a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE PSICOLOGIA LÍLIAN MOTTA GOMES A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NA PERIFERIA URBANA CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2008.

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Page 1: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC

CURSO DE PSICOLOGIA

LÍLIAN MOTTA GOMES

A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO

ESPAÇO NA PERIFERIA URBANA

CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2008.

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LÍLIAN MOTTA GOMES

A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO

ESPAÇO NA PERIFERIA URBANA

Trabalho de Conclusão do Curso, apresentado para obtenção do grau de Psicólogo do Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.

Orientadora: Profª Drª Teresinha Maria Gonçalves

CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2008.

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A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO

ESPAÇO NA PERIFERIA URBANA RESUMO: Este trabalho insere-se no âmbito da Psicologia Ambiental e tem como objetivo central identificar o processo de apropriação do espaço pelos moradores do bairro Renascer/Mina Quatro em Criciúma/SC, cuja área fora uma mina de extração de carvão e após sua degradação e abandono tornara-se o lixão da cidade. Mais tarde, esta área veio a ser loteada e vendida pela prefeitura à população carente. Utilizou-se o estudo de caso baseado nos relatos das histórias de vida das pessoas entrevistadas e no registro fotográfico das fachadas das casas e seus entornos, em que se buscou verificar o processo de organização da casa e do entorno socio-físico; identificar os objetos poéticos na decoração da casa; e, identificar as formas de ação-transformação ocorridas no bairro, procurando sempre compreender a unidade social estudada como um todo. Os resultados revelaram, entre outras coisas, os sentimentos, as dificuldades e as proporções alcançadas e causadas pela vivência da pobreza. Permitiram inferir, também, que o processo de apropriação do espaço encontra-se atrelado à produção da subjetividade na medida em que o sujeito ao produzir seu espaço social produz a sua própria subjetividade e vice-versa. E, ainda, revelaram a necessidade de novas formas de vida baseadas no amor, a si mesmo e ao próximo, como saída e estímulo para a produção de subjetividades integradas e integradoras. Palavras-chave: Psicologia Ambiental. Apropriação do espaço. Subjetividade.

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A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE E A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NA

PERIFERIA URBANA

Autora: Lílian Motta Gomes

Orientador(a): Profª Drª Teresinha Maria Gonçalves - Unesc

Banca Examinadora: Marilda Olivo Ghellere – Mestre

Profª Rosa Nadir Teixeira Jerônimo – Mestre – Unesc

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INTRODUÇÃO

O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), bem como sua defesa, é disciplina

obrigatória do currículo do Curso de Psicologia da UNESC e requisito parcial para a

conclusão do mesmo. Assim, a fim de elaborar este trabalho, partiu-se de um projeto de

pesquisa, devidamente aprovado pelo Comitê de Ética da Unesc, intitulado: Psicologia

Ambiental – um estudo sobre o processo de apropriação do espaço e a produção da

subjetividade na periferia urbana, desenvolvido pela própria acadêmica com o apoio do

Programa de Iniciação Científica do Artigo 170 – PIC 170 da Pró-Reitoria de Pós-Graduação,

Pesquisa e Extensão da Universidade do Extremo Sul Catarinense, no período de 01 de agosto

de 2007 a 30 de maio de 2008. As hipóteses de pesquisas pressupõem que uma das formas de

construção da subjetividade dá-se pelo modo como o sujeito se apropria do espaço e que uma

das formas mais integradoras do processo de apropriação do espaço é intermediada pela

poética. A descrição dos objetivos e demais assuntos referentes ao desenvolvimento da

pesquisa encontram-se nas subseções dessa unidade introdutória. A temática do referido

trabalho insere-se no âmbito da Psicologia Ambiental, cuja linha de pesquisa diz respeito ao

Meio Ambiente. No primeiro capítulo buscou-se compreender o processo de produção da

subjetividade a partir das primeiras relações sociais estabelecidas entre o sujeito e sua mãe ou

adulto cuidador. Essas primeiras relações foram consideradas como o momento no qual os

vínculos afetivos são formados, ou não, e no qual também o sujeito internaliza os valores, as

crenças, costumes e regras sociais como elementos da cultura, para mais tarde reproduzi-los.

Portanto, buscou-se compreender a produção da subjetividade, a partir da concepção de ser

humano como um ser fundamentalmente social, que cresce e desenvolve sua identidade pela

interação com seus semelhantes; e por meio das marcas deixadas pelas relações sociais,

ambas supostamente implícitas nos relatos das histórias de vida das pessoas entrevistadas. No

segundo capítulo, buscou-se verificar como se deu o processo de apropriação do espaço no

bairro Renascer/Mina Quatro, periferia de Criciúma/SC, antigo lixão da cidade a partir da

identificação do sujeito com o lugar com base nos pressupostos teóricos da Psicologia

Ambiental, cujo estudo de seu objeto, o simbolismo do espaço, permite discorrer sobre a

relação pessoa/entorno sociofísico.

1.1 Justificativa

A Psicologia Ambiental surge da convergência das diversas áreas do

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conhecimento que abrangem as Ciências Sociais, especialmente a Psicologia Social Aplicada

e parte do princípio de que toda conduta ocorre sempre e necessariamente em um contexto

ambiental (VALERA; POL; VIDAL, s/d). O termo ambiente, para esta disciplina, refere-se ao

entorno sociofísico entendido como o espaço no qual ocorre o imbricamento das

características tanto físicas como sociais e sua correlação com o comportamento. Sendo que

esse entorno, enquanto ambiente físico e social, atua ativa e indissociavelmente sobre o

sujeito durante todo o processo. Desse modo, à Psicologia Ambiental, segundo Gonçalves

(2004), importa compreender como o indivíduo percebe o ambiente e como, por que e quais

os caminhos por onde se manifesta a transação e o inter-relacionamento da experiência e das

ações humanas nos aspectos que dizem respeito aos ambientes, físico e social, ou seja, como

esse indivíduo compreende, reage e modifica o seu entorno sociofísico. Seu objeto de estudo é

o componente emocional atribuído ao espaço, isto é, o significado simbólico do espaço.

Interessa-se, pois, em compreender o processo de apropriação do espaço, porque entende que

esse processo é, em grande medida, uma ação auto-transformadora, porque ao recriar o

espaço, o sujeito é recriado por ele, objetiva e subjetivamente. Além disso, para dar conta de

sua proposta, esta disciplina trabalha e relaciona entre si os conceitos de identidade do eu,

identidade de lugar, identidade social, privacidade, territorialidade, apego, lugar e poética,

dentre outros.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo Geral

Identificar o processo de apropriação do espaço pelos moradores do bairro

Renascer/Mina Quatro, Criciúma/SC.

1.2.2 Objetivos Específicos

- Verificar como se dá o processo de organização da casa e do entorno;

- Identificar os objetos poéticos na decoração da casa;

- Identificar as formas de ação-transformação ocorridas no bairro.

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1.3 Metodologia

O método utilizado é o estudo de caso, cujo objetivo é o conhecimento amplo e

detalhado do objeto de estudo (GONÇALVES, 2006). Por se caracterizar como uma análise

holística, o estudo de caso considera a unidade social estudada como um todo, neste caso, a

comunidade do Bairro Renascer/Mina Quatro.

Os postulados teóricos da Psicologia Ambiental embasaram o estudo sobre o

modo como o indivíduo percebe o ambiente, como se dão os processos psicológicos

envolvidos nessa percepção e como esse indivíduo compreende, reage e modifica o seu

entorno sociofísico, ou seja, o significado simbólico do espaço e a compreensão dos processos

psicossociais que resultam das relações, das influências mútuas e das transações entre as

pessoas, grupos sociais ou comunidades e seus entornos sociofísicos, que permitem a

identificação e a apropriação do espaço pelo sujeito.

1.3.1 Natureza da Pesquisa

Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa do tipo exploratória, cujo objeto de

estudo é o processo de apropriação do espaço e a produção da subjetividade no Bairro

Renascer/Mina Quatro, periferia da cidade de Criciúma/SC.

1.3.2 Unidade de Pesquisa

A pesquisa foi realizada no bairro Renascer/Mina Quatro, periferia de

Criciúma/SC. O Bairro Renascer/Mina Quatro, segundo Teixeira (apud Gonçalves, 2002),

compreende uma área de 43.000 metros quadrados destinada a loteamento popular para 650

famílias. Quando a Mina Quatro, mina de extração de carvão, foi desativada deixou no local

uma grande quantidade de rejeitos de carvão expostos ao ar livre. De acordo com o autor, o

nome desses rejeitos é pirita, cujos agentes inflamáveis contidos em sua composição entram

em autocombustão quando em contato com a umidade, exalando gases tóxicos. Antes do

loteamento popular essa área foi escolhida para ser o lixão da cidade. Entretanto, antes do

lixão, alguns catadores de materiais recicláveis, que haviam invadido a área, já moravam no

local por não disporem de alternativa melhor. Vários anos depois, após uma ação popular, o

lixão foi transferido para outro local. A área, então, foi loteada e hoje é conhecida como o

bairro Renascer/Mina Quatro.

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1.3.3 Definição da Amostra

No início, o propósito era de que a amostra fosse composta por 08 quadras,

correspondendo a 32 moradias escolhidas intencionalmente após a observação cuidadosa das

mesmas e que atendessem ao critério de maior riqueza simbólica em suas fachadas e entornos.

Entretanto, não foi possível alcançar esses números, pois alguns moradores das casas

escolhidas não quiseram participar da pesquisa; outros que tinham esse interesse não estavam

em casa no dia agendado para a entrevista; e ainda outros que desejavam participar, não

concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Vale considerar

ainda, que alguns dias antes da data prevista para a realização das entrevistas, o bairro foi

notícia nos jornais da cidade devido à morte de adolescentes envolvidos com o tráfico e uso

de drogas, o que gerou certo receio e apreensão em alguns moradores, que assim se

justificaram. Por conta dessas dificuldades, a amostra se compôs de cinco casas e suas

respectivas proprietárias para as entrevistas, indicadas e apresentadas pela informante

qualificada, todas do sexo feminino, moradoras antigas do bairro, cujos nomes foram

substituídos por outros fictícios, a fim de preservar-lhes o anonimato.

1.3.4 Técnicas de Coleta de Dados

Observação sistemática (GONÇALVES, 2006), passeios pelo bairro, diário de

campo, registros etnográficos (fotografias), visitas, entrevistas abertas/informais e semi-

estruturadas. Num primeiro momento, passeou-se pelo bairro a fim de se familiarizar com o

local observando-se sistematicamente a paisagem sócio-espacial para, em seguida, fazer as

anotações no diário de campo. Nas visitas que se seguiram o objetivo foi o de observar as

fachadas, o entorno e a organização das casas e tirar as fotografias. Posteriormente,

procederam-se as entrevistas semi-estruturadas, informais, que foram previamente agendadas

e conduzidas pela pesquisadora, sob supervisão da professora orientadora e que se encontram

disponíveis para consulta e estão em poder da pesquisadora. Em outro momento, estas

gravações foram transcritas, digitalizadas e impressas. Após, realizou-se a sua leitura junto às

entrevistadas.

1.3.5 Estratégias de ação

Para compreender o processo de apropriação do espaço pelos moradores do bairro

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Renascer/Mina Quatro, foi necessário conhecer os determinantes sócio-históricos da

comunidade estudada, bem como seu aspecto espacial. Para isso, foi realizada uma

aproximação com o campo de pesquisa. Esta aproximação com os moradores se deu através

da professora coordenadora da pesquisa, pois ela já realizou e ainda realiza pesquisa nesse

bairro. Assim, primeiramente, conheceu-se o presidente da associação de moradores do bairro

e uma moradora do local que ficou como informante qualificada, nessa pesquisa. Num

segundo momento, realizaram-se passeios pelo bairro e visitas a alguns moradores a fim de se

utilizar a técnica de observação sistemática no contexto local. Esta técnica é fundamental na

pesquisa social, por permitir que os fatos sejam percebidos diretamente sem intermediários

(GONÇALVES, 2006). A observação sistemática foi dirigida para as fachadas, entornos e

organização das casas; as ruas, seu traçado, seu contorno e sua paisagem sócio-espacial. Em

seguida, realizaram-se as entrevistas abertas/informais com as proprietárias das casas que se

definiram como amostra, conforme exposto no item 1.3.3, a fim de conhecerem-se as suas

histórias de vida para correlacioná-las ao processo subjetivo de apropriação do espaço.

1.3.6 Avaliação dos Dados Obtidos

Os dados obtidos, isto é, o conteúdo das entrevistas e o registro fotográfico, foram

interpretados de acordo com os conceitos-chave do marco teórico. Desse modo, analisaram-se

recortes das falas das pessoas entrevistadas e as fotografias selecionadas do registro

fotográfico, de acordo com os conceitos-chave do marco teórico.

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2 ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS E DO REGISTRO

FOTOGRÁFICO SEGUNDO O REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O PROCESSO DE PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE

2.1.1 A Subjetividade nas Marcas Deixadas Pela Sociedade

Historicamente, o período que antecede a vinda, para Criciúma, das famílias das

mulheres entrevistadas foi marcado por fatores sócio-políticos que levaram ao êxodo rural.

Esse período, conforme Faria (2007), compreendeu as décadas de 60 a 80, quando quase 13

milhões de pessoas foram “expulsas” do campo seguindo em direção aos centros urbanos. Os

principais motivos que obrigaram à migração em massa, segundo a autora, foram: a

modernização da agricultura, que forçou os trabalhadores a buscarem alternativas de

sobrevivência nas cidades; e o modelo de urbanização que atraía os moradores do campo.

Essa entrada em massa nas cidades provocou um crescimento desordenado. Sem

planejamento para atender aos novos moradores, as cidades não possuíam as condições

sanitárias e de infra-estrutura básicas, favorecendo o surgimento de todo tipo de adversidade

como desemprego, doenças, violência e miséria.

Nessa época, o Brasil estava buscando crescimento econômico, amparado pela

política neoliberal. Essa política, conforme afirmam seus principais defensores Hayek e

Friedman (apud PETRY, 2008), favorece o crescimento econômico; porém, à custa do

aumento da pobreza “alimentada pela crescente exclusão e desigualdade social”, garantem os

críticos Cattani e Díaz (apud PETRY, 2008, p. 22). Desse modo, as conseqüências levam a

crer que ambos, defensores e críticos, estão certos, pois a economia de Criciúma cresceu

(segundo o portal eletrônico1 do governo estadual, a cidade é conhecida como a “Capital

Brasileira do Carvão”), e os proprietários das mineradoras enriqueceram, entretanto, a

periferia da cidade e as áreas de risco foram as que se incumbiram de acolher os excluídos do

mundo da prosperidade. A exploração na região não foi apenas em relação à natureza de onde

se extraía o carvão mineral e degradava-se o meio ambiente: explorava-se também a

mão-de-obra dos trabalhadores e depois os abandonavam, degradando-lhes a dignidade, como

contou a Dona Zulmira, uma das mulheres entrevistadas: “Aí, deu uma doença no pai. Aquele

pó que ele torava, aquela diatomita, trancou nele aqui. Aí o falecido D. (dono da mineradora)

1Portal do Gov. Estadual: http://www.sc.gov.br/portalturismo/Default.asp?CodMunicipio=44&Pag=3.

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mandaro ele assinar uma foia. Aí, botaro o velho pra rua sem direito á nada . Ele durô cinco

anos. Aí veio a falecer. Aí ele morreu.” Sem a força para trabalhar, pois só estando saudável

se pode tê-la, um ser humano foi trapaceado para ser, em seguida, abandonado, sem condições

sequer para se tratar adequadamente. O dinheiro que ganhavam com a extração do minério

mal dava para o sustento da família, como disse Dona Iraci, outra das mulheres entrevistadas:

“[...] mais aí o meu pai, o ganho dele era pouco pra sustentar doze filhos, né?”

Diante desses fatos, estudar a subjetividade exige que voltemos nosso olhar

também para as suas dimensões históricas, culturais, sociais e políticas, conforme defendido

amplamente por vários autores contemporâneos como Prado Filho e Martins (2007);

Figueiredo e Santi (2007); Mancebo (2002); Bock (2002); Crochík (1998), por exemplo. De

acordo com esses autores, não podemos afirmar que os termos individualidade, interioridade

ou subjetividade, conforme entendidos nos dias de hoje, são elementos de uma natureza

humana universal, porque neles estão contidas as marcas das relações sociais estabelecidas ao

longo da história, intermediadas pela cultura e pela política, cujas origens remontam desde o

século XIV, no início da Renascença2 até os dias de hoje. (FIGUEIREDO e SANTI, 2007).

Crochík, em seu artigo intitulado Os desafios atuais do estudo da subjetividade na

Psicologia, afirma que “o método para estudar a subjetividade deve ser, portanto, o que leva a

procurar no indivíduo as marcas da sociedade.” (1998, p. 3). Nesse sentido, o estudo da

construção da subjetividade na periferia urbana remete às histórias de vida das pessoas

entrevistadas.

O relato dessas histórias permitiu uma reflexão sobre as relações intra e

interpessoais estabelecidas pelo indivíduo com o meio sociofísico circundante. O que não

quer dizer que essas relações tenham sido realizadas dentro de um padrão rígido de

relacionamento, nem consigo mesmo e nem com os outros.

Segundo Mammì “[...] os problemas a serem resolvidos ainda são os mesmos: o

valor universal do tempo e do espaço como coordenadas da ação humana, em seu

acontecimento efêmero e em suas conseqüências infinitas.” (1999 apud VALADARES, 2000,

2 Renascença ou Renascimento, movimento iniciado na Itália no século XIV, com auge no século XVI. Esses termos começaram a ser usados a partir do século XV para designar o período em que o homem deixa de explicar o mundo a partir do teocentrismo, em que as todas coisas tinham explicações divinas, para explicá-lo colocando-se a si mesmo como o centro de tudo, ou seja, com base no antropocentrismo. Desse modo, o que mais se valorizava no homem era a inteligência, o conhecimento e o dom artístico. A partir daí, ocorreram grandes descobertas como a de Nicolau Copérnico e de Galileu Galilei que disseram que a Terra não era o centro do Universo; a descoberta da pólvora e da bússola que permitiu o descobrimento de novas terras, dando início às novas formas de relações: sociais, como o liberalismo que dotou o ser humano de direitos inalienáveis; e, comerciais, que abriram caminho para o capitalismo. Fonte: http://www.pitoresco.com.br/art_data/renascimento/index.htm

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p. 84).

Acontecimento efêmero, de acordo com Valadares (2000, p. 84), se trata de um

acontecimento ontológico, porque se localiza “dentro de uma história do humano e de uma

ética” em que as pessoas convivem, diariamente, entre si esforçando-se para “construir,

juntas, novos espaços de vida”, porque as construções humanas somente são possíveis “dentro

de uma significação para o grupo e implica uma escolha.” As conseqüências infinitas, por sua

vez, segundo o autor, são as marcas impressas pela ação de escolher, “sobre ambiente,

sempre, também, referido ao território da cidade.” (VALADARES, 2000, p. 84). Resumindo,

o projeto de civilização se dá na cidade pelas ações ocorridas sobre a “paisagem e os terrenos”

constituindo-se no acontecimento da cultura. Cidade como ambiente construído é fato

histórico vivido “por sujeitos em seus corpos.” Ou, como bem disse Manuel Castells, “toda

forma de matéria possui uma história ou, melhor ainda ela é sua própria história.” (2000, p.

35).

As histórias das pessoas entrevistadas entrelaçam-se com a história do bairro

Renascer/Mina Quatro e, portanto, com a história de Criciúma. Como se constatou por meio

das entrevistas, essas histórias permanecem vivas, localizadas nos espaços ligados ao passado,

ao tempo de infância, de juventude, de força, de desejo e de conquistas.

2.1.2 A Subjetividade nas Marcas Culturais de Preconceito e de Falta do “Pão Nosso de

Cada Dia”

Das mulheres entrevistadas, uma chama-se, ficticiamente, Iraci. Aos 62 anos de

idade, Dona Iraci é moradora do bairro há 22 anos, viúva, ex-empregada doméstica e ex-

parteira. Tem três filhos, uma neta e treze irmãos. Nasceu em Caputera, município de

Laguna/SC. Veio para Criciúma com sua família, quando ainda era um bebê de apenas nove

meses de idade, em busca de melhores condições de vida.

Como a maioria dos migrantes da zona rural, a família de Dona Iraci ficou fora da

cidade. Moravam nos arredores, nas áreas de risco, onde tiveram a casa soterrada por uma

barreira, resultando em perda total do pouco que tinham. Assim, foram morar de favor em

uma velha olaria que servia de abrigo aos bois: [...] perdemos a roupa que tava no tanque, ela (a mãe) tava lavando roupa e eu tava estendendo no varal. Aí de repente, não foi um temporal, foi a barreira da estrada que caiu, e o tanque, a roupa que tava na banheira, a... tudo, a casa, derrubou tudo, aterrou tudo aquilo. Aí nóis fiquemo assim, na... na rua, bem dizê. (DONA IRACI, abril/2008).

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As palavras de Dona Iraci revelam aquilo que já se sabe: não foi um temporal3

que causou toda aquela perda, afinal o resto da cidade ficou intacto, mas as condições de

moradia nas quais ela e sua família se encontravam, ou seja, moravam em área de risco

sócio-ambiental, assim chamada por não oferecer a menor segurança em termos de proteção à

vida e aos bens materiais.

Caiu a barreira e aí a família ficou assim: “na... na rua, bem dizê”!

A barreira, que impede que alguns vejam a subjetividade do pobre por outra

perspectiva que não a do preconceito, caiu. Assim, Dona Iraci começa a sua história fazendo

referência à sua mãe e à pobreza da família: “... aqui minha mãe passou muito trabalho, que a

nossa família era muito pobre, muito pobre mesmo. Nóis era uma família que nóis era ajudado

por todo mundo aqui em Criciúma”. Dona Iraci nasceu em berço pobre e, como tal, se

reconheceu desde criança. A pobreza deixou marcas na vida de Dona Iraci, são as marcas da

adversidade enfrentada estando-se em desvantagem. São as marcas da necessidade e da falta

do “pão nosso de cada dia”: [...] muitos dias não tinha o que comê, mais a minha mãe nunca deixou passá... nóis passá necessidade, ás vezes, os vizinhos davo dois, três ovo ali pra nóis. Dava pros doze filho comê! Então, nóis fomo criado assim: pirão d’água, ovo frito, quando os vizinhos davo, que naquela época, agora tudo é mais coisa, né? Mais naquela época era tudo muito difícil. Meu pai trabalhava nessa mina aqui, e... o ganho dele era pouco pra sustentá doze filhos, né? (DONA IRACI, abril/2008).

Aquilo que Dona Iraci aprendeu com as vicissitudes da vida e com alguém que lhe

era significativo, mais tarde, quando teve seus filhos, foi reproduzido: “Eu disse: não! No

prato onde come uma, come duas (...) farinha pelo menos não vai faltá pra elas (filhas) comê.”

Um aprendizado voltado para o dividir, repartir o pouco que se tem com todos, compartilhar

da mesma fome e da mesma saciedade: “Dava pros doze filho comê!” Estas marcas ela

carrega consigo, ainda hoje, em suas lembranças e em seu modo de ser no mundo.

Da perspectiva de Mead “la persona es algo que tiene desarrollo, no está presente

inicialmente, sino que surge em el processo de experiência y la actividad sociales.” (1974, p.

167, apud GARAY, 2002, p. 2). Isto quer dizer que o ser humano não está pronto a priori,

como quer a concepção inatista4, mas que se constitui a partir das relações sociais, e,

principalmente, com aquelas pessoas que desempenham um papel significativo na infância do

sujeito; e dos papéis que elas desempenham na sociedade, complementa a autora Sant’Ana

3 Temporal: chuva forte, tempestade, aguaceiro. (BUENO, 2000). 4 Inatista: concepção que se opõe à influência da cultura no desenvolvimento psíquico e nas capacidades individuais, pois concebe que estes são regidos segundo leis específicas e, portanto, são independentes das experiências, do conhecimento e da cultura. (BOCK, 2002).

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(2007).

Assim, Dona Iraci ao estabelecer uma relação com o outro, este, enquanto

entrevistador, aquela enquanto entrevistada, assumiu para si o dever de defender sua mãe e

sua família, justificando: “Todo mundo conhece nóis pela nossa pobreza. Não por vadiação,

nem por nada (...) ela (a mãe) trabalhava de lavação, ela tinha dez lavação (...) Então, a minha

mãe era uma mulher muito pobre, mais muito trabalhadeira...”. Aqui, Dona Iraci nos dá a

entender que em nossa cultura ser pobre pode ser sinal de preguiça, de malandragem, de

fracasso pessoal e, por isso, tratou logo de evitar qualquer tipo de julgamento negativo em

relação à pobreza de sua família.

Em outro momento, Dona Iraci fala sobre as roupas e os sacos e sacos de comida

que a família dela recebia como ajuda por parte de empresários da cidade: “Aí ele (um

empresário) que deu o luto5 pra nóis, ele que levou comida, sacos e sacos de comida, porque a

minha mãe e meu pai eram muito bem visto em Criciúma, muito bem visto.” Como se pode

notar, o discurso de Dona Iraci é de agradecimento pela solidariedade do empresário,

entretanto, quase se sentindo honrada em ser ajudada por gente tão “importante”.

“Que relação o sujeito estabelece consigo a partir de verdades que culturalmente

lhe são atribuídas?”, questiona Candiotto (2008, p. 2). Que discursos foram proferidos como

verdadeiros e que serviram de bases para a construção da subjetividade de Dona Iraci que a

impedem de fazer qualquer referência às questões políticas e sociais envolvidas no enredo de

sua história?

A ausência de questionamento político-social na fala de Dona Iraci pode levar a

inferir que aqueles que estão às margens da sociedade estão, também, sem acesso às

discussões políticas que poderiam alterar suas condições de vida.

Essa exclusão política é fruto das relações entre os homens, pois o indivíduo

recebe uma formação6 característica de sua classe social que irá permitir a abertura ou a

limitação de suas ações: Na história da civilização ocidental, a formação tem sido distinta conforme a condição de vida do indivíduo: se escravo ou homem livre, servo ou senhor, trabalhador ou empresário. A formação se dá em consonância com as necessidades da produção social, pretendendo desenvolver no indivíduo as habilidades para fazer frente à produção, e/ou de acordo com as interpretações que são dadas para o mundo, que lhe permitem ter um posicionamento frente às questões políticas (CROCHÍK, 1998, p.3).

5 Luto – O empresário doou as roupas de cor preta para a ocasião da morte da mãe de Dona Iraci. 6 Formação: refere à formação cultural constituída pelos traços de caráter, personalidade e pela educação. Esta última indicando apreensão de conceitos, valores e normas, envolvendo todas as áreas da vida e não somente a família ou a escola (CROCHÌK, 1998).

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Desse modo, percebe-se a cultura7 e a construção da subjetividade imbricadas, de

tal modo, que não é possível refletir sobre uma sem, imediatamente, relacioná-la à outra.

Visto desse ângulo, pode-se dizer que o indivíduo tem a forma e o conteúdo das experiências

trocadas em sua inter-relação com os outros membros da sua sociedade:

autônomo/dependente, humilde/pretensioso, egoísta/solidário... .

Depreende-se, portanto, que a cultura traz em seu bojo um projeto preestabelecido

de homem, cuja “possibilidade de um indivíduo emancipado, autônomo, é necessária

decorrência do projeto da cultura” (CROCHÍK, 1998, p.1), pois, segundo esse autor, a

principal função da cultura é a de proteger “os homens das ameaças da natureza” e, como o

homem mesmo é natureza, deve ser “defendido de si mesmo e do outro” por meio de outra

função da cultura que emerge como conseqüência da que foi enunciada: instituir regras de

relacionamento entre os homens. A cultura, nessa perspectiva, define-se pelo modo de

enfrentar aquilo que é ameaçador para o homem, “presente tanto nos desafios da natureza

quanto nas regras de relacionamento humano criadas por ela” (CROCHÍK, 1998, p. 1).

Segundo Adorno (1971 apud CROCHÍK, 1998, p. 7) o indivíduo se diferencia dos

outros indivíduos (individuação) a partir da “incorporação da cultura”, isto é, a subjetividade

se desenvolve “na cultura e através dela”, a cultura produz seus indivíduos. Isto não significa

que os primeiros anos de vida devam ser desconsiderados, pois até mesmo para relembrar o

passado o indivíduo o faz “através dos diversos filtros apontados por Freud, pelos símbolos

que são adquiridos a posteriori.” (CROCHÌK, 1998, p. 7).

Desse ponto de vista, o autor defende que para estudar a subjetividade é

necessário que, enquanto ciência, a psicologia considere as “condições de existência” do

indivíduo e volte a sua compreensão para as condições nas quais a subjetividade teve a sua

gênese, pois, de outro modo, estaria assumindo uma atitude ideológica. Isto seria, portanto,

pensar a subjetividade das pessoas entrevistadas levando-se em conta a “incorporação da

cultura” na construção da própria subjetividade, pois as condições sociais, histórica, política e

econômica são produtos culturais: [...] Aí ela fazia farofa de banana, fazia... dava arroz com banana pra nóis, porque carne bem pouco existia, né? Carne na mesa foi bem pouco. (...) Não é que não tinha: ter, tinha, mais nóis não tinha era o dinheiro pra comprá, né? (DONA IRACI, abril/2008).

O que Dona Iraci está dizendo, por exemplo, diz respeito à sua condição sócio- 7 Kant (1992 apud CROCHÍK, 1998, p. 7), “analisa o desenvolvimento da cultura ocidental e um de seus produtos principais: a razão; assinala, no entanto, que esta só se realiza pelo livre uso individual daquela, ou seja, pela autonomia individual”. Autonomia, na perspectiva de Dahrendorf (1992), está ligada ao conceito de sujeito autodirigido, isto é, aquele que pensa por conta própria (censo crítico).

Page 16: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

econômica, porém, como um produto cultural e, desse modo, faz parte da vida de milhares de

pessoas que passam fome nos dias de hoje: não que a produção de alimentos seja insuficiente

para alimentar a todos, o que falta é o meio para adquiri-los, ou seja, o dinheiro. A fome de

muitos, vista por esse ponto de vista, é uma fome produzida culturalmente, é uma fome para

muitos, por isso se repete na fala de Dona Joana (2008), outra mulher entrevistada: “É

bastante mercado aí óh: Tendo dinheiro pra comprar, né? Bastante mercado... tem a farmácia

que faltava, abriu ali.” Infere-se, portanto, que a produção é suficiente, tanto que há

desperdício por parte de alguns.

O desperdício de uns é a necessidade de muitos, como disse a Dona Zulmira

(2008): “Comemo muita coisa do lixo. Pão, nóis juntava. Rôpa, nóis achemo muita rôpa.”

Que subjetividade, ou melhor, que experiências e sentimentos íntimos são

produzidos/construídos nessas condições? Humilhação? Resignação? Vergonha? Dona

Zulmira só se preocupava com uma coisa: Ah ia pensar no quê, né? A gente com tanto neto pra criá. (...) Eu queria era trabalhá e dá o quê comê pra eles, né? Não queria deixá eles passá fomi. Não vê o Lívio, que a Iza tem até hoje: pelado, brincando naquela água do lixo, brincando naquela sujeira [...] (DONA ZULMIRA, abril/2008).

Será que alguém viu o menino Lívio?

Será que alguém vê que faltam condições de vida que garantam o básico para a

subsistência digna de muitos? Para Damergian (2001, p.96) o que falta é uma “mãe-

sociedade, representada pelos chefes sociais”, que possibilite aos seus “filhos-membros”

experiências de “reciprocidade, solidariedade, empatia”, em vez de “excesso de competição,

rejeição, ódio, indiferença” e desperdícios, de modo que os bens públicos sejam repartidos

igualmente para o bem comum.

Por sua vez, Gans (1996 apud DAMERGIAN, 2001, p. 99-100) afirma que é

preciso “quebrar o ciclo que perpetua a pobreza” juntamente com os problemas que dela

decorrem e não apenas usar paliativos: “[...] Pobre tem professor pobre, advogado pobre,

médico pobre.” Damergian completa: “pobre, quando tem, tem escola pobre, assistência

médica e jurídica paupérrimas” (2001, p.100) e as causas e conseqüências desse estado de

pobreza recaem, exclusivamente, sobre a população pobre. Gans também questiona a noção,

introjetada pela ideologia, de culpabilidade do pobre por sua “falta de êxito”. Uma noção

preconceituosa da sociedade burguesa que faz acreditar que pobre é quem quer, pois quem

não quer ser pobre “vai à luta” para vencer na vida. Porém, o mesmo autor afirma que nessa

batalha o pobre é sempre o perdedor, porque é uma batalha econômica e ideológica que

introjeta nos indivíduos a noção de fracasso e incapacidade por parte dos perdedores, no caso,

Page 17: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

os pobres.

Desse modo, a subjetividade construída numa sociedade madrasta, na perspectiva

de Damergian (2001, p. 107) é uma subjetividade “esvaziada”, “negada”, o pobre é culpado

por tudo: por não trabalhar, por não estudar, por não salvar o bebê na hora do parto, por não

se vestir adequadamente, por não se alimentar saudavelmente e até por não votar

“corretamente”, pois “o povo tem o governo que merece”, diz o dito popular. As instituições

representativas são eximidas de suas responsabilidades porque “o povo não sabe votar!”

Dizem.

Daí, as subjetividades se conformam dependentes do sistema administrativo.

Dependências planejadamente produzidas, segundo Crochík (1998).

Quem é pobre também aceita aquela idéia sem questionamento e, desse modo,

acaba por reproduzir, objetivamente, as crenças preconceituosas que ele mesmo sofre e que

foram produzidas, aceitas e incorporadas na cultura. Foi dessa maneira que Dona Iraci (2008)

se referiu à violência que está ocorrendo, atualmente, no seu bairro: Não, acho que é bandidage mesmo. Acho que é. Não tem nada de falta de serviço não, porque serviço tem. É só querê trabalhá. Mais eu acho que é bandidage, vagabundage. É falta de... é preguiça, é tudo isso aí. Porque tu vê, os guri que tão morrendo é tudo de dezesseis, dezessete anos. Eles não chegaram nem na metade do que eu vivi, né? Porque que não vão pegar um servicinho na mão pra variar?

Falta algo, mas Dona Iraci não consegue expressar o que está faltando, por isso,

limita-se a deixar a frase pela metade: “É falta de...”. Para Valadares (2000, p. 88) “é na falha

do pensar que surge indomável, o não assujeitável, o sujeito.” Isso nos remete aos

pressupostos da psicanálise lacaniana quando fala das lacunas ou das falhas do pensar

expressas na falha da linguagem, ou seja, o “indomável” referido pelo autor é a explicitação

do desejo, a energia vital e ali se encontra a potência para a transformação, ainda que tardia:

“Eles não chegaram nem na metade do que eu vivi, né?” Disse Dona Iraci (2008).

Crenças, modelos e idéias. Esses também são elementos formadores de

subjetividade porque são constituidores da cultura e por sua sutileza são capazes de garantir

que modelos ideológicos geradores de discriminação e exclusão social se perpetuem através

da reprodução dos valores culturais e das vivências. Foi o que aconteceu no bairro

Renascer/Mina Quatro (Figura 1), pois lá “surgiu” um lugar ainda mais pobre.

A história se repetiu e quem chegou depois ficou excluído. Não por coincidência,

mas por um processo de reprodução do próprio sistema social excludente, tal qual ocorreu na

cidade no episódio da migração. A força reprodutora da pobreza inventa novas razões de ser:

se hoje não é pela migração em massa, o é pela indisposição em agir, em cuidar, em acolher,

Page 18: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

em mover-se e comover-se “visando à sustentação dos sujeitos.” (VALADARES, 2000).

Desse modo, a periferia abriga o seu antigo retrato nos seus arredores. Ali,

naquela “nova” periferia, também existe o descuido político e da vizinhança do bairro que os

nega e marginaliza. Os moradores “do outro lado do valo”, como o local é chamado, não têm

acesso às melhorias que a parte mais antiga do bairro tem: moradias melhores com acesso a

energia elétrica e água encanada, ruas calçadas e iluminadas, etc.

O retrato é o de um aprofundamento da exclusão. Ali também prevalece a lei do

economicamente mais forte. A “elite” do bairro da periferia teme a ação agressiva e violenta

dos seus moradores marginalizados.

FIGURA 1 – A “NOVA” PERIFERIA DO BAIRRO RENASCER/MINAQUATRO

Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008 .

Esse temor aparece nos muros e grades presentes em quase todas as casas do

bairro (tal qual no perímetro urbano de Criciúma/SC). Tal qual no modelo urbano a ser

copiado pelas periferias no Brasil a fora. É claro que a responsabilidade dessa reprodução não

é dos moradores do bairro Renascer/Mina Quatro, mas do projeto cultural introjetado por

todos nós, pois “a mente humana, contudo, é um produto da civilização na qual o indivíduo

nasceu, cresceu e desenvolveu seus hábitos, sua linguagem, suas crenças e seus saberes.”

(PETRY, 2008, p. 6). Afinal, o Brasil foi colonizado e desde então vem reproduzindo sua

experiência, explorar e abandonar, num ciclo vicioso que se repete nas relações ambientais,

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sociais, trabalhistas, conjugais, etc.

Do mesmo modo, Dahrendorf (1981 apud GONÇALVES, 2002, p. 73) traz à tona

uma contradição estampada na noção de democracia sem liberdade, que retrata esta situação,

ao discutir a noção de Homem autodirigido e Homem dirigido por outros: Que sucede com a liberdade numa sociedade, na qual a conduta social da maioria pode ser descrita como dirigida por outros? Que resistência oferece o homem dirigido por outros? Que apoio proporciona a uma sociedade livre? Como se acomoda seu caráter às instituições políticas chamadas freqüentemente democráticas e como concordam estas com seu caráter?

Como é possível ser livre e realmente poder escolher se quer, ou não, ser pobre,

numa sociedade na qual democracia, não tem o significado real do termo em si, que é a forma

de governo na qual o poder emana do povo para o povo. Em nossa sociedade só se é livre um

dia: o da eleição. Depois disso, tornamo-nos colonizados, escravos, ou seja, homens dirigidos

por outros homens, cujos interesses nem sempre coincidem com os nossos.

Para Habermas (apud AVRITZER, 1996) a solução para que haja democracia de

modo que a burocracia não seja seu impedimento, é através da racionalidade comunicativa, ou

seja, por meio da discussão, na esfera pública, entre pelo menos duas pessoas que se

reconheçam como iguais no uso da linguagem eficiente. Isto é o mesmo que dizer que deve

haver um diálogo entre os homens capaz de levá-los ao consenso, na busca de soluções para

seus interesses relativos ao consumo, educação, habitação, corrupção, poluição, degradação

sócio-ambiental, etc. Esse exercício de interação poderia levar os indivíduos aos planos de

ação, tal como se sucede nas reuniões do Orçamento Participativo, dos Conselhos, enfim,

participação coletiva nas Políticas Públicas.

Desse modo, o indivíduo estaria produzindo sua subjetividade através do

equilíbrio de sua disponibilidade entre a vida pública e a privada a partir da comunicação e da

interação competentes. Pois, haveria a possibilidade de o indivíduo se reconhecer como

sujeito de interesses próprios e também reconhecer que esses interesses podem estar em

oposição aos interesses dos demais. (GONÇALVES, 2002).

Costa (1998) também defende que é preciso tornar possíveis novas experiências

de subjetivação moral por meio de novas modalidades de interação entre as instituições

culturais, especialmente, as “elites que têm poder social, político, econômico ou intelectual

para criarem e difundirem modelos de subjetividade” (p. 4) como, por exemplo, “levar a sério

os vínculos de amizade, hospitalidade, cortesia, honra, lealdade e fidelidade” (p. 5). E,

partindo dessa “nova modalidade de interação” e novas formas de vida, “voltar a reintroduzir

na vida pública e pessoal o entusiasmo pela criação de um mundo comum que deixou de

Page 20: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

existir.” (COSTA, 1998, p5).

Talvez, assim, partindo dessas novas maneiras de relacionamento, sugeridas

acima pelo autor, Dona Joana (abril/2008) não precise mais lamentar um tempo que passou:

“Tempo bom era o tempo do lixão, pelo menos a gente sempre tinha o que comê... era fruta...

verdura... nunca faltava nada. Hoje em dia não: tá tudo muito caro, né?”. E nem Dona Iraci

(abril/2008) precise sofrer com aquilo que foi a maior tristeza de sua vida: Pra mim eu não me importava de comê, mais eles (os filhos) eu não... Ai, viero uma vez pedi meus filho pra mim, tu vê. Foi a minha maior tristeza da minha vida! Ai, viero pedi meus filho porque acharo que eles tavam passando fome. Eu disse: não, na mesa que come dois come trêis. É meus filhos, eu não vou me desfazer de nenhum deles!

A maior tristeza da vida dessa mulher, que batalhava pela sobrevivência própria e

de seus filhos, foi terem duvidado da sua capacidade de prover alimentos para eles, pois seu

modelo de mãe era assim: “muitos dias não tinha o que comê, mais a minha mãe nunca

deixou passá... nóis passá necessidade.”

O que Dona Iraci e Dona Joana estão dizendo é que a alimentação é necessidade

na vida de todos nós, durante a vida toda. Tirando os filhos da companhia de suas mães, em

nome da solidariedade, porque lhes faltam os gêneros de primeira necessidade ou mesmo

acabando com os lixões da cidade, não significa que o problema estará resolvido, pois “o

grande problema, então, de nossa civilização (...) é sua vocação essencialmente materialista e

tecnocrática, a forma como sua racionalidade e tecnocracia estende seus tentáculos a todos os

domínios da vida, incluindo a moralidade.” (DAMERGIAN, 2001, p.105).

2.1.3 A Subjetividade e a Mãe Cuidadora e Transmissora de Cultura

As memórias ambientais de Dona iraci a remetem para o mato aonde ia com a sua

mãe buscar lenha para o fogo ainda de madrugada. Na sua lembrança ficou a generosidade da

natureza que lhes fornecia a fonte de calor para preparar os alimentos e também para aquecer

os seus corpos nas noites geladas do inverno catarinense. Lá no mato também era o lugar onde

ouvia as lendas e estórias dos contos de fada. O mato era o lugar de ouvir as estórias que

geralmente os pais contam para suas crianças na cabeceira da cama na hora de dormir.

Estórias que ao mesmo tempo em que encantavam também causavam medo: “Ela contava as

estórias pra nóis, ela acabava de pegar a lenha, nóis sentava na beirada do mato (...) Aí ela

dizia que tinha bruxa, que tinha o boi de fogo na boca, ela dizia que tinha o lobo, ela dizia que

tinha uma porção de coisa...” (DONA IRACI, 2008). No mato foi onde a Iraci criança teve

Page 21: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

acesso às crenças e às lendas da sua cultura.

Dona Iraci pôde estabelecer uma forte ligação afetiva com sua mãe. Um elo

apoiado num “ponto fixo”, a “valência positiva”, na perspectiva de Damergian (2001, p. 90).

Esse apoio permitiu experiências nas quais a pulsão de vida pudesse fluir, ou seja,

experiências de troca de afetos e relacionamentos saudáveis. Como disse Damergian (2001, p.

101): “é de se pensar a luta heróica dessas mães para dar amor, acima de todos os sofrimentos

a que estão expostas”: Olha, minha mãe era uma pessoa pobre, mais muito boa de coração, minha mãe, meu pai eram pobres, mais pobres mesmo de não tê o que comê, mais ela também não desprezou nem um filho, ela abraçava todos os doze com as mãos. (DONA IRACI, abril/2008)

O modelo de mãe que Dona Iraci teve abraçava os doze filhos com as mãos (não

com tentáculos), portanto, sua subjetividade é formada também pela prática pelo acolhimento,

pelo carinho dividido igualmente na hora da competição pelo abraço da mãe, ou seja, uma

subjetividade fundada num ponto fixo que agrega, acolhe e compartilha o amor com todos

igualmente.

Dona Iraci se emocionou ao relembrar a dor que foi perder esta principal figura de

sua vida aos catorze anos de idade. Sua mãe faleceu, vítima da varíola, após o parto de seu

décimo terceiro filho, que não resistindo à doença e ao parto prematuro de sete meses de

gestação, também morreu. São as adversidades da vida para as quais, geralmente, não se está

preparado para enfrentar.

Entretanto, a jovem Iraci precisava elaborar a morte de sua mãe ocorrida após esse

parto, e então foi trabalhar como parteira em um hospital da região: “Depois... depois que a

minha mãe morreu... fui procurar a minha vida, né?” disse Dona Iraci, emocionada. Isso nos

remete a Freud (apud HALL; CAMPBELL & LINDZEY, 2000) quando refere a uma

possibilidade de reparação. Segundo Dona Iraci ela “sumiu”, precisava exorcizar um

demônio: [...] Eu fui pro internato (...) mais aí era muito puxado (...) tinha uma freira que era muito ruim, era muito ruim, a irmã Lídia... era o satanás, aquela não era nem pra ser irmã, acho que ela era o capeta vestido de gente. (...) Era uma atentada aquela freira, aquela lá nem era pra ser freira, aquela... depois ela morreu. Meu pai, minhas irmã não sabio onde é que andava. Saí de casa sem mais nem menos, eu sumi. (...) Fui trabalhar no hospital de Laguna (...) porque eu tinha vontade de ser enfermeira. Aí naquela época eu fiz um curso, lá mesmo dentro do hospital fiz um curso e fui ajudante de parteira. (...) Porque eu gostava de criança, lidar com gente doente, adorava cuidar de gente doente. (DONA IRACI, abril/2008).

Elaborar as perdas, reparar os danos sofridos e causados fazem parte da

subjetividade que é formada e reformada a partir de uma elevada auto-estima.

Page 22: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

De acordo com Damergian (2001), a mãe exerce duas funções fundamentais na

vida do seu bebê: a primeira, como demonstrado acima, é a função de “ponto fixo, valência

positiva” (p. 95). A segunda função é a de transmitir os conteúdos veiculados em sua cultura,

ou seja, a mãe repassa a ideologia vigente, ela transmite e reafirma todas as preocupações do

seu tempo referentes à educação, à religião, às crenças, aos costumes, aos valores, etc.,

conforme podemos verificar na fala de Dona Erundina, outra entrevistada: “Ela me deixou a

educação. (...) Ela sempre dizia que a gente ser pobre não era feio, mais sem educação, não

respeitar os outros” (Dona Erundina, abril/2008); e, também, por esse discurso de Dona Iraci

(2008): “Ah, ela deixou muitas coisas boas pra nóis. Ela dava muito conselho pra nóis: Pra

nóis nunca transar com ninguém, pra nóís quando casar, que casasse virgem porque era o

maior sonho da vida dela [...]” e, esse: [...] a minha mãe ela levava nóis na missa, ela, foi sempre o conselho que ela deu pra nóis: vocês são batizados, são crismados, fizeram a primeira comunhão, são consagrados, então eu dou sempre um conselho pra vocês, nunca deixem de ir pra igreja e nunca passa de uma igreja pra outra, sempre siga aquela que a mãe está seguindo [...] (DONA IRACI, abril/2008).

Entretanto, essas mães, que transmitem cultura, a receberam de outras mães, ou de

cuidadores que por sua vez também a receberam de suas mães e, assim por diante. Por isso, a

importância de estudar a subjetividade a partir de suas dimensões históricas, culturais, sociais

e políticas porque em cada época ocorreram mudanças de acordo com a necessidade, porque

por meio de suas ações o ser humano transforma a sua realidade e ao fazer isso se transforma

a si próprio. (BOCK, 2002). Ou, como disse Cabruja (1998, p. 58, apud ÍÑIGUEZ, 2001, p.

15): “é a partir de analisar o discurso sobre como deveriam ser as subjetividades e as relações

sociais, em seu contexto histórico específico que se pode perceber por quais interesses são

promovidas em um dado momento.”

2.1.4 A Subjetividade nas Marcas da Madrasta-Sociedade

O bairro Renascer/Mina Quatro, área degradada em sua superfície, explorada e

esvaziada em seu interior, também é local e cenário de boa parte da história da vida degradada

e explorada das entrevistadas: “Trabalhei (...) muito tempo. Mais nunca fui fichada.” (DONA

ZULMIRA, 2008). Ambos, natureza e ser humano, vivenciando uma mesma experiência,

como disse a Dona Zulmira ao falar de como se sente atualmente: “a gente é oca por dentro, a

gente fica assim sem gosto. Véve por vivê. Véve porque tem que vivê.” (DONA ZULMIRA,

Page 23: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

abril, 2008). Seria uma simbiose8?

Fonseca (2008, p. 1) entende que sim, que há uma relação simbiótica entre o ser

humano e o ambiente quando evidencia “que somos indissociáveis do que entendemos como

ambiente.” Segundo esse autor, a predominância cultural leva-nos a um afastamento como

sujeitos; afastamos o ambiente, e por isso, o ambiente se constitui em objeto para nós, pois

não nos vemos nele. Paz (apud REZENDE, 2000, p. 13) afirma, “ao nascer, fomos arrancados

da totalidade,” confirmando o pressuposto anterior, pois após o seu nascimento o homem é

inserido num sistema de valores, crenças, normas e costumes: a cultura.

Mas parece que não estamos afastados só da natureza, Damergian (2001, p. 106)

afirma que “as condições de vida que criamos, ao nos afastarem de nossa subjetividade, nos

afastam de nossa humanidade e, conseqüentemente, do outro”. Assim, afastados do outro, é

que as relações sociais se estabelecem baseadas no egoísmo, exploração e dominação.

O pai de Dona Iraci trabalhava como mineiro da Mina Quatro que hoje já não

existe mais, pois foi desativada. Viúvo e com doze filhos para criar, ele casou-se novamente.

Dona Iraci ganhou uma madrasta. Há quinze anos ele, o pai, faleceu vítima de câncer de boca.

Após a desativação da mina a área passou a ser o lixão da cidade e da vizinhança,

posteriormente, se tornou o bairro Renascer, local onde vive a Dona Iraci.

A sociedade que não cuida e não ama os seus filhos, materializou-se na figura da

madrasta de Dona Iraci e, desse modo, ela ficou desamparada, sujeita a toda sorte de violência

real e simbólica: pobreza, desemprego, assalto, etc. Sem o benefício da urbanidade, que se

refere à “decência, cortesia e distinção”, segundo o filósofo francês Mattei, (2000 apud

DAMERGIAN, 2001, p. 97), Dona Iraci era uma excluída!

Segundo Damergian, enfrentar e superar as adversidades próprias à construção da

subjetividade não é tarefa nada fácil, mesmo quando se tem uma mãe amorosa, continente,

porto seguro, ponto de apoio para impulsionar o crescimento encorajado pela interação com

um meio “favorável”, o que dirá, então, de um processo marcado pelas condições totalmente adversas criadas pela mãe-sociedade, como temos visto, incapaz de amar e acolher seus filhos, disseminadora de inveja, ambição, ódio, indiferença, que projeta sua persecutoriedade e sua culpa sobre seus filhos-membros, atribuindo-lhes a responsabilidade pelos seus fracassos, pela sua exclusão, pela sua eliminação? (DAMERGIAN, 2001, P. 112-113).

Freud (1976, apud DAMERGIAN, 2001, p. 105-106) chamou nossa atenção “para

a importância do amor pelos outros” como única maneira de transformar o “egoísmo em

8 Simbiose: Associação de dois seres vivos, vida em comum. (SILVEIRA BUENO, 2000).

Page 24: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

altruísmo”. Entretanto, Damergian (2001, p. 106) lamenta o fato de não termos aprendido a

“lição”, pois “as condições de vida que criamos, ao nos afastarem de nossa subjetividade, nos

afastam de nossa humanidade e, conseqüentemente, do outro.” Quer dizer, o modo de viver

individualista nos afasta do outro e não permite que o reconheçamos como ser humano e por

não reconhecer o outro como ser humano também não vemos em nós mesmos a nossa

humanidade. Desse modo, o afastamento do mundo dos sentimentos, a falta de estimulação ao seu aspecto amoroso, à pulsão de vida, libera o lado negativo desse mundo interno, a destrutividade, o que existe de pior no ser humano, o seu egoísmo, a sua inveja, ambição, narcisismo, busca de satisfação de seus desejos em detrimento do desejo do outro. (DAMERGIAN, 2001, p. 105).

Assim, podemos pensar a subjetividade como uma tarefa a ser concluída

remetendo a Dreyfus & Rabinow (1995, p.239 apud PRADO FILHO e MARTINS, 2007, p.

6): “[...] Temos que promover novas formas de subjetividade através da recusa deste tipo de

individualidade que nos foi imposta há vários séculos” porque, segundo Prado Filho e Martins

(2007, p. 6), é preciso que o saber psicológico supere a praxe centrada no sujeito e busque

“dar conta da singularização”. Pois, enquanto as atuais formas de subjetivação assujeitam, isto

é, dominam, tornam dependente, “a singularização apresenta-se como estetização de si

visando resistir a esta maquinaria moderna de produção da subjetividade e da identidade

individuais, construindo novas formas de vida e de ser.” (PRADO FILHO e MARTINS,

2007, p.6).

No dizer de Paz (apud REZENDE, 2000, p.17) “o sentido da história somos nós,

que a fazemos e que ao fazê-la, nos desfazemos. A história e seus sentidos terminarão quando

o homem se acabar.” Esta reflexão remete a uma relação entre o passado, presente e futuro

como possibilidade de ruptura, pois a partir da crítica aos velhos padrões cria-se a abertura

para os novos.

2.1.5 A Subjetividade nas Marcas Deixadas pelo Trabalho Infantil e Referências Sociais

No contexto social das mulheres entrevistadas a utilização da mão-de-obra infantil

como recurso barato não era pensada em termos críticos e, às vezes, até era entendida como

favor ou solidariedade, por ambas as partes: “eu comecei a trabalhar com nove anos (...) Na

casa dela, trabalhei com ela, cinco anos. Ela era professora...” (Dona Iraci, abril/2008). A

infância de todas as entrevistadas foi marcada pelas adversidades, trabalho e pobreza: [...] uma vida de muita dificuldade, minha infância foi de muita dificuldade, de muito trabalho, nóis só não pedia esmola (...) depois a mulher me chamou pra

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trabalhar com ela, porque me achou muito caprichosa, novinha, que ela disse que não se conformava de eu ser tão novinha e tão limpa. Aí ela me chamou pra trabalhar com ela, aí eu trabalhei cinco anos... ela me dava de tudo, de tudo. Ela me dava roupinha, eu saí dali que foi uma princesinha da casa dela, ela me vistia de tudo. Ela me pagava pouquinho, ela me pagava um cruzeiro por mês. Eu ganhava um cruzeiro por mês, mas ela me vestia de tudo, dinheiro era só pra minha mãe, ela dava direto pra minha mãe. (DONA IRACI, abril/2008).

Essa história parece refletir o desejo de ser uma princesinha dos contos de fada. A

menina boazinha, caprichosa, serviçal, também sonhou com o mundo perfeito e feliz para

sempre das princesas. Na estória “A Gata Borralheira” fica-se diante de dilemas humanos

trazidos pela realidade como: morte da mãe, aquisição de nova família, diferenças sociais,

olhar dos responsáveis, amizade, amor e ódio. A menina pobre, um dia, se vestiu igual a uma

princesa. Como bem disse Damergian (2001), no tempo e no espaço os absurdos sociais se

tornam visíveis, pois enquanto Criciúma e os mineradores da região “cresciam”, Iraci também

crescia, porém, para entrar no mundo real dos “lobos” e das “bruxas”.

Na vida das outras mulheres entrevistadas a história sempre se repete: “Olha a

gente era bem pobre. E eu também tinha que trabalhar pra ajudar os pais.” (DONA

ERUNDINA, abril/2008); e repete: Oh daquele tempo atrás assim a gente não tinha infância né? (...) Era muito trabalhado (...) Com nove anos eu eu já trabalhava (...) conheci uma professora que ela era muito querida. Meu pai era da lavoura, aí ele fazia assim prantação, coisa assim, né? (DONA JOANA, abril/2008).

A repetição insiste porque é uma história social. Por isso, a memória chama para o

âmbito da linguagem aquilo que não faz sentido ainda, pois “na palavra encontra-se a

possibilidade do recomeço” (COSTA,1998, p. 1): Aí trabalhemo ali de novo de derrubar mato, tirá lenha. Eu lembro que meu pai ficou doente, deu aquela febre amarela. Minha mãe também teve um aborto. Eu que trabalhava pra sustentá a casa. (...) eu tinha uns treze anos. Catorze, eu acho. (DONA ZULMIRA, abril/2008).

Como demonstrado, segundo os vários autores já citados, a subjetividade é costurada ponto a

ponto a partir das relações com o outro, e sempre começa pela mãe ou adulto cuidador. A

cada trama, poder-se-ia dizer, surge uma nova configuração, que embora inspirada pelo outro

é, sempre, singular. Em cada ponto ficam impressas as marcas deixadas pela interação social,

conforme Figura 2, que dá sentido à fala de Dona Erundina (2008): “(...) porque a gente é

empregada na casa dos outros, então tudo que a minha patroa me dava eu trazia e botava nos

lugarzinhos.”

Page 26: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

FIGURA 2 – DECORAÇÃO DA CASA DE DONA ERUNDINA.

Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.

Segundo Costa (1998), as elites representantes dos modelos sociais, culturais e

institucionais desempenham papéis referenciais na construção da subjetividade e, desse modo,

deixam suas marcas:

D. Iraci: “eu aprendi muito como empregada doméstica.”

Dona Erundina: “[...] Aí tudo que ela (a patroa) não queria, ela assim: aí Dina não

quéis levar? E eu trazia. E ia gostando.”

D. Joana: “[...] porque eu sempre trabalhava na... de empregada na casa dos outros

né? E a gente aprende bastante coisa boa, também, né?”

D. Isaura: “Ah eu trabalhava fora, né? Eu trabalhava na casa do... ali no centro,

então, eu arrumava lá, e arrumava a minha casa também, né?”

2.2 O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

Quando nos colocamos pela primeira vez diante de um entorno uma complexa

rede de mecanismos fisiológicos e psicológicos entra em ação instantaneamente para nos

permitir captar, aspirar e planejar sobre ele: como ele é, o que podemos encontrar e fazer nele

(POL, s/d). Como resultado ocorre uma surpreendente manifestação de processos físicos

Page 27: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

(corporal), metafísicos (transcendente) e metafóricos (simbólico), conscientes ou

inconscientes.

Portanto, não é difícil compreender que o ambiente desempenha um papel

importante na “experiência e no comportamento humano”, uma vez que “toda conduta tem

lugar sempre e necessariamente em um contexto ambiental” e, “tanto pessoa como entorno se

definem dinamicamente e se transformam mutuamente ao longo do tempo como aspectos de

uma unidade global.” (VALERA; POL; VIDAL, s/d, p. 1). No entanto, isso não é o mesmo

que dizer que o ambiente determina o comportamento humano porque, conforme o argumento

defendido por esses autores, ambiente e ação humana acontecem um para o outro,

reciprocamente. Para eles o que ocorre é uma interação entre a(s) pessoa(s) e seu(s) entorno(s)

dentro de um contexto social, cujos resultados são “produtos psico-socio-ambientais.” (p. 3).

Assim, o termo ambiente empregado nesse trabalho, de acordo com os

pressupostos teóricos da Psicologia Ambiental (VALERA; POL; VIDAL, s/d, p. 12),

refere-se ao espaço sociofísico no qual ocorre o imbricamento das propriedades tanto físicas

como sociais em sua “inter-relação com o comportamento,” de tal modo, que é impossível

compreender umas sem as outras.

A Psicologia Ambiental, portanto, está interessada em estudar o valor emocional

(o significado) do espaço para um indivíduo ou grupo inserido num entorno físico-social onde

as influências mútuas ocorrem ao longo do tempo num processo dinâmico e em constante

mudança.

Entende-se na Psicologia Ambiental que espaço, desprovido de valor emocional, é

só um espaço, porém, no exato momento em que se atribui um significado para um espaço

vazio (de sentido) este se torna um lugar e, desse modo, ele fica impregnado dos atributos

físicos, metafísicos e simbólicos do sujeito que o significou, pois, segundo Pol (s/d, p. 48),

ocorre ali um fenômeno natural, “embora intencional em alguma medida”, denominado

apropriação.

Desse modo, sustenta-se que o fenômeno da apropriação está diretamente

relacionado à identidade de lugar (place identity) (PROSHANSKY, 1978 apud

GONÇALVES, 2002). Porque esta passa a ser um elemento específico do “eu” do sujeito por

meio de uma complicada trama “de idéias conscientes e inconscientes, sentimentos, valores,

objetivos, preferências, habilidades e tendências comportamentais referentes a um entorno

específico.” (POL, s/d, p. 51).

Lugar, para Canter (1977, 1976 apud POL, s/d, p. 48), é definido como um

produto resultante das “ações, concepções e atributos físicos do espaço”. Portanto, o

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significado, ou seja, o valor emocional do espaço, do lugar vai além da sua função específica,

pois ele “resume a vida e as experiências públicas e íntimas.” (POL, s/d, p. 45).

Isso significa dizer, por exemplo, que um quarto não se resume a um cômodo da

casa onde se dorme, nem nas suas quatro paredes com uma cama e um móvel para guardar as

roupas, dispostos em um canto qualquer, pois um quarto pode assumir o lugar de um retiro

espiritual ou de um lugar sagrado, um oratório: “[...] (no quarto) faço minha oração, eu rezo.

É onde eu fico mais né? Porque qualquer coisa, eu vou pro quarto, né?” (DONA

ERUNDINA, abril/2008).

Desse modo, o espaço apropriado é um espaço recriado, concreta e

simbolicamente, pois nele o sujeito imprime a sua logomarca pintada em tons emotivos e ao

recriá-lo o sujeito é modificado por ele, ou seja, o fenômeno da apropriação é um processo de

ação-transformação recíproca entre entorno e sujeito.

Corroborando o argumento acima, Petit afirma: “nos apropriamos do espaço, mas

o espaço se apropria de nós.” (1976 apud POL, s/d, p. 48), pois na verdade o espaço como um

nada a priori passa à condição de lugar ao receber do sujeito apropriante uma marca pessoal,

uma logomarca, algo que não se pode imitar ou transferir para outrem. Isso corresponde à

idéia de recriar, refazer o “outro” diferente daquilo que ele era no princípio, isto é, um nada.

Essa noção de apropriação como uma via de mão dupla surgiu no contexto da

psicologia social fenomenológica e de raízes marxistas e culturalista. (POL, s/d). A

Fenomenologia descarta a dicotomia sujeito-objeto em favor de uma relação de intercâmbio

entre eles.

Entretanto, para Marx, que originalmente criou o conceito (GRAUMANN 1976

apud POL, s/d, p. 46), “a apropriação se relaciona com o conceito de alienação”. Pelo trabalho

o homem se realiza. Definido pelo autor, trabalho é uma ação transformadora do homem

sobre o “mundo exterior que produz objetos materiais e imateriais.” (p. 46). Alienação, por

sua vez, ocorre quando o sujeito não se identifica com os objetos produzidos por si mesmo.

De acordo com Pol (s/d, p. 46), para Marx a apropriação tem dois sentidos basais:

“apropriação como possessão da natureza, do produto, por parte do ser humano; e apropriação

como processo histórico”, este último ocorrendo em três níveis: Coletivo, Histórico-individual

e Histórico do sujeito. De acordo com Pol, no nível coletivo a cultura agrega tudo o que seus

antepassados desenvolveram; no nível histórico-individual todo indivíduo agrega nele próprio

o desenvolvimento de seus antepassados e no nível histórico do sujeito o indivíduo antes de

“apropriar” não é o mesmo que depois de “apropriar”. (s/d, p. 46).

Assim, para Lefebvre (apud POL, s/d, p.46) “a apropriação é um processo

Page 29: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

importante contra a alienação”, a não identificação, pois a apropriação não é tanto externa,

mas pertence à esfera do cotidiano, ao íntimo e, portanto, relaciona-se com a privacidade, a

intimidade, attachment (apego), com a vida privada do dia-a-dia.

Gonçalves (2002) concebeu a apropriação do espaço também por meio da síntese

poética. Para a autora “a poética seria uma dimensão humana comum a todos os homens em

que a pessoa transcende a própria história e o próprio tempo.” (GONÇALVES, 2007, p. 39).

Assim, de acordo com a autora, essa experiência ocorre não em um tempo comum, mas em

um tempo psicológico ativado, livre e instantaneamente, por um objeto poético.

Nesse momento poético, em que o sujeito vai além de si mesmo, ele se

transforma, pois vê no objeto poético a síntese de si mesmo. Porque o significado dessa

experiência falará de suas delícias e amarguras, prazeres e repúdios, esperanças e frustrações,

fé e dúvidas, amor e dor vivenciados ativamente com o todo o seu corpo, seja consciente ou

inconscientemente. Ou, como diz Bachelard: “A poética seria um produto direto do coração.

Fala de alma e de espírito como duas dimensões da subjetividade, no sentido de que o espírito

estrutura o poema e a alma faz devaneios.” (1998a apud GONÇALVES, 2007, p. 43).

Dessa forma, buscou-se compreender o processo de apropriação do espaço

ocorrido na periferia de Criciúma/SC. Nesse processo, cultura, grupo, subjetividade, corpo e

ação constróem-se mutuamente numa trama em que o cenário, enquanto ambiente físico e

simbólico, também atua ativa e indissociavelmente tornando, por vezes, impossível distinguir

uns dos outros.

Nesse sentido, a conceituação do espaço neste trabalho parte de um referencial

multidisciplinar envolvendo disciplinas como, por exemplo, a Geografia, a Arquitetura e a

Psicologia, esta última em suas vertentes social e ambiental.

As mulheres entrevistadas chegaram ao bairro quando este ainda era o local onde

se depositava o lixo da cidade; seja quando o “lixão” ocupava a área central e adjacências do

bairro, ou após, quando passou para uma área mais retirada e menor. Nas palavras de Dona

Iraci (abril/2008): [...] porque tinham doado os terrenos pra nóis e quando eles doaram era só lixo. Aí depois é que os caminhão viero e botaro aterro. Aí botaro aterro, botaro carvão embaixo do lixo, depois botaro terra por cima do carvão. Aqui embaixo: só carvão.

Nessa época, ali não havia acolhimento, habitação, tudo o que tinha era muito

lixo, insetos, roedores, fedor, pirita9, rejeito de carvão e uma estrutura de concreto que dava

sustentação à caixa d’água da mina desativada. A mina quatro. Mina Quatro também foi o 9 Pirita: Sulfureto de ferro, empregado na fabricação de ácido sulfúrico. (SILVEIRA BUENO, 2000)

Page 30: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

primeiro nome do bairro.

Mas, “em qualquer lugar onde haja seres humanos, haverá o lar de alguém – como

todo o significado afetivo da palavra” (YI-FU TUAN, 1980, p. 130): [...] aí viemo tudo práqui, prá debaxo da caxa d’água. Nóis não tinha condições de pagá aluguel. (...) Não tinha marido. (...) Ali era só lixo. Não tinha água, não tinha luz. Na peça que nóis morava era do tamanho de um quartinho, assim. Mais não tinha porta nem janela. Só tinha uns buraco, assim. E tinha porta, assim, mais não era colocada, a porta. (DONA ZULMIRA, abril/2008).

Contudo, a vida no lixão a experiência mais simples se tornava um desafio. Dona

Zulmira (abril/2008) contou a sua história evocando do passado vivências por demais

humanas e demasiado desumanas: “[...] A gente ia fazer comida, se tu levantasse a tampa da

panela assim, tu não comia mais, era só mosca. (...) e a catinga do lixo? Credo! E eu enfrentei

aquilo tudo...”. Ultrapassando todas as determinações Dona Zulmira fez dali o seu lar.

Dona Iraci chegou ao bairro depois de ter morado em muitos outros lugares em

busca de abrigo e de trabalho para sustentar a si e aos seus filhos. Estava em busca da

realização de um sonho: ter um lugar para chamar de seu. Um abrigo. Uma casa própria. Um

direito violado por muito tempo: Ah, eu vim aqui pro bairro com muito sacrifício! Eu fiz inscrição lá na Santa Luzia, fiz inscrição no Pedregal, fiz inscrição na Boa Vista, fiz inscrição em tudo quanto era lugar. Depois eu fui na prefeitura (...) porque eu estava grávida desse meu minino, aí eu pedi pelo amor de Deus que ele me cedesse uma casinha porque eu estava sozinha e eu trabalhava pra sustentá esses meus 3 filho. (DONA IRACI, abril/2008).

As palavras de Dona Iraci apontam particularmente para a questão política do

direito à moradia e ao trabalho. Surpreende o fato de pessoas passarem quase uma vida toda

em função de adquirir a casa própria. A casa, que por um lado é “sonho” a ser

incansavelmente perseguido, por outro, constitui-se em oportunidade de especulação

imobiliária e estratégia política em época de eleição. Como diz Damergian (2000, p. 104): “e

pensar que o espaço privado, o lugar próprio, o preservar-se do olhar perscrutador do outro, o

direito à vida digna são aspectos importantes para a subjetividade...”.

E, visto que viver na cidade depende principalmente do acesso à moradia, pois

“além da saúde, da renda e da educação, a habitação é também um elemento básico que

constitui um “mínimo social”, que habilita os indivíduos e os grupos sociais a fazerem outras

escolhas ou a desenvolver suas capacidades.” (CARDOSO, 2007, p. 1).

Entretanto, Valadares vai além ao afirmar que “não há cidadania que sobreviva ao

desabrigo; para consegui-la é necessário que o homem seja capaz de produzir para seu próprio

sustento.” (2000, p. 88). O autor se refere à possibilidade de o sujeito promover a sua

Page 31: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

manutenção no mundo, no “con-texto e na situ-ação”, ou seja, possibilidade real diante da

totalidade que envolve o sujeito no lugar aonde ele age. Pois, “para se sustentar, nem sempre

o sujeito é um cidadão.” (p. 88). Porque, segundo Soalheiro, “há a lei e aquilo que não se

consegue com a lei.” (1998 apud VALADARES, 2000, p. 88), como, por exemplo, a situação

de Dona Zulmira: “Eu queria era trabalhá e dá o quê comê pra eles (netos e filhas) né? Não

queria deixá eles passá fomi.”

Da perspectiva de Gonçalves (2007, p. 44-45), “a casa diz respeito à condição

humana (pois) o homem, tanto em nível concreto como simbólico, precisa do abrigo da casa

(...) onde possa sonhar, refazer suas forças, alimentar-se da seiva da vida como uma segurança

de estar abrigado, protegido.” A autora está se referindo à condição universal de sentir-se em

comunhão com o outro.

Padece-se de solidão por estar só no abrigo único do seu corpo e sofre-se de

desamparo por ter que assumir sozinho a responsabilidade de toda a sua existência, mesmo

estando-se em meio à multidão. No dizer de Paz, “a solidão é o fundo último da condição

humana... O homem é nostalgia e busca de comunhão. Por isso cada vez que se sente a si

mesmo se sente como carência de outro, como solidão.” (apud REZENDE, 2000, p. 12). Pois

o outro ao mesmo tempo em que é complemento é espelho que nos auxilia na tarefa de

suavizar o nosso desamparo.

Assim, pode-se pensar a casa a partir de suas dimensões concretas e simbólicas,

ou seja, como objeto construído e desejado intensamente por oferecer proteção contra as

ameaças da natureza e dos outros homens, e também, como objeto poético que faz

“transcender o tempo comum”, na tese de Gonçalves (2002).

Em outras palavras, uma casa é chão, é parede, é telhado, é porta e é janela, mas é

também um espaço infinito para nele projetarmos nosso jeito de ser, de sentir e de agir,

“porque a casa é nosso canto do mundo.” (BACHELARD, 1993, p. 25); porque “a casa vista

como abrigo, como protetora, também é o lugar de nossos sonhos. É nela que o sujeito cria

seus lugares mais íntimos. Em busca da casa vamos todos nós.” (GONÇALVES, 2007, p. 44).

Infere-se, portanto, que para o ser humano o abrigo é mais do que simplesmente

suas propriedades físicas, concretas, mas que possui também um significado simbólico, seja

este, consciente ou não.

O geógrafo Yi-Fu Tuan (1980) também demonstrou a relação entre o mundo e os

significados a partir das experiências corporais humanas e, para isso criou os conceitos de

Topofilia e Topofobia. O primeiro, topofilia, o autor o definiu como o “elo afetivo” que liga

uma pessoa ao lugar ou ambiente físico, e o outro, topofobia, equivale ao oposto.

Page 32: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

Da perspectiva de Tuan (1983 apud RABINOVICH, 2004) espaço se refere a duas

forças capazes de produzir modificações do estado de repouso ou de movimento de um corpo

e as denominou “lugar” e “espaçamento ou espaciosidade”. Lugar se relaciona com os valores

básicos de afeto; espaçamento ou espaciosidade corresponde ao uso livre do espaço para nele

se projetar, seja no sentido concreto ou simbólico (p. 59). A partir da sensação e da percepção

das cores, das formas, dos odores, do prazer, o sujeito por sua ação-transformadora, modifica

as paisagens visíveis do lugar e modifica a paisagem de seu mundo interno expressas pelas

marcas deixadas e pelas formas de ser e agir, respectivamente.

Corroborando com o argumento de Tuan, Gonçalves (2002) afirma que o espaço

possui três dimensões: uma social, onde ocorrem as interações do indivíduo com os outros e

consigo mesmo; outra cultural, em que os sistemas de crenças e valores são introjetados por

meio da dimensão social; e outra simbólica na qual elabora e repara as experiências boas e

ruins. Resumindo, o espaço teria o que a autora chama de dimensão sócio-cultural e

simbólica entrelaçadas entre si.

Portanto, o entorno faz parte do meio social visível, real e o ambiente é a

experiência vivida concretamente pelo sujeito, é concreto, palpável, mas é também etéreo e

imaginário, pois “é onde ele trabalha, constrói sua casa, faz sua poética, constrói laços, apega-

se, sente-se pertencente a um lugar, sonha, transforma.” (GONÇALVES, 2002, p. 20).

Espaço, entorno e lugar seria, então, o cotidiano do sujeito e do grupo social

declarado em seus aspectos físico, cultural, social, espiritual e psíquico. Sujeito, mundo,

cidade, bairro, rua, calçada, casa, sujeito. Uma relação que se amplia e se estreita num

movimento contínuo de tecer incessantemente, segundo após segundo, uma história através

dos sentidos da visão, olfato, tato, audição e pele, contextualizada a partir da cultura.

Para Gonçalves (2002), para compreender os processos psicossociais da

apropriação é necessário considerar os processos cognitivos, afetivos, simbólicos, interativos

e estéticos que dependem das relações, das influências mútuas e das transações entre as

pessoas, grupos sociais e/ou comunidades e seus entornos sociofísicos, ligados ao modo de

agir, de morar. Porque o fenômeno da apropriação relaciona-se com o processo de

identificação, pois permite ver-se a si mesmo no “outro” e nele reconhecer-se enquanto ser

humano, porém, diferenciando-se dele, ou seja, retomando Paz, o “outro seria complemento e

espelho”: Aí, nóis escolhendo lixo achei uma perna duma pessoa... Porque daí começaro a se revoltá porque tavo trazendo perna de gente, e não pudia trazer aquilo ali. Ainda pessoa que tinha morrido de trombose, tudo cortado, dedo, era perna, era braço, era tudo jogado ali no lixão? Nóis tudo ali no meio daquilo ali? (...) Aí nóis tudo se revoltemo: era aborto era tudo, aborto! A minha filha, ali do outro lado do valo,

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achou um menino dentro duma caixa de papelão enrolado com uma toalha mais uns lençóis, assim enrolado, um menino a coisa mais do bonitinha, porque tava morto... Aí, a turma se revoltaro tudo. Aí, nóis parava o caminhão e não dexava mais ir. (Dona Zulmira, abril/2008).

Embora vivessem do lixo e no lixo não se viam como lixo. Aqueles “espelhos”

despedaçados refletiram uma realidade, porém, ao contrário destes, sabiam-se vivos. E, desse

modo, como vivos, levantaram-se contra aquela situação. Reivindicaram, lutaram e venceram

a batalha. Transformaram aquele lugar e assim transformaram-se a si mesmos. Conforme

Valadares disse: “o sujeito não abandona, nunca, a busca de seu lugar (...) esta busca é sempre

um fazer, uma ação singular, sempre transformadora do ambiente, dito natural.” (2000, p. 86).

Destarte, pode-se associar o atual nome do bairro, Renascer, ao renascimento da

Fênix, a ave queimada da mitologia grega. Em vez de renascer das cinzas, os moradores dali

renasceram da pirita, do lixo, do descaso, da humilhação e da miséria. A área, enquanto

ambiente degradado, ou seja, também enquanto espelho do homem, renasceu do fogo do

enxofre e pela ação coletiva foi transformada. Segundo Gonçalves (2002), pela ação sobre o

entorno a pessoa e a comunidade transformam o espaço deixando os rastros de suas ações,

isto é, as suas marcas e o incorporam a seus processos de razão e emoção de uma forma ativa

e atualizada.

A luta travada naquele bairro teve muitas mulheres à frente da batalha. As cinco

mulheres entrevistadas tinham filhos, duas tinham marido. Mulheres Guerreiras, como as

Amazonas, que pertencem a uma sociedade matriarcal em um mundo dominado pelos

homens. Como guerreiras genuínas é que essas mulheres do bairro Renascer/Mina Quatro

empunharam as armas que estavam ao alcance de suas mãos para defenderem o seu lugar

contra as ameaças presentes nas regras de relacionamento humano criadas pela cultura: Tentaro invadir comigo aqui dentro! Aí, eu peguei um facão que eu tinha desse tamanho e enfrentei, né! É meu e eu não vou dar pra ninguém! (...) Então, eu tive que reagir da minha espécie pra não perder o que era meu, porque eu era sozinha e tinha 3 filhos, né? (DONA IRACI, abril/08).

O ser social produzido a partir do acesso à cultura se colocado em situação

extrema pode reagir acionado pelas forças mais primitivas, no caso, pelo instinto de vida.

Dona Iraci foi buscar no instinto de sua espécie a força para defender o seu espaço social, no

caso, a sua casa.

Para Gifford (1987, p. 137 apud VALERA; POL; e VIDAL, s/d, p. 45) o

comportamento de Dona Iraci traz em si o fenômeno da territorialidade definida por ele como um padrão de comportamentos e atitudes mantido por um indivíduo ou grupo baseado no controle percebido, intencional ou real de um espaço físico definível,

Page 34: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

objeto ou idéia e que pode conduzir à ocupação habitual, à defesa, à personalização e à sinalização deste.

Desse modo, o ser humano, assim como muitos outros animais, precisa marcar

seu território, porém, faz isso de um modo muito mais complexo, pois essas marcas não

servem apenas para lhe auxiliar na orientação espacial, mas servem também para preservar a

sua identidade diante de si mesmo e dos outros. (POL, s/d). Portanto, marcar o território

envolve defesa, comportamento relacionado a um lugar e controle por parte do indivíduo ou

grupo.

Como se pode observar na Figura 3, o que antes era um lixão hoje é um bairro. O

que antes era uma camada de rejeito, de lixo e de aterro e uma área totalmente mutilada,

degradada, de aspecto frio, morto, cadavérico, feio e fedorento, povoada por ratazanas,

baratas, morcegos, corujas e moscas, hoje é um bairro. Se as crianças não tinham proteção

contra essa forma desumana de sobreviver, hoje elas podem brincar num ambiente mais limpo

e mais saudável.

Conforme Damergian (2001, p. 103) salientou: “preocupamo-nos com a violência

que mata, mutila, rouba. E não com a violência psíquica, social, afetiva que nos rodeia [...]”

como no exemplo dado por Dona Zulmira (abril/2008): [...] vivia que era uma ferida só, daquele lixo, era uma dó aquele guri, (...) bebezinho, (ela) saía correndo pra dá de mamá pra ele no lixo, chegava lá ela com a mão que era só lixo, aquela nojera né? Porque nóis catava tudo ali, ali vinha tudo, né? Ele só dizia: mãe, mamá! Ele mesmo só puxava e depois saía pelado naquele lixo, Graças a Deus nunca ficaro doente”.

Percebe-se assim que a ação coletiva e transformadora vai muito além da

possessão e do domínio da natureza, pois aqui, transformar-se significou também tornar-se

digno, conforme também demonstra a Figura 3. A área passou por um processo de

transformação coletiva no dia-a-dia que trouxe benefícios essenciais àquela comunidade:

“água tem, esgoto tem, luz tem. posto de saúde tem...” contou feliz, a Dona Isaura (2008) ao

falar das mudanças ocorridas ali.

Page 35: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

FIGURA 3 – CRIANÇAS BRINCANDO NAS RUAS DO BAIRRO.

Foto: Diego Destro – abril/2008.

Depreende-se, portanto, que o fenômeno da apropriação do espaço se relaciona

com o processo de identificação com o lugar, em que os espaços são apreendidos, não

somente através dos órgãos sensoriais, mas pelas vivências temporais do cotidiano em dado

contexto cultural.

Como já foi dito, o processo de apropriação se relaciona com a identidade de

lugar, ou seja, o lugar passa a ter um significado para o indivíduo que o incorpora à identidade

do eu, isto é, à sua própria identidade, por meio de processos cognitivos, afetivos, simbólicos,

interativos e estéticos. (GONÇALVES, 2002).

Psicologicamente falando, segundo Canter (1988 apud CORRALIZA, 2000, p. 6)

“um lugar se caracteriza por constituir não só uma estrutura física, senão também por

constituir o continente no qual se desenvolvem os indivíduos.” Como ficou exemplificado na

fala de Dona Iraci (2008): “E aqui foi a minha vida.”

Entretanto, as mulheres entrevistadas ainda não se apropriaram do bairro em si,

pois não o freqüentam. Às vezes, vão “só a igreja”, como disse Dona Joana. Porém, algumas

delas estão em processo de apropriação, como observado no exemplo: [...] um dia eu fui no centro e... eu tava lá no banco, lá no Itaú, perto do Santo

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Antônio (rua). Aí, tinha um cara falando do nosso bairro, daí eu disse pra ele assim: não adianta tu falá do nosso bairro, nosso bairro lá é bom, e tem outra: tudo conté lugar tem ladrão, tudo conté lugar tem maconheiro... tudo, tudo conté lugar tem bandido (...) Defendi o bairro. Eu disse: tu não pode tá falando, às vezes, no teu bairro tem muita gente pior que o nosso. (DONA ZULMIRA, abril/2008).

A fala de Dona Zulmira traz as proposições de Pol (s/d) sobre a territorialidade

humana na relação da pessoa, do grupo e do entorno sociofísico mais próximo. Para esse

autor, defender seu território é um dos indicadores de apropriação.

Naquele bairro, Dona Zulmira e as outras entrevistadas ocupam um lugar, uma

morada. A casa como abrigo tem o sentido de proteção. Depois de um dia de luta deseja-se

voltar para o aconchego da casa. Resguardar-se do olhar do outro.

Segundo alguns autores (GONÇALVES, 2007 e VALADARES, 2000) voltar para

casa pode ser considerado simbolicamente retornar ao útero10, à caverna aonde emergem os

sentimentos mais primitivos de proteção e aconchego. No dizer do poeta e filósofo Bachelard

(1993, p. 26), a gente se reconforta ao reviver lembranças de proteção. A gente volta na

imaginação, com a “solidariedade da memória,”, às antigas moradas para recarregar as

energias e buscar calor, alimento e descanso. Convívio, força e contentamento. Sem a casa “o

homem seria um ser disperso (...) porque ela é o nosso canto do mundo” (BACHELARD,

1993, p. 24). A casa é a nossa referência no espaço, disse o poeta.

Entretanto, quando a prefeitura de Criciúma fez o loteamento da área e cadastrou

as famílias para distribuir os lotes, muita coisa ainda precisava ser feita, como disse Dona

Iraci (abril/2008): “A casa não tinha telhado, não tinha nada, né? E não tinha janela, não tinha

nada, eu dormia com isso aqui tudo aberto, pois não tinha nada. Vinha só pra cuidar e com

velinha acesa”, pois também não tinha água encanada, energia elétrica, esgotamento sanitário,

etc.. Do mesmo modo, aconteceu com Dona Isaura “entremo sem janela, sem porta, sem nada.

(...) Porque nóis trouxemo foi só a cama e a rôpa do corpo”. E, com Dona Iraci, também:

“porque a parte de lá (quem fez) foi a COHAB, mas sem parede sem nada entende? (...) mais

aqui era uma trabalheira quando eu vim morar aqui”. Isso remete a Lynch (1965 apud

CORRALIZA, 2000, p. 3) quando diz que uma das causas da sensação de mal estar nas

cidades consiste na “rigidez (da cidade), sua falta de sinceridade e de franqueza.” Ou, como

disse Damergian: a ideologia dominante, além de manter os desfavorecidos a distância, quando lhes “oferece”, generosamente, algum tipo de “benefício” este é de tal forma empobrecido e destiuído de condições que impossibilita o rompimento do círculo

10 Simbologia do útero, conceito utilizado por Gonçalves (2007) em seu livro Cidade e Poética e por Valadares (2000) no artigo Qualidade do espaço e habitação humana.

Page 37: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

vicioso da pobreza. (2001, p. 101).

Esse espaço novo e vazio oferecido pela administração municipal era precário e

de difícil identificação, pois as casas populares são todas iguais. Então, foi necessário

reformar a casa, torná-la habitável. Reformar a casa pode significar, nesse caso, modificar,

melhorar, reformar a própria vida.

Fizeram-se os arranjos necessários, como a colocação de paredes, telhados, pisos,

portas e janelas, etc., porém, de tal forma, que em cada casa percebem-se as diferenças

reveladoras das características de seus moradores. A isto se chama na Psicologia Ambiental

de fenômeno da personalização, que é a ação de diferenciar o que é seu daquilo que é do

outro, dotando-o de significado e sinais que refletem a sua personalidade e também favorecem

os sentimentos de apego e de pertença ao lugar.

Transformaram aquele espaço vazio em moradas do coração. E, como dito

anteriormente, depois de apropriada a casa passa a ter um significado emocional: “significa

tudo pra mim. Pra mim significa tudo. Eu defendi com unhas e dente, guria”, disse Dona Iraci

(2008). E, a Dona Joana também: “eu adoro, é ruimzinha assim mais eu gosto bastante [...]”.

De acordo com Cavalvante (2004, p. 134), o homem cria “arranjos interiores”

para seus espaços construídos, a fim de atender às suas necessidades e desejos. A porta, por

exemplo, seria um desses arranjos. Ao cerrar a porta, cria-se um isolamento pessoal,

intencional; ao abri-la, busca-se o contato com o outro. Ou como bem se expressou Dona

Erundina (abril/2008): [...] eu gosto é da porta (risos). Na frente de casa. Da porta dá de espiar o quê que acontece (risos). (...) Porque passa muita gente, ás vezes, gente conhecida, às vezes, gente que não conhece, né? Às vezes conversa com um, conversa com outro e assim a gente passa o dia (risos).

Dessa maneira, Dona Erundina se abre para interagir com os outros pela porta da

frente. A expressividade da fala dessa senhora de 77 anos revela o grau de apreço que ela

sente pelos seus vizinhos e abertura para os desconhecidos. A porta, segundo Cavalcante

(2004, p. 137), também é “um indicador da alma humana porque o homem investe nela

individualidade e sentimentos”, porque abrir ou fechar a porta expressa o desejo de interagir

ou não, respectivamente, com os semelhantes.

Contudo, o simbolismo da casa é quase tão infinito quanto os sonhos e os desejos

humanos: ”Aí, ele me ajudou a fazer uma casinha, aí dali só fui crescendo”, disse Dona

Erundina (abril/2008). Portanto, a casa não é só “lugar”, é também alavanca para as outras

conquistas que a luta pela sobrevivência impõe. A casa também é sonho a ser realizado: “Meu

Page 38: a produção da subjetividade e a apropriação do espaço na periferia

maior sonho que eu realizei foi ter a minha casa”, disse Dona Iraci (abril/2008).

A casa em si mesma é um objeto poético que carrega consigo outros objetos

poéticos, conforme se vê na Figura 4.

FIGURA 4 – A CASA DE DONA IRACI

Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.

Por meio do processo de apropriação os afetos são materializados, revelando o

mundo vivido pelo sujeito O espaço, então, deixa de ser vago e abandonado e passa a ter

sentido e valor, ou seja, o espaço adquire status de lugar no qual o sujeito projeta suas

características pessoais.

Materializar afetos, segundo Gonçalves (2002) é tornarem palpáveis os

sentimentos e as comoções. Desse modo, ao observar a figura anterior, se percebe que a frente

da casa de Dona Iraci fala de muitas coisas como, por exemplo, de natureza. O mato

(natureza) esteve presente nas lembranças de Dona Iraci por várias vezes quando se referiu à

sua infância. Na sua casa, ela o recriou.

O mato de Dona Iraci, conforme se vê na Figura 5 e Figura 6, faz a sua síntese

poética, pois ela recriou o “seu” mato fornecendo ao ambiente do presente elementos poéticos

impregnados de valor emocional extraídos da sua memória ambiental, isto é, da natureza,

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vivida por todo o seu corpo, que mesmo infantil naquela época é o mesmo corpo que fala

ainda hoje ao exteriorizar suas vivências.

FIGURA 5 – CANÁRIO DO REINO, HÁ QUINZE ANOS ELE ESTÁ COM DONA IRACI.

Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.

Desde criança Dona Iraci aprendeu a cuidar. Cuidou dos irmãos, dos doentes, do

“outro”. Suas vivências lhe capacitaram a dedicar seu tempo, sua companhia, seu amor ao

“outro”. Por isso, o carinho e a dedicação de Dona Iraci pelo seu passarinho compõem a sua

fala: Quinze anos ele tem ali, mais eu compro vitamina, eu compro remédio, eu compro tudo. Eu vou na farmácia, vou na agropecuária e compro tudo pra ele, pra ele ficar ali óh. (...) Corto a unha dele (que) se não cortá, aí ele engalha ali e ele pode morrer, né? (...) meu passarinho, eu levanto de manhã eu chamo ele, ele já me responde, já assubeia. O peixe já vem direto me dá um beijo aqui no vidro (...) então, eu gosto de tudo que é bom da vida. Principalmente verdes. Verdes eu adoro. (DONA IRACI, abril/2008)

Hoje, nesse “seu” mato, Dona Iraci faz uma ponte permanente entre o passado e o

presente. Por meio dessa ponte ela transita em um tempo interno infinito que lhe fala direto ao

coração e dá sentido à sua fala: “Minhas filhas, às vezes, dizem: Oh, mãe tira um pouco desse

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matagal! Eu digo: Não senhora, deixa ali, que enquanto eu converso com elas eu tenho vida.”

(DONA IRACI, abril/2008).

FIGURA 6 – PEIXINHO DE ESTIMAÇÃO DE DONA IRACI.

Foto: Lílian Motta Gomes, abril/2008.

Durante a entrevista, Dona Iraci deixou transparecer uma preocupação constante

com a alimentação e em seus relacionamentos sociais ela sempre faz questão de cuidar das

refeições. Ela disse que adora ficar na cozinha, ou seja, cozinhar para os outros. Visto que

alimento remete a nutrição, infere-se que a subjetividade de Dona Iraci é constituída também

pelo desejo de nutrir, de alimentar e fortalecer os outros afetivamente, não deixar faltar o

cuidado, o carinho, a proteção.

Na figura 6, percebe-se também a capacidade de cuidado e interação dessa

senhora que além da limpeza e da ração para o seu peixinho, tratou de decorar a “casinha”

dele com um retrovisor, que reflete a luz do dia causando um efeito especial dentro do

aquário; um “amiguinho” (o peixinho artificial preto e branco); e flores. A sábia Dona Iraci

diz: “Então, eu gosto de tudo que é bom da vida.”

Do mesmo modo, também Dona Zulmira reproduziu o cenário que habita sua

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memória ambiental (Figura 7).

FIGURA 7 – O QUINTAL DA CASA DE DONA ZULMIRA

Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.

A natureza também está presente na história de Dona Zulmira e começa com um

tempo em que se vivia no campo plantando e colhendo: “Lá era assim, roça né? Prantava,

colhia (...) Ficava eu, o pai, o Tiãozinho (irmão) nesse lugar, lá no meio do mato.” Parece

impossível relatar a história de vida sem falar do ambiente natural que serviu de cenário e

palco.

Segundo Gonçalves (2007), o mundo social e o natural já vêm representados no

sujeito e por isso a contemplação da natureza é sempre uma contemplação compartilhada. O

peixinho que dá beijo, o passarinho que responde ao seu chamado assoviando, estas são

relações de carinho, reciprocidade, reconhecimento e gratidão, estabelecidas com os

elementos da natureza.

Do mesmo modo, na parede onde fica a pia da cozinha de Dona Zulmira, ela

colocou um painel, Figura 8, que achou no lixo. Ele não está ali por acaso, mas porque lhe é

significativo. Da pia, ao olhar para a paisagem, Dona Zulmira se transporta diretamente para

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um tempo interno em que sentimentos e lembranças emergem instantaneamente.

FIGURA 8 – A NATUREZA TRAZIDA DO LIXO PARA A COZINHA DE DONA ZULMIRA.

Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.

A natureza e o homem estarão sempre juntos, principalmente, quando o assunto

for as coisas do coração e da alma, mesmo que faltem as palavras para representar a emoção.

Mesmo que sobrem as palavras para fazer falar o coração.

Para Dona Isaura não foi diferente (Figura 9). Ela também, de certa forma, recriou

seu passado e o trouxe para o seu presente: “Gosto de ter minhas flor. Gosto de ter minhas

paisagem. Eu gosto (...) que lá na colônia a gente tinha né?”.(DONA ISAURA, abril/2008).

No quintal, na frente e na calçada da casa de Dona Isaura têm muitas flores. Nos fundos da

casa tem uma horta.

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FIGURA 9 – A PAISAGEM CRIADA POR DONA ISAURA.

Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008.

Uma vez Dona Isaura vendeu a casa onde mora há quase trinta anos, e o resultado

dessa experiência revela que é no plano simbólico que estão as raízes da apropriação: “[...]

cheguei lá, não gostei, fiquei doente.” Isso remete a Pol (s/d, p.51): “a criação de um sentido

de lugar a partir do que o espaço simboliza e reforça a própria identidade, gera uma

resistência à mudança, pelo menos a mudanças radicais”. Daí, só restou para Dona Isaura a

possibilidade da volta ao lar: “ainda bem que a mulher destrocou de volta.”

Os espaços uma vez apropriados vão sempre e infinitas vezes contar uma história

particular, embora esta tenha sido vivida no meio social, pois a pessoa lança-se sobre o espaço

apropriado criando uma identificação com o espaço de modo a revelar-se nele como, por

exemplo, na Figura 10. O pilão foi feito sob a encomenda do marido de Dona Erundina e em

várias ocasiões é solicitado para as festas para fazer a paçoca. Isso faz pensar na autonomia do

ator que cria e atua no próprio cenário, como sugeriu Goffman (1959 apud POL, s/d).

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FIGURA 10 – PILÃO DA CASA DE DONA ERUNDINA.

Foto: Lílian Motta Gomes – abril/2008 .

Segundo Barbey, arquiteto e professor, (1976 apud POL, s/d, p. 48), “o modo de

apropriação de cada família e de cada indivíduo depende dos modelos culturais, relações

sociais, formas e estilo de vida.”

Pela interação simbólica o sujeito e o grupo se reconhecem no entorno e definem

sua própria identidade. De acordo com Blumer, o Interacionismo Simbólico sustenta-se no

seguinte silogismo: 1 O ser humano orienta seus atos em função dos objetos que têm significado para ele; 2 O significado desses objetos surge a partir da interação social que cada pessoa mantém com as demais; 3 Os significados se manipulam e se modificam, através de um processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao enfrentar os desafios da vida cotidiana. A

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partir dessa perspectiva, o significado é um produto social, uma criação que emana da interação. A utilização do significado pela pessoa implica um ato interpretativo. Isso quer dizer que o sujeito, ao apropriar-se do significado, tenta compreendê-lo, analisá-lo, avaliá-lo. Dessa forma, não é apenas uma simples cópia de significados preestabelecidos, como também um processo formativo, no qual os significados são utilizados como instrumentos para a orientação e a formação da ação. O sujeito vai agir no coletivo, ou mesmo no individual orientado por signos, símbolos e objetos que o dirigem para interagir com o espaço e com outros sujeitos. A figura central desse espaço é o sujeito que cria ou recria os significados; por isso, faz-se necessária sua contextualização tanto física (espaço físico) quanto histórica. (1982 apud GONÇALVES, 2002, p. 19).

Desse modo, os significados dos objetos são construídos a partir das interações

sociais estabelecidas num cenário dinâmico onde as respostas ou oposições dependem das

interpretações dos outros e das próprias.

Depreende-se, portanto, que a apropriação do espaço ocorre, primeiro, pela

ação-transformação exercida pela conduta comportamental de modificação que favorece a

adaptação por meio da significação, e depois, pela identificação com o significado criado que

se constitui em um componente simbólico.

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3 CONCLUSÃO

A maioria das famílias das mulheres entrevistadas moradoras no bairro

Renascer/Mina Quatro, veio para Criciúma numa época em que o sistema político econômico

vigente, autoritário e excludente, obrigou as famílias do campo a migrarem para a cidade em

busca de melhores condições de vida, porém, sem oferecer a elas as condições básicas de

infra-estrutura. Sem a possibilidade de acesso nos locais apropriados ficaram excluídas da

cidade, às margens, na periferia, inseridas num contexto sócio-cultural e ambiental bem

diferente daquele que elas conheciam.

As mulheres entrevistadas, que naquela época eram crianças e adolescentes,

também tinham a difícil tarefa de construir a si mesmas, internamente, a partir do outro que

lhe é semelhante, porém, distinto, ou seja, precisavam empreender a construção da própria

subjetividade.

Nesse processo se percebeu, pelas marcas psicológicas impressas pelas interações

sociais, que a cultura já traz em seu bojo um projeto de subjetividade a ser desenvolvido pelo

sujeito. Estas marcas surgiram da impossibilidade de acesso aos serviços básicos de saúde,

educação, ao emprego e à moradia digna. Através delas o sofrimento causado pelas perdas

materiais e afetivas, pelo desabrigo, alienação, preconceito e pela fome tornaram-se mais

visíveis. Contudo, perceberam-se também aquelas deixadas pelos gestos maternos que

ensinaram o compartilhamento, a solidariedade.

As mães foram percebidas como principal ponto de sustentação para as

entrevistadas, cujas marcas refletem as ligações afetivas pautadas no cuidado com o outro, no

trabalho árduo, no enfrentamento sadio frente às adversidades da vida. Perceberam-se,

também, essas mães como veículo de reprodução cultural, porém, mais do que repetir

conteúdos culturais elas apontaram possibilidades de mudanças.

De modo contrário, no papel simbólico de madrasta, a sociedade deixou cicatrizes

da exploração trabalhista, da humilhação social, do desamparo e do abandono moral. Nessa

relação não teve espaço para experiências de compreensão, acolhimento, proteção,

sustentação e favorecimento para o desenvolvimento das capacidades e habilidades pessoais.

Assim, a sociedade se mostrou incompetente e inadequada ao favorecimento de relações

humanizadas, revelando a necessidade de se promover novas formas de vida que venham a

difundir novos modelos de subjetividades que levem a sério “os vínculos de amizade,

hospitalidade, cortesia, honra, lealdade, fidelidade” (COSTA, 1998, p. 5), enfim, de amor

pelos outros, como única maneira de “transformação do egoísmo em altruísmo”, como disse

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Freud (apud DAMERGIAN, 2001, p. 106).

Enfrentar vários desafios e superar as adversidades fez parte da história de vida

das mulheres entrevistadas, pois a partir de lutas concretas e simbólicas elas foram à busca de

suas casas.

A casa se mostrou como objeto concreto, porém, para servir de abrigo ao objeto

simbólico. As ações na casa se mesclaram em atividades objetivas e simbólicas, entretanto,

estas, se constituíram no elo entre o passado e o presente que acionam os afetos que falam

diretamente ao coração.

A casa também apareceu como sonho a ser realizado e como força impulsionadora

para o crescimento pessoal, um “trampolim” que facilita o impulso para cima, em direção ao

encontro consigo mesmo.

A apropriação das casas também se deu através da poética, e assim, cada uma a

seu modo, materializou os seus afetos fornecendo ao seu entorno elementos impregnados de

valor emocional extraídos de um passado que foi vivido de corpo e alma. Pela poética

retornam à natureza e se reintegram à totalidade do ser, infinitas vezes.

O fenômeno da apropriação de um espaço tão hostil e desprovido de valor sócio-

emocional só foi possível pelo entrecruzamento da ação-transformadora, que age, avalia,

rejeita e modifica, com a identificação simbólica, por parte dos sujeitos; e, as relações

interpessoais criadoras de significações, pois assim um espaço oco, inóspito e sem sentido foi

transformado em um lugar significativo.

Defender seu espaço significou também defender a própria vida. Foi assim com

duas entrevistadas que, com foices e facões, enfrentaram os homens da prefeitura municipal e

os estranhos que ameaçaram invadir suas casas. Segundo Pol (s/d), estando-se em situação de

extrema insegurança, o sujeito desenvolve estratégias para defender o seu território.

Desse modo, as mulheres entrevistadas, defenderam, mas também, reformaram

suas casas e ao fazerem isso reformaram as suas próprias vidas. Dotaram seus entornos de

significações: plantaram arbustos e flores; estamparam suas marcas e abriram suas portas para

o convívio e para as trocas sociais.

A apropriação mostrou não só os modos de vida, hábitos e costumes das famílias

e das pessoas entrevistadas, mas acima de tudo, revelou os sentimentos empregados na

formulação dos seus espaços e nas (re) construções realizadas em seus íntimos. Também,

deixou descobertas as marcas produzidas pelos padrões sociais de interação, apontando para

a necessidade de alternativas mais humanas.

Desse modo, a compreensão do processo de apropriação do espaço mostrou-se

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estar atrelada à produção da subjetividade, pois em cada ação e em cada afeto percebeu-se a

singularidade de cada uma das entrevistadas, sem deixar escapar suas características coletivas.

Os resultados apontam, também, para a necessidade de políticas públicas de

habitação que considerem as necessidades individuais e não apenas as coletivas; e de um

planejamento urbano eficiente que atenda as necessidades das populações vinda das zonas

rurais.

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