entoacional em PB é pautada por um princípio em otimizar a alternância dos tons guardada uma distância mínima entre os elementos proeminentes do domínio prosódico relevante para a organização dos tons.

Essa distância entre sílabas seria uma das estratégias adotadas para evitar

choques acentuais dentro de um mesmo ɸ. Por isso, segundo a autora, é preciso

observar se os eventos tonais dentro do mesmo ɸ são separados por sílabas não

acentuadas. Nos casos em que dois acentos estão contíguos, os resultados

demonstraram haver um alongamento da sílaba a fim de minimizar o choque acentual

(TENANI, 2002).

Com relação ao objeto de estudo da tese, sustentamos a hipótese de que não

seja uma ω, logo, é um domínio candidato à ocorrência de eventos tonais. Espera-se,

portanto, que não ocorra mais frequentemente contíguo a sílabas átonas, para evitar o

choque de acentos. Por outro lado, nossa hipótese é que num seja um elemento

átono, ao qual não está associado um acento tonal. Desse modo, em posição

adjacente à sílaba tônica, há maior probabilidade de ocorrer a variante reduzida. Se

estivermos certos com relação a essas predições, esses resultados podem ser mais um

indício para confirmar a hipótese de cliticização da forma num, pois esta necessitaria

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se adjungir a sílabas mais proeminentes, assim como os clíticos prototípicos, em razão

de ser átona.

A seguir são demonstrados exemplos em que a sílaba que segue o operador de

negação é acentuada (37), ou há uma sílaba interveniente (38), ou ocorrem duas

sílabas átonas entre o não e a próxima sílaba tônica (39), ou, por fim, há três ou mais

sílabas de distância até a próxima tônica (40).

(37) e outra coisa que o casamento num dá certo hoje em dia... é que as

pessoas num estão aceitando a família do outro (informante mulher,

não culta, idosa, NIG C 1 M 42)

(38) porque um dia ele vai chegar lá, ele vai ser idoso, se ele num morrer pelo

meio do caminho (informante homem, não culto, jovem, NIG A 1 H 35)

(39) mas eu também vejo por um lado, enquanto num melhorar a estrutura,

muitas pessoas utilizam isso como... para botar comida dentro de casa

(informante homem, culto, jovem, NIG A 3 H 94)

(40) porque achou que mais uma obra perto, de repente, ele recuperava.

Piorou, não recuperou nada (informante mulher, culta, idosa, COP C 3 M

105)

4.5.6. Número de sílabas do verbo subsequente

Como consequência à variável independente anterior, é necessário verificar o

número de sílabas do verbo que segue o operador de negação. Se a hipótese de que a

forma reduzida ocorra mais frequentemente precedendo uma sílaba acentuada for

confirmada, é de esperar que também esteja atrelada com maior frequência a

monossílabos tônicos. Por outro lado, a forma plena, por ocorrer com menor

frequência próxima a sílabas acentuadas (para evitar o choque acentual), deve

aparecer com menor frequência seguida por monossílabos tônicos.

Os exemplos que mostram o tamanho dos verbos em número de sílabas são os

seguintes: em (41), há um enunciado com monossílabo; em (42), com verbo

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dissilábico; em (43), com verbo trissilábico; e em (44), com verbos com quatro ou mais

sílabas.

(41) e às vezes o cara vai pra uma área que ele não tem conhecimento

nenhum (informante homem, culto, jovem, COP B 3 H 37)

(42) o Collor foi jogado fora, não porque eu defendo o Collor, num tenho

nada contra ele... nem a favor (informante homem, não culto, adulto,

NIG B 1 H 2)

(43) o hospital se torna pequeno... num consegue suportar tudo (informante

mulher, culta, jovem, NIG A 3 M 28)

(44) mas eu num sei, num vou dizer para você que minha mãe e meu pai

tenha me influenciado não, porque eu num experimentei dentro de casa,

eu experimentei na rua (informante mulher, não culta, adulta, NIG B 1 M

74)

4.5.7. Tipo de elemento antecedente

Controlamos também o tipo de elemento à esquerda das variantes não e num

nos casos em que elas não são o primeiro elemento do IP. Nessa posição, podem

aparecer constituintes que funcionam sintaticamente como sujeitos ou adjuntos, ou

morfologicamente serem preposições, pronomes relativos ou conjunções: no exemplo

em (45) abaixo, a sequência de enunciados com proposições negativas é sempre

iniciada por um pronome que funciona como sujeito; no dado em (46), o início do IP é

ocupada pelo adjunto adverbial só; em (47), há a forma reduzida da preposição para,

antecedendo o item num; em (48), o pronome relativo ocupa a posição inicial do IP; e,

no exemplo em (49), a conjunção mas antecede o item num.

(45) aí uma pessoa liga pra casa, ah, diz que eu num tou a fim de... diz que eu

num tou aí não... Eu num tou a fim de atender não (informante mulher,

não culta, idosa, NIG C 1 M 70)

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(46) mas em termos de governo eu acho que nós estamos crescendo. Só num

crescemos mais ainda, porque o Brasil precisa melhorar muito na

mudança da sua constituição (informante homem, culto, jovem, NIG A 3

H 84)

(47) o que falta? melhorar o ordenado dos policiais né? Pra num ter tanta

corrupção, tanta coisa horrível que a gente vê por aí (informante

mulher, não culta, idosa, NIG C 1 M 5)

(48) ele é agredido dentro da escola, porque aturar esses jovens de hoje, que

num têm mais limite nenhum, não é mole (informante mulher, culta,

idosa, COP C 3 M 71)

(49) as pessoas acham que hoje oportunidade... é quando você vai pra uma

boa escola, você tem... dinheiro (pausa) e às vezes você não tem uma

família, você tem um pai que tem dinheiro, mas num liga pra você

(informante homem, não culto, adulto, NIG B 1 H 24)

Esse controle é importante, porque elementos variados e de tamanhos diferentes

podem anteceder o operador de negação. As únicas preposições verificadas foram de,

para e a, sendo que todas foram produzidas como reduzidas e átonas. As conjunções

integrantes que e se também foram realizadas dessa forma. Por outro lado, conjunções

como aí, então, ou advérbios como só, ainda são acentuados e também podem

preceder as variantes não e num. Em outras palavras, é preciso verificar se há algum

condicionamento para a realização de uma das variantes (não ou num), caso na

posição anterior esteja um elemento acentuado ou não.

É importante notar que o sujeito também pode apresentar essa variação, pois

podem se realizar como pronomes ou sintagmas nominais. Entretanto, os sintagmas

nominais se organizam em torno de um nome, i.e. uma ω, enquanto os pronomes

podem ser realizados como clíticos ou ωs (CIRÍACO, VITRAL & REIS, 2004. Então, deve

ser feita essa distinção, a fim de analisar a influência de haver ou não um acento lexical

na posição anterior.

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APORTE METODOLÓGICO

125

4.5.8. Número de sílabas do elemento antecedente

Esta variável está diretamente relacionada à anterior, pois o controle do

número de sílabas pode responder se esse fator influencia na realização do operador

de negação, ou seja, se ocorre mais uma das variantes e menos de outra em um

contexto de elemento à esquerda com mais sílabas. Nossa expectativa é que haja

maior frequência de não nos contextos em que o elemento antecedente for maior.

A seguir, há exemplos de uma sílaba antecedendo o operador de negação (50),

duas sílabas (51), três sílabas (52), quatro ou mais sílabas (53).

(50) uma vez ou outra que tem uma coisinha ou outra, cê num vê tumulto

aqui, gosto muito aqui (informante mulher, não culta, adulta, NIG B 1 M

3)

(51) acho que três cinemas funcionando, uma praça de alimentação boa,

então num preciso sair daqui pra ir se divertir (informante homem, não

culto, jovem, NIG A 1 H 46)

(52) sorte é que hoje que foi sexta-feira... e: sexta-feira a gente num precisa

(ir) trabalhar de terno (informante homem, culto, jovem COP A 3 H 32)

(53) tem um hospital que dependendo do diretor, é, o funcionário num vai e

em outros hospitais o diretor já num permite esse tipo de coisa

(informante mulher, culta, jovem, NIG A 3 M 10)

Na próxima seção, são descritas as variáveis sociais e as hipóteses que

nortearam sua análise.

4.6. Descrição das variáveis independentes: fatores sociais

A introdução da componente social nos estudos linguísticos se mostrou uma

revolução à época, pois o pressuposto de que a linguagem se desenvolve no seio de

uma comunidade de fala não era considerado em correntes teóricas anteriores. O

próprio termo linguística ativa o axioma da categoricidade, herança da tradição

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APORTE METODOLÓGICO

126

objetivista que dominou os estudos da linguagem, sobretudo, a partir de Saussure

(CHAMBERS, 1995: 28). No entanto, a insurgência de estudos que pretendiam

investigar o significado social da variação linguística abriu espaço para que fatores

externos fossem contemplados nas análises.

Nesse novo panorama científico, o foco dos estudos empíricos se deslocou do

conhecimento da linguagem para as relações sociolinguísticas construídas através da

fala. Ainda que Saussure a tenha classificado como uma manifestação individual

(SAUSSURE, 2006: 21), as pesquisas sociolinguísticas demonstram que a fala apresenta

tantas restrições sociais quantas forem possíveis num grupo de pessoas. Na

perspectiva estruturalista, o homem necessita apenas ter conhecimento da arquitetura

da língua (as relações entre fonemas, a estrutura interna das palavras, a posição de

cada elemento da sentença) para, de fato, ser um falante daquela língua. Todavia,

conforme demonstra Hudson (2007 [1980]: 107), restrições sociais, aprendidas por

meio da socialização, devem ser levadas em conta nas investigações da fala. Em nossa

sociedade, por exemplo, uma saudação deve ser respondida com outro cumprimento.

A não reciprocidade do ato pode levar a inúmeras interpretações sobre o

comportamento do interlocutor. Em outras sociedades, isso não é, necessariamente,

verdadeiro.

Inúmeras pesquisas têm evidenciado a relevância dos fatores sociais na

realização de fenômenos variáveis. Um exemplo de como esses fatores podem

influenciar a linguagem é o uso diferenciado de algumas formas por homens e

mulheres falantes do Koasati (HAAS, 1944). Nessa língua indígena da Louisiana, estado

norte-americano, um item linguístico terminado por vogal nasalizada, na fala de

mulheres, é desnasalizado e, na fala masculina, recebe a terminação -s.

Mulheres Homens Significado

lakawtakkǫ lakawtakkós ‘eu não o estou levantando’

Lakawwą lakawwás ‘ele o levantará’

ką kás ‘ele está dizendo’

Tabela 8: a relação entre homens e mulheres em Koasati (adaptado de Haas,1944: 144)

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APORTE METODOLÓGICO

127

Outro exemplo interessante é o da língua de aborígenes australianos Njamal

(TRUDGILL, 1974). As relações de parentesco são estabelecidas de maneira diferente

das sociedades ocidentais. Um único termo pode servir para designar diferentes

indivíduos da mesma geração, como mama, que indica o pai, o tio, o primo do pai, ou

qualquer homem que seja da mesma geração do pai. Nessa comunidade, a distinção

entre pai e tio não tem o mesmo significado que no nosso grupo social. Além disso,

enquanto, em português, se usa a palavra tio para expressar o irmão do pai ou da mãe

e o irmão do avô ou da avó, em Njamal, o primeiro caso recebe o nome de mama,

enquanto o segundo, de karna. Esses dados, como argumenta Trudgill, fundamentam

a ideia de que a linguagem reflete a sociedade.

Os primeiros trabalhos de Labov caminham na direção de confirmar a influência

das variáveis sociais na variação linguística. Em estudos pioneiros, o autor já havia

ressaltado a interferência que a atitude dos falantes causava na alteração da qualidade

vocálica dos ditongos centralizados (LABOV, 1963) ou como as pessoas de determinada

classe social poderiam apresentar realizações diferentes para a mesma variável

(LABOV, 1972).

Nesta tese, definiram-se quatro grupos de fatores externos: gênero dos

informantes, faixa etária, localização geográfica e escolaridade. Não há trabalhos, até

onde vai nosso conhecimento, que tenham se preocupado com as questões sociais que

envolvem a redução dos itens de negação no PB. Portanto, partiremos dos resultados

alcançados pelos trabalhos realizados sobre o fenômeno mais geral para formular

nossas hipóteses, uma vez que a redução do item não é uma especificação de um

processo mais amplo e diverso, a redução dos ditongos nasais. Certamente, a

observação mais ampla e sistemática dos fatores sociais ajuda a justificar o presente

estudo, além de reforçar a motivação social da variação linguística.

4.6.1. Sexo

Uma vasta literatura tem se ocupado em estudar os efeitos que a diferenciação

entre homens e mulheres causa na linguagem (PAIVA, 2008; HOLMES e MEYERHOFF,

2003). Talvez por presumir que as particularidades que distinguem homens de

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APORTE METODOLÓGICO

128

mulheres sejam extremamente naturais, não se percebe que essas marcas se refletem

na linguagem. É certo que os diferentes comportamentos assumidos por cada um dos

gêneros nas sociedades encontram repercussão na língua, porém até que ponto essa

variável pode interferir no discurso é uma pergunta que tem interessado à

sociolinguística.

Trudgill (1974) relata vários exemplos de diferenças na fala de homens e

mulheres, como na língua Ngala, da Nova Guiné, que tem uma forma de primeira

pessoa do singular específica para o homem /wn/ e outra para a mulher /ñən/. O autor

ainda reporta o caso clássico das Antilhas Menores, nas Índias Ocidentais, onde se

acreditava que homens e mulheres falavam línguas diferentes. Documentos mais

recentes demonstram, todavia, que a diferença residia na variação lexical, já que

mulheres utilizavam, por exemplo, formas que homens não poderiam utilizar, sob

pena de sofrerem preconceito no grupo a que pertenciam. Outro caso é o

impedimento de as mulheres, no Zulu, tratarem o sogro ou seus irmãos pelo nome: a

simples menção pode levá-las à morte.

O estudo de Holmes (1992) sobre as tag questions do inglês mostra que as

mulheres tiveram um uso bastante expressivo (quase 60%) das expressões

facilitadoras, que despertam no interlocutor um ambiente reconfortante (It’s a

wonderful painting, isn’t it? ‘É uma pintura maravilhosa, não é?’). Os homens, ao

contrário, preferem as expressões confrontadoras (I just told you, dind’t I? ‘Já te disse,

não?’) às facilitadoras, que apresentam apenas 25% de ocorrências. Esses resultados

podem ser correlacionados às tendências elucidadas por Lakoff (1975) sobre o

comportamento das mulheres, que seriam inseguras e com pouca confiança.

No português, Scherre (1996) identificou que as mulheres tendem a expressar a

marca de plural mais frequentemente que os homens. Nesse caso, a variante menos

prestigiada, ausência de -s nos elementos do sintagma nominal, é favorecida pelos

homens, confirmando as hipóteses de Labov (1966; 2001) sobre o papel social que os

homens assumem na implementação de formas estigmatizadas. De acordo com

Battisti (2002), pode-se afirmar que os ditongos nasais átonos também se comportam

da mesma maneira, pois os resultados mostram que os homens favorecem a sua

redução com 0.52 de peso relativo, enquanto as mulheres adotam posição contrária,

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APORTE METODOLÓGICO

129

com 0.48. Percebe-se, entretanto, que os pesos relativos são praticamente neutros, o

que impede afirmações mais contundentes. Diante disso, decidimos testar essa

hipótese, a fim de identificar o papel desempenhado pelos homens na implementação

desse processo.

Espera-se, portanto, que os homens favoreçam a aplicação da regra, isto é,

apresentem mais dados de num, já que, segundo alguns autores (AMARAL, 1953;

NASCENTES, 1955), a redução dos ditongos nasais, fenômeno mais amplo do qual faz

parte a redução de não e num, é um fenômeno estigmatizado no português brasileiro.

4.6.2. Faixa etária

A metodologia laboviana (1994), empregada em larga escala nas análises

sociolinguísticas, busca compreender os princípios da mudança linguística. Para tanto,

atribui ao fator idade grande relevância no estudo da mudança em progresso. Os

estudos em tempo aparente visam a observar informantes de diferentes idades em um

mesmo intervalo de tempo, porém muitos pesquisadores apontaram falhas na

impossibilidade de definir se a mudança observada trata da implementação de uma

nova variante no sistema ou representa uma variação etária que se repete pelas

gerações. Esse tipo de estudo requer do linguista uma interpretação bastante precisa

dos dados, uma vez que resulta de inferências sobre a mudança. De acordo com

Chambers (1995: 194), a legitimidade dessas predições depende de como será o uso

de determinado fenômeno linguístico para um grupo de indivíduos quando estiver

mais velho, isto é, se eles manteriam os mesmos usos ou se os alterariam. Essa

hipótese subjacente à dimensão de tempo aparente parece ser confirmada no estudo

de Cedergren (1973) sobre o espanhol do Panamá. A autora pesquisou cinco variáveis,

dentre as quais está a lenição do ‘ch’ em muchacho e mucho, por exemplo. No caso,

observou-se que a passagem de uma africada [č] para uma fricativa [š] apresenta

traços marcados de mudança em progresso, pois os idosos realizam muito mais

africadas que os jovens nos contextos investigados.

Há ainda os estudos em tempo real, que selecionam indivíduos em estágios de

tempo apartados. A comparação pode ser entre indivíduos diferentes (estudo de

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APORTE METODOLÓGICO

130

tendência) ou entre os mesmos indivíduos (estudo de painel). Como afirmam Paiva e

Duarte (2003: 186), “a vantagem desses dois tipos de estudo é permitir o confronto de

duas sincronias do mesmo foco geográfico”. No Brasil, esse tipo de metodologia

orientou a organização das amostras do NURC-RJ (CALLOU, 1997) e Censo (SCHERRE e

RONCARATI, 2008).

Em alguns fenômenos do português brasileiro, a variável idade tem se

mostrado bastante atuante, como na variação entre os pronomes de primeira pessoa

do plural nós e a gente (OMENA, 2003; LOPES, 1998). O cruzamento dos fatores

gênero e idade (LOPES, 1998) revelou que as mulheres de 25 a 35 anos preferem a

variante inovadora a gente (0.85) e os homens com mais de 56 anos tendem a utilizar

mais a variante conservadora nós (0.81). O comportamento diametralmente oposto

provoca o questionamento se se configura um início de mudança linguística ou se o

processo está ainda num estágio de variação.

Em trabalho clássico sobre o preenchimento do sujeito em português, Duarte

(1995) verifica que a faixa etária dos informantes aponta para uma mudança contínua

em direção à representação pronominal plena. A análise da Tabela 9 a seguir valida a

hipótese de que a representação do sujeito é uma mudança em progresso, já que os

mais jovens tendem a preencher a posição, enquanto os mais velhos a preferem vazia.

Faixa etária Peso relativo

< 46 anos 0.62

36 a 45 anos 0.46

25 a 35 anos 0.41

Tabela 9: ocorrência de sujeito nulo de acordo com a faixa etária dos informantes (adaptado de Duarte,

1995: 80)

Na análise da redução dos ditongos nasais, Bopp da Silva (2005) mostra que os

falantes mais jovens favorecem a regra com 0.54, ao passo que os mais idosos não

atuam nesse sentido com 0.46. Justamente por esses valores de peso relativo estarem

muito próximos ao ponto neutro, acreditamos que não se pode fazer afirmações mais

categóricos sobre o comportamento dos indivíduos pesquisados. Diante disso, testa-

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APORTE METODOLÓGICO

131

se, neste trabalho, a hipótese de que os mais idosos assumem uma atitude mais

conservadora frente à variante num, o que vai ao encontro dos resultados de inúmeros

trabalhos sociolinguistas.

Os fatores controlados, neste grupo, são os seguintes: faixa 1, de 18 a 35 anos;

faixa 2, de 36 a 55 anos; e faixa 3, de 56 a 75 anos.

4.6.3. Localização geográfica

A correspondência entre locais mais distantes dos centros urbanos, pessoas de

baixo poder aquisitivo e fala popular parece bastante assentada na literatura

(TRUDGILL, 1974; LABOV, 2001), bem como a relação que existe entre pessoas de

classes sociais mais altas e fala culta. Ainda que essa distribuição não se revele

verdadeira em todos os casos, serve de fundamento para as generalizações que

tentam explicar a variação linguística.

Em artigo sobre a formação sociolinguística do Brasil, Lucchesi (2006) recupera

como se deu o loteamento dos espaços em território brasileiro desde o período

colonial. A elite ocupou os pequenos centros urbanos, enquanto a maior parte da

população, constituída, basicamente, de colonos pobres, índios e escravos, se refugiou

no interior do país. No século XX, a transformação de um país agrário em

industrializado provocou um enorme fluxo de pessoas do campo para as cidades, o

que significa que “no plano linguístico, o êxodo rural promoveu a conversão de uma

ampla variação diatópica em uma profunda variação diastrática” (LUCCHESI, 2006: 93).

É exatamente nesse cenário que se inserem os dois pontos de inquérito selecionados

para a coleta de dados do Projeto Concordância.

O município de Nova Iguaçu surgiu de um pequeno povoado que se instalou às

beiras do rio Iguaçu, principal meio de escoamento das produções dos engenhos da

região. A chegada da Estrada de Ferro no período do segundo Império fez com que o

pequeno arraial se desenvolvesse e fosse elevado à categoria de vila. Desde então,

Nova Iguaçu passou a contar com um polo industrial e viu sua população aumentar,

contando hoje com pouco mais de 800 mil habitantes e um IDH de 0,762 (IBGE, 2010).

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APORTE METODOLÓGICO

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Copacabana é um dos bairros mais conhecidos do Rio de Janeiro, o que atrai

inúmeros turistas e visitantes de outros lugares. Foi local de residência da elite carioca

durante décadas, porém hoje se configura mais como um bairro de classe média. O

bairro tem cerca de 140 mil habitantes, dos quais 1/3 é de idosos. Além disso,

apresenta um dos maiores IDH da cidade com 0,956 (IBGE, 2010).

Essas diferenças sociais entre as regiões podem ter reflexos na língua, porque,

embora não se possa afirmar que se trata de diferenças entre classes sociais,

percebem-se resquícios de uma estratificação social que remonta ao processo de

ocupação dos espaços. Segundo Trudgill (1974: 24), o desenvolvimento de variedades

geográficas pode ser explicado pelas mesmas razões que variedades sociais, cujas

barreiras e distâncias retardam a difusão da mudança linguística. Nesse caso, a

distância física de quase 50 quilômetros entre as duas regiões talvez seja menos

latente que as diferenças sociais.

Como a variação investigada nesta tese se insere num quadro de fenômeno

estigmatizado (a redução dos ditongos nasais), espera-se que Copacabana assuma uma

tendência mais conservadora quanto ao uso de num.

4.6.4. Escolaridade

A escola exerce um papel coercivo sobre o uso linguístico, à medida que

propaga valores socialmente prestigiados, dada a sua característica de instituição

tradicional, e reforça um comportamento linguístico padronizado. Os trabalhos em

sociolinguística vêm demonstrando os claros efeitos dessa pressão escolar na

manutenção de formas conservadoras em sujeitos que frequentaram o ambiente

escolar por um tempo prolongado. Do mesmo modo, os indivíduos com mais

escolaridade são responsáveis pela disseminação de formas mais prestigiadas, o que

parece sustentar a correlação entre frequência escolar e variedades cultas (PAIVA e

SCHERRE, 1999; GONÇALVES, 2008).

Essa relação entre norma culta e alta taxa de escolaridade pode ser observada

nos pressupostos que baseiam alguns projetos de pesquisa sociolinguística no Brasil,

como o NURC e o PEUL. Ao não selecionarem falantes com nível superior para a

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APORTE METODOLÓGICO

133

constituição de sua amostra, os pesquisadores do PEUL parecem concordar com a

assunção estabelecida de que só aqueles podem ser considerados falantes cultos. Os

pesquisadores do NURC, cujo corpus é constituído apenas de informantes com nível

superior concluído, estão também alinhados à caracterização de falantes cultos como

aqueles indivíduos que tenham passado por um maior período de exposição à cultura

letrada institucionalizada. Essa generalização, embora tenha sido eficiente para os

objetivos dos estudos sociolinguísticos em seu estabelecimento no Brasil, merece uma

relativização, pois, após mais de trinta anos dos primeiros trabalhos na área, já não

reflete totalmente o cenário heterogêneo da sociedade brasileira (FARACO, 2008;

GONÇALVES, 2008; BORTONI-RICARDO, 2005).

De todo modo, a polarização entre variedades populares e variedades cultas

permite observar a influência da cultura escolar, sobretudo através do contato com a

modalidade escrita no uso linguístico. Segundo Paiva e Scherre (1999), a aproximação

entre escolaridade e classe social, dada à constituição da sociedade brasileira, traz

desdobramentos para aqueles que se encontram à margem do processo educacional:

Se assim for, as consequências são ainda mais perversas: não se modificam variantes linguísticas, mas, sim, se excluem os indivíduos que não possuem determinadas variantes linguísticas.

A atuação da variável escolaridade no reconhecimento de formas não

estigmatizadas levou Votre (2003) a refletir sobre aspectos que interferem no ensino e

na língua. O autor os classificou em quatro domínios: (i) relação entre variantes de

prestígio e variantes neutras; (ii) variantes estigmatizadas e variantes imunes à

estigmatização; (iii) fenômenos que recebem atenção normativa e fenômenos que são

isentos de regulação; e (iv) fenômenos da gramática e fenômenos do discurso.

O segundo tipo engloba os casos de redução dos ditongos nasais, pois as

realizações [‘õmɪ] para homem e [ko’xeɾʊ] para correram são definidas como erros em

manuais normativistas. Segundo Votre (2003: 52),

o modo de comunicação das pessoas desprovidas de prestígio econômico e social tende a ser coletivamente avaliado como estigmatizado. A forma estigmatizada é

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APORTE METODOLÓGICO

134

interpretada como inferior, em termos estéticos e informativos, pelos membros da comunidade discursiva.

A premissa desta variável surgiu das proposições feitas por Votre (1978) e Guy

(1981) relacionadas ao peso da variável escolaridade na desnasalização de ditongos em

posição átona. Os resultados dos autores confirmam a identificação do fenômeno com

a fala popular, embora o processo não possa ser considerado uma mudança linguística.

Sendo a transformação do advérbio não em num um exemplo de redução de ditongo

nasal, esperamos que a variante num ocorra mais frequentemente nos dados de

indivíduos não cultos do que entre aqueles que têm nível superior completo.

4.7. Resumindo

Neste capítulo, apresentamos as hipóteses que pesquisamos nesta tese e os

métodos que foram utilizados para responder os questionamentos que surgiram.

Pretendemos identificar o processo de cliticização que atua na variação de não e num,

que está relacionado a fatores fonéticos, como a pausa, fonológicos, como a posição

que ocupa no enunciado, e entoacionais, como a ocorrência de acentos tonais.

Consequentemente, objetivamos encontrar indícios que nos permitam descrever a

variante plena não como uma ω e a variante reduzida num como um elemento com

características mais próximas a das palavras clíticas. Não são esperados resultados

relevantes dos fatores sociais, visto que nossa amostra não apresenta uma distribuição

equilibrada e este não parecer ser um fenômeno estigmatizado na fala carioca do PB.

No próximo capítulo, apresentamos os resultados e as discussões.

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CAPÍTULO CINCO

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, havia 4610 ocorrências de negação, que estavam divididas da

seguinte maneira: 963 em posição inicial (21%), 2640 em posição interna (57%) e 1007

na posição final do IP (22%). Esses dados foram analisados no programa computacional

PRAAT (BOERSMA & WEENINK, 2015), a fim de (i) fazer a oitiva dos enunciados e

identificar acusticamente, verificando qual das variantes (plena ou reduzida) ocorria

naqueles contextos; (ii) identificar os áudios que tivessem problemas na gravação ou

apresentassem ruídos que poderiam inviabilizar a análise acústica; e (iii) observar o

comportamento da curva de F0.

Após essa etapa de análise no PRAAT, os dados com problema foram

descartados da análise e restaram 1570 ocorrências, das quais 222 são de contexto

inicial (14%), 849 de contexto medial (54%) e 499 de contexto final de IP (32%). Os

dados de posição medial correspondem a mais da metade dos casos de negação

sentencial, mas isso não acarretou problemas para a análise, uma vez que o

comportamento entoacional em cada posição foi analisado separadamente.

Os dados que restaram foram, então, codificados e passaram por um

tratamento estatístico no programa computacional Goldvarb X (SANKOFF et alii, 2005),

que retornou valores de frequência e peso relativo relevantes para a análise.

Utilizamos também os valores das médias de duração dos itens não e num, para

controlar estatisticamente sua relevância.

Apresentamos, portanto, neste capítulo, estes resultados, começando pelo

início de IP (posição inicial) em 5.1. Em seguida, na seção 5.2, são apresentados os

resultados da posição interna ao enunciado; e na seção 5.3, os resultados da fronteira

direita do constituinte (posição final). Paralelamente, mostraremos os resultados da

análise dos fatores sociais, como escolaridade, gênero, faixa etária e localidade,

embora não tenham revelado exercer condicionamento favorável à realização das

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 136

variantes nos dados do corpus. Discutiremos ainda os resultados das três estratégias

de negação e a sua relação com um possível processo de enfraquecimento do

operador de negação, como vem sendo defendido por alguns trabalhos (RONCARATI,

1997; VITRAL, 1999; FURTADO da CUNHA, 2001; SOUSA, 2007). Por fim,

apresentaremos uma proposta de prosodização para as variantes, tendo por base a

discussão sobre o estatuto do clítico.

5.1. Posição inicial do sintagma entoacional

Conforme dito, havia, inicialmente, 2640 dados de negação na primeira posição

absoluta do IP, ou seja, a ocorrência do operador de negação era também a primeira

sílaba do enunciado. Após a etapa de filtragem inicial que excluiu os dados que

apresentavam ruídos na gravação, restaram 257 dados de negação sentencial nesta

posição inicial. Foi necessário analisar alguns aspectos que poderiam enviesar os

resultados, como a duração dos itens de negação e a manifestação de um contorno

enfático nos enunciados.

Entre os 257 dados em primeira posição, observamos alongamento silábico no

item de negação em 19 enunciados. O parâmetro utilizado para definir se o dado era

um exemplo de alongamento foi observar as médias de duração do corpus e o desvio

padrão.

Com base no que veremos a seguir na Tabela 16, a média geral de duração do

item num é de 118,4 ms., sendo seu desvio padrão de 37,1 ms. Já a média geral do

item não é de 163,6 ms., com desvio padrão de 46,5 ms. Considerando também o fato

de que os valores de duração de uma palavra podem se alterar a depender da

velocidade de fala de cada indivíduo, estipulamos um limite para evitar casos que

tivessem sido produzidos com alongamento silábico. Tendo, portanto, como base

essas duas informações (valores do desvio padrão e diferença na velocidade de fala

dos indivíduos), utilizamos apenas dados de num que tivessem até 200 ms. e de não

com no máximo 300 ms., pois dados produzidos com alongamento poderiam enviesar

os resultados e nos levar a análises incorretas. Sendo assim, decidimos excluir as 22

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 137

ocorrências que apresentavam alongamento silábico no operador de negação, das

quais 12 eram dados de num e 10 eram ocorrências de não.

Os gráficos de dispersão apresentados abaixo exemplificam esses pontos

desviantes da curva. No eixo vertical, consideramos a duração de cada dado (num, no

Gráfico 1, e não, no Gráfico 2); no eixo horizontal, consideramos a quantidade de

dados em valores de frequência de ocorrência. No Gráfico 1, referente aos dados de

num, foram excluídos todos os itens que estavam acima do limite de 200 ms. Já no

Gráfico 2, foram excluídos todos os dados de não que ultrapassaram 300 ms.

Gráfico 1: gráfico de dispersão da duração dos dados de num em posição inicial de IP (o eixo

horizontal representa o número de ocorrências de dados e o eixo vertical, o valor da duração em ms)

0

100

200

300

400

0 50 100 150 200

NUM

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 138

Gráfico 2: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de não em posição inicial de IP (o eixo horizontal representa o número de ocorrências de dados e o eixo vertical, o valor da duração

em ms)

A permanência das ocorrências com alongamento silábico faria parecer que os

dados analisados são mais longos do que realmente são. É o caso, por exemplo, da

produção da palavra não por uma informante mulher, adulta e não culta na frase não

consigo abandonar ele (exposta na Figura 4). Apenas a palavra não tem 918 ms dos

2307 ms. que o enunciado inteiro apresenta. Como vemos, é um valor muito acima da

média geral (163,6 ms.) e do limite máximo para a variante plena (300 ms.).

0

200

400

600

800

1000

0 20 40 60 80

NÃO

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 139

Figura 4: curva melódica do enunciado não consigo abandonar ele, produzido por informante

mulher, adulta, não culta (NIG B 1 M 88)

Cabe notar que o alongamento silábico de que estamos tratando ocorre

especificamente na palavra analisada (não ou num). Sendo assim, optamos por excluir

esses dados da amostra, a fim de não prejudicar a análise prosódica. Outro parâmetro

de exclusão dos dados foi a observação de marcação entoacional de foco no item

investigado. Na figura 4, percebe-se um tom baixo alinhado ao fim do item não e o

mesmo ocorre na figura 5 a seguir. Na Figura 5 e na Figura 6, percebem-se também

alongamentos bastante marcados nas palavras não e num, respectivamente.

L-

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 140

Figura 5: curva melódica do enunciado não é mole, produzido por informante mulher, idosa, culta

(COP C 3 M 84)

No contorno exibido na Figura 5, a variante não é produzida com 431ms., o que

é mais que o dobro da média para esta variante entre todos os informantes (cf. Tabela

16). Da mesma forma, no contorno da Figura 6, a seguir, a variante num tem 342ms., o

que também é um valor acima do dobro da média de todos os falantes da amostra

para a variante reduzida (cf. Tabela 16).

L-

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 141

Figura 6: curva melódica do enunciado num tem tantos estudantes, produzido por informante

homem, jovem, não culto (NIG A 1 H 8)

Observamos também o padrão entoacional das curvas melódicas. Com o

objetivo de não enviesar os resultados da análise do padrão entoacional dos

enunciados, foram descartados também dezesseis dados que apresentavam o

contorno melódico de ênfase contrastiva. Conforme afirma Moraes (2008), o padrão

prosódico enfático é caracterizado pela conjunção de fatores de diferentes origens,

como os traços melódicos, a duração e a intensidade. Desse modo, é esperado que os

enunciados enfáticos sejam produzidos com uma duração maior do que os enunciados

neutros, o que poderia enviesar alguns resultados. Decidimos, então, retirar esses

enunciados da análise prosódica.

Ao fim desta nova etapa de filtragem dos dados do corpus, restaram 222

ocorrências de negação sentencial, das quais 69% (153 dados) eram ocorrências da

variante reduzida num e 31% (69 dados) eram ocorrências da variante plena não. O

gráfico a seguir ilustra essa distribuição, que favorece majoritariamente a variante

reduzida.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 142

Gráfico 3: distribuição de dados na posição inicial do enunciado

Apresentaremos, primeiramente, os resultados dos grupos de fatores

linguísticos15 e extralinguísticos, para, em seguida, discutir os resultados dos correlatos

acústicos analisados e a descrição do padrão entoacional dos enunciados do corpus.

5.1.1. Análise das variáveis linguísticas e extralinguísticas

Para compreender a distribuição da variante reduzida e da variante plena pelos

diferentes contextos, observamos a distância entre elas e a próxima sílaba acentuada.

Esse fator é importante, porque a literatura afirma que o operador de negação faz

parte do mesmo ɸ que o verbo que o segue (VIGÁRIO, 1998). Entretanto, essa

assunção é feita com base em dados do português europeu e de realização plena do

item, ou seja, sem redução. Resta-nos, pois, saber se a prosodização de não no PB

seguirá o padrão do PE e se num será prosodizado também como uma ω que integra

um ɸ.

Um dos fatores que devemos levar em conta para compreender a sua

prosodização é a constituição do ɸ no português e a distribuição dos acentos dentro

desse domínio. Há evidências de que o ɸ é bastante importante no PB para a

15

As variáveis linguísticas contexto fonético subsequente e forma verbal não foram considerados relevantes pelo programa computacional Goldvarb X e, por isso, não serão comentadas na seção 5.1.1.

69%

31%

Variante 'num'

Variante 'não'

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 143

observação de processos acentuais: o choque acentual (SANTANA, 2002; TENANI,

2003) e também a retração do acento (SANDALO & TRUCKENBRODT, 2003).

Acreditamos que o processo de antagonismo acentual (stress clash) ocasionado pela

adjacência de duas sílabas proeminentes pode revelar a diferença no estatuto

fonológico das variantes num e não, visto que temos por hipótese que sejam,

respectivamente, átona e tônica. Sendo átona, não haveria choque acentual; sendo

tônica, haveria uma tendência a aparecer com menor frequência adjacente à sílaba

acentuada do verbo a fim de evitar o choque de acentos.

No PE, como proposto por Vigário (1998), o operador de negação pleno forma

junto com o verbo um ɸ. Até onde sabemos, não há estudos sobre a forma átona da

negação no PE. Podemos, entretanto, tentar sistematizar um padrão para o PB, que

contemple o que tem sido proposto na literatura para a prosodização de palavras

clíticas e palavras prosódicas.

Se um dos operadores de negação (ou ambos) for átono, é muito provável que

seja adjungido ao verbo, como ocorre com muitos clíticos pronominais. Ao contrário,

se for tônico, é provável que seja uma ω e assuma uma posição fraca no ɸ, que terá

sua proeminência no elemento mais à direita (o verbo, na maioria das vezes). Em

outras palavras, esperamos que num se comporte como uma palavra não acentuada,

enquanto não seja uma palavra portadora de acento lexical. Desse modo, suas

prosodizações seriam diferentes. Observemos o exemplo abaixo:

(1) primeiro a gente tem que botar de castigo... não atendeu o castigo, dá uma

advertência. Depois vai com a vara, dá umas varadas num lugar onde não

vai machucar... num pode ser para machucar (informante mulher, idosa,

não culta, NIG C 1 M 58)

No exemplo, há três realizações do operador de negação, das quais duas são

produzidas com o ditongo nasal (não atendeu e não vai) e uma com a redução do

ditongo (num pode). Neste último caso, o operador de negação aparece em posição

imediatamente anterior à sílaba acentuada do verbo, {NEG + pode}, em que a sílaba

[pɔ] é tônica. A ocorrência de num nesse contexto evidencia seu caráter átono, visto

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 144

que a ocorrência de uma variante tônica nesta posição acarretaria choque acentual

(TENANI, 2002; VIGÁRIO & SANTOS, no prelo). Como consideramos a hipótese de que

não é uma palavra acentuada, esperamos que haja menor ocorrência desta variante na

posição imediatamente anterior à sílaba tônica do verbo. A variante plena e acentuada

não teria maior frequência de uso em contextos cuja distância entre as sílabas

acentuadas seja superior a duas sílabas, como em {NEG + atendeu}, em que a sílaba

tônica do verbo [dew] está separada do operador de negação por duas sílabas

pretônicas.

Entretanto, não é obrigatório que a variante não ocorra adjacente a sílabas

átonas. No exemplo (1), há a produção de não junto à forma verbal monossilábica vai,

ou seja, não ocorre adjacente a uma sílaba tônica. Com isso, percebe-se que não é um

processo categórico, mas intrinsecamente variável.

Nossa hipótese é, então, que haja uma distribuição diferente da realização das

variantes pesquisadas com base no acento. Resumidamente, esperamos que haja mais

realizações de num no contexto em que a próxima sílaba é forte (S de strong), como

em

num (σS . (σW))ω.

É bom reparar que a representação prevê um verbo monossilábico tônico, uma vez

que coloca entre parênteses a sílaba fraca. Já no contexto em que há sílabas

pretônicas, ou seja, necessariamente ocorrem sílabas fracas, evitando o choque

acentual, esperamos que possam ocorrer mais dados de não, como em

não (σW . σW . σS)ω.

Assim, na tabela a seguir, mostramos os resultados para a variável que controla a

distância do operador de negação até a sílaba acentuada do verbo.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 145

Distância até a próxima

sílaba tônica Variante NUM Variante NÃO

Sílaba adjacente 74% (133/181) 26% (48/181)

1 sílaba 61% (17/28) 39% (11/28)

2 ou mais sílabas 30% (3/10) 70% (7/10)

Tabela 10: variável distância do operador de negação até a próxima sílaba acentuada e posição inicial de IP

De acordo com os resultados apresentados na Tabela 10, percebemos que há

uma distribuição praticamente oposta dos contextos favorecedores de num e dos

contextos favorecedores de não. Nos casos em que a sílaba seguinte ao operador de

negação é acentuada, ou seja, nos casos em que o verbo não tem sílabas pretônicas,

há uma probabilidade muito maior de ocorrer num, com 74% (133/181), do que não,

com 26% (48/181). Ao contrário, no contexto em que a sílaba acentuada está duas ou

mais sílabas após o operador de negação, havendo, portanto, sílabas pretônicas no

verbo, o favorecimento é à variante não, que tem 70% (7/10) de ocorrências. É certo

que há uma quantidade limitada de dados, mas isso não invalida o fato de a frequência

ser diametralmente oposta nos dois contextos. O peso relativo, com valor de aplicação

para a variante não, confirma exatamente isso, pois, no contexto de duas ou mais

sílabas, a probabilidade de ocorrer não é de 0.89.

Essa distribuição confirma nossa suposição de haver alguma relação entre a

posição dos acentos dentro do ɸ, e a realização das formas átona e tônica. Conforme

vimos, a forma reduzida é mais frequente no contexto em que o operador de negação

é seguido por uma sílaba acentuada, o que demonstra ser um indício de que num é

uma forma átona no PB. Nesse caso, se o operador de negação fosse realizado como

uma forma acentuada, haveria choque acentual de proeminências adjacentes dentro

do mesmo domínio de ɸ.

A variante não, por sua vez, é mais frequente num ambiente fonológico em que

há sílabas pretônicas intervenientes entre o operador de negação e a sílaba acentuada

do verbo. Essa configuração é uma evidência na tentativa de demonstrar que não é

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 146

uma palavra acentuada no PB. Há, a seguir, alguns dados que mostram essa

distribuição oposta:

(2) num sei se ainda tem o teatro de arena me parece que tinha virado igreja

evangélica (informante homem, adulto, não culto, COP-B-1-H 9)

(3) nas que geralmente eu ando, num tem tantos estudantes (informante

homem, jovem, não culto, NIG-A-1-H 8)

(4) o meu pai sabe? não abandonei ele por causa disso (informante mulher,

adulta, não culta, NIG-B-1-M 87)

(5) no interior do Rio de Janeiro ... não precisamos ir para fora do nosso Brasil

não, não precisamos ir para fora do... do nosso estado (informante

mulher, culta, idosa, NIG C 3 M 119)

Nos exemplos em (2) e (3), o operador de negação é seguido por verbos

monossilábicos e tônicos. Esse contexto favorece a ocorrência da variante átona num,

a fim de evitar choque acentual. Ao contrário, os exemplos em (4) e (5) mostram a

preferência pela variante tônica não, quando há sílabas pretônicas no verbo.

É relevante notar os percentuais baixos de realização de não no contexto em

que a próxima sílaba é tônica e de num no contexto em que há mais de duas sílabas

pretônicas. Essa distribuição reforça a hipótese de que as variantes estudadas diferem

com relação ao acento, sendo não tônico e num átono.

Controlamos também o tamanho do verbo subsequente em número de sílabas.

Esse grupo de fatores pode ter relação com a variável que verifica a distância até a

próxima sílaba acentuada. Como se verificou maior ocorrência de num próximo a

sílabas acentuadas, espera-se que haja, do mesmo modo, uma maior ocorrência de

num junto a verbos monossilábicos. Ao mesmo tempo, esperamos encontrar mais

dados de não co-ocorrendo com verbos trissilábicos ou polissilábicos, porque esses

teriam mais sílabas pretônicas.

Na tabela a seguir, são apresentados os resultados.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 147

Número de sílabas do verbo

subsequente Variante NUM

Variante

NÃO

1 sílaba 80% (88/110) 20% (22/110)

2 sílabas 65% (50/77) 35% (27/77)

3 ou mais sílabas 43% (15/35) 57% (20/35)

Tabela 11: variável número de sílabas do verbo subsequente e posição inicial de IP

A partir dos resultados da Tabela 11, percebe-se que há uma predominância de

num nos casos em que o verbo é um monossílabo, satisfazendo, assim, nossa hipótese,

uma vez que esses verbos apresentam uma única sílaba que também é tônica. Dessa

forma, há um favorecimento à ocorrência da variante reduzida, que seria átona, a fim

de que não ocorra choque acentual. Nesse mesmo contexto (verbo monossilábico), há

apenas 20% de ocorrência da variante plena não.

Junto a verbos trissilábicos ou polissilábicos, há uma distribuição mais

equilibrada entre num e não, com ligeira vantagem para a variante plena. O contexto

de verbos dissilábicos favorece também a ocorrência da variante reduzida, embora em

menor grau que o contexto de verbos monossilábicos.

Tanto os resultados da variável tamanho do verbo subsequente (Tabela 11),

quanto os resultados da variável distância até a próxima sílaba tônica (Tabela 10)

parecem sugerir que há comportamentos diferentes das variantes não e num: a forma

reduzida ocorre mais próxima a verbos monossilábicos tônicos e a forma plena, junto a

verbos trissilábicos ou polissilábicos, com três ou mais sílabas de distância até a sílaba

acentuada do verbo. Os gráficos a seguir ilustram esse panorama:

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 148

Gráfico 4: distribuição de dados com base na variável distância até a próxima sílaba tônica

Gráfico 5: distribuição de dados com base na variável tamanho do verbo subsequente

O Gráfico 4, que apresenta os resultados da distância entre o advérbio de

negação e a sílaba acentuada do verbo, e o Gráfico 5, que revela o comportamento dos

dados com relação ao tamanho do verbo, tornam mais clara a distribuição

complementar em que estão as variantes num e não. Percebe-se que as linhas

descrevem as mesmas trajetórias: quanto menor for o verbo ou menor for a distância

entre o operador de negação e a sílaba tônica do verbo, maior a possibilidade de

0

20

40

60

80

100

sílaba adjacente 1 sílaba 2 ou mais sílabas

NUM NÃO

0

20

40

60

80

100

1 sílaba 2 sílabas 3 ou mais sílabas

NUM NÃO

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 149

ocorrer num; enquanto os valores da variante não ficam mais expressivos conforme é

maior o tamanho do verbo e a distância até a sílaba acentuada do verbo.

Entre as variáveis sociais, a que mais interessava ao trabalho era a que

controlava o nível de escolaridade dos informantes, porque a principal característica

atribuída pela literatura à redução dos ditongos nasais é a de ser um traço da fala mais

popular, de indivíduos com menor exposição à escolarização (NASCENTES, 1953;

AMARAL, 1955; VOTRE, 1978; GUY, 1981). Sendo a variação de não e num resultado da

redução do ditongo nasal, decidimos considerar essa proposta e verificar até que

ponto isso se confirma nos nossos dados, ainda que nossa intuição nos indicasse que

esse tipo de redução não é um fenômeno estigmatizado no PB.

Na tabela a seguir, são apresentados os resultados dessa variável social.

ESCOLARIDADE Variante NUM Variante NÃO

Ensino Fundamental 71% (67/94) 29% (27/94)

Ensino Superior 67% (86/128) 33% (42/128)

Tabela 12: variável social escolaridade e posição inicial de IP

Os valores da Tabela 12 mostram que tanto os informantes com ensino

fundamental, quanto os que têm ensino superior produzem majoritariamente a

variante reduzida, o que revela não haver estigma em relação à redução nesse caso

específico. Isso pode estar relacionado à alta frequência do operador de negação no

uso cotidiano da linguagem.

Inúmeros trabalhos demonstram que quanto mais comum for uma palavra ou

uma sentença, mais reduzida será sua produção na fala (HOOPER, 1976; WRIGHT,

1979; BYBEE 2000, 2002; PIERREHUMBERT, 2001). A explicação para a maior redução

dessas palavras mais frequentes se deve, segundo alguns autores (PIERREHUMBERT,

2001), ao fato de que os alvos articulatórios se tornam mais automatizados a partir do

uso, o que acelera a redução de vogais ou sílabas; mas há também aqueles (JURAFSKY

et alii, 2001) que defendam que as palavras mais frequentes são mais previsíveis no

contexto do ponto de vista do ouvinte. Então, como o interlocutor é cooperativo e já

espera a ocorrência daquela palavra, não há a necessidade de ser tão clara a produção.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 150

De um jeito ou de outro, a alta frequência da variante reduzida não pode ser explicada

pelo condicionamento do nível de escolaridade dos informantes, nem pelas demais

variáveis sociais, como veremos na apresentação de seus resultados a seguir. Parece

ser mesmo um caso em que a alta taxa de ocorrência do item no corpus provocou um

processo mais acelerado de redução fonética.

Na tabela a seguir, são apresentados os resultados obtidos para a variável sexo

dos informantes.

SEXO Variante NUM Variante NÃO

Homem 66% (62/93) 33% (31/93)

Mulher 70% (91/129) 30% (38/129)

Tabela 13: variável social sexo e posição inicial de IP

Nesta variável, percebemos que ambos os fatores indicam uma preferência

pela variante reduzida, com aproximadamente 70% de ocorrências de num entre

homens e mulheres. Pelo fato de a redução do ditongo nasal ser apontada como um

processo estigmatizado no PB, já que seria característica da fala não culta, o resultado

esperado seria um favorecimento para a variante reduzida entre os homens. Diversos

estudos têm demonstrado o papel que os homens cumprem na implementação de

formas estigmatizadas no PB (SCHERRE, 1996) ou em outras línguas (LABOV, 1966,

2001). No entanto, os resultados apresentados na Tabela 13 reforçam a hipótese de

que a redução do ditongo nasal no operador de negação tem características e

condicionamentos diferentes.

Da mesma forma, os fatores da variável localidade, cujos resultados estão na

Tabela 14 a seguir, são favorecedores da redução do ditongo nasal. Cabe notar que

utilizamos os dados de apenas cinco informantes de Copacabana, o que pode ter

contribuído para que o percentual de num esteja um pouco mais abaixo do que o

esperado. Da localidade de Nova Iguaçu, foram selecionados nove informantes e seus

resultados estão alinhados ao que temos encontrado para outras variáveis, ou seja, há

um forte favorecimento da variante num.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 151

LOCALIDADE Variante NUM Variante NÃO

Copacabana 57% (45/79) 43% (34/79)

Nova Iguaçu 76% (108/143) 24% (35/143)

Tabela 14: variável social localidade geográfica e posição inicial de IP

Já com relação à variável faixa etária, a partir dos resultados apresentados na

Tabela 15 abaixo, podemos observar que entre os jovens e os adultos há uma

possibilidade maior de ocorrer num na posição inicial do IP, seguindo a tendência já

verificada nas demais variáveis. Entretanto, há poucos dados e a distribuição não é

equilibrada, o que nos impede de tecer considerações mais precisas.

FAIXA ETÁRIA Variante NUM Variante NÃO

Jovem 85% (71/84) 15% (13/84)

Adulto 62% (63/101) 38% (38/101)

Idoso 51% (19/37) 49% (18/37)

Tabela 15: variável social faixa etária e posição inicial de IP

Não podemos, assim, explicar a redução dos ditongos nasais a partir de

condicionamentos sociais, visto que nenhum dos fatores analisados foi selecionado

pelo programa computacional como estatisticamente relevante. Isso demonstra que a

redução de não em num não é socialmente estigmatizada no PB. Na próxima subseção,

analisaremos os resultados da duração das variantes, bem como o padrão entoacional

que ocorre na primeira posição do enunciado.

5.1.2. Análise acústica

A análise acústica corresponde à observação dos valores da duração, um

correlato acústico do acento (MORAES, 1995) e à análise das curvas entoacionais dos

enunciados. Pretendemos verificar se os resultados desse parâmetro sugerem aquilo

que foi delineado pelas variáveis linguísticas: as variantes não e num têm estatutos

fonológicos diferentes no PB, sendo a primeira uma ω e a segunda uma palavra clítica.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 152

Para a análise da duração, como exposto no capítulo de metodologia,

obtivemos os valores em milissegundos das variantes de negação, após a segmentação

dos enunciados em palavras no PRAAT. Como a duração está relacionada, de certa

forma, à velocidade de fala, foi necessário separar os resultados por informante, para

que pudessem ser observados individualmente. Também calculamos a média geral da

amostra para termos uma medida de parâmetro com a qual pudéssemos comparar os

resultados.

Na tabela a seguir, são apresentados os valores de duração das variantes em

milissegundos. Na última coluna, são apresentados os valores percentuais referentes a

quanto não é mais longo que num. Há também o valor p, que foi o resultado do teste

estatístico T (Student).

Média de

duração Informante Variante NUM Variante NÃO

% de redução

de NUM

Mulheres não

cultas

COP A 1 M 95,8 ms. 175,5 ms. 45%

NIG A 1 M 99 ms. 120,5 ms. 18%

NIG B 1 M 117,6 ms. 170,8 ms. 31%

NIG C 1 M 114,1 ms. 132 ms. 13%

Mulheres cultas

COP C 3 M 126 ms. 142 ms. 11%

NIG A 3 M 109 ms. 153 ms. 29%

NIG B 3 M 140,4 ms. 172,5 ms. 18%

NIG C 3 M 121,7 ms. 142 ms. 14%

Homens não

cultos

COP B 1 H 121,8 ms. 166,5 ms. 27%

NIG A 1 H 136,6 ms. 159 ms. 14%

NIG B 1 H 117,4 ms. 236,7 ms. 50%

Homens cultos

COP A 3 H 98,3 ms. 139,5 ms. 29%

COP B 3 H 98 ms. 159,9 ms. 39%

NIG A 3 H 76,9 ms. 169 ms. 55%

MÉDIA 118,4 ms. 163,6 ms. 28%

DESVIO PADRÃO 37,1 ms. 46,5 ms.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 153

Média de

duração Informante Variante NUM Variante NÃO

% de redução

de NUM

Teste-T (p-valor) 0,00000000067

Tabela 16: médias de duração dos itens num e não em posição inicial de IP

Como podemos observar, a variante reduzida apresenta uma média de duração

menor que a correspondente plena em todos os falantes (homens ou mulheres). No

cômputo total da amostra, a média de duração de num é de 118,4 ms., que é 28%

menor que não, que tem duração média de 163,6 ms. O desvio padrão para a forma

num é de 37,1 ms., enquanto o da forma não é de 46,5 ms. Além do mais, o p-valor,

obtido por meio do Teste-T, mostra que as variantes não e num não são iguais, porque

a hipótese nula foi rejeitada. Em outras palavras, esse valor 0,00000000067 do p-valor

respalda nossa hipótese de que essas variantes tenham estatutos fonológicos

diferentes no PB, na medida em que ambas têm comportamentos prosódicos distintos.

Essa relação entre duração e acento é documentada numa vasta literatura que

aponta que a duração é uma manifestação fonética do acento nas línguas naturais,

como o inglês (FRY, 1958), o japonês (BECKMAN, 1986), ou o português (MORAES,

1995). Os estudos indicam que a correlação entre duração e acento pode ser verificada

na comparação entre sílabas acentuadas e não acentuadas. Em geral, as sílabas não

acentuadas podem ter segmentos vocálicos, consonantais ou até mesmo ambos com

menor duração do que as sílabas acentuadas. Lieberman (1960), por exemplo,

demonstra que as vogais das sílabas acentuadas no inglês tinham duração maior em

66% das ocorrências em relação às vogais de sílabas átonas.

No mesmo sentido, os resultados apresentados na Tabela 16 mostram uma

diferença significativa entre as variantes num e não no que se refere à duração. Em

todos os informantes, foram registrados valores menores para num, que acreditamos

ser uma palavra não acentuada. As várias ocorrências de não, por sua vez, foram

produzidas de forma mais prolongada por todos os falantes. Esses indícios sustentam a

hipótese de que não seja uma ω no PB e num seja uma palavra átona que passa por

um processo de cliticização.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 154

Foi analisada também a associação de eventos tonais nessa primeira posição do

IP. Segundo alguns autores (FERNANDES, 2007; TONELI, 2014), a primeira sílaba

acentuada do IP é caracterizada pela associação à estrutura segmental de um acento

tonal ascendente.

Assim, na primeira posição absoluta do IP, acreditamos que não seja um forte

candidato a receber um acento tonal associado a sua estrutura, visto que levantamos a

hipótese de que seja tônico. Com relação à variante num, por acreditarmos ser uma

palavra não acentuada, esperamos que não haja ocorrência de acento tonal neste

caso. Na tabela a seguir, apresentamos os resultados para a associação tonal às

variantes analisadas.

ASSOCIAÇÃO TONAL Variante NUM Variante NÃO

SEM ACENTO 100% (153/153) 28% (19/69)

COM ACENTO 0% (0/153) 72% (50/69)

TOTAL 100% (153/153) 100% (69/69)

Tabela 17: médias de duração dos itens num e não em posição inicial de IP

Por meio dos resultados, observamos que é majoritária a associação de um

acento tonal às ocorrências de não, com 72% de 69 dados. Ao contrário, nenhum dado

de num apresenta ocorrência de evento tonal. Essa distribuição reforça a hipótese

defendida nesta tese de que num é uma palavra átona e não, uma palavra tônica. Um

acento tonal só pode estar associado a uma sílaba acentuada, o que parece ser o caso

de não.

Na figura a seguir, o enunciado se você quer se formar e não gosta, não se

forma pode ser dividido idealmente em três IPs. Interessa-nos o terceiro, cuja primeira

posição é ocupada pela variante plena não. O movimento de subida da curva melódica

ocorre na vogal [ã], atingido o pico no glide [w], revelando a associação de um evento

tonal à primeira sílaba acentuada do enunciado, que, no caso, é a variante não.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 155

Figura 7: curva melódica do enunciado não se forma, produzido por informante homem, adulto,

não culto (NIG B 1 H 13)

Há outro contorno, exibido na Figura 8 a seguir, que evidencia a associação

tonal à variante não. Neste caso, a subida da curva melódica ocorre no início da sílaba

não e atinge o ponto máximo na vogal baixa [ã]. Esse contorno ascendente foi descrito

como L*+H, enquanto o que se apresentou na Figura 7 foi descrito como L+H*.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 156

Figura 8: curva melódica do enunciado não acharam meu carro, produzido por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 22)

Com relação ao acento que pode se manifestar na primeira sílaba acentuada do

IP, é majoritária a ocorrência de um acento bitonal que descreve uma curva

ascendente. Vários trabalhos descrevem esse padrão ascendente associado à primeira

sílaba tônica do IP, como Castelo & Frota (2015), Frota et alii (2015), Silvestre (2012),

Moraes (1998; 2008), Frota & Moraes (no prelo) e Tenani (2002). Segundo Silvestre

(2012: 87), foram encontrados dois movimentos característicos do contorno pré-

nuclear nas capitais dos estados brasileiros: um circunflexo e um ascendente. O

primeiro movimento teria sido encontrado apenas nas capitais da região Sul do país,

ao passo que o segundo, mais difundido, seria uma marca do PB. Tenani (2002: 52)

também verifica esse tendência na variedade paulista do PB, ao afirmar que “ocorre

preferencialmente um tom LH* associado à primeira sílaba acentuada de I,

independente de essa sílaba ser ou não a mais proeminente de ɸ”.

Nos nossos dados, obtivemos um percentual de 84% (187/222) de evento tonal

ascendente (L+H* ou L*+H) associado à primeira sílaba acentuada do IP, o que

confirma as generalizações apontadas pelos demais estudos. Foi majoritária a

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 157

descrição L+H*, que é, de acordo com Moraes (1998), o padrão da variedade carioca

do PB. Esse tom ocorreu em 69% (153/222) dos enunciados, enquanto o tom L*+H foi

registrado em 15% (34/222) dos IPs.

Na Tabela 18 a seguir, são apresentados os resultados para os eventos tonais

que foram registrados associados à primeira sílaba acentuada do IP.

TOM % (Oco./Total)

L+H* 69% (153/222)

L*+H 15% (34/222)

H* 8% (18/222)

L* 4% (8/222)

Sem acento 4% (9/222)

TOTAL 100% (222/222)

Tabela 18: percentuais dos acentos tonais associados à primeira sílaba acentuada do IP em posição inicial

Em nove dados, não se conseguiu atribuir um acento, devido a alguns

problemas na visualização do contorno entoacional, como a ausência da curva de F0.

Os outros tons verificados foram o tom baixo e o tom alto; este último, geralmente,

ocorre nos casos em que há IPs intermediários, ou seja, um IP sucede o outro.

A primeira sílaba acentuada do IP pode também ser a sílaba tônica do verbo

que sucede o operador de negação. Isso acontece, sobretudo, quando o operador de

negação é realizado como a variante num, que é átona. No exemplo a seguir (

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 158

Figura 9), há dois enunciados produzidos pelo mesmo informante do sexo masculino.

Ambos os enunciados são iniciados pela variante reduzida num, que está contígua à

forma verbal tem. Por ser um monossílabo tônico, à forma verbal pode estar associado

um acento, que, nos dados em questão, descreve uma curva de F0 ascendente.

Figura 9: curva melódica dos enunciados num tem luz, num tem nada, produzidos por informante homem, jovem, culto (COP A 3 H 90)

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 159

Controlamos também os acentos tonais que estão associados especificamente

à variante não, como demonstraram os exemplos das figuras 7 e 8. Nesses casos, não é

a primeira palavra acentuada do IP, podendo, então, um tom estar associado a sua

estrutura segmental. Os resultados são apresentados na tabela a seguir:

TOM % (Oco./Total)

L+H* 82% (41/50)

L*+H 8% (4/50)

H* 10% (5/50)

TOTAL 100% (50/50)

Tabela 19: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição inicial de IP

É predominante a ocorrência de um tom ascendente associado à variante não,

o que corrobora as considerações feitas por Frota & Moraes (no prelo) de que há, nas

variedades do PB, uma variabilidade com relação ao formato da curva melódica no

contorno pré-nuclear (se o tom asterisco se realiza como alto ou baixo,

especificamente). Isso evidencia a possibilidade de ocorrência de L*+H ou L+H*, com

predominância do segundo tipo de evento tonal em nossos dados de fala espontânea.

De qualquer modo, os resultados parecem ser bastante contundentes no

sentindo de caracterizar um padrão ascendente para o início do contorno melódico

dos enunciados da amostra de fala espontânea. Descreveu-se um acento ascendente

em 90% dos dados, tendo sido, porém, o tom L+H* o mais registrado com 82%.

A seguir, são apresentadas as curvas de três enunciados, cuja primeira posição

é ocupada pela variante não. Em todos os casos, manifesta-se um acento bitonal

ascendente no início do IP. Na Figura 10, há um aumento dos valores de F0 entre o

operador de negação e a sílaba pretônica da forma verbal dependem, caracterizando

um acento L*+H, uma vez que o pico da curva só é atingido na sílaba pretônica do

verbo.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 160

Figura 10: curva melódica do enunciado não dependem de mim, produzido por informante mulher,

idosa, culta (NIG C 3 M 62)

Na Figura 11, a seguir, a curva tem um movimento de subida que atinge seu

pico alinhado ao final da semivogal do ditongo nasal, por isso, foi descrita como L+H*.

Após essa subida, a curva descreve uma trajetória de declínio, mantendo um padrão

baixo a partir da sílaba tônica do verbo até a fronteira direita do IP.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 161

Figura 11: curva melódica do enunciado não conseguiram fazer instalações, produzido por informante homem, adulto, culto (COP B 3 H 27)

A seguir, há uma estrutura de dupla negativa, em que a variante não ocorre nas

fronteiras inicial e final do IP. O movimento de subida da curva de F0 na primeira sílaba

acentuada se estende até a forma verbal monossilábica tem, onde atinge seu pico.

Descrevemos, pois, este acento inicial como L*+H.

Antecipando a discussão que será delineada na seção 5.3, cabe ressaltar o

declínio na curva de F0 na última sílaba acentuada do IP. A palavra não, como se

percebe, se comporta como uma ω no PB, estando a ela associados acento tonal e tom

de fronteira.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 162

Figura 12: curva melódica do enunciado não tem muito emprego não, produzido por informante

homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 12)

Fizemos também um levantamento das palavras monossilábicas que

contivessem o ditongo nasal /auN/, a fim de poder comparar o valor da duração com o

da variante plena não, que também apresenta o ditongo nasal. Foram encontrados 31

dados em primeira posição absoluta de IP, dentre os quais houve ocorrências das

formas verbais são, vão, tão (forma reduzida de estão) e do substantivo pão. A tabela

abaixo mostra o percentual e as ocorrências dessas formas.

Palavras com ditongo nasal % (Oco./Total)

São 52% (16/51)

Tão 26% (8/31)

Vão 19% (6/31)

Pão 3% (1/31)

TOTAL 100% (31/31)

Tabela 20: percentuais de ocorrência das ωs com /auN/ em posição inicial de IP

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 163

Como se pode ver, foram encontrados na amostra menos dados de ωs com

ditongo nasal (31 ocorrências) do que dados da variante não (69 ocorrências). Além

disso, esses dados de ωs com ditongo nasal não foram produzidos por todos os

falantes, pois cinco entrevistados não produziram nenhum item. Já a variante não

apareceu no discurso de todos os quatorze informantes da amostra. Para que a

comparação seja possível, analisaremos apenas as médias de duração dos nove

informantes que produziram dados de são, vão, tão e pão. Por isso, há na tabela a

seguir algumas células vazias.

Na próxima tabela, apresentamos, portanto, os valores de duração de outras

ωs com ditongo nasal e os comparamos com as médias de duração da variante não,

que já foram discutidos na Tabela 16 acima. Informamos na terceira coluna da tabela

as médias de duração das ωs com /auN/ e na quarta coluna as médias de duração do

item não. Nosso objetivo é verificar se há comportamento prosódico semelhante entre

as formas.

Média de

duração Informante

Outras palavras

com ditongo nasal

(são, vão, tão e

pão)

Variante não

Mulheres não

cultas

COP A 1 M - -

NIG A 1 M - -

NIG B 1 M 130,5 ms. 170,8 ms.

NIG C 1 M 167 ms. 132 ms.

Mulheres cultas

COP C 3 M - -

NIG A 3 M 158 ms. 153 ms.

NIG B 3 M 149,4 ms. 172,5 ms.

NIG C 3 M 145 ms. 142 ms.

Homens não

cultos

COP B 1 H 151,7 ms. 166,5 ms.

NIG A 1 H - -

NIG B 1 H 195 ms. 236,7 ms.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 164

Média de

duração Informante

Outras palavras

com ditongo nasal

(são, vão, tão e

pão)

Variante não

Homens cultos

COP A 3 H 158,4 ms. 139,5 ms.

COP B 3 H 124 ms. 159,9 ms.

NIG A 3 H - -

MÉDIA 154 ms. 166,7 ms.

DESVIO PADRÃO 41,8 ms. 46,4 ms.

Teste-T (p-valor) 0,213

Tabela 21: médias de duração de outras ωs com /auN/ e da variante não em posição inicial de IP

As ocorrências de não são maiores que as ocorrências das demais ωs com

ditongo nasal na fala de cinco informantes (NIG B 1 M, NIG B 3 M, COP B 1 H, NIG B 1 H

e COP B 3 H), e na média total essa diferença é de 8%. Ao nível de significância de 5%,

o p-valor obtido através do Teste-T indica que, apesar da diferença entre as médias ser

diferente de zero, as médias são consideradas estatisticamente iguais.

A não rejeição da hipótese nula, ou seja, a confirmação de que as médias são

estatisticamente iguais, permite considerar que não seja uma ω no PB, uma vez que é

comparável às ωs são, tão, vão e mão, analisadas na amostra.

Seguindo essa mesma proposta, comparamos também as ocorrências de num

com as ocorrências da sílaba acentuada da palavra nunca. Visto que a sílaba inicial de

nunca é acentuada, esperamos que a comparação aponte para uma diferença em

relação ao operador de negação num, que propomos ser átono. Havendo diferença

nos valores de duração entre as duas formas, poderemos encontrar indícios que

fortaleçam a hipótese de que num tenha deixado de ser acentuado em função do

processo de cliticização.

Excetuando-se um informante (COP B 1 H), todos os demais produziram, ao

menos, um dado de nunca. Há também um número significativamente menor de

ocorrências da ω nunca (33 dados) em comparação com o item reduzido num (146

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 165

dados). Apesar disso, julgamos relevante cotejar as médias de duração da sílaba

acentuada da ω nunca com os valores da palavra de negação num.

Na tabela a seguir, são apresentados os resultados das médias da sílaba inicial

da palavra nunca (terceira coluna) e das médias da variante reduzida num. As células

referentes ao informante COP B 1 H encontram-se vazias, pois não foram encontradas

produções da palavra nunca no seu discurso oral.

Média de

duração Informante

Variante num Sílaba /nuN/

da ω nunca

% de redução

de NUM

Mulheres não

cultas

COP A 1 M 95,8 ms. 255 ms. 62%

NIG A 1 M 99 ms. 167 ms. 41%

NIG B 1 M 117,6 ms. 188 ms. 37%

NIG C 1 M 114,1 ms. 142,5 ms. 20%

Mulheres cultas

COP C 3 M 126 ms. 191 ms. 34%

NIG A 3 M 109 ms. 186,5 ms. 42%

NIG B 3 M 140,4 ms. 186 ms. 25%

NIG C 3 M 121,7 ms. 268 ms. 55%

Homens não

cultos

COP B 1 H - -

NIG A 1 H 146,2 ms. 281 ms. 48%

NIG B 1 H 117,4 ms. 229 ms. 49%

Homens cultos

COP A 3 H 98,3 ms. 112 ms. 12%

COP B 3 H 98 ms. 219,2 ms. 55%

NIG A 3 H 76,9 ms. 186,5 ms. 59%

MÉDIA 117,3 ms. 182 ms. 35%

DESVIO PADRÃO 39,4 ms. 66,1 ms.

Teste-T (p-valor) 0,00000575

Tabela 22: médias de duração da sílaba acentuada da ω nunca e da variante reduzida num em posição inicial de IP

Os resultados apresentados na Tabela 22 demonstram que há uma diferença

significativa entre a sílaba /nuN/ da palavra nunca e a palavra reduzida num. As médias

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 166

da sílaba acentuada de nunca são maiores que as do operador de negação nas

realizações de todos os falantes do corpus. Na média geral, num, palavra reduzida, é

35% menos longa que /nuN/, de nunca.

O p-valor, obtido através do Teste-T, também reforça que há uma diferença

significativa entre as médias das variáveis, porque a hipótese nula foi rejeitada. Ao

nível de significância de 5%, o p-valor menor que 0,0001 indica a diferença entre /nuN/

de nunca e num de negação sentencial. Em outras palavras, foi negada a possibilidade

estatística de as variáveis serem iguais. Sendo assim, a variante reduzida num pode ser

considerada átona.

Ao fim desta seção, podemos sumarizar as constatações que foram feitas sobre

o comportamento fonético e fonológico das variantes, na posição inicial do IP:

a. há um favorecimento para a ocorrência da forma reduzida num em 69% dos

dados;

b. verificou-se que, no contexto de adjacência do advérbio de negação à sílaba

tônica do verbo, é favorecida a forma reduzida com 74% de ocorrências;

c. a forma reduzida é igualmente favorecida junto a verbos monossilábicos;

d. na média geral, a forma reduzida é 28% menos longa que a forma plena;

e. não se verificou associação de acento tonal à forma reduzida, mas sim à forma

plena;

f. há uma semelhança estatística entre os valores de duração da forma plena e de

outras palavras que contenham o ditongo nasal /auN/, como são ou vão;

g. há uma diferença estatística entre os valores de duração da forma reduzida

num e da sílaba acentuada da palavra nunca.

Os resultados obtidos permitem considerar num uma palavra átona e não uma

palavra tônica. Como dissemos, essa generalização traz consequências importantes

para a prosodização dos itens, bem como para a definição do estatuto fonológico que

têm no PB.

Na próxima seção, abordaremos os resultados encontrados para a posição

intermediária do IP. A maior diferença entre esta posição e a posição inicial é a

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 167

existência de um elemento antecedente (um sujeito, um adjunto ou ainda um

conectivo) que pode atuar de forma distinta com relação à ocorrência de formas

reduzidas.

5.2. Posição intermediária do sintagma entoacional

Antes de fazer uma segunda filtragem necessária no corpus, havia 935 dados

em posição interna ao IP. Nesse contexto, as variantes investigadas não ocupam as

fronteiras do sintagma entoacional, visto que são precedidas por algum elemento e

sucedidas por um verbo. O elemento antecedente pode ser um sujeito – representado

por um pronome (exemplo 6) ou por um sintagma nominal (exemplo 7) –, um adjunto

adverbial (exemplo 8), um conectivo (exemplo 9) ou um pronome relativo (exemplo

10):

(6) tá sendo bom? Tá, eles num tão andando mais armados em favela, cê

num vê mais aquele aparato de armas (informante homem, adulto, não

culto, COP B 1 H 18)

(7) e outra coisa que o casamento num dá certo hoje em dia... é que as

pessoas num estão aceitando a família do outro (informante mulher,

idosa, não culta, NIG C 1 M 42)

(8) porque cinema, aqui num tem cinema, mas é lá pra Nova Iguaçu, é...

festas, assim, de rua boas... eu num vejo show também assim gratuito,

também num vejo (informante mulher, jovem, culta, NIG A 3 M 48)

(9) o salário aumenta, mas as coisa aumenta também, então num tem

condições da gente viver bem (informante mulher, jovem, não culta, NIG

A 1 M 30)

(10) então, tem que assaltar carro, assaltar pedestre, fazer... outras coisas que

num seja tráfico de drogas (informante homem, jovem, culto, COP A 3 H

65)

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 168

Do mesmo modo que foi feito no contexto em que as variantes de negação

ocorrem na posição inicial do IP, retiramos do corpus todos os dados que

apresentaram alongamento silábico. Foi utilizado o mesmo valor limitador para a

duração de num (máximo de 200 ms.) e de não (máximo de 300 ms.). Vale lembrar que

esses valores foram estabelecidos com base no desvio padrão obtido a partir da média

geral de duração de cada uma das variantes. Também consideramos para estabelecer

esse valor a velocidade de fala de cada indivíduo, o que pode ocasionar que a mesma

palavra seja produzida com tamanhos diferentes por falantes diferentes.

De acordo com os resultados que serão apresentados na tabela X, na posição

intermediária, a média geral de duração do item num é de 110,6 ms, com um desvio

padrão de 29,2 ms. Já a média geral de duração do item não é de 183, 6 ms., sendo seu

desvio padrão de 32,9 ms. Acreditamos que os valores máximos estabelecidos de 200

ms. e 300 ms. para num e não, respectivamente, deem conta de controlar as

ocorrências que possam enviesar os resultados.

Com base nesse critério, foram excluídos 36 dados produzidos com

alongamento silábico. Mostramos nos gráficos de dispersão a seguir esses itens que

apresentaram desvio do limite estabelecido.

Gráfico 6: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de num em posição medial de IP

0

200

400

600

800

1000

0 200 400 600 800

NUM

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 169

Gráfico 7: gráfico de dispersão das médias de duração dos dados de não em posição medial de IP

A seguir exemplificamos dois casos desse tipo, nos quais os operadores de

negação foram produzidos com duração mais longa que a média. Na Figura 13, há um

caso de hesitação, em que a variante não, que ocorre no enunciado alunos que não

respeitam assim o colégio, registrou uma duração de 939 ms. Já a Figura 14 ilustra o

exemplo de alongamento na variante num que ocorre no IP porque num dá. Nesse

caso, o item de negação foi produzido com 418 ms., o que é mais que o dobro da

média geral de 110 ms. para a variante nesta mesma posição (cf. Tabela 29).

0

100

200

300

400

500

0 50 100 150 200

NÃO

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 170

Figura 13: curva melódica do enunciado alunos que não respeitam assim o colégio, produzido por

informante homem, jovem, culto (NIG A 3 H 42)

Figura 14: curva melódica do enunciado porque num dá, produzido por informante mulher, jovem,

não culta (COP A 1 M 85)

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 171

Foram excluídos também da análise 50 dados que apresentaram um contorno

típico de sentenças com ênfase. Como afirmamos anteriormente, é comum que haja

uma duração maior nesse tipo de contorno melódico, o que poderia modificar os

resultados e nos levar a uma interpretação incorreta dos dados.

Assim, na posição intermediária, restaram 849 dados de negação sentencial,

sendo que 83% (701/849) foram realizados como num e 17% como não (148/849).

Resumimos estas informações no gráfico abaixo.

Gráfico 8: distribuição de dados na posição intermediária do enunciado

Constatamos, portanto, que a posição intermediária favorece fortemente a

redução do ditongo nasal. Na próxima subseção, apresentamos os resultados

referentes às variáveis linguísticas e extralinguísticas.

5.2.1. Análise das variáveis linguísticas e extralinguísticas

Neste contexto em que o operador de negação ocorre no interior do IP, e não

em uma de suas fronteiras, é relevante verificar se o elemento que o antecede

desempenha algum papel na redução do ditongo nasal. Esse elemento, que pode ser

um sujeito, um adjunto, ou ainda um conectivo, pode ter diferentes prosodizações, a

depender das suas características fonológicas. Independentemente de sua

83%

17%

Variante 'num'

Variante 'não'

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 172

prosodização, acreditamos que isso não influencie na realização da negação, porque se

o antecedente for uma ω, será prosodizado em outro ɸ. Nossa hipótese é, portanto,

que a ocorrência desse elemento antecedente não altere a probabilidade, já verificada

na posição inicial, de haver maior frequência de itens reduzidos do que de itens

plenos.

Observemos o exemplo abaixo para compreender melhor essa hipótese:

(11) tenho uma irmã que ela falava coisas, que ela num sabe o que que é, e

aquela palavra num casou com o assunto... você acaba pagando mico

(informante mulher, adulta, não culta, NIG B 1 M 209)

A organização do enunciado aquela palavra num casou com o assunto se dá

com base em três sintagmas fonológicos:

((aquela palavra)ɸ (num casou)ɸ (com o assunto)ɸ) IP.

O elemento antecedente, o sujeito aquela palavra, é prosodizado em um ɸ à parte

daquele que é composto pelo operador de negação e o verbo. O mesmo se verifica no

exemplo a seguir:

(12) há dez anos atrás nós víamos pessoas usando bandana ... blusa dos

Estados Unidos ... todo mundo queria ir para Disney, todo mundo tinha

bandeira, ou seja, nós não conseguimos ainda criar uma identidade

(informante homem, jovem, culto, NIG A 3 H 164)

Neste caso, o pronome nós é prosodizado em um ɸ, enquanto o advérbio não, em

outro: não há, portanto, choque de acento. Na verdade, o fator que parece licenciar a

ocorrência de não é haver duas sílabas pretônicas na forma verbal conseguimos. Isso

faz com que haja uma distância mínima entre as sílabas acentuadas do mesmo ɸ, o

que evita um choque acentual.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 173

O elemento antecedente e o operador de negação podem também ser

prosodizados no mesmo ɸ, caso aquele seja uma palavra funcional, já que os

sintagmas fonológicos se organizam em torno de núcleos lexicais (NESPOR & VOGEL,

1986). No exemplo abaixo, o advérbio só é prosodizado no mesmo constituinte que a

variante num:

(13) o cara era sociólogo, vendeu quase o país inteiro. Só num vendeu mais,

porque o Lula foi eleito (informante homem, adulto, não culto, COP B 1 H

63)

Propomos a seguir a representação da prosodização dos elementos do

enunciado só num vendeu mais. Cabe reparar que o ɸ [num vendeu mais] está

organizado em torno do núcleo vendeu, que é uma cabeça lexical.

(((só)ω) ɸ ((num (vendeu)ω)C (mais)ω) ɸ) IP

Os resultados das variáveis que controlam o elemento antecedente são

apresentados nas tabelas 23 e 24 abaixo:

Tipo de elemento antecedente Variante NUM Variante

NÃO

Sujeito 83% (467/560) 17% (93/560)

Adjunto 92% (90/98) 8% (8/98)

Conectivo 75% (144/191) 25% (47/191)

Tabela 23: variável tipo de elemento antecedente e posição medial de IP

Número de sílabas do

antecedente Variante NUM

Variante

NÃO

1 sílaba 79% (265/334) 21% (69/334)

2 sílabas 82% (210/257) 18% (47/257)

3 ou mais sílabas 88% (226/258) 12% (32/258)

Tabela 24: variável tamanho do elemento antecedente e posição medial de IP

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 174

Na Tabela 23, estão os resultados para o grupo de fatores tipo de elemento

antecedente. Destacam-se o favorecimento de num em todos os contextos

pesquisados e a quantidade robusta de dados antecedidos por sujeito – 66% (560

ocorrências) dos 849 dados de negação no interior do IP. Quanto à variável número de

sílabas do elemento antecedente (Tabela 24), também se verificou um forte

favorecimento à ocorrência da forma reduzida num em todos os contextos.

Como se vê, portanto, a hipótese que sustentamos – a de que o material fônico

antecedendo o operador de negação não acarreta menor frequência da variante

reduzida – foi confirmada, inclusive porque, no geral, estão em ɸs diferentes.

Parece ter maior peso a variável linguística que verifica a distância do operador

de negação até a sílaba tônica do verbo. Nesse caso, em função de o item de negação

e o verbo estarem no mesmo ɸ, há a possibilidade de ocorrer choque acentual. Já que

acreditamos que não seja uma palavra acentuada e num, átona, esperamos que haja

menor frequência da forma plena junto à sílaba tônica do verbo.

Na tabela a seguir, estão os resultados para o grupo de fatores distância até a

próxima sílaba tônica.

Distância até a próxima

sílaba tônica Variante NUM Variante NÃO

sílaba adjacente 83% (493/594) 17% (101/594)

1 sílaba 83% (151/182) 17% (31/182)

2 ou mais sílabas 78% (57/73) 22% (16/73)

Tabela 25: variável distância do operador de negação até a próxima sílaba acentuada e posição medial de IP

Como se percebe, há um favorecimento generalizado à ocorrência de num em

todos os contextos. Por exemplo, no contexto em que a sílaba subsequente ao

operador de negação é tônica, é majoritária a ocorrência da variante reduzida, com

83% dos 594 dados. Desse ponto de vista, os resultados da posição intermediária do IP

se aproximam aos da posição inicial, com um forte favorecimento à ocorrência de num

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 175

próximo à sílaba acentuada do verbo. Conforme já afirmamos, essa estratégia evitaria

o choque acentual que poderia ocorrer da contiguidade de duas proeminências no

mesmo ɸ.

A variante plena não foi favorecida em nenhum dos contextos analisados, o que

é uma diferença em relação aos resultados da posição inicial do IP. Naquela posição, o

contexto de duas ou mais sílabas do operador de negação até a sílaba tônica do verbo

favorecia o item não. Há duas possíveis explicações para a forma plena não ter sido

favorecida na posição interna ao IP. A primeira razão está relacionada ao número

reduzido de dados no contexto de duas ou mais sílabas na posição inicial do IP. Nesse

caso, só há dez ocorrências do advérbio de negação, das quais sete são da variante

plena não (cf. Tabela 10). Por sua vez, como se vê na Tabela 25, o mesmo contexto na

posição intermediária tem 73 dados, dos quais apenas 22% são de não. Há, portanto,

um desequilíbrio no número de dados nesse contexto fonológico.

A segunda possível explicação para haver um maior favorecimento a num em

todos os contextos analisados é referente à atribuição tonal na primeira sílaba

acentuada do IP. Por ser uma posição marcada em termos entoacionais e por ter uma

distância maior até a sílaba tônica do verbo, haveria condições favoráveis à maior

realização de não na posição inicial do IP, conforme vimos na Tabela 10. Na posição

interna do IP, não há necessidade de preservar a informação acentual, pois é opcional.

Neste caso, não é obrigatória uma proeminência, o que desobriga a ocorrência da

variante acentuada não. Com isso, conforme demonstraram os resultados da Tabela

25, há um maior favorecimento à variante reduzida na posição intermediária do IP.

Foi observado o mesmo fato com a variável que controla o tamanho do verbo

que está contíguo ao operador de negação (Tabela 26), pois todos os contextos

analisados favoreceram a redução do ditongo nasal na posição intermediária do IP.

Verificar o tamanho desse verbo, conforme já expressamos, é necessário para a

confirmação das hipóteses defendidas nesta tese. Se um verbo é monossilábico,

logicamente, sua única sílaba é também acentuada. Nesse caso, o esperado é haver

mais realizações do operador de negação como átono (num), para evitar o

antagonismo acentual que ocorreria se a negação fosse realizada como tônica (não).

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 176

Na próxima tabela, mostramos os resultados da variável que controla o tamanho dos

verbos.

Número de sílabas do verbo

subsequente Variante NUM

Variante

NÃO

1 sílaba 85% (263/311) 15% (48/311)

2 sílabas 80% (273/340) 20% (67/340)

3 ou mais sílabas 83% (165/198) 17% (20/198)

Tabela 26: variável número de sílabas do verbo subsequente e posição medial de IP

Houve um favorecimento a num em todos os contextos pesquisados. Junto a

verbos monossilábicos, verifica-se a maior taxa de frequência da variante reduzida,

85% (263 ocorrências de 311 dados). Já a variante não manteve baixa taxa de

frequência, não importando a quantidade de sílabas do verbo. Não houve tampouco o

favorecimento de não no contexto em que ocorre junto a verbos trissilábicos ou

polissilábicos, ao contrário do que ocorreu na posição inicial do IP (cf. Tabela 11).

Como dissemos acima, esse resultado pode ter duas explicações.

Pode ser um efeito da pouca quantidade de dados que foi verificada na posição

inicial do constituinte, visto que obtivemos apenas 35 dados de negação junto a verbos

com três ou mais sílabas, dos quais 20 eram realizados como não (57%). Na posição

intermediária, há, contrariamente, 198 dados de negação seguidos por verbos com

três ou mais sílabas, dos quais apenas 20 são ocorrências de não, o que representa

17% do total (cf.Tabela 26).

Pode ser também efeito de uma não marcação entoacional na posição

intermediária, que licencia a maior ocorrência da variante átona. Na posição inicial do

IP, há uma preservação da informação sobre o acento pré-nuclear; basta compararmos

que, no mesmo contexto (verbos trissilábicos ou polissilábicos), houve 57% de

ocorrências de não na posição inicial e 17% na posição interna do IP. A ocorrência de

uma variante ou outra parece ser, neste caso, dependente de fatores fonológicos.

Todos os fatores das variáveis sociais também favoreceram a variante reduzida

na posição intermediária do IP, assim como havia sido observado para a posição inicial.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 177

Por exemplo, supúnhamos que o grupo de fatores escolaridade, cujos resultados estão

na tabela abaixo, seria relevante por se tratar de um processo de redução de ditongos

nasais. Contudo, não houve seleção da variável pelo programa GoldvarbX, porque a

frequência de realização de num é alta tanto entre falantes com ensino superior

completo (81% de 469 dados) quanto entre os falantes que têm apenas o ensino

fundamental (84% de 380 dados). Era esperado que o grupo dos que têm maior

escolaridade desfavorecesse a variante reduzida, já que a redução seria um fenômeno

estigmatizado, porém isso não foi verificado.

ESCOLARIDADE Variante NUM Variante NÃO

Ensino Fundamental 84% (319/380) 16% (61/380)

Ensino Superior 81% (382/469) 19% (87/469)

Tabela 27: variável social escolaridade e posição medial de IP

Em relação às variantes sexo e localidade, percebemos que a variante reduzida

apresenta alta frequência de realização em todos os fatores também. Pelo fato de a

redução do ditongo nasal ser considerada um fenômeno estigmatizado na literatura

(NASCENTES, 1953; AMARAL, 1955), nossa hipótese era que os homens favorecessem

a produção de num, o que não ocorreu.

Esses dados mostram que a redução que atinge o operador de negação no PB

não é condicionada por fatores sociais, mas sim por frequência. De fato, a elevada

frequência da negação no discurso possibilita a erosão fonética pela qual passa o item.

No nosso corpus, por exemplo, o operador de negação, seja não, seja num, ficou entre

as dez palavras mais recorrentes na fala de todos os informantes. Esse número é

bastante expressivo, se levarmos em conta que cada informante produziu uma média

de dez mil palavras durante a entrevista.

Nas tabelas 28 e 29 a seguir, são apresentados os resultados das variáveis sexo

e localidade.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 178

SEXO Variante NUM Variante NÃO

Homem 85% (289/338) 15% (49/338)

Mulher 81% (412/511) 19% (99/511)

Tabela 28: variável social sexo e posição medial de IP

LOCALIDADE Variante NUM Variante NÃO

Copacabana 82% (151/184) 18% (33/184)

Nova Iguaçu 83% (550/665) 17% (115/665)

Tabela 29: variável social localidade geográfica e posição medial de IP

A seguir, na Tabela 30, estão os resultados do grupo de fatores faixa etária.

Embora os jovens tenham uma taxa de redução mais elevada, com 93% de ocorrência

de num, os informantes adultos e velhos também apresentam índices robustos de

variante reduzida (75% de 373 dados e 78% de 141 dados, respectivamente).

Confirma-se, então, o fato de que a redução do ditongo nasal na palavra de negação

não é condicionada por fatores extralinguísticos, mas por fatores prosódicos e

entoacionais. Não é, portanto, um fenômeno estigmatizado no PB.

FAIXA ETÁRIA Variante NUM Variante NÃO

Jovem 93% (313/335) 7% (13/335)

Adulto 75% (278/373) 25% (38/373)

Idoso 78% (110/141) 22% (18/141)

Tabela 30: variável social faixa etária e posição medial de IP

Na próxima subseção, serão discutidos os resultados obtidos a partir da

mensuração da duração dos itens e da notação acústica tonal.

5.2.2. Análise acústica

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 179

Registramos, por meio do programa PRAAT, a duração dos dados que

ocorreram em posição medial, a fim de encontrar subsídios que confirmem a hipótese

de cliticização do item num. Os resultados estão na tabela a seguir:

Média de

duração Informante Variante NUM Variante NÃO

% de redução

de NUM

Mulheres não

cultas

COP A 1 M 103,4 ms. 182,3 ms. 43%

NIG A 1 M 122,1 ms. 200,6 ms. 39%

NIG B 1 M 104,4 ms. 175,8 ms. 40%

NIG C 1 M 104,5 ms. 186,6 ms. 44%

Mulheres cultas

COP C 3 M 121,1 ms. 185,1 ms. 34%

NIG A 3 M 107,5 ms. 179,6 ms. 40%

NIG B 3 M 119,6 ms. 194,3 ms. 38%

NIG C 3 M 127,4 ms. 167,7 ms. 24%

Homens não

cultos

COP B 1 H 110,6 ms. 127 ms. 12%

NIG A 1 H 103,6 ms. 216 ms. 52%

NIG B 1 H 117,6 ms. 189,2 ms. 38%

Homens cultos

COP A 3 H 96,1 ms. 166 ms. 42%

COP B 3 H 120,4 ms. 194 ms. 37%

NIG A 3 H 111,4 ms. 157,5 ms. 29%

MÉDIA 110,6 ms. 183,6 ms. 40%

DESVIO PADRÃO 29,2 ms. 32,9 ms.

Teste-T (p-valor) 0,00000000000000022

Tabela 31: médias de duração dos itens num e não e posição medial de IP

Independentemente da velocidade de fala de cada falante, percebe-se que há

uma diferença na duração do item reduzido para o item pleno em todos os falantes. A

variante num tem uma média geral de 110,6 ms., enquanto a variante não tem uma

média geral de 183,6 ms., sendo num, em média, 40% menor que não. Cabe notar que

o valor p é muito menor que 0,0001, o que significa que a hipótese nula é rejeitada.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 180

Em outras palavras, o valor p indica que as médias de não e num são estatisticamente

diferentes.

Neste ponto, pode-se apontar outra evidência que reforça a hipótese de que

num seja um elemento em processo de cliticização. Essa evidência diz respeito à

duração do item reduzido nas posições inicial e medial. De acordo com Fonseca (2012)

e Fonseca & Vigário (2011), em dados do PB e do PE, a duração de um clítico é maior

quando este é o primeiro elemento do IP do que quando o item ocupa uma posição

não marginal. Esses resultados, segundo as autoras, confirmam as afirmações de que

há um reforço duracional no início do IP (FOUGERON & KEATING, 1997).

Observando as médias duracionais de num na posição inicial, na qual é o

primeiro elemento do IP, e na posição medial, podemos verificar que num exibe o

comportamento de um clítico, porque sua duração é maior no início do que no interior

do IP. Na tabela abaixo, reunimos os valores das médias que foram apresentadas

anteriormente para a variante reduzida.

Média de

duração Informante

Variante NUM em

posição inicial

Variante NUM em

posição medial

Mulheres não

cultas

COP A 1 M 95,8 ms. 103,4 ms.

NIG A 1 M 99 ms. 122,1 ms.

NIG B 1 M 117,6 ms. 104,4 ms.

NIG C 1 M 114,1 ms. 104,5 ms.

Mulheres cultas

COP C 3 M 126 ms. 121,1 ms.

NIG A 3 M 109 ms. 107,5 ms.

NIG B 3 M 140,4 ms. 119,6 ms.

NIG C 3 M 121,7 ms. 127,4 ms.

Homens não

cultos

COP B 1 H 121,8 ms. 110,6 ms.

NIG A 1 H 146,2 ms. 103,6 ms.

NIG B 1 H 117,4 ms. 117,6 ms.

Homens cultos COP A 3 H 98,3 ms. 96,1 ms.

COP B 3 H 98 ms. 120,4 ms.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 181

Média de

duração Informante

Variante NUM em

posição inicial

Variante NUM em

posição medial

NIG A 3 H 76,9 ms. 111,4 ms.

MÉDIA 118,4 ms. 110,6 ms.

DESVIO PADRÃO 37,1 ms. 29,2 ms.

Tabela 32: médias de duração do item num nas posições inicial e medial do IP

Percebe-se que, ainda que sejam próximas, as médias de duração de num em

posição inicial são maiores que as de num em posição intermediária. No início do IP, a

média geral de num é 118,4 ms., enquanto no interior, 110,6 ms. Há, então, como

verificado por Fonseca (2012), um reforço duracional que atinge os clíticos no início do

IP.

Assim como foi visto na posição inicial, confirmou-se, na posição medial, a

relevância da análise das médias de duração dos itens, pois trouxe evidências robustas

de que não e num têm comportamentos fonológicos distintos. Essa relevância pode

ser vista, inclusive, na análise comparativa entre a forma num e a sílaba tônica de

nunca, por um lado, e entre a forma não e palavras acentuadas com ditongo nasal, por

outro. Os resultados, como são descritos a seguir, demonstram que a duração é o

correlato mais relevante para a identificação de formas átonas e tônicas neste

trabalho.

Iniciamos a análise pelo cotejo entre a palavra não e outras palavras

monossilábicas acentuadas que tenham o ditongo nasal /auN/. De acordo com o que

afirmamos anteriormente, nosso objetivo em comparar tais formas é verificar se o

comportamento da variante plena é semelhante ao de palavras lexicais que são

portadoras de acento.

Vale lembrar que foram comparadas apenas palavras acentuadas que não

fossem o elemento mais proeminente do ɸ, já que a variante não também não é o

elemento mais proeminente do constituinte. Como a proeminência do ɸ ((não)W

(verbo)S)ɸ recai no verbo, não poderíamos comparar outras ωs com /auN/ que

estivessem mais à direita do ɸ. Abaixo há um exemplo desses casos que foram

retirados da amostra para não comprometer os resultados:

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 182

(14) era bem pequenininha, meus irmãos que eram grandinhos.. e a minha

mãe dando a mão pra eles e eu no colo (informante mulher, jovem, não

culta, COP A 1 M 7)

No exemplo anterior, o substantivo mão é o elemento mais proeminente do ɸ

e, por isso, não tem comparabilidade com o advérbio não que antecede verbos e não é

proeminente.

Todos os falantes do corpus produziram, ao menos, uma palavra com ditongo

/auN/, totalizando 166 dados. A palavra mais encontrada foi a forma verbal são, que

representa 39% dos dados analisados. Foram registradas outras seis palavras (as

formas verbais tão, vão, dão e os substantivos são, mão e pão). A distribuição de cada

uma dessas palavras está na tabela abaixo.

Outras palavras com ditongo

nasal % (Oco./Total)

São (verbo) 39% (63/166)

Tão 31% (52/166)

Vão 17% (28/166)

São (substantivo) 5% (9/166)

Dão 3% (5/166)

Mão 3% (5/166)

Pão 2% (4/166)

TOTAL 100% (166/166)

Tabela 33: percentuais de ocorrência das ωs com /auN/ em posição medial de IP

Essas palavras são praticamente as mesmas que se verificaram na posição

inicial do IP (cf. Tabela 20). As médias de duração que foram obtidas para cada uma

delas estão na próxima tabela, bem como também estão os valores das médias de

duração do item não em posição intermediária do IP.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 183

Média de

duração Informante

Outras

palavras com

ditongo nasal

Variante não

Mulheres não

cultas

COP A 1 M 193,5 ms. 182,3 ms.

NIG A 1 M 168,3 ms. 200,6 ms.

NIG B 1 M 135,5 ms. 175,8 ms.

NIG C 1 M 158,6 ms. 186,6 ms.

Mulheres cultas

COP C 3 M 172 ms. 185,1 ms.

NIG A 3 M 128,5 ms. 179,6 ms.

NIG B 3 M 146,2 ms. 194,3 ms.

NIG C 3 M 141,4 ms. 167,7 ms.

Homens não

cultos

COP B 1 H 181,7 ms. 127 ms.

NIG A 1 H 210,6 ms. 216 ms.

NIG B 1 H 176,4 ms. 189,2 ms.

Homens cultos

COP A 3 H 188,9 ms. 166 ms.

COP B 3 H 178,4 ms. 194 ms.

NIG A 3 H 213,3 ms. 157,5 ms.

MÉDIA 174,3 ms. 183,6 ms.

DESVIO PADRÃO 81,2 ms. 32,9 ms.

Teste-T (p-valor) 0,661

Tabela 34: médias de duração de outras ωs com /auN/ e da variante não em posição medial de IP

De um modo geral, a variante não tem uma média de duração maior do que

outras palavras com ditongo nasal na fala de seis informantes. A média da amostra

reflete esse comportamento, pois não tem uma média geral de duração de 183,6 ms. e

as demais ωs com /auN/, 174,3 ms. No entanto, o valor p (0,661) do Teste-T Student é

bastante significativo ao apontar que as variantes são iguais do ponto de vista

estatístico. Já que as médias das variantes são iguais, podemos confirmar que, na

posição intermediária, não apresenta comportamento prosódico semelhante ao de

palavras acentuadas no PB. A mesma evidência foi observada no início do IP, em que

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 184

não é a primeira palavra acentuada do constituinte. Esses resultados validam, então,

nossa hipótese de que não seja uma palavra funcional acentuada no PB.

Realizamos também a comparação entre a variante num e a sílaba acentuada

da palavra nunca. Conforme demonstramos na seção anterior, nosso objetivo era

verificar se essas duas sílabas teriam comportamento duracional diferentes, uma vez

que acreditamos que num seja átono.

Não foi registrada ocorrência de nunca na fala de dois informantes homens não

cultos (COP B 1 H e NIG A 1 H), motivo pelo qual esses informantes não foram

considerados nesta análise. Os valores das médias de duração estão na tabela a seguir.

Média de

duração Informante

Variante num Sílaba /nuN/

da ω nunca

% de redução

de NUM

Mulheres não

cultas

COP A 1 M 103,4 ms. 142,3 ms. 27%

NIG A 1 M 122,1 ms. 227 ms. 46%

NIG B 1 M 104,4 ms. 145,8 ms. 28%

NIG C 1 M 104,5 ms. 147,2 ms. 31%

Mulheres cultas

COP C 3 M 121,1 ms. 191,3 ms. 36%

NIG A 3 M 107,5 ms. 143 ms. 24%

NIG B 3 M 119,6 ms. 225,5 ms. 47%

NIG C 3 M 127,4 ms. 191,5 ms. 33%

Homens não

cultos

COP B 1 H - -

NIG A 1 H - -

NIG B 1 H 117,6 ms. 183,9 ms. 36%

Homens cultos

COP A 3 H 96,1 ms. 158,4 ms. 39%

COP B 3 H 120,4 ms. 205,3 ms. 41%

NIG A 3 H 111,4 ms. 81 ms. 35%

MÉDIA 110,5 ms. 165,2 ms. 33%

DESVIO PADRÃO 29,7 ms. 46,7 ms.

Teste-T (p-valor) 0,00000000000067

Tabela 35: médias de duração da sílaba acentuada da ω nunca e da variante reduzida num em posição medial de IP

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 185

Pode-se verificar que a sílaba acentuada /nuN/ da palavra nunca tem uma

média de duração maior que a realização reduzida do operador de negação em todos

os falantes. A média geral do corpus aponta que a variante de negação num tem 110,5

ms. e a sílaba inicial de nunca tem 165,2 ms., ou seja, aquela é 33% menos longa que

esta. Além disso, o valor p menor que 0,0001 indica a rejeição da hipótese nula, que

estatisticamente significa que as médias das variantes são diferentes. Sendo assim, a

diferença entre a sílaba inicial de nunca e o item de negação num nos mostra que a

duração é, de fato, um correlato importante para apontar que num seja uma palavra

reduzida átona no PB.

A fim de comprovar nossa hipótese, fizemos também a notação tonal dos

dados e averiguamos a relação que os tons estabelecem com a variante plena não. Por

acreditarmos ser tônica, esperamos que à variante não possam estar associados

acentos tonais. Os resultados para a associação tonal às variantes reduzida e plena

estão na tabela a seguir.

ASSOCIAÇÃO TONAL Variante NUM Variante NÃO

SEM ACENTO 100% (701/701) 24% (35/148)

COM ACENTO 0% (0/701) 76% (113/148)

TOTAL 100% (701/701) 100% (148/148)

Tabela 36: médias de duração dos itens num e não em posição medial de IP

Os resultados confirmam a hipótese de que a associação de um acento tonal só

ocorreria ao operador de negação caso fosse realizado com a manutenção do ditongo

nasal, pois há associação às ocorrências de não em 76% dos dados (113/148). Ao

contrário, não foram verificadas ocorrências de acento tonal associado à variante num.

Observamos também qual é o movimento que a curva melódica descreve

quando o acento tonal está associado à variante não em interior de IP. É majoritária a

ocorrência de um contorno ascendente, com 91% (104/113), sendo que este pode ser

descrito de duas formas: um tom baixo alinhado à vogal do ditongo, que caracteriza o

acento L*+H; ou um tom alto alinhado a essa vogal, caracterizando o acento L+H*.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 186

Como se vê na Tabela 37, houve também o registro dos tons H*, L* e H+L*, porém o

percentual de ocorrência de todos eles é baixo.

TOM % (Oco./Total)

L+H* 38% (43/113)

L*+H 53% (61/113)

H* 3% (3/113)

L* 3% (3/113)

H+L* 3% (3/113)

TOTAL 100% (113/113)

Tabela 37: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição medial de IP

Conforme dissemos, na posição interna, o acento tonal não é obrigatório. Por

isso, é mais frequente a ocorrência de um acento tonal associado ao início do IP, que,

neste caso, é ocupada pelo elemento antecedente (sujeito, adjunto ou conectivo).

Foram registradas 432 ocorrências (51%) de acento tonal de um total de 847 dados.

Podem, contudo, receber o evento tonal na posição interna o advérbio de

negação (desde que seja realizado tônico) e a sílaba tônica do verbo. Dos 847 dados,

houve 239 casos (28%) de associação tonal à sílaba tônica do verbo e 113 casos (13%)

de associação ao advérbio de negação. Esses resultados estão representados no Gráfico

9, a seguir, que mostra também que não foi possível fazer a notação por problemas na

curva de F0 em 8% dos 847 dados.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 187

Gráfico 9: distribuição dos acentos tonais no enunciado

A seguir, mostramos exemplos das três posições mais relevantes às quais um

acento pode estar associado: ao operador de negação não, como na Figura 15; à

conjunção aí que antecede o operador de negação num, como na Figura 16; e ao verbo

tem que ocorre contíguo à forma de negação reduzida, como na Figura 17. Em todos

os casos, o contorno descreve um movimento ascendente, registrado como L+H*.

Figura 15: curva melódica do enunciado que eles não roubaram dinheiro, produzido por informante

homem, adulto, culto (COP B 3 H 154)

51%

28%

8% 13%

Associação tonal

Antencedente Verbo Não foi verificado Variante não

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 188

Figura 16: curva melódica do enunciado aí num gosto não, produzido por informante mulher,

jovem, não culta (COP A 1 M 34)

Figura 17: curva melódica do enunciado mas num tem como, produzido por informante mulher, idosa, culta (NIG B 3 M 75)

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 189

Antes de descrever os resultados da posição final na próxima seção, podemos

resumir as principais considerações a que chegamos com relação à ocorrência das

variantes de negação na posição medial:

a. há um forte favorecimento à redução do ditongo nasal;

b. o elemento que antecede o operador de negação não se mostrou relevante

para a análise;

c. a variante reduzida ocorre mais frequentemente junto a sílabas tônicas, pois,

apresentando comportamento semelhante ao de clíticos, precisa se ancorar

fonologicamente em algum elemento forte;

d. as variantes sociais não foram consideradas relevantes para a análise;

e. a duração funciona como uma pista robusta para identificar o comportamento

distinto da variante com ditongo nasal pleno e da variante com ditongo nasal

reduzido, pois não apresenta médias de duração maiores que num em todos os

falantes e a diferença é estatisticamente significativa;

f. do mesmo modo, não apresenta médias de duração semelhantes às de ωs com

o ditongo nasal /auN/, como são, vão, tão e mão, por exemplo;

g. por outro lado, a forma de negação reduzida num tem médias de duração

estatisticamente distintas das médias de duração da sílaba acentuada da

palavra nunca, ou seja, a forma reduzida não é acentuada.

h. foi predominante a ocorrência de um acento tonal ascendente (L+H* ou L*+H)

associado à palavra não.

Esses resultados evidenciam que não e num são palavras com estatutos

fonológicos diferentes no PB. A variante plena é uma ω e a variante reduzida, uma

palavra com traços semelhantes aos dos clíticos. Essa configuração em posição medial

é comparável àquela percebida na posição inicial do IP (que são os locais em que os

itens apresentam variação). Como sustentamos, o fato de a redução do ditongo nasal

ser mais recorrente em posição interna ao IP é explicado pelo fato de o acento tonal

ser obrigatório na proeminência inicial do IP, mas não no seu interior. Isso faz com que

haja mais dados de não no início do IP do que em outras posições. Em outras palavras,

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 190

a redução ser mais robusta em posição interna que em posição inicial pode ser

explicada pelo fato de as fronteiras do IP serem posições fortes, nas quais há maior

restrição para ocorrer reduções fonéticas (FONSECA, 2012). Os resultados dos dados

do corpus com o qual trabalhamos evidenciam esse comportamento, pois há 83% de

redução no interior do IP e 69% do processo no início do IP. Além disso, como

discutiremos na próxima seção, a fronteira pode desempenhar papel inibidor da regra

de redução, justamente por conta de sua característica prosodicamente forte.

5.3. Posição final do sintagma entoacional

A última posição analisada em que o operador de negação pode ocorrer é a

fronteira direita do IP. São os casos típicos de duas estratégias de negação do

português: a dupla negação, em que um operador de negação aparece antes do verbo

e outro, no fim do enunciado; e de negação final, em que o operador de negação

ocorre apenas no fim do enunciado. Nossa intuição apontava para a não ocorrência da

variante num nesses dois casos, o que foi confirmado pela análise.

Foram analisados 499 dados, nos quais a manutenção do ditongo nasal foi

categórica. É preciso, pois, observar que condicionamentos podem impedir a redução

do ditongo nesta posição. Baseados na literatura sobre as pistas que permitem a

identificação da fronteira direita do IP no PB (SERRA, 2009), levantamos a hipótese de

não haver favorecimento à redução do ditongo nesta posição por ser um contexto

prosódica e entoacionalmente robusto (marcado pela ocorrência do acento nuclear e

de pausas e alongamentos silábicos). Conforme abordamos na metodologia, os

trabalhos sobre a redução do ditongo nasal (VOTRE, 1978; BATTISTI, 2002; BOPP da

SILVA, 2005) apontam a pausa como um fator condicionador que preserva o ditongo

nasal16, o que nos leva a intuir que, em um contexto caracterizado pela inserção de

pausa (um dos principais correlatos acústicos para a percepção da fronteira direita do

IP), haja mais dados de não do que de num.

16

Votre (1978: 169) não analisa especificamente a preservação dos ditongos nasais, mas a manutenção da

consoante nasal no fim dos vocábulos.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 191

Na tabela a seguir, apresentamos o resultado para a variável contexto fonético

subsequente.

Contexto subsequente % (Oco./Total)

Pausa 81% (403/499)

Vogal 6% (32/499)

Fricativa 4% (18/499)

Oclusiva 5% (25/499)

Nasal 4% (21/499)

TOTAL 100% (499/499)

Tabela 38: contexto fonético subsequente em posição final de IP

Os valores da tabela refletem o comportamento geral que é descrito para a

redução dos ditongos nasais (VOTRE, 1978; BATTISTI, 2002; BOPP da SILVA, 2005), pois

os contextos menos favorecedores para a redução são os que têm uma pausa ou uma

consoante como elemento subsequente. As consoantes (fricativa, oclusiva e nasal)

representam 13% (64 ocorrências de 499 dados) dos contextos, e a pausa ocorre em

81% dos casos. De acordo com o que Serra (2009) indicou, essa é uma pista acústica

relevante para a identificação e percepção do domínio do IP no PB.

As vogais, embora sejam consideradas pela literatura um fator favorecedor

para a redução do ditongo nasal, atuaram também na sua manutenção, tendo ocorrido

em 6% dos casos. Provavelmente, outros fatores atuam também no bloqueio da regra

de redução nessa fronteira, como contorno nuclear e a ocorrência de alongamentos no

final do IP. Para tanto, observamos a duração da variante que ocorre nessa posição,

cujos valores das médias estão na próxima tabela.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 192

Média de

duração Informante

Variante não

Mulheres não

cultas

COP A 1 M 290 ms.

NIG A 1 M 406 ms.

NIG B 1 M 306 ms.

NIG C 1 M 212 ms.

Mulheres cultas

COP C 3 M 314 ms.

NIG A 3 M 284 ms.

NIG B 3 M 276 ms.

NIG C 3 M 236 ms.

Homens não

cultos

COP B 1 H 242 ms.

NIG A 1 H 262 ms.

NIG B 1 H 293 ms.

Homens cultos

COP A 3 H 238 ms.

COP B 3 H 260 ms.

NIG A 3 H 239 ms.

MÉDIA 278 ms.

DESVIO PADRÃO 118 ms.

Tabela 39: médias de duração dos itens num e não em posição final de IP

As médias duracionais revelam uma semelhança entre quase todos os

informantes, com exceção de uma mulher não culta (NIG A 1 M) que tem valores mais

elevados. Apesar dessas particularidades que estão também relacionadas à velocidade

de fala de cada falante, obteve-se uma média de 278 ms., o que é significativamente

maior que as médias obtidas em outras posições. Se compararmos a média geral de

não em posição inicial com não em posição final, percebemos que aquele é 41%

menos longo que este. Já na comparação com o não que ocupa a posição

intermediária, este é 34% menor que o não de posição final. Com isso, podemos

afirmar que o alongamento silábico, característico da posição final do IP (SERRA, 2009),

também ocorre nos dados do corpus com o qual trabalhamos.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 193

Esse alongamento ocorre, de forma mais expressiva, na última sílaba acentuada

do IP (SERRA, 2009), o que é mais um indício para postular que não seja uma variante

tônica. A seguir, cotejamos os valores das médias de duração do item não nas três

posições pesquisadas (inicial, medial e final). É interessante observar que, na fronteira

direita do IP, ou seja, no fim deste constituinte, a palavra não é mais longa na

produção de todos os informantes.

Média de

duração Informante

Variante não no

início do IP

Variante não no

meio do IP

Variante não no

fim do IP

Mulheres não

cultas

COP A 1 M 175,5 ms. 182,3 ms. 290 ms.

NIG A 1 M 120,5 ms. 200,6 ms. 406 ms.

NIG B 1 M 170,8 ms. 175,8 ms. 306 ms.

NIG C 1 M 132 ms. 186,6 ms. 212 ms.

Mulheres

cultas

COP C 3 M 142 ms. 185,1 ms. 314 ms.

NIG A 3 M 153 ms. 179,6 ms. 284 ms.

NIG B 3 M 172,5 ms. 194,3 ms. 276 ms.

NIG C 3 M 142 ms. 167,7 ms. 236 ms.

Homens não

cultos

COP B 1 H 166,5 ms. 127 ms. 242 ms.

NIG A 1 H 156 ms. 216 ms. 262 ms.

NIG B 1 H 236,7 ms. 189,2 ms. 293 ms.

Homens

cultos

COP A 3 H 139,5 ms. 166 ms. 238 ms.

COP B 3 H 159,9 ms. 194 ms. 260 ms.

NIG A 3 H 169 ms. 157,5 ms. 239 ms.

MÉDIA 163,6 ms. 183,6 ms. 278 ms.

DESVIO PADRÃO 46,5 ms. 32,9 ms. 118 ms.

Tabela 40: comparação das médias de duração do item não nas posições inicial, medial e final de IP

Com relação à descrição do padrão entoacional, registramos a associação de

um acento tonal associado à variante não em todos os enunciados, o que é um indício

robusto de que não é sempre uma ω nessa posição.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 194

O acento predominante (H+L*) descreve um movimento descendente – típico

dos enunciados declarativos na variedade carioca (MORAES, 1997; CUNHA, 2000;

MORAES, 2008; SILVESTRE, 2012; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA & MORAES, no

prelo), bem como dos enunciados declarativos de outras variedades do PB (TENANI,

2002; FERNANDES, 2007) – que ocorre em 77% dos dados (389 ocorrências de 499

dados). Esse acento, que está associado à sílaba mais proeminente do último ɸ do IP,

pode vir acompanhado por um tom de fronteira baixo em 76% dos casos (382

ocorrências de 499 dados). Na Tabela 41 a seguir, estão os resultados para os acentos

e tons de fronteira que ocorrem na posição final do IP.

TOM % (Oco./Total)

H+L* L% 76% (382/499)

H+L* 1% (7/499)

L+H H%17 7% (36/499)

H+L* H% 2% (8/499)

H* H% 3% (13/499)

L* L% 11% (53/499)

TOTAL 100% (499/499)

Tabela 41: percentuais dos acentos tonais associados à variante não em posição final de IP

Como se vê, há uma variedade de acentos que podem estar associados à sílaba

tônica do último ɸ, desde os bitonais até os monotonais. Também foram registrados

dois tons de fronteira, um alto e um baixo, embora tenha predominado o baixo, que é

típico das declarativas no PB.

A seguir, apresentamos as curvas de três enunciados que apresentam o não em

fronteira de IP. Na Figura 18, há o contorno melódico referente a dois enunciados

produzidos por uma informante culta de Copacabana. O primeiro enunciado (não) é

uma resposta à pergunta da entrevistadora e é imediatamente seguido pelo enunciado

num atrapalharia também não. Este segundo enunciado é um caso de dupla negação,

17

Deixamos subespecificado se foi anotado como um acento nuclear L*+H H% ou L+H* H%, visto não

serem muitos dados e haver, na literatura, uma possibilidade de variação com relação à especificação do

alinhamento do pico de F0.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 195

por isso tem um operador de negação ocupando a posição final do IP. Verificam-se em

ambos um contorno descendente e um tom baixo junto ao fim da produção vocal da

informante.

Figura 18: curva melódica dos enunciados não, mas num atrapalharia também não, produzidos por informante mulher, idosa, culta (COP C 3 M 1)

Na figura a seguir, está o contorno do terceiro exemplo, que também é um caso

de dupla negação. O enunciado eu num tô dizendo aqui que o dinheiro é horrível não

foi produzido por um informante de Copacabana e tem o padrão das declarativas

neutras do PB: um movimento descendente a partir da última sílaba tônica

culminando em um tom de fronteira baixo. Vale destacar que a palavra não que está

na fronteira direita do IP é produzida com alongamento nos três casos: o primeiro

exemplo, que é uma resposta a uma pergunta, tem 210 ms. (cf. Figura 18); o segundo,

produzido também pela falante mulher, tem 270 ms. (cf. Figura 18); já o terceiro tem

220 ms (cf. Figura 19).

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 196

Figura 19: curva melódica do enunciado eu num tô dizendo aqui que o dinheiro é horrível não, produzido por informante homem, adulto, não culto (NIG B 1 H 124)

O não é simultaneamente uma sílaba, uma palavra prosódica, um sintagma

fonológico e um sintagma entoacional nos casos em que ocorre como resposta a uma

questão total. Com o exemplo da Figura 20 a seguir, ilustramos essa prosodização do

operador de negação que o distingue da variante reduzida num. Por estar em fronteira

de IP, é alongado, tendo duração de 445 ms., e a ele estão associados um acento tonal

H+L* e um tom de fronteira L%, típico das declarativas neutras no PB.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 197

Figura 20: curva melódica do enunciado não, produzido por informante mulher, adulta, não culta

(NIG B 1 M 178)

Foi encontrado também um acento ascendente associado a essa última sílaba

tônica do IP. Esse acento, invariavelmente, é acompanhado de um tom de fronteira

alto, que, de acordo com Cunha (2000: 202), é o padrão para a realização de contornos

declarativos não finais. A autora representa o contorno continuativo – ou seja, quando

um IP segue imediatamente outro – pelo acento nuclear L+H* H%. Nos nossos dados, o

acento tonal foi representado, em alguns casos, por L*+H, já que o tom alto se

manifesta no fim da sílaba, cujo contorno é caracterizado por uma subida gradativa, e

não abrupta. Na figura a seguir, apresentamos um exemplo desse contorno

continuativo, no qual a informante produz dois IPs: o primeiro é eu num lembro não e

o segundo, e até hoje também num sonho não. Os dois enunciados são finalizados pelo

operador de negação, sendo que o primeiro é imediatamente seguido por outro IP e o

segundo é seguido por pausa. O movimento da curva de F0 no primeiro não mantém o

contorno suspensivo, com pequena variação nos valores da F0, enquanto o movimento

da curva no segundo não é descendente com queda acentuada na vogal [ã] e

manutenção de um tom baixo até o fim do registro da fala.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 198

Figura 21: curva melódica dos enunciados eu num lembro não, e até hoje também num sonho não

produzidos por informante mulher, jovem, culta (NIG A 3 M 124)

Nota-se que o tom suspensivo que caracteriza os contornos continuativos foi

registrado em 9% dos dados (44/499), somando os casos que foram anotados como

L*+H H% e H+L* H%. O primeiro acento nuclear, que pode ser descrito como um

acento tonal ascendente e tom de fronteira alto, foi anotado em 7% dos dados,

enquanto o segundo, descrito pela combinação de um acento descendente com uma

subida no limite do IP, caracterizando um tom de fronteira alto, foi registrado em 2%

dos dados (cf. Tabela 40).

Na próxima figura, há o contorno do enunciado não, que tem uma curva

também ascendente cujo pico, porém, ocorre alinhado à vogal [ã]; por isso, anotamos

a representação fonológica L+H* H%. Como é um IP continuativo, o tom de fronteira

que ocorre no limite do constituinte é alto.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 199

Figura 22: curva melódica do enunciado não produzido por informante homem, jovem, não culto

(NIG A 1 H 80)

Foram anotadas mais duas representações fonológicas para as camadas

melódicas associadas à estrutura segmental do não. A primeira prevê um contorno

alto que não apresenta variações no valor da F0 até o seu limite. A Figura 23, a seguir,

exemplifica esse acento tonal que, ao contrário dos demais, não é bitonal, mas

representado por um tom alto H* e um tom de fronteira também alto H%.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 200

Figura 23: curva melódica do enunciado não produzido por informante homem, jovem, não culto

(NIG A 1 H 90)

Já a segunda representação descrita é a dos contornos que se realizam baixos,

com um acento tonal L* associado à última sílaba tônica e um tom de fronteira L%.

Esse acento nuclear já foi registrado por Castelo & Frota (2015) em sete variedades

faladas em regiões litorâneas do Brasil (Paraíba, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Rio de

Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), embora tenha ocorrido em pequena

quantidade e seja mais frequente em variedades do norte do país. Na Figura 24, a

seguir, apresentamos um dado de dupla negação (num é culpa da na/ da globalização

não), a cujo não final está associado um acento nuclear baixo, como o descrito pelas

autoras.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 201

Figura 24: curva melódica do enunciado num é culpa da na/ da globalização não produzido por

informante homem, jovem, culto (NIG A 3 H 174)

Esse conjunto de dados nos autoriza a chegar às seguintes conclusões com

relação à posição final do IP:

a. é categórica a preservação do ditongo nasal;

b. a pausa, um dos correlatos acústicos que identificam essa fronteira (SERRA,

2009), desempenha papel fundamental no bloqueio do processo de redução,

visto que ocorre em 81% dos dados;

c. outro correlato duracional que permite a identificação dessa fronteira, o

alongamento silábico, é percebido nos dados de todos os informantes.

Corrobora isso o fato de a média geral dos dados de não ter sido 41% menos

longa na fronteira de início do IP e 34% menor na posição intermediária do que

no fim do IP;

d. a análise entoacional indica que os enunciados mantêm o padrão das

declarativas neutras no PB, com um movimento melódico de queda da curva de

F0 na sílaba tônica do último ɸ do IP. Nesse caso, a última sílaba tônica é a

palavra não, que também constitui por si só um ɸ;

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 202

e. a maioria dos dados também revela a ocorrência de um tom de fronteira baixo

alinhado ao limite da extensão vocal do falante.

Na próxima seção, discutimos os resultados da última variável linguística, que,

de certo modo, contempla todas as três posições analisadas até aqui: o tipo de

estratégia de negação utilizado em cada um dos enunciados.

5.4. Resultados da variável tipo de estratégia de negação

As estratégias sintáticas pelas quais a negação sentencial pode ser expressa no

PB são três: a negação canônica, na qual o operador de negação precede um verbo; a

dupla negação, que tem, além do operador de negação que precede o verbo, outro

elemento que finaliza o enunciado; e a negação final, na qual há apenas um elemento

de negação ao fim do enunciado. Conforme já abordamos, elas têm sido objeto de

estudo de inúmeros trabalhos dedicados à gramaticalização do item de negação

(ALKMIM, 2002), em especial daqueles que procuram identificar na redução do

ditongo nasal o gatilho para o surgimento de novas estratégias de negação (VITRAL,

1999; FURTADO da CUNHA, 2001). Nessa perspectiva, a dupla negação e a negação

final teriam surgido do enfraquecimento fonético e, consequentemente, semântico

por que passou o item não no curso da língua.

Seguindo esse raciocínio, é esperado que haja mais dados da variante reduzida

num nos casos de dupla negação, visto que o não final teria a finalidade de reforçar o

conteúdo de negação sentencial que foi “desbotado” no operador de negação pré-

verbal. Entretanto, esse raciocínio tem o problema de correlacionar a dupla negação à

ênfase, representada no reforço fonético e semântico do não final. Não há, nos nossos

dados, necessariamente, qualquer relação entre enunciados com contornos melódicos

enfáticos e enunciados que se concretizem pela dupla negação, visto que excluímos na

segunda filtragem todos os enunciados que apresentavam ênfase. Além disso, dos 66

dados que foram excluídos da amostra por apresentarem um padrão enfático (16 em

posição inicial e 50 em posição intermediária), nenhum era caso de dupla negação;

eram todos exemplos de negação canônica. Isso já mostra que essa proposta de

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 203

identificar o surgimento das estratégias de negação não canônicas a uma necessidade

enfática de reforçar um conteúdo proposicional é problemática, conforme apontou

Swenter (2004).

Nossa hipótese é que o surgimento das estratégias de negação não canônicas

não está relacionado à marcação de ênfase. A fim de confirmar isso, analisamos o tipo

de estratégia que ocorre nos enunciados do corpus. Foram excluídos casos de resposta

absoluta a uma questão total, do tipo (15), por não se enquadrarem em nenhuma das

três construções de negação sentencial (negação canônica, dupla negação e negação

final).

(15) Entrevistador: você tem alguma sensação impressão com relação da

maneira das pessoas falarem?

Informante: Não, nunca. (informante mulher, idosa, culta, COP C 3 M

62)

Foram excluídos também os casos em que não aparece isolado em uma oração

encaixada, como em (16), por também não satisfazerem as condições para ser uma das

três estratégias de negação.

(16) então de repente a gente... acha que não, e o nosso vizinho deve tá

surrando o filho (informante homem, jovem, culto, COP A 3 H 99)

Após essas filtragens necessárias, restaram 1167 dados, cuja distribuição está

exposta na tabela a seguir.

Estratégias de negação % (Oco./Total)

Negação canônica 83% (972/1167)

Dupla negação 16% (188/1167)

Negação final 1% (7/1167)

TOTAL 100% (1167/1167)

Tabela 42: variável tipo de estratégia de negação

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 204

Como se pode observar, é predominante a estratégia de negação canônica na

amostra, tendo ocorrido em 83% dos 1167 dados. Em seguida, aparece a dupla

negação com 16% e, por fim, a negação final com apenas 1%. Essa distribuição é muito

semelhante a que foi encontrada por Seixas (2013) em um corpus de dados de textos

brasileiros produzidos nos séculos XVIII e XIX. Segundo a autora (2013: 86), foram

analisados 2945 dados. Excluímos os casos em que ocorreram advérbios de negação

como nunca, nem ou quantificadores, como nenhum, ninguém, a título de comparação

dos resultados dos dois trabalhos, visto que estamos pesquisando apenas o advérbio

não. Os resultados mostraram um maior número da estratégia de negação canônica,

com 98,6% (2909/2945) dos casos, seguida da dupla negação (1,3% – 32/2945) e da

negação final (0,1% – 4/2945), ou seja, é uma distribuição muito similar a que

encontramos na amostra de fala espontânea do Projeto Concordância.

Os dados de Furtado da Cunha (2001: 8) também indicam a predominância da

estratégia de negação canônica, que ocorreu em 91% (1298 ocorrências) dos 1425

dados da amostra. Houve menor número de ocorrências da negativa final (1% –

9/2945) em comparação à negativa dupla (12% – 158/2945). Esses dados de fala

espontânea foram produzidos por falantes de três faixas de escolaridade (ensino

fundamental, ensino médio e ensino superior) do Ceará.

Diacronicamente ou sincronicamente, nossos resultados são comparáveis com

outros trabalhos e demonstram o comportamento dessas três estruturas de negação

no PB. Não parece haver um processo de mudança em curso, mas sim um estágio de

variação estável, que nos impede de tecer afirmações contundentes a respeito de um

possível processo de gramaticalização. Vai de encontro a essa generalização o

resultado da distribuição das variantes não e num pelas três estruturas de negação,

que está na próxima tabela.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 205

Estratégias de

negação Variante NUM Variante NÃO

Negação canônica 78% (761/972) 22% (211/972)

Dupla negação 50% (93/188) 50% (95/188)

Negação final 0% (0/7) 100% (7/7)

Tabela 43: distribuição das variantes nas três estratégias de negação

Na estratégia de negação canônica, é majoritária a ocorrência da variante

reduzida, que ocorre em 78% dos dados. É interessante notar que, nos casos de dupla

negação, metade dos dados se realiza como num e a outra metade como não, o que

mostra que não há correlação entre o surgimento de um não ao fim do enunciado para

compensar a forma reduzida pré-verbal. Se fosse assim, deveria ser predominante a

ocorrência de num, como é na negação canônica. Não há como explicar, via ênfase, o

surgimento do não final para reforçar o mesmo não pré-verbal (sem redução). Por fim,

como esperado, na negação final, todos os dados mantiveram o ditongo nasal do item

não, uma vez que está em fronteira direita de IP.

Esses resultados sugerem que, nesta amostra, não há parâmetros que

permitam afirmar que a estratégia de dupla negação tenha surgido como efeito de um

reforço fonético e/ou semântico da redução do item não em posição pré-verbal. Não

há, portanto, como relacionar no PB a redução do ditongo nasal pela qual passa o

operador de negação à configuração sintática das estruturas de negação, como

proposto no quadro teórico do Ciclo de Jespersen. O processo de cliticização é

exclusivamente de natureza fonológica, já que não foram verificados

condicionamentos sintáticos.

5.5. Prosodização das variantes e cliticização

Conforme vimos a partir dos resultados, as variantes não e num apresentam

comportamentos fonológicos distintos, como consequência do processo de redução do

ditongo nasal. Esses comportamentos distintos se manifestam (i) na possibilidade de

num ocorrer apenas diante de um verbo, (ii) na agramaticalidade de num ocorrer ao

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 206

fim de um enunciado e (iii) no fato de o item reduzido não poder funcionar como

resposta a uma questão total. Essa generalização já havia sido apontada por outros

trabalhos (VITRAL, 1999; RAMOS, 2002; SOUZA, 2007), porém quase sempre (com

exceção de CIRÍACO, VITRAL & REIS, 2004) a partir de uma perspectiva sintática.

Contudo, esses comportamentos diferentes surgem de um processo fonético (e não

sintático), que é a perda de massa fônica de um elemento nasal. Explicar suas

consequências por parâmetros sintáticos parece contraditório, uma vez que o

processo tem motivações diferentes.

Buscamos evidências que demonstrassem, então, a natureza fonológica da

cliticização do operador de negação. Pareceu-nos inequívoca a ideia de que a diferença

do comportamento dos itens passava pela questão acentual por dois motivos:

elementos átonos com características clíticas costumam estar apoiados em uma

palavra acentuada, a fim de não desaparecer por completo em função da redução

(ANDERSON, 2005); e a não aceitabilidade de num no fim do enunciado,

provavelmente, relacionada às características fonológicas desta posição.

Diante disso, exploramos os indícios que nos permitiriam afirmar que não é

uma palavra acentuada e num uma palavra átona, i.e., seu estatuto fonológico seria

respectivamente o de uma palavra prosódica e o de uma palavra clítica. De acordo

com os resultados que foram expostos neste capítulo, podemos afirmar que há fortes

indícios de que essas hipóteses estavam corretas.

A relação estabelecida entre a palavra num e o verbo que a acompanha indica

ser um caso de adjunção fonológica, porque exibe dependência fonológica. O item

num ocorre apenas diante de verbo e nunca isoladamente como resposta a uma

questão total. A relação de adjunção se deve também ao fato de o item de negação se

posicionar à esquerda do verbo, mas não o integrar. Uma prova de que o item

reduzido não integra o verbo, mas o adjunge, é a possibilidade de ocorrer elisão da

sílaba pretônica do verbo. No exemplo abaixo, a falante produziu o verbo aguentar,

como [gweˈtej]:

(17) Nesse dia num guentei, num deu! (informante mulher, idosa, culta, NIG C

3 M 94)

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 207

Caso houvesse integração de num ao verbo e o item de negação se

comportasse como uma sílaba pretônica, a elisão seria bloqueada, como são os casos

de *mometano (em vez de maometano) e *bunilha (em vez de baunilha),

demonstrados por Bisol (2000). A elisão que ocorreu no exemplo (17) é de início de ω,

e não interna ao constituinte.

Sendo resultado de um processo de cliticização, a variante num tem estatuto

de clítico. Já que depende do verbo, sua prosodização prevê que esteja adjungida a ω

verbal, formando com o verbo um grupo clítico (NESPOR & VOGEL, 1986). Um primeiro

indício de que num esteja adjungido à ω, mas não seja incorporado como sílaba

pretônica do verbo, é o fato de a sílaba inicial do verbo-hospedeiro continuar sendo

sílaba inicial depois de haver a cliticização do item de negação. Ser sílaba inicial

significa poder passar por todos os processos fonéticos que caracterizam as sílabas

iniciais não acentuadas do PB, como o alteamento (exemplos 18 e 19), a elisão

(exemplos 20 e 21) e a ditongação (exemplos 22 e 23).

(18) Ninguém pegava transporte escolar, porque era tão... tão próximo que

num pr[i]cisava de ônibus ou coisa assim (informante homem, jovem,

culto, COP A 3 H 14)

(19) tem hora que ele fala tão rápido, que tu num [i]ntende nem uma palavra

(informante homem, jovem não culto, NIG A 1 H 101)

(20) como a gente falou, nadianta entrar um prefeito lá, “ah, vou fazer, vou

acontecer!” É toda uma equipe (informante mulher, jovem, culta, NIG A 3

M 235)

(21) eu não era medroso. Fiquei... Olha, eu peguei um medo... que né

brincadeira não (informante homem, adulto, não culto, NIG B 1 H 206)

(22) eu vejo televisão, né? Eu luto pelo que eu quero. Eu nuadmito assim, eu

sei que eu devo satisfação a ele, mas eu num sou escrava dele

(informante mulher, adulta, não culta, NIG B 1 M 43)

(23) vira pra gente e fala assim “quanto você ganha?”... aí você fala pra ele

“ah eu não acredito não, nuacredito que a senhora tá aí enfrentando isso

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 208

tudo aturando a gente pra ganhar esse/ esse salário merreca (informante

mulher, idosa, culta, NIG B 3 M 126)

Em (18) e em (19), as formas verbais precisava e entende sofrem elevação da

vogal média pretônica; em (20) e (21), ocorre elisão e, posterior, ressilabificação, com

o item de negação se fundindo ao verbo, cuja sílaba inicial (ou única) passa a ter o

onset preenchido. Assim, nos exemplos, num adianta passa a nadianta e num é passa a

né. Certamente, a frequência de ocorrência dessas palavras acelera o processo de

aglutinação, como em né, que já é uma palavra lexicalizada no português (SERRA,

2009). No entanto, conforme assinala Bisol (2000: 27), a elisão se justifica nesses casos

por se tratar de um fenômeno de sândi, que não ocorre no interior de uma palavra. A

autora destaca os exemplos maometano, paetê e baunilha para mostrar que há

bloqueio na regra de apagamento da vogal baixa (vide *mometano, *petê e *bunilha)

em fronteiras internas à ω. Uma vez que pode ocorrer elisão entre num e a sílaba

inicial do verbo-hospedeiro, não podemos considerar que a variante de negação

reduzida seja integrada ao verbo, mas apenas adjungida.

Em (22) e (23), a variante num, que pode perder a nasal que está em coda,

passa por ressilabificação e semivocaliza; forma, então, ditongos com a vogal baixa

pretônica dos verbos admito e acredito. Essa queda da nasal final ocorre também com

a preposição com no PE (VIGÁRIO, 2003) e no PB (TONELI, 2014), que pode

semivocalizar e formar ditongos com as vogais que a seguem. Essa semivocalização

seria, segundo Vigário (2003), um indício do caráter átono da preposição, bem como

pode ser usado como explicação para a variante num no PB.

Esses fenômenos podem ocorrer na sílaba inicial do verbo devido ao fato de

que os clíticos estão sujeitos apenas a regras pós-lexicais (BISOL, 2000), já que são

adjungidos ao verbo (que já está pronto) apenas nesse nível.

Conforme estabelecido por Zwicky (1994), os clíticos devem ser analisados

como um conjunto de dados escalar e heterogêneo, podendo se aproximar ou se

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 209

afastar dos elementos que são considerados clíticos prototípicos18 nas mais diversas

línguas do mundo. No português, de acordo com Vigário (2003), os pronomes são

clíticos prototípicos e podem ser tomados como referência para a descrição do item

num. Ao que parece, o item de negação ainda parece não ter todos os traços

característicos dos pronomes oblíquos no PB. Esses têm mobilidade na sentença,

podendo ocorrer antes, no interior19 ou depois do verbo e têm aceitabilidade

questionável se co-ocorrerem com outras estratégias de conteúdo semântico igual.

Observemos os exemplos já apresentados no capítulo 4:

(24) Ele num1 foi à festa não1.

(25) ? Ele lhe2 deu o presente para você2.

O índice subscrito nos exemplos mostra que o referente é o mesmo para todas

as formas linguísticas. Em (24), tanto num quanto não fazem referência à negação

sentencial; inclusive, a retirada de uma das duas palavras não altera o conteúdo

proposicional que é o de negação. Já em (25), assim como em (26) e (27) abaixo, os

pronomes lhe, se e nos têm o mesmo conteúdo que as locuções preposicionais para

você, para ela e a nós, respectivamente. Entretanto, essas frases soam estranhas à

maioria dos falantes nativos do PB.

(26) ? Ela se3 olhou no espelho para ela3.

(27) ? Ela nos4 chamou a nós4 para ir à festa.

Apesar desses fatos, num se aproxima dos clíticos por estar ligado a um hospedeiro (o

verbo), ter dependência fonológica, não poder ocorrer como resposta a uma pergunta

e não ocorrer sozinho (sem um verbo) no fim do enunciado. Além do mais, num

apresenta a propriedade de duplicação clítica, apontada por Halpern (1998), que

permite a co-ocorrência da forma clítica e da forma independente no mesmo

18

Clíticos prototípicos são descritos, na literatura, como aqueles itens lexicais, cujo estatuto é difícil de caracterizar, visto que não se apresentam independentes como palavras, nem dependentes como afixos (ZWICKY, 1977). 19

Ainda que no PB a mesóclise seja uma estrutura fossilizada na fala do PB, é possível de ocorrer em textos escritos formais, como os de gênero acadêmicos (VILELA, 2005).

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 210

enunciado. Os exemplos a seguir demonstram que isso não apenas é possível, como é

recorrente no PB:

(28) “Ah, na minha área num tá dando, eu vou começar a estudar pra

concurso” e ele num faz concurso pra arquitetura não! Faz concurso pra

tribunal, pra trabalhar em área de direito mesmo (informante homem,

jovem, culto, COP A 3 H 116)

(29) mas num é por isso que eu acho que carioca fale feio não (informante

mulher, adulta, não culta, NIG B 1 M 194)

(30) eu não fazia coisa que eu não devia não, eu só beijava na boca

(informante mulher, idosa, culta, NIG C 3 M 84)

Com isso, acreditamos que o processo de cliticização por que passa num, cujo estopim

foi a redução do ditongo nasal, não esteja concluído, o que nos impede de defini-lo

como um clítico prototípico no PB, como os pronomes. É um clítico simples (ZWICKY,

1977), que não apresenta uma configuração sintática especial, nem a mesma

distribuição na sentença que a forma independente não (num ocorre apenas em

posição pré-verbal). Desse modo, propomos a seguinte representação arbórea para a

variante num, um item com estatuto de clítico:

C 3

ω 3

CL ω 4 4 ‘num’ ‘verbo’

Figura 25: representação hierárquica da prosodização de num

Com relação à palavra não, assumimos que seja uma ω no PB. Seguindo a

proposta de Vigário (1998) para o português europeu, consideramos que não forme

um ɸ junto com o verbo, que é também uma ω. A autora defende que a proeminência

dentro do ɸ seja relativa, ou seja, em uma primeira situação o elemento mais

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 211

proeminente seria o verbo, que é o elemento mais à direita do constituinte; em outra

situação, a proeminência recairia no advérbio de negação, justificando isso através de

uma “alteração de proeminência ao nível de ɸ” (VIGÁRIO, 1998: 123). Essa alteração

pode ser representada da seguinte forma:

[ nãoW VS ]ɸ [ nãoS VW ]ɸ20

A autora afirma ainda que essa proeminência atribuída à palavra não pode

possibilitar que haja a associação tonal à mesma, o que reflete na nossa hipótese,

confirmada pela análise dos dados, de que há presença de um acento tonal associado

à variante não seja em posição pré-verbal, seja em posição final. Vigário afirma

precisamente que:

Relacionada com a atribuição do valor s [strong ‘forte’] à negação, poderá encontrar-se a associação obrigatória de um acento tonal a este elemento. Na realidade, em todas as circunstâncias em que não é percepcionado como proeminente, é-lhe atribuído um acento tonal. (...) Não nos parece possível, ou mesmo necessário, saber se é a presença do valor s, ou a associação do acento tonal, ou ambas, o factor responsável pelo efeito de proeminência. De facto, é possível conceber-se uma análise em que tanto a proeminência como a associação tonal decorram de aspectos mais gerais da gramática. (VIGÁRIO, 1998: 123-124)

Assim, parece bastante justificada a proposição de que não seja uma ω e

constitua um ɸ com o verbo-hospedeiro. Abaixo, apresentamos uma proposta de

representação arbórea para a palavra não pré-verbal, de acordo com os pressupostos

da Teoria da Hierarquia Prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986).

ɸ 3 ω ω 4 4 ‘não’ ‘verbo’

Figura 26: representação hierárquica da prosodização do não pré-verbal

20

Vigário (1998: 123).

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 212

A variante não pode ocorrer também no fim do IP, constituindo isoladamente

um ɸ, como na representação arbórea na Figura 27. Pode ainda aparecer

isoladamente, como uma resposta a uma questão total e, nesse caso, é também um IP,

como é demonstrado na Figura 28.

ɸ | ω 4 ‘não’

Figura 27: representação hierárquica da prosodização do não em fronteira direita de IP

IP |

ɸ | ω 4 ‘não’

Figura 28: representação hierárquica da prosodização do não isolado

5.6. Resumindo

Neste capítulo, discutimos o estatuto fonológico de duas variantes de negação

no PB, para as quais se chegou à conclusão de que apresentam comportamentos

distintos. A variante não é uma palavra funcional que tem status de ω, cuja duração é

estatisticamente igual a de outras palavras prosódicas com estrutura fonológica

semelhante, como são, tão e mão, por exemplo. A variante num, por sua vez,

apresenta-se como átona e, assim, não pode ser considerada uma ω; é uma palavra

funcional em processo de cliticização. Sua duração é estatisticamente diferente da

duração da sílaba tônica /nuN/ da palavra nunca, bem como da duração da variante de

negação plena não. Como consequência, a prosodização desses elementos é diferente,

visto que não, uma ω, constitui junto com o verbo um ɸ, mas pode também formar

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 213

isoladamente um ɸ quando ocorrer em fronteira de IP. Já a variante num não pode

constituir sozinha um ɸ, pois não aparece na fronteira de IP, nem pode se desvincular

do verbo, com o qual estabelece uma relação de dependência fonológica. O verbo, que

atua como hospedeiro fonológico do clítico (por conta de sua sílaba acentuada), forma

junto com num um ω, que está subordinado a C. Vale lembrar que em um contexto em

que a próxima sílaba é tônica ou diante de verbos monossilábicos, há um forte

favorecimento para a ocorrência de num em vez de não. Isso é explicado pelo fato de

num ser átono e não ocorrer choque acentual, bem como pela necessidade de num

estar vinculado a uma sílaba acentuada, o que é uma propriedade dos clíticos

(ANDERSON, 2005).

O padrão entoacional dos contornos melódicos presta grande contribuição na

identificação do estatuto gramatical de cada uma das formas investigadas, visto que

foi percebida a associação de eventos tonais que caracterizam os constituintes

prosódicos do PB à variante que acreditamos ser tônica. Da mesma forma, não foram

observados eventos tonais relevantes nos casos em que ocorreu a variante átona.

Esses são indícios robustos de que a variação percebida no nível segmental encontra

reflexos e explicações no nível prosódico.

Nesse sentido, os resultados também contribuíram no sentindo de descrever

um padrão típico de declarativas neutras para as estruturas de negação sentencial do

PB. O contorno pré-nuclear foi descrito como uma subida na curva de F0, que ocorre

associada à primeira sílaba acentuada do IP, conforme já foi apontado por diversos

trabalhos para o PB (MORAES, 1997; 2008; FROTA & VIGÁRIO, 2000; TENANI, 2002;

FERNANDES, 2007; SILVESTRE, 2012; CASTELO & FROTA, 2015; FROTA et alii, 2015;

TONELI, 2014). Já o contorno nuclear foi descrito como um movimento descendente,

que ocorre na sílaba tônica do último ɸ do IP. Como observamos com relação à

prosodização dos itens, quando há um caso de negação não canônica e um não ocorre

na última posição do IP, ele é também o último ɸ desse constituinte. Sendo assim, esse

é o local de ocorrência do acento tonal H+L* e do tom de fronteira L%.

Duas pistas acústicas duracionais de identificação e percepção do domínio de IP

(SERRA, 2009), a pausa e o alongamento silábico, foram verificadas nas estruturas de

dupla negação e negação final. Esses correlatos acústicos, que tornam a fronteira de IP

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 214

mais forte fonologicamente, atuam no bloqueio da regra de redução dos ditongos

nasais, impedindo a ocorrência de num no fim de frases.

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CAPÍTULO VI

CONCLUSÃO

Nesta tese, investigamos o estatuto fonológico das variantes de negação não e

num no PB. As hipóteses levantadas de início foram confirmadas, evidenciando um

processo de cliticização a partir da palavra não. O gatilho para o processo se

intensificar foi a alta frequência de uso da forma de negação. Conforme

demonstramos, no levantamento apresentado no quadro 1 (cf. capítulo 1), o advérbio

de negação está entre as dez palavras mais recorrentes em todas as amostras.

Esse processo de cliticização envolve, em um primeiro momento, a redução do

ditongo nasal da forma plena não que passa a num. Há, de acordo com as evidências

encontradas nesta tese, consequentemente, um processo de perda do acento lexical

que caracteriza não como uma ω. É comum, nas línguas naturais, o enfraquecimento

acentual de palavras funcionais (SELKIRK, 1995), que acabam adquirindo estatuto

fonológico diferente da forma de origem. Conforme percebemos, existe uma

dependência de num a uma ω, diferentemente da independência que caracteriza não.

Esta, como fora exemplificado, pode aparecer isoladamente como resposta a uma

questão total e também pode aparecer ao fim de um enunciado. A palavra num, por

sua vez, não tem a mesma distribuição posicional que a palavra de origem, ocorrendo

sempre em posição pré-verbal – essa propriedade distributiva caracteriza os clíticos

(ZWICKY, 1977, 1994; ANDERSON, 2005).

Esse processo de cliticização, entretanto, não é sintático, mas fonológico, visto

que seus condicionamentos são prosódicos e entoacionais. Em primeiro lugar, não se

pode afirmar que seja um caso de posicionamento sintático do clítico em função de

seu hospedeiro, porque envolve dependência acentual, i.e., é um processo fonológico.

O clítico se ancora na proeminência do hospedeiro, o que configura o processo de

adjunção fonológica, e, por isso, só ocorre em posição pré-verbal. Se fosse um caso de

posicionamento sintático, teria influência no processo o tipo de estratégia de negação.

De acordo com alguns autores, o processo de redução está relacionado ao surgimento

das estratégias de negação não canônicas, como a dupla negação e a negação final. O

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CONCLUSÃO 216

surgimento de um não ao fim do enunciado seria devido a um reforço do

enfraquecimento fonético sofrido pelo não pré-verbal. Seria esperado, assim, que a

estratégia de negação canônica registrasse favorecimento à variante plena não,

porque não haveria a necessidade de reforçar um elemento enfraquecido. No entanto,

conforme demonstramos, essa estratégia favorece o item reduzido num, o que indica

não haver condicionamentos sintáticos para a ocorrência de uma das variantes.

Em segundo lugar, a cliticização é, neste caso, um processo pós-lexical, visto

que admite regras pós-lexicais como a ditongação e a elisão (cf. 5.5), mas bloqueia

regras lexicais, como a assimilação da nasalidade e o abaixamento vocálico (cf. 3.4.1).

Sua ocorrência está também atrelada a condicionamentos

prosódicos/entoacionais, visto que certos fatores de natureza fonológica podem

reduzir, ou mesmo bloquear, seu uso em determinadas posições. O início do IP, por

exemplo, é marcada por um evento tonal que se associa à primeira proeminência do

constituinte. Dessa forma, era esperada uma menor ocorrência de num em posição

inicial do que em posição medial, o que, de fato, foi verificado (cf. 5.2.1). Os

fenômenos entoacionais e prosódicos que caracterizam a fronteira direita do IP

também atuam no sentido de bloquear a ocorrência de formas reduzidas, uma vez que

esta posição é candidata a receber um acento nuclear, bem como é domínio para a

ocorrência de pausas e alongamentos silábicos (cf. 5.3).

Além disso, o correlato acústico da duração foi crucial para determinar o

estatuto fonológico das variantes pesquisadas, uma vez que as formas acentuadas têm

sido identificadas nas línguas por apresentarem maior duração se comparadas com as

formas não acentuadas (LIEBERMAN, 1960; BECKMAN, 1986; MORAES, 1995). As

realizações da variante num foram sistematicamente menos longas que as realizações

da variante não em posição inicial e em posição interna. Há nisso um forte indício de

confirmação da hipótese de que as variantes têm estatutos diferentes, porque foi um

resultado verificado em todos os informantes do corpus e confirmado por testes de

relevância estatística.

A comparação das médias duracionais das variantes não e num com as médias

das ωs com ditongo nasal /auN/ e da sílaba inicial da palavra nunca também trouxe

subsídios importantes para a análise. Foi demonstrado haver semelhança estatística

entre as médias duracionais de não e das ωs com ditongo nasal (como são, dão, pão),

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CONCLUSÃO 217

e diferença entre as médias de num e da sílaba inicial da palavra nunca, indicando que

não se comporta fonologicamente mais próximo a sílabas acentuadas e num, a sílabas

não acentuadas.

O comportamento entoacional também deu provas de que não é uma ω,

porque a esta variante pode estar associado um acento tonal característico do início

do IP, caso seja o primeiro elemento proeminente do constituinte. Pode também,

como já afirmamos, ser candidato a receber um evento tonal que se associa à sílaba

proeminente do último ɸ do IP. É o caso típico das estratégias não canônicas, em que

o não aparece em posição pós-verbal. Os resultados apontaram um padrão

entoacional de declarativas neutras, com um movimento ascendente da curva

melódica associado à primeira proeminência de IP e um movimento descendente

associado à última sílaba acentuada desse constituinte. A manifestação de um tom de

fronteira baixo também foi majoritária nos dados em que não ocorre na fronteira

direita do IP.

Em um plano geral, esse conjunto de resultados contribui para a descrição do

padrão das sentenças declarativas do PB, na medida em que foram verificados nesses

dados de fala espontânea os mesmos fenômenos entoacionais que ocorrem em

corpora de leitura controlada. Em um plano mais específico, auxilia na confirmação da

hipótese de que não e num têm estatutos fonológicos distintos e, portanto, devem

apresentar prosodizações distintas. A prosodização proposta nesta tese considera que

a palavra clítica num se adjunge à ω do verbo (cf. Figura 25), ao contrário da ω não,

que pode ter três prosodizações diferentes a depender da posição que ocupe no

enunciado. Se estiver diante de um verbo, forma um ɸ com o verbo, que é uma cabeça

lexical (Figura 26); se aparecer no fim do enunciado, constitui o último ɸ do IP (Figura

27); se aparecer isolado, constitui um ɸ e também um IP (Figura 28).

Esperamos, por fim, ter fornecido uma contribuição para os estudos

fonológicos do português ao propor uma análise prosódica e entoacional para um

fenômeno variável. Desejamos que os resultados finais desta tese tenham se revelado

material robusto para a definição do estatuto prosódico do advérbio de negação

frásica, estabelecendo ainda uma metodologia que pode ser estendida a outros casos

em que esse estatuto não tenha sido investigado no PB.

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