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Aprender e Ensinar Diferentes Olhares e Prticas

Chanceler Dom Dadeus Grings Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor Evilzio Teixeira Conselho Editorial Ana Maria Lisboa de Mello Elaine Turk Faria rico Joo Hammes Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jane Rita Caetano da Silveira Jernimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy Presidente Jos Antnio Poli de Figueiredo Jurandir Malerba Lauro Kopper Filho Luciano Klckner Maria Lcia Tiellet Nunes Marlia Costa Morosini Marlise Arajo dos Santos Renato Tetelbom Stein Ren Ernaini Gertz Ruth Maria Chitt Gauer EDIPUCRS Jernimo Carlos Santos Braga Diretor Jorge Campos da Costa Editor-Chefe

Organizadoras: Maria Beatriz Jacques Ramos Elaine Turk Faria

Aprender e Ensinar Diferentes Olhares e Prticas

Porto Alegre, 2011

EDIPUCRS, 2011Rodrigo Valls Julia Roca dos Santos e Fernanda Lisba Rodrigo Valls

A654

Aprender e ensinar : diferentes olhares e prticas [recurso eletrnico] / organizadoras Maria Beatriz Jacques Ramos, Elaine Turk Faria. Dados eletrnicos. Porto Alegre : PUCRS, 2011. 299 p. ISBN 978-85-397-0076-9 Modo de acesso: World Wide Web: 1. Educao. 2. Aprendizagem. 3. Pedagogia. 4. Professores FormaoProfissional.I.Ramos,MariaBeatrizJacques.II.Faria, Elaine Turk. CDD 370

SumrioApresentao.........................................................................................7 Prefcio..................................................................................................9 I A DOCNCIA NO CENRIO CONTEMPORNEO Tecnologia educacional e digital no cenrio contemporneo.......13 Elaine Turk Faria A pesquisa em sala de aula interlocuo entre teoria e prtica: uma crtica na trama necessria.........................................................26 Maria Waleska Cruz Autoestima: relao professor e aluno...........................................42 Maria Beatriz Jacques Ramos Aspectos do desenvolvimento neuropsicolgico e a prtica educativa..............................................................................................57 Eva Chagas Educao inclusiva: algumas consideraes................................76 Themis Silveira Lara Autoria de pensamento e construo de conhecimento: uma questo de aprendizagem...................................................................87 Paula Falco Cruz Altas habilidades e superdotao: desafios docncia..............97 Elis Regina Fogaa Silveira Subjetividade: o limite na aprendizagem.......................................113 Carolina Farias, Kelly Martini A agressividade no cotidiano escolar............................................126 Maria Beatriz Jacques Ramos

II HISTRIAS SOBRE O APRENDER E O ENSINAR Uma proposta de ensino sobre o tema sexualidade para a educao de jovens e adultos..................................................................................141 Ingrid Alves, Valderez Marina do Rosrio Lima e Rosana Maria Gessinger Roda cultural de leituras freireanas e a experincia do dilogo por meio dos dirios de aula...................................................................150 Ana Lcia Souza de Freitas, Ana Lcia Castro Brum, Berenice Alvares Rosito, Angela Aparecida do Nascimento, Caroline Martins Pereira de Sales, Diana Schuch Bertoglio, Fernanda dos Santos Paulo, Luana Galdina da Fontoura Vieira, Margarete Francisca Cruz, Marina da Silva Sanes, Maria Elisabete Machado, Rosngela Pereira de Oliveira e Tas Schmitz Intervenes psicopedaggicas e os avanos da neurocincia..170 Eva Cavasotto e Eva Chagas A rvore da sabedoria: uma histria para professores..................186 Renata Vanin da Luz Projeto pedaggico: uma trajetria sobre o aprender e o ensinar na educao infantil................................................................................200 Luciana Aparecida Florentino e Jos Florentino O resgate do adolescente em situao de vulnerabilidade social: as possibilidades da ao educativa um relato de experincia......215 Juliana dos Santos Rocha e Marlise Silva Lemos

APRESENTAOO ttulo deste livro Aprender e Ensinar: Diferentes Olhares e Prticas tem duas motivaes: uma delas apresentar a contribuio de alguns docentes e alunos egressos, da Faculdade de Educao da PUCRS para os acadmicos da Pedagogia e das Licenciaturas; a outra torn-lo instrumento de trabalho nas aulas da graduao, medida que trazumadiversidadedetpicosquecontribuemnaformaodosprofissionais da rea da Educao. Esta produo caracteriza-se por temas contemporneos desde o uso da tecnologia digital, a pesquisa em sala de aula, a incluso escolar, os estudos da neurocincia e da afetividade, que tornam viveis os laos com o conhecimento, bem como as prticas realizadas com crianas, jovens e adultos em espaos formais e no formais de ensino e de aprendizagem. O livro expressa reflexes e experincias, ousando mostrar os pontos de vista e os referenciais que sustentam, em parte, o trabalho realizado na formao de novos professores. A proposta de transformar ideias em textos encantadora medida que tem como estmulo o pblico alvo, professores e novos professores, para que percebam a importncia das aes e dos compromissos que assumem ao trabalhar com o ser humano em contextos educativos. Naprimeiraparte,ostextostmreflexessignificativassobrea sociedade contempornea, altamente tecnolgica e digital, com implicaes nas prticas escolares do ensino fundamental. Alm disso, promovem interlocues entre teoria e prtica como necessidade formativa dos profissionais da rea educativa, mostrando que as relaes professor e alunos podem suscitar frustrao ou gratificao, reforando a percepodarealidade,asexpectativaseidentificaespessoais.Tambm soressaltadasasmodificaesnocrebro,medidaquetodosaprendemdesdequesejamconfiguradasestratgiasquepotencializemacapacidade cerebral. Nesses captulos so apresentadas novas abordagens para lidar com o humano, com as contingncias e transformaes sociais que afetam a educao. Compreender a diferena, a incluso numa sociedade que exclui, exige que reconheamos nossas fraquezas, medos e inseguranas, ao mesmo tempo se assegura o lugar de normalidade,

por isso precisamos nos reportar importncia da subjetividade construo dos limites, das interaes que levam agressividade e alteram a constituio pessoal e social do sujeito. Na segunda parte, destacam-se experincias que tm como objetivo compartilhar a compreenso sobre o dilogo freireano, exercido com o apoio dos dirios de aula, compartilhados em roda de formao docente, contribuindo na transformao das participantes e de suas experincias em diferentes contextos. Ainda, apresenta-se o estudo de casodeumameninacomdificuldadesdeaprendizagem,destacandose a importncia do conhecimento sobre a neuroplasticidade para um acompanhamento psicopedaggico; o valor do planejamento por meio de projetos pedaggicos, que tem por meta uma aprendizagem mais significativaparaosalunos.Nofinal,humareflexosobreumaexperincia com adolescentes expostos a violncia, com vulnerabilidade social e familiar. Desse modo, os autores lanam a provocao da (re)descoberta denovaspossibilidades,ousimplesmentederefletircomprofundidade sobre o cotidiano das escolas, visando a melhoria do processo de ensinar e de aprender. Maria Beatriz Jacques Ramos Elaine Turk Faria

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PREFCIOO correr da vida embrulha tudo, a vida assim: esquenta e esfria, aperta e da afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente coragem. Guimares Rosa

Aceitei o convite para escrever o prefcio deste livro Aprender e Ensinar: Diferentes Olhares e Prticas, mobilizada pela coragem das autoras organizadoras Maria Beatriz Jacques Ramos e Elaine Turk Faria em enfrentar o correr da vida e desinquietas, resgatarem a educao como prtica social e, nessa dimenso, situar temas to fundamentais ao campo da formao de professores. Frequentemente me pergunto para quem e para onde vo nossos escritos, nossa pesquisa, nossa experincia do trabalho com o conhecimento e as teias de relaes construdas com nossos estudantes e com nossas colegas. Registro que no se trata de uma pergunta retrica, e sim de uma busca de sentido para o trabalho cotidiano que partilhamosnasocializaoderesultadosedereflexesdovivido.Enfim,svezesmepercebocomasensaoestranhadeprocuradesse sentido para discutir as questes que envolvem a formao de professores. Tenho conscincia que essa discusso fonte inesgotvel e que so muitos os veios que a alimentam em uma insacivel necessidade de compreend-la. Nesse processo de busca de compreenso que inquieta e que pergunta, e que muitas vezes tambm sossega, a dialogicidade torna-se um imperativo de aprendizagem para professores e estudantes, disponibilidade para o dilogo na concepo freireana, como possibilidade humana e opo democrtica nas relaes humanas, histrica e culturalmente produzidas pela intencionalidade de efetiv-lo. E como difcil o exerccio da escuta, escuta no como uma tcnica, e sim como uma potencialidade humana a ser desenvolvida, para articular professores e estudantes em movimentos de relaes humanas ticas e solidrias.

Situadanessecontextodeinquietaes,buscaseescutasfiza leitura dos artigos desse livro. O prprio ttulo me mobilizou para a leitura e adentrou em minhas inquietudes como uma possibilidade dialgica de problematizar o ato educativo em sua multidimensionalidade, com temticas to conhecidas e sempre to embrulhadas no correr da vida, e com outras temticas trazidas pela emergncia de uma sociedade em transio paradigmtica. Trago do lugar de onde escrevo professora de Didtica e pesquisadora da formao de professores tambm a experincia pessoal demeconstituirprofessoraedepoispesquisadora,oquenosignifica que o princpio epistemolgico da pesquisa que a dvida, a inquietude com o conhecido, no tivesse habitado em mim a professora iniciante da dcada de setenta. E tenho muito vvidas em minha memria afetiva marcas dos momentos em que aprendi com meus alunos a ter muitas dvidas e muitas inquietudes. A pesquisa stricto sensu veio depois, como necessidade de formalizao, e importante referncia de minha profissionalidade. Marcas estas que trago hoje como um sentimento positivo de pertena a um lugar e a pessoas que me ensinaram e que me ensinam valores da produo do conhecimento entremeados de inquietudes, solidariedade, esttica,alegria,desencantos,conflitos,retomadaseescutas. As autorias nos trazem relaes conceituais, tematizaes e problematizaes que precisam adentrar no percurso de formao de nossos estudantes, como tambm em nosso percurso de formao permanente,assentadanaafirmaodelvaroVieiraPinto,dequesecapaz de ensinar a Escola que for capaz de aprender. A insero de egressos do Curso de Pedagogia e de Psicopedagogia, com professoras com experincia reconhecida por seus pares, vitaliza o prprio curso e fortalece nosso ofcio de ser professora em uma posio epistemolgica-poltica que prioriza um princpio democrtico em que a diferena, alm de uma questo cultural, uma questo de contedo tico. Diferena como uma categoria vital de contedo tico e do debate acadmico como uma condio de possibilidade instituinte da produo de conhecimento na direo de um conhecimento prudente para uma vidadecente,talcomoafirmaBoaventuraSantosequematerializada nos diferentes olhares e prticas.10

Esta foi minha possibilidade de leitura, minha busca e minha produo de sentido para o trabalho apresentado neste livro, consciente de que O correr da vida embrulha tudo, a vida assim: esquenta e esfria, aperta e da afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente coragem. Cleoni Maria Barbosa Fernandes (Pesquisadora do Centro de Estudos de Educao Superior da Faculdade de Educao da PUCRS)

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I A Docncia no Cenrio Contemporneo

TECNOLOGIA EDUCACIONAL E DIGITAL NO CENRIO CONTEMPORNEOElaine Turk Faria1 1. Introduzindo a temtica Com frequncia, lemos nos jornais, revistas e na literatura cientficaatualoquantonossosjovensestofamiliarizadoscomatecnologia etmfacilidadenoseumanuseio.VeemeVrakking(2009)denominam os jovens desta poca de gerao Homo zappiens, que cresceu usando mltiplos recursos tecnolgicos desde a infncia. Para estes autores, a gerao Homo zappiens digital e a escola analgica. Reforando essa posio, Marc Prensky, educador americano, escreveu um artigo em 2001 sobre osNativos digitais e imigrantes digitais, em que faz uma diviso entre aqueles que vem o computador como novidade e os que no imaginam a vida antes dele, (...) sendo que os nativos digitais tm contato com a tecnologia logo aps o nascimento (MELLO eVICRIA,2008).

Esta situao, vivenciada na sociedade contempornea, tem implicaes tanto nas escolas de educao bsica quanto nas InstituiesdeEnsinoSuperior(IES),poisesteonovoperfildosestudantes e dos acadmicos. Consequentemente, os cursos de licenciatura, onde se inclui tambm o curso de Pedagogia, tm de preparar os futuros professores para atuarem neste contexto. Destarte,justifica-seainclusodestecaptulonumlivroquepretende aprofundar temticas relacionadas educao, aprendizagem e docncia no cenrio contemporneo. O objetivo deste texto apresentar um estudo sobre as possibilidades e necessidade de utilizao da tecnologia digital nas instituies de ensino, bem como da introduo da cultura tecnolgica entre alunos e professores, onde se inclui a educao a distncia e as disciplinas semipresenciais no ambiente acadmico.Pedagoga Supervisora Escolar, Doutora em Educao. Professora Titular da Faculdade de Educao da PUCRS e Coordenadora da Coordenadoria de Cursos de Extenso da PUCRS. [email protected]

Elaine Turk Faria

2. Fundamentao legal para a utilizao da tecnologia na educao A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional incentiva a introduo das tecnologias nos diferentes nveis do ensino de tal forma queoeducandoapresentedomniodosprincpioscientficosetecnolgicos que presidem a produo moderna (art. 36 da LDB n. 9.394/96). Em decorrncia da LDB, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) da Educao Bsica tambm lanam os princpios da organizao curricular do ensino fundamental e do ensino mdio, determinando queA base nacional comum dos currculos do ensino mdio ser organizada em reas de conhecimento, a saber: linguagens, cdigos e suas tecnologias; cincias da natureza, matemtica e suas tecnologias; cincias humanas e suas tecnologias (art. 10 da Resoluo CNE/CEB n. 03/98).

Note-se o destaque dado s tecnologias (grifo nosso). J em relao ao ensino superior, alm da utilizao das Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC), h orientao no sentido de que se utilize a Educao a Distncia (EAD) em cursos totalmente virtuais na graduao (Decreto Fed. 5.622/05, que normatiza o art. 80 da LDB) ou em disciplinas denominadas semipresenciais por utilizarem parte presencial e parte a distncia em seus currculos (Portaria MEC 4.059/04). Muitas IES tm aproveitado esta possibilidade de virtualizar parte das disciplinas do currculo, incluindo em seus projetos pedaggicos dos cursos de graduao as disciplinas semipresenciais em diferentes modelos, ou seja, integral ou parcialmente a distncia. Segundo a Portaria 4.059/04, entretanto, o total de carga horria das disciplinas a distncia no pode ultrapassar a 20% (vinte por cento) da carga horria total do curso. Alm disso, ainda conforme a mesma Portaria, estas disciplinas deveroIncluir mtodos e prticas de ensino e aprendizagem que incorporem o uso integrado de tecnologias de informao e comunicao para a realizao dos objetivos pedaggicos, bem como prever encontros presenciais e atividades de tutoria.

De acordo com a legislao supracitada, tutoria implica na existnciadedocentesqualificadosemnvelcompatvelaoprevistonoprojeto14

Tecnologia educacional e digital no cenrio contemporneo

pedaggico do curso, com carga horria especfica para os momentos presenciais e os momentos a distncia. Aanlisedalegislaovigentesugereumareconfiguraodotrabalho docente, tendo em vista a sociedade da informao e do conhecimento. Assim, para a realizao das atividades a distncia na modalidade semipresencial, os docentes necessitam de formao tecnolgica e capacitao paraatuaoemAmbientesVirtuaisdeEnsinoeAprendizagem(AVEA). Existem diversosAVEAs e as IES podem escolher dentre os ambientes disponveis no mercado o que melhor atender a sua proposta pedaggica e tecnolgica. A maioria delas tem optado pelo ambiente virtual MOODLE (Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment), por ser uma plataforma free que permite a criao de novas funcionalidades (atividades e recursos), alm do acompanhamento e tutoria do processo de ensino e aprendizagem virtual. Desta forma, atende-se a caracterizao da modalidade semipresencial descrita na Portaria referenciada,como quaisquer atividades didticas, mdulos ou unidades de ensino e aprendizagem centrados na autoaprendizagem e com a mediao de recursos didticos organizados em diferentes suportes de informao que utilizem tecnologias de comunicao remota.

Destaca-se aqui a expresso auto-aprendizagem e tecnologias de comunicao remota significando uma nova modalidade de aprendizagem que exige autonomia e responsabilidade estudantil, alm da cultura de comunicao virtual e no-presencial. Este o grande diferencial! Alm de dominar a tecnologia h que se habituar comunicao virtual, auto-organizao do tempo e das atividades, utilizao do computador e da Internet na realizao dasatividadesestudantis,enfim,umanovamodalidadedeensinarede aprender; novos olhares, novas prticas! 3. Caractersticas do aluno e do professor tecnolgico Diversas tecnologias so utilizadas h muito tempo, tanto na educao bsica como no ensino superior, como, por exemplo, o mimegrafo,ordio,oretroprojetor,oprojetordeslides,ateleviso,enfim,os15

Elaine Turk Faria

recursos foram sendo atualizados e as inovaes surgiram, mas continuamos a ensinar com os recursos tecnolgicos. S que passamos das lminas do retroprojetor escritas a mo com caneta especial, no plstico, para as digitadas no computador e, posteriormente para a reproduo em PowerPoint e projetadas no datashow. Em vez do mimegrafo surgiu o Xerox. Do quadro-negro passamos ao verde e ao quadro digital interativo (e-Beam). Os docentes apontavam os detalhes na tela com uma caneta de cabo comprido ou com uma rgua e agora com a caneta laser. O ensino por correspondncia transformou-se na Educao a Distncia (EAD), com os recursos da Tecnologia Digital (TD) e, consequentemente, surgiram novos paradigmas para ensinar e aprender. Para acontecer a atualizao dos recursos tecnolgicos em sala de aula presencial, dois requisitos so fundamentais: a aquisio dos recursos e a capacitao docente para seu uso. Na base destes dois critrios est a vontade, o incentivo atualizao, a percepo da necessidade de formao continuada e o tempo para construir novos referenciais e recursos didticos suportados pela tecnologia. Algumas sugestes de materiais, ambientes e atividades educacionais com a utilizao de recursos tecnolgicos foram apresentadas por esta autora em publicao anterior (FARIA, 2009), mas cada vez mais surgem novos recursos e ambientes, alguns deles criados para lazer e entretenimento, mas que tambm podem ser utilizados para aprendizagens educacionais, como o caso do Second Life, do Orkut, do YouTube, do Blog, do Facebook e outros. O emprego da tecnologia no processo de ensino e aprendizagem exige planejamento, acompanhamento e avaliao da tecnologia selecionada,afimdecontextualiz-laaotipodealuno,aosobjetivosda disciplina, ao modelo terico-referencial educacional adotado. Portanto, a tecnologia educacional deve auxiliar o aluno na sua aprendizagem enodificultarcomotambmdevepropiciarmelhorescondiesde ensino e no assustar ao professor, j to sobrecarregado de atividades educacionais. No entanto, sabemos que o incio de uma nova atividade sempre difcil, por isso deve ser implantada aos poucos, passo a passo, para ter sucesso. Enfatiza-se aqui a necessidade de iniciar sensibilizando e capacitando professores para o uso das TIC e das TD, bem como da EAD. Depois, estes docentes, por sua vez, aplicando adequadamente estas16

Tecnologia educacional e digital no cenrio contemporneo

tecnologias, sensibilizaro e ensinaro seus alunos a aderirem e a se movimentarem bem neste contexto tecnolgico. Desta forma, faremos no s a incluso digital desta parcela da populao que encontrar alunos nativos digitais em suas futuras aulas, como tornar-se-o usurios conscientes da importncia da aplicao da tecnologia na educao, pois ela j est inserida na sociedade em diversas atividades cotidianas, como no uso do carto de crdito e dbito para realizar compras,celularesparaacomunicao,TVdigitaleDVDparaentretenimento, e tantos outros instrumentos e recursos tecnolgicos utilizados na vida cotidiana pelos cidados na sociedade digital atual. Muitos dos alunos e professores universitrios ainda so oriundos das escolas em que a aula expositiva e o trabalho em grupo so as metodologias mais utilizadas em sala de aula, em que a presena fsica do mestre marcante para a orientao aos trabalhos e direo do estudo. Com a criao dos ambientes virtuais de ensino e aprendizagem para as disciplinas semipresenciais ou totalmente virtuais, por exemplo, surge uma nova proposta de estudo, na qual o estudante precisa ter autonomia para administrar seu tempo mas, flexibilidade de horrio no significa perder o prazo para a realizao das atividades e independncia para estudo individual, sem a presena fsica do professor, mas acompanhado pelo monitoramento desenvolvido pelas ferramentas doAVEA e pela mediao pedaggica do professor. Um dos objetivos e vantagens das disciplinas semipresenciais e doscursosadistnciaapossibilidadedeflexibilizarohorrioeoespao estudantil, permitindo que o aluno realize as atividades em casa (ou em qualquer lugar que tenha computador com acesso Internet, como lan house ou cyber caf), sem necessidade de comparecer na instituio de ensino no horrio da aula, realizando, outrossim, as atividades em seu prprio ritmo. No entanto, a ausncia da temporalidade relacionada ao espao-tempo pode ser uma vantagem e no um insucesso na aprendizagem desde que o aluno entenda que as aulas esto disponveis no ambiente, mas que ele precisa saber administrar seu prprio tempo e ritmo de aprendizagem. Por outro lado, a facilidade do no comparecimento do aluno naIESnosignificaqueamesmaseeximaderesponsabilidadeem disponibilizar laboratrios com acesso Internet aos seus alunos. Ao17

Elaine Turk Faria

contrrio, significa que estes alunos possam buscar estes espaos em horrios alternativos, que melhor lhes convier, para a realizao das atividades virtuais. Para a concretizao das atividades de aprendizagem propostas noAVEA,comooMOODLE,necessita-sedoperfildeumalunomaisativo, interativo, autnomo, com iniciativa, que saiba trabalhar individualmente, e que consiga ler e escrever no computador, ou seja, se comunicar virtualmentesemestarfixadonadependnciadapresenadoeducador,do espaofsicodefinidoedotemporgidopr-estabelecido.Essascaractersticas precisam ser aprendidas e reforadas para que o estudante se desprenda da postura de aprendiz dependente do professor. Alm destas caractersticas, o estudante familiarizado com o ambiente virtual um aluno mais amadurecido, auto-organizado, motivado, questionador, investigativo, navegador pela Internet, colaborativo, que sabe ler tutoriais, trocar informaes, dar sugestes, expressar suas ideias adequadamente no ambiente virtual e organizar sua agendadeestudo,semanecessidadedacobranadoprofessor,mas sentindoapresenavirtualdoeducador,denominadadeestarjunto virtual,porValente(2002)A implantao de uma abordagem de EAD que permite a construo de conhecimento envolve o acompanhamento e assessoramento constante do aprendiz no sentido de poder entender o que ele faz, para ser capazdepropordesafioseauxili-loaatribuirsignificado ao que est realizando. S assim ele consegue processar as informaes, aplicando-as, transformando-as, buscando novas informaes e, assim, construindo novos conhecimentos. Esse acompanhamento consiste no estar junto do aluno de modo virtual, via internet (p.143).

Deduz-sedestapropostadeValentequeoperfildoeducador tecnolgico de sucesso daquela pessoa familiarizada com a tecnologia, cuidadosa na utilizao de materiais com direitos autorais, mas que atualiza os textos a disponibilizar aos discentes para estudo e debate, propedesafios,criasituaes-problemaseatividadessignificativasde aprendizagemvariadascomusodasTDedoAVEA,sempreacompanhando sua realizao, instigando a discusso, orientando a construo18

Tecnologia educacional e digital no cenrio contemporneo

do conhecimento do aluno e fornecendo feedback constante. Em virtude deste acompanhamento constante e no s no perodo da aula presencial o professor virtual acaba estando mais presente virtualmente, ou seja, um estar junto virtual que marca o apoio docente ao aluno. Assim como o estudante, o professor tambm tem que aprender a ler, a escrever e a se comunicar virtualmente com o aluno e, principalmente, saber avaliar a escrita pessoal e colaborativa do educando, evitando que haja plgio, pois a Internet facilita o copia-e-cola. O apoio das tecnologias e da Internet nas atividades educativas , sem dvida, de valor inestimvel, mas deve ser bem dimensionada e avaliada. Cabe ao aluno buscar mais, independente do mnimo exigido, dedicar-se ao estudo, mesmo na ausncia do educador e cooperar e colaborar com os colegas,oquenosignificafazerasatividadesporeles. Essa maior dedicao do aluno na EAD tambm sentida pelos docentes que precisam buscar novas formas de apresentar o contedo, de interagir com os alunos e de avaliar as atividades realizadas. A atitude de busca de novas formas de ensinar pode ser apoiada pela descoberta de usos pedaggicos da tecnologia j experimentados por colegas, criando um ambiente de trocas e comunicao entre os docentes. Cabe,ainda,aoprofessorproporleituraseatividadesnoAVEA, sem necessidade de imprimir textos, o que ecologicamente correto, avaliando os conhecimentos prvios dos estudantes sobre o tema em estudo, mediando e interagindo para acompanhar a construo do conhecimento e ainda propondo atividades caracterizadas como ps-aula, com a funo de complementar o trabalho pedaggico para a compreenso ou aprofundamento do contedo (SANTOS et al, 2009, p.25). Em todos os momentos faz-se necessria a presena fsica e/ ou virtual do educador, que conhece o potencial do computador, tanto no aspecto tecnolgico, como no pedaggico e no psicolgico, mediando a construo do conhecimento do aluno, sendo um facilitador da aprendizagem;colaborador;problematizador,apresentandodesafios;animador da rede de conversao, sempre pronto para o dilogo constante com os participantes da comunidade virtual de ensino e aprendizagem. Em suma, o uso das tecnologias digitais e dos ambientes virtuaisumdesafionosparaoacadmicocomoparaodocentetambm e a vivncia da experincia no uso dos mesmos que melhorar a prtica pedaggica do processo de ensinar e de aprender com tecnologia.19

Elaine Turk Faria

4. Sugestes de estratgias de ensino com o uso da TD Cada disciplina e turma de alunos apresentam caractersticas prprias, sendo, portanto, difcil apresentar sugestes que sejam vlidas para todas. No entanto, ousamos fazer algumas propostas gerais que possam orientar os docentes no exerccio de suas funes em qualquer nvel de ensino. Se a instituio de ensino tiver um ambiente virtual, algumas atividades podero ser utilizadas no prprio AVEA institucional. Caso notenhaumAVEAnainstituio,maspossualaboratrioscomcomputadores e acesso Internet, certas atividades podero ser realizadas,comoporexemplo:criaodeBlog(utilizadocomoDirioVirtualou como divulgao de texto para discusso); WebQuest (que um projeto de pesquisa na Internet); Hot Potatoes (ferramenta que possibilita a realizao de exerccios interativos na Web); Google Earth (visualizador de imagensporsatliteparaaprendergeografia);CMap Tools (ferramenta para a organizao de Mapas Conceituais); utilizao de sites que permitem a construo de textos colaborativos ou de textos para download (ou seja, textos da Internet para salvar no computador do usurio); alm de muitos exerccios e atividades utilizando o Word, o PowerPoint e o Excel. Evidentemente, o professor tem que ensinar o aluno a pesquisartextoscientficosnaInternet,poisexistemmuitossitesquepublicam qualquer texto, sem avaliao de conselho editorial. Na Internet existem repositrios de Objetos de Aprendizagem (OA) prontos (tambm conhecidos como Objetos de Ensino, Objetos Digitais ou Objetos Educacionais) e relativos a diferentes reas de conhecimento,livresparaseremreutilizadosemodificados.SegundoNegreiros (2009, p. 24) os repositrios permitem uma pesquisa mais aprofundada, onde o usurio ao contrrio do que acontece em ferramentas de busca na web consegue visualizar o contedo previamente, seguindo os padresdaferramentadepesquisa.Negreiros,emsuamonografia,relacionou os OA aos Projetos de Trabalho e seu emprego nos anos iniciais do ensino fundamental, concluindo pela aplicabilidade dos mesmos. Seria interessante, certamente, iniciar as atividades com uma sondagemparaverificaronveldeconhecimentodosalunossobreos diversos recursos do Word, do PowerPoint, do Paint Brush (utilizado para a criao de desenhos e edio de imagens) e do Movie Maker20

Tecnologia educacional e digital no cenrio contemporneo

(para elaborao de pequenos vdeos), porque todos estes esto disponveis em qualquer computador que tenha o Windows, mas, por vezes, alunos e professores desconhecem as diversas possibilidades destes editores de textos que tambm permitem corrigir/revisar textos; anexarfigurasemsicas;criarpalavrascruzadasoudesenhar,entre tantas outras atividades educativas. Uma breve capacitao para atualizao docente pode ser realizada quando novas verses do Windows e, consequentemente destes recursos, forem instaladas nos computadores da instituio. Emvezdeusaramquinafotogrficaouafilmadora,osalunos podem ser incentivados a criarem vdeos no Movie Maker, utilizando uma cmera digital ou a webcam do computador. Estes vdeos produzidos pelos alunos com seus professores podem ser apresentados em aula para anlise e debate sobre um determinado tema. So denominados de vdeos caseiros porque no tem a pretenso de ter qualidadetcnicadefilmagemprofissional,mas,sim,deseremutilizados didaticamente. Nos ambientes virtuais, como no MOODLE, o frum um recurso muito utilizado para: seminrio virtual, comunicaes, aprofundamento de discusso, apresentao de atividades realizadas e entregues em anexo pelos alunos, para avaliao e comentrios do professor, entre outras atividades e objetivos. Existem diferentes tipos de frunsquepodemserconfiguradospeloprofessor,masimportante ressaltar que uma ferramenta assncrona (no simultnea como o chat)queficadisponvelnoambienteevisvelatodososparticipantes durante todo o tempo do curso ou disciplina. Este registro das intervenes dos participantes traz contribuio fundamental ao processo de reflexo-na-ao-e-sobre-a-ao, alm da possibilidade de recuperao instantnea, a qualquer tempo, dos dilogos, das ideias levantadas e das colaboraes recebidas, podendo ser lanada no Webflio ( um portflio online, um registro minucioso das atividades acadmicas, visando no s o registro e avaliao, mas principalmente o crescimento e desenvolvimento estudantil). O e-mail, como o frum, outra ferramenta de comunicao entre alunos e professores, mas que exige o hbito de abrir periodicamente a caixa de correio eletrnico e de tambm, deletar (apagar) as mensagens antigas para no sobrecarregar a caixa de correspondncia.21

Elaine Turk Faria

Muitas pessoas tm mais de um e-mail um particular e outro acadmicoouprofissionaleacabamesquecendodelerumououtro. Esteproblemapodeserevitadomedianteasimplesreconfiguraodeum e-mail, redirecionando as pops de um endereo eletrnico para o outro quecostumamlercommaisassiduidade,afimdenoperderoespao dedilogotonecessrionavidaacadmicaeprofissional.Oredirecionamento fcil e os detalhes dependem do tipo de e-mail utilizado, mas o encaminhamento automtico de mensagens que so enviadas para um determinado endereo de e-mail, fazendo com que essas mensagens cheguemaoutroendereodee-mailpr-definido,semmodificaes. Se o professor adotar um ambiente virtual de ensino e aprendizagem, mesmo que no tenha uma disciplina semipresencial na graduao nem uma disciplina a distncia, mas simplesmente utilizar o ambiente como um recurso a mais, como um repositrio e suporte disciplina presencial, ele ter diversas funcionalidades (recursos e atividades) disponveis para disponibilizar aos seus alunos. Assim, aos poucos, alunos e professores iro se habituando e criando a cultura da virtualidade e das tecnologias digitais na educao. No o objetivo descrever aqui todas as funcionalidades do ambiente virtual MOODLE, por isso simplesmente sero listadas as possveis atividades: dirio; glossrio (elaborado pelo professor ou criado em conjunto pelos alunos); Hot Potatoes; lio (que pode ser s um hipertexto ou um exerccio com opes); exerccio de escolha; wiki (para elaborao de texto colaborativo); entrega de tarefas (de diferentes formas, com texto online ou offline, com arquivo nico ou no); base de dados; questionrio e questionrio editvel; entre outros. Existem tambm no MOODLE os recursos: livro; link a um site ou a um arquivo (texto no Word, em PDF, Excel ou PowerPoint); pgina web; e outros. Enfim,mltiplassoaspossibilidadesdedinamizaodoambiente virtual; basta que o docente esteja capacitado, motivado para descobrir novos horizontes, mesmo que inicialmente seja mais difcil, mais demorado, levando-o a sentir-se inseguro na produo inicial do ambiente. Para apoi-lo, a instituio de ensino pode propiciar que estagirios, tutores ou ATED (Auxiliares Tcnicos em EAD) possam ser consultados e auxiliem o docente no incio de sua aventura pelo mundo virtual. Este apoio institucional muito importante para proporcionar segurana e dirimir dvidas que possam surgir no desenvolvimento das atividades.22

Tecnologia educacional e digital no cenrio contemporneo

5. Consideraes finais As escolas e as IES esto inseridas na sociedade e, como tal, precisam acompanhar seu desenvolvimento e adequar-se as suas exigncias. Portanto, desnecessrio se faz comprovar a importncia da utilizao das tecnologias nas instituies de ensino, uma vez que a sociedade contempornea digital e altamente tecnolgica. Educadores necessitam de permanente atualizao, como forma de educao continuada para o emprego dos recursos digitais em suas aulas, uma vez que cada vez mais recebemos alunos com maiores conhecimentos tecnolgicos. Foram apresentadas neste captulo algumas ferramentas digitais, recursos e atividades que poderiam dinamizar as aulas presenciais e virtuais. Outras sugestes poderiam ainda ser acrescentadas, pois o tema no se esgota aqui nem era esta a pretenso e novas possibilidades sempre surgiro, uma vez que a inovao tecnolgica constante e o docente s precisa estar motivado para aprender novos recursos. No somos contra a mdia impressa os livros sempre existiro e so necessrios mas podemos tambm utilizar outros recursos mais interativos e em rede como complemento s leituras lineares. Entretanto, a incorporao das mdias digitais deve levar inovao e no reproduo, interatividade e no passividade, construo de conhecimento scioindividual e no reproduo da informao. Os termos tecnologia educacional e tecnologia digital tm uma abrangncia muito grande (j analisado em outro livro de FARIA, 2009). Estamos conscientes de que no focalizamos todos os tpicos neste texto, pois nos restringimos ao computador, Internet e a educao a distncia. No entanto, muitas sugestes de atividades e recursos foram apresentadas para serem analisadas, adequadas e aplicadas conforme os objetivos da disciplina, seja ela presencial, semipresencial ou a distncia. Outras sugestes poderiam ser listadas e at mesmo criadas pelos prprios alunos e professores, uma vez inseridos nesta cultura digital. Este outro fator importante a conquistar: a insero da cultura tecnolgica, digital e virtual nos educandos e nos educadores. Alguns ainda resistem, outros so francamente favorveis! Importa no ter medo de comear a usar a tecnologia na educao e aos que j a aplicam em aula, que continuem se atualizando!23

Elaine Turk Faria

Precisamos aprender a aprender com tecnologia; utilizar a tecnologia a favor do ensino e da aprendizagem; construir nossos conhecimentos na interao com os outros e com o apoio dos recursos tecnolgicos, que facilitam tanto o ensino quanto a aprendizagem. RefernciasBRASIL. Decreto Fed. 5.622/05. Regulamenta o art. 80 da Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional. Dirio Oficial da Unio n 243, 20/12/2005, Seo 1, p. ______. Lei Fed. n 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educao nacional. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 23/12/1996. Seo 1, p. 27833-27841. ______. Portaria MEC 4.059/04. Introduz as disciplinas semipresenciais nos currculos da graduao e revoga a Portaria n 2.253/01. Dirio Oficial da Unio n 238 de 13/12/04, Seo 1, p. 32/33 CONSELHO NACIONAL DE EDUCAO. Resoluo CNE/CEB n 3, de 26 de junho de 1998. Institui as diretrizes curriculares nacionais para o ensino mdio. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 05/08/98, Seo I, p. 21 FARIA, Elaine Turk Docncia e tecnologia na educao: um enfoque inovador na metodologia de ensino, In: ENRICONE, Dlcia (Org). Professor como aprendiz: saberes docentes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009. p. 93-116. MELLO,KtiaeVICRIA,Lucianae.Osfilhosdaeradigital:Comoousodo computador est transformando a cabea das crianas e como proteg-las das ameaas da internet. Revista poca, n. 486 de 12/06/08. Disponvel em: Acesso em: 20/11/2008. NEGREIROS, Bruna Figueiredo de. Os Objetos de Aprendizagem como referncia para o desenvolvimento de Projetos de Trabalho. 2009. 60 f. Monografia(GraduaoemPedagogiaMultimeioseInformticaEducativa)Faculdade de Educao, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. SANTOS, Marisa et al, Ensinar e aprender com a metodologia Syllabus, Revista de Educao, Braslia, n. 150, ano 38, jan./jun. 2009, p.21-27.

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Tecnologia educacional e digital no cenrio contemporneo

VALENTE,Jos.Armando.UsodaInternetnasaladeaula.Educar, Curitiba, n. 19, p. 131-146. 2002. Editora da UFPR. Disponvel em: . Acesso em: dez/2009. VEEM,Win.VRAKKING,Ben.Homo Zappiens: Educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009. 139 p.

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A PESQUISA EM SALA DE AULA INTERLOCUO ENTRE TEORIA E PRTICA: UMA CRTICA NA TRAMA NECESSRIAMaria Waleska Cruz1 Semprequesediscuteaformaodeprofissionaisdareaeducativa ouvimos soar, quase como um lamento, a necessidade de se aproximar teoria e prtica. A ruptura entre teoria e prtica tem sido acalentada por muitos tericos como uma das mazelas da formao destes profissionais.A necessidade de comungar teoria e prtica vem sendo anunciadapelateoriaepelosprpriosprofissionais,porm,temosque admitir que haja uma teoria elaborada por pesquisadores sobre o fazer educativoeumateoriaproduzidapelosprofissionaissobreoseuespao detrabalho,ouseja,asuaprtica,oquesuscitaumareflexo:poronde passa esta relao, direta e causal, do intelectual para o procedimental, isto , da teoria prtica? Ou do procedimental para o intelectual, isto , da prtica teoria? Isto evidencia certo descompasso entre a teoria e a prtica e sinaliza que a resoluo, para esta dissonncia, no se apresenta em insistir na relao teoria-prtica. Nesta linha de pensamento Sacristn(1998,p.33),fazaseguintereflexo:O problema da relao teoria-prtica no se resolve na educao a partir de uma abordagem que conceba a realidade a prtica como causada pela aplicao ou adoo de uma teoria, de certos conhecimentos ou resultados da investigao. To pouco estamos seguros de que a teoria vlida seja aquela que se gera nos processos de discusso ou de investigao-ao entre os que esto na prtica.

Ao expressar o distanciamento existente entre a teoria e a prtica,explicita-sesodomniodaracionalidadetcnico-cientficaemprofissionais da pedagogia e da psicopedagogia, ou seja, uma teoria que s est falando a outras teorias (CHARLOT, apud PIMENTA e GHEDIN, 2002, p. 95), o que vem a ser uma questo de sentido. Teoria e prtica no tm sentido isoladas, sozinhas, denuncia Demo (1996). A teoria tem pretenses universalizantes, enquanto a prtica leva a entrar na histriaPedagoga Supervisora Escolar, Doutora em Educao pela PUCRS, Professora da Faculdade de Educao da PUCRS. [email protected]

A pesquisa em sala de aula

e assumir tambm suas misrias e virtudes. No se pode ser Sujeito histricoteoricamente,comoafirmaDemo(1997,p.28).precisoentrarno processo educativo como sujeito ativo, implicado com conscincia crtica, pois a educao emancipatria no prescinde do saber crtico e criativo, porque este saber no nasce do mero ensino, ou da mera aprendizagem, mas se constri no aprender a aprender e no aprender a pensar. A formao humanizadora emancipatria de pedagogos e psicopedagogos implica considerar, como saberes de sua formao, seu exercciocrtico-reflexivosobreoatoeducativoesobreastrocassocializadas interativamente. Assim, acreditamos que a teoria fornece orientaeseferramentasdeleitura,masassumimostambmqueossignificados que as pessoas levam consigo esto ligados a sua experincia. O que indica que no devemos permanecer s com os saberes individuais. precisoconsiderarqueoprocessodeformaodestesprofissionais transita na articulao de saberes de vrias naturezas: saberes de militncia pedaggica e psicopedaggica,saberesdeumaprticareflexiva, saberes de uma teoria especializada, em meio a muitos outros. Paulo Freire (1997), j h muito defendia que subjacente a toda ao h uma ideia implcita ou explcita. Este princpio nos leva a estabeleceraseguinteanalogia:aprticaofioeateoriaarede.Sema tramadaredeofionotemsentido-semaconexodateoria,aprtica correoriscodenosereficaz. Arelaoensinar-aprendermereceumareflexo:aonospropormos ensinar algum, precisamos estar cientes de que quem aprende possui uma razo universal, como a de quem ensina, mas quem aprendeumsujeitosingular,donodeumacomplexidadeespecficae,esta singularidade ou complexidade especfica, que vai ser colocada a favor ou contra a aprendizagem. O educando depende do educador para aprender, mas, no entanto, o trabalho intelectual de quem aprende. Se quem aprende no se dispuser ao trabalho intelectual no haver aprendizagem, haver frustrao. Assim, quem ensina tambm se sentir frustrado. Esta relao revela uma interao de contra dependncia, pois ao mesmo tempo em que h o poder do ensinante sobre o aprendente, h, tambm, um enorme poder de quem aprende sobre quem ensina, porque o sucesso de quem ensina depende, fundamentalmente, de que o aprendente realize o essencial no trabalho. Ento, se quem deve aprender o educando, no o educador quem far o trabalho intelectual27

Maria Waleska Cruz

peloaprendente.Ficaexplcito,ento,quenocentrodestarelaofica a prtica de quem aprende, no a prtica de quem ensina. Isto chama ateno para o papel do educador mediar criativamente, desafiadoramente e intencionalmente as aes educativas para que o educando possa aprender. Neste sentido, Charlot in Pimenta e Ghedin (2002, p. 97) comenta: ensinar no a mesma coisa que fazer aprender, ainda que, muitas vezes, para fazer o aluno aprender, o professor tenha que ensinar.Aeficciadaintervenodoeducadorsentidaapartirdeseus efeitos sobre o desempenho dos educandos. Se a aprendizagem passa pelo processo intelectual, o fazer pedaggico tem que se preocupar em saber se a ao educativa possibilita ao educando desenvolver uma atividade intelectual, isto , aprender e qual o seu significado, o seu sentido para o educando. Isto evidencia que o trabalho educativo uma atividade eminentemente intelectual e que supe um saber fazer (SANTOS, 1989). A assuno do trabalho educativo como atividade intelectual, pressupe a construo de um conhecimento sobre o saber fazer do educador e da educadora que reconhea sua natureza socialmente construda, que questione a forma em que se relaciona com o contexto social e que se aproprie das possibilidades transformadoras geradas na relao interativa dos espaos socioeducativos. O educador como intelectual tem sido tema de alguns estudiosos, dentre eles chamamos ateno para Giroux (1986 e 1997) por ter sido o que mais ampliou a concepo de professores como intelectuais.Emsuareflexo,caracterizaofazereducativocomoprtica intelectual, como contraponto viso formativa puramente tcnica ou instrumental e embasa a ao pedaggica como ao intelectual crtica voltada aos problemas e s experincias do cotidiano. Enfatiza que, alm da compreenso sobre as condies em que ocorre a aprendizagem, os educadores precisam construir interativamente com seus alunos os fundamentos para a crtica e a transformao das prticas sociais que se compem em torno dos espaos educativos. Contreras (2002) entende que o educador como intelectual transformador se caracteriza por ser aquele que assume o compromisso com ofazerlibertadorpormeiodecontedospoliticamentedefinidos,contribuindo para a construo de uma sociedade mais igualitria e mais democrtica, guiados por princpios de solidariedade e de esperana, em28

A pesquisa em sala de aula

que tanto educadores como educandos se articulam como cidados crticos e atuantes em favor da dignidade da vida para todos e para todas. O pensar criticamente sobre a relao teoria e prtica possibilitariaaoprofissionaldareapedaggicaepsicopedaggicaavanarem, concretamente, rumo transformao de sua prtica educativa e a sua prpria transformao como intelectual crtico. No olhar de Perrenoud, (2002,p.48),osprofissionaisdareaeducativa,apoiados numa concepo crtica de reflexividade2 que ajude no fazer-pensar de todos os dias,transcenderiaoprincpiodestesprofissionaisdaformaoiniciale continuadaapenasrefletiremsobreosproblemasdoexerccioeducativo mais prximo. Ele registra:A meu ver, os professores deveriam desenvolver simultaneamente trs capacidades: a primeira, de apropriao terico-crtica das realidades em questo considerando os contextos concretos da ao docente; a segunda, de apropriao de metodologias de ao, de formas de agir, de procedimentos facilitadores do trabalho docente e de resoluo de problemas de sala de aula. O que destaco anecessidadedareflexosobreaprticaapartirda apropriao de teorias como marco para as melhorias das prticas de ensino, em que o professor ajudado acompreenderoseuprpriopensamentoearefletirde modo crtico sobre a sua prtica e, tambm, a aprimorar seu modo de agir, seu saber-fazer, internalizando tambm novos instrumentos de ao. A terceira, a considerao dos contextos sociais, polticos, institucionais naconfiguraodasprticasescolares(op.cit.p.70).

O centro da reflexividade encontra-se na interatividade entre o pensamentoeaao.Aformaodeprofissionaisdasreaspedaggica e psicopedaggica tem na reflexividade um dos componentes de sua formao, porm, vale o adendo, a reflexividade se volta ao, mas no se confunde com a ao. A formao educativa deve estar sedimentada no exerccio de aprender a aprender; a um pensar sobre a prtica que no se limita a atividades imediatas e isoladas e a uma posio poltica que no despreza o saber-fazer instrumental, entendido como o desenvolvimento de meios para a obteno de algum objetivo (FELDMAN, 2001).Para Perrenoud a palavra reflexividade o termo adequado para designar a capacidade racional de indivduos e grupos humanos de pensar sobre si prprio.2

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Maria Waleska Cruz

A ao educativa emancipatria passa pela apropriao terica da realidade. A leitura de mundo na ps-modernidade trabalhada numa abordagem socioconstrutivista, pressupe a ampliao dos processos do pensar em relao aos contedos. O que quer dizer que os movimentosdeinternalizaodesignificadosexigemaaprendizagemdosaber pensar3 que, por sua vez, no pode prescindir do aprender a aprender, por ser elemento chave do saber pensar. Assim, para podermos ensinar o outro a pensar preciso que tenhamos vivenciado em nosso processo de formao os movimentos desencadeadores do saber pensar, isto , que tenhamos tido oportunidade de: pensar sobre nossos acertos e erros, ou seja, pensar sobre a forma de pensar, expressar nossos pensamentos, resolver problemas. A utilizao de ferramentas instrumentais no processo do aprender a pensar ou do ensinar a pensar no remete receita pronta sobre o como se desencadeia este movimento e, muito menos, pretende dar respostas a todas as questes que envolvem o exerccio educativo. Esta ideia abordada por Kincheloe (1997, p. 44), na seguinte fala:Os educadores ps-modernos que preparam os futuros professores, recusam-se a fornecer os elementos prontos de uma forma genrica de pensamento do professor aplicvel a todos os professores em todos os contextos. Eles tambm no prometem reduzir a incerteza daprofissopelaaplicaodetcnicasfixasrpidas.

Aafirmaodequeosprofissionaisdapedagogiaedapsicopedagogia trabalham com saberes prticos, isto , com aes intencionais permeadas por valores, remetem a ideia de apropriao de ferramentasdeao.Oformadordestesprofissionais,comocolocaPerrenoud (2002, p. 71), podem aprimorar seu trabalho apropriando-se de instrumentos de mediao desenvolvidos na experincia humana. O quenosignificaretrocederemdireoaotecnicismo,masdeagregar de forma mais produtiva o jeito de fazer e a teoria que lhe d sustentao. De acordo com Feldman (op. cit.), isto no significa afianar que o surgimento de inovaes tericas ou bons princpios, conduzam, indispensavelmente, a alteraes na prtica e nem que a mudana das prticasseefetiveatravsdoprocessodereflexo.Usamos a expresso saber pensar na acepo Vigotskiana, de que a escola uma mediao culturaldesignificados,sentidoquepodeseratribudoasuateoriahistrico-cultural.3

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A pesquisa em sala de aula

A leitura crtica da realidade terico-prtica na formao de pedagogos e psicopedagogos nos sinalizam a necessidade de interconectaroprocessodoaprenderapensaraoprocessodareflexodialticocrtica. Os espaos educativos formais e no-formais esto carentes de pessoas reflexivamente crticas, aptas para o pensar epistmico. Em outras palavras, pessoas que desenvolvam constructos bsicos em instrumentao conceitual que lhes possibilite ir alm da mera informao, transcendendo o senso comum, mas assumindo-se como sujeito histrico-cognoscente, frente realidade, em condies de agir e reagir a ela. Estas reflexes nos fazem pensar que o tornar-se pedagogo e psicopedagogo uma atividade de aprendizagem e, como tal, requer capacidades e habilidades pontuais. Este processo de aprendizagem est vinculado s aes, que por sua vez, seriam a base do desenvolvimento terico. Reavivar o princpio da cincia e da existncia o mesmo que reavivar o papel social da prtica que se torna critrio de verdade cientfica,favorecendoarealizaoefetivadotrabalhohumanoqualificado (PINTO, 1985, p. 219-242). No meu ponto de vista, assumir este movimento de aprender a aprender, aprender a pensar criticamente a nossa realidade formadora, assumirareflexosobreaprticacomoprincpiopedaggicoinvestigativo formador de pedagogos e psicopedagogos humanizadores emancipatrios, o que representa a possibilidade de ruptura epistemolgica do conhecimentodicotmico,pragmtico,paraumaculturacientficacrtica construda ampliadamente na interlocuo sociocrtica com a realidade, alm de promover a possibilidade de vencer a dicotomia entre teoria e prtica dialetizando o saber-fazer. Acredito ter apresentado razes para que teoria e prtica sejam componentesdediscussonaprofissionalizaocomprometidacoma formao humanizadora emancipatria de pedagogos e psicopedagogos.Nasequnciadestareflexoapresentamosargumentosemprolda necessidade do desenvolvimento da pesquisa como prxis pedaggica. 1. A pesquisa na sala de aula Em meu trabalho de docente de futuros profissionais das reas pedaggica e psicopedaggica e como ex-diretora da Faculdade de Educao (FACED) da PUCRS tive a possibilidade de desenvolver um31

Maria Waleska Cruz

trabalho de gesto educativa, partindo do pressuposto de que a problematizao da realidade princpio fundamental para a compreenso do mundo. Problematizar conduz a desproblematizao porque sinaliza a necessidade de saber pensar e de aprender a ver para alm do que meramente visvel. O questionamento uma das peas chave para instigar o pensamento e para despertar o desejo de aprender. Esse procedimento favorecequeaprticaouoproblemarealsedaumareflexocrtica.E nesse movimento de pensar sobre a prtica ou sobre problemas reais que a pesquisa vai se consolidando, na sala de aula, como ao na busca da desproblematizao. nesta lgica que venho buscando trabalhar nos cursos de Pedagogia e Psicopedagogia, procurando compreender a concepo psicopedaggica dos alunos, o nvel de conhecimento e a conscincia crtica em que se encontram, pois acredito que o somatrio do conhecimento com o nvel de conscincia que determinar a qualidade de sua formao. Buscando materializar a proposta em tela, isto , procurando que nossos alunos desenvolvam o pensamento e ampliem sua conscincia crticapartiparaodesafiodequestionaroseuagircomodiscentefrente s provocaes do docente, para que percebesse a necessidade de se investigar a prpria ao frente ao processo formativo como forma de avano e amadurecimento intelectual. O objetivo fundamental era permitir que o aluno transformasse o pensamento em ao e a ao em movimento, singularizando este processo como conhecimento singular do aluno, por ele construdo com amediaodoeducador.Aorefletirsobreomododemanejarcomassituaes propostas, os alunos aprendem mais do que conceitos - aprendemapensarcientificamenteomundo,pois,segundoFreire(1997,p. 18), a ligao mais forte do saber pensar a gestao da autonomia. Esta experincia mostrou que no se pode observar o pensamento, mas que razovel observar o comportamento, como Raths (1977, p. 368) coloca se o comportamento muda por causa dos esforos para acentuar o pensamento, existe a ideia de que o pensamento do aluno est apresentando melhoria. O exerccio de pensar a ao tem evidenciado que o pensar diferente de uma pessoa para outra, portanto, o modo como um sujeito aprende diferente do modo como o outro aprende. Esta plasticidade no32

A pesquisa em sala de aula

ato de aprender vem legitimando o que Bruner (1998) j dizia h algum tempo: a aprendizagem implica em pelo menos quatro operaes fundamentais; o saber e a sua transformao, a informao, as operaes mentais e a transferncia. 2. A pesquisa como prxis pedaggica Como esta prtica de pensar sobre a prpria ao teve, tambm, por princpio a possibilidade de contribuir para a transformao e avano naformaohumanizadoradefuturosprofissionaisemancipatrios,nos amparamosnacinciaeducativacrtica,quecomoafirmamCarreKemmis (1988, p. 193), em si mesma um processo histrico de transformao de prticas, de entendimentos e de situaes: tem lugar na histria e atravs dela, pois assume como compromisso bsico emancipar os futurosprofissionaisdocostumeedatradio,desafiando-osarefletir criticamente sobre as distintas concepes em que se amparam o fazer educativo. Neste sentido, a pesquisa como prxis pedaggica oportuniza a estes sujeitos, entre outras possibilidades, meios para distinguir ideias ideologicamente manipuladas de outras que se apresentam sem este vis. O que vai exigir mudana nas prticas pedaggicas atuais, nas formas de comunicao e nas tomadas de deciso porque:Nossa sociedade atual caracterizada por formas de trabalho que no permitem a todos o acesso a uma vida satisfatria e interessante, assim como por formas de comunicao que no tm por objetivo o entendimento mtuo nem o consenso racional entre as pessoas e por formas de tomada de decises que no tendem justia social, como seria se o povo participasse democraticamente nas decises suscetveis de afetar sua existncia (CARR e KEMMIS, 1988, p. 204).

O sujeito pesquisador de sua prpria ao aprende a enxergar almdohorizonte,desenvolvendoacrticaideolgicasobreoseuprprio fazer educativo. O que lhe permite avaliar a distncia em que se encontra da solidariedade na relao com o outro, da justia na tomada de deciso, da racionalidade na comunicao e do alcance de uma vida digna e motivadoraemrelaoaoseutrabalho,almdefavoreceraidentificaodos porqusascoisasacontecemdeumdeterminadomodoenodeoutro.33

Maria Waleska Cruz

Estareflexoconfirmadaeilustradanafaladeumaaluna,do Curso de Pedagogia da PUCRS. Ela narra:No me concebo educadora se no for investigadora. A sala de aula um espao riqussimo de possibilidades de aprendizagem. O aproveitamento do que sucede neste espao depende muito da minha curiosidade, do meu pensar sobre o que estou propondo e sobre o que vou propor. Neste exerccio de pensar sobre as coisas, a gente vai percebendo as nossas incoerncias, vamos nos dando conta que o nosso discurso, muitas vezes, corre longe das atitudes que na prtica assumimos. O que eu estou querendo dizer, que muitas vezes temos uma prtica coercitiva, limitadora, mas um discurso libertador e, a nica possibilidade, que eu vejo, de superar estas contradies pesquisandoreflexivaecriticamentesobreonosso trabalho pedaggico.

No depoimento desta estudante, constata-se sua preocupao com a dimenso educativa humanizadora quando refere que o pensar sobre as coisas possibilita-lhe enxergar suas incoerncias entre o dizer e o fazer, construindo a crtica ideolgica a partir da pesquisa do seu prprio espao de trabalho. Outra acadmica, agora do Curso de Psicopedagogia, registra a pesquisa como pea fundamental na ao psicopedaggica humanizadora, concebendo-a como instrumental bsico de trabalho que, como compreende Demo (1997, p.9), facilita o aprender a aprender e saber pensar para intervir de modo inovador. Para ela, o ato psicopedaggico no pode prescindir da pesquisa, pois a possibilidade do educando sair de objeto a Sujeito passa pela postura investigativa que assume. Neste sentido, ela coloca:Ns tambm vamos atuar com a criana que apresenta baixa autoestima, com a criana revoltada, com a criana que no que tem medo de no conseguir aprender. Ento, para trabalhar isso, no adianta s formao tcnica, que tambm extremamente importante, mas aliada tcnica, a formao pessoal do psicopedagogo, que tem que sair da academia universitria com uma identidadeprofissional.Ecomoeuconstruoisso?Cons34

A pesquisa em sala de aula

truo isso, atravs da pesquisa, do exerccio da problematizao, da pesquisa do cotidiano da sala de aula em que me pergunto: o que eu quero junto a este paciente? Comoeuencaroestedesafio?Oquemeajudaeoque medificultanestarelaopsicopedaggicaparaque auxilie esta criana a ter conscincia crtica e no se tornarmassademanobra?Eumeperguntomuito, mas eu tambm tenho que reconhecer que, muitas vezes, eu me pergunto sozinha, isto , a escola parece lavar as mos.

Para analisar este depoimento trago novamente Carr e Kemmis (1988), que sugerem que a travessia de uma teoria social crtica para a sua consolidao concreta avana se agirmos decisivamente neste sentido. E um dos passos em direo a este objetivo, que os sujeitos, dispostos a isto, sejam capazes de enxergar e mostrar os fatores de ordem social quecobematransformaoracionaledeconstruirreflexescrticasetericas de como ultrapass-las. Neste sentido, a pesquisa instrumento facilitadornaidentificaodascontradiesentrevaloreseducacionaiseos institucionais,masclaroque,nesteprocesso,osprofissionaisprecisam assumir comprometidamente os princpios de justia e de participao democrtica na tomada de deciso, promovendo espaos para que o exerccio autocrtico de sua comunidade se pronuncie frente s arbitrariedades irracionais, desumanas, injustas e opressoras no entorno institucional em que desenvolvem seu trabalho investigativo. O que demonstra que a participao crtica coletiva em nvel terico, prtico e poltico pressuposto determinante da pesquisa-ao educacional emancipatria4 em diferentes espaos educativos. No entanto, uma outra acadmica do Curso de Pedagogia Educao Infantil, discorrendo sobre a formao do professor apresenta a seguinte colocao:Eu vejo como fundamental na nossa formao a pesquisa. A pesquisa importante porque ajuda a desenvolver a autonomia do estudante. Agora, isto uma coisa complicada, porque tanto alguns professores como algumas escolas, em que a gente realiza as prticas, no nos do oportunidade para construir autonomia, porque no promovem a discusso crtiO termo pesquisa-ao emancipatria utilizado com o sentido de que o grupo de pesquisadores (as) responsvel pela sua emancipao, isto , ao assumir coletivamente a emancipao assume aauto-emancipao,pormeiodadiscussocrtico-reflexivaproblematizadadesuasprticas.4

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ca sobre a realidade, isto , no se constituem em espaos investigativos, no contribuem para a nossa autonomia,ficammandandoagenteseguirreceita, nonosdeixamrefletir,nonosdopossibilidadede responsabilizarmo-nos pela nossa formao.

A denncia desta aluna chama ateno para o fato de que o movimento de pesquisa no acontece circularmente entre educadores, instituies e polticas pblicas que dirigem sua atuao no espao educativoemumnmerosignificativodeinstituiesformaiseno-formais, exigindo que a assuno deste compromisso se d de maneira solitria, acabando por levar o educador a realizar as reflexes sozinhas sem apoio, inclusive, de seus pares. O que acaba por remeter-nos a outro pensar, ao mesmo tempo em que precisamos partilhar nosso pensar crtico tambm, necessitamos afastar-nos de ns mesmos para podermos enxergar alm e avanar. A defesa da pesquisa como expediente cotidiano da prxis pedaggica de educadores para diferentes espaos educativos encontra sustentao nos estudos de Demo (1995) que em sua anlise sobre a educao formal, caracteriza a ao pedaggica como mantenedora do status quo, por ser reprodutora de ideias e valores, por ser submissa ao estabelecido, exercendo uma postura apoltica, em vez de ser produtora de novos conhecimentos na promoo de um sujeito histrico, criticamente consciente, responsvel por si e pelo seu tempo e de uma sociedade mais inclusiva, solidria e menos discriminatria. Para Demo, a justia social ou equalizao de oportunidades se viabiliza atravs da construo do conhecimento inovador dotado de qualidade formal humanizadora. Em entrevista coletiva realizada com algumas acadmicas dos cursos de Pedagogia e Psicopedagogia, sobre a sua formao, trs alunas manifestaram-se criticamente sobre a prtica da pesquisa na faculdade analisando:O avano do que acontece em sala de aula com os contedos, com a metodologia e com a avaliao, depende do jeito como o professor trabalha. Isto , se a gente tem um professor que pesquisador os contedos, a metodologia e a avaliao vo ter um tratamento diferente daquele professor que no pesquisador e trabalha de forma espontanesta ou fragmentada. Nas 36

A pesquisa em sala de aula

aulas dos professores que pesquisam os contedos nosabremasportasparaconstruirconhecimento.

Uma das estudantes entrevistadas demonstra ressentir-se pelo fato da pesquisa no ser prxis pedaggica desde o incio do seu curso, que do currculo antigo. A aluna credita pesquisa o compromisso construtivo, colocado por Demo (1995), como fundamento epistemolgico para o aprender a aprender e saber pensar. Assim, a pesquisa entendida como processo de busca, ou seja, um colocar-se diante das coisas de maneira ativa, criticamente questionadora, sendo possvel construireoureconstruirconhecimento,frenteaodesafiodeintervir para humanizar eticamente, usando como instrumento crucial conhecimento inovador, com qualidade formal e poltica, como prope Demo (1995, p. 20). poca em que estava frente da FACED, utilizei como instrumento de pesquisa o caderno de registros. Neste material, entre outros apontamentos significativos, anotei a manifestao de um grupo de quatro alunas da Pedagogia Educao Infantil, que procuraram a direo da faculdade, para manifestar sua satisfao sobre a disciplina de Pesquisa. A professora desta disciplina solicitou que elas investigassem qual a concepo de famlia que as classes populares apresentam. As alunas colocaram:Estamos aqui para registrar a nossa satisfao com a disciplina de Pesquisa. Pela primeira vez estamos nos sentindo responsveis pela nossa aprendizagem. Esta pesquisa nos motivou primeiro porque o tema importante para a educao infantil e segundo porque nos apropriamos de uma realidade que desconhecamos, aprendendo muitas coisas novas, mas principalmente, aprendemos a compreender a dor dos outros e como esta intervm nos processos de aprendizagem das crianas

A pesquisa como prxis pedaggica pressupe assumir os diferentes espaos educativos como meio coletivo de trabalho, em que tanto educador como educando so Sujeitos companheiros de pesquisa, que dialogam em nvel solidrio, desenvolvendo a capacidade de argumentao crtica coletiva e individual. O que, como refletiram37

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estas alunas, ajuda a todos a avanar na construo de conhecimentos inovadores que concedem ao ser humano a possibilidade de ser mais humanoedoprofissionalsermaiscompetente. Outro aspecto relevante da pesquisa como prxis pedaggica o seu movimento cclico que favorece a obteno de nveis de complexidade, em que os contedos servem como meios de interao e reelaborao de conhecimentos distintos; a metodologia na perspectiva da investigao transcende os modelos tradicionais e tcnicos, que mantm a subalternidade do educando, em direo a um modelo mais complexo, que liberta, e que, portanto, no prescinde da pesquisa comometodologiaeducativa,articuladapelodesafioderesolversituaes problemticas importantes. Nesta mesma linha de raciocnio, a avaliao no modelo investigativo deriva a um estado mais complexo dehiptesescurricularesespecficas.Foiomovimentocclicodapesquisa que permitiu aos alunos reconhecerem que a prxis da pesquisa faz a diferena na disposio de contedos, metodologia e avaliao. A ausncia da pesquisa na relao pedaggica um fator limitativonaformaohumanizadoraemancipatriadeprofissionaisdapedagogia e da psicopedagogia. O aluno, ao lado de aprender contedos especficosdesuarea,metodologiasvariadasemodelosdeavaliao, precisa dialogar poltica e criticamente com seus interlocutores sobre as razes lgico-humanizadoras destas aprendizagens, para que se processe o aprender a aprender, para ter condies de assumir-se como Ser pensante e produtor de conhecimento. Muitas alunas trabalham como auxiliares em escolas e creches, outras atuam em ambientes no-formais e narraram sentir falta da pesquisa no lcus de trabalho como exerccio sistemtico e manifestaramAgora retomando os estudos, vemos a importncia da universidadeparans,nosporquenofinaldoano vamosterumcanudo,maspelapossibilidadedenos perguntar-nos sobre as coisas, pela possibilidade de construir e reconstruir conhecimento, pela possibilidade de participar de pesquisas. Com a pesquisa a gente se renova e renova o nosso trabalho. Ns sentimos falta da pesquisa em nosso ambiente de trabalho. Sentimos falta de ouvir outras experincias sociais, de trocar com outras realidades.

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Outra narrativa que merece registro a de uma aluna da Psicopedagogiaquedesenvolveoficinas,nasuarea,emumainstituiosocial e que alerta sobre a necessidade de pesquisa na educao no-formal:Eu sei que o nosso trabalho socialmente muito importante, que h muito por fazer, porm eu reconheo que apesar das reunies, a gente discute muito pouco sobre os nossos reais problemas educativos.As oficinas funcionam meio que isoladas umas das outras. Falta um trabalho mais sistematizado com a teoria, falta pesquisa.

O referencial terico chama ateno para o fato de que a pesquisa na rea educativa ainda no faz parte do cotidiano do universo pedaggicooupsicopedaggico,damaioriadosprofissionais,porque osseusachados,porseapresentaremmuitogeneralizados,dificultam a prtica do dia a dia educativo e tambm porque, por um bom tempo, os profissionais no colocaram a pesquisa como prxis pedaggica em sua formao. Oolhardestesprofissionaissobreasuaformao, ainda recai, de forma ingnua, no exerccio da prtica apenas como o interesse na aplicao da teoria, desconsiderando a pesquisa como capacidade de inovao neste processo. Portanto, enquanto no assumirem a pesquisa como possibilidade de avano, mantendo-se afastados dela, vai continuar havendo este hiato entre os resultados procedentes de investigaes realizadas por pesquisadores e a prtica realizada no espao educativo. Outro dado importante que emerge destas narrativas a lacuna da pesquisa tambm na formao de pedagogos e psicopedagogos que esto atuando em espaos no-formais. O que nos leva a considerar que a sua formao deve ter, pelo menos, uma matriz comum. O aprendizado da pesquisa inicia pela interlocuo da prticacomateoria,oudodilogocomoutrospesquisadoreseprofissionais da mesma rea. Talvez possamos dizer para estes sujeitos que pesquisa se faz fazendo. O formar pela pesquisa exige que o processo de formao trabalhe da forma mais transparente possvel a ambigidade lgica e histrica do conhecimento, para recuperar o mpeto emancipatrio, semdescambarparaamistificao,comodizDemo(1997b,p.147). Oquesignificaconsiderarduaspremissas:saberreconstruiroconhecimento, por meio de pesquisa e de produo prpria; e humanizar o39

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conhecimento em prol de uma sociedade mais equnime. E por onde passam estas questes? Diria que passa pelo essencial, a relao pedaggica comprometida com a aprendizagem. RefernciasBRUNER, Jerome. Realidade mental, mundos possveis. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1998. CARR, Wilfred; KEMMIS, S. Teora crtica de la enseanza: la investigacinaccin en la formacin del profesorado. Barcelona: Martinez Roca, 1988. CONTRERAS, Jos. A autonomia dos professores. So Paulo: Cortez, 2002. DEMO, Pedro. Pesquisa e construo de conhecimento: metodologia cientficanocaminhodeHabermas.RiodeJaneiro:TempoBrasileiro,1997a. ______. Conhecimento moderno sobre tica e interveno do conhecimento. Petrpolis:Vozes,1997b. ______. ABC: iniciao competncia reconstrutiva do professor bsico. Campinas: Papirus, 1995. ______. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados, 1996. FELDMAN, Daniel. Ajudar a ensinar relaes entre didtica e ensino. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia saberes necessrios prtica educativa. So Paulo: Paz e Terra, 1997 GIROUX, Henry. Teoria crtica e resistncia em educao. Petrpolis: Vozes,1986. ______. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crtica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997. KINCHELOE, Joe L. A formao do professor como compromisso poltico mapeando o ps-moderno. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997. PERRENOUD, Philippe. A prtica reflexiva no ofcio do professor: profissionalizao e razo pedaggica. Porto Alegre: ARTMED, 2002. 40

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AUTOESTIMA: RELAO PROFESSOR E ALUNOMaria Beatriz Jacques Ramos5Igual-Desigual Eu desconfiava: todas as histrias em quadrinhos so iguais. ... Todos os best-sellers so iguais. Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol so iguais. Todos os partidos polticos so iguais. Todas as mulheres que andam na moda so iguais. ... Todas as guerras do mundo so iguais. Todas as fomes so iguais. Todos os amores iguais, iguais, iguais. Iguais todos os rompimentos. Todas as criaes da natureza so iguais. Todas as aes, cruis, piedosas ou indiferentes, so iguais. Contudo, o homem no igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa. Ningum igual a ningum. Todo ser humano um estranho mpar (ANDRADE, 1998, p.102).

Este captulo fundamenta-se nos conceitos psicanalticos ao analisar a intersubjetividade e a representao de si mesmo nos espaos formais de ensino e aprendizagem. Compreende-se que as relaes professorealunospodemsuscitarfrustraoougratificao,reforandoapercepodarealidade,asexpectativaseidentificaespessoais. Salienta-sequeasmarcasdafragilidadedoamorporsimesmoserefletem nos comportamentos em que predominam o empobrecimento do conhecimento pessoal e social, com oscilaes de estima inferiorizada ou grandiosaeadificuldadedemanutenodaautoriadepensaretornar sublimada, produtiva a capacidade intelectual em sala de aula. Muitas crianas e adolescentes esto presos nas malhas narcsicas, oscilamMestre em Aconselhamento Psicopedaggico. Doutora em Psicologia/PUCRS. Psicanalista. [email protected]

Autoestima: Relao professor e aluno

entre a tolerncia e a intolerncia com receio de assumir responsabilidades, seguir um caminho rumo independncia com prejuzos na construo de vnculos com a realidade e com o conhecimento. 1. O amor por si mesmo A autoestima uma construo, uma conquista, a partir de uma histriapreexistente,umahistriaidentificatria. Para aprender preciso aceitar a presena do outro, desenvolver vnculosnofixadosemimagensnarcsicasquefragilizameempobrecem o Eu, a representao de si mesmo. Para aprender importante aceitar a dependncia, o pertencimento, o reconhecimento das diferenas e semelhanas nas circunstncias educativas formais e informais. Sabemos que o amor por si mesmo tem uma orientao dialtica, pois este no existe num estado puro, in vcuo, est ligado a fatores interpsquicosdesenvolvidosnassucessivasidentificaescomospais, ou seus representantes desde os primeiros anos de vida. A partir da diferenciao entre a realidade e a fantasia, entre o mundo interno e o mundo externo, a criana e o adolescente conquistam progressivamente a independncia do outro, o reconhecimento de que somente na diferena o ser humano se torna semelhante. Aprendemos o que somos desde que nascemos. O que nos liga aos outros a emoo, fundante do Eu, da alteridade e da cognio. Para Kohut (1988) as pessoas com problemas de autoestima sentem-se ameaadas com a perda da ateno do outro, ou de sua admirao. preciso um motivo para crescer na perspectiva afetiva e cognitiva. Um motivo para aprender, um movimento interno, uma estima pessoal capaz de criar metas e gerar um desejo onde no existia. Essa no s uma questo dos alunos, tambm dos professoresqueprecisamencontrarofioquelevaparaodesejado,arazoque motiva a busca do conhecimento. Encontrar a razo do que se aprende e as consequncias de aprender em termos de amadurecimento psquico e social.TalvezsejanecessrioretomaramitologiagregaeofiodeAriadne. Neste mito conta-se que Ddalo construiu um grande labirinto embaixo do palcio de Cnosso, para abrigar o Minotauro, metade homem metade fera. O labirinto era um edifcio com inmeros corredores quedavamunsparaosoutrosequepareciamnotercomeonemfim.43

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O Minotauro era um monstro nascido da unio da rainha Pasifae com umtourosacrificalbrancoeolabirintoeraparamant-loforadasvistas. A cada nove anos o Minotauro era alimentado com vtimas oferecidas como tributo por Atenas em compensao pela morte de Androgeu, filhodoreiMinos.Seterapazesesetedonzelaseramescolhidosparaa viagemfatalaCreta,ondeeramdevorados.Umano,Teseu,filhodorei Egeu, de Atenas, ofereceu-se para ir e livrar os atenienses dessa calamidade. Ele prometeu ao pai que, se conseguisse matar o Minotauro, na viagem de volta a Atenas trocaria as velas do barco, que eram pretas, por brancas. Eles velejaram a Creta e, em sua chegada,Ariadne, filha do rei Minos, apaixonou-se por Teseu e pediu que ele voltasse para ela, sesobrevivesse.Elalhedeuumnovelodeumfiodeouroparaqueele desenrolasse atrs de si medida que avanasse pelo labirinto, de modo que, se fosse bem sucedido em matar o Minotauro, seria capaz de seguir ofioeencontrarasada. Teseu entrou no labirinto, encontrou o Minotauro no centro e o matou.Ento,enrolouofio,achouocaminhodesadadolabirintoeescapou de Creta com Ariadne. Na ilha de Naxos eles comemoraram a fuga e a sua unio danando o Geranos. Quando os alunos percebem que o resultado da aprendizagem podesersignificativo,poistrazemdesafios,problematizaes,nota-se um esforo, um controle das emoes, um domnio que fortalece a autoestima.Poroutrolado,osprofessoresprecisamencontrarofiodeAriadne, o desejo que torna slido e consistente o caminho para aprender e superar obstculos. No cotidiano da escola o que se observa, muitas vezes, so estudantes que tm um comportamento extremamente inibido, ou exaltado; comunicam-se de forma indiferente ou veemente diante das propostas de trabalho,colocamsuasdificuldadespessoaissemconsideraroambiente, enquanto outros formulam questionamentos para aliviar suas inquietaes e receios. Ainda assim, alguns dos professores no enxergam, no escutam o modo como as informaes so internalizadas, assimiladas, para queproporcionemmudanas,interrogaes,significadosesentido,pois se uma atividade no interessa, no haver esforo para alcan-la. Os professores tm que considerar que, no ensino formal, a convivncia se d com diversas linguagens e histrias de vida. Cada um traz umafiliao,umpertencimento.Estinscritonummundotransgeracional.44

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Os laos sociais e culturais respondem, em grande parte, pela coeso narcsica, imagem e estima de si mesmo reforadas em mbito escolar. Ainda que as mudanas na cultura contempornea atestem a escassez de laos duradouros e ntimos entre as pessoas, preciso analisar as causas dos sucessos e fracassos em sala de aula. Aceitar os conhecimentosprviosdosalunosereduzirasdificuldadesdastarefaspropostas. De maneira mais precisa no possvel confundir com ausncia de limites o que est na fantasia e o que est na realidade. Para que os alunos aprendam preciso um professor que queira ensinar e promover um ambiente de aprendizagem cooperativo, que incentive a autonomia e a autoestima. Sabemos que o ambiente escolar no pode responder por todas as dificuldades vinculares, mas pode favorecer o processo de amadurecimento psquico. Um amadurecimento que depende do controle das pulses, foras internas, que impelem para a ligao com a vida, com o saber, ou para o desligamento, a ruptura com o conhecimento e com o outro; com as situaes intersubjetivas e as expectativas pessoais. Os afetos so partes integrantes da subjetividade. As manifestaes afetivas denotam a construo do psiquismo, mostram a estrutura da personalidade e as experincias pessoais. Ensinar despertar o que est adormecido, uma atividade que requer uma ateno contnua, uma mudana de forma, de alternativas para superar as diferenas e o novo que cada instante se apresenta. precisoconfiarnaescolaenoprofessor,esteprofissionalque pode transformar o sujeito biolgico em Ser de cultura. Nesse sentido deve-se favorecer o surgimento do semelhante, a aceitao da diferena. Trabalhar na dimenso dramtica e lgica, pois a construo humana representa um movimento pendular, uma articulao entre desejo e cognio. Um espao de rearticulao de subjetividades. O desejo se formula no impossvel, na subjetividade, o conhecimento se formula no possvel, na objetividade. Ao considerar essas premissas encaminha-se areflexosobreoscontextosdesaladeaula,dedocnciaedeensino. 2. A docncia Como docentes trabalhamos com crianas e adolescentes que nos reportam aos tempos atuais, de modo particular escuta do narci45

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sismo. O amor por si mesmo aponta maneira de cada um interpretar os fatos da vida; as relaes que tem, em maior ou menor grau, com os outros em termos de complementaridade; os efeitos do mundo externo que produzem repercusses internas tais como as separaes, frustraes e perdas. No ensino, nos deparamos com pessoas que necessitam de ajuda, que trazem experincias de vnculos precrios com aqueles que deveriam ter sido sustentadores e, ao mesmo tempo, frustradores das mais tenras necessidades. Paraalguns,foiinsuficienteamarcaquerecalcaossentimentos de exibicionismo, no toleram a realidade e a frustrao, bem como a possibilidade de simbolizar os desejos que no foram cumpridos. Para outros, os relacionamentos intersubjetivos nada mais representam que uma repetio das vivncias familiares, orientando-os para o desconsolo e a vergonha. Os caminhos do narcisismo ocupam um espao importante nas modalidades de aprendizagem humana. Deste modo, precisamos reconhecer que nos tornamos objeto dos sentimentos das crianas e adolescentes, somos representantes a quem so endereados interesses, porque ocupamos um lugar que reedita afetos de amor e dio, sustentao e cuidado. No trabalho com o ensino e a aprendizagem lidamos com a comunicao inconsciente, a transferncia que se faz presente por meio das ideias, das comunicaes, dos desejos e das aspiraes. Palavras e aes, escutas e observaes, afetos e desafetos so recolocados na sala de aula e afetam os resultados e os processos da aprendizagem. Aprender condio humana. Todas as aprendizagens se originam em contextos de interao, comunicao e empatia. Aprender um atosimblicoquesedpelaviadaidentificaonumarelaoassimtrica e simtrica. Uma relao que coloca o professor como alvo de identificaes,comoumpersonagemaserimitadodemodoinconsciente. Assim surgem inclinaes, averses, preconceitos, pautas de comportamentos, uma identidade social. E isso permite que as relaes com osestudantesevoluamedecertomodomodifiquemseusrelacionamentos futuros, principalmente quando esses so crianas e adolescentes. A necessidade de reflexo e mudana constante em sala de aula. Faz parte da condio de ser professor em termos de atitudinais e persuasivos,poisensinartambmsignificaeducar,provocardissonn46

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cia,interpretarerefletirsobreadinamicidadedasrelaeshumanase das representaes sociais. Trabalhar com modelos interpretativos da realidade que acontece fora e dentro do aprendente. Para superar as representaes implcitas nas interaes pedaggicas so necessrias novas pautas conceituais que remetam compreenso da realidade social. Uma realidade complexa que transita em diversos territrios, que constri mapas para serem seguidos como roteiros, mesmo que esses, nem sempre, mostrem a complexidade e as causalidades mltiplas das relaes entre as pessoas.Aprender aprender com algum, sendo necessrio o circuito entre a necessidade e a satisfao, o receber e o dar, o sentir e o agir. A sala de aula um dilogo ativo, sobre um relacionamento do qual este mesmo dilogo faz parte. Inmeras vezes a figura do professor vem a representar os objetos internos, atravsdosquaisosconflitossovividos (RAMOS, 2001, p. 44).

Ao ensinar, o professor serve como suporte expresso dos desejos e metas, ainda que se considerem as condies e limitaes da prtica docente. Ao ensinar, o professor pode ser tratado com um pai, umame,umirmo,algumsignificativodahistriadecadaum,jque ocupa um lugar no imaginrio, um lugar que pode aprovar ou reprovar, determinando, em parte, o futuro de cada um. Ensinar e aprender so indissociados; no se pode pensar em um sem estabelecer uma relao com o outro. O ensino e a aprendizagem supem uma aceitao de limites por parte dos professores e dos alunos, um posicionamento frente s diferenas de como ser professor e como fazer, para que o conhecimento circule e no provoque impasses frente s demandas dos alunos. A aprendizagem um processo de construo e reconstruo de conhecimentos, em que as referncias do passado tm um valor de ligao, de continuidade e integrao das experincias vividas. Em alguns casos, os estudantes se deparam com o medo; o medo de ver, de sentir, de caminhar rumo autonomia, responsabilidade e autoria do saber. Em outros casos, o desejo de conhecer os coloca diante da falta e da desiluso, pe em confronto a onipotncia e a47

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estima de si mesmo. Conhecer envolve um saber, acontece de modo direto, no contato intersubjetivo, nas manifestaes afetivas. O conhecimento est relacionado com a objetividade e a subjetividade, com o desejo e a realidade. A elaborao psquica e as novas aprendizagens s ocorrem medida que cada sujeito se diferencia do outro, interage, amplia seu conhecimento pessoal e social numa perspectiva mais dinmica do mundo e de si mesmo. A aprendizagem representa uma acumulao gradual de conhecimentos que se constituem de acordo com as caractersticas individuais, o acesso s informaes e s experincias interpessoais. Todo ser humano adquire gradualmente uma infinidade de regras, competncias, informaes, formas de lidar com as pessoas, coisas e situaes resultantes da aprendizagem intencional, planejada, sistemtica e controlada, como tambm da aprendizagem espontnea, assistemtica e acidental. Portanto, conhecimentos, habilidades verbais e motoras, atitudes e valores so aprendidos no cotidiano da vida, ou em situaes preparadas para produzir aprendizagem, ainda que submetidasinflunciadefatoresinternoseexternos. Bion (1980), um psicanalista ps kleiniano, enfatizou o quanto difcil para os seres humanos relacionarem-se uns com os outros de forma realista numa tarefa conjunta. Descreveu o ser humano como um ser grupal, que no progride sem outros seres humanos, mas tambm no pode progredir muito bem com eles. Mostrou que o contedo dos papis sociais desempenhados , em parte, determinado por sistemas de projeo que sefazemrefletirsobrealgumassituaesemqueaansiedaderelativa prpria capacidade de realizao projetada sobre outras pessoas, numa tendncia de surrupiar suas potencialidades, diminu-las, subestim-las. 3. O ensino e a aprendizagem A escola, depois da famlia, uma instituio cuidadora. Um lugar no qual pode emergir o novo, o bom professor, aquele que ressignificaasimagenspessoaisdeformapositiva,constrilaossobreosaber de si mesmo e dos demais. Ensinar desvelar, acolher os posicionamentos que se articulam em sala de aula, preservar a capacidade de criar e de encorajar os estudantes a falarem para que emerjam sentimentos e novas aprendizagens.48

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O encontro entre o que ensinado e a subjetividade possibilitam o pensamento renovado, a criao, a gerao de novas produes. Para ensinar e aprender necessrio tolerar frustraes, calar necessidades, suportar a troca e a presena do outro.Aprender com os outros e a capacidade de amar os outros so a mesma coisa. Os processos de conhecer e amar tm conexes veladas. A conscincia de um eu como entidade separada e amada (gratificao narcsica) capacita o sujeito a aceitar o fato de que os objetos so separados e podem ser perdidos (RAMOS, 2001, p. 229).

preciso mostrar a possibilidade de suportar, em certa dose, os limites impostos pelo meio para usufruir das gratificaes oriundas do exerccio das prprias capacidades, em direo individuao e emancipao emocional e cognitiva. No aprender, o medo, a culpa, o desejo, oencontro,oprazer,adiferena,atenso,aconfiana,oafeto,oamor e o dio esto presentes e no so menos importantes que o espao, o tempo, a informao, a lgica e a imaginao. No paradoxo entre a realidade e a fantasia, a criana e o adolescente precisam sair de seu mundo e encontrar a realidade fora dele. Aprender a ganhar e aprender a perder; estabelecer relaes nem sempre por meio de semelhanas, mas por diferenas. Precisam compreender-se e compreender as outras pessoas; confrontar-se com pensamentos, fatos presentes e passados, aspectos e situaes contraditrias no prprio comportamento. Precisam pensar para no fracassar, serem orientados em direo ao vivel, analisando os desejos e possibilidades de realizao. Aprender representa um desafio, representa deparar-se com a insegurana e com o desconhecido, com o crescimento e a realidade. preciso querer sair de si mesmo, ter curiosidade e desejo de saber. Vivenciarumprocessonoqualapaixoeacognioserelaciona,poiso desejo transfere sentido ao aprender, provoca um investimento pessoal e a gerao de conhecimentos (RAMOS, 2001). Quando o sujeito aprisiona o pensamento para no confrontar-se com a ansiedade, o desejo suspendido e a distoro passa a representar-se em sintoma. Nesse sentido, o sintoma altera a capacidade de pensar, desloca-se ao, ou seja, atuao. Pode ser metaforizado como uma ferida que tenta afastar algo que precisa continuar escondido.49

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Para crescer preciso o consentimento consciente e inconsciente do outro. Para pensar no basta capacidade intelectual, necessria uma estrutura psquica construda em torno de relaes organizadoras do mundo interno. Quando prevalecem as identificaes projetivas, o pensamento destrudo. A impulsividade compromete as trocas intelectuais, sociais e afetivas. Muitos professores aprenderam a pensar tradicionalmente sobre seus alunos, aprenderam a tecer imagens. Imagens que validam comoreais,poisficampresosaelas.SegundoMrech(1999,p.26), pesquisas recentes revelam que os professores tendem a conservar as imagens dos alunos, de classes e de grupos, a partir de uma configuraoinicial.Aspalavrassoesquecidas,easpessoasso fixadasemimagens. Alguns docentes tm certeza de controlar os alunos com a manuteno das imagens que deles constroem. Querem que esses vejam o que julgam ser o melhor, tentando impor imagens ao grupo, gerando confuses difceis de remediar. So processos grupais que instauram mal-entendidos muito comuns em salas de aula. A aproximao entre psicanlise e educao comea a fazer sentido com essas proposies que consideram a articulao entre a subjetividade e a objetividade, a linguagem e o discurso social fundamentais na compreenso do sujeito. A educao marca os sujeitos enquanto semelhantes, mas no deve torn-los iguais ou rplicas uns dos outros. Mesmo sabendo-se que a educao est baseada na repetio, dever acontecer uma diferenciao nas relaes entre professor e aluno, para abastecer a construo de conhecimentos. A transmisso do conhecimento tem lugar no interior da linguagem.Tudolinguagemecadasignoremeteaumsignificado,filia-seao conhecido, ou ao desconhecido. O ato educativo s possvel no nvel simblico, no reconhecimento, por parte do professor, da posio que ocupae