a precipitação no contexto do estabelecimento do limite de crédito

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A Precificação no Contexto do Estabelecimento do Limite de Crédito Por Carlos Alexandre Sá A Teoria dos Jogos trouxe uma enorme contribuição para o problema da determinação dos limites de crédito. Na perspectiva da Teoria dos Jogos, o comprador e o vendedor são comparados a dois jogadores. O jogo no qual estão envolvidos é a operação de compra e venda que estão prestes a concluir. Este jogo é jogado em apenas uma rodada e os jogadores possuem informações assimétricas, ou seja, um dos jogadores (o comprador, no nosso caso) possui mais informações do que o outro (o vendedor). Isto porque o comprador sabe de antemão, e com relativo grau de precisão, se a probabilidade de ter condições de pagar ao vendedor é alta ou baixa. Já o vendedor, tudo o que ele sabe é a classe de risco do comprador. No entanto, em quase todas as classes de risco existem bons e maus pagadores e o vendedor não sabe com certeza em que categoria se enquadra o comprador. Consideremos que o vendedor possua uma venda pulverizada para clientes da mesma classe de risco do comprador. Isto quer dizer que, embora ele jogue poucas vezes com um único comprador, ele joga muitas vezes com a mesma classe de compradores. Neste caso a “lei dos grandes números” entra em ação e pode-se adotar uma solução estatística que faça com que o vendedor, no longo prazo, saia ganhando. Suponhamos que o produto que o vendedor comercialize possua a seguinte composição de custos quando vendida para um cliente cujo risco de inadimplência seja próximo de zero: Preço de Venda $ 10 Custo ($ 9) Margem $ 1 Isto quer dizer que, quando o vendedor vende e o comprador paga, ele ganha $ 1 (ou seja, 10% de margem). Quando o comprador não paga, o vendedor perde R$ 9. A pergunta que se faz é a seguinte: supondo que a inadimplência média

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Page 1: A precipitação no contexto do estabelecimento do limite de crédito

A Precificação no Contexto do Estabelecimento do Limite de Crédito

Por Carlos Alexandre Sá

A Teoria dos Jogos trouxe uma enorme contribuição para o problema da determinação dos limites de crédito. Na perspectiva da Teoria dos Jogos, o comprador e o vendedor são comparados a dois jogadores. O jogo no qual estão envolvidos é a operação de compra e venda que estão prestes a concluir. Este jogo é jogado em apenas uma rodada e os jogadores possuem informações assimétricas, ou seja, um dos jogadores (o comprador, no nosso caso) possui mais informações do que o outro (o vendedor). Isto porque o comprador sabe de antemão, e com relativo grau de precisão, se a probabilidade de ter condições de pagar ao vendedor é alta ou baixa. Já o vendedor, tudo o que ele sabe é a classe de risco do comprador. No entanto, em quase todas as classes de risco existem bons e maus pagadores e o vendedor não sabe com certeza em que categoria se enquadra o comprador.

Consideremos que o vendedor possua uma venda pulverizada para clientes da mesma classe de risco do comprador. Isto quer dizer que, embora ele jogue poucas vezes com um único comprador, ele joga muitas vezes com a mesma classe de compradores. Neste caso a “lei dos grandes números” entra em ação e pode-se adotar uma solução estatística que faça com que o vendedor, no longo prazo, saia ganhando.

Suponhamos que o produto que o vendedor comercialize possua a seguinte composição de custos quando vendida para um cliente cujo risco de inadimplência seja próximo de zero:

Preço de Venda $ 10

Custo ($ 9)

Margem $ 1

Isto quer dizer que, quando o vendedor vende e o comprador paga, ele ganha $ 1 (ou seja, 10% de margem). Quando o comprador não paga, o vendedor perde R$ 9. A pergunta que se faz é a seguinte: supondo que a inadimplência média deste segmento seja, digamos, 5 %, qual deveria ser a margem para que o vendedor, no longo prazo, tivesse o mesmo retorno sobre vendas do que o obtido junto a clientes cujo risco de calote seja próximo de zero? A equação abaixo ilustra a questão.

[(X% x 95%) – ((1-0,10) x 5%)] = 10%

Vamos analisar cada termo desta equação. A expressão - (X% x 95%) – exprime o quanto o vendedor ganha quando 95% dos clientes pagam. A expressão - ((1-0,10) x 5%) – exprime o quanto o vendedor perde quando 5% dos clientes não pagam. Resolvendo esta equação, encontramos X = 15,26%. A interpretação deste resultado é que, para que o vendedor fosse indiferente entre vender para um cliente livre de risco e vender para um cliente cuja probabilidade de inadimplência seja 5%, seria preciso que a margem do produto fosse 15,26% em vez de apenas 10%. Esta seria a melhor resposta do vendedor para entrar no jogo que se lhe apresenta.

Generalizando, podemos dizer que a margem que torna indiferente ao vendedor vender para qualquer cliente é dada pela equação:

Page 2: A precipitação no contexto do estabelecimento do limite de crédito

NMC =MCLR +(1 - MCLR ) x INC

(1 - INC)

Onde:

NMC – nova margem de contribuição

MCLR – margem de contribuição para clientes livre de risco

INC – porcentagem de incobráveis no segmento que se está analisando.

Exemplo:

A empresa Alfa vende para seus clientes livres de risco com uma margem de 10%. Qual a margem que deveria praticar quando vendesse para clientes que apresentem uma taxa de incobráveis de 2%?

Resposta:

MCLR = 0,10

INC = 0,02

NMC =0,10 +(0,90 x 0,02 )

(1 - 0,02)= 0,1204 ou 12,04 %

Existe, porém, nesta política um perigo para o qual a empresa deve estar atenta e que é o seguinte. Quando a nova margem de contribuição é muito elevada, os clientes que, embora pertencendo a uma classe de risco cuja probabilidade de calote seja muito elevada, são bons pagadores, podem não aceitar os novos preços propostos e, em consequência, buscar novas opções de fornecimento. Já os clientes que são maus pagadores, como sabem que, em caso de calote, o custo da inadimplência será, no todo ou em grande parte, transferido para o vendedor, não se importarão de aceitar um preço mais elevado. Isto provoca uma deterioração gradual da carteira de clientes. Este fenômeno é conhecido como “seleção adversa”. Neste caso, do ponto de vista puramente financeiro, ou seja, sem levar em consideração nenhum tipo de interesse político ou comercial, a melhor resposta para a empresa vendedora é não atuar neste segmento de mercado.

Para que o sistema de precificação diferenciada seja efetivo, ou seja, para que a empresa vendedora, mesmo perdendo em algumas vendas, saia ganhando no final, é preciso que as vendas sejam pulverizadas. Isto porque o resultado observado somente se aproxima da previsão estatística quando o número de observações cresce muito1. Se as vendas forem concentradas, isto é, se a empresa vender muito para poucos clientes, pode acontecer de o resultado das vendas bem sucedidas não serem suficientes para compensar as perdas havidas com as vendas mal sucedidas.

Carlos Alexandre Sá é professor e consultor

1 No jargão técnico, diz-se que o resultado observado tende para a previsão estatística à medida em que o número de observações tende ao infinito.