a prática do offset como um instrumento dinamizador

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

A PRTICA DO OFFSET COMO INSTRUMENTO DINAMIZADOR DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLGICO

Ronan Coura Ivo

Orientador: Arthur Oscar Guimares

Dissertao de Mestrado

Braslia-DF: Novembro / 2004

UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

A PRTICA DO OFFSET COMO INSTRUMENTO DINAMIZADOR DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLGICO

Ronan Coura Ivo

Dissertao de Mestrado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Mestre em Desenvolvimento Sustentvel, rea de concentrao em Poltica e Gesto de C&T, opo Profissionalizante.

Aprovado por:

_____________________________________ Prof. Dr. Arthur Oscar Guimares - UnB Orientador

_____________________________________ Prof. Dr. Eduardo Baumgratz Viotti - UnB

_____________________________________ Ivan Rocha Neto, PhD. - UCB

Braslia DF, 29 de novembro de 2004

IVO, RONAN COURA A Prtica do offset como instrumento dinamizador do desenvolvimento industrial e tecnolgico, 157 p. (UnB-CDS, Mestre, Poltica e Gesto de C&T, 2004). Dissertao de Mestrado Universidade de Braslia. Centro de Desenvolvimento Sustentvel. 1. Compensao Comercial, Industrial e Tecnolgica. 2. Prtica de offset 3. Desenvolvimento industrial e tecnolgico I. UnB-CDS 4. Negociao Internacional II. Ttulo (srie)

concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias desta dissertao e emprestar ou vender tais cpias somente para propsitos acadmicos e cientficos. O autor reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta dissertao de mestrado pode ser reproduzida sem a autorizao por escrito do autor.

______________________________ Ronan Coura Ivo

DEDICATRIA Janaina, minha esposa. Pelo apoio, carinho, compreenso e, sobretudo, pelo amor!

AGRADECIMENTOSA Deus, que tornou tudo possvel. Virgem Maria, pela constante intercesso. Aos meus pais, um porto seguro. Meu pai pela torcida, minha me pelas oraes e a ambos pelo amor. Dona Hlia, pelo carinho e motivao. Ao Sr. Jarbas e ao Raoni, pelo socorro nos momentos inusitados. Ao Professor Zuhair Warwar, quem me apresentou ao tema e estimulou o seu estudo. Ministra Marlia Sardenberg Zelner Gonalves, que permitiu e incentivou minha participao no curso de mestrado. Ao Brigadeiro-do-Ar Aprgio Eduardo de Moura Azevedo, ao Capito-de-Fragata Joo Roberto Carneiro e ao Tenente-Coronel Edmir Rodrigues pela ateno dispensada, pela solicitude e por responderem prontamente pesquisa realizada, o que contribuiu enormemente para a valorizao do presente estudo. Uma palavra especial ao Coronel Ancelmo Modesti, pela pacincia de amigo, pela troca de idias e pela forma como partilhou sua experincia e conhecimento. Aos professores do CDS, pelo privilgio do aprendizado e convvio. Ao amigo Marcello Reis, pela ajuda na busca de informaes sobre o assunto. Aos colegas e amigos pelo apoio para a realizao deste estudo. Em especial ao grande parceiro Rafael, ao amigo Cristian, sempre disposto a ajudar, ao Simeo e a toda a equipe pioneira do CGECon. Aos Professores Eduardo Viotti e Ivan Rocha, meus agradecimentos forma gentil com que aceitaram o convite para participarem da Banca e ao zelo e presteza na avaliao deste trabalho. Finalmente, ao meu orientador, Professor Arthur Oscar Guimares, por sua competncia e profissionalismo. Obrigado pela confiana, incentivo, amizade e dedicao a este trabalho. Meu mais sincero agradecimento.

RESUMOO presente estudo consiste em identificar e descrever as principais caractersticas da prtica de compensao comercial, industrial e tecnolgica, mundialmente conhecida como offset. Diante dos benefcios obtidos, diversos pases esto se valendo de prticas de compensao em suas aquisies de alto valor. As contrapartidas surgem na forma de transferncia de tecnologia, promoo das exportaes, elevao da capacidade industrial e gerao de emprego. A partir de uma pesquisa exploratria, buscou-se conceituar o offset, bem como as vrias formas sob as quais pode ser realizado. Do histrico de tal prtica, constata-se no s a sua significativa expanso nas mais diversas regies do mundo, mas tambm a criatividade com que os pases vm tratando do tema, adequando-o as suas necessidades e especificidades. De outro lado, o estudo demonstra que, apesar de serem considerados um dos precursores do offset no mundo, os Estados Unidos, h algum tempo, vm trilhando um caminho inverso, buscando restringir o emprego de tal ferramenta nas negociaes internacionais. A pesquisa revela tambm que, no Brasil, ainda tmida a explorao do offset, hoje restrito ao mbito da defesa, graas atuao das Foras Armadas, em especial da Aeronutica na aquisio de suas aeronaves. Constata-se que o Pas ainda no alcanou o nvel de conhecimento necessrio para melhor explorar as inmeras possibilidades decorrentes de tal prtica. O estudo ressalta ainda que o interesse na utilizao do offset funda-se na convico de que tal instrumento constitui alternativa capaz de apoiar o esforo exportador e o desenvolvimento de setores estratgicos da economia brasileira. Contudo, o offset no constitui, por si s, a soluo para os problemas industriais e tecnolgicos nacionais. Por fim, conclui-se que a experincia adquirida pelo Brasil, aliada aos significativos resultados alcanados no contexto internacional, permite antever inmeras possibilidades de tal prtica como importante ferramenta para o desenvolvimento comercial, industrial e tecnolgico do Pas, se um novo enfoque baseado numa nova poltica tecnolgico-industrial vier a ser adotado Brasil.

ABSTRACTThe following work consists of identifying and describing the main characteristics of the practice of commercial, industrial and technological compensation, widely known as offset practices. In the field of international negotiation, a variety of governments are applying offset mechanisms to high-value procurement operations due to benefits such as transfer of technology, promotion of exports, increasing industrial capabilities and job increase. Beginning with an exploratory research, we sought to define offset, as well as the many ways it may be practiced. From the analysis of the practices history, we can verify not only its significant growth all over the world, but also the creative ways different countries have found to approach it and adapt it to their needs and peculiarities. Additionally, this study demonstrates that, even though being considered pioneers of the practice, the United States have, for some time, been paddling upstream, seeking to restrict the application of this mechanism in international negotiations. This research also shows that offset efforts are still very timid in Brazil, except for the defense industry, thanks to the efforts of its Armed Forces, especially the Air Force and the acquisition of aircrafts. We were able to find that the country has of yet to garner a body of knowledge necessary to better explore the practices countless possibilities. The study also reinforces the notion that the interest in applying offset mechanisms is based on the conviction that such instrument is an alternative able to support commercial efforts and the development of industries strategic to Brazils national economy. Offset per se, however, does not constitute the solution for Brazils problems, technological or economical. Finally, we come to realize that Brazils accumulated expertise, added to meaningful results achieved internationally, allows us to perceive beforehand the practices many possibilities as a tool to advancing commercial, industrial and technological development, under the condition that new techno-industrial policies are adopted.

SUMRIO LISTA DE TABELAS LISTA DE QUADROS LISTA DE GRFICOS LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS INTRODUO 1 1.1 CONSIDERAES GERAIS.............................................................................. 21 CONCEITUAO.................................................................................................. 21

1.1.1 Produo sob licena ou produo licenciada......................................................... 29 1.1.2 Co-produo............................................................................................................. 29 1.1.3 Produo subcontratada........................................................................................... 31 1.1.4 Investimentos........................................................................................................... 32 1.1.5 Transferncia de tecnologia..................................................................................... 33 1.1.6 Countertrade............................................................................................................ 34 1.2 HISTRICO............................................................................................................ 37 1.2.1 Origem e evoluo do offset no mundo................................................................... 37 1.2.2 Origem e evoluo do offset no Brasil..................................................................... 52 2 2.1 2.2 ASPECTOS DO OFFSET NO MUNDO............................................................. 58 A PRTICA DO OFFSET SOB A TICA DA ORGANIZAO MUNDIAL 59 DE COMRCIO OMC......................................................................................... OFFSET NO MUNDO............................................................................................ 64

2.2.1 Europa Ocidental..................................................................................................... 72 2.2.2 Europa Central......................................................................................................... 74 2.2.3 Oriente Mdio........................................................................................................ 83 2.2.4 Amrica Latina...................................................................................................... 84 2.2.5 sia.......................................................................................................................... 88 2.2.6 frica...................................................................................................................... 90 2.2.7 Oceania................................................................................................................... 94 2.2.8 Amrica do Norte.................................................................................................. 96 2.3 POSTURA DOS ESTADOS UNIDOS EM RELAO AO OFFSET.................. 99

3 3.1 3.2 3.3 3.4

ASPECTOS DO OFFSET NO CONTEXTO NACIONAL............................... 106 REGULAMENTAO DO OFFSET NO BRASIL.............................................. 107 O OFFSET NO MBITO DO MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES. 118 O OFFSET NO MBITO DO MINISTRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDSTRIA E COMRCIO EXTERIOR.............................................................. 119 O OFFSET NO MBITO DO MINISTRIO DA DEFESA.................................. 122

3.4.1 Marinha.................................................................................................................... 124 3.4.2 Exrcito.................................................................................................................... 125 3.4.3 Aeronutica.............................................................................................................. 126 3.5 EXEMPLOS DA A PRTICA DE OFFSET NO BRASIL.................................... 128 3.5.1 Primeiro contrato de offset do Exrcito Brasileiro Helicpteros da Eurocopter... 128 3.5.2 FAB O Programa CL-X e P-3 BR........................................................................ 130 3.5.3 Projeto FX................................................................................................................ 133 3.6

PERSPECTIVAS PARA O OFFSET NO BRASIL......................................... 139

CONCLUSO................................................................................................................... 148 REFERNCIAS................................................................................................................. 153

LISTA DE TABELAS TABELA 1.1 Valor dos contratos de vendas de exportaes militares das empresas americanas e obrigaes de offset associadas - 1980/1987 (em milhes de dlares)......................................................................................................... 46 TABELA 1.2 Offsets recebidos das empresas americanas, por regio (1993-2000)........ 49 TABELA 1.3 Pases que mais receberam offsets de empresas de defesa dos EUA (1993-2000).................................................................................................. 50

LISTA DE QUADROS QUADRO 1.1 Prtica de offset em diversos pases (1983 a 1986).................................. QUADRO 2.1 Estratgias empresariais frente aos negcios que envolvam offset.......... QUADRO 2.2 Poltica de offset nos Pases..................................................................... QUADRO 2.3 Offset na Europa Ocidental ..................................................................... QUADRO 2.4 Offset na Europa Central ................................................................. QUADRO 2.5 Offset no Oriente Mdio .......................................................................... QUADRO 2.6 Offset na Amrica Latina......................................................................... QUADRO 2.7 Offset na sia .......................................................................................... QUADRO 2.8 Offset na frica........................................................................................ QUADRO 2.9 Offset na Oceania..................................................................................... QUADRO 2.10 Offset na Amrica do Norte................................................................... 43 66 69 75 80 85 89 91 95 98 98

QUADRO 3.1 Vantagens e Desvantagens das Propostas no Programa FX.................... 138 QUADRO 3.2 Estratgias Tecnolgicas.......................................................................... 144

LISTA DE GRFICOS GRFICO 2.1 Porcentagem de utilizao do offset por rea........................................... GRFICO 3.1 Principais Transaes do Contrato de Compensao EBEurocopter.... 71 130

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASAerospatiale AIAB AII ALCA AvEx BIS BNDES BP BXA CCC C&T CECOMAER CGECon CMID CNC COMAER COTAC CTA DAC DAS DEPED DIP DoD EB EMBRAER EMA EME EMGEPRON FAB FINEP GATT GPE IFI MAER MCT MD MDIC MEM Mercosul MF MME MPOG MRE MS MT NIP OMB Societ Nationale Industrielle Associao das Indstrias Aeroespaciais do Brasil Australian Industry Involvement Programme rea de Livre Comrcio das Amricas Aviao do Exrcito Bureau of Industry and Securety Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Balano de Pagamentos Bureau of Export Administration Contratos de Compensao Comerciais Cincia e Tecnologia Comit de Compensao do Ministrio da Aeronutica Centro de Gesto Estratgica do Conhecimento em Cincia e Tecnologia Comisso Militar da Indstria de Defesa Confederao Nacional do Comrcio Comando da Aeronutica Comisso de Coordenao de Transporte Areo Civil Centro Tcnico Aeroespacial Departamento de Aviao Civil Direo e Assessoramento Superiores Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento Defence Industrial Participation Departamento de Defesa dos Estados Unidos Exrcito Brasileiro Empresa Brasileira de Aeronutica S.A. Estado Maior da Armada Estado-Maior do Exrcito Empresa Gerencial de Projetos Navais Fora Area Brasileira Financiadora de Estudos e Projetos Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio Grupo de Participao Europia Instituto de Fomento e Coordenao Industrial Ministrio da Aeronutica Ministrio da Cincia e Tecnologia Ministrio da Defesa Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior Material de Emprego Militar Mercado Comum do Sul Ministrio da Fazenda Ministrio das Minas e Energia Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto Ministrio das Relaes Exteriores Ministrio da Sade Ministrio dos Transportes National Industrial Participation Office of Management and Budget

OMC OPEP OTAN P&D SAC SELOM SIVAM UNCITRAL VEM

Organizao Mundial do Comrcio Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo Organizao do Tratado do Atlntico Norte Pesquisa e Desenvolvimento Sistema de Aviao Civil Secretaria de Logstica e Mobilizao Sistema de Vigilncia da Amaznia United Nations Trade Law Varig Engenharia e Manuteno

Introduo

O processo de industrializao verificado no Brasil baseou-se no modelo de substituio de importaes, o que cooperou para que o Pas atingisse o maior ndice de crescimento mundial entre 1900 e 1980, desfrutando de elevadas taxas de crescimento de sua economia, mesmo no contando com um sistema organizado capaz de gerar inovaes. Com isto, o Pas conseguiu implantar um enorme e diversificado parque industrial, num nvel alcanado por poucos pases no mundo (GUIMARES; IVO, 2004). Tal esforo, todavia, no foi suficiente para manter o mesmo nvel de desenvolvimento econmico nas dcadas seguintes, nem garantir a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Em razo do modelo de substituio de importaes seguido pelo Brasil, a tecnologia adotada no processo de industrializao era basicamente aquela incorporada nas mquinas e equipamentos e, a exemplo dos demais pases em desenvolvimento, o acesso a tal tecnologia ocorria, em princpio, por meio das importaes e dos contratos de licenciamento de tecnologia1. Sucede que, ao longo dos anos, na medida em que os mercados locais cresciam, mquinas ou fbricas inteiras eram transferidas dos chamados pases ricos para os pases em desenvolvimento, como resultado do processo de transplantao do capital. O equipamento importado pelos pases em desenvolvimento costumava ser defasado tecnologicamente, quando no obsoleto e ineficiente, dificultando o processo de desenvolvimento tecnolgico endgeno de tais pases. Hoje, infelizmente, ainda grande a necessidade de importao de mquinas, produtos e equipamentos diversos, o que vem acarretando, ano aps ano, considervel remessa de divisas do Brasil para o exterior, o que se traduz num incentivo pesquisa, ao desenvolvimento e ao fortalecimento do parque industrial dos fornecedores internacionais.Uma definio bastante aproximada da idia que em geral as pessoas tm de tecnologia apresentada por Rocha (1996, p.131) que a considera como sendo o conhecimento aplicado produo de bens e servios e aos seus processos. Na mesma linha, para Guimares (1997, p. 26) a tecnologia compreende um conjunto de conhecimentos cientficos teis e aplicveis a uma variada gama de projetos, processos e produtos. Guimares estabelece ainda uma diviso conceitual entre tecnologia explcita e implcita, nesse sentido, o conceito bsico aqui tratado o de tecnologia implcita, ou seja, aquela embutida nos produtos e equipamentos. Ver GUIMARES, 1997, p. 26.1

Ademais, no se pode perder de vista que, a partir da intensificao do processo de globalizao, as indstrias como um todo tm demonstrado uma tendncia internacionalizao e rpida transferncia de tecnologia, com o intuito de diversificar mercados, com reduo de riscos e manuteno dos lucros. Todavia, ainda com a marca de uma tecnologia abaixo da fronteira do conhecimento. A dcada de 1990 marca o processo de abertura da economia brasileira, sendo possvel consider-lo a mais profunda mudana de perspectiva enfrentada pela economia do Pas. A reduo tarifria e a poltica de remoo de barreiras comerciais ocorridas nesse perodo afetaram sobremaneira a economia nacional, que, por essa razo, tornou-se mais exposta concorrncia estrangeira. Tais acontecimentos indicaram a necessidade tanto de adequao das empresas nacionais ao novo padro de desenvolvimento, como de ajustes prvios nas polticas pblicas em funo dessa nova realidade. A idia bsica desse novo contexto era a de que, com a abertura do mercado interno, automaticamente se elevaria a presso competitiva entre os pases, o que acarretaria a mudana do padro tecnolgico at ento adotado nas empresas. De outro lado, o Poder Pblico deveria atuar como incentivador para que a economia aumentasse a sua produtividade. Com a transformao dos padres de competitividade aos quais as empresas brasileiras estavam acostumadas, em virtude das mudanas estruturais sofridas pela economia no processo de abertura comercial, houve fortes ajustes nos mtodos de produo dessas empresas, que passaram a adotar, de maneira crescente, tcnicas de produo poupadoras de custos e baseadas em mo-de-obra menos rgida (via terceirizao, por exemplo). O mais grave, no entanto, que tais ajustes na economia se deram a partir de uma competitividade espria e no na sua forma ideal, qual seja, a de uma competitividade autntica. Conforme constata o documento de Diretrizes de Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior do Governo Federal (2003, p. 4), nos anos 90, apesar da modernizao e do aumento da produtividade em vrios setores industriais, o Pas no conseguiu ampliar a sua base exportadora nem reverter a tendncia de queda de participao no comrcio internacional. Desse modo, se o modelo econmico adotado no Brasil nas dcadas anteriores no mais satisfatrio, ou sequer disponvel, o modelo a ser adotado pelo Pas num breve futuro,

em princpio deveria considerar, dentre outros fatores, os avanos atuais nos fluxos de informaes entre os pases, o que permite a estes e s empresas escolherem a forma mais vivel para as suas aquisies internacionais. Nesse contexto, dado o carter oligopolstico presente no mercado internacional de tecnologia, o offset surge como importante instrumento dinamizador do acesso ao conhecimento, tecnologia e mesmo a capitais. Isso porque, a partir de grandes aquisies internacionais, abre-se ao pas ou empresa adquirente a oportunidade de escolher formas de compensao sua aquisio, tais como privilegiar a entrada ou a manuteno de seus produtos nos mercados externos, incentivar a exportao do bem final para um determinado mercado, atrair investimento direto para a produo local, promover a venda de servios e de partes e componentes, estimular a formao joint-ventures, facilitar a absoro de tecnologias por meio da transferncia de tecnologia, entre outras alternativas. Em vista de tais consideraes, lcito asseverar que, no caso do Brasil, pas caracterizado por uma tradio de importao de tecnologias em pacotes fechados, o que inviabiliza o seu desenvolvimento, tornou-se fundamental a utilizao de polticas de importao que priorizassem a adequada internalizao da tecnologia. O Pas h de considerar ainda que as mudanas provocadas pelo processo de globalizao tm acirrado a concorrncia entre as empresas, indstrias, regies e pases, estimulando a demanda por produtos e processos diferenciados, viabilizados pelo desenvolvimento intensivo e acelerado de novas tecnologias e novas formas de organizao. Essa nova dinmica no cenrio mundial reala a importncia do offset, instrumento j muito utilizado por um grande nmero de pases como parte de suas polticas pblicas voltadas para o desenvolvimento econmico. Por definio2, o offset constitui toda e qualquer prtica compensatria acordada entre as partes, como condio para a importao de bens, servios e tecnologia, com a inteno de gerar benefcios de natureza industrial, tecnolgica e comercial. (grifo do autor)

2

Definio da Portaria Normativa n 764/MD, de 27 de dezembro de 2002, que aprova a Poltica e as Diretrizes de Compensao Comercial, Industrial e Tecnolgica do Ministrio da Defesa.

Tambm conhecido como prtica de compensao comercial, industrial e tecnolgica, o offset tem possibilitado aos mais diferentes pases obter diversos benefcios a partir de grandes importaes, na maioria das vezes produtos ou servios de alto valor agregado. Tais benefcios, geralmente de natureza comercial e, especialmente, tecnolgica, vm sendo utilizados oportunamente por muitas naes para promoverem o aumento da capacitao industrial e tecnolgica de suas indstrias, bem como para elevar os padres de competitividade nacional e internacional de suas empresas. Diante desse contexto, o presente estudo motivado pela identificao de que a prtica de compensao comercial, industrial e tecnolgica vem sendo utilizada por muitos pases como forma de buscar o fortalecimento tecnolgico e o desenvolvimento industrial, e tambm como instrumento capaz de criar alternativas comerciais que possibilitem uma maior insero internacional, criando, assim, condies favorveis para o desenvolvimento dessas naes. A identificao do uso de tal prtica no contexto internacional levou ao questionamento sobre o entendimento e institucionalizao do tema no Brasil, em especial na esfera das organizaes do Governo Federal, que tivessem alguma experincia mais significativa na matria e que estivessem contribuindo para o desenvolvimento e maximizao do uso da prtica do offset no Brasil. O estudo realizado se concentra nos casos em que diversas naes, em grandes aquisies internacionais, utilizam a prtica da compensao como instrumento de estmulo ao desenvolvimento comercial, industrial e tecnolgico, exigindo do fornecedor internacional compensaes que reduzam o esforo financeiro, promovam a transferncia de tecnologia, incentivem a promoo das exportaes e estimulem a produo interna. Para tanto, apresenta-se aqui um enquadramento conceitual em torno de como a prtica da compensao, associada a grandes aquisies, pode contribuir com a poltica industrial, tecnolgica e de comrcio exterior, constituindo fator importante para a dinamizao do desenvolvimento industrial e tecnolgico, uma vez que facilita o acesso da indstria local a novas tecnologias, conhecimentos e mercados. Contudo, no faz parte do objeto de estudo o aprofundamento sobre cada uma das modalidades sob as quais se concretiza o offset, mas se busca entender e explicitar as

principais concluses e influncias do conceito geral de tal prtica e como a sua utilizao pode contribuir para o desenvolvimento tecnolgico nacional. De outro lado, como a prtica de offset tem origem na rea de defesa, grande parte dos dados e informaes apresentados nessa dissertao incide no contexto da indstria de defesa. Apesar disso, o enfoque dado no se direciona a uma discusso em torno da importncia de tal indstria, mas apenas demonstrao da prtica de compensao utilizada na negociao dos diversos produtos e servios, seja na rea de defesa3, na qual se constatou uma maior experincia no assunto, seja na rea civil. Portanto, verificar a institucionalizao da prtica de compensao comercial, industrial e tecnolgica no Brasil, com vistas ao favorecimento da dinamizao do desenvolvimento industrial e tecnolgico o objetivo aqui perseguido. Mais especificamente, busca-se por meio do presente estudo identificar os principais conceitos e modalidades da prtica do offset; traar um panorama da prtica do offset no cenrio mundial; identificar os principais atores e atividades desenvolvidas no mbito do Governo Federal; e prever as perspectivas da utilizao do offset no contexto nacional. Os objetivos a serem alcanados no presente estudo justificam-se diante das rpidas mudanas que se colocam para a economia brasileira no incio de um novo sculo, trazendo tona a necessidade de formulao de estratgias e alternativas de desenvolvimento capazes de responder a novos desafios. O planejamento, portanto, imprescindvel para se alcanar maior eficincia nos gastos do setor pblico, de modo que, ao lado de uma maior capacidade de regulao, seja possvel identificar as principais tendncias tecnolgicas mundiais e as oportunidades tecnolgicas para o Pas. Partindo-se desse contexto, desponta a relevncia de se analisar como a prtica de compensao comercial, industrial e tecnolgica offset vem sendo entendida e utilizada no mbito do Governo Federal. Tal anlise ganha relevo quando se percebe que a aplicao de talO presente estudo privilegia a utilizao do termo defesa ao termo militar. Tal deciso se deve a percepo de que o uso da palavra militar guarda uma relao estritamente ligada a questo blico-armamentista. Enquanto a expresso defesa envolve um entendimento mais abrangente e no apenas restrito ao tema blico. Desse modo, a referncia indstria militar leva associao quase que exclusiva ao fabrico de armas, munies, bombas, msseis, tanques etc. Enquanto a meno a indstria de defesa sugere alm desses a fabricao e desenvolvimento de produtos e servios ligados a sistemas de inteligncia, sistemas de informao, sistemas de radares, tecnologias de controle do espao areo, monitoramento ambiental etc.3

prtica pode evidenciar o poder de compra do Estado como fonte de vantagem competitiva, proporcionando a gerao de resultados e de aes mais eficazes no estmulo s exportaes, inovao4 e ao desenvolvimento tecnolgico, como vetores dinmicos da atividade industrial. Vale ressaltar ainda que o offset envolve a compensao de tecnologias avanadas de grande efeito multiplicador, com vistas obteno de tecnologias para a indstria nacional e modernizao tecnolgica de setores chaves da economia. Ao possibilitar a internalizao de novas tecnologias, tal prtica contribui sobremaneira para atenuar os problemas de balano de pagamentos e de baixas reservas, o que extremamente importante se consideradas as dificuldades enfrentadas pelo Pas com o Balano de Pagamento (BP). De outro lado, a importncia do offset pode ser visualizada tambm no mbito comercial, como ilustra trecho da Carta enviada Financiadora de Estudos e Projetos FINEP pelo Instituto de Fomento e Coordenao Industrial IFI j no ano de 1989, concernente exigncia de clusulas de compensao na importao de aeronaves para a aviao comercial:A exigncia mnima de 10% sobre o valor FOB, feita sobre as importaes de avies entre 1981 e 1986, teria proporcionado, caso tivesse sido efetivamente exercida, exportaes de produtos brasileiros no montante de 334 milhes de dlares norte-americanos, enquanto projees conservativas para os prximos 5 (cinco) anos apontam para valores da ordem de 110 (cento e dez) milhes de dlares norte-americanos.

Nesse sentido, espera-se que o presente trabalho contribua para uma melhor compreenso do tema e, conseqentemente, ajude a despertar o interesse pelo assunto, possibilitando assim que estudos mais aprofundados possam ser realizados no intuito de potencializar o uso do offset pelo Estado, de forma a maximizar seus resultados no mbito da indstria nacional.4

Segundo Guimares (1997, p. 28), inovao constitui a introduo e difuso de produtos e processos novos e melhorados na economia, encontrando-se os seguintes tipos: inovao tecnolgica incremental e inovao tecnolgica radical. Segundo o autor, a primeira caracteriza-se pela introduo de mudanas progressivas decorrentes do aprendizado tecnolgico, sem a utilizao de novos conhecimentos, sendo pouco intensiva em contedo tcnico-cientfico. A segunda fundamenta-se na aplicao indita de conhecimentos tcnico-cientficos novos, provocando mudana radical do contedo cientfico da tecnologia empregada, permitindo falar que tais inovaes so tecnologias densas em conhecimentos tcnico-cientficos inditos.

No que se refere metodologia, os dados e informaes aqui apresentados resultam de uma pesquisa exploratria, cujas caractersticas so as mais adequadas ao objetivo geral desse estudo, pois, alm da falta de informaes sistematizadas na literatura sobre o tema, esse tipo de pesquisa recomendado para investigaes que tenham a funo de esclarecer conceitos e idias e aumentar a familiaridade do pesquisador com o ambiente especfico (GIL, 1996, MARCONI; LAKATOS, 2002)5. Vale destacar que a referida falta de informaes decorre especialmente do fato de que a prtica do offset concentra-se sobretudo na rea de defesa, o que dificulta o acesso s informaes, notadamente pelo grau de confidencialidade com o qual o tema tratado nesse meio. Em razo disso, na pesquisa foram consultadas regulamentaes internacionais sobre a prtica de offset, bem como documentos dos Ministrios das Relaes Exteriores, da Defesa e do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio, que igualmente buscam regulamentar o tema no Brasil. Tambm foram utilizados textos, palestras e discursos de autoridades especialistas brasileiros e estrangeiros, bem como realizou-se entrevistas com profissionais que atuam com o offset no Ministrio da Defesa, na Marinha, na Aeronutica e no Exrcito6. Utilizou-se, tambm, publicaes internacionais dedicadas ao offset, bem como livros, artigos, peridicos, teses, websites e outras publicaes no oficiais sobre o tema. Os Relatrios Anuais do Congresso dos Estados Unidos constituram as principais fontes de informao que embasaram o presente estudo. Diante de todo o exposto, a Dissertao foi estruturada em trs captulos. O primeiro apresenta a base terica do offset, partindo-se da anlise das definies elaboradas por diversos especialistas no assunto, bem como do conceito adotado no Brasil pela Portaria n 764, do Ministrio da Defesa, que se constitui um primeiro passo para a disseminao do conceito e dessa prtica em territrio nacional. Em seguida, faz-se uma breve exposio da

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O carter descritivo da pesquisa se justifica pelo objetivo de se compreender um fenmeno particular e complexo, e descrev-lo em suas particularidades, objetivando o seu funcionamento no presente (GIL, 1996, p. 46; MARCONI; LAKATOS, 2002, p. 20), como o caso da prtica de compensao industrial, comercial e tecnolgica, em especial no mbito do Governo Federal.

No se trata de uma pesquisa amostral, mas uma averiguao qualitativa referente ao entendimento dessas quatro instituies quanto ao offset. Assim, a escolha dos representantes dessas instituies baseou-se no conhecimento e distinta experincia de tais profissionais sobre o assunto.

6

classificao do offset, seguida das suas diferentes modalidades sob as quais pode se concretizar no mbito das transaes internacionais. O primeiro captulo procura ainda traar um breve histrico do offset no mundo, delineando os primeiros acordos que envolveram essa prtica, a fim de que se possa melhor compreender como ela vista hoje no cenrio mundial. Tal histrico tambm traado no panorama brasileiro, com alguns exemplos que demonstram o cenrio do offset no Pas. No segundo captulo, apresenta-se como o offset vem sendo encarado e utilizado no cenrio internacional. Primeiramente, mostra-se a posio da OMC - Organizao Mundial de Comrcio, frente a esta prtica, seguida de um esboo das principais razes que levam distintos pases a utilizarem o offset. Nesse mesmo captulo feito o exame da forma como o offset vem sendo praticado nas diferentes regies do mundo, Europa, sia, Oriente Mdio, frica, Amrica do Norte e Amrica Latina, destacando-se algumas caractersticas relevantes de alguns pases na forma como conduzem o offset. Por fim, especial destaque conferido ao tratamento dado pelos Estados Unidos ao tema, tendo em vista a importncia desse pas no histrico dessa prtica e a posicionamento peculiar que aquela nao adota em relao ao assunto atualmente. No terceiro captulo, apresenta-se um panorama da prtica do offset no Brasil. Inicialmente, faz-se uma anlise da Portaria n 764/MD, que constitui o diploma que atualmente regulamenta o assunto no Brasil, com a exposio de seus pontos positivos e negativos. Em seguida, faz-se uma exposio dos principais atores de offset no mbito do Governo Federal (Ministrio das Relaes Exteriores, Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, Ministrio da Defesa e seus trs comandos Marinha, Exrcito e Aeronutica), bem como o papel desempenhado por cada um deles. Posteriormente, o estudo ilustrado com os atuais programas governamentais que esto exigindo acordos de offset. Finalmente, busca-se fazer uma anlise das perspectivas do offset para o Pas, especialmente a partir do ponto de vista da Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior adotada pelo Governo Federal. O trabalho finalizado com algumas concluses acerca de como a ferramenta do offset pode ser melhor utilizada no Brasil, a partir de todas as informaes coletadas e analisadas.

1 CONSIDERAES GERAIS

No Brasil, o offset constitui-se em tema ainda pouco conhecido e, em razo disso, no foi devidamente explorado, ao contrrio de outros pases no mundo, que j possuem uma vasta histria no uso de tal prtica como ferramenta para o desenvolvimento comercial, industrial e tecnolgico. exceo do Ministrio da Defesa (MD), particularmente o Comando da Aeronutica, que possui relativa experincia com o tema, so raros os rgos do Governo Brasileiro que tiveram algum contato mais profundo com esta prtica de compensao. Diante de tal constatao e especialmente considerando a forma equivocada que, por vezes, a palavra vem sendo utilizada no Pas, sobretudo pela mdia, importante estabelecer a conceituao do offset, bem como de alguns termos a ele relacionados, imprescindveis compreenso pretendida neste estudo. Da mesma forma que essencial a compreenso da definio de offset, faz-se necessrio tambm que se proceda a um breve levantamento de alguns dados histricos essenciais ao entendimento da prtica tal como ela vista hoje. Nesse sentido, ser relevante fazer um breve delineamento do perodo histrico em que aconteceram os primeiros acordos de offset e, principalmente, o objeto de tais acordos e a estratgia subjacente a eles.

1.1 CONCEITUAO

Se se considerar a traduo puramente literal do termo offset, este consiste em compensao. Todavia, considerando a generalidade desta expresso, os especialistas conceituam offset sob os mais diversos contextos. E, nem todas as definies so iguais. Para se ter uma idia da divergncia de conceitos que envolvem o tema, alguns entendem que o termo offset refere-se somente compensao industrial, enquanto outros o utilizam apenas nas prticas de compensao comercial, e h ainda os que consideram o offset como uma das formas de countertrade, conceito esse que ser oportunamente explorado.

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Alm disso, para alguns especialistas, o offset limita-se s transaes na rea militar, enquanto para outros as operaes civis tambm so contempladas pelo termo. Na tentativa de se traar um caminho acerca do conceito de offset, vale-se, primeiramente, da definio formulada pelo Office of Management and Budget (OMB) do Gabinete do Presidente dos Estados Unidos, ainda que sob uma perspectiva estritamente militar. Aps realizar um estudo a respeito da aplicao do offset e suas implicaes na indstria americana no perodo compreendido entre os anos de 1984 e 1988, o OMB atribuiu a seguinte definio ao offset: uma gama de prticas de compensao industrial e comercial exigidas como condio para a compra de exportaes militares (OMB, 1989) 7. Dessa maneira, o conceito relevante porque no limita a prtica de compensao apenas ao mbito comercial ou industrial, ao contrario do que fazem alguns especialistas. Contudo, com j salientado, a restrio em relao a tal definio reside na limitao rea militar. Da porque Shanson (2004, p.321) contesta a definio proposta pelo OMB, argumentando que essa uma definio incompleta porque limita a prtica de offset ao uso militar. H muitos pases que aplicam o offset s aquisies civis tambm. No Brasil, a despeito de uma utilizao tmida do offset, j se buscou uma definio acerca do tema, que no poderia deixar de ser analisada no presente trabalho. Tendo em vista o fato de que a utilizao do offset vem ocorrendo, primordialmente, no mbito militar, o Ministrio da Defesa editou a Portaria n. 764, de 27 de dezembro de 2002, que constitui um importante marco para a prtica de offset no Brasil, pois aprovou a Poltica e as Diretrizes de Compensao Comercial, Industrial e Tecnolgica do Ministrio da Defesa. Em tal documento, foi apresentada a seguinte definio para o offset: toda e qualquer prtica compensatria acordada entre as partes, como condio para a importao de bens, servios e tecnologia, com a inteno de gerar benefcios de natureza industrial, tecnolgica e comercial.87 8

Esse estudo foi realizado por um grupo de trabalho inter-agncias e coordenado pelo OMB. 1989.

Descreve complementarmente a Portaria n 764: Esses benefcios podero ser concretizados na forma de: a) co-produo; b) produo sob licena; c) produo subcontratada; d) investimento financeiro em capacitao

industrial e tecnolgica; e) transferncia de tecnologia; f) obteno de materiais e meios auxiliares de instruo; g) treinamento de recursos humanos; e h) contrapartida comercial.

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V-se, pois, que a definio adotada pelo Brasil mais abrangente que a seguida pelos Estados Unidos, pois engloba a prtica de compensaes no s sob o enfoque militar, mas tambm civil. Ademais, o conceito abrange as reas em que o offset pode ser explorado e trazer benefcios, tais como a comercial, a industrial e a tecnolgica, essa ltima no constante da definio americana. Saliente-se ainda que a referncia ao termo as partes, utilizado na Portaria, significa dizer que em tais acordos h um interesse do governo, que se envolve direta ou indiretamente com algum governo estrangeiro ou empresa internacional que atenda a seus interesses. Por fim, a conceituao brasileira caracteriza-se pela preocupao em listar as principais formas sob as quais o offset pode ser utilizado. Ressalte-se, contudo, o carter meramente exemplificativo dessa lista, na medida em que o conceito de offset se refere a toda e qualquer prtica que envolva compensao, o que permite a adoo de novas formas de offset. De toda sorte, as formas j enumeradas no conceito sero posteriormente exploradas para um melhor entendimento da matria. Especificamente em relao natureza das transaes envolvidas no offset, a Comisso das Naes Unidas para o Direito do Comrcio Internacional (UNCITRAL, 1993, p. 9-10)9

compreende o tema apenas como compensao de natureza industrial e, nesse contexto,

entende que offset consiste no fornecimento de bens de alto valor ou de tecnologia avanada, que podem incluir a transferncia de tecnologia e conhecimentos tcnicos, promoo de investimentos e medidas que facilitem o acesso a determinado mercado. Observe-se que, no obstante a restrio rea industrial, este conceito d substancial enfoque para os benefcios que o offset pode proporcionar a determinado pas, tais como a transferncia de tecnologia, a promoo de investimentos e o acesso a novos mercados.

United Nations Commission on International Trade Law. UNCITRAL. Legal Guide on International Countertrade Transactions. New York, United Nations Publication. 192p, 1993. Segundo este documento, a UNCITRAL pretendeu estabelecer um marco para a progressiva harmonizao e unificao da prtica de offset no mbito da nova ordem econmica internacional.

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Vale salientar ainda que, para a UNCITRAL, os chamados offsets fazem parte da famlia de prticas de comrcio compensatrio, caracterizadas da seguinte forma:As operaes de comrcio compensatrio so aquelas em que uma parte prov mercadorias, servios, tecnologia ou algum outro valor econmico a uma segunda parte e, em contrapartida, a primeira parte compra da segunda uma quantidade acordada de mercadorias, servios, tecnologias ou algum outro valor econmico (Op. cit., p.5).

Ainda em relao natureza da prtica envolvida, Verzariu (2000, p.5) visualiza o offset como uma forma de compensao comercial. Nesse sentido, argumenta:O termo offset comumente utilizado no meio internacional tanto para denotar as prticas de compensaes comerciais relacionadas as vendas de sistema civis de alto custo, tais como sistemas de telecomunicaes ou aeronaves comerciais, quanto aquelas relacionadas s vendas de material de defesa, e que requerem obrigaes recprocas, como por exemplo, obrigaes relacionadas ampliao da capacidade de produo industrial no militar do pas importador, podendo incluir responsabilidade conjunta para a execuo de um programa especfico de produo e para estimular as compras no pas importador, inclusive de produo subcontratada.

Assim, embora Verzariu limite o offset ao mbito comercial, faz a devida extenso da prtica s reas civil e militar, salientando tambm as vantagens que podem ser adquiridas desses contratos. H ainda quem defina o offset como uma das formas que integram o countertrade, que guarda o seguinte conceito:Compromisso recproco celebrado a partir de um acordo de compensao, por meio do qual o pas ou a empresa exportadora vende bens e servios ao pas ou empresa importadora e concorda em comprar bens desse ltimo, em valor ou percentual referente ao valor do objeto da negociao. (OMB, 1989)

Seguindo essa corrente, Leister (2000, p.81) apresenta a seguinte definio para o offset:So denominadas offsets as operaes de countertrade formalizadas por acordos globais de compra e recompra para a compensao de saldos, que envolvam exportao de mercadorias e bens de alto valor agregado, em geral

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aeronaves, material blico, transportes ferrovirios e produtos de alto contedo tecnolgico, como imposio dos governos dos pases importadores desses bens, de forma a obter um impacto positivo na economia do pas importador.

Quanto abrangncia dos termos countertrade e offset, vale a observao de Verzariu (2000, p.5):As definies sobre as transaes com compensao usadas pela indstria ou encontradas na literatura aberta e em publicaes governamentais, normalmente referem-se apenas ao acordo de countertrade ou ao acordo de offset. Eles so muitas vezes inconsistentes em definir o formato dessas duas prticas. Por exemplo, em seu relatrio para o Congresso, em 1985, o U.S. International Trade Commission, definiu countertrade como um contratoquadro10 abrangendo todas as formas e classificaes de acordos de compensao. Entretanto, em seu relatrio anual para o Congresso, sobre o impacto dos acordos de compensao nas exportaes militares dos Estados Unidos, o U. S. Executive Branch usa o termo offset como um acordo quadro que compreende o countertrade como uma forma de acordo de offset que se vincula unicamente troca recproca na movimentao de bens e servios. Nessa ltima interpretao, o offset envolve, alm do countertrade uma gama de prticas de compensao encontradas nos programas de aquisies governamentais. (grifo do autor)

Assim, apesar de se reconhecer que os termos countertrade e offsets so muitas vezes utilizados para descreverem transaes negociais similares, deve-se evitar confuses de terminologia entre as duas prticas compensatrias. Desse modo, o entendimento desses dois conceitos que norteam este trabalho muito se aproxima daquele apontado por Verzariu na anlise das definies constantes do relatrio do Governo dos Estados Unidos sobre o impacto da prtica do offset nas exportaes militares daquele pas, que apresenta o seguinte teor:10

Segundo LEISTER (2000) contrato-quadro consiste num protocolo onde as partes se comprometem a vender e a comprar mercadorias ou a fornecer servios, tudo proveniente de seus pases de origem num dado perodo de tempo. onde estaro fixados os objetivos das partes, bem como o tempo previsto para a consecuo de tais objetivos. Trata-se de instrumento nico contendo estipulaes acerca de todo o negcio a ser realizado, previses no que respeita aos principais tpicos, e remessa contratos ancilares em quanto as particularidades. Sua utilizao no constitui bice para a finalizao do negcio, desde que atendida a vontade das partes e uso de meios previstos para a soluo de conflitos. Prevendo a compensao financeira pari passu com a execuo do contrato, e tendo como elemento extrnseco a confiana recproca. ainda chamado de frame agreement, umbrella agreement, memorandum of understanding, letter of undertaking, etc.

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Countertrade significa estritamente uma troca recproca de bens e servios. J o offset consiste num acordo-quadro de uma gama de prticas de compensao comercial e industrial requerida como condio para compra em qualquer venda comercial de governo a governo.(VERZARIU, Op. cit. p. 5 grifo do autor)

Como visto, as definies apresentadas pelos mais diversos especialistas no assunto diferem no grau de especificidade e no enfoque. No entanto, fica claro que a noo de cooperao portencial tem lugar de destaque nos acordos de offset e isso est explcito na maior parte das conceituaes encontradas na literatura, podendo tambm estar subentendido nas definies mais simples, tal como a de Shanson (2004, p.319), para quem, em seu significado convencional e mais amplo, o offset a obrigao de o exportador empreender um programa de investimento como condio para ganhar um contrato. Diferentes pases utilizam o offset como forma de obter compensaes de fornecedores estrangeiros quando da aquisio de bens e servios, na maioria das vezes de alto valor agregado e de tecnologias avanadas de grande efeito multiplicador. Tais compensaes visam obteno de tecnologias e carga de trabalho para a indstria nacional, com a conseqente modernizao tecnolgica de setores-chave da economia. Em razo disso, cada vez mais freqente, por parte das empresas exportadoras, a oferta de compensaes em valores maiores que os do bem exportado, como forma de elevar a competitividade. Com isto, hoje comum compensaes que representem mais de 100% do valor do bem que a empresa exportadora pretende vender. Nesse contexto, interessante perceber o efeito imediato do offset tanto para o pas adquirente como para o pas ofertante em vendas internacionais. Por um lado, a exigncia de acordos de offsets pelos pases interessados em aquisies internacionais de grande vulto pode servir como importante instrumento dinamizador de acesso ao conhecimento, tecnologia e a capitais. Por outro lado, o oferecimento de offsets, a partir de grandes vendas internacionais, pode servir como instrumento essencial de poltica comercial para obteno de acesso a mercados pelos pases ofertantes.

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No Brasil, a Empresa Brasileira de Aeronutica S.A. (EMBRAER) um bom exemplo disso, pois acumula experincias tanto da perspectiva de uma beneficiria de offsets, quanto de uma ofertante.11 Diante de todas estas consideraes e tendo em vista as vrias definies apresentadas, prevalecer neste sentido a definio estabelecida pela j referida Portaria n 764/MD por diversas razes: a) o objetivo do presente trabalho precipuamente analisar o papel do offset no contexto nacional; b) ao contrrio de outras definies, a conceituao brasileira no se restringe rea militar; c) a Portaria abrange as dimenses comercial, industrial e tecnolgica; e d) a definio brasileira cuida de enumerar formas de realizao do offset, o que facilita sua visualizao. Uma vez definido o offset, cumpre destacar, entre outros, a classificao de tal prtica em direto e indireto. Os offsets diretos so oriundos das compensaes aplicadas diretamente ao produto transacionado. Ou seja, envolvem acordos diretamente relacionados ao contedo do contrato. J os offsets indiretos advm dos compromissos do exportador com o pas importador, no que diz respeito a bens (commodities, por exemplo) e servios no relacionados com o produto principal transacionado Tais formas de compensao tambm so previstas na Portaria n 764 do Ministrio da Defesa: a) Compensao direta: refere-se aos acordos de compensao que envolvem bens e servios diretamente relacionados com o objeto dos contratos de importao; e b) Compensao indireta: refere-se aos acordos de compensao que envolvem bens e servios no diretamente relacionados com o objeto dos contratos de importao. A UNCITRAL (1993), por sua vez, tambm faz referncia compensao industrial direta e indireta, apresentando significado bastante similar aos apontados pela referida Portaria, como se pode notar: a) Compensao industrial direta: quando as partes acordam fornecer reciprocamente mercadorias relacionadas ao objeto do contrato, tanto do ponto de vista tecnolgico como comercial; e11

A Embraer (...) tem experincia com o tema offsets, tanto como beneficiria de esquemas de compensao comercial, industrial e tecnolgica, negociadas pelo Governo Brasileiro, quanto como empresa exportadora, qual governos de outros pases demandam compensaes quando das negociaes para a venda de seus produtos. (RZEZINSKI e SERRADOR, 2004, p. 149).

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b) Compensao industrial indireta: refere-se a uma operao em que um determinado organismo pblico compra mercadorias de alto valor, ou aprova essa compra, exigindo do provedor que efetue compras compensatrias no pas comprador ou que se aporte a este um valor econmico em forma de investimentos, de tecnologia ou de assistncia em terceiros mercados. Assim, a partir de tais conceitos, plenamente vivel a celebrao de um nico acordo de offset que contenha compensao direta e indireta, o que bastante explorado por diversos pases. Existe ainda a chamada compensao no relacionada, que se refere s transaes de compensao que envolvam bens e servios no relacionados nem com o objeto dos contratos, nem com o setor a que este pertence, mas a outros setores da economia. Por fim, destaque deve ser dado s formas como o offset se concretiza, o que varia em razo das necessidades das especificidades de cada regio. Segundo o Capito-de-Fragata da Marinha Joo Roberto Carneiro (2004)12, a aplicao prtica do offset est cada vez mais complexa, envolvendo transferncia de tecnologia, investimentos diretos em empresas, desenvolvimento de programas conjuntos, co-produo industrial, e diversas modalidades de countertrade, atividades que podem contribuir diretamente para o aprimoramento da base industrial. Os resultados da decorrentes dependem da criatividade, capacidade e possibilidades dos pases ou das empresas exportadoras, bem como do pas importador ou de suas empresas. O Departamento do Tesouro norte-americano cataloga o offset nas seguintes categorias: co-produo, licenciamento direto, produo subcontratada, investimento externo e transferncia de tecnologia (Leister, 2000). De outro lado, a Portaria Normativa n 764/MD, alm de abranger estas mesmas modalidades de offset, com pequenas diferenas na nomenclatura, tambm abrange outras categorias. Relacionam-se, a seguir, as principais modalidades de offset apresentadas pela referida Portaria.12

CARNEIRO, J.R. Estado-Maior da Armada. Subchefia de Logstica e Mobilizao. (Comunicao pessoal)

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1.1.1 - Produo sob licena ou produo licenciada

Tal modalidade de offset consiste na reproduo de um componente ou produto que tenha origem no exterior, baseado em um contrato comercial de transferncia de informao tcnica entre empresas fornecedoras estrangeiras e os fabricantes nacionais. Verzariu (2000) conceitua a produo sob licena como sendo a produo externa de um produto originado num pas exportador, baseado na transferncia de informao tcnica, a partir de um acordo comercial direto entre um produtor exportador e um governo ou produtor importador. Tal produo se d mediante o licenciamento, parcial ou total, de partes e componentes do bem negociado, formalizado diretamente pelas partes contratantes e, geralmente, h transferncia de tecnologia. Como exemplo, pode-se citar a produo licenciada dos helicpteros da empresa francesa Aerospatiale (Societ Nationale Industrielle), adquiridos pelo Exrcito Brasileiro. Para o cumprimento das obrigaes, a Aerospatiale formou um consrcio com as empresas nacionais Helibras (Helicpteros do Brasil S.A.) e Engesa (Engenheiros Especializados S.A.).

1.1.2 Co-produo

A Portaria n 764/MD conceitua co-produo nos seguintes termos:Refere-se produo realizada no Pas, baseada em um Acordo entre o Governo Brasileiro e um ou mais governos estrangeiros, que permita ao governo ou empresa estrangeira fornecer informaes tcnicas para a produo de todo ou parte de um produto originado no exterior.

Em outras palavras, a co-produo diz respeito produo realizada no pas importador, baseada em um acordo entre os governos do pas importador e de um ou mais governos exportadores, por meio do qual garante que o governo ou a empresa exportadora fornea

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informaes tcnicas para a produo, pelo pas importador, de todo ou parte de um produto originado no exterior. Assinale-se que a Portaria n 764 considera nesta modalidade de offset apenas os acordos de licena intergovernamentais, no incluindo os acordos interempresariais, tambm chamados joint-ventures, que consistem licenas comerciais celebradas entre duas ou mais empresas privadas. Leister (2004) afirma que a co-produo, que se d mediante acordos

intergovernamentais, a forma contratual mais utilizada de offset, ao lado dos acordos interempresariais (as joint ventures). Tais acordos tm como principal objeto a transferncia de tecnologia, permitindo ao comprador o acesso informao tcnica para a produo total ou parcial do bem negociado. Esse tipo de acordo normalmente no inclui licena para uso de marca e comercializao, mas implica ao e responsabilidade conjunta do pas importador e exportador pela fabricao e/ou comercializao dos bens. Apesar da aparente semelhana, a co-produo e a produo licenciada so diferentes, porque nesta ltima h a possibilidade de o pas ou empresa exportadora valer-se da utilizao da marca no produto licenciado, bem como comercializ-lo. J na co-produo, esta utilizao da marca e comercializao no possvel. A co-produo pode envolver desde a montagem at a produo de componentes ou partes inteiras do produto no pas importador, baseada na informao tcnica e na transferncia de tecnologia recebida do pas vendedor. Esse tipo de compensao apresenta caractersticas bastante significativas dentro do universo das compensaes, pois muitos pases vem nos acordos de co-produo a oportunidade para desenvolver a indstria local, uma vez que poder se beneficiar da experincia da empresa fornecedora. Alm disso, um outro aspecto positivo, nesse caso, que o mercado para o produto que ser fabricado geralmente j est estabelecido. Todavia, um aspecto pouco positivo, portanto no atrativo da co-produo, o de que esta modalidade pode concretizar-se a partir de mtodos e tcnicas j muito conhecidos, sem grandes inovaes, como uma simples fundio de metal, por exemplo, no havendo, portanto, aprendizado tecnolgico significativo ou transferncia de tecnologias avanadas. Por outro lado, quando se trata de produo que envolve processos de avanada tecnologia, muitos pases podem encontrar dificuldades para exigir as compensaes, em virtude da

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incapacidade de sua indstria responder aos requisitos necessrios para a participao na produo. De toda sorte, um exemplo de como essa modalidade pode ser proveitosa encontra-se na compra de 223 aeronaves F-15 da empresa americana McDonnell Douglas pelo Japo. Segundo Silva (2001, p.69)13, as quatorze primeiras aeronaves foram produzidas nos EUA. J as oito seguintes tiveram sua fabricao por mdulo no Japo. Por fim, para a produo das 201 aeronaves restantes, tambm j fabricadas no Japo, foi transferida japonesa Mitsubishi a tecnologia necessria para fabricar material composto plstico e, assim, co-produzir componentes para esses avies. Para Silva (Op. cit., p. 70), essa experincia foi significativa para o Japo, pois, como contrapartida aquisio, o governo japons obteve transferncia de tecnologia e as licenas necessrias para que as aeronaves pudessem ser construdas no pas, possibilitando reforar a base industrial local do setor aeronutico.

1.1.3 Produo subcontratada

Trata-se a produo subcontratada de alternativa bastante freqente nos acordos de compensao, por meio da qual a empresa exportadora (com obrigaes de offset) contrata uma ou mais empresas do pas importador para produzir componentes ou partes do bem negociado. Assim, nessa modalidade, h a produo, no pas importador, do todo ou parte de um produto ou componente originado de um fornecedor estrangeiro. A subcontratao no envolve, necessariamente, a licena de informaes tcnicas e, usualmente, um acordo comercial direto entre o fornecedor estrangeiro e o fabricante nacional.

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SILVA, Joo Pedro Taborda da. Utilizao de contrapartidas associadas a grandes compras na dinamizao da inovao tecnolgica: Uma metodologia de estruturao de casos. 2001. 149 f. Dissertao (Mestrado em Engenharia e Gesto de Tecnologia) Instituto Superior Tcnico, Universidade Tcnica de Lisboa, Lisboa.

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Nesse caso, geralmente, no h transferncia de tecnologia, licenciamento de marca ou autorizao para comercializao do produto. A estratgia comum por trs desse tipo de compensao a reduo dos custos na compra, o estmulo produo no pas comprador, visando ao aumento da carga de trabalho, bem como a gerao de benefcios a setores industriais em crise. Cumpre destacar que, mesmo nesse caso, h a oportunidade de os pases importadores de tecnologia terem seus trabalhadores diretamente envolvidos na produo, de forma a concretizar-se um processo fundamental de aprendizagem tecnolgica, mesmo que de maneira indireta.

1.1.4 - Investimentos

Nos termos do Anexo II da Portaria n 764/2002, esta modalidade de offset diz respeito aos investimentos realizados pelo fornecedor estrangeiro, originado de um Acordo de Compensao, na forma de capital para estabelecer ou expandir uma empresa nacional por intermdio de uma joint-venture ou de um investimento direto. No que concerne s joint-ventures, ou seja acordos interempresariais, Leister (2000, p.108) chama a ateno para o seguinte fato:As joint-ventures, tambm como forma de materializao da transferncia de tecnologia, podem apresentar formas negociais e contratuais que as caracterizem como acordos de recompra. Vejamos: a empresa que integrar a joint-venture como aporte de tecnologia transferida; ou garante a venda a terceiros de parte da produo da empresa conjunta, ou, ainda, garante a repartio de reserva de mercado, tudo consistindo em contrapartida. No raro as compensaes sob a forma de investimentos envolvem tambm a implementao de P&D (pesquisa e desenvolvimento), realizada em conjunto pelas empresas contratante e contratada. Tais medidas so freqentemente empregadas para proporcionar instalaes industriais para a produo local e, alm disso, so muito utilizadas pelos pases como forma de diversificar suas economias.

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Como exemplo, a empresa brasileira Helibras tem recebido, ao longo desses anos de contrato de compensao com a Aviao do Exrcito (AvEx), investimentos de sua controladora, a Eurocopter, expandindo sua capacitao industrial, como reala Rodrigues (2003, p.29).

1.1.5 Transferncia de tecnologia

Transferncia de tecnologia refere-se ao procedimento que ocorre como o resultado de um Acordo de Compensao, que poder se dar sob as seguintes formas: a) pesquisa e desenvolvimento; b) assistncia tcnica; c) treinamento; ou d) outras atividades. Tais formas de transferncia de tecnologia so frutos de acordos comerciais diretos com os fornecedores estrangeiros, que representem um aumento qualitativo do nvel tecnolgico do Pas. Nesse caso, o pagamento em dinheiro substitudo, no todo ou em parte, pelas formas de compensao previstas nesse item. freqente a formao de centro de pesquisa e desenvolvimento cientfico e tecnolgico como forma de concretizar a compensao. Para Rodrigues (2003, p.26), nesse tipo de operao a transferncia de tecnologia manifesta-se pela licena de produo, a qual proporciona um mximo de transferncia de tecnologia, porque a venda de uma licena para fabricar um produto no pas comprador envolve normalmente a transferncia do pacote completo de dados tcnicos associada ao produto. Essa modalidade de operao atraente a um pas que j tenha instalaes de produo avanadas e queira aumentar sua base tecnolgica sem que haja a necessidade de grandes investimentos em P & D para produzir o item. Um exemplo interessante no Brasil ocorreu com a implementao do programa de aquisio e lanamento dos satlites BRASILSAT A1 e A2, que teve, como parte das

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compensaes, a transferncia de tecnologia, resultando, inclusive, na instalao do Centro de Tecnologia da Telebrs, em Braslia, custeada pela empresa vendedora.14 Alguns especialistas advogam que esta parece ser a melhor forma de compensao, a partir da perspectiva da indstria local do pas comprador, pois acreditam que, nessa modalidade de compensao ocorre realmente a transferncia de tecnologia, uma vez que a empresa nacional participa da concorrncia da empresa estrangeira desde o incio.

1.1.6 Countertrade

Em adio s modalidades de compensao definidas anteriormente e constantes da Portaria n 764/MD, outros tipos de acordos comerciais podem ser exigidos em aquisies internacionais. Os acordos de compensao sob a forma de countertrade podem, por vezes, assemelhar-se, pura e simplesmente, s operaes de troca. Todavia, a ausncia de pagamentos em moeda no o suficiente para caracterizar uma operao de countertrade. Na verdade, countertrade consiste no compromisso recproco que se celebra a partir de um acordo de compensao, em que o pas ou empresa exportadora vende bens e servios ao pas ou empresa importadora e concorda em comprar bens desse ltimo, no valor ou percentual referente ao montante da venda original, ou seja, referente ao valor do objeto da negociao. Esse contrato pode incluir um ou mais tipos de mecanismos, tais como: a) Troca (Barter): refere-se a uma nica transao, limitada sob um nico Acordo de Compensao, que especifica a troca de produtos ou servios selecionados, por outros de valor equivalente. Nesse caso, h uma troca de mercadorias ou produtos, que substitui o pagamento em dinheiro. No entanto, quando as mercadorias no so de igual valor, a diferena poder ser saldada com o uso de moeda ou outro valor econmico.

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Vale acrescentar a relevncia desse exemplo, pois se trata de uma das primeiras transaes no Pas envolvendo offset civil. Ver a respeito em MODESTI, Ancelmo. Offset: teoria e prtica, in Panorama da prtica do Offset no Brasil. 2004.

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A primeira experincia do Brasil com operaes envolvendo compensaes concretizou-se sob a forma de barter. As aeronaves Gloster Meteor TF-7 e F-8, adquiridas pela Fora Area Brasileira (FAB), na dcada de 50, foram pagas em valor equivalente por algodo. b) Buy-Back (ou acordos de recompra): trata-se de um acordo de compensao com o fornecedor estrangeiro para que ele aceite como pagamento total ou parcial produtos derivados do produto originalmente importado. Nessa hiptese, a empresa exportadora fornece um bem ou equipamento e compromete-se a adquirir produtos ou mercadorias fabricados a partir desse bem, objeto do contrato. Normalmente, a empresa exportadora transfere a tecnologia necessria, proporciona capacitao do pessoal e, algumas vezes, at fornece componentes ou material ao pas importador, os quais sero utilizados na produo das mercadorias. Segundo Leister (2000), essa modalidade de compensao representa cerca de 9% das operaes de countertrade, sendo esta uma operao de fcil caracterizao, mas de difcil implementao: a forma amplamente utilizada para a venda inicial de instalaes para um complexo industrial completo, de alto custo, cujo pagamento ser efetuado em mercadorias a serem produzidas no prprio complexo industrial, aps sua completa instalao e entrada em funcionamento. Esse tipo de operao apresenta-se, muitas vezes, como uma alternativa de difcil implementao para os pases exportadores de tecnologia, uma vez que o pagamento por parte do pas importador dar-se- por meio dos bens produzidos com a utilizao do produto adquirido. O problema para os pases exportadores reside no fato de que pode haver um grande intervalo de anos entre a exportao do produto e o recebimento do pagamento, aps o incio da produo. J para os pases importadores, esse tipo de operao os permite minimizar o impacto da aquisio no balano de pagamentos, considerando a forma e o tempo que se leva para o incio do pagamento, por meio dos bens produzidos. Um outro aspecto positivo para esses pases reside no fato de que, pagando com produtos, o pas importador atenua uma dificuldade inicial relacionada escala de produo. Alm disso, a empresa responsvel pela fabricao do bem adquire experincia

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internacional para ter acesso ao mercado global e tem a chance de desenvolver uma parceria internacional de longo prazo com a empresa exportadora fornecedora do produto objeto do primeiro contrato. c) Contra-Compra (Counter-Purchase): constitui-se em um acordo com o fornecedor estrangeiro para que ele mesmo compre, ou consiga um comprador para um determinado valor em produtos de fabricante nacional (normalmente estabelecido como uma percentagem do valor da aquisio), durante um perodo determinado. Em outras palavras, o exportador aceita como pagamento total ou parcial produtos no relacionados com o produto original exportado, o que difere dos acordos de recompra. As obrigaes nesse tipo de compensao normalmente envolvem, de um lado, um rgo estatal, e de outro, empresas do setor privado. Esse tipo de operao admite o envolvimento de terceiros e pode ser efetuada pela empresa fornecedora, por alguma outra empresa designada pela fornecedora ou pelo pas da empresa fornecedora. Desse modo, a obrigao de adquirir produtos do pas importador pode ser cumprida, por exemplo, por um terceiro pas. Essa uma das formas mais comuns de compensao. Diferencia-se da subcontratao, pelo fato de que o bem ou produto objeto da primeira compra no utilizado para a manufatura de produtos ou mercadorias a serem comprados pela empresa fornecedora no cumprimento de suas obrigaes de offset. Uma importante caracterstica que todas as operaes de compra e venda so pagas em moedas. Esse tipo de compensao ocorreu no Brasil, por exemplo, quando da aquisio de aeronaves americanas MD-11 pela Varig, ocasio em que houve um acordo de contra-compra de 10% do montante do valor da aquisio. Tecidas estas breves consideraes acerca do conceito de offset e as diversas modalidades utilizadas pelos pases para a sua concretizao, cabe um breve exame dos fatos histricos que deram origem ao offset, e que tambm auxiliam compreenso da forma como tal prtica vista no mundo. Em seguida, far-se- tambm uma incurso histrica nos fatos mais relevantes a respeito do offset no Brasil.

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1.2 HISTRICO

1.2.1 Origem e Evoluo do Offset no Mundo

Com relao a sua origem, a prtica de offset remonta aos anos 40 do sculo XX. Naquela poca, os Estados Unidos encorajaram alguns tipos de countertrade e trocaram produtos agrcolas por minerais estratgicos e servios. Essas transaes foram amparadas pelo Comodity Credit Cooperation Act, de 1949, que foi o instrumento legal estabelecido pelo governo americano para a realizao dessas aes. Segundo Modesti (2004), o offset foi criado em 1944, em Bretton Woods, na mesma ocasio em que surgiram o Banco Mundial e o Fundo Monetrio Internacional. Assim, deduzse que a idia inicial do offset teria origem em uma reunio dos pases aliados que, na poca, buscavam recursos financeiros e arcabouo legal para o restabelecimento da ordem mundial no ps-querra e na reconstruo da Europa e do Japo. Em outras palavras, a utilizao do offset pelos EUA, sob a forma de countertrade, de bens de alto valor agregado foi necessria durante o processo de reconstruo da Europa e do Japo. Alm disso, a referida prtica permitiu que se alcanassem resultados importantes que cooperaram para o fortalecimento da capacidade econmica, industrial e de defesa no s dos Estados Unidos, como tambm de seus aliados. Baptista (In LEISTER, 2000)15, no entanto, credita a inveno do countertrade a Hjalmar Schachst, ento Ministro das Finanas da Alemanha de Hitler. Buscando recuperar-se dos resultados da Primeira Grande Guerra, a Alemanha em crise encontrava-se numa armadilha econmica. Fabricava alguns produtos industriais, mas necessitava de matriasprimas para produzir e exportar e assim, obter divisas, ao mesmo tempo em que ampliava ou, ao menos procurava manter o mesmo nvel de emprego. Assim, este era o ciclo vicioso em que o pas se encontrava: sem divisas, a Alemanha no tinha como obter matrias-primas; sem elas, inviabilizava-se a produo, sem a qual esvaziava as ofertas de exportao pelo pas.15

BAPTISTA, Luiz Olavo. In Aspectos Jurdicos do Countertrade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 344p., 2000

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poca, a Alemanha tinha como principais fornecedores e clientes os pases do arruinado Imprio Austro-Hngaro, que precisavam das manufaturas alems, mas que tambm atravessavam crises monetrias. A soluo ento encontrada para a crise generalizada daria origem primeira forma de compensao. A sada encontrada conduziu a um sofisticado programa, denominado Kompensation Gegenseitigkeitsgechfte (negcios de reciprocidade), correspondente a trocas de manufaturados por matrias-primas, com retorno parcial em divisas, quando possvel. Esse seria o ponto de partida das operaes envolvendo compensaes naquele pas. Nesse ponto, vale salientar que, na Amrica Latina, o problema de escassez de divisas era semelhante ao vivido pela Alemanha, embora decorrente de causas diferentes. Nesse contexto, foram estabelecidos acordos de compensao no mbito da Associao LatinoAmericana de Integrao (ALADI), com aspectos semelhantes forma utilizada pela Alemanha e que, depois, teriam sido repetidos por outros pases europeus. Segundo Baptista (op. cit., p.10), o maior obstculo enfrentado pela Amrica Latina no que se refere aos acordos de compensao foi a dificuldade de informao, e nesse sentido o autor afirma que os pases da regio no estabeleceram, ainda, o nvel de comunicao e de conhecimentos recprocos que permitiria a esse comrcio desenvolver-se. De toda sorte, no obstante a incerteza quanto data ou o local exato de sua origem no mundo, pode-se afirmar que o offset tornou-se possvel a partir de interesses polticos, com o propsito de arregimentar novos aliados e consolidar hegemonias, e ainda de interesses econmicos, com vistas conquista de novos mercados, manuteno e expanso dos j existentes e ao equilbrio dos balanos de pagamentos. E tais interesses concretizaram-se na forma de cooperao entre os pases. No decorrer de dcadas, ainda que mantida a idia original, os acordos de cooperao modificaram-se, evoluram e hoje se manifestam sob as mais variadas formas, dentre as quais se destaca o offset, instrumento desenvolvido a partir de necessidades e interesses especficos e que hoje se alicera na busca de reciprocidade e proporcionalidade. Portanto, alm de sua origem, importa perceber tambm o contexto em que desponta a prtica de compensao. A partir de um enfoque histrico, possvel atestar que o seu

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surgimento decorre de interesses econmicos e polticos, no importando a que verso se credite tal inventividade. O certo que tal prtica obteve notvel impulso com o incio da Guerra Fria, poca em que o mundo estava dividido em blocos, havendo a consolidao do ento modelo bipolar. Os pases mais fortes utilizavam-se de tratados, acordos, financiamentos, concesso de crditos e at exportao de armas para a conquista de novas reas de influncia. Outras naes, por seu turno, utilizavam-se desses acordos como alternativa para sobreviverem s restries econmicas advindas desse perodo. A Unio Sovitica, por exemplo, reagindo ao modelo ocidental que se fortalecia, passou a oferecer ajuda econmica e militar aos pases potencialmente aliados do Terceiro Mundo, como forma de aumentar sua rea de influncia. Nesse sentido, em 1953, firmou um acordo comercial bilateral com a ndia e, em seguida, o ouro de Moscou16 socorreu diversos pases como Egto, Sria, Iraque, Afeganisto, Imen do Norte, Gana, Mali, Guin, Cuba e Vietn do Norte. Os Estados Unidos, por outro lado, empenhavam-se na reconstruo da Europa e do Japo, por meio do Plano Marshall. Segundo Modesti (2002)17, entre 1950 e 1973, os Estados Unidos trocaram aproximadamente US$ 6,65 bilhes em excedentes agrcolas com os pases aliados, havendo os japoneses trocado bens e servios por petrleo. Nesse perodo, a co-produo era a forma de compensao mais empregada no mundo. Tal mecanismo tambm viria a ser utilizado pelos pases do Leste Europeu na dcada de 60, a partir de uma estratgia que buscava principalmente atenuar seus dficits comerciais. Num primeiro momento, compreendido entre as dcadas de 40 e 50, tanto nos diversos pases europeus, como no Japo, as operaes de offset ligadas indstria foram realizadas principalmente sob a forma de produo sob licena e co-produo de aeronaves militares norte-americanas, assim como de partes e componentes de aeronaves, msseis e outros sistemas blicos. Importante sublinhar que as operaes de offset caracterizavam-se, poca,16

Expresso normalmente vinculada ao apoio financeiro dispensado pela ex-URSS aos pases aliados e parceiros comerciais.

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MODESTI, Ancelmo. Offset Compensao Comercial, Industrial e Tecnolgica da Aeronutica - Curso de Negociao de Contratos Internacionais e Acordos de Compensao da Marinha do Brasil, Escola de Guerra Naval, Marinha do Brasil. 2002. Apostila.

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por pouca transferncia de tecnologia. A maior parte das compensaes consistia na fabricao e montagem de componentes metlicos e equipamentos mais simples. Tais caractersticas, contudo, mudaram no decorrer da dcada de 50, perodo em que houve uma considervel evoluo e incremento das operaes de offset. Logo no comeo dessa dcada, o Governo dos EUA aprovou o Defense Production Act, de 1950, cuja finalidade era controlar os pedidos de exportao de materiais de defesa das empresas daquele pas e, conseqentemente, manter o controle sobre os acordos de offset. Na dcada de 60, a prtica do offset expandiu-se em razo da estratgia de alguns pases compradores de tecnologias interessadas em criar uma base industrial de defesa. Ao adquirir novas tecnologias e tcnicas modernas de gerenciamento, tais pases puderam atenuar os problemas de balana de pagamentos. Nesse perodo, a citada prtica foi crescentemente utilizada tanto pela Unio Sovitica como pelos Estados Unidos, como forma de consolidao de sua rea de influncia sobre outros pases. De fato, o offset possibilitou a esses pases ampliar seu poder estratgico, ao gerar novos importantes pontos de apoio. No Ocidente, por exemplo, os EUA conseguiram criar grande dependncia nos pases beneficirios dos acordos de seus produtos militares. Se por um lado os pases compradores viam no offset um importante instrumento capaz de apoiar a criao de uma base industrial nacional de defesa ou a oportunidade de adquirir tecnologias e equilibrar suas balanas de pagamentos, de outro lado, nos Estados Unidos, crescia uma preocupao do governo com a crescente demanda de tecnologias s empresas americanas por meio de solicitaes de acordos de offset. Dessa forma, o pas, por intermdio de seu Departamento de Defesa (DoD), passou a controlar as solicitaes de offset na rea de compras militares. Nos anos 70, o aumento do preo do petrleo, resultante de ao coordenada pela Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP) gerou um aumento extraordinrio nos gastos dos pases importadores desse produto, refletindo negativamente nos seus balanos de pagamentos. Tal situao provocou um aumento significativo das solicitaes de offset, pois em virtude do aumento abusivo de suas despesas com petrleo, os pases importadores, ficaram mais sensveis a quaisquer outros gastos.

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A solicitao de offset, diante dessa conjuntura de crise, apresentou-se como importante instrumento para a obteno de moeda forte, gerao de empregos e at obteno de novas tecnologias. Os membros da OPEP, por sua vez, tambm lanaram mo desse instrumento no incio dos anos 80, quando baixaram os preos do petrleo, o que provocou uma queda nas receitas desses pases18. No decorrer dos anos 70 e 80, acordos mais complexos de offset comearam a ser negociados, no se restringindo apenas esfera militar, sendo tambm implementados na esfera civil: na indstria de aviao civil, na indstria nuclear, em aquisies de gros, de maquinaria e equipamentos pesados, caracterizados por transaes de centenas de milhes de dlares. Como exemplo desses acordos, citem-se os programas de co-produo de origem civil, utilizados por indstrias do Canad e da Itlia, com vistas produo de partes e componentes de aeronaves DC-9 e DC-10, da empresa Douglas Company dos EUA, em contrapartida compra de aeronaves por empresas de transporte areo daqueles pases. Com o fim da Guerra Fria, as alianas polticas, que at ento eram, entre outros aspectos, decorrentes do medo, passaram a se pautar por interesses econmicos. Sobressaram, nesse cenrio, as perspectivas multilaterais e regionais (LEISTER, 2000). Nesse perodo, portanto, verificou-se um crescimento da demanda por acordos de offset. Esse cenrio refere-se no s ao nmero de negcios envolvendo acordos de compensao, como tambm complexidade desses acordos, tanto na rea de defesa como na rea civil. De fato, nesse perodo, um nmero crescente de pases passou a incluir em suas aquisies, solicitaes de alguma compensao, em formatos e modelos cada vez mais complexos. O reflexo da bipolarizao mundial nos acordos de offset foi substitudo por uma multipolarizao, como decorrncia das mudanas no contexto mundial. O bloco sovitico, por outro lado, vivia um ambiente extremamente difcil nesse perodo, particularmente pela incapacidade de o modelo econmico ali adotado atender s demandas por bens de produo e18

Leister (2000) enumera uma srie de razes que, aliadas s ocorrncias desestabilizadoras verificadas na dcada de setenta, levaram uma ampla gama de pases a se utilizar da prtica do offset para o equilbrio de suas contas externas. Com efeito, nesta dcada verificou-se um incremento do offset, que passou a ser praticado (com maior intensidade) por pases de renda mdia e baixa e pelos pases produtores de petrleo, atribudo esse incremento s sucessivas crises do petrleo e da dvida. Ainda segundo a autora, nesse perodo a prtica do offset permitiu contornar a crise ocasionada pela necessidade de importao de petrleo enquanto fonte de energia e escapar aos requerimentos da OPEP (LEISTER, 2000, p.57-58).

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consumo. A economia estagnou-se e o bloco assistiu ao declnio da sua capacidade produtiva e perda de competitividade dos seus produtos. Essa situao conduziu os pases que compunham o bloco socialista a buscarem a cooperao econmica com outros pases, estimulados a realizarem prticas ancoradas em operaes comercias no tradicionais. Em todo mundo, nessa poca, cresceu o interesse pela aplicao de acordos de offset nas negociaes internacionais. O quadro 1.1, permite observar que muitos pases, especialmente aqueles alinhados Unio Sovitica, no ficaram imunes a essa onda crescente de adeso prtica do offset. Como se pode observar, aproximadamente 41% dos pases listados apresentavam uma freqncia mdia (2 a 4% de seu comrcio internacional) de utilizao de offset nas suas transaes internacionais; 35% utilizavam esse mecanismo com uma freqncia acima da mdia, enquanto a minoria, 24%, utilizavam-se de tal instrumento em uma freqncia abaixo da mdia. possvel atestar que aproximadamente 41% dos pases relacionados no quadro 1.1 ofereciam assistncia governamental para a prtica do offset. Em 33% do total, as operaes de offset contavam com incentivos governamentais. E, embora 8% dos pases no apresentassem qualquer poltica relacionada prtica de compensao, nos 18% restantes tal prtica j era obrigatria naquele perodo (1983 a 1986). O offset normalmente influenciado por alguma forma de interferncia governamental. Na verdade, o governo desempenha um papel essencial na prtica de offset, atuando como negociador ou facilitador dos negcios e tambm, atuando na posio de comprador ou vendedor de produtos que daro origem a um acordo de compensao. Infere-se, ainda, da anlise do quadro 1.1, que a prtica de compensaes no comrcio internacional mostrou-se til a vrios pases, e diversas foram as razes que os levaram a adotar a utilizao de offset, tais como problemas com pagamentos externos ou a promoo de exportao de commodities e de produtos manufaturados, ou ainda o estabelecimento de cooperao industrial ou de relaes bilaterais especiais.

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QUADRO 1.1 Prtica de offset em diversos pases (1983 a 1986) (1/2)PAS frica do Sul Albnia Alemanha Oriental Algria Arbia Saudita Argentina Brasil Bulgria Canad Chile China Colmbia Coria Costa Rica Egito Equador Estados Unidos Filipinas Honduras Hungria ndia Indonsia Ir Iraque FREQNCIA acima da mdia acima da mdia acima da mdia acima da mdia abaixo da mdia abaixo da mdia acima da mdia acima da mdia abaixo da mdia abaixo da mdia mdia abaixo da mdia abaixo da mdia mdia mdia mdia abaixo da mdia acima da mdia mdia mdia Acima da mdia Acima da mdia Acima da mdia Acima da mdia POLTICA assistncia governamental offset obrigatrio incentivos para o offset incentivos para o offset assistncia governamental incentivos para o offset incentivos para o offset offset obrigatrio nenhuma poltica nenhuma poltica incentivos para o offset incentivos para o offset assistncia governamental assistncia governamental assistncia governamental incentivos para o offset nenhuma poltica assistncia governamental nenhuma poltica assistncia governamental incentivos para o offset offset obrigatrio offset obrigatrio offset obrigatrio MOTIVO exportao de commodities; relaes bilaterais especiais problemas com pagamentos externos; cooperao industrial exportao de produtos manufaturados exportao de commodities; problemas com pagamentos externos; cooperao industrial exportao de commodities (petrleo) exportao de produtos manufaturados; problemas com pagamentos externos problemas com pagamentos externos; exportao de produtos manufaturados cooperao industrial exportao de produtos manufaturados problemas com pagamentos externos problemas com pagamentos externos; cooperao industrial exportao de produtos manufaturados; exportao de commodities exportao de produtos manufaturados exportao de produtos manufaturados; exportao de commodities exportao de produtos manufaturados; problemas com pagamentos externos exportao de produtos manufaturados; exportao de commodities problemas com pagamentos externos relaes bilaterais especiais exportao de produtos manufaturados; problemas com pagamentos externos exportao de commodities; exportao de produtos manufaturados cooperao industrial; exportao de produtos manufaturados cooperao industrial; problemas com pagamentos externos exportao de produtos manufaturados; problemas com pagamentos externos exportao de commodities; problemas com pagamentos externos exportao de commodities; problemas com pagamentos externos

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QUADRO 1.1 Prtica de offset em diversos pases (1983 a 1986) (2/2)PAS Israel Iugoslvia Jamaica Japo Jordnia Malsia Marrocos Mxico Nigria Nova Zelndia Paquisto Peru Polnia Rep. Dominicana Romnia Tailndia Tanznia Tchecoslovquia Tunsia Turquia Unio Sovitica Uruguai Venezuela Zmbia Zimbabwe FREQNCIA Mdia Mdia Mdia abaixo da mdia Acima da mdia Mdia Mdia mdia acima da mdia mdia acima da mdia acima da mdia acima da mdia mdia acima da mdia abaixo da mdia mdia mdia mdia mdia mdia abaixo da mdia abaixo da mdia mdia abaixo da mdia POLTICA offset obrigatrio incentivos para o offset assistncia governamental assistncia governamental incentivos para o offset offset obrigatrio incentivos para o offset assistncia governamental offset obrigatrio assistncia governamental assistncia governamental incentivos para o offset incentivos para o offset assistncia governamental offset obrigatrio assistncia governamental assistncia governamental incentivos para o offset assistncia governamental assistncia governamental incentivos para o offset assistncia governamental assistncia governamental assistncia governamental incentivos para o offset MOTIVO exportao de produtos manufaturados exportao de produtos manufaturados; cooperao industrial exportao de commodities (bauxita) exportao de produtos manufaturados exportao de commodities (fosfato) cooperao industrial; exportao de produtos manufaturados; exportao de commodities exportao de produtos manufaturados problemas com pagamentos externos; relaes bilaterais especiais exportao de commodities (petrleo) exportao de commodities (carne) exportao de commodities; problemas com pagamentos externos exportao de produtos manufaturados; relaes bilaterais especiais problemas com pagamentos externos; cooperao industrial exportao de commodities; cooperao industrial problemas com pagamentos externos; cooperao industrial exportao de produtos manufaturados; exportao de commodities exportao de produtos manufaturados; cooperao industrial; problemas com pagamentos externos exportao de produtos manufaturados; cooperao industrial exportao de commodities; cooperao industrial exportao de produtos manufaturados cooperao industrial; exportao de produtos manufaturados exportao de commodities; cooperao industrial exportao de produtos manufaturados; exportao de commodities (petrleo) problemas com pagamentos externos; exportao de commodities exportao de commodities; exportao de produtos manufaturados

FONTE: Adaptado pelo autor de KOSTECKI, Michel. Should One Countertrade?. Journal of World Trade Law, n21, 1987. (In LEISTER, 2000). (grifo do autor)

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De fato, a utilizao de compensaes nas transaes amenizava alguns problemas de ordem econmica, como a falta de moeda, o que gerava a necessidade de se economizar divisas para, por exemplo, efetivar o pagamento de dvidas; a desvalorizao da moeda em curso, ocasionada por graves processos inflacionrios; a falta de credibilidade e aceitao de determinada moeda no mercado internacional; e a facilidade comparativa do uso de mercadoria como moeda. Na dcada de 1980-90, a maioria dos pases em desenvolvimento sofreu com a crise dos balanos de pagamentos. Com os meios de pagamentos comprometidos e sem poupana interna ou externa, as diversas economias potencialmente consumidoras viram-se obrigadas a buscar solues alternativas para o pagamento de suas necessrias importaes, ao mesmo tempo em que raras excees - buscavam o desenvolvimento e a implementao de novas tecnologias, em geral, visando a substitui