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0 FACULDADE BAIANA DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO NANA FERNANDES DE SOUZA A PRÁTICA DE DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A SUA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO Salvador 2015

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FACULDADE BAIANA DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

NANA FERNANDES DE SOUZA

A PRÁTICA DE DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A SUA RESPONSABILIDADE CIVIL NO

DIREITO BRASILEIRO

Salvador 2015

1

NANA FERNANDES DE SOUZA

A PRÁTICA DE DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A SUA RESPONSABILIDADE CIVIL NO

DIREITO BRASILEIRO

Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito, Faculdade Baiana de Direito, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Profa. Adriana Brasil Vieira Wyzykowski.

Salvador

2015

2

TERMO DE APROVAÇÃO

NANA FERNANDES DE SOUZA

A PRÁTICA DE DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A SUA RESPONSABILIDADE CIVIL NO

DIREITO BRASILEIRO Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em

Direito, Faculdade Baiana de Direito, pela seguinte banca examinadora:

Nome:______________________________________________________________

Titulação e instituição:____________________________________________________

Nome:______________________________________________________________

Titulação e instituição: ___________________________________________________

Nome:______________________________________________________________

Titulação e instituição:___________________________________________________

Salvador, ____/_____/ 2015

3

A meu querido Deus, sempre.

Aos

meus amados pais, Francisco e Sara, e irmão, Rafael, presença

constante e amor incondicional.

Aos meus amigos, por todo companheirismo e compreensão.

A minha querida orientadora,

Adriana, por cada ensinamento, apoio e dedicação, sempre. Minha eterna gratidão.

4

“Onde não houver respeito pela vida e pela

integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência

digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim, onde a liberdade e a

autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e

minimamente assegurados, não haverá espaço para dignidade humana e a pessoa não passará

de mero objeto de arbítrio e injustiças.”

(Ingo Wolfgang Sarlet)

5

RESUMO

Com os aumentos das demandas envolvendo a prática do dumping social, despertou no Judiciário a necessidade de proteção, uma vez que, está prática estava a violar a dignidade e a honra do trabalhador, bem como a própria legislação trabalhista e a ordem econômica imposta pela Constituição Federal de 1988. A Carta Magna ao estabelecer a ordem econômica no art. 170 enfatiza a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa como forma de manter a economia brasileira e assegurar a todos um mínimo existencial. Contrário a isso, a prática de dumping social é resultante de uma concorrência desleal por parte das empresas que optam por estratégias fraudulentas, deixando de cumprir as obrigações trabalhistas, como por exemplo, mão de obra em condições inadequadas, o não pagamento de horas extras, medidas de segurança e saúde no trabalho, dentre outras, para assim reduzir o custo da produção e obter vantagem em relação aos seus concorrentes. Observa-se que está prática atinge não apenas o empregado que teve seus direitos laborais extirpados, mas provoca um desequilíbrio econômico a toda sociedade. Diante disso, faz-se necessária a aplicação do instituto da responsabilidade civil pela prática de dumping social nas relações de trabalho, por meio de uma sanção extraordinária que possui caráter punitivo, repressivo e pedagógico a fim de coibir e reprimir novas práticas lesivas ao ordenamento jurídico. Somente assim, será possível minorar os efeitos nocivos do dumping social que atormentam o país e desrespeitam a dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: dignidade humana; ordem econômica; dumping social; concorrência desleal; responsabilidade civil; função repressiva, punitiva e pedagógica.

6

ABSTRACT

With increases in claims involving the practice of social dumping, awakened in the judiciary the need for protection, since this practice was violating the dignity and honor of the worker and their own labor laws and economic order imposed by the Constitution 1988. Federal Charter to establish economic order in art. 170 emphasizes the value of human labor and free enterprise as a way to keep the Brazilian economy and ensure all an existential minimum. Contrary to this, the practice of social dumping is the result of unfair competition from companies that choose to fraudulent strategies, failing to comply with labor obligations, such as labor in poor conditions, unpaid overtime, safety measures and health, among others, so as to reduce the cost of production and gain advantage over their competitors. It is observed that this practice affects not only the employee who had cut off their labor rights, but causes an economic imbalance the whole society. Therefore, the application of civil liability institute the practice of social dumping in labor relations it is necessary, through an extraordinary sanction that has a punitive, repressive and pedagogical nature in order to curb and repress new practices harmful to the legal system . Only in this way, you can minimize the harmful effects of social dumping that plague the country and disrespect the dignity of the human person. Keywords: human dignity; economic order; social dumping; Unfair rivalry; civil responsability; repressive function, punitive and educational.

7

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

art. artigo

CC Código Civil

CF/88 Constituição Federal da República

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CPC Código de Processo Civil

des. Desembargador

GAT General Agreement on Tatiffs and Trade

MPT Ministério Público do Trabalho

OIC Organização Internacional do Comércio

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMC Organização Mundial do Comércio

ONU Organização das Nações Unidas

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TAC Termo de Ajustamento de Conduta

TRT Tribunal Regional do Trabalho

TST Tribunal Superior do Trabalho

8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO

ATUAL ...................................................................................................................... 16

2.1 SISTEMAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................................................. 16

2.1.1 Perspectiva histórica: dimensões ................................................................ 16

2.1.2 A negação da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas –

doutrina da state action .......................................................................................... 20

2.1.3 A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ......................... 22

2.2 ORDEM ECONÔMICA ........................................................................................ 31

2.2.1 Evolução ......................................................................................................... 32

2.2.2 A ordem econômica: analise do art. 170 da Constituição da República ... 37

2.2.3 Fundamentos formadores da ordem econômica ........................................ 39

2.2.3.1 Livre iniciativa: princípio da livre concorrência .............................................. 40

2.2.3.2 Valorização do trabalho humano ................................................................... 42

2.2.4 Finalidades da ordem econômica ................................................................. 44

2.2.4.1 A dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem

econômica constitucional .......................................................................................... 44

2.2.4.2 O Estado Democrático de Direito como estado da justiça social .................. 48

2.3 TRABALHO E DIREITOS FUNDAMENTAIS ....................................................... 50

3 DUMPING .............................................................................................................. 53

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA .................................................................. 53

3.2 CONCEITO DE DUMPING .................................................................................. 55

3.2.1 Compreensão do dumping na doutrina econômica .................................... 55

3.2.2 Conceito jurídico de dumping no âmbito do comercio internacional ....... 57

3.3 DUMPING NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO ................................ 59

3.4 MODALIDADES DE DUMPING .......................................................................... 61

3.5. DUMPING SOCIAL ............................................................................................ 63

3.5.1 Conceito .......................................................................................................... 63

3.5.2 Características do dumping social ............................................................... 65

3.5.2.1 Concorrência desleal por meio da venda de produtos a valores inferiores ao

preço do mercado ..................................................................................................... 66

9

3.5.2.2 Conduta reiterada .......................................................................................... 67

3.5.2.3 Utilização de mão-de-obra em condições inadequadas aos patamares

laborais mínimos ....................................................................................................... 68

3.5.2.4 Danos sociais ................................................................................................ 69

3.6 O COMBATE DE DUMPING SOCIAL NO CENÁRIO INTERNACIONAL ........... 71

3.6.1Soft lay e hard law: distinções necessárias .................................................. 71

3.6.2 Meios de inibição de descumprimento dos padrões laborais mínimos .... 72

3.6.2.1 Selo Social .................................................................................................... 73

3.6.2.2 Global Compact ............................................................................................. 74

3.6.2.3 ISO Social ..................................................................................................... 76

3.6.2.4 Código de conduta ........................................................................................ 77

3.6.2.5 Cláusula social .............................................................................................. 79

3.7 O DUMPING SOCIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............. 80

4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO BRASILEIRO ............... 83

4.1 CONCEITO ......................................................................................................... 84

4.2 PRESSUPOSTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................... 86

4.2.1 Conduta do agente - ato ilícito ...................................................................... 86

4.2.2 Dano ................................................................................................................ 88

4.2.2.1 Dano material ................................................................................................ 92

4.2.2.1.1 Dano emergente ......................................................................................... 93

4.2.2.1.2 lucros cessantes ......................................................................................... 94

4.2.2.2 Dano moral .................................................................................................... 95

4.2.2.3 Dano social .................................................................................................... 98

4.2.2.4 Danos estéticos ............................................................................................. 99

4.2.3 Nexo causal ..................................................................................................100

4.2.4 Culpa? ...........................................................................................................103

4.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ...................................................105

4.3.1 Responsabilidade subjetiva ........................................................................106

4.3.2 Responsabilidade objetiva ..........................................................................107

4.4 FUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................110

4.5 TEORIA DO PUNITIVE DAMAGES ..................................................................112

10

5 APLICABILIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PRÁTICA DE

DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS OU NAS RELAÇÕES DE

EMPREGO ..............................................................................................................118

5.1 INSUFICIÊNCIA DA REPARAÇÃO EM CASOS CONCRETOS .......................118

5.2 INDENIZAÇÃO PELA PRÁTICA DE DUMPING SOCIAL .................................121

5.2.1 Aplicação dos dispositivos 186, 187 e 927 do Código Civil .....................122

5.2.2 Responsabilidade objetiva pela prática de dumping social .....................124

5.2.3 Função punitiva e pedagógica da indenização pela prática de dumping

social ......................................................................................................................125

5.3 DUMPING SOCIAL NA SEARA TRABALHISTA ...............................................126

5.3.1 (im)possibilidade de imposição ex officio do magistrado e a

concretização dos princípios constitucionais ....................................................128

5.4. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO EM HIPÓTESES DE DUMPING

SOCIAL ...................................................................................................................132

5.4.1 Repercussão e gravidade do dano .............................................................134

5.4.2 Condição econômica do ofensor ................................................................135

5.4.3 Lucro obtido através da prática de dumping social ..................................137

5.4.4 Grau de culpabilidade do agente ................................................................137

5.4.5 Grau de reprovação social da prática.........................................................138

5.5 LEGITIMIDADE PARA O RECEBIMENTO DA INDENIZAÇÃO IMPOSTA À

EMPRESA ...............................................................................................................139

5.6 ESTUDO DE CASOS ........................................................................................143

6 CONCLUSÃO ......................................................................................................148

REFERÊNCIAS .......................................................................................................157

11

1 INTRODUÇÃO

Após longos períodos de lutas, o homem conseguiu se afirmar como o fim em si

mesmo, e não mais o meio de produção a mercê do capitalismo. Isto representa

uma conquista gritante, a qual o trabalho deixa de ser um castigo e passa a ser visto

como um meio de integração social e também de conquistas individuais de cada

pessoa. No Brasil, o ápice de afirmação constitucional dos direitos fundamentais

encontra-se na Constituição de 1988. Foi na Carta de 1988 que o direito do trabalho

ganhou força, de modo a ter a sua efetivação através dos princípios ali expostos.

O modelo de Estado Democrático de Direito proposto pela Constituição da República

de 1988, social e democrático na sua essência, constituiu um marco às garantias e

direitos fundamentais. É a partir da concretização do Estado Social e Democrático

de Direito que se permite consolidar a proteção à dignidade da pessoa humana e a

ordem econômica, dentre outros princípios, que passam a ganhar um papel de

extrema importância, como forma de (re) estruturar as relações sociais e com vistas

à garantia da justiça social.

A Constituição Federal 1988 reconhece no seu bojo o sistema capitalista de

produção e exige ao mesmo tempo do Estado democrático de Direito, um equilíbrio

especial, ações em defesas do valor humano e do trabalho, face ao desequilíbrio

existente entre o empregador e o empregado, conforme estabelece o art. 170, ao

tratar dos objetivos fundamentais da ordem econômica da República, bem como, os

seus princípios limitadores. A Constituição no referido artigo visa, num primeiro

momento, determinar o modo econômico da sociedade brasileira, de como o sistema

econômico deve se organizar, a fim de atingir os objetivos da ordem econômica. Ou

seja, a ordem econômica deve ser fundada na livre iniciativa e na valorização do

trabalho humano, desde que esteja assegurada a existência digna, conforme os

ditames da justiça social.

Mesmo diante dos preceitos preconizados no ordenamento jurídico brasileiro, é

comum ainda, encontrar no cenário brasileiro a preservação de um ranço

escravocrata, de modo, a favorecer ainda mais as desigualdades existentes das

relações trabalhistas, tratando assim o trabalho humano como uma mercadoria.

Embora os avanços da legislação infraconstitucional trabalhista e dos direitos sociais

12

garantidos constitucionalmente aos trabalhadores, não foram capazes de impedir

que empresas desrespeitassem o ordenamento jurídico subtraindo dos

trabalhadores os seus direitos laborais. Deste modo, é que o presente trabalho tem

como escopo analisar a desconsideração reiterada e inescusável da legislação

trabalhista e da própria ordem econômica preconizada na Constituição Federal

1988, ocasionado pelo fenômeno do dumping social.

A tese do dumping social no Brasil é um assunto dotado de intensas divergências na

doutrina, como também cheio de dissonância entre jurisprudências face a ausência

de uma norma no ordenamento brasileiro a respeito da matéria, quais sejam, a) a

aplicação do instituto da responsabilidade civil b) a aplicação ex officio da sanção

extraordinária c) legitimidade para propor ação; d) os critérios de fixação do

quantum indenizatório; e) destinação do montante indenizatório.

Busca-se, com este estudo, suscitar a necessidade de estudos aprofundados acerca

do assunto para perquirir medidas que sejam capazes de efetivar os direitos dos

trabalhadores. Para isso, busca compreender o conceito e os principais elementos

caracterizadores de tal prática, para que possa analisar a possível aplicação do

instituto da responsabilidade civil como meio de coibir e reprimir esta conduta.

Para se chegar a esse objetivo, pretendesse: a) Expor os contornos do conceito de

direitos fundamentais e terminologia utilizada; b) Discorrer sobre as dimensões dos

direitos fundamentais; c) Analisar a vinculação dos particulares aos direitos

fundamentais d) examinar as teorias existentes acerca da eficácia horizontal dos

direitos fundamentais, verificando, qual teoria seria compatível com o ordenamento

jurídico brasileiro e os posicionamentos dos Tribunais pátrios; e) analisar os

contornos da ordem econômica na Constituição Federal 1988; f) estudar o direito ao

trabalho como direitos fundamentais; g) tratar da contextualização do dumping e

seus conceitos no âmbito econômico e jurídico; h) analisar o dumping no

ordenamento jurídico brasileiro i) identificar o conceito e os elementos do dumping

social j) examinar o combate do dumping social no cenário internacional e brasileiro;

k) apontas os pressupostos gerais da responsabilidade civil l) Verificar a

aplicabilidade do punitive damage no ordenamento brasileiro m) perquirir a

aplicabilidade da responsabilidade civil pela prática de dumping social nas relações

trabalhistas ou nas relações de emprego n) verificar a (im)possibilidade de imposição

ex officio do magistrado e a concretização dos princípios constitucionais o) examinar

13

os critérios de fixação da indenização em hipóteses de dumping social p) Apontar a

legitimidade para o recebimento da indenização imposta à empresa.

Para a materialização da pesquisa, busca-se a utilização de fontes de pesquisas

diversas, em especial, por fontes bibliográficas e documental, recorrendo-se a

códigos, leis, doutrinas nacionais e estrangeiras, publicações em periódicos, artigos

científicos, dissertações e teses sobre o tema, etc. Ainda, a colheita e análise de

jurisprudências dos Tribunais brasileiros.

Surge, neste momento, a principal intenção deste trabalho, que pode ser resumido

na análise das implicações jurídicas e a possibilidade de aplicação do instituto da

responsabilidade civil frente à prática do dumping social no ordenamento jurídico

brasileiro.

Para tanto, a presente pesquisa fora dividida em 4 capítulos.

O segundo capítulo dedica-se ao estudo dos direitos fundamentais, tal como

consolidado na Constituição Federal de 1988, como meio essencial para a

compreensão da história do Estado democrático Brasileiro, e em especial da sua

ordem econômica. Isto, pois, os direitos fundamentais são elementos integrantes da

identidade e da continuidade da Constituição, sem a qual não haveria falar em

ordem econômica constitucional. Portanto, cumpre discorrer acerca da evolução

histórica dos direitos fundamentais, suas gerações, bem como sua carga eficacial,

para em seguida, examinar os deslindes do Constitucionalismo Social em nosso

ordenamento e na ordem econômica Constitucional.

Ainda neste capítulo, será estudada a ordem econômica brasileira preconizada no

art. 170 da Constituição Federal de 1988, abordando a sua evolução histórica, que

servirá como base para o exame dos seus fundamentos formadores. Assim, serão

inquiridos individualmente os elementos, quais sejam: a livre iniciativa e a

valorização do trabalho, para posteriormente, apreciar os objetivos a serem

alcançados diante da implementação de seus ditames econômicos, que são a

existência digna e a justiça social. Conclui-se o presente capitulo com a exposição

da relação entre trabalho e os direitos fundamentais.

Na sequência, o terceiro capítulo será destinado à compreensão do fenômeno do

dumping, partindo de uma contextualização histórica, para em seguida, abordar o

seu conceito atual no âmbito econômico e jurídico. Posteriormente, serão

14

apresentadas algumas modalidades deste fenômeno, com atenção especial ao

dumping social, fazendo uma análise especifica e aprofundada deste instituto. Essa

análise mais dedicada do dumping social terá como ponte inicial a compreensão do

seu conceito e seus principais elementos caracterizadores, a fim de sistematizar a

identificação de tal instituto. Serão feitas ainda uma contextualização do dumping

social no cenário internacional, onde num primeiro momento será feito o estudo da

natureza e estrutura das normas de hard law e de soft law, no intuito de facilitar a

compreensão acerca das implicações das normas de combate a prática de dumping

social no cenário internacional. Analisar-se-á, sem pretensão exaustiva, alguns

mecanismos utilizados, como o Selo Social, o Global Compact, o ISO Social, os

códigos de condutas e as clausulas sociais. Por fim, será feito um estudo do

dumping social no ordenamento jurídico brasileiro, a qual ainda será objeto de

análise o Projeto de Lei 1.615/11.

O quarto capítulo volta-se ao exame do instituto da responsabilidade civil como

forma de reduzir os danos sofrido pelo ofendido. Será inicialmente realizada uma

análise do conceito da Responsabilidade Civil e de forma individualizada dos seus

elementos como a conduta humana, o dano, o nexo causal e ainda o elemento da

culpa. Ainda, serão analisadas duas modalidades principais da responsabilidade

civil, a subjetiva e objetiva, pois, tem na assunção de riscos e na falta de cuidado

necessário elementos capazes de ensejar a reparação civil. Por fim, será discutida a

função da responsabilidade e examinada as suas novas feições, particularmente o

que diz respeito à possibilidade do instituto do punitive damages no ordenamento

jurídico brasileiro.

O quinto capítulo destina-se a abordar as implicações jurídicas e examinar a

possibilidade da aplicação do instituto da Responsabilidade Civil à luz do

ordenamento jurídico brasileiro face à prática reiterada do dumping social, utilizando-

se como embasamento de defesa os elementos existentes no ordenamento jurídico

brasileiro, assim como os fundamentos da responsabilidade objetiva.

Ainda, neste capítulo, será examinada a função punitiva e pedagógica da

indenização a ser aplicada em face deste instituto, uma vez que a simples reparação

nas lides trabalhistas individuais é insuficiente, razão pela qual é necessário uma

indenização suplementar. Será discutida a (im)possibilidade de imposição ex officio

pelo magistrado da indenização suplementar pela prática de dumping social. E, por

15

fim analisar-se-á os critérios de fixação da indenização e a legitimidade para o

recebimento da indenização imposta à empresa. Ao final far-se-á um estudo de

alguns casos presentes na Justiça trabalhista.

No sexto capítulo, tem-se a conclusão do presente estudo, defendendo a tese de

que em virtude da prática de dumping social haverá a possibilidade de aplicação do

instituto da responsabilidade civil, através da condenação suplementar por meio de

uma Ação civil Pública proposta pelo Ministério público. Será demonstrado que

responsabilização nestes casos será apta a coibir e reprimir novas condutas

nefastas, de modo que estará punindo os danos ocasionados pela prática do

dumping social e ainda restabelecendo o equilíbrio da ordem econômica

preconizada pela Constituição Federal 1988, por meio da valorização do trabalhador

humano e a dignidade da pessoa humana.

16

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E ORDEM ECONÔMICA

O estudo dos direitos fundamentais, tal como consolidado na Constituição Federal

de 1988, é essencial para a compreensão da história do Estado democrático

Brasileiro, e da sua ordem econômica. Os direitos fundamentais são elementos

integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, sem a qual não haveria

falar em ordem econômica constitucional.

2.1 SISTEMAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

É tarefa indeclinável discorrer sobre a evolução histórica dos direitos fundamentais,

suas gerações, bem como sua carga eficacial, para então, estudar os deslindes do

Constitucionalismo Social em nosso ordenamento e na ordem econômica

constitucional.

2.1.1 Perspectiva histórica: dimensões

Os direitos fundamentais são uma composição histórica, a qual, esses direitos

variam de época para época. De modo didático, cada fase da evolução dos direitos

fundamentais costuma ser dividida pelos doutrinadores em “gerações” ou

“dimensões”. A terminologia mais correta para denominar esse processo evolutivo,

vem sendo provocando divergência entre os doutrinadores, em especial, diante das

expressões “gerações” e “dimensões.”

Os doutrinadores que adotam “gerações” como a terminologia correta, é por

entender que não há substituição, tão pouco colisão de uma geração de direitos

fundamentais por outra geração. Segundo Manoel Jorge e Silva Neto1, não há um

“conflito de gerações”. O que ocorre é que as gerações se interagem, elas deixam

suas contribuições.

1 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p. 672.

17

Nesse sentido, Dirley da Cunha Junior2 aponta que

As gerações dos direitos revelam a ordem cronológica do reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam gradualmente na proporção das carências do ser humano, nascidas em função da mudança das condições sociais.

Por outro lado, esse não vem sendo o posicionamento majoritário adotado

atualmente, uma vez que entendem-se ser impróprio o termo “gerações” para definir

esta evolução dos direitos fundamentais. Para os autores, a expressão geração dá a

entender que há uma substituição gradativa dos direitos. Entendem, portanto, que a

terminologia correta é “dimensões”, pois passa uma ideia de que os novos direitos

são somados aos demais direitos fundamentais.3 Com o termo “dimensões” tem uma

ideia de complementaridade, e não mais sobreposição.

Ingo Sarlet4, em defesa a respeito do termo dimensões, aduz, que,

Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à ideia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Deste modo, os direitos fundamentais de primeira geração resultaram da

deflagração da Revolução Francesa de 1789, amparada no ideário de liberdade

individual e politica. Segundo, Roberto Bobbio5 os direitos de primeira geração

correspondem aos direitos de liberdade, ou um não-agir do Estado. O estado era

2 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012,

p. 615. 3 Nessa mesma linha, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, ensinam que “ essa

distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o proposito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reinvindicações acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessões de gerações não significa dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte. Os direitos de cada geração persistem válido juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o influxo das concepções jurídicas e sociais prevalecentes nos novos momentos. (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015, p.138.) 4 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais . 8" Edição, Porto Alegre: Livraria

do Advogado Ed., 2007, p. 55; 5 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 9

18

apenas o guardião das liberdades, não interferindo, portanto, na vida social ou de

qualquer indivíduo, estando ele afastado da vida pública.

Ainda assim, existiam direitos indispensáveis à todos os homens, que possuíam

pretensões universalistas,6 como a liberdade individual, a liberdade de consciência,

de reunião e a inviolabilidade de domicílio. Contudo, esses direitos não se

preocupavam com as desigualdades sociais e tinha como titular desses direitos o

homem individualmente considerado.

Segundo Manoel Jorge7, a ausência do estado nas questões individuais guardava

relação com a ideia do laisser-faire laisser-passer, e que, foi o responsável pelo

aumento das desigualdades sociais.

Esse individualismo francês, forjado no ideal absenteísta burguês produziu enorme

desequilíbrio social, foi o propulsor no século XIX dos direitos de segunda geração,

chamados direitos sociais ou direitos à prestação. São os direitos que privilegiam o

direito ao trabalho, à seguridade, à segurança, lazer e moradia. São direitos que se

buscam estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante ações do Poder

Público.

Os direitos fundamentais de segunda geração, ao contrário dos direitos de primeira

geração, exigiam a participação do Estado, a fim de suprir as carências individuais e

sociais. Segundo Dirley Cunha8, esses direitos são “animados pelo propósito de

reduzir material e concretamente as desigualdades sociais e econômicas até então

existentes, que debilitavam a dignidade humana”. Havia, portanto, uma preocupação

com a proteção da dignidade, com a satisfação das necessidades básicas.

Com explosão demográfica, aumento vertiginoso do consumo e a degradação do

meio ambiente trouxe a necessidade de repensar um modelo de direito que pudesse

dar uma resposta efetiva as lesões. Lesões essas que não eram mais de pessoas

individualizadas, mas eram lesões a interesses de toda a coletividade. Portanto, era

6 Segundo Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco essas pretensões universais se

dão no plano abstrato, uma vez que, alguns direitos são condicionados a obediência a certos requisitos, como por exemplo, o sufrágio, que dependiam de requisitos de riqueza. (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015, p.137.) 7 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p. 672. 8 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012,

p. 623.

19

a tutela de uma coletividade difusa, a qual ensejou o aparecimento da terceira

geração.

Para Manoel Jorge9

São direitos que tem por destinatários indivíduos indeterminados, como ocorre com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art.255, caput, da CF); [...] os direitos chamados de terceira geração peculiarizam-se pela titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos.

Surge, diante das demandas da coletividade, em prol dos direitos das minorias, os

direitos fundamentais de quarta geração, baseado na globalização desses direitos.

Além desses direitos das minorias, Paulo Bonavides10 defende que o direito de

quarta geração introduzido pela globalização política está relacionado à democracia,

à informação e ao pluralismo. Há ainda, doutrinadores como Bobbio e Pedro Lenza,

que acrescenta que esta geração se refere também aos avanços da biotecnologia e

da bioengenharia genética, ao qual permite a manipulação do patrimônio genético de

cada individuo.

Ingo Sarlet11, afirma que:

A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo etc., como integrando a quarta geração, oferece a nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversas das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade.

Não se pode estabelecer o fim ao processo de classificação dos direitos

fundamentais, tendo em vista que estes estão em constantes transformações.

Embora se sabe que esses direitos tem seu marco na Revolução Francesa de 1789,

segundo Manoel Jorge12 “isso acontece precisamente porque o Estado, instrumento

de satisfação das necessidades humanos, está, de modo ininterrupto, submetido a

motivações pelo simples fato de o ser humano que o cria estar constantemente em

transformação.”

9 SILVA NETO, Manoel Jorge e. op.cit. p. 672.

10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.

571/572. 11

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 59. 12

SILVA NETO, Manoel Jorge e. op cit. p. 673.

20

2.1.3 A negação da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas–

doutrina da state action.

A evolução da eficácia dos direitos fundamentais nas relações particulares teve seu

surgimento no direito alemão em meados do século XX. No entanto, após o advento

da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que será abordado mais a

frente, houve uma forte reação contrária a essa doutrina, originando a teoria da state

action, que limitava a incidência dos direitos fundamentais apenas quando houvesse

atuação Estatal.

A teoria da state action, foi defendida por Mangoldt e Forsthoff13. Esta teoria nega a

incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, partindo da concepção

de que somente podem ser opostos ao Estado. De modo que, os direitos

fundamentais, serão apenas direitos de defesa em face ao Estado, representando

um limite ao exercício do poder publico. Ou seja, os direitos fundamentais apenas

poderiam ser acionados judicialmente ante uma ação estatal.

No cenário Alemão, a teoria state action perdeu sua força, em virtude do

reconhecimento da aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre privados

pelo Tribunal Constitucional Federal. Entretanto, foi nos Estados Unidos da América

que esta teoria ganhou força, em virtude do texto constitucional, que impõe

limitações apenas para a relação entre os Poderes Públicos, não atribuindo ao

particular direitos em face de outro particular, a menos quando envolva escravidão,

conforme previsto na 14ª Emenda.14

A state action, tem origem no julgamento do Civil Rights Cases de 1883, a qual,

tratava dos limites e possibilidade do legislador federal disciplinar, bem como,

desenvolver as liberdades públicas previstas na Constituição. Tal julgamento, além

do argumento liberal, do Estado como destinatário dos direitos civis, adiciona,

também, ao rol de fundamentos o pacto federativo. De modo que, cabia aos Estados

legislar sobre direito privado, preservando a autonomia dos Estados e não mais a

13

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: DIDIER JR., Fredie (org.). Leituras Complementares de Processo Civil. 7.ed, rev. E ampl. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 146. 14

WYZYKOWSKI, Adriana Brasil Vieira. A Concretização do Direito Fundamental ao Lazer nas Relações de Emprego. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. p.84

21

União.15 Assim, a doutrina da state action preserva a autonomia privada e a

autonomia dos estados.

O professor americano Erwin Chemerinsky citado por Daniel Sarmento16, apresenta

os pilares da doutrina State Action: “a) ela protegeria a liberdade individual, definindo

um espaço de conduta privada que não tem de se adequar à Constituição; e

também b) garantiria a autonomia dos Estados, preservando sua plena competência

para regular o comportamento privado.”

Por outro lado, Erwin Chemerinsky, contesta esses pilares, entendendo que não se

pode contemplar a autonomia privada e a liberdade privada, pois estaria apenas

olhando para “um dos lados da equação”, de modo, a prevalecer os direitos do

ofensor privado, sem observar os direitos das vítimas. Ainda assim, com respeito ao

segundo pilar, os limites da Constituição Americana também devem ser alcançados

pela autonomia dos Estados Membros. Por fim, entendendo que deva haver uma

ponderação diante do caso concreto, o professor Chemerinsky propõe a teoria da

Rethinhking State Action.17

A Suprema Corte Americana, partir da década de 40 do século XX, passou a

relativizar a teoria state action, e passou a adotar a teoria da Public Function Theory,

ampliando o âmbito de aplicação dos direitos fundamentais da Constituição, de

modo que os direitos fundamentais poderiam ser opostos aos particulares quando

estes desempenhassem atividades tipicamente de natureza estatal.

Daniel Sarmento18 destaca que

Esta teoria impede, em primeiro lugar, que o Estado se livre da sua vinculação aos direitos constitucionais pela constituição de empresas privadas, ou pela delegação das suas funções típicas para particulares, pois estes, quando assumem funções de caráter essencialmente público, passam a sujeitar-se aos mesmos condicionamentos constitucionais impostos aos Poderes Públicos.

Nota-se que quando há conflito em face do poder público, os direitos fundamentais

são passíveis de ser observados e julgados. Por outro lado, não ocorre o mesmo na

15

SARMENTO, Daniel; GOMES Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST. Brasília. v.77, nº 4, out/dez 2011, p. 63. 16

GARVEY, John H. & ALEINIKOFF, T. Alexander. Modern Constitucional Theory: A Reader. St. Paul: West Group, 1999, pp. 793-800. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 195. 17

Ibidem. 18

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p. 190.

22

relação em face o setor privado, ainda que haja uma violação no âmbito dos direitos

fundamentais, salvo na hipótese supra citada, quando o particular exercer função

tipicamente pública.

Enfim, a doutrina da state action não proporciona um tratamento adequado aos

direitos fundamentais, pois, muitas vezes, as violações aos direitos fundamentais

não provem do Estado, mas de particulares, como, empresa, pessoas físicas, grupos

e associações. Por isso, adotar tal teoria é incentivar a violação dos direitos

fundamentais. É, por outro lado, deixar imune as condutas lesivas praticadas pelos

setores privados perante os direitos dos particulares.

2.1.3 A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais, historicamente, sempre foram opostos para proteger o

individuo contra a arbitrariedade do estado, de modo a tutelar os direitos civis e

políticos dos cidadãos. Neste cenário, tem-se a chamada “eficácia vertical”. Utiliza-

se desta terminologia, pois o cidadão encontra-se numa posição “inferior” e o estado

numa posição “superior”, ou seja, numa relação jurídica hierarquizada e de

subordinação. Assim, os direitos fundamentais positivados na Constituição, tem

como fim, a proteção do individuo contra as atuações arbitrarias do Estado, de modo

a limitar o exercício estatal em prol dos direitos dos cidadãos.

Diante da eficácia vinculante dos direitos fundamentais, em face aos órgãos e

funções estatais, é possível encontrar duas acepções: uma negativa, por estar na

esfera da indisponibilidade de tais poderes; e uma acepção positiva, que trata das

obrigações destinadas aos órgãos, a fim de fazer com que os direitos fundamentais

se concretizem.19

Ocorre que, com a evolução histórica do Estado e da sociedade, esta concepção do

Estado liberal Burguês, revela-se anacrônica. As ameaças e agressões aos direitos

fundamentais não mais partiam do poder estatal, mas também de uma multiplicidade

de atores privados, presente nos diversos contextos como no mercado, a família, a

19

AIRES, Mariella Carvalho de Farias. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais no contrato de trabalho a partir da Constituição Federal 1988. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, n. 128, out.-dez. 2007, p. 141.

23

sociedade civil e nas relações de trabalho. Tem-se, então, a preocupação em

proteger esses direitos, pautado na proteção da dignidade da pessoa humana.

Em meados do século XX, porém, surgiu, por força do Caso “Lüht”20, julgado pelo

tribunal Constitucional Alemão, a teoria da eficácia horizontal (drittwirkung) dos

direitos fundamentais, ao qual o estado não mais é o único protagonista das

transgressões aos direitos fundamentais. A forma, o modo e a variedade das

agressões aos direitos fundamentais se multiplicaram. Logo, houve a necessidade

de redimensionar a doutrina constitucional para viabilizar uma efetiva proteção a

esses direitos fundamentais, cuja as relações difusas dificultavam grandemente a

proteção efetiva a esses direitos.

Por essas razões, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais insere estes

direitos nas relações entre particulares, diante das desigualdades entre os

indivíduos, a fim de evitar a arbitrariedade de uma parte em relação a outra. Manoel

Jorge21 aduz que “denomina-se eficácia horizontal dos direitos fundamentais para se

contrapor à eficácia vertical, que seria aquelas apresentada na conhecida e histórica

aplicabilidade de tais direitos no âmbito da relação indivíduo-estado.”

Nos ambientes sociais caracterizados por graves desigualdades sociais e assimetria

de poder, é ainda, mais imperioso a incidência dos direitos fundamentais nas

relações entre particulares. Excluir as relações privadas desta proteção pelos

direitos fundamentais é retirar deste direito a sua capacidade de proteger e

proporcionar a dignidade humana.

Há, entretanto, ainda divergências na doutrina contemporânea a respeito de como e

em que medida nas relações privadas se da o alcance da incidência dos direitos

fundamentais, posto que, mesmo que em posição “superior” aos cidadãos, não se

20

O caso “Luht” tratava-se de um conflito relativo à legitimidade de um boicote contra um filme dirigido pela cineasta Veit Harlan, que abordava o regime nazista organizado em 1950 por Eric Luth, a época presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo. A empresa responsável pela distribuição do filme, diante do boicote, obteve decisão judicial determinando a cessação do boicote, com base no § 826 do Código Civil alemão. O referido artigo afirma que “quem causar danos intencionais a outrem, e de maneira ofensiva aos bons costumes, fica obrigado a compensar o dano”. Diante da decisão judicial, contraria a sua vontade, Luth interpôs reclamação constitucional, ao qual foi acolhido, fundamentando que as clausulas gerais do direito privado , tem que ser interpretadas à luz da ordem de valores prevista na Constituição, de modo a levar em consideração os direitos fundamentais. (SARMENTO, Daniel; GOMES Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST. Brasília. v.77, nº 4, out/dez 2011, p. 69) 21

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 678.

24

pode equiparar os particulares ao patamar do Estado. Trata-se de uma relação entre

particulares, de modo que, a equiparação do particular ao Estado, para fins de

submissão aos direitos fundamentais, de forma autoritária, tenderia a restringir em

excesso a sua liberdade de agir e de fazer escolhas. Logo, há uma preocupação em

garantir a proteção dos direitos fundamentais de um lado, e garantir a tutela da

autonomia privada de outro.

Para tanto, foram elaboradas diversas teorias acerca da incidência dos direitos

fundamentais nas relações privadas. Estas, dentro de uma evolução doutrinária,

foram partindo-se da mera e simples negação quanto a eficácia perante terceiro,

chegando-se gradativamente a discursão sobre em que medida se da essa

vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

O presente trabalho irá analisar apenas algumas das teorias que debruçaram sobre

o tema: a teoria que nega a eficácia perante terceiro; a teoria da eficácia mediata; a

teoria da eficácia imediata; teoria dos deveres de proteção, a da teoria da imputação

ao Estado e a teoria integradora de Alexy.

A concepção negativa22 expressa a ideia de que não pode haver a incidência de

direitos fundamentais no campo das relações privadas, pois destruiria o princípio da

autonomia privada. Para os adeptos, a constituição serviria apenas como limitadora

do Poder Público e não abrangeria as relações entre particulares, pois o próprio

Código Civil seria capaz de resolver todas as ameaças decorrentes dos atos

privados.

Por outro lado, para vincular os direitos fundamentais aos comportamentos dos

entes privados, a teoria da eficácia direta ou imediata, foi primeiramente defendida

no inicio da década de 50, pelo autor Hans Carl Nipperdey. Entendia, por essa

teoria, que mesmo que a Constituição trouxesse alguns direitos fundamentais

apenas vinculando ao Estado, não impediria que, diante da ausência de mediação

22

Fala-se em concepção negativa, tendo em vista que há autores que entendem que a teoria State Action não nega totalmente a incidência de direitos fundamentais no campo das relações privadas. Segundo Virgílio Afonso da Silva, a teoria da State Action não está negando a aplicação dos direitos fundamentais aos privados, contudo, tenta contornar a falta de regulamentação. Assim, a finalidade desta doutrina, é definir em que casos poderia se aplicar, mesmo entendendo que a regra, é que não se apliquem as relações entre particulares. Deste modo, partindo-se desse entendimento, é que o presente trabalho trata em separado desta concepção negativa. (SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, p.99-100.)

25

do legislador, as relações privadas submetessem aos direitos fundamentais ali

previstos.

Tal eficácia suprime qualquer tipo de interposição legislativa e viabiliza a fruição do

direito fundamental, tão só, decorrente da sua previsão no texto da constituição. Não

há necessidade do legislador editar lei, a necessidade é, tão só, que o direito esteja

consignado na constituição. Esta corrente defende, portanto, a vinculação direta dos

particulares (pessoas físicas ou jurídicas) aos direitos fundamentais, tendo em vista

a força normativa da Constituição.

Segundo Daniel Sarmento e Fábio Rodrigues Gomes23

Os adeptos da teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas não negam a existência de especificidades nesta incidência, nem a necessidade de ponderar o direito fundamental em jogo com a autonomia privada dos particulares envolvidos no caso. Não se trata, portanto, de uma doutrina radical, que possa conduzir a resultados liberticidas, ao contrário do que sustentam seus opositores, pois ela não prega a desconsideração da liberdade individual no tráfico jurídico-privado, mas antes impõe que seja devidamente sopesada na análise de cada situação concreta.

Os adeptos desta teoria, não defende que mesmo havendo lei disciplinando o

conflito privado devam-se aplicar os direitos fundamentais de modo absoluto. Pelo

contrário, defende-se que em havendo regulação, deve-se aplicar a norma vigente,

ao caso concreto, podendo apenas afasta-la, tão somente, se concluir que está

incompatível com os preceitos da Constituição.

Juan Maria Bilbao Ubillos24, defensora da teoria da eficácia imediata nas relações

particulares, afirma que diante da natureza especifica dos direitos fundamentais, não

são todos que possui eficácia direta e imediata, pois é necessário analisar a quem o

direito se dirige, seja somente ao Estado, ou ao Estado e particulares ou somente ao

particular. A autora defende que um elemento essencial para o desenvolvimento da

eficácia imediata é a desigualdade, pois, quanto maior for a desigualdade, maior

deve ser a proteção a parte hipossuficiente da relação, independente de ser Estado

ou particular. Desta forma, a incidência dos direitos fundamentais é admitida visando

prover o equilíbrio entre as partes da relação.

23

SARMENTO, Daniel; GOMES Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST. Brasília. v.77, nº 4, out/dez 2011, p. 72. 24

UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿Em qué medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales? In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

26

Já a teoria da eficácia indireta (mittelbare Drittwirkung) ou eficácia mediata (indirekte

Drittwirkung) desenvolvida na Alemanha por Günther Dürig, sustenta que os direitos

fundamentais são aplicados indiretamente, desde que o poder legislativo edite lei a

respeito. Logo, é indireta porque essa aplicação se opera de modo oblíquo, impondo

ao legislador esse ônus quanto a implementação da norma garantidora do direito

fundamental, por mecanismos típicos de direito privado e não através dos

instrumentos de direito constitucional.

Segundo Adriana Wyzykowski25

Dessa maneira, os direitos fundamentais iriam se estender aos particulares apenas mediante a concretização, por parte do legislador privado, de normas compatíveis com valores constitucionais. E é justamente essa a segunda premissa da teoria da eficácia indireta. Cabe ao legislador privado a tarefa de legislar sobre normas de direito privado que sejam compatíveis com a ordem de valores estabelecida no Texto constitucional, em razão da dimensão objetiva dos direitos fundamentais.

Assim, a teoria da eficácia indireta ou mediata impossibilita a aplicação direta dos

direitos fundamentais nas relações privadas, pois afetaria a autonomia da vontade e

desconfiguraria o direito privado, converter-lhe-ia a uma mera concretização do

direito constitucional. Porém, por outro lado, em primeiro plano cabe ao legislador o

dever de ponderar, equilibrando os direitos ou valores em conflito. Em segundo

plano, diante do caso concreto e da anuência do Poder Legislativo, cabe ao Poder

Judiciário, interpretar e aplicar as normas de direito privado,26 sobretudo, as que

contêm cláusulas gerais.27

Os adeptos da eficácia indireta dos direitos fundamentais defendem que tais direitos

são protegidos na seara privada através de mecanismos típicos do próprio Direito

Privado, e não através da Constituição. Os preceitos fundamentais somente se

25

WYZYKOWSKI, Adriana Brasil Vieira. A Concretização do Direito Fundamental ao Lazer nas Relações de Emprego. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia. p.90 26

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A aplicabilidade direta dos direitos fundamentais nas relações de emprego dentro do novo paradigma do mundo do trabalho. In: PAMPLONA FILHO, Rodolfo e RESEDÁ, Salomão, organizadores. Direitos Fundamentais e Reflexos nas Relações Sociais. Salvador: JusPodivm, 2010, p.36 27

Nas palavras de Wilson Steinmetz, “No direito privado, as cláusulas gerais são havidas como recurso interpretativo – aplicativo que o legislador põe à disposição do juiz, para restrição, in concreto, da autonomia privada e do exercício de direitos ou interesses subjetivos legais. Ora, ao “informar” ou “constituir” o conteúdo das cláusulas gerais no caso concreto, os direitos fundamentais operam como limites à autonomia privada. Por essa via, o Poder Judiciário dá eficácia às normas de direitos fundamentais nas relações entre particulares mediante normas e critérios dogmáticos, interpretativos e aplicativos, próprios do direito privado.” (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 147.)

27

estenderão as relações entre particulares apenas de forma mediata, decorrente de

uma atuação do legislador.28

A teoria dos deveres de proteção do Estado surgiu na Alemanha e tem como seu

defensor e divulgador, Claus-Wilhelm Canaris. Esta teoria defende que é

competência do Estado proteger os direitos fundamentais dos particulares

ameaçados pela conduta de outros sujeitos. Traz como premissa de que,

primariamente, somente o estado estaria submetido aos direitos fundamentais.

Esta teoria sustenta que o Estado possui duas funções – defensiva e preventiva – ou

seja, deve abster-se de violar os direitos fundamentais das partes, como também

protege-lo das condutas ofensivas dos particulares.29 Assim, o Estado ao editar

normas de Direito Privado, deve se ater aos direitos fundamentais dos particulares,

em não viola-lo, bem como, protege-lo.

Os particulares, por sua vez, em razão do exercício da autonomia privada, não se

sujeitariam à vinculação desses direitos fundamentais. Deste modo, os atos privados

estariam “livres” da obrigação de se conformar com os direitos fundamentais

previstos na Constituição. Na verdade, aos particulares está a obrigação de pautar

suas condutas as normas elaboradas pelo Poder Legislativo, que, no exercício do

seu dever de proteção optou por inserir os direitos fundamentais nas normas

privadas.30

Em atenção a teoria dos deveres de proteção trazida por Claus-Wilhelm Canaris,

Daniel Sarmento e Fábio Rodrigues Gomes31, fazem uma crítica, entendendo que

esta teoria encontra-se inadequada à realidade moderna, bem como, eticamente

injustificável. Os autores entendem que apesar de estar negando a vinculação

imediata dos particulares aos direitos fundamentais, acaba se contradizendo, pois,

somente é possível obrigar que o Estado impeça uma lesão a um direito

fundamental causada por um particular, se entender que ao particular não é dada a

28

SARMENTO, Daniel; GOMES Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST. Brasília. v.77, nº 4, out/dez 2011, p. 68 29

Ibidem. p. 73 30

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: DIDIER JR., Fredie (org.). Leituras Complementares de Processo Civil.7.ed, rev. e ampl. Salvador: Juspodvim, 2009, p. 172. 31

SARMENTO, Daniel; GOMES Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST. Brasília. v.77, nº 4, out/dez 2011, p.75

28

prerrogativa de causar aquela lesão. Logo, adotando essa posição está entendendo

que o particular também está vinculado aos direitos fundamentais.

A teoria da imputação ao Estado foi desenvolvida por Jurger Schwabe, aborda a

responsabilidade do Estado frente a lesão de direitos fundamentais entre

particulares. Esta teoria se baseia na ideia de que, ocorrendo uma conduta lesiva de

direitos fundamentais entre particulares, a responsabilidade deve ser imputada ao

Estado, posto que, em última análise, foi resultado de uma permissão ou não

proibição estatal, de modo a ser responsabilizado, por esta ação ou omissão.32

Para o jurista alemão Robert Alexy, a aplicação dos direitos fundamentais nas

relações entre particulares apresenta um problema de construção e de extensão. O

problema de construção diz respeito aos efeitos produzidos pelas normas de direito

fundamental nas relações entre os cidadãos. Por outro lado, o impasse da extensão,

diz respeito a um problema de colisão entre os direitos fundamentais.

Robert Alexy33 aduz que,

Nenhuma das três teorias transpõe os direitos fundamentais dirigidos contra o Estado para a relação cidadão/cidadão por meio de uma simples troca de destinatários. Todas elas permitem levar em conta o fato de que, na relação cidadão/cidadão, ambos os lados são titulares de direitos fundamentais. Todas elas aceitam uma modulação da força de seus efeitos. Para todas elas a medida do efeito dos direitos fundamentais na relação cidadão/cidadão é, no final das contas, uma questão de sopesamento. [...] Para as três teorias o sopesamento pode levar a regras relativamente genéricas, de acordo com as quais, em determinados âmbitos do direito privado, determinados direitos fundamentais podem ceder totalmente ou em grande medida.

A teoria integradora formulada por Robert Alexy defende a um modelo que integra

as três correntes básicas, aparentemente divergentes: teoria da eficácia indireta ou

mediata dos direitos fundamentais, teoria da eficácia direta ou imediata e a teoria do

deveres de proteção estatais. Para Alexy, existem três níveis: o primeiro trata-se dos

deveres do Estado; o segundo nível é dos direitos frente ao Estado e o terceiro

situa-se a eficácia imediata de direitos fundamentais nas relações jurídicas entre

particulares.34

32

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A aplicabilidade direta dos direitos fundamentais nas relações de emprego dentro do novo paradigma do mundo do trabalho. In: PAMPLONA FILHO, Rodolfo e RESEDÁ, Salomão, organizadores. Direitos Fundamentais e Reflexos nas Relações Sociais. Salvador: JusPodivm, 2010, p.37. 33

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 532. 34

Ibidem. loc.cit.

29

Para Alexy, no primeiro nível está situada a teoria da eficácia mediata ou indireta,

pois cabe ao poder Legislativo e Judiciário, nos seus atos, levar em consideração os

direitos fundamentais, pois a incidência destes decorre de uma ordem objetiva de

valores. No segundo nível está a teoria dos deveres de proteção, onde se prega

que, cabe ao Judiciário, diante dos conflitos entre particulares, levar em

consideração os direitos fundamentais. No terceiro nível encontra-se a teoria da

eficácia imediata ou direta, de modo que, os direitos fundamentais irão incidir

diretamente nas relações entre particulares.

A teoria integradora de Robert Alexy defende, por fim, que é possível a

compatibilização entre essas teorias, pois elas atuam em diversos níveis da relação

entre particulares. No entanto, cada nível de eficácia conduz a um mesmo resultado,

quer seja, a eficácia imediata.35 Observa-se, portanto, que tal teoria consagra o fato

de que o direito fundamental deve ser aplicado diretamente nas relações entre

particulares.

No cenário brasileiro, a teoria da eficácia horizontal direta e imediata dos direitos

fundamentais é amplamente dominante. No Supremo Tribunal Federal, o Ministro

Gilmar Mendes, no seu voto, ressaltou que

As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os Poderes Públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.

36

35

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: DIDIER JR., Fredie (org.). Leituras Complementares de Processo Civil.7.ed, rev. e ampl. Salvador: Juspodvim, 2009, p. 177. 36

EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os Poderes Públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela

30

Consoante extraída na aludida decisão do Excelentíssimo Ministro, a autonomia

privada garantida pela Constituição Federal 1988, deve estar em consonância com

os princípios constitucionais, a fim de, assegurar o respeito aos direitos

fundamentais. O Pretório Excelso,37 defendeu em seu voto, que a autonomia privada

não pode ser exercida em dissonância com os direitos e garantias de terceiros, pois

não é dado aos particulares o poder de transgredir ou ignorar as regras impostas

pela própria Constituição Federal.

A grande preocupação gerada pela aplicação da teoria da eficácia imediata ou direta

dos direitos fundamentais nas relações entre particulares reside na colisão entre

direitos fundamentais, pois os particulares também são titulares de direito

fundamental, de modo a desfrutar de uma autonomia privada constitucionalmente

protegida. A solução seria a ponderação no caso concreto. Diante do conflito, cabe

ao legislador proteger os direitos fundamentais nas relações privada, sem contudo,

desproteger a tutela da autonomia da vontade, a luz de uma consciência social de

cada época.

Daniel Sarmento38 esclarece que, “esta primazia do legislador em detrimento do juiz

na conformação dos direitos fundamentais em detrimento do juiz na conformação

dos direitos fundamentais no âmbito privado conferiria, por outro lado, uma maior

segurança jurídica a tráfico jurídico.” Por outro lado, caberia ao Judiciário preencher

as lacunas do legislador, levando em consideração os direitos fundamentais.

A aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares de forma

direta vem ganhando espaço no cenário trabalhista. O próprio alicerce da relação de

emprego demonstra a necessidade de atuação dos direitos fundamentais neste tipo

de contrato, haja vista que gera uma relação de “dependência” entre os sujeitos da

relação. Ou seja, há em verdade uma desigualdade fática, de modo, a surgir

diversas ofensas aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. [...]. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. RE 201819 / RJ - RIO DE JANEIRO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 11/10/2005, Órgão Julgador: Segunda Turma – SFT. 37

Ibidem. 38

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2003. P. 213 – 214.

31

Verifica-se, portanto, que os envolvidos na relação trabalhista exercem uma relação

juridicamente igual, mas faticamente desigual, pois cabe ao empregador o poder

econômico. Entretanto, deve ser feita uma aplicação caso a caso, posto que, esta

desigualdade fática não se demonstra presente em todas as relações de emprego.

Assim, mostra-se primordial a proteção ao hipossuficiente, principio maior do Direito

do Trabalho, como meio de driblar as desigualdades e combater ao uso

indiscriminado da autonomia privada.

2.2 ORDEM ECONÔMICA

A expressão “ordem econômica” costuma ser utilizada em diversificados sentidos.

Seja empregada para descrever, “a relação entre os fenômenos econômicos e

materiais”39, seja o conjunto de normas reguladoras dos comportamentos dos

sujeitos econômicos, ou, por fim, seja apenas a ordem jurídica da economia.

Segundo Manoel Jorge40 no prisma semiológico, a expressão “ordem econômica”

traz uma multiplicidade de sentidos que não se confundem, seja a ordem econômica

do ser, ou seja, a ordem do dever ser.

A luz dessa tripla conotação, Vital Moreira41, apresentou o que seja a “ordem

econômica.”

- Em um primeiro sentido, ‘ordem econômica’ é o modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de fato e não de um conceito normativo ou de valor (é conceito do mundo do ser, portanto) [...]; - Em um segundo sentido, ‘ordem econômica’ é a expressão que designa um conjunto de regras de todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurídica, religiosa, moral etc), que respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo (no sentido sociológico) da ação econômica; - Em um terceiro sentido, ‘ordem econômica’ significa ordem jurídica da economia.

Para Manoel Jorge42 a ordem econômica, traduzida da leitura do art. 170 da

Constituição Federal 1988 é um plexo normativo, a qual está estabelecido um

39

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 20. 40

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito Constitucional econômico. São Paulo: LTr. 2001, p. 134. 41

MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra. Centelha, 1973, p. 67-71. 42

SILVA NETO, Manoel Jorge e. op.cit. p. 135

32

modelo econômico e sua forma de atuação na intervenção do Estado no domínio

econômico.

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, no art. 170 os objetivos

fundamentais da ordem econômica da República, bem como, os seus princípios

limitadores. A Constituição no referido artigo visa, num primeiro momento,

determinar o modo econômico da sociedade brasileira, de como o sistema

econômico deve se organizar, a fim de atingir os objetivos da ordem econômica. Ou

seja, a ordem econômica deve ser fundada na livre iniciativa e na valorização do

trabalho humano, deste, que estejam assegurados os direitos fundamentais, a

dignidade humana e a justiça social.

Segundo Eros Roberto Grau43 o art. 170 deve ser lido no sentido de que a

Constituição impõe um dever que as atividades econômicas devem seguir. Ou seja,

para ele, o enunciado estabelece que

As relações econômicas – ou a atividade econômica – deverão ser (estar) fundadas na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim (fim delas, relação econômica ou atividade econômica) assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Assim, para Roseli de Fatima e Marcos Antônio44 a Constituição ao se referir à

ordem econômica sob o prisma dos princípios fundamentais, não pretende romper

com o capitalismo, mas que deve haver um equilíbrio a fim de alcançar os fins

sociais perseguidos pelo estado.

2.2.1 Evolução

O modelo de Estado Democrático de Direito proposto pela Constituição da República

de 1988, social e democrático na sua essência, constituiu um marco às garantias e

direitos fundamentais. É a partir da concretização do Estado Social e democrático de

Direito que se permite consolidar a proteção a dignidade da pessoa humana e a

ordem econômica, dentre outros princípios, que passam a ganhar um papel de

43

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 15ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 66 44

BIALESKI, Roseli de Fátima. VILLATORE, Marcos Antônio César. Novas considerações sobre a ponderação entre os direitos fundamentais do trabalhador e o poder diretivo do empregador à luz da ordem econômica constitucional. Revista de direito do trabalho. Revista dos Tribunais, São Paulo: Ano 36, n. 139, jul.-set. 2010, p. 161.

33

extrema importância, como forma de (re) estruturar as relações sociais e com vistas

à garantia da justiça social.

Para atingir o Modelo de Estado Social e Democrático de Direito, foi preciso que a

ordem constitucional econômica tivesse uma certa evolução, passando por outros

âmbitos do constitucionalismo. Assim, para se alcançar este estado de evolução foi

necessário um grau de atuação do Estado na atividade econômica. Esta evolução,

portanto, que será explanada a seguir.

O Estado liberal ou mínimo surge da confluência de forças da burguesia na

superação do poder feudal na metade do século XVIII. Tem-se, portanto, a chamada

“revoluções liberais”, a qual tem os primeiros estados democráticos liberais. O

estado liberal tinha como premissa o estado não interventor, cabendo ao estado

apenas o papel de garantidor e não de provedor dessa autonomia, pois considerava

a liberdade individual essencial para o alcance da satisfação do homem.

Segundo Ricardo Maurício45

O liberalismo baseava-se, portanto, na livre circulação da riqueza, figurando o contrato como o instrumento jurídico capaz de viabilizar as transações econômicas, alimentando a crença de que os acordos contratuais permitiriam o equilíbrio harmônico dos interesses, sem a necessidade de que o Estado interviesse no mercado, espaço cativo das operações privadas.

No estado liberal, nas lições de Eros Roberto Grau46, as constituições liberais não

tinham necessidades de dispor de normas expressas para a o ordem econômica

constitucional, pois não precisava de reparos o mundo do ser, uma vez que bastava

o que já havia disciplinado constitucionalmente sobre a propriedade privada e à

liberdade contratual, bem como as normatizações infraconstitucionais do capitalismo

concorrencial.

Neste contexto, Roseli de Fatima e Marcos Antônio47 afirma que

O sistema jurídico do estado liberal defende a autonomia da vontade na atividade econômica e a separação do direito em dois: público e privado. O direito público não disciplina assunto da economia, não trata da atividade

45

SOARES, Ricardo Maurício Freire. A ordem constitucional econômica: balanço dos 20 (vinte) anos de vigência da Constituição brasileira de 1988. Disponível em: <http://brasiljuridico.com.br/artigos/a-ordem-constitucional-economica--balanco-dos-20-vinte-anos-de-vigencia-da-constituicao-brasileira-de-1988.-por-ricardo-mauricio.> Acesso em: 24 maio. 2015, p. 2. 46

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 15ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 71. 47

BIALESKI, Roseli de Fátima. VILLATORE, Marcos Antônio César. Novas considerações sobre a ponderação entre os direitos fundamentais do trabalhador e o poder diretivo do empregador à luz da ordem econômica constitucional. Revista de direito do trabalho. Revista dos Tribunais, São Paulo: Ano 36, n. 139, jul.-set. 2010, p. 158

34

econômica, restringindo-se a estabelecer regras de interesse coletivo. Valoriza-se a autonomia privada dos agentes econômicos pelo livre jogo da livre-iniciativa, concorrência liberal entre os indivíduos. Cabe ao direito privado estabelecer a ordem econômica jurídica da atividade econômica.

Assim, as constituições liberais se restringiam apenas a retratar a estrutura do

estado, além de resguardar os direitos individuais da população, sem que normas

fossem elaboradas a fim de impedir a dinâmica natural do sistema econômico. Para

André Ramos Tavares48 o Estado liberal tem como sua principal manifestação

econômica o dogma da livre-iniciativa concedendo a qualquer indivíduo a liberdade

de exercer atividade econômica sem qualquer restrição, condicionamento ou

imposição descabida do estado.

Talita Lima49, discorre que o Estado liberal, fundado no laissez faire, laissez passer,

não tinha a pretensão de reduzir as desigualdades, tendo em vista a doutrina de

Adam Smith. Nesse diapasão, se entendia que era desnecessária intervenção

estatal, pois, de acordo com Adam Smith, a “mão invisível” ficaria responsável por

equilibrar o sistema. Assim, mesmo que o sujeito, movido por sentimento egoístico,

utiliza-se seu capital de outro modo, o empreendimento naturalmente sofreria

reflexos para a coletividade.

Por outro lado, ocorre que os princípios estabelecidos na Declaração dos direitos do

homem e do cidadão de 1789, como da liberdade, igualdade e da fraternidade,

restringiam-se apenas a classe burguesa, restando claro, que a liberdade individual

preconizada pelo Estado Liberal, não atingia a todos de forma igualitária, mas

provocava a exploração da burguesia sobre o proletariado. Neste cenário, após

varias criticas, o estado liberal entrou em declínio, não mais cabendo falar no estado

não interventor. O estado então passava a assumir obrigações positivas,

consubstanciadas nos direitos sociais.

A progressiva substituição do estado liberal não intervencionista por um estado

social intervencionista foi impulsionada pelo fortalecimento do movimento operário, a

formação dos primeiros sindicatos e pela crise estrutural do sistema financeiro

48

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011, p.47. 49

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 22.

35

capitalista, que passou a corrigir os abusos do poder econômico, sem contudo, não

deixar de proteger os cidadãos hipossuficientes.50

Com base na doutrina de Dallari trazida por Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de

Morais51, existem alguns fatores históricos que ensejaram a queda do estado liberal

para a ascensão do Estado interventor: a) a revolução industrial; b) a primeira guerra

mundial acelerando os fatores de desagregadores; c) a crise de 1929 e a depressão

em face da necessidade de uma intervenção estatal na economia que resultaram na

politica social de Roosevelt e o New Deal americanos; d) a segunda guerra mundial

impondo a intervenção estatal; e) as crises cíclicas que repercutia no

comportamento da economia; f) os movimentos sociais; g) o advento das liberdades

sociais em substituição das liberdade negativas.

Com a derrubada do Estado Liberal, em meio a esses fatores históricos, com as

práticas intervencionistas, tem-se o advento do Estado de Bem Estar Social com a

Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Com o Estado

Social tem-se, portanto, a intervenção do Estado na econômica, de modo a

desenvolver políticas econômicas que buscassem melhores condições mínimas de

subsistência do indivíduo.

Para André Ramos Tavares52

A concepção de Estado liberal gerou, em momentos críticos da humanidade, uma situação insuportável, de modo que, mesmo em países de imensa tradição liberal e capitalista, passou-se a admitir a necessidade de intervenção do Poder Público no mercado e na economia, ainda que extremamente restrita ou em setores específicos e predeterminados. A demanda por um Estado interventor, desta feita, decorre da existência de falhas na concepção – utopia – liberal da economia.

Com efeito, o ideário social o Estado passou a desempenhar um papel primordial - o

intervencionismo, visando corrigir os erros do Estado liberal, de modo a colocar

como destaque da função do Estado as questões sociais. Segundo Manoel Jorge53

o Estado Social surge com o intuito de consolidar o modelo potestativo dos

trabalhadores e regular a atividade econômica, impondo limites aos agentes

50

SOARES, Ricardo Maurício Freire. A ordem constitucional econômica: balanço dos 20 (vinte) anos de vigência da Constituição brasileira de 1988. Disponível em: <http://brasiljuridico.com.br/artigos/a-ordem-constitucional-economica--balanco-dos-20-vinte-anos-de-vigencia-da-constituicao-brasileira-de-1988.-por-ricardo-mauricio.> Acesso em: 24 maio. 2015, p. 3. 51

STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN, José Luis de Morais. Ciência Política e Teoria do Estado. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003, p.66/67. 52

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011, p.49. 53

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito Constitucional econômico. São Paulo: LTr. 2001, p. 147.

36

econômicos que prejudicavam a livre concorrência com práticas abusivas em virtude

da formação de monopólios e oligopólios.

Pode-se dizer, portanto, que os direitos sociais, econômicos e culturais foram

formalmente reconhecidos (positivados). O Estado assumiu responsabilidades

sociais, como a previdência, habitação e a assistência social, bem como, atuou

como empresário substituto em diversos setores, como minério e siderúrgica.54

Nesse momento é se tem o advento da segunda geração55 dos direitos

fundamentais, que impõe ao estado o implemento de políticas públicas

intervencionistas, a fim de assegurar condições materiais mínimas.56

Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais57

A atuação do Estado passa a ter um conteúdo de transformação do status quo, a lei aparecendo como um instrumento de transformação por incorporar um papel simbólico prospectivo de manutenção do espaço vital da humanidade. Desta forma, os mecanismos utilizados aprofundam paroxisticamente seu papel promocional, mutuando-o em transformador das relações comunitárias. O ator principal passa a ser coletividades difusas a partir da compreensão da partilha comum de destinos.

Contudo, o intervencionismo estatal não fez desaparecer todos os problemas

decorrentes do estado liberal, posto que esses problemas estavam intrinsecamente

relacionados a prática do Estado de Direito, uma vez que para que se atinja a

efetivação dos direitos sociais, depende-se de políticas públicas que

consequentemente dependem de verbas governamentais, de modo a resultar em

uma série de dificuldades.

André Ramos58 afirma que o estado não tinha capacidade para atuar no cenário de

concorrência, tendo em vista o período vivido da globalização, decorrente da

dificuldade de controlar a máquina pública, resultando na ineficiência do modelo

intervencionista-social.

54

TAVARES, André. Op.cit. p. 57 55

Vide subitem 2.1.1 56

Segundo Daniel Sarmento, “não bastava mais o mero reconhecimento formal das liberdades humanas, sendo necessário assegurar as condições materiais mínimas para que tais liberdades pudessem ser efetivamente desfrutadas pelos seus titulares. Portanto, aquele que era, na lógica do liberalismo, o inimigo numero um dos direitos humanos, passa à condição de agente promotor destes direitos. (Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 19) 57

STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN, José Luis de Morais. Ciência Política e Teoria do Estado. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003, p. 98 58

TAVARES, André. Op.cit. p. 59

37

Ainda, para Daniel Sarmento59 no que se refere ao Estado liberal individualista, este,

em prol da coletividade deveria ter seus excessos eliminados. Contudo, no Estado

intervencionista, também, o indivíduo não poderia ficar subordinado aos interesses

da coletividade, pois estaria representando o totalitarismo.

Diante as crises vivenciadas pelos Estados na década de 1980 foram criados novos

parâmetros, que fizeram com que o intervencionismo retrocedesse, tendo em vista a

desregulamentação de vários mercados, o movimento da privatização das

empresas, em especial dos serviços básicos, trazendo à tona o neoliberalismo e os

direitos fundamentais de terceira geração.60 Para André Ramos Tavares61 o modelo

neoliberal é instituído pela presença do estado sobre a economia. O que há é uma

revalorização das forças do mercado, a qual se busca um estado financeiramente

mais equilibrado, justo, contudo, reduzindo os encargos sociais, mas sem afastar

totalmente o estado da prestação de serviço essencial.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, prega a ordem econômica pautada na

promoção da dignidade da pessoa humana e da justiça social, adotando portanto, o

modelo de bem estar social, com um traço intervencionista do estado, indo em

sentido inverso do modelo adotado no século XX.

2.2.2 A ordem econômica: análise do art. 170 da Constituição da República

O modelo de produção capitalista, adotado pela Constituição Federal 1988, ao trazer

a ordem econômica no art. 170, enfatiza-se a valorização do trabalho humano e a

livre iniciativa, como forma de manter a economia brasileira, bem como assegurar a

todos um mínimo existencial, dando efetividade as garantias fundamentais do ser

humano, no intuito de proporcionar o bem-estar social ou melhoria da qualidade de

vida.

59

SARMENTO, Daniel. Os direitos fundamentais nos paradigmas Liberal, Social e Pós-Social –(pós-modernidade constitucional?). Crises e desafios da Constituição: Perspectivas criticas da teoria e das práticas constitucionais brasileiras. SAMPAIO, José Adércio Leite et al (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 396 60

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 24. 61

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011. p.61.

38

Roseli de Fátima e Marcos Villatore62 alude que a constituição de 1988 tem como

objetivo fundamental consagrar o processo econômico com base nos princípios

fundamentais. Não se pretende romper com o capitalismo, mas que devendo ter

uma atividade econômica a luz da valorização do trabalho humano, da dignidade da

pessoa humana, da livre iniciativa e a justiça social.

O art. 170 caput da Constituição Federal de 1988 preceitua que: “a ordem

econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por

fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...],”

de modo que a liberdade imposta a economia brasileira, está, por outro lado, limitada

à valorização do trabalho humano, com fim a assegurar a existência digna e a justiça

social.

Deste modo, o dispositivo da Constituição Federal 1988, ao estabelecer o modo

econômico da sociedade, está se referindo ao modo de ser da economia, ou seja, a

forma como sistema econômico deve se comportar para alcançar os objetivos da

ordem econômica. Por outro lado, fazendo uma interpretação por outro ângulo,

tomando como base que a constituição impôs um dever as relações econômicas,

percebe-se a normatividade do enunciado do art. 170, posto que a ordem econômica

deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de

assegurar a dignidade humano e a justiça social.63

A ordem econômica regulamentada na Constituição Federal 1988, fundada nas

bases principiológicas da justiça social e da igualdade substantiva, não despreza a

atividade econômica dos particulares, resguardando a estes o princípio da liberdade

de iniciativa e de concorrência, não rompendo, portanto, com o capitalismo. Nesse

sentido, vale destacar a lição de Roseli de Fátima e Marcos Villatore64, “a atividade

econômica, fundada no princípio da livre-iniciativa e da concorrência, não é ilimitada,

absoluta, uma vez que encontra-se como limites os demais diretos e garantias

fundamentais.”

62

BIALESKI, Roseli de Fátima. VILLATORE, Marcos Antônio César. Novas considerações sobre a ponderação entre os direitos fundamentais do trabalhador e o poder diretivo do empregador à luz da ordem econômica constitucional. Revista de direito do trabalho. Revista dos Tribunais, São Paulo: Ano 36, n. 139, jul.-set. 2010, p. 161. 63

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 26. 64

BIALESKI, Roseli de Fátima. VILLATORE, Marcos Antônio César. Op.cit. p. 162.

39

2.2.3 Fundamentos formadores da ordem econômica

A ordem econômica referida na Constituição Federal de 1988, visando regular a

economia brasileira, tem por premissa a valorização do trabalho humano e a livre

iniciativa, de modo a assegurar uma existência digna a todos, atendidos os

requisitos da justiça social. Não se trata de uma política de igualitarismo, não se quer

tratar todos de modo igual, mas proporcionar condições para que tenham condições

de se desenvolverem.

O art. 17065, da Constituição traz não apenas os fundamentos da ordem econômica,

mas seus objetivos a serem alcançados por meio da implementação das atividades

econômicas. Para André Ramos Tavares66, “ao falar em finalidade, a Constituição

expressamente está a ressaltar o caráter ou a carga, mais propriamente dita,

programática, da norma, como objetivo a ser buscado.”

Ao analisar o dispositivo da Constituição, verifica-se um rol extenso de princípios da

ordem econômica constitucional, tais como: a soberania nacional econômica,

propriedade privada; a função social da propriedade; a valorização do trabalho

humano; a livre concorrência; a defesa do consumidor; a defesa do meio ambiente; a

redução das desigualdades regionais e sociais; a busca do pleno emprego e o

tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

O presente trabalho não irá abranger todos os princípios indicados no art.170 da

Constituição Federal, apenas atentará ao exame do princípio da livre concorrência e

da valorização do trabalho.

65

Constituição Federal de 1988, Art. 170: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 66

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011, p. 126.

40

2.2.3.1 Livre iniciativa: princípio da livre concorrência

A Constituição Federal de 1988 consagrou como princípio constitucional e como

fundamento da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa. Logo em seu art. 1º,

inciso IV67 trata-a como “um dos fins da nossa estrutura política,” ou seja, “um dos

fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito.”68 Além de fundamento da

República Federativa do Brasil, a livre iniciativa está consagrada como princípio

instrutivo e fundante da ordem econômica, com previsão expressa no caput do artigo

17069, de modo a coloca-la ao lado da valorização do trabalho humano.

André Ramos de Tavares70 afirma que a livre iniciativa é fundamento da própria

República Federativa do Brasil, bem como da ordem econômica. Isto permite que a

livre iniciativa, como forma de comércio capitalista, seja um meio legítimo que os

agentes possam se valer.

A liberdade de iniciativa, em primeira análise, envolve a liberdade econômica71.

Contudo, a livre iniciativa trazida pela Constituição deve ser entendida de forma

ampla, compreendendo todas as formas de organização econômica, individuais ou

coletivas, como a de empresa (indústria e comércio) e a liberdade de contrato, sendo

considerado um princípio básico do liberalismo econômico.

André Ramos72 conclui que

É possível estabelecer a liberdade de iniciativa no campo econômico como constituída pela liberdade de trabalho (incluídos o exercício das mais diversas profissões) e de empreender (incluindo o risco do empreendedorismo: o que produzir, como produzir, quanto produzir, qual o preço final), conjugada com a liberdade de associação, tendo como

67

Constituição Federal de 1988, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 68

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 115. 69

Constituição Federal de 1988, Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: 70

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011, p. 235. 71

Eros Grau reconhece que a livre iniciativa, consagrada no art 5, IV da Constituição Federal de 1988 não pode ser reduzida à ideia de liberdade econômica ou de iniciativa econômica. A “ livre iniciativa não se resume, ai, a “principio básico do liberalismo econômico” ou a “liberdade de desenvolvimento da empresa” apenas – à liberdade única do comercio, pois. Em outros termos: não se pode visualizar no principio tão somente uma afirmação do capitalismo. (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 15ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 200) 72

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011, p. 237.

41

pressuposto o direito de propriedade, a liberdade de contratar e de comerciar.

A liberdade de iniciativa, na concepção liberal, sob a perspectiva pura, vem a ser um

conglomerado de ideias, ou concepções, de forma ampla, de modo a abranger o

homem e os fundamentos da sociedade, com o fim de alcançar o pleno desfrute da

igualdade e das liberdades individuais frente ao Estado. Portanto, tem-se na

liberdade de iniciativa a consagração, tão somente, a liberdade de exercer à

atividade econômica sem imposição de limites e rédeas do Estados, abraçado

apenas pela autonomia absoluta da vontade das partes.73

Nessa perspectiva pura, Carvalhosa74, afirma que é a liberdade que o empreendedor

tem de escolher a combinação de fatores produtivos, de acordo com o seu critério de

conveniência, sem que haja a interferência, por meio de concessão de subsídios,

preços políticos, isenções fiscais, por parte do Poder público, de modo a interferir na

vontade das partes. Desta forma, entende que essa fase de capitalização industrial

deve ser regulada pelo contrato, logo, pela autonomia da vontade das partes

envolvidas.

O modelo estatal consagrado pela Constituição de 1988 não admite a liberdade de

iniciativa de forma plena, em face dos preceitos constitucionais que estabelecem

uma série de limitações O ordenamento jurídico só possibilita a livre iniciativa

quando observados os limites impostos pelo Texto Constitucional, ou seja, desde

que fundada pela justiça social e pela dignidade da pessoa humana.

A livre iniciativa sem freios, sem limites, não mais é coadunada pelo ordenamento

atual. Deste modo, para que seja assegurada a livre iniciativa é essencial a

observância dos limites estabelecidos pela Constituição Federal, especialmente

quanto a liberdade de contratar, conforme previsto no artigo 7º75, a tratar dos direitos

dos trabalhadores. Esses contornos impostos a livre iniciativa, se fundamentam com

base na necessidade de garantir a efetivação da justiça social e do bem estar social,

visando alcançar a plenitude da dignidade da pessoa humana.

73

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 115. 74

CARVALHOSA, Modesto apud TAVARES, André Ramos. op.cit. p. 237. 75

Constituição Federal de 1988. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; [...]

42

Afirma André Tavares76 que a livre iniciativa possibilita o autodirecionamento

econômico dos particulares, contudo, é ao mesmo tempo imposto a necessidade de

se submeter as limitações impostas pelo Poder Público, quando for o caso. A

liberdade somente será ampla, quando não houver lei regulando. Assim, entende-se

que a regra geral é a liberdade, e para que ela sofra limitações deve ser por meio da

própria Constituição ou por Lei, conforme preconizado no art. 5º, II da CF, ao dizer

que “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei.”

A conexão do princípio da liberdade de ação ao princípio da livre iniciativa, para

Manoel Jorge77, permite que somente a autoridade competente estabeleça as

restrições à atividade econômica. Assim, não cabe, portanto, as empresas privadas,

a obediência as comandos que não estejam amparados por lei em sentido formal. A

atividade econômica, deste modo, encontra-se submetida a regulamentação estatal

e não a regência, logo, é permitido ao estado fixar diretrizes e acompanha-las,

porém, não pode deixar os indivíduos com pouco ou nenhuma liberdade.

A livre iniciativa conforme estruturada na Constituição Federal de 1988 somente

poderá ser considerada legitimamente exercida quando voltada a realização da

dignidade humana, bem como a promoção da justiça social, a fim de promover a

democracia social.

2.2.3.2 Valorização do trabalho humano

A primeira ideia de valorização do trabalho humano no constitucionalismo brasileiro

foi na constituição de 1946, declarava no art. 145 que “a ordem econômica deve ser

organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de

iniciativa com a valorização do trabalho humano.”78 Sendo mantida pelas demais

constituições promulgada no Brasil. Ainda, para Manoel Jorge79 o trabalho é fonte de

76

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico. 3. Ed. São Paulo: Método, 2011, p. 237. 77

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito Constitucional econômico. São Paulo: LTr. 2001, p. 96 78

Ibidem. p. 95 79

Ibidem, p. 96.

43

realização material, moral e espiritual, de modo que não pode ele ser interpretado

como um mero fator produtivo.

A Constituição Federal de 1988 diante da hipossuficiência do empregado destinou

uma proteção especial ao trabalho humano. De modo que, o empregado não pode

ser tratado como um fator de produção, estabelecendo assim no seu art.7º que é

direito de todos os brasileiros “além de outros que visem à melhoria de sua condição

social:” a “relação de emprego [...]”.

Nas palavras de Jorge Luiz Souto Maior80,

O reconhecimento da centralidade do trabalho subordinado também não é mero incidente de redação. Retrata, isso sim, a realidade das relações entre capital e trabalho em um país movido pela logica da exploração da mão de obra mediante persecução de lucro. Uma logica compatível com o sistema capitalista de produção que adotamos e que encontra no privilégio constitucional à relação jurídica de emprego o seu limite.

Na condição de inferioridade que o trabalhador se encontra perante o capital, a fim

de alcançar a justiça social proposta pela Constituição Federal 1988, se fez

necessário a criação de normas protetivas81, com o fim de atingir um mínimo de

igualdade. A valorização do trabalho, só atingiria seu “ápice”, se fossem criadas

normas jurídicas a fim de proteger os trabalhadores dos possíveis abusos do

empregador.

Segundo Leandro Fernandez Teixeira82, para à formação, manutenção e

desenvolvimento das organizações sociais, o trabalho é um elemento indispensável.

Pois, além de garantir efetividade a dignidade humana, o trabalho representa um

acréscimo de utilidade social.

A Constituição Federal ao garantir a ordem econômica, no art. 170, prevê como pilar

o trabalho humano e a livre iniciativa, a fim de assegurar a todos uma existência

80

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p. 51 81

O Principio da proteção, se consubstancia numa tutela jurídica destinada ao alcance de melhores condições de trabalho. Segundo Mauricio Godinho Delgado, este principio informa “que o direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias; uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro -, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho 11. Ed São Paulo. LTr. 2012, p. 193) Ainda, Plá Rodrigues afirma que no direito do trabalho “a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.“ (RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios do Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: Ltr, 2000, p. 83) 82

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012, p. 71.

44

digna, conforme os ditames da justiça social, observando, e dentre outros, o

princípio da busca pelo pleno emprego. Ainda, ao estabelecer a ordem social, no art.

193, utiliza-se como base o trabalho humano e como objetivo o bem estar social e a

justiça social.

Por fim, a Constituição estabelece que a Ordem Social tem como base o primado do

trabalho humano e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193, CF),

demonstrando assim, que como princípio fundamental e como fundamento da

República Federativa do Brasil devem estar atrelados a dignidade da pessoa

humana, o valor social do trabalho e a livre iniciativa, sem os quais não se pode falar

em justiça social.

Essa preocupação da Constituição Federal com a justiça social, de modo a intervir

na economia, não representa um desprezo ao mercado. A liberdade para o

desenvolvimento econômico é incentivada, contudo, encontra freios a fim de

proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores, de forma a evitar a exploração

do homem.

2.2.4 Finalidades da ordem econômica

Consoante se depreende da leitura do art. 170, caput, da Constituição Federal, nele

se albergam, não apenas os fundamentos da ordem econômica, mas igualmente, o

constituinte consagrou as suas finalidades, ou seja, os objetivos a serem alcançados

diante da implementação de seus ditames econômicos. E nesses termos, consoante

a Carta Magna, o objetivo é dúplice: a existência digna e a justiça social. Cada um

desses objetivos será isoladamente examinado a seguir.

2.2.4.1 A dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem

econômica constitucional.

O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se em diversos artigos da

Constituição Federal de 1988. Logo no seu art. 1º, inciso III, traz a dignidade da

pessoa humana, como o fundamento do Estado Democrático de Direito. Ainda na

45

Constituição, em seu art. 170, traz o mesmo, só que como princípio regulador da

ordem econômica. Trata-se, em ambos os casos de um direito à vida digna.

Destarte, não resta dúvida de que o rol de direitos trabalhistas previstos no art. 7º da

Constituição Federal estão ali elencados decorrentes do princípio da dignidade da

pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é uma qualidade irrenunciável e inalienável do todo

e qualquer ser humano, sendo ela intrínseca e inerente à própria pessoa humana,

independente da concessão do Estado. Ainda assim, pode-se afirmar que é algo

que não pode ser transferido, ou doado, não podendo se reduzir a um mero direito.

Assim, Ingo Wolfgang Sarlet83, define a dignidade da pessoa humana,

como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta é, portanto, como elemento integrante e irrenunciável da natureza da pessoa humana, é algo que se reconhece, respeita e protege, mas não que possa ser criado ou lhe possa ser retirado, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. Não é, portanto, sem razão que se sustentou até mesmo a desnecessidade de uma definição jurídica da dignidade da pessoa humana, na medida em que, em ultima analise, se cuida do valor próprio, da natureza do ser humano como tal.

Diante do fato da Carta Magna fundamentar o Estado democrático sob a ótica da

dignidade da pessoa humana, além de implicar no reconhecimento da liberdade,

implica também nas garantias mínimas proporcionadas pelo próprio Estado à pessoa

humana, de modo que, cabe a ordem econômica observar, ao estar diante de

extremas desigualdades o atendimento dessa existência digna.84 Assim, o principio

da dignidade da pessoa humana funciona como um limitador da ordem econômica,

conforme art. 170 da Constituição Federal.

Depreende-se, portanto, que somente haverá a observância da dignidade da pessoa

humana, se forem asseguradas condições mínimas para uma existência digna, de

forma que a intimidade e a identidade do indivíduo não sejam objeto de ingerências

indevidas, bem como haja a garantia da igualdade, indistintamente para todos. Isso

porque a igualdade e a dignidade devem andar lado a lado, embasando os direitos

humanos.

83

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 100-101 84

FURTADO, Emmanuel Teófilo. Sentido ontológico do princípio da dignidade da pessoa humana e o trabalhador. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, n. 121, jan.\mar. 2006, p.30.

46

Emmanuel Teófilo é um dos autores que entende a dignidade da pessoa humana

como sendo um princípio dotado de caráter absoluto, de modo a unificar todos os

demais direitos fundamentais, sendo tal princípio fonte de interpretação de todos os

princípios e leis existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Da mesma forma,

José Afonso da Silva85 aduz que “a dignidade da pessoa humana é dotada, ao

mesmo tempo, da natureza de valor supremo, princípio constitucional fundamente e

geral que inspiram a ordem econômica.” Logo, ele entende que por está na base de

toda vida nacional (politico, social, econômica e cultura), garante a sua natureza de

valor supremo.

Na concepção de Emmanuel Kant86 a ideia de dignidade humana, também está

ligada a um caráter absoluto. Associa-se a noção de autonomia da vontade.

Defende o autor, que toda pessoa enquanto ser racional possui dignidade. Trata-se

de um valor inato ao homem. Logo, entende-se que “o ser humano é digno

porquanto dotado de razão”.87

Contudo, esse não é um entendimento unanime, a exemplo de André Ramos

Tavares, Robert Alexy e Ingo Wolfgang Sarlet, que entende não ser possível tratar a

dignidade da pessoa humana como um direito absoluto.

Para Alexy88, o que ocorre é um precipitação dos autores que defendem o caráter

absoluto, por entender que o fato de existir uma serie de condições em que o

princípio da dignidade da pessoa humana se sobrepõe aos demais, se torna,

portanto, uma regra absoluta em toda seara dos direitos. Ainda, Alexy diz “a

impressão de ser absoluto resulta do fato de que existem duas normas de dignidade

da pessoa, quer dizer, uma regra da dignidade da pessoa e um princípio da

dignidade da pessoa.”

85

SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. In: Ética, democracia e justiça. Livro de Teses da XV Conferência Nacional da OAB, Foz do Iguaçu, 1994. p.108 86

Kant apud BARROSO, Luiz Roberto, tratou do reino dos fins afirmando que nele “ tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade.” (BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de 2010, p. 16.) 87

LEITE, George Salomão. Dever e dignidade humana na fundamentação da metafisica dos costumes e Imanuell Kant. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang; CARBONELL, Miguel. (coord.). Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 499 88

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 113-14.

47

Na mesma linha de raciocínio, Ingo Wolfgang89 entende que o princípio da dignidade

da pessoa humana, poderá ser considerado como um direito fundamental autônomo,

sem menosprezar a sua importância ao exercer a função em relação a aplicação e

interpretação dos demais direitos fundamentais. Contudo, a exemplo do art. 5º

incisos XXI e XXV90, nem todos os direitos fundamentais possuem seus conteúdos

ligados na dignidade da pessoa humana.

Existem duas dimensões acerca do principio da dignidade, a saber, uma negativa e

outra positiva. A concepção negativa tem amparo no art. 5º, III91 da CF, que proíbe

que qualquer ser humano sofra humilhações ou ofensas. Já a dimensão positiva tem

a liberdade como elemento determinante da dignidade, ou seja, o pleno

desenvolvimento de cada ser humano.

Cumpre esclarecer, que a dignidade da pessoa humana não se trata de uma criação

da Carta Magna, antes mesmo, ela já encontrava arraigada na sociedade. Coube

apenas a Constituição a busca dos valores sociais, a fim de, eleva-lo ao patamar

constitucional, servindo, de vetor para a própria sociedade e para o Estado92, na

busca da existência digna.

Destarte, a dignidade da pessoa humana propicia um mínimo necessário ao

individuo, tão só, por ele estar inserido a natureza humana, sendo cabível a todos os

seres humanos de forma igualitária, o direito a ter uma vida digna, conforme

preconizado no texto constitucional no art. 3º, III e IV.93

89

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. Ed. Porto Alegre: livraria do Advogado, 2010. P. 95-96. 90

Constituição Federal 1988, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; 91

Constituição Federal 1988, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (grifo nosso) 92

SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da Democracia, in,Revista de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n.212, abr/jun. 1998, p. 91. 93

Constituição federal 1988, Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

48

2.2.4.2 O Estado Democrático de Direito como estado da justiça social

O termo justiça social, trazido pela Constituição Federal de 1988, se faz presente já

no art. 3º, I, trazendo expressamente o objetivo da República Federativa do Brasil,

que é “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. No caput do art. 170 e no art.

19394, traz a justiça social como principio constitucional da ordem econômica. Nota-

se que a ideia de justiça social não está atrelada apenas ao campo econômico, a fim

de interferir na ordem econômica e garantir a existência de vida digna, mas também

de garantir o bem-estar.

Para Eros Roberto Grau95 justiça social é um termo indeterminado, contingencial. A

carta magna, por sua vez, não tem a intenção de torna-la uma espécie de justiça,

mas, pretende-se dar a ela um dado ideológico. Deste modo, não pretende impor um

adjetivo para qualifica-lo, a fim de, restringir o seu conceito, mas adicionar um

substantivo que a integre.

Contrário ao entendimento de Eros Grau, há quem entenda que a expressão justiça

social é redundante. Adepto a esse entendimento, Sampaio Dória96, aduz que

A frase justiça social, tão ao gosto geral, é redundante. Justiça é fenômeno social, de modo que justiça social o mesmo é que fenômeno social. Se, na conotação do termo justiça, já se inclui a ideia de relação humana, ou social, por que logicamente acrescentar o adjetivo social, que nele já se inclui? Toda justiça é social como todo direito é social, como toda moral é social, como toda politica é social. O termo social não restringe o termo justiça, direito, moral, politica. Social é elemento genérico nos fenômenos específicos de politica, moral, direito, justiça, liberdade e tantos outros. Lembra o ilogismo de se caracterizar o homem em face do morcego com a frase homem racional. A ideia de racional já está intrínseca na ideia de homem. Juntar esta naquela, não a reforça, não traz nada de novo, mera redundância.

A justiça social visa interferir no contexto da ordem econômica, buscando o

implemento de condições de vida para todos até que se alcance um patamar de

dignidade e satisfação. Deve ser atribuído a todos os mesmos direitos. Contudo,

diante das desigualdades existentes na sociedade, para reparar esse dano, é

preciso que seja aplicada a igualdade de possibilidades, do ponto de vista material e

não formal, pois parte do ponto que existem diferenças relativas, decorrentes de

94

Constituição Federal 1988, Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 95

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 15ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 224 96

DÓRIA, Sampaio apud TAVARES, André Ramos. Op.cit. p. 128.

49

cada individuo e da sua contribuição à sociedade. Entende-se, que o ponto de

partida dos cidadãos deve ser igual, e não desigual, mesmo que não contribuam

com a sociedade, pois é preciso que as pessoas tenham condições para se

desenvolverem.97

A justiça social termina por reforçar a ideia da própria dignidade da pessoa humana,

visto que, a dignidade será alcançada no momento em que houver a efetividade da

justiça social. Assim, a justiça social consiste “na possibilidade de todos contarem

com o mínimo para satisfazerem às suas necessidades fundamentais, tanto físicas

quanto espirituais, morais e artísticas.”98

Para Eros Roberto Grau, a justiça social tem dois momentos, incialmente se quer a

superação das injustiças na divisão do produto econômico, contudo, no decorrer do

tempo, se quer a reparação das injustiças da distribuição injusta. Assim, a justiça

social “deixa de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar

exigências de qualquer politica econômica capitalista.”99

Busca-se com a ordem econômica o bem estar social e a justiça social, segundo o

qual deve garantir que o processo econômico enquanto produtor, guie para o bem

estar social e a justiça social. Deste modo, entende-se que os valores econômicos

são os valores-meio, e os sociais são valores-fim. 100 Logo, não se busca apenas

tirar o cidadão da linha de miséria, vai além disso. É dar ao individuo subsídios que

possibilite sua ascensão social e seu desenvolvimento. Ocorrendo, pode, portanto,

afirmar que houve a concretização da justiça social e a efetivação dos elementos

preconizado no art. 3º101 da Constituição Federal.

97

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 33. 98

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 128-129. 99

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 15ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 224 100

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio, DINIZ, Maria Helena, GEORGAKILAS, Ritinha Alzira Stevenson. Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia, supremacia. São Paulo: Atlas, 1989, p. 53. 101

Constituição Federal de 1988, Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

50

2.3 TRABALHO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

No Brasil, o ápice de afirmação constitucional dos direitos fundamentais encontra-se

na Constituição de 1988, como se sabe. Foi na Carta de 1988 que o direito do

trabalho ganhou força, de modo a ter a sua efetivação através dos princípios ali

expostos, como, em especial, o princípio da valorização do trabalho, o da justiça

social e o princípio da dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal 1988 pautada no Estado Democrático de Direito tratou o

“trabalho” como meio legítimo de garantir a vida digna a todos os seres humanos –

como, saúde, alimentação, educação, habitação, lazer, realização pessoal e

coletiva.102 Logo, tem-se a busca dos direitos sociais e individuais, assim como, o

direito a liberdade, a segurança, e o bem-estar.

Numa relação de trabalho ou emprego, seja individuais ou coletivas, além dos

direitos fundamentais inerentes a sua condição de pessoa humana, agrega-se

também aqueles direitos que a Constituição garante aos trabalhadores

especificamente, como no seu art. 7º, que traz um extenso rol de direitos trabalhista

na busca de garantir uma melhoria na condição social do trabalhador e preservar a

dignidade da pessoa humana.

Destarte, que o conceito de direito fundamental ao trabalho, encontra-se, presente

na Constituição de 1988 através dos princípios, valores e fundamentais da ordem

econômica e social, respaldado pela dignidade da pessoa humana e valorização do

trabalho.

O direito ao trabalho encontra-se, primeiramente, reconhecido no art. 6º da CF103,

que trata como um direito econômico, social e cultural, dotado de caráter

fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, o reconhecimento do

direito ao trabalho não está apenas previsto neste artigo, mas também ganha

102

O senador Marco Maciel do PDS- PE, em sessão no Congresso Nacional, se manifestou afirmando “(...) a finalidade principal do trabalho não é a produção de um bem econômico em si mesmo, mas, sobretudo assegurar vida condigna a todo o agrupamento humano – vale dizer, garantir a todos alimentação, saúde, educação, habitação, seguro social, lazer e possibilidade de progresso, de realização pessoa e coletiva dentro do organismo social.” Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/diarios/PublicacoesOficiais> Acesso em: 21 outubro 2015. 103

Constituição Federal de 1988. Art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

51

destaque no art. 170 caput e inciso VIII da CF ao trazer “a busca do pleno emprego”

como princípio a ser observado para se alcançar a existência digna. E por fim, no

art. 193 da CF que reafirma o primado do trabalho no ordenamento jurídico.

José Afonso da Silva104 traz uma análise conjunta destes artigos e afirma que,

bem se vê que o de que se fala é de um direito, que cabe a todos, de ter trabalho, porque este é o meio mais expressivo de se obter uma existência digna – sendo, pois, de grave conteúdo inconstitucional toda forma de politica econômica recessiva que provoque desemprego sistemático.

É comum ainda, encontrar no cenário brasileiro a preservação de um ranço

escravocrata, de modo, a favorecer ainda mais as desigualdades existentes das

relações trabalhistas. Diante da hipossuficiência do trabalhador, cabe ao Estado, no

exercício da sua função protetiva, assegurar aos trabalhadores, a existência digna,

de modo a proteger os seus direitos fundamentais, muitas vezes ofendidos pelos

empregadores.

O modelo capitalista de produção adotado pela República Federativa do Brasil, não

a afasta da sua condição de Estado Social, pelo contrário, reforça ainda mais a

necessidade de ter o seu desenvolvimento voltado para os direitos fundamentais.

Razão pela qual, a Constituição Federal de 1988 ao estabelecer a ordem econômica

no art. 170, condiciona a sua existência na concretização dos direitos fundamentais,

pautado na valorização do trabalho humano e na justiça social.

A valorização do trabalho humano encontra-se repetidamente evidenciada na Carta

Magna de 1988, desde o seu “Preâmbulo”105, passando pelos princípios

fundamentais da República Federativa e da própria Constituição, e também quando

se trata dos direitos sociais e por fim, ao abordar a ordem econômica e financeira e a

ordem social. Deste modo, a constituição ao adotar essa postura não quer deixar

dúvidas, acerca do sistema econômico-social valorizador do trabalho humano.

Ainda que, expressamente reconhecido pela Constituição a ordem econômica social

e o poder econômico, é necessário limites a sua atuação, de modo que, a obtenção

de lucros deve ser respaldada na noção de responsabilidade social. A ordem

104

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2006, pag. 186. 105

Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, [...] instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]

52

econômica está, portanto, pautada na livre iniciativa, na existência digna, na

valorização do trabalho humano e na justiça social. “A ordem econômica vigente no

Brasil, mantem com os direitos fundamentais uma relação de dependência”106

Não se está retirando a liberdade para o desenvolvimento econômico nacional, mas

a Constituição Federal tratou de elevar o valor do trabalho humano como

fundamento da ordem econômica, de modo que, busca-se na proteção e na tutela

do trabalho normas jurídicas que proporcionem ao trabalhador uma posição de

igualdade perante o empregador, a qual consiga proteger e defender os seus

direitos.107 Deste modo, é que se diz que ao poder econômico são impostos limites

jurídicos de atuação, visando tornar mínimas as divergências que colocam em perigo

a segurança e a estabilidade na vida da pessoa humana.

Ferindo o ordenamento jurídico, encontra-se a prática do dumping social, cuja seu

fundamento está pautado na exploração do trabalhador. Nota-se com essa prática,

que os preceitos opostos a ordem econômica na Constituição Federal encontram-se

desrespeitados, de modo que, tem-se com dumping social a desvalorização do

trabalho humano, uma vez que retira dos trabalhadores seus direitos sociais para

obtenção de vantagem econômica em relação aos seus concorrentes.

No capitulo seguinte será abordado, de forma minuciosa o instituto do dumping

social.

106

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 36 107

COSTA, Sandra Moraes de Brito. Trabalho humano como direito fundamental: aspectos jurídicos econômicos. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, n.125, jan.\mar, 2007, p. 230.

53

3 DUMPING

O presente capítulo inicialmente destinará a compreensão do fenômeno do dumping,

para que posteriormente, seja feita uma análise específica acerca do dumping social.

Faz-se mister um breve relato histórico do dumping, bem como do seu conceito no

âmbito jurídico e econômico. Na sequência, serão apresentadas algumas

modalidades deste fenômeno, com atenção especial ao dumping social, fazendo por

fim, uma contextualização desta modalidade no cenário internacional e no

ordenamento jurídico pátrio.

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

A evolução do processo de globalização trouxe principalmente para o comércio uma

disputa acerca da concorrência, de tal modo que se tornou necessária a criação de

instrumentos capazes de impedir as práticas desleais de comércio, dentre as quais o

dumping está inserido. Assim, houve pelos Estados a busca de políticas de proteção

capazes de certificar uma concorrência justa no cenário mundial.

De toda sorte, foi no Canadá, no início do século XX, entre os anos de 1903 e 1904,

que se tem noticia da primeira lei voltada para reprimir a prática de dumping. No

período em questão, o país estava construindo uma ferrovia transcontinental, a fim

de melhorar o tráfego de pessoas e mercadorias em seu território. Eis que, com este

cenário os Estados americanos encontraram uma oportunidade de investir no país

vizinho, vendendo seus aços a fabricantes de estrada de ferro a preços abaixo do

valor de mercado.108

Tendo em vista as investidas dos norte-americanos, resultou no domínio do mercado

local em face das indústrias metalúrgica canadense, pois estes não suportaram a

concorrência. Com intuito de coibir essa prática, o Canadá elaborou a primeira

legislação antidumping. Tal regulamentação não passava de uma medida

108

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012, p. 112.

54

protecionista por parte do governo, pois não se questionava a intenção do

exportador, nem o dano provocado ao comercio canadense, mas era apenas

“imposição de direitos antidumping equivalentes à diferença entre o preço exercido

no Canadá e o preço no país que estava exportando.”109

Posteriormente, normas similares a legislação canadense foram implantadas em

outros Estados, como na Nova Zelândia, Austrália, Japão, África do Sul, Reino Unido

e Estados Unidos.110

Nos Estados Unidos, por sua vez, a legislação antidumping somente surgiu em

1916, através do Antisumping Act (Revenue Act). Este considerava crime a prática

de um exportador que causasse danos aos concorrentes, desde que fosse

comprovada a sua intenção. Porém, esta lei de 1916 foi alterada em 1921 para a

denominada Us Antidumping Act, sendo utilizada como modelo para as normas

previstas no Artigo VI do GATT111 1947.

O GATT contou com diversas rodadas de negociação, como em 1967 durante a

Rodada Kennedy, que foi aprovado seu Código Antidumping. Este mesmo código foi

objeto de discussão em 1979 em Tóquio. Neste cenário e diante das dificuldades

das negociações, em 1995, através Ata Final de Marrakest, foi criada a OMC –

Organização Mundial do Comercio, que encerrou a chamada Rodada Uruguai.112 A

OMC113, portanto, aproveitou os acordos firmados pelo GATT, inclusive o Acordo

Antidumping.

Neste diapasão, as normas internas dos Estados membros da OMC, deverão ser

desenvolvidas ou reformadas, conforme preconiza as normas antidumping

109

SILVA, Alice Rocha da. Dumping e direito internacional econômico. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v. 2, n. 2, jul./dez. 2005, p. 396. 110

CORDOVIL, Leonor. Antidumping: interesse público e protecionismo no comércio internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 31. 111

O GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) acordo internacional cujo objetivo regular o comércio internacional, eliminando, a discriminação e propondo a redução de tarifas e outras barreiras do comercio, com o fim na liberdade comercial. 112

AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico. 3 ed. São Paulo. Editora Atlas, 2013, p. 422 113

A OMC trata-se de uma organização mundial do comércio, a qual, seus países membros permitem a ingerência externa em suas politicas públicas. A essa organização é permitida a realização de retaliações comerciais dos países que se sintam prejudicados com as condutas lesivas. Ainda, Segundo Aguillar “embora seja comum ouvir que a OMC sucedeu ao GATT, deve-se ter em mente que a denominação GATT expressa duas coisas distintas: um órgão e um tratado. O órgão GATT, que foi sendo construído à medida que foi sendo aparelhado de uma estrutura administrativa mínima para fins de implementação do acordo GATT, foi extinto e substituído pela OMC. Mas o tratado GAT continua em vigor, como o principal repositório de normas que rege o comercio mundial. (AGUILLAR, Fernando Herren. Op cit. p. 422-223.)

55

chancelada na Rodada Uruguai, com intuito de alcançar a uniformização das

legislações para que, consequentemente, exista uma harmonização de tratamentos

nos casos de dumping.

3.2 CONCEITO DE DUMPING

O termo dumping, por envolver conotações variadas, pode ser usado por diversas

formas, porém, muitas vezes de forma errônea. Existem diversas metodologias com

intuito de encontrar uma definição para este instituto. Dentre essas, será objeto do

presente estudo apenas o conceito de dumping sob duas acepções: econômica e

jurídica, pois utilizam argumentos que justificam a aplicação de medidas protetivas e

impeditivas diante do fenômeno do dumping.

3.2.1 Compreensão do dumping na doutrina econômica

O termo dumping origina-se do islandês arcaico (“thumpa”), que exprime a ideia de

atingir alguém, o termo “to dump” vem do inglês contemporâneo e traduz a noção de

atirar algo fora, despejar ou descarregar. Nestes termos, Barral114 utiliza-se da

definição do dicionário Black115 para descrever o dumping como sendo “o ato de

vender em quantidade, a preços muito baixos ou sem considerar o preço de venda;

também a venda de excedentes no exterior a um preço menor que o preço do

mercado interno, de forma que compense o prejuízo e favoreça aos trustes e carteis

a colocação dos excedentes.” O autor entende ser esse o conceito que melhor se

aproxima com a definição normativa.

114

BARRAL, Welber apud BRITO, Vanessa de Mello. Medidas Antidumpinge o Comércio Internacional (XV Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais) Universidade de Brasília. Instituto de relações internacionais. 2014, p. 2 115

“DUMPING. In comercial usage, the act of selling in quantity at very low price o practically regardless of the price; also, selling (surplus goods) abroad at a less price than the market price at home.” (Black Law’s Dictionary , Thomson West Publisher ,1968, p. 592)

56

A primeira pessoa a fazer uso da expressão dumping foi Adam Smith. O economista

utilizava-se o dumping para fazer alusão á ingerência do Estado na economia.116

Cumpre observar, que tal expressão designa fato econômico diverso da atual

construção teórica acerca do instituto.

Contudo, foi o economista Jacob Viner117 no Século XX o primeiro a abordar a

matéria na concepção adotada atualmente. Em sua obra “Dumping: a problem in

international trade” ensina118 que “the one essential characteristic of dumping,

icontend, is price-discrimination between purchases in different national markets"

Nesta esteira, para a concepção econômica, dumping decorre da discriminação de

preços entre diferentes mercados nacionais.

Nota-se que este conceito pode abranger tanto situações comuns, como também

situações incomuns de dumping. Assim, configura-se dumping desde a exportação a

preço inferior ao do mercado, como também, a discriminação entre mercados

exportadores, quando existe ou é insignificante o mercado domestico, e ainda, na

venda no mercado interno a preço inferior ao do mercado externo.119

Nesse sentido, Marlon Tomazette120 ensina que,

quando um produtor que não possui mercado doméstico, discrimina entre dois mercados de exportação, está realizado dumping no mercado do país, no qual a venda se dá pelo preço mais baixo. Do mesmo modo, se o mercado interno é insignificante e se faz a distinção entre dois mercados externos. Além disso, o dumping poderia ser praticado no mercado doméstico, vendendo os produtos neste âmbito a preços inferiores àqueles vendidos no mercado externo, configurando o chamado dumping reverso.

A propósito, se verificará no próximo tópico, que a concepção econômica, não se

identifica na sua totalidade com a compreensão de dumping para o direito, de modo

que, será analisada em apartado a seguir. 116

Hoje, o termo dumping que era utilizado por Adam Smith se assemelha a figura do subsídio. O subsidio “representa um tipo de benefício concedido pelo governo ou por órgão público, sob a forma de: (i) Contribuição financeira que gere vantagem (podendo assumir a forma de empréstimos, doações ou incentivos fiscais); ou (ii) Qualquer forma de sustentação da renda ou dos preços que contribua para aumentar as exportações ou reduzir as importações de um produto.” (GUIA antidumping. São Paulo, Fiesp\ciesp. Set, 2013, p. 9) Enquanto, que o dumping é uma atividade exclusivamente privada, que ocorre quando um empresário ao exportar um produto fixa o preço, abaixo valor praticando no mercado doméstico. 117

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012, p. 112. 118

VINER, Jacob, apud, TEIXEIRA, Leandro Fernandez. Op cit. loc cit. 119

TOMAZETTE, Marlon. O conceito do dumping para a regulamentação multilateral do comércio internacional. PRISMAS: Dir., Pol.Pub. e Mundial., Brasília, v.4, n, 1, p 194-214, jan/jul. 2007, p. 197 120

Ibidem. loc.cit.

57

3.2.2 Conceito jurídico de dumping no âmbito do comercio internacional.

No intuito de fortalecer a economia mundial, após a 2º Guerra Mundial, os países

aliados, estabeleceram um acordo, denominado de GATT (General Agreement on

Tariffs and Trade), para que fossem tratadas questões acerca de tarifas e regras de

comércio. Nesse momento, se discute assuntos concernentes ao comercio

internacional, em especial, o dumping.

Diferente da concepção econômica já estudada, a acepção jurídica, além de levar

em consideração a discriminação dos preços entre os mercados, acrescenta outros

aspectos necessários para a configuração do dumping, em especial, o valor normal

da mercadoria. Assim, é possível encontrar a definição de “dumping” no art. VI do

General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) de 1994, aplicada, inicialmente,

para as práticas de concorrência desleal nas relações de comercio exterior, em que

são fixados preços a determinado bem inferior ao seu valor normal de mercado.

The contracting parties recognize that dumping, by which products of one country are introduced into the commerce of another country at less than the normal value of the products, is to be condemned if it causes or threatens material injury to an established industry in the territory of a contracting party or materially retards the establishment of a domestic industry. For the purposes of this Article, a product is to be considered as being introduced into the commerce of an importing country at less than its normal value, if the price of the product exported from one country to another (a) is less than the comparable price, in the ordinary course of trade, for the like product when destined for consumption in the exporting country, or, (b) in the absence of such domestic price, is less than either (i) the highest comparable price for the like product for export to any third country in the ordinary course of trade, or (ii) the cost of production of the product in the

country of origin plus a reasonable addition for selling cost and profit.121 No intuito de complementar essa ideia do art. VI do GATT de 1994, em face das

lacunas presente no citado GATT, o Acordo Antidumping no art. 2.1 disciplinou que,

para as finalidades do presente Acordo considera-se haver prática de dumping, isto é, oferta de um produto no comércio de outro país a preço inferior a seu valor normal, no caso de o preço de exportação do produto ser

121

As partes contratantes reconhecem que o dumping, pelo qual os produtos de um país são introduzidos no comércio de outro país por menos que o valor normal dos produtos, deve ser condenado se causa ou ameaça causar um prejuízo material a uma indústria estabelecida no território de Parte Contratante ou retarda substancialmente o estabelecimento de uma indústria nacional. Para efeitos do presente artigo, o produto deve ser considerado como sendo introduzidos no comércio de um país importador, por menos que seu valor normal, se o preço do produto exportado de um país para outro (a) é inferior ao preço comparável, no decurso de operações comerciais para o produto similar quando destinado ao consumo no país exportador, ou, (b) Na falta de preço no mercado interno, é inferior a: (I) o maior preço comparável de um produto similar para exportar para qualquer país terceiro, no decurso de operações comerciais ou (II) o custo de produção do produto no país de origem mais um acréscimo razoável para cobrir custos e lucros. (tradução livre)

58

inferior àquele praticado no curso normal das atividades comerciais para o mesmo produto quando destinado ao consumo no país exportador.

Diante desses dispositivos, observa-se que a prática de dumping só será condenável

se for prejudicial e causar dano à indústria nacional, logo, é preciso que exista o

nexo causal entre a conduta e o dano sofrido. Disto, demonstra-se que não é toda a

venda de produtos a preços inferiores, a fim de provocar a concorrência desleal, que

irá caracterizar dumping condenável, visto que muitas vezes tal prática poderá ser

considerada benéfica a economia.122

Salienta o dispositivo apresentado pelo GATT, que o dumping será condenável

quando a causa ou ameaça provocar um prejuízo matéria a indústria nacional, ou,

ainda que não tenha um prejuízo material que haja um retardamento substancial do

estabelecimento industrial. Nesse sentido, “para caracterizar o dumping, é

necessário provar que o bem importado, e que está sendo introduzido no mercado

doméstico, tem seu preço de exportação inferior ao valor normal”.123

Cumpre esclarecer ainda que o valor normal é o valor do produto comercializado no

país exportador em condições normais mercantis. Já o valor de exportação é aquele

valor pago pelo bem, isento de tributos, descontos e bonificações fincadas à sua

venda. Assim, para que se encontre a denominada “margem de dumping” é preciso

subtrair o preço de exportação pelo valor normal. Somente assim, terá um parâmetro

para aplicar as medidas antidumping.124

Partindo-se de tais considerações, é possível observar que o conceito econômico de

dumping é mais amplo que a concepção jurídica, tendo em vista que, basta que

tenha a discriminação injustificada de preços entre mercados. Diferente da acepção

jurídica, que também é fundamental que tenha uma discriminação de preços, porém,

não é qualquer discriminação, isto é, “no conceito jurídico é fundamental que essa

discriminação ocorra com a venda de um produto por preços inferiores aos seus

122

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012, p. 113 123

SILVA, Leda Batista da. Dumping: breves pensamentos sobre história, direito, economia e contabilidade. Revista de Direito da Concorrência, n.º 14, abr/jun. 2007, p. 123. 124

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 40.

59

valores normais, apurados no mercado doméstico do país exportador, ou em outro

similar, na impossibilidade de se comparar o valor naquele mercado.”125

Em suma, para que o dumping seja condenável é preciso que na exportação, o

preço de venda seja inferior ao seu valor normal praticado no mercado domestico,

de modo a provocar danos materiais ao comercio ou que iniba o seu

desenvolvimento.

3.3 DUMPING NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO

O ordenamento jurídico brasileiro, através do Decreto Legislativo nº 30 de 1994

aprovou a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai das

Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, assinada em Marraqueche, em

1994. Posteriormente, em 1995, foi editada a Lei nº 9.019 disciplinando os direitos

garantidos no Acordo Antidumping.126

Com o fim de regulamentar a Lei nº 9.019/95 surgiu o Decreto nº 1.602/95127, que

definiu a prática de dumping como a venda de bens a valores inferiores aos

praticados no mercado interno, de forma a acompanhar a noção internacional,

decorrente da Ata Final da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais

do GATT.

Cumpre ainda ressaltar, que é da competência da Secex - Secretaria de Comércio

Exterior, do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo a investigação da

prática de dumping. Trata-se de um processo administrativo, para que seja

comprovado o nexo causal entre a conduta e o dano, bem como, a apuração da

margem do dumping.

Em 1º de outubro de 2013 passou a vigorar o Decreto nº 8.058/2013 em substituição

ao Decreto nº 1.602/1995, com relação às investigações e aplicação das medidas

125

TOMAZETTE, Marlon. O conceito do dumping para a regulamentação multilateral do comércio internacional. PRISMAS: Dir., Pol.Pub. e Mundial., Brasília, v.4, n, 1, p 194-214, jan/jul. 2007, p. 198 126

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. Dumping Social. 1 ed. São Paulo. Saraiva, 2014, p. 83. 127

Sobre a prática de dumping, delimita, em seu art.4º, in verbis: Art. 4º Para os efeitos deste Decreto, considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob as modalidades de drawback, a preço de exportação inferior ao valor normal.

60

antidumping. As alterações modernizaram as regras brasileiras, de modo que, o

novo decreto trouxe a automatização dos procedimentos, diminuíram os prazos para

inicio e encerramento das investigações, estipularam prazos para exigência de

direitos antidumping provisórios, bem como, estipulou os conceitos de cada requisito

necessário à aplicação dos direitos antidumping128.

Nas palavras de Fernanda Manzano Sayeg129,

[...] o novo Decreto antidumping é beneficio, à medida que moderniza as regras brasileiras à luz da experiência e prática do DECON, tornando as investigações mais céleres, transparentes e eficientes. A regulamentação de procedimentos e prazos representa maior previsibilidade e segurança jurídica para todas as partes envolvidas em uma investigação dessa natureza. A redução dos prazos também é favorável, sobretudo à indústria domestica, à medida que proporcionará uma resposta mais rápida do governo à necessidade de proteção em face das importações objeto de dumping.

Nota-se que o Decreto nº 8.058/2013 veio para aumentar a segurança jurídica na

utilização das medidas antidumping, bem como, trazer transparência, celeridade e

efetividade aos processos de investigação decorrentes da prática do dumping.

Assim, importa dizer que o ordenamento jurídico brasileiro adota a noção

internacional de conceituação do dumping.130 Deste modo, entende o dumping como

a venda de mercadorias a valores inferiores aos praticados no comércio doméstico.

3.4 MODALIDADES DE DUMPING131

O fenômeno do dumping sofreu algumas tentativas de ampliação do seu conceito,

para abranger novos tipos de situações. Estas modalidades seriam extensões

conceituais empregada pela doutrina com intuito de estruturar o fenômeno.132 Deste

128

MARQUES, Maria de Fátima Rodrigues. A OMC e as medidas antidumping no Brasil. Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR – Brasil. Ano IV, nº 10, jun/dez 2013, p. 179. 129

SAYEG, Fernanda Manzano. O Novo Decreto Antidumping Brasileiro. Anuário CESA, 2013, ed.1, p. 40-41. 130

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. Op.cit. p. 83. 131

José Augusto Rodrigues Pinto aduz que a configuração genuína do dumping encorajou a “falsa impressão de ter passado a admitir extensões conceituais.“ segundo o autor essas extensões devem ser vistas como meios ou efeitos decorrentes da prática do dumping. Ou seja, “não passam de efeitos colaterais do dumping, nas áreas sociológica e jurídica. [...] Efeitos – é bom acentuar-se – com potencial de despertar justo clamor reativo, pela deslealdade social e juridicamente censurável da conduta empresarial, porém diversos e distantes do efeito principal do dumping.” (PINTO, José Augusto Rodrigues. Dumping social ou delinquência patronal na relação de emprego? Revista TST, Brasília, vol. 77, n. 3, jul/set 2011, p. 138-140. 132

Gustavo Arruda diverge dos doutrinadores que fazem essas extensões conceituais. O autor entende que, “trata-se, na verdade, de uma tentativa de caracterização pejorativa de situações que

61

modo, o presente tópico se debruçará sobre algumas dessas modalidades, eis que,

não é a proposta deste trabalho esgotar todas as espécies do dumping.

Uma primeira distinção refere-se ao dumping intencional e não intencional. O

primeiro refere-se a um planejamento estratégico da empresa, de modo a provocar o

desequilíbrio da concorrência intencionalmente. Agora, o dumping não intencional,

trata-se de eventos naturais do próprio modelo de produção capitalista causando a

esses modelos eventuais desequilíbrio econômico. “Tal prática não resulta do

planejamento estratégico da empresa, mas de uma resposta a uma

eventualidade.”133 Logo, entende-se que é um dumping temporário, de curto prazo,

bem como, não monopolista, pois, após um período, o dumping extinguir e o

mercado volta a seu status quo ante.

Outra modalidade trazida por Cristiane Alkmin, Isabel Ramos e Marcos André134 é o

dumping estratégico. Este dumping ocorre quando a indústria precisa de economia

de escala na sua produção, a fim de expandir seu mercado e para isso recebendo

incentivo á exportação, acaba impulsionando o preço de exportação a um preço

inferior ao valor no mercado de origem.

Ainda, no rol de modalidades de dumping, Alice Rocha da Silva135 elenca outras

modalidades, sendo elas:

A primeira dessas modalidades é o dumping por excedente, que busca a

maximização de vendas, deixando de lado os lucros. Surge, portanto, da dissolução

dos custos fixos decorrente do aumento na produção. Este excesso de produção

provocará a exportação, que por sua vez, causará um aumento da oferta do produto,

bem como, a retratação do preço no país importador.

envolvem diferenças estruturais – ou vantagens corporativas – entre Estados, geralmente entre Países Desenvolvidos (PDs) e Países em Desenvolvimento (PEDs). Partem, na maior parte das vezes, de movimentos sociais daqueles para estereotipar de maneira negativa os produtos competitivos destes.” ARRUDA, Gustavo Favaro. Entendendo o dumping e o direito antidumping. Revista de Direito da Concorrência, nº 7, jul.\set. 2005, p.20. 133

LIMA, Marcos André M. de; SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUSA, Isabel Ramos de. Tipologias de Dumping. Documento de trabalho. Rio de Janeiro: Secretaria de Acompanhamento Econômico, 2006. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/central_documentos/documento_trabalho/2002-1/doctrab17.pdf.> Acesso em: 20 de agosto de 2015, p.5. 134

Ibidem. p. 8. 135

SILVA, Alice Rocha da. Dumping e Direito Internacional Econômico. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v.2, n2, jul.\dez. 2005, p. 399-401.

62

O dumping predatório trata-se de uma estratégia mercadológica do exportador que

busca eliminar a concorrência que produz mercadoria similar. Para alcançar o

objetivo esses fabricantes vendem suas mercadorias a um preço abaixo do custo de

produção e no momento, oportuno, em especial, quando consegue derrotar os

fabricantes nacionais, voltam a elevar seus preços, a fim de reaver os prejuízos

suportados. Pode-se dizer que essa seria a única espécie de dumping condenável.

A terceira modalidade é o dumping tecnológico que se caracteriza pela mutação da

tecnologia, de modo que, ela “muda tão rapidamente que o custo de produção vai

ficando cada vez mais baixo”136. Nessa modalidade as mudanças tecnológicas e o

custo de produção andam relacionados.

O dumping estrutural, por sua vez, ocorre quando há um excesso de oferta de

determinado produto no mercado, de modo a ocasionar a exportação a preços

abaixo do que comercializados no mercado interno.

Alice Rocha137, traz ainda o dumping ecológico ou dumping ambiental, caracteriza-se

pela utilização de materiais não recicláveis, bem como, quando empresas

consideradas poluentes se mudam para um pais onde a proteção ao meio ambiente

seja escassa, o que provocará uma diminuição nos gastos da empresa com relação

a proteção ambiental e consequentemente uma redução do preço de certas

mercadorias. Decorreria, portanto, de uma “vantagem comparativa ilícita advinda da

degradação ambiental, nos países em desenvolvimentos”138

Existe ainda, a modalidade de dumping cambial, que seria configurada quando

houvesse a manutenção artificial de taxas cambiais a ponto de desvalorizar a moeda

nacional. Isso facilitaria a exportação, pois, os produtos exportados chegariam a um

preço inferior, enquanto que os produtos nacionais ficariam muito caro.

Por fim, existe a modalidade do dumping social, que de modo sucinto, decorre da

superexploração de mão de obra capaz de reduzir os custos da produção a ser

comercializada. Ocorre, portanto, uma precarização das garantias e direitos dos

trabalhadores. Esta modalidade será objeto de detida análise a partir do próximo

tópico.

136

SILVA, Alice Rocha da. Dumping e Direito Internacional Econômico. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v.2, n2, jul.\dez. 2005, p. 399-401. 137

Ibidem. loc.cit. 138

Ibidem. loc.cit.

63

3.5. DUMPING SOCIAL

O presente capítulo destina-se ao estudo especifico e aprofundado do instituto do

dumping social. Faz-se necessário dedicar a análise do dumping social partindo,

primeiramente, da compreensão do seu conceito e seus principais elementos

caracterizadores. Em seguida, será examinado os mecanismos normativos para

coibir e reprimir a prática deste instituto no âmbito internacional e no ordenamento

jurídico brasileiro.

3.5.1 Conceito

Como visto em tópico 3.4, o dumping social139 é uma modalidade dumping. Por outro

lado, afirma José Augusto Rodrigues Pinto140, que não se trata de uma extensão

conceitual de dumping, mas, o dumping social é um efeito colateral de sua prática.

O dumping social consiste na conduta reiterada de descumprimento dos direitos

trabalhistas, de modo a manter as condições de trabalho inferiores ao aceitável, com

intuito de manejar o preço do produto e consequentemente obter vantagem

econômica em relação a seus concorrentes. Ocorre, portanto, a baixa do custo de

produção da empresa em decorrência da precarização da mão de obra, gerando

danos sociais.

Nesse sentido, Jorge Luiz Souto Maior afirma que o dumping social é uma

diminuição do nível e da qualidade vida dos trabalhadores, em virtude da conduta

socialmente reprovável do empregador, definido pela desconsideração reiterada e

inescusável dos direitos trabalhistas, “gerando ao empregador o efeito potencial,

139

Devido a resistência pela utilização da expressão dumping social, por entender não ser possível ser utilizada no contexto interno das relações comerciais de um único pais ou por entender que a expressão “dumping” tem natureza estritamente econômica, é que alguns autores, como José Rodrigues Pinto e Rodrigo Trindade adotam a expressão “delinquência patronal”. Contudo, Souto Maior discorda, entendendo que a delinquência patronal não seja dumping social. Segundo o autor delinquência patronal “ é o delito perpetrado contra a legislação trabalhista e a dignidade humano do trabalhador, que, por via de arrastamento, provoca o dano á sociedade, se os delitos forem reincidentes, inescusáveis e causarem prejuízo social relevante, [...] verificando o potencial ofensivo da “delinquência patronal” , sancionara a empresa infratora pelo dano social. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p. 21. 140

PINTO, José Augusto Rodrigues. Dumping social ou delinquência patronal na relação de emprego? Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 77, n. 3, 2011. p. 138

64

atingindo, ou não, da obtenção de uma vantagem econômica sobre outros

empregadores que cumprem, regularmente, as obrigações jurídicas trabalhistas,

incentivando, reflexamente, a concorrência desleal.”141

Nesta mesma linha, Arion Sayão Romita142 ensina,

Os salários e os chamados encargos sociais constituem componentes dos preços dos produtos e, sendo eles mais baixos nos países em desenvolvimento do que nos países desenvolvidos, colocam os primeiros em vantagem sobre os últimos. A prática do dumping social representa, portanto, forma de concorrência desleal, além de redundar frequentemente em violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Cumpre ressaltar, que as práticas reiteradas de exploração do trabalhador pelas

empresas, sob condições precárias de trabalhos, têm “por finalidade precípua a

maximização dos lucros e a minimização dos custos da produção”143

consequentemente, acabam por gerar condutas atentatórias aos direitos sociais,

desrespeitando assim, a legislação trabalhista minimamente aceita mundialmente.

Jorge Luiz Souto Maior144 assevera que,

As agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, sendo que destas agressões o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica, portanto, dano a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma forma. Resultado: precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção. Óbvio que esta prática traduz-se como dumping social, que prejudica a toda a sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato judiciário não será nunca suficiente para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca, meramente, a recomposição da ordem jurídica na perspectiva individual, o que representa um desestímulo para o acesso à justiça e um incentivo ao descumprimento da ordem jurídica.

Em que pese, seja comum a ligação do dumping social ao mercado internacional,

não é correto restringir o cenário de atuação desta prática, posto que, já é possível

encontra-la também no mercado interno nacional de modo a determinar os rumos da

economia. Este é, por exemplo, o entendimento que o Juiz Jorge Luiz Souto Maior145

141

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p. 25 142

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 204. 143

ARAÚJO, Aline de Farias. A necessária repressão da justiça do trabalho aos casos de dumping social. Revista da ESMAT 13 - Ano 4 – nº 4 – Out\2011, p.21. 144

MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Dano Social e Sua Reparação. Revista LTr. nº11, Nov\2007 p.8. 145

“O descumprimento deliberado do direito do trabalho pode ser considerado uma questão de interesse social, motivando a intervenção do Ministério Publico, na medida em que, principalmente no que tange as regras de segurança e medicina do trabalho, esta atitude gera grande custo social, representado pelo acréscimo vertiginoso de doenças no trabalho e acidentes do trabalho, além de poder ser visto como uma forma de se estabelecer uma concorrência desleal entre as empresas,

65

coaduna, de modo que, trata-se do fenômeno da “interiorização do dumping

social.”146 Logo, é possível utilizar a mesma nomenclatura para as condutas ilegais

no mercado interno.

Claro está, portanto, que o dumping social pode ser definido como a concorrência

desleal, na qual mercadorias são vendidas à preços inferiores aos praticados pelo

mercado, obtido mediante reiterada precarização da mão de obra, de modo a

provocar uma mitigação ou supressão de direitos trabalhistas, gerando por

conseguinte danos sociais.

3.5.2 Características do dumping social

É importante, portanto, analisar os elementos do dumping social organizado por

Leandro Fernandez147, a fim de sistematizar a identificação de tal instituto. Pode-se

dizer que terá ocorrido dumping social quando, de forma concomitante estiverem

presentes as seguintes características: a concorrência desleal por meio da venda de

produtos a valores inferiores ao preço de mercado; a conduta reiterada; a utilização

de mão-de-obra em condições inadequadas aos patamares laborais mínimos e o

dano social.

3.5.2.1 Concorrência desleal por meio da venda de produtos a valores inferiores ao

preço do mercado

Em face do modelo econômico capitalista adotado pela República Federativa do

Brasil, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 170, IV traz o princípio da livre

concorrência como uma das bases da ordem econômica. O ordenamento, portanto,

incentivando o ‘dumping’ social numa perspectiva interna. (MAIOR, Jorge Luiz Souto. A Fúria. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, vol. 68, no. 3, jul/dez 2002, p. 123). 146

PINTO, José Augusto Rodrigues. Dumping social ou delinquência patronal na relação de emprego? Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 77, n. 3, 2011. p.138 147

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012, p. 118.

66

prevê uma intervenção mínima do Estado nas atividades econômica quando a

conduta empresarial tem a finalidade de prejudicar a livre concorrência.

Ao empresário não é dada uma liberdade plena, absoluta, de modo que, não é

possível utilizar-se de mecanismos ilegítimos para maximizar os seus lucros. A

atuação empresarial, portanto, encontra-se limites pautados por padrões de

comportamento ético e de boa fé. Deste modo, é repudiada pela Constituição, a

utilização de meios inidôneos a fim de obter vantagem econômica, configurando a

concorrência desleal148.

Utilizando-se de conceitos presentes no Código Civil de 2002, no art. 187149, a

concorrência desleal é uma espécie de ato ilícito, uma vez que com a sua prática

viola a ordem econômica e social da livre iniciativa, projetada na Constituição

Federal de 1988, bem como, age contra os princípios da boa fé e dos bons

costumes.150 Independente de sanções penais cabíveis, o Código Civil, perante os

atos de concorrência desleal, prevê a responsabilização por perdas e danos. Essa

prática, na maioria das vezes reiterada, além de causar prejuízos aos seus

concorrentes, gera também prejuízos ao funcionamento do mercado.

A prática do dumping social151 é, portanto, considerada uma forma de concorrência

desleal, de modo que o empregador ao minimizar as garantias trabalhistas dos seus

empregados, obrigando-os a trabalhar em condições abaixo do mínimo permitido,

busca-se com isso minimizar os custos de produção. Tal prática, torna a

148

Fabio Ulhoa aduz que não é tão simples a diferenciação de concorrência leal e concorrência desleal. Segundo o autor, “em ambas, o empresário tem o intuito de prejudicar concorrentes, retirando-lhes, total ou parcialmente, fatias do mercado que haviam conquistado. A intencionalidade de causar dano a outro empresário é elemento presente tanto na concorrência lícita como na ilícita. [...] São os meios empregados para a realização dessa finalidade que as distinguem. Há meios idôneos e meios inidôneos de ganhar consumidores, em detrimento dos concorrentes. Será, assim, pela análise dos recursos utilizados pelo empresário, que se poderá identificar a deslealdade competitiva.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: Direito de empresa. 16. ed. vol. 1. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 190-191) 149

Código Civil. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 150

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. Op.cit p. 118. 151

A prática de concorrência desleal pelas empresas decorre de que, estes entendem as condições de trabalho como despesas, de modo a influenciar negativamente o preço do produto e a competitividade no mercado. Deste modo, afirma, Gustavo Trierweiler que “o custo dos direitos trabalhistas, em específico, influencia diretamente na formação do preço e, assim, na competitividade da empresa. Ciente dessas condições, as empresas passaram a sacrificar os direitos trabalhistas visando reduzir despesas com a mão de obra e tornar seus preços mais atraentes para o mercado, dando origem a uma nova modalidade de dumping- chamada de dumping social” (TRIERWEILER, Gustavo F. As relações de trabalho, o dumping e a crise econômica. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v.21, nº 242, agosto 2009, p. 84)

67

“comercialização de mercadorias em desacordo com seus reais valores de

mercado”152

Deste modo, ao comercializar produtos a preços inferiores aos reais valores de

mercado, em decorrência ao desrespeito as normas trabalhistas mínimas, a

empresa busca eliminar ou reduzir a participação de demais empresas no mercado

concorrencial. Observa-se, assim, a prática do dumping social.

3.5.2.2 Conduta reiterada

Para que haja configurado o dumping social, é necessário reiteradas condutas ao

longo do tempo. Isto porque, o prejuízo tem que ter ocorrido em proporções capaz

de atingir a sociedade como um todo, de modo a causar macro lesões, gerando,

portanto, um dano social. Por isso, não basta um ato isolado do empregador, tão

pouco uma inobservância solada das normas trabalhistas. É preciso que haja a

violação reiterada e contumaz dos direitos trabalhistas, com o objetivo de reduzir os

custos de produção, a fim de obter preços mais competitivos no mercado.

Por outro lado, cumpre ressaltar, que para que ocorra o dumping lato sensu ou

concorrência desleal, a reiteração de conduta não é requisito necessário, posto que

esses podem ser configurados com uma única concorrência153, conforme expresso

no artigo VI do GATT 1994, em seu art. 2.1154 Agora, para que tenha dumping social

é de suma importância a repetida violação dos direitos trabalhistas de modo a

causar o dano social.

152

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. Op.cit p. 118. 153

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p.47. 154

Artigo VI do GATT 1994. Art. 2.1: para as finalidades do presente Acordo considera-se haver prática de dumping, isto é, oferta de um produto no comercio de outro país a preço inferior a seu valor normal, no caso de o preço de exportação do produto ser inferior aquele praticado no curso normal das atividades comerciais para o mesmo produto quando destinado ao consumo no país exportador.

68

3.5.2.3 Utilização de mão-de-obra em condições inadequadas aos patamares

laborais mínimos

Concomitante com a prática reiterada de obtenção de vantagem na venda de

mercadorias a preços inferiores aos praticados pelo mercado, a mão de obra

utilizada deve desrespeitar os patamares laborais mínimos estabelecidos no

ordenamento.

A Constituição Federal de 1988 prevê, além da dignidade da pessoa humana, a

proteção das condições mínimas de trabalho. Não obstante, a legislação trabalhista

infraconstitucional, também se preocupa em coibir o retrocesso social, bem como a

pratica laborais desumanas. Em desacordo com o ordenamento jurídico, os

empregadores minimizam ou eliminam os direitos trabalhistas, como forma de

obtenção de lucro.

Quando ocorre o dumping social no interior do mesmo país, é fácil a percepção dos

direitos laborais mínimos a serem obedecidos. Por exemplo, no ordenamento

jurídico brasileiro vigente, tanto na Constituição Federal 1988 no seu artigo 7º, tanto

as legislações infraconstitucionais, trazem os direitos mínimos dos trabalhadores a

serem observados, com o fito de garantir a dignidade da pessoa humana e a justiça

social. Desde modo, não se tem dúvida da ocorrência de dumping social quando

ocorrem revistas íntimas vexatórias.155

Por outro lado, há uma grande dificuldade quando se tem uma relação internacional,

ou seja, quando o dumping social é analisado entre países diferentes. Segundo

Leandro Fernandez156, existe uma controvérsia no estabelecimento dos chamados

labour standards157, pois não existe um consenso entre os países, principalmente

155

Outros exemplos de violação dos direitos trabalhistas apto a gerar dumping social são as longas jornadas de trabalho, baixos salários, utilização da mão-de-obra infantil e condições de labor inadequadas, trabalho escravo ou análogo à escravidão e a contratação de estagiários para atividade típica de empregados, dentre outros. Assim, de modo que, os produtos gerados destas relações sejam inferiores aos valores normais de mercado. 156

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012, p. 121. 157

Labour standards são “ a comprehensive system of instruments on work and social policy, backed by a supervisory system designed to address all sorts of problems in their application at the national leve” – um sistema abrangente de instrumentos trabalhistas e de politicas sociais apoiadas por um sistema de supervisão desenvolvidos para atender todos os tipos de problemas na sua aplicação em

69

entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, quais os direitos trabalhistas

devem ser reconhecidos e qual a sua aplicação. Ou seja, não existe uma legislação

única para impor patamares mínimos.

É importante esclarecer que as eventuais distorções acerca do custo da mão de

obra, nem sempre pode ser reputada como pratica de dumping social, uma vez que

se trata de diferentes regiões de um país ou diferentes países. Isto decorre do fator

socioeconômico de cada país ou região, não havendo, portanto, desrespeito aos

direitos sociais.

3.5.2.4 Danos sociais

E por fim, para restar configurado o dumping social é necessário que a conduta

praticada seja capaz de causar danos sociais, que será abordado mais a frente no

capitulo 4. Ainda assim, cumpre dizer que restará causado o dano social quando a

lesão repercutir na sociedade como um todo, indo além de uma agressão individual.

Nesse sentido, Jorge Luiz158 aduz que não se trata de mera delinquência patronal,

de uma conduta que tenha repercussão apenas no âmbito individual do agressor e

do ofendido, ainda que exista um repudio social. Pelo contrario, trata-se de um ato

organizado, deliberado, que atinge a ordem econômica, de forma a provocar

prejuízos difusos para toda a comunidade.

O autor ainda faz uma ressalva, afirmando que existem condutas reprováveis que

mesmo que não haja reincidência por parte da empresa, gera para este o dever do

dano social, devido a gravidade do ato, por lesar as normas do Estado Democrático

de Direito Social. São condutas “com vistas à precarizar as condições de trabalho,

fraudando a aplicação de preceitos de ordem pública, especialmente no que tange à

segurança e a saúde no trabalho.”159

As consequências do dumping social, não apenas atingem os direitos dos

trabalhadores, mas como também as empresas que sofrem com a concorrência

nível nacional. (tradução livre) (Disponível em: http://ilo.org/global/standards/lang--en/index.htm, apud LIMA, Talita. Op cit. p.48.) 158

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p.20 159

Ibidem. p.25.

70

desleal. Entretanto, a longo prazo, o dumping social termina por atingir o próprio

modelo econômico social, tendo em vista que a diminuição da arrecadação do

Estado e os grandes investimentos sociais.

Como consequência desta precarização, Souto Maior160 explica que se trata de um

efeito “bola de neve”

cada vez mais pessoas são afastadas do mercado produtivo. Por consequência, mais dinheiro é necessário para financiar a proteção social. Entretanto, dentro de uma logica de concorrência internacional, o capital interno não pode ser dirigido para o social. Não se sabe como financiar a proteção social. De forma individualista, as empresas procuram cada vez mais diminuir seus custos e, sem uma politica definida quanto a um modelo mais igualitário de sociedade, a solução encontrada é a redução dos direitos dos trabalhadores (que muitas vezes se faz pelo simples descumprimento da legislação). No entanto, os trabalhadores acabam recebendo menos salários e deixam de consumir. O mercado interno tende a falir. E, então, o circuito recomeça, cada vez pior.

Após compreendido os elementos característico do dumping social, cumpre ressaltar

que tal conduta agressiva aos direitos trabalhistas, desconsidera a própria estrutura

do Estado Democrático de Direito, atacando a dignidade da pessoa humana e a

justiça social garantidos constitucionalmente.

3.6 O COMBATE DE DUMPING SOCIAL NO CENÁRIO INTERNACIONAL

Cumpre investigar, nos tópicos a seguir, sem pretensão exaustiva, o tratamento ao

combate da prática de dumping social no cenário internacional. Variados são os

mecanismos utilizados, como: o Selo Social, o Global Compact, o ISO Social, os

códigos de condutas e as cláusulas sociais. Cada um desses instrumentos passará

a ser analisado a seguir. Entretanto, no intuito de facilitar a compreensão acerca das

implicações dessas normas na defesa dos direitos sociais, é que faz-se necessário,

num primeiro momento, o estudo da natureza e estrutura das normas de hard law e

de soft law.

160

Idem. Por um pacto social. RDT, nº 1, jan\2008, p.18.

71

3.6.1Soft law e hard law: distinções necessárias

Diante da necessidade de adaptação da ordem internacional contemporânea, surge

o que se convencionou chamar de soft law ou droit doux (direito flexível), contrário

ao sistema da hard law ou droit dur (direito rígido).

Segundo, Valério de Oliveira Mazzuoli161, o “sistema” soft law, em português poderá

ser traduzido por um direito plástico, direito flexível ou direito maleável, ou seja, o

soft law “compreende todas aquelas regras cujo o valor normativo é menos

constringente que o das normas jurídicas tradicionais.” Isto decorre, seja porque os

instrumentos não detêm o status de norma jurídica, ou, seja porque os seus

dispositivos não criam obrigações de direito positivo aos Estados.

O solf law se encontra entre os direitos e as normas sociais. Pode-se dizer que eles

seriam princípios e standards, que se utilizam para regulamentar as relações

internacionais. Como por exemplo, as declarações de princípios e acordos não

vinculantes, código de conduta, texto de preâmbulo de declarações internacionais.162

Todavia, são considerados isento de força vinculante.

A elaboração de mecanismos de soft law, dotados de flexibilidade, decorre do

próprio comércio internacional, “que impõe a necessidade de acompanhar o

progresso tecnológico e exige agilidade na tomada de decisão”. A criação de

cláusulas mais amplas permite a aglomeração de mais situações futuras. Cumpre

observar que se trata de diferentes realidades legislativa dos países, o que leva a

necessidade de criação de instrumentos mais adaptáveis as situações sócio

econômica em constate mutação.

Para Thiago Borges163, o soft law trata-se de um contigente de preceitos jurídicos de

menor potencial de coerção, pois aos Estados é facultado a opção de adotar ou não

as normas propostas nos pactos internacionais. Entretanto, apesar de não possuir

os elementos que permitam o cumprimento forçado (enforcement), já possui

significativa importância na pratica internacional.

161

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional Público. 6º ed. Ver., atual. e ampl. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2012, p. 165. 162

LIMA, Talita. Op cit, p. 50 163

BORGES, Thiago Carvalho. Curso de Direito Internacional Público e Direito Comunitário. 1º ed. São Paulo. Editora Atlas, 2011, p 92.

72

A aplicação apenas das normas rígidas de hard law, resultaria na ausência de

proteção a certos direitos sociais, quando analisados no caso concreto. Isto decorre

das lacunas legislativas, em face de novos institutos e fenômenos decorrentes da

evolução da realidade sócio econômica. Assim, não resta dúvida que a utilização de

normas de soft law, em virtude da flexibilidade, asseguraria na efetiva tutelas de

direitos sociais.

3.6.2 Meios de inibição de descumprimento dos padrões laborais mínimos

Por meio da Organização Internacional do Trabalho (OIT) se buscou melhorar as

condições laborais, bem como eliminar as injustiças existentes, com isso promover a

justiça social. Em face disso, a OIT possui oito convenções internacionais que tratam

de disciplinar as questões relativas às labour standards mínimas.164

Ocorre que as convenções tem executoriedade facultativa165, de modo que o

cumprimento das obrigações por seus membros é voluntário, devendo ser ratificadas

cada uma, de acordo com o interesse do país, não havendo qualquer tipo de sanção

para aqueles que não a obedece. Desta forma, torna essas convenções duvidosas,

em virtude da provável impunidade do ofensor. Em face disso, foram criados meios

que buscassem inibir essas práticas lesivas aos direitos dos trabalhadores.

Cumpre, agora, examinar separadamente cada um dos meios de inibição,

comumente utilizados no combate a pratica do dumping social.

3.6.2.1 Selo Social

A adoção do “selo social” ou “etiqueta social” foi proposta pelo diretor geral da OIT,

Michael Hansenne, em 1997 na 85º Conferencia Internacional do Trabalho (CIT),

164

As convenções são: a Convenção 29 (1930) e a Convenção 105 (1957) que tratam da abolição do trabalho forçado; a Convenção 100 (1951) que versa sobre a equiparação salarial; a Convenção 111 (1958) que trata da discriminação no emprego e ocupação; a Convenção 138 (1973) que versa sobre idade mínima laboral; a Convenção 182 (1999) versa sobre o trabalho infantil; a Convenção 87 (1948) aborda a liberdade sindical e o direito de participar de sindicato; e a Convenção 98 (1940) que também versa sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva. 165

As convenções da OIT são consideradas Soft law, logo, é facultado ao estado adotar ou não as normas ali vigentes.

73

como uma forma de identificação, por parte dos consumidores, dos produtos e

marcos de empresas, que demonstrassem estar de acordo com os padrões mínimos

laborais.

Neste sentido, Mazzuoli166 ensina que o Selo social, “consiste na fixação de um sinal

ou etiqueta nos produtos industrializados mostrando ao consumidor que o Estado de

origem daquele produto respeitou in totum as normas internacionais de proteção ao

trabalho e ao trabalhador assegurados.” Em outras palavras, trata-se de um

certificado de qualidade que possibilita ao consumidor saber a origem e procedência

do produto com relação à obediência dos direitos dos trabalhadores.

Como um sistema de adesão voluntária, o selo social, encontra-se no público

consumidor o principal incentivador das empresas a sua adesão. Isso decorre, pois,

espera-se do consumidor uma escolha consciente ao adquirir um produto que

respeita os direitos fundamentais dos trabalhadores. Deste modo, estariam os

consumidores incentivando as empresas a garantir maior proteção aos direitos

laborais e em consequência haveria a expansão das vendas.

Por outro lado, afirma Leandro Fernandez167, que tal mecanismo de inibição de

descumprimento dos padrões laborais mínimos, encontra-se dificuldade de

implementação, pois, muitas vezes, as empresas deturpam a finalidade do selo,

utilizando-se apenas como recurso de marketing empresarial.

O autor ainda elenca outras dificuldades para a utilização do selo, como por

exemplo, a falta de responsabilidade social por parte dos consumidores, muitas

vezes decorrentes do poder econômico e cultural da pessoa. Além disso, o selo

social, pelo seu caráter de voluntariedade, não consegue vincular as empresas a

respeitar os direitos trabalhistas, como também, “são efetivos para evitar que as

empresas aderentes deixem de cumprir os compromissos assumidos.”168

Ademais, é possível encontrar a adesão ao selo social no Paquistão e na Índia

quando da comercialização de tapetes sem a utilização de mão de obra infantil.

166

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional Público. 6º ed. Ver., atual. e ampl. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2012, p. 1026-1027. 167

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012, p. 126. 168

Ibidem. p. 127-138

74

Ainda, no Brasil a Fundação Abrinq com a colaboração da UNICEF possui um

sistema de certificação “labelling social”, no intuito de combater o trabalho infantil.169

3.6.2.2 Global Compact

Em 1999, a ONU (Organização das Nações Unidas) por meio do Secretário-Geral,

Kofi Annan, desenvolveu o projeto chamado Pacto Global (Global Compact), uma

parceira entre agências da ONU, empresas, setores públicos e organizações da

sociedade civil de diversos países, com o intuito de incentivar um mercado global

mais inclusivo e igualitário. Assim, o Pacto Global é um dos instrumentos que visa

contribuir para a incorporação das empresas a prática de responsabilidade social

corporativa, no intuito de alcançar uma economia global mais sustentável e inclusiva.

O Global Compact possui dez princípios170 universais, os quais foram retirados da

Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização

Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das

Nações Unidas Contra a Corrupção:

Human Rights: Principle 1: Businesses should support and respect the protection of internationally proclaimed human rights; and Principle 2: make sure that they are not complicit in human rights abuses. Labour Standards Principle3: Businesses should uphold the freedom of association and the Principle 4: the elimination of all forms of forced and compulsory labour; Principle 5: the effective abolition of child labour; and Principle 6: the elimination of discrimination in respect of employment and occupation. Environment Principle 7: Businesses should support a precautionary approach to environmental challenges; Principle 8: undertake initiatives to promote greater environmental responsibility; and Principle 9: encourage the development and diffusion of environmentally friendly technologies. Anti-Corruption Principle 10: Businesses should work against corruption in all its forms, including extortion and bribery effective recognition of the right to collective bargaining;

171

169

CARDOSO, Luciane. Códigos de conduta, responsabilidade empresarial e direitos humanos dos trabalhadores. Revista do tribunal Superior do Trabalho. Brasília, vol. 69, no. 1, jan./jun. 2003 p. 87 170

PACTO GLOBAL <http://www.unglobalcompact.org/AbouttheGC/TheTENPrinciples/index.html.> Acesso em 24 de Agosto de 2015. 171

“Direitos Humanos – 1º As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente; e 2º Assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos. Trabalho – 3º As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva; 4º A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou

75

Dentre os dez princípios universais adotados pelo Pacto Global, cinco deles foram

fruto da Declaração da OIT sobre Princípios e direitos fundamentais do Trabalho: a

proteção a liberdade de associação no trabalho; condecoração do direito à

negociação coletiva, extinção do trabalho forçado; abolição do trabalho infantil e

erradicação da discriminação no ambiente laboral.172

O intuito da ONU foi aperfeiçoar a governança corporativa global, encorajando o

alinhamento global das políticas e práticas empresariais, sem que houvesse a

utilização de regulamentações hard law. Assim, o programa Global Compact parte

do pressuposto que com a obediência dos dez preceitos fundamentais pelas

empresas seriam capazes de balancear os princípios sociais e as normas da

economia.

O Pacto Global não serve como um mecanismo regulatório, tão pouco um código de

conduta obrigatório ou até mesmo um instrumento para controlar as políticas e atos

gerenciais. “É uma iniciativa voluntária que procura fornecer diretrizes para a

promoção do crescimento sustentável e da cidadania, através de lideranças

corporativas comprometidas e inovadoras.”173 Este é então o maior problema que

este programa encontra, o seu caráter meramente sugestivo as empresas, de modo

que, em face do descumprimento, não dispõe de qualquer mecanismo de coerção,

tão pouco de prestação de contas.174

Ainda, cumpre ressaltar, que apesar da criação pela ONU de um selo próprio, a fim

de incentivar a adesão ao projeto, este não se confunde com o selo social, tendo em

vista, que o Selo das Nações Unidas perpassa por outros ramos além dos direitos

trabalhistas mínimos, como normas de direitos humanos, de meio ambiente e de

corrupção.175

compulsório; 5º A abolição efetiva do trabalho infantil; e 6º Eliminar a discriminação no emprego. Meio Ambiente – 7º As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais; 8º Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental; e 9º Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis. Contra a Corrupção - 10º As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina. <http://www.pactoglobal.org.br/artigo/56/Os-10-principios> Acesso em 24 de Agosto de 2015 172

Ibidem. 173

Ibidem. 174

SILVA, Eveline de A. Oliveira e. A cláusula social no direito internacional contemporâneo. Dissertação (Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília) – Faculdade de direito. Centro Universitário de Brasília, 2008, p. 146. 175

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. Op.cit. p. 129

76

3.6.2.3 ISO Social

Ao lado do Selo Social, no plano privado, com intuito de premiar empresas que

cumpram os padrões mínimos laborais, a Organização Internacional do Trabalho

adotou no final da década de 90 o ISO social (International Organization for

Standardization). Refere-se à códigos de conduta privados com conteúdo social.

Tem-se vinculado ao ISO e a qualidade a uma postura estratégica da empresa, no

intuito de buscar a excelência organizacional diante do mercado. O alcance da

“qualidade total” representa a procura do prazer não somente do consumidor, mas

de todos os stakeholders “(entes significativos na existência da empresa do ponto de

vista interno – sócios e funcionários; e, do ponto de vista externo – agentes que

participam do processo produtivo como produtores e fornecedores).”176

Neste ponto, o Órgão de Credenciamento do Conselho de Prioridades Econômicas

(CEPAA) em 1997 desenvolveu a SA 8000 (Social Accontability) ou RS

(Responsabilidade Social 8000), busca-se premiar as empresas que cumprem os

padrões laborais mínimos fixados pela OIT.

Luciene Cardoso177 faz uma crítica ao ISO social, por entender que representa na

maioria das vezes uma autopromoção e uma estratégia de marketing das empresas,

em especial, pelas transnacionais, pois de forma unilateral e voluntariamente,

afirmam adotarem normas de proteção ao trabalhador. Ainda assim, é possível

perceber a ausência de sanções quanto do descumprimento dos padrões laborais

mínimos, o que torna um instrumento limitado ao combate do dumping social.

3.6.2.4 Código de conduta

O Código de Conduta consiste em um instrumento normativo privado, em que a

própria empresa, voluntariamente, estabelece seus padrões de conduta observando

176

CARDOSO, Luciane. Códigos de conduta, responsabilidade empresarial e direitos humanos dos trabalhadores. Revista do tribunal Superior do Trabalho. Brasília, vol. 69, no. 1, jan./jun. 2003,p. 88 177

Ibidem. loc.cit.

77

os padrões mínimos de trabalho. Um código de conduta178 traduz uma política

empresarial referente às condições laborais. Trata-se de um documento corporativo

dotado de alta carga valorativa, que deverá ser seguida por todos que mantiverem

relação com a empresa, adquirindo, portanto, um diferencial em relação àquelas

outras que continuam exercendo atividades laborais indesejáveis.

As normas previstas nos códigos de condutas tem seu conteúdo em parte voltado

para a publicização do âmbito privado, e, ao mesmo tempo, ao adotar normas

internacionais do trabalho, contempla normas públicas. Portanto, nesse instrumento

privado, são contempladas tanto matérias sujeitas a ordem pública como de ordem

privada.179

Cumpre ressaltar, que ainda que os códigos tenham seus conteúdos elaborados

internamente pelas empresas, não significa por sua vez, que as normas trabalhistas

presente na legislação trabalhista de cada pais deverá ser desrespeitada. Pelo

contrário, sendo os labour standards menos favoráveis, a lei local prevalecerá sobre

o código de conduta.

Majoritariamente, os Códigos de conduta foram mais recepcionados pelas

Multinacionais, por serem as maiores interessadas em não haver uma

regulamentação internacional, e com isso ao adotarem esse instituto estão

assumindo o controle da situação. Por outro lado, há ainda a adoção dessas

medidas como forma de dar uma resposta aos consumidores em virtude de algum

escândalo envolvendo a empresa referente a algum descumprimento dos direitos

laborais mínimos.

Segundo Mina Kaway, Pedro Walter e Renata Cristina180, as empresas

multinacionais ao adotarem o código de conduta tem como resultado um movimento

ambivalente. Ou seja, ao mesmo tempo em que aproxima internacionalmente um

mesmo padrão trabalhista por meio dos centros empresarias do mundo inteiro,

também facilita uma maior diluição e desconcentração dos padrões nas normas

178

Luciana Cardoso, em sua obra traz o exemplo da Sara Lee Corporation – diretrizes de seleção de fornecedores. A empresa adota uma politica de que não utilizará fornecedores que empregam trabalhadores menores de 15 anos, ou menor da idade legal em cada pais, bem como, se estiver violando a idade escolar obrigatória local. (ibidem. p. 90) 179

Ibidem. loc.cit. 180

KAWAY, Mina; VIDAL, Pedro Walter G. Tang; AOKI, Renata Cristina de Oliveira. DumpingSocial: as normas trabalhistas e sua relação com o comércio internacional. In: BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luis Otávio; CORREA, Carlos M. Direito, desenvolvimento e sistema multilateral de Comércio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008, p. 172

78

trabalhistas. Isto decorre, pois, passa a existir um subsistema normativo dentro de

outro sistema normativo nacional, de forma a separar ainda mais de uma conexão

entre esses padrões em âmbito internacional.

Apesar dos códigos de condutas terem promovido uma maior qualidade das

condições de trabalho, estes encontram diversas críticas como, a primeira delas é o

fato das empresas ficarem livres de uma fiscalização rígida. Há ainda aqueles que

entendem como um mecanismo utilizado apenas como estratégia de marketing

empresarial, a fim de atrair mais credibilidade no mercado.

3.6.2.5 Cláusula social

Por cláusula social, entende-se pela inserção nos tratados, acordos ou convênios

internacionais comerciais normas que buscam regular os direitos sociais a fim de

que sejam obedecidos pelas empresas no processo de produção de suas

mercadorias. Tal cláusula teria o efeito de forçar os países a garantir os padrões

laborais mínimos, sob pena de ser impostas sanções de índole comerciais. Segundo

Óscar Ermida Uniarte181, “el caso de violación de los mismos, pactan la caída de las

ventajas que se han reconocido reciprocamente o las que hayan acordado a

terceiros países, o aún la simple rescisión por incumplimiento de todo el cuerdo.”

Assim, a cláusula social busca diminuir as consequências advindas da

competitividade do sistema capitalista, impondo, portanto, o cumprimento de direitos

e condições básicas do trabalhador, assegurando uma existência digna.

A cláusula social atua de duas maneiras: uma de cunho negativo e outra de cunho

positivo. A primeira, pois, prevê a aplicação de sanções punitivas aos países que

não regulamenta os direitos mínimos dos trabalhadores. Já a vertente de cunho

positivo, adota o sistema de premiação dos países que protegem os direitos dos

trabalhadores, favorecendo-os no comércio internacional.

181

URIARTE, Oscar Ermida. Derechos Laborales y Comercio Internacional. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, n. 108, out\dez. p.172

79

Mazzuole182 ensina que os países desenvolvidos lutam para haja a implantação das

cláusulas sociais, numa atuação conjunta da OMC com a OIT, para proteger os

direitos fundamentais dos trabalhadores em todo o mundo, indistintamente. Contudo,

o interesse dos países desenvolvidos gerou algumas críticas, pois, se entende que

tal proteção não passa de uma tentativa de criar barreiras protecionistas as

exportações dos menos desenvolvidos, ou seja, é uma maneira de restringir a

exportação destes países para os países industrializados. A outra crítica ainda, diz

respeito a sanção aos países desleais, pois essas sanções apenas resolveria o

problema do dumping nas relações internacionais, em nada afetando o próprio

trabalhador.

O debate acerca da adoção dessas medidas de padrões internacionais não é

recente remonta à Conferência de Havana e aos debates sobre a criação da

Organização Internacional do Comércio (OIC) em 1940, porém, o tempo não

contribuiu para enfraquecer as discrepâncias que caracterizam o cenário comercial

internacional.

3.7 O DUMPING SOCIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O dumping social é considerado por alguns como “modismo”, é uma matéria que, em

virtude das necessidades constatadas, está sendo repetidamente trazida à tona

pelos aplicados do Direito trabalhista.183

A prática do dumping social começa aos poucos a ser identificada no ordenamento

jurídico brasileiro, entretanto, encontra um obstáculo para sua punição: a falta de

regulamentação jurídica. Com o intuito de combater os danos ocasionados devido a

prática reiterada de transgressões aos direitos trabalhistas por parte dos

empregadores, os operadores do direito tem demonstrado preocupação com essa

prática empresarial abusiva.

182

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional Público. 6º ed. Ver., atual. e ampl. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2012, p. 1025 183

DUARTE, Camila Rufato. Dumpingsocial e flexibilização dos direitos trabalhistas: a dignidade da pessoa humana como balizadora dos institutos. Revista de Direito. v. 6, n. 1, 2014. p. 74

80

Diante desse contexto e visando reforçar a efetivação dos direitos sociais foi

aprovado, pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

(ANAMATRA) na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do

Trabalho, realizada em 2007 no Tribunal Superior do Trabalho, o enunciado nº 04,

que contempla o tema.

4. “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, § 1º, da CLT.

O intuído do enunciado foi trazer o conceito de dumping social para dentro do

mercado nacional, em face às agressões reincidentes aos direitos trabalhistas

garantidos constitucionalmente. Para a ANAMATRA tal prática colide com os

preceitos do Estado Democrático de Direito, bem como, provoca dano à sociedade

como um todo, de modo que, motiva a repressão pelo Poder Judiciário, com base

legal no art. 404 parágrafo único do Código Civil.

Contudo, apesar da importância do enunciado, este não possui efeito legal, trata-se

apenas de um posicionamento de alguns juízes e doutrinadores acerca do assunto.

Em especial, o enunciado nº 4, ao defender a indenização suplementar nos casos de

dumping social, aborda um assunto dotado de intensas divergências na doutrina,

como também cheio de dissonância entre jurisprudências.

De forma sucinta, uma parte dos magistrados, já minoritária e conservadora,

entende que não há que falar em indenização por dumping social por absoluta

ausência de dispositivo legal. Por outro lado, há aqueles que entendem pela

aplicação do instituto da responsabilidade civil, como forma de coibir a conduta

reiterada lesiva aos direitos trabalhistas, sendo possível impor a indenização

suplementar de oficio ao empregador que prática o dumping social. Em um viés

oposto, numa visão mais tradicional, apesar de não divergir a respeito da aplicação

do instituto da responsabilidade civil, diverge quanto a aplicação ex officio das

indenizações, por entender não encontrar amparo no Código de Processo Civil, bem

81

como, por impedir o direito ao contraditório e a ampla defesa, consagrados na

Constituição Federal de 1988. Tal estudo será aprofundado nos capítulos seguintes.

A ausência de uma norma no ordenamento brasileiro a respeito da matéria é o

principal responsável por essa dissonância entre as jurisprudências, fato que,

possivelmente, poderá ser mitigado caso o Projeto de Lei 1.615/11 que tramita na

Câmara dos Deputados de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), seja

aprovado.184

Acerca do projeto de Lei, além de normatizar o dumping social e aplicar o instituto da

responsabilidade civil ex oficio em face da prática, o projeto ainda prevê uma

indenização à empresa concorrente que provar ter sido prejudicada, bem como o

pagamento de multa ao Fundo de amparo ao trabalhador (FAT). Em seus artigos

preceitua:

O Congresso Nacional decreta: Art. 1º Configura “dumping social” a inobservância contumaz da legislação trabalhista que favoreça comercialmente a empresa perante sua concorrência. Art. 2º A prática de “dumping social” sujeita a empresa a: a) pagamento de indenização ao trabalhador prejudicado equivalente a cem por cento dos valores que deixaram de ser pagos durante a vigência do contrato de trabalho; b) pagamento de indenização à empresa concorrente prejudicada equivalente ao prejuízo causado na comercialização de seu produto; c) pagamento de multa administrativa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por trabalhador prejudicado, elevada ao dobro em caso de reincidência, a ser recolhida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Art. 3º O juiz, de ofício, a pedido da parte, de entidade sindical ou do Ministério Público pode declarar a prática de “dumping social”, impondo a indenização e a multa estabelecidas nas alíneas “a” e “c” do art. 2º. Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

185

Embora essencial para o ordenamento um projeto de lei acerca desse assunto, este,

contudo, é passível de críticas, em especial no que se refere ao valor fixado a título

de indenização e multa a empresa. Isto porque, o engessamento dos valores

acabará prejudicando a discricionariedade do magistrado, de modo que fará com

que ele tome posturas idênticas em situações de diferentes, que muitas vezes,

demandaria uma postura mais rígida a fim de afetar de forma mais incisiva o

patrimônio da empresa.

184

DUARTE, Camila Rufato. Dumping social e flexibilização dos direitos trabalhistas: a dignidade da pessoa humana como balizadora dos institutos. Revista de Direito. v. 6, n. 1, 2014. p. 76. 185

BRASIL. Câmara dos deputados. Projeto de Lei 1615 Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=509413> Acesso em: 24 agosto 2015.

82

Este engessamento acabaria ainda prejudicando o empregado, pois, a empresa

analisando o custo da produção e o lucro obtido com a precarização dos direitos,

chegaria a conclusão que é mais viável e lucrativo retirar os direitos trabalhistas do

que cumpri-los, preferindo então pagar a indenização e a multa.

Ainda que, não exista uma previsão concisa acerca regulamentação do dumping

social a fim de pacificar todos os pontos divergentes, é importante o avanço deste

instituto com fito de coibir tais práticas lesivas aos direitos sociais garantidos

constitucionalmente, bem como proteger o próprio Estado Democrático de Direito,

ponto que será melhor abordado no capítulo 5. Assim, insurge, portanto, no próximo

capítulo o estudo dos fundamentos da responsabilidade civil, a fim de entender a

aplicação deste regramento na prática de dumping social.

83

4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

O ser humano, ausente da autossuficiência, para que seja capaz de suprir suas

carências, - estas inerentes à sua própria existência, - necessita da convivência com

seus semelhantes. O convívio social tornou-se indispensável para a vida em

sociedade. É diante desse envolvimento coletivo que surgem centenas de conflitos

de interesse. Na busca do convívio harmônio e pacifico, necessita-se de regras e

normas capazes de reger estas condutas, com o fim de organizar a vida em

sociedade, evitando a incidência de conflitos, quando do afã de satisfazer as

necessidades básicas, e as superficiais – o indivíduo ultrapassa os direitos impostos

a ele e a seus semelhantes.

Nas palavras de Salomão Resedá186

dominado pelo egoísmo e pela ambição na busca de saciar suas necessidades particulares, o ser humano ultrapassa a “linha limítrofe” pertencente ao campo de atuação subjetiva do seu semelhante. Sendo assim, o direito torna-se compelido a dispor de mecanismos que assegurem ao sujeito passivo desta relação a interrupção da ameaça a ele perpetrada, além da restituição do seu direito ao status quo ante.

Neste cenário de desequilíbrio das relações interpessoais, surge o instituto da

responsabilidade civil, no intuito de preservar a harmonização da convivência social,

bem como minimizar os danos sofridos pela vitima e ainda advertindo e punindo,

aqueles que contrariam as regras impostas, respondendo, portanto, aos prejuízos

que venha trazer ao ofendido.

No momento em que é dado ao ser humano a prerrogativa de relacionar livremente

com os seus semelhantes, consequentemente, atrelada a essa liberalidade, tem-se

ao ofensor a obrigação de responder pelos atos danosos praticados, por livre e

espontânea vontade, surgindo então a responsabilidade civil187

Tendo em vista a sua importância, merece destaque, inicialmente, uma análise da

natureza jurídica e dos elementos do instituto da Responsabilidade Civil, para um

possível combate ao objeto deste estudo (dumping social).

186

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 23. 187

Ibidem, loc.cit

84

4.1 CONCEITO

A utilização da palavra “responsabilidade” tem como característica a diversidade,

sendo assim uma expressão polissêmica. Está, portanto, possui dois caminhos de

acordo com o contexto ao qual está inserido. Num primeiro cenário pode significar

uma qualidade do ser humano, ou seja, que está pessoa é diligente, atenciosa e

compromissada. Por outro lado, a expressão responsabilidade poderá ser utilizada

para expor que tal pessoa é quem responderá pela prática de um determinado

ato.188

Sob o prisma jurídico, de acordo com o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira

de Letras Jurídicas189, a “RESPONSABILIDADE. S. f. (Lat., de respondere, na acep.

de assegurar, afiançar.) Dir. Obr. Obrigação, por parte de alguém, de responder por

alguma coisa resultante de negócio jurídico ou de ato ilícito.”

Seguindo essa linha, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho190 afirma que

a palavra “responsabilidade”, significa a obrigação que o ofensor tem de assumir

com as consequências jurídicas de suas atitudes, “contendo ainda, a raiz latina

spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos

contratos verbais”191

Assim, a responsabilidade está ligada a uma obrigação derivada, ou seja, um dever

jurídico sucessivo, ao qual o ofensor, seja por causa de contrato, ou em razão de

fato ou omissão que lhe sejam imputados, assume as consequências jurídicas, seja

para reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante, conforme os

interesses do lesado.192

A responsabilidade civil tem como ideia central a obrigação de reparar danos

praticados contra uma pessoa ou ao seu patrimônio, bem como, danos causados a

188

RESEDÁ, Salomão. A função social do dano moral. 1 ed.Florianopolis: Conceito editorial, 2009, P.37. 189

Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Dicionário Jurídico, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 679. 190

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46. 191

Ibidem, loc.cit. 192

Ibidem, p 47

85

interesses coletivos ou transindividuais, seja por meio de uma ação ou omissão, mas

desde que cause dano a outrem.

Segundo Maria Helena Diniz193

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem a uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

Diante desse conceito supra mencionado, observa-se que a responsabilidade civil é

a obrigação de reparar o dano causado a outrem, seja ele moral ou patrimonial,

sendo indiferente que o tenha sido um ato próprio do ofensor, posto que, poderá ser

um ato por pessoa por quem responde, por coisa a que lhe pertence ou por uma

imposição legal.

Neste sentido, colhe-se da lição de Sílvio de Salvo Venosa194

O termo responsabilidade, embora com sentidos próximos e semelhantes, é utilizado para designar várias situações no campo jurídico. A responsabilidade, em sentido amplo, encerra a noção em virtude da qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as consequências de um evento ou de uma ação. [...] No vasto campo da responsabilidade civil, o que interessa é saber identificar aquela conduta que reflete na obrigação de indenizar. Nesse âmbito, uma pessoa é responsável quando suscetível de ser sancionada, independentemente de ter cometido pessoalmente um ato antijurídico. Nesse sentido, a responsabilidade pode ser direta, se diz respeito ao próprio causador do dano, ou indireta, quando se refere a terceiro, o qual, de uma forma ou de outra, no ordenamento, está ligado ao ofensor.

Portanto, conclui-se que com a responsabilidade civil, busca-se, em princípio,

restaurar o status quo ante a conduta humana danosa, ou, caso não seja mais

possível, que aja a compensação pecuniária à vitima ou a indenização.195 Neste

ponto, quando for possível estimar pecuniariamente a extensão do dano, aplica-se a

indenização, ao tempo em que a compensação será adequada aos casos em que

não seja possível a aferição patrimonial do dano. Logo, a responsabilidade civil,

tenta transferir para o sujeito causador do dano os reflexos sofridos pelo ofendido

em razão da prática do seu ato.

193

DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º volume: Responsabilidade Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 35. 194

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. v.4. São Paulo: Atlas, 2013, p. 2 195

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 54

86

4.2 PRESSUPOSTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil tem como base fundamental o art. 186196 do Código Civil,

que consagra o principio de que a ninguém é dado causar prejuízo a outrem

(neminem lardere). A partir da análise deste artigo, numa interpretação sistemática,

pode-se extrair como pressupostos gerais da responsabilidade: a) a conduta

humana (positiva ou negativa); b) nexo de causalidade, c) dano ou prejuízo, sendo a

culpa apenas elemento acidental.197

De acordo com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho198, ainda que, o

referido dispositivo utilize-se das expressões “ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência”, não pode considerar a culpa como pressuposto geral

da responsabilidade civil, pois este é apenas elemento da responsabilidade

subjetiva, sendo dispensado para a configuração da responsabilidade objetiva.

Desta forma, a culpa é ausente de generalidade, o que a torna um elemento

acidental da responsabilidade civil.

Para atender aos fins deste trabalho, serão os referidos requisitos apresentados

sucintamente a seguir.

4.2.1 Conduta do agente - ato ilícito

A conduta é um dos elementos da responsabilidade civil, prevista no art. 186 do

Código Civil, e poderá ser por ação (positiva) ou omissão (negativa), praticada

apenas pelo homem, por si só ou por meio de pessoas jurídicas. Importa que a

conduta humana seja voluntária. Trata-se, portanto, do núcleo fundamental da noção

de conduta humana. Ou seja, o agente é dotado de liberdade de escolha entre agir

ou não, porém “com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz”,

não sendo substancial o fim de provocar o dano.199.

196

Código Civil, Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 197

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 73-74 198

Ibidem, p. 74 199

Ibidem, p. 78-79

87

A voluntariedade é núcleo imprescindível para a configuração da conduta

censurável. Segundo Salomão Resedá “O conhecimento da conduta que está se

adotando é a pedra de toque para o desenvolvimento deste primeiro pilar, seja

quando se fala na responsabilidade subjetiva, seja na objetiva.”200 Contudo, deve-se

observar que a voluntariedade não significa necessariamente que o ofendido teve

intenção de causar o dano, mas quer dizer que ele teve consciência dos seus atos.

Para Salomão Resedá201 se deve suprimir, ao falar em conduta, os eventos naturais

ou acontecimentos humanos que venham a ser compelido pelos impulsos da

natureza considerados como inevitáveis, por exemplo, os fatos decorrentes de

enchentes, terremotos, inundações. Ora, somente poderá ser considerado como

conduta aquele comportamento realizado, tão somente, pelo ser humano, sem que

haja qualquer interferência.

A conduta humana pode ser manifestada através de duas formas de

comportamentos: positivos ou omissivos. Ambas as condutas serão abarcada pelo

instituto da responsabilidade civil. A ação consiste num comportamento positivo, ao

qual devera ser praticado para que então, venha a vir ter o dano. Já a omissão,

caracteriza-se, de modo contrário, pela inatividade, ou seja, pela inércia de uma

conduta devida.

Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho202, a responsabilidade por omissão ocorre

“quando este tem dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado,

dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior

do próprio omitente, criando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso,

impedi-lo”. Assim, deve-se existir o dever jurídico de não se omitir e que com a sua

prática o dano poderia ter sido evitado.

Ademais, o Código Civil brasileiro, além de disciplinar a responsabilidade direta, ou

seja, responde pelo comportamento aquele que lhe deu causa, abarca também a

responsabilidade indireta, por fato de outrem ou de terceiro, “a quem o responsável

200

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 53 201

ROSEDÁ, Salomão. op. cit, p. 52 202

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 38.

88

está ligado, de algum modo, por um dever de guarda, vigilância e cuidado”203 Neste

sentido, o art. 932204 do Código Civil determina que também são responsáveis pela

reparação civil, por exemplo, “o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se

acharem nas mesmas condições.”

Desta forma, a regra geral é que a obrigação de responsabilizar o ofendido pela

prática da conduta lesiva reside na culpa, contudo, o dever de reparar pode, em

alguns momentos, atingir aquele que está obedecendo a lei. Logo, é possível que a

obrigação de reparar atinja aquele que não praticou a conduta.

4.2.2 Dano

O dano é um requisito imprescindível para a configuração da responsabilidade civil,

visto que, sem prejuízo, não existe qualquer dever reparatório ou compensatório, e

consequentemente a responsabilidade. Visto isso, a indenização sem dano

configuraria enriquecimento ilícito.

Sérgio Cavalieri Filho205 salienta

O dano é o grande vilão da responsabilidade civil, encontra-se no centro da obrigação de indenizar. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não fosse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. O dever de reparar só ocorre quando alguém prática ato ilícito e causa dano a outrem.

Ainda, o autor afirma que não basta que tenha ocorrido a conduta ilícita, nem o risco

de dano. É essencial que tenha a consequência concreta, que tenha ocorrido lesão

ao patrimônio econômico ou moral, para que se imponha o dever de reparar. Logo,

203

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 39 204

Código Civil, Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I — os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II — o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III — o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV — os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V — os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. 205

CAVALIERI FILHO, op.cit. p. 92

89

“a obrigação de indenizar pressupõe o dano e sem ele não há indenização

devida”206

Num primeiro momento, é correto afirma que o dano é o prejuízo causado a outrem.

A doutrina e jurisprudência costuma conceituar o dano partindo de uma noção

aberta, definindo o dano pelas suas características. Contrário a esse entendimento,

Sergio Cavalieri207 adota como critério para conceituar o dano a causa, a sua

origem, observando o bem jurídico atingido e o objeto da lesão. Desta forma, o autor

defende que

Correto, portanto, conceituar o dano como sendo lesão a um bem ou interesse juridicamente tutelado, qualquer que seja a sua natureza, quer se trata de um bem patrimonial, quer se trata de um bem integrante da personalidade da vitima, como a sua honra, a imagem a liberdade etc. em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto, patrimonial como moral [...]

Na mesma linha, Maria Helena Diniz208 diz que o “dano pode ser definido como a

lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa,

contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral.”

A teoria da responsabilidade civil tem como produto a reparação do dano, ou seja,

uma sanção devida ao ofensor pelos prejuízos causados em favor do lesado. Como

regra, portanto, todos os danos devem ser ressarcidos, mesmo que não seja

possível a regressão ao status quo ante, poderá então a fixação em pecúnia, a título

de compensação. Por outro lado, essa regra não reina em absoluto, para que o dano

seja de fato reparável (indenizável ou compensável) é necessária a obediência

alguns requisitos trazidos pela obra de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona

Filho209.

O primeiro requisito a ser atendido é que haja lesão de um bem jurídico patrimonial

ou extrapatrimonial pertencente a uma pessoa física ou jurídica, pois a concepção

de dano pressupõe a do ofendido; o segundo é que o dano seja certo, pois o dano

hipotético ou abstrato não é indenizável, mesmo que trate-se de bens ou direitos

personalíssimos. Nesta esteira, afirma Maria Helena Diniz210:

206

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.92 207

Ibidem. p. 93 208

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º volume: Responsabilidade Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 80. 209

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 90-91 210

DINIZ, Maria Helena. Op.cit p. 82.

90

A certeza do dano refere-se à sua existência e não à sua atualidade ou a seu montante [...]. A atualidade ou futuridade do dano é atinente à determinação do conteúdo do dano e ao momento em que ele se produziu. O dano pode ser atual ou futuro, isto é, potencial, desde que seja consequência necessária, certa, inevitável e previsível da ação. [...]. A certeza do dano, portanto, constitui sempre uma constatação de fato atual que poderá projetar, no futuro, numa consequência necessária, pois se esta for contingente, o dano será incerto.

Isto posto, existem situações reguladas pelo Código Civil que afasta do lesado o

ônus probatório, reconhecendo, desde já, a existência da lesão. Ocorre, portanto,

uma presunção absoluta de dano. Nesses casos, temos como exemplo os art. 404211

e 407212 do Código Civil que prevê o “direito aos juros moratórios decorrentes de

mora do devedor na quitação da sua obrigação contratual de caráter pecuniário.”213

Por fim, para que o dano seja indenizável é preciso que o dano subsista no

momento da reclamação em juízo pelo lesado. Quer dizer, o dano somente poderá

ser reparado, se não houve a sua reparação em momento posterior

espontaneamente pelo lesionante, perdendo-se assim o interesse da

responsabilidade civil. Por outro lado, havendo a reparação, porém, feita as custas

do ofendido a exigibilidade continua.

Ademais, Maria Helena Diniz214 elenca mais três requisitos imprescindíveis para que

haja dano indenizável: o nexo de causalidade215, pois tem que haver uma relação

entre o dano e a causa produzida pelo ofendido, podendo ainda o dano ser direito ou

indireto em relação ao fato gerador. O outro requisito é a legitimidade, pois para que

possa pleitear a reparação tenha que ser titular do direito lesionado. (lesionado ou

seus beneficiários). Por fim, não pode ter a presença de causas excludentes de

responsabilidade, por exemplo, caso fortuito, força maior.

O dano individual, tradicionalmente, se divide em duas espécies, classificadas de

acordo com o resultado. Sendo assim, pode-se dizer que há tanto o dano patrimonial

211

Código Civil, Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. 212

Código Civil, Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes. 213

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 68 214

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º volume: Responsabilidade Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 82-83 215

O nexo de causalidade é um elemento da responsabilidade civil, conforme será visto no subitem 4.2.3.

91

(também chamado de dano material), como também o dano moral, “a depender de

qual agrupamento de direitos foi atingido a partir do ato ilícito.”216 Pablo Stolze

Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho217 adverte ainda, que outros bens,

personalíssimo, por conta da tendência da despatrimonialização do direito civil, ao

ser lesado, acabam por gerar a responsabilidade civil do infrator.

Com os avanços da sociedade, foi constatado que a tutela meramente individual não

é suficiente para extinguir as macrolesões passíveis de ocorrência. Portanto, passa

a ser tutelado uma gama de danos coletivos lato sensu através das ações coletivas,

visando proteger os direitos pertencentes a sociedade como um todo. Assim, frente

a natureza dos interesses ou direitos violados, pode ser suscitadas três espécies de

dano coletivo, a saber, difusos, coletivos (stricto sensu) e individuais homogêneos,

sendo eles, por sua vez, tratados pelo Código de Defesa do Consumidor, no artigo

81.218

Destarte, o art. 81 da Lei 8.078-90 preceitua, in verbis:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I — interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II — interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III — interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Diante desse artigo supra mencionado, pode-se extrair as semelhanças e diferenças

dos direitos coletivos. Os direitos difusos e coletivos stricto sensu se assemelham

pelo seu caráter transindividual, de natureza indivisível, de modo que, ultrapassam a

esfera de um único indivíduo isolado. Por outro lado, esses direitos se diferenciam

quanto a titularidade. Enquanto que no primeiro as pessoas são indeterminadas e

ligadas por circunstancias de fato, no segundo direito trata-se de um grupo,

categoria ou classe de pessoas ligadas entre si.

216

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 70 217

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 92 218

Ibidem, p. 98

92

Já os direitos individuais homogêneos são determinados e divisíveis, ou seja, tem

origem comum, tendo por sua vez, como elemento de ligação a situação de fato que

é única em relação a todos os ofendidos.219 Ou seja, Eles são “interesses

transindividuais vinculados a uma situação fática, porém divisíveis, isto é, torna-se

viável a quem foi atingido pelo ato lesivo recorrer ao Poder Judiciário para, mediante

ação individual, buscar a devida reparação”220

Feitas tais considerações, o presente trabalho fará de forma imperiosa a análise

mais detida das faces dos danos.

4.2.2.1 Dano patrimonial (ou material)

O dano patrimonial, também chamado de dano material, relaciona a noção de lesão

ao conceito de patrimônio. Maria Helena Diniz discorre que “patrimônio é uma

universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens de uma pessoa, sendo,

portanto, um dos atributos da personalidade e como tal intangível”221 ou seja, são

bens economicamente úteis integrante no patrimônio de uma pessoa.

O dano material é a lesão concreta que afeta o patrimônio da vítima, provocando a

perda ou deterioração, seja total ou parcial dos bens materiais pertencentes a eles,

podendo, por sua vez, ser avaliado economicamente em pecúnia, isto é dinheiro.

São considerados danos patrimoniais “a privação do uso da coisa, os estragos nela

causado, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação,

quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios”222

Quanto a identificação da agressão ao patrimônio da vítima não há dificuldade para

quantificar, posto que, basta que seja realizada uma simples operação matemática

para chegar a redução sofrida pela vítima. Logo, deve-se ter como base a aferição

do montante inicial e o valor existente após o prejuízo decorrente da prática do ato

ilícito e o que provavelmente existiria se a lesão não tivesse ocorrido. Ou seja, “é a

219

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 62. 220

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteção constitucional dos interesses trabalhistas: difusos, coletivos e individuais homogêneos. São Paulo: LTr, 2001, p. 40. 221

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º volume: Responsabilidade Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.83—84. 222

Ibidem, loc.cit.

93

perda efetiva do valor pecuniariamente mensurável caso não houvesse sofrido a

lesão.”223

Para que exista a reparação do dano, não basta que tenha ocorrido a mera

alteração do patrimônio, mas é imprescindível que tenha havido uma redução do

valor economicamente mensurável do patrimônio pertencente á vítima. Portanto,

havendo essa redução, a reparação poderá se dar pela restruturação do status quo

ante. Ou, sendo impossível restabelecer a situação anterior, ocorrerá a reparação

pela indenização pecuniária.

Em frente a lesão patrimonial, o dano material passou a ser dividido em dois

âmbitos: os lucros cessantes e os danos emergentes.

4.2.2.1.1 Dano emergente

O dano emergente ou positivo configura-se a partir da real redução econômica, isto

é, a efetiva e instantânea diminuição patrimonial do ofendido. Trata-se da diferença

no valor patrimonial atual em relação ao anterior ao dano, havendo, portanto, uma

redução deste. “Tais prejuízos se traduzem num empobrecimento do patrimônio

atual do lesado pela destruição, deterioração, privação do uso e do gozo, etc. de

seus bens existentes no momento do evento danoso e pelos gastos que, em razão

da lesão, teve de realizar.” 224

Para que tenha o damnum emergens é essencial que o lesado tenha sofrido um

efetivo prejuízo, uma vez que, não são passíveis de indenização danos eventuais ou

potenciais, a menos que, sejam consequências fundamental, certa, fatal, e previsível

da ação.225

O objetivo da condenação relativa ao dano emergente, direcionado ao ofensor é

restaurar o patrimônio do lesado ao status quo ante. Para isso, possui dois

mecanismos para satisfazer tal obrigação: primeiro entrega a própria coisa ou algum

223

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 70 224

DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º volume: Responsabilidade Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.85 225

Ibidem, loc.cit.

94

objeto da mesma espécie ou quando possível, indeniza o lesado pagando em

pecúnia a fim de preencher a privação ocasionada pelo dano.226

4.2.2.1.2 lucros cessantes

O lucro cessante ou dano negativo trata-se de um reflexo vindouro sobre o

patrimônio da vítima, ou seja, compreende aquilo que o lesado razoavelmente

deixou de agregar ao seu patrimônio, em razão do ato ilícito. Aferi-los é bastante

complexo, pois sua contabilidade demanda um juízo de razoabilidade no tocante a

probabilidade objetiva, pois, a mera possibilidade é insuficiente. Desta forma,

significa que o dano negativo “tangência o campo do nexo causal, na medida em

que a estima dos lucros cessantes é basicamente um exame de um processo casual

hipotético, com base naquilo que ordinariamente aconteceria se suprimíssemos o

evento lesivo.” 227

Nesta linha, o Código Civil no artigo 402228 limita o lucrum cessans ao “ganho

esperável”, adotando assim, como critério para configuração e mensuração do lucro

cessante, o princípio da razoabilidade. São diversas as formas de configuração do

lucrum cessans, ”desde o simples impedimento de fruição de valores em razão do

ato praticado, por consequência da redução do montante de bens, até ao não

cumprimento da expectativa de lucro.”229

Segundo Sergio Cavalieri230,

Deve o juiz mentalmente eliminar o ato ilícito e indagar se aquilo que está sendo pleiteado está sendo pleiteado a título de lucro cessante seria a consequência do normal desenrolar dos fatos; se aquele lucro poderia ser razoavelmente esperado, caso não tivesse ocorrido o ato ilícito.

O lucro cessante não é apenas o que o lesado deixou de lucrar, mas também

“ganho de que o credor ficou privado”231, tendo como referência o curso habitual das

226

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 71 227

FARIAS, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson; NETO, Felipe Peixoto Braga. Curso de direito Civil. 3. Responsabilidade Civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 226. 228

Código Civil, Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. 229

RESEDÁ, Salomão. Op cit. p. 71. 230

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 96

95

coisas. Trata-se, portanto, de um prejuízo futuro, ao qual se tem uma reparação

atual, pois o fato prejudicial já aconteceu.232 Portanto, não se trata de um lucro

imaginário, hipotético ou um dano remoto, trata-se de uma situação fática

concreta.233

Convém assinalar, ainda, que apesar da diferenciação realizada ao longo do

trabalho, entre o dano emergente e o lucro cessante, não significa que não possam

acontecer simultaneamente. A partir do mesmo ato ilícito podemos encontrar ambas

as hipóteses convivendo de forma harmônica.

4.2.2.2 Dano moral

Na temática do dano moral no ordenamento jurídico brasileiro faz-se necessário

observara existência de três momentos históricos: o primeiro que permitia em

qualquer situação a aplicação da indenização nas lesões a direitos não patrimoniais;

231

A título de ilustração faz-se necessário trazer o julgado que coaduna com o entendimento deste trabalho, transcrito a seguir: CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDENIZATÓRIA. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL DE CONSTRUTORA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RECURSO DA CONSTRUTORA/RÉ. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CULPA DA CONSTRUTORA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ARTIGOS 2º E 3º DA LEI N.º 8.078/90. ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE IMOBILIÁRIA. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. CASO FORTUITO E/OU FORÇA MAIOR NÃO DEMONSTRADOS. ARTIGO 393 DO CÓDIGO CIVIL. LUCROS CESSANTES CONSUBSTANCIADOS EM ALUGUÉIS QUE O CONSUMIDOR DEIXOU DE AUFERIR. CONDENAÇÃO DEVIDA INDEPENDENTE DO PAGAMENTO INTEGRAL DO IMÓVEL E DA PROVA DE QUE O AUTOR PAGA ALUGUEL. VALOR DO ALUGUEL. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA PREJUDICADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. [...] 3. A OBRIGAÇÃO DO FORNECEDOR EM RESSARCIR O CONTRATANTE INDEPENDE DESTE TER DEMONSTRADO OU NÃO SE JÁ TERIA INQUILINO PARA O APARTAMENTO OU SE ESTAVA PAGANDO ALUGUEL DA SUA ATUAL RESIDÊNCIA. O DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO DA AVENÇA PELA CONSTRUTORA, ACARRETANDO A INDISPONIBILIDADE DO BEM PARA O CONTRATANTE, QUE FICOU IMPEDIDO INJUSTAMENTE DE GOZAR DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL, É PROVA SUFICIENTE PARA RECONHECER A OBRIGAÇÃO DO FORNECEDOR EM REPARAR AS PERDAS E DANOS AMARGADOS PELO CONSUMIDOR, CONSUBSTANCIADOS NOS LUCROS CESSANTES DECORRENTES DOS ALUGUÉIS QUE RAZOAVELMENTE DEIXOU DE RECEBER. 4. RESTANDO INCONTROVERSA A MORA DA RÉ NA ENTREGA DO IMÓVEL AO AUTOR, RAZOÁVEL A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELO ATRASO NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, FIXADA EM 1% (UM POR CENTO) DO VALOR DO IMÓVEL, A TÍTULO DE ALUGUEL, POR TODO O PERÍODO DE ATRASO JÁ OCORRIDO E DAQUELE QUE DECORRER AO LONGO DA DEMANDA. [...] (TJ-DF - APC: 20120111869889 DF 0051354-75.2012.8.07.0001, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 30/10/2013, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 05/11/2013 . Pág.: 74) (grifo nosso) 232

FARIAS, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson; NETO, Felipe Peixoto Braga. Curso de direito Civil. 3. Responsabilidade Civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 226. 233

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 95

96

o segundo momento, aceitava a existência do dano moral, porém, de forma restrita,

não podendo cumular com o dano material; e por fim, a Constituição Federal 1988

no art. 5º, V e X234, tem o terceiro momento, é a da reparabilidade ampla do dano

moral, considerando-o como um direito fundamental,235 O código civil de 2002, por

sua vez, reforça essa ideia de reparação civil presente na Constituição Federal 1988,

em seu artigo 186236.

Até a década de 60 no Brasil, havia uma grande controvérsia a respeito da

reparabilidade do dano moral. O dano moral era aplicado somente sob o prisma

econômico e patrimonial, sem adentrar aos interesses existenciais. Os tribunais

brasileiros negavam a possibilidade de reparação, porém, somente em 1966 o

Supremo Tribunal Federal, reverteu esse entendimento passando a reconhecer a

possibilidade de indenização. Contudo, os magistrados continuaram hesitante

rejeitando mesmo após os precedentes da corte, a “reparabilidade pecuniária da

dor”. 237

Foi somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988238, por força de

previsão expressa do termo “dano moral” que trouxe a certeza plena da

aceitabilidade da reparação civil. Desta forma, o que antes era interpretado de forma

restrita teve seus horizontes ampliados abarcando o viés imaterial.

Diante da transformação do pensamento, associado à evolução da responsabilidade

civil, fez com que a ausência de indenização tornasse inaceitável em face a vítima

234

Constituição Federal de 1988. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 235

RESEDÁ, Salomão. A função social do dano moral. 1 ed. Florianópolis. Conceito editorial, 2009. P. 92-93 236

Código civil. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 237

SHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5 ed. São Paulo. Atlas. 2013 p.105-106 238

Anderson Shreiber afirma que a previsão legislativa é insuficiente, visto que, “ o atual estado da responsabilidade civil no Brasil impõe reconhecer que o dano moral transcende as fronteiras do ato ilícito. A ampliação da responsabilidade objetiva vem eliminar, em definitivo, o peso atribuído à ilicitude na usual conceituação do dano. Com efeito, nos casos de responsabilidade sem culpa, a ilicitude encontra-se ausente, havendo, no máximo, de se cogitar de antijuridicidade no resultado do comportamento, isto é, com a geração do dano em si.” (Ibidem, p. 107)

97

de uma lesão a direito personalíssimo. Para Salomão Resedá239, “acarretaria num

completo desequilíbrio na ordem jurídica, na medida em que reinaria livre a

impunidade para situações semelhantes, fulminando, por completo, o preceito

principal da Justiça: a manutenção da ordem e da paz social.”

A fim de conceituar dano moral, com esteio na doutrina de Pablo Stolze e Rodolfo

Pamplona Filho240, considera-se como a “lesão de direitos cujo conteúdo não é

pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro.” Em outras palavras, é aquele

que lesiona a esfera dos direitos da personalidade do indivíduo. Logo, a lesão se dar

em direitos e não em relação à esfera patrimonial.

Divergente a esse entendimento, Anderson Shreiber241 afirma que o dano moral não

pode ser associado ao prejuízo econômico incalculável sofrido pela vítima, ou seja,

não pode conceituar o dano como sendo as dores físicas e morais sofridas pelo

ofendido em face da lesão, sob pena de acabar convertendo o dano moral receptor

de todas as sensações pessoais, íntimas e eventuais. Por outro lado, para o autor,

o conceito de dano deve ser interpretado como uma “lesão a um interesse

juridicamente tutelado,” pois, vai possibilitar uma análise do bem lesado, provocando

uma seleção dos danos ressarcíveis,242

Nessa linha, Maria Helena Diniz243, afirma que

O dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa natural ou jurídica (CC, art. 52, súmula 227 do STJ), provocada pelo fato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto de seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse. [...] o dano moral, ensina-nos Zannoni, não é a dor, a angustia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vitima do evento danoso, pois estes estados de espirito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano.

Por ser o dano moral insusceptível de avaliação pecuniária, a sua reparabilidade tem

a natureza de sanção, materializada por meio da compensação. ”A reparação, em

tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente,

239

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 71 240

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 111 241

SHREIBER, Anderson. Op.cit. p.107-108. 242

Ibidem. p. 109. 243

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º volume: Responsabilidade Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 106-109

98

com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano

sofrido, atenuando, em parte, as consequências da lesão.”244

4.2.2.3 Dano social

Cumpre esclarecer, a priori, que é incorreta a utilização da terminologia “dano moral

coletivo” nos casos de lesão a esfera personalíssima da “sociedade” ou da

“coletividade”. Isto decorre da desconexão entre a construção jurídica dano moral e

a natureza dos direitos transindividuais. Encontra-se mais oportuno a utilização da

categoria jurídica dos danos sociais.245

A partir das considerações feitas, pode-se, conceituar o dano social como “a lesão a

direitos ou interesses de natureza extrapatrimonial transindividual consagrados no

ordenamento jurídico.”246 A exemplo, o desrespeito ao artigo 170247 da Constituição

de 1988 que enseja o dever de indenizar, havendo a lesão, independentemente de

haver a violação a esfera personalíssima de qualquer pessoa individualmente ou

coletivamente.

Nas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo248 danos sociais,

são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.

Devido ao principio da dignidade humana249, norteador do ordenamento jurídico

brasileiro, o dano social, surge como mecanismo efetivador da dignidade, decorrente

244

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 135. 245

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012. p.159 246

Ibidem. loc.cit. 247

Constituição Federal de 1988. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios. 248

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR., Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coord.). O Código Civil e sua interdisciplinariedade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. P. 376

99

do seu caráter desestimulador e educativo. Trata-se de uma forma de ampliar a

proteção a dignidade da pessoa humana, promovendo a existência digna e justiça

social.

4.2.2.4 Danos estéticos

Ao conceituar dano estético, encontra-se um equívoco de muitos estudiosos, como

por exemplo, Wilson Melo da Silva e Teresa Ancona Lopes250, que insistem em

adicionar à sua definição o elemento beleza. Ao fazer essa conceituação acaba por

incentivar a discricionariedade e o arbítrio do magistrado, de modo a desrespeitar a

integridade e à coerência do Direito.

A percepção do belo tem uma carga de subjetividade muito grande, é algo

tormentoso e efêmero, de modo que algo pode ser compreendido ao mesmo tempo

como bonito e feio por determinadas pessoas. Por outro lado, não é possível

dissociar o dano estético da beleza física, pois a alteração na aparência é esperada,

mas “a alteração morfológica deve ser observada mediante critérios objetivos, a fim

de propiciar a esperada uniformidade no tratamento da matéria.”251

No ordenamento jurídico brasileiro, o dano estético está previsto de modo genérico,

nos artigos 186 e 927 do código civil 2002, bem como a fixação de parâmetros da

indenização nos artigos 949 a 951 do Código Civil. Segundo Sergio Cavalieri252, é

possível identificar o dano estético na parte final do art. 949: “[...] além de algum

outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto253, conceituam o dano estético

como “uma ofensa à integridade física da pessoa qualificada pelo elemento da

“permanência”, ou seja, uma lesão corporal de efeitos prolongados e não meramente

249

Conforme já visto no Subitem 2.2.4.1 do capitulo 2. 250

Teresa Ancona Lopes conceitua o dano estético como “qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um “enfeamento” e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem portanto a uma dor moral.”( LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 28.) 251

ALVES, Rayssa Castro. Autonomia do dano estético na configuração da obrigação de indenizar. Revista de direito. Viçosa. v. 6, n. 1, 2014, p. 228 252

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 135 253

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETO, Felipe Peixoto Braga. Op.cit. p.359

100

transitória ou sanável.” Desta forma, o dano estético tem que ocorrer de forma

duradoura, mesmo que não tenha a carga de definitividade ou irreversibilidade.

O dano estético é, a priori, um dano que atinge a aparência física envolvendo não

apenas os traços fisionômicos, mas as expressões dinâmicas da personalidade,

como a voz, os movimentos.254 Ainda assim, pode-se dizer que o dano estético não

se restringe a ofensa em face da aparência externa e física da pessoa, mas também

em face de situações internas, ainda que invisíveis, como por exemplo, nos casos de

doenças e ofensas à higidez da saudade da pessoa.

4.2.3 Nexo causal

O nexo causal é a base fundamental para a solidificação da responsabilidade civil.

Para que haja a responsabilização do ofensor é preciso que entre a conduta ilícita

haja uma ponte conectora com a causa, ou seja, que o ato ilícito esteja vinculado ao

dano causado, para só então chegar a uma consequência. “É o liame que une a

conduta do agente ao dano.”255

Segundo Salomão Resedá256

Inúmeros são os acontecimentos que podem desaguar em danos para a pessoa. Porém, para que haja a possibilidade de indenização em razão de alguma agressão a direitos alheios, torna-se necessária a verificação do nexo causal entre a conduta do sujeito ativo e o resultado danoso. Pouco importa que um comportamento contrário ao direito coincida com o prejuízo sofrido por uma pessoa. É necessário que seja identificado este liame para que, a partir de então, se possa falar em restituição ao status quo ante.

Ao se deparar com uma multiplicidade de causas, o nexo causal apresenta algumas

dificuldades, pois acaba sendo difícil determinar qual causa realmente ensejou o

resultado danoso. Nesse sentido, Gisela Sampaio257 afirma que “o conceito de

relação causal, além de se revestir de um aspecto filosófico, apresenta dificuldades

de ordem prática, porque na maioria das vezes o evento danoso está cercado de

condições que se multiplicam, dificultando a identificação da causa do dano.”

254

Ibidem. p. 363 255

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. v.4. São Paulo: Atlas, 2013, p. 54 256

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 61 257

CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. São Paulo: Renovar, 2005, p. 19.

101

Diante destas dificuldades, existem três principais teorias com o objetivo de

solucionar esta questão, a seguir analisadas.

A primeira das teorias é a teoria da equivalência das condições (conditio sine qua

non) teve sua origem na segunda metade do século XIX pelo jurista alemão

Maximiliano Von Buri. Está teoria afirma que todas as condições se equivalem, de

modo a não diferenciar os fatos antecedentes do resultado danoso. “Com isso quer-

se dizer que esta teoria é de espectro amplo, considerando elemento causal todo o

antecedente que haja participado da cadeia de fatos que desembocaram no

dano.”258

Está é a teoria adotada no Código Penal Brasileiro, no art. 13259, de forma que se

extrai que a causa é todo antecedente que, uma vez retirado da cadeia, o resultado

não aconteceria.260 Contudo, a aplicação desta teoria no direito civil foi bastante

criticada, pois, acaba por conduzir uma busca infinita de causas que resultaram na

responsabilidade civil.

Com o rigorismo desta teoria, o juiz sequer consegue apreciar bem os fatos, quanto mais introduzir certos abrandamentos na série causal. Assim, apesar de algumas vantagens (grande simplicidade de aplicação, maiores probabilidades de reparação das vítimas, intenso efeito preventivo na obstação dos danos), esta teoria conduz a exageros inaceitáveis e a soluções injustas.

261

Sendo esta teoria imprestável no direito civil, em razão de ampliar ilimitadamente o

dever de reparar, faz-se necessária a busca de outra construção, capaz de adaptar

melhor à responsabilidade civil. Desenvolveu-se, nesta esteira, a teoria da

causalidade adequada.

A teoria da causalidade adequada foi concebida por Von Bar e aprimorada,

posteriormente, pelo filosofo alemão Von Kries. Para este, toda e qualquer condição

precedente não pode ser considerada mola propulsora do evento danoso, mas

apenas, o “antecedente abstratamente idôneo à produção do efeito danoso.”262 Em

258

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 152. 259

Código Penal. Art. 13, CP — O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se a causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. 260

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 67 261

CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. São Paulo: Renovar, 2005, p.45-46. 262

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 154

102

outras palavras, existe uma seleção das causas e somente é escolhida aquelas que

se apresentarem como mais adequadas a determinar o resultado final. Trata-se de

um juízo de probabilidade.

Anderson Schreiber263 acrescenta que

A causalidade adequada, como se vê, envolve não um juízo concreto acerca da causa do evento danoso, mas uma avaliação abstrata fundada em um princípio de normalidade. Imputa-se ao agente as consequências que, em um determinado momento histórico, segundo o estado da ciência e da técnica, são “normais” consequências de seu comportamento. Procurando especificar o critério da normalidade, afirma-se que, a fim de se saber a causa é ou não adequada a produzir determinado efeito, deve-se perguntar se tal relação de causa e efeito existe sempre, em casos daquela espécie, ou se existiu naquele caso, por força de circunstancias especificas. Somente na primeira hipótese, considera-se que a causa foi adequada a produzir o efeito.

Diante à necessidade de demonstração do nexo casual, os juristas à época

criticaram esta teoria da causalidade adequada sob o argumento de que a

“probabilidade não é certeza”264. Bem como, os magistrados ficam com um grau de

discricionariedade acentuado, de forma que, essa abstração, característica da

investigação do nexo causal, muitas vezes necessária, acaba por afastar o julgador

do caso concreto.

Procurando fugir desta incerteza na busca da causalidade, foi desenvolvida no Brasil

pelo professor Agostinho Alvim, a teoria da causalidade direta ou imediata, também

denominada teoria da interrupção do nexo causal ou teoria da causalidade

necessária. Para esta teoria, causa “seria apenas o antecedente fático que, ligado

por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último

como uma consequência sua, direta e imediata.”265 Ou seja, causa é apenas o

evento que vincula diretamente o evento danoso, sem a interrupção de outra

condição superveniente.

Segundo Tepedino266, pode-se concluir que:

a causa relativamente independente é aquela que, em apertada síntese, torna remoto o nexo de causalidade anterior, importando aqui não a distância temporal entre a causa originária e o efeito, mas sim o novo vínculo de necessariedade estabelecido, entre a causa superveniente e o resultado danoso. A causa anterior deixou de ser considerada, menos por

263

SHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5 ed. São Paulo. Atlas. 2013 p.58 264

Ibidem. P. 59 265

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 156 266

TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o Nexo de Causalidade, Revista Trimestral de Direito Civil, ano 2, v. 6, jun. de 2001. Rio de Janeiro: PADMA, p. 10.

103

ser remota e mais pela interposição de outra causa, responsável pela produção do efeito, estabelecendo-se outro nexo de causalidade

A respeito da teoria adotada no Brasil, há certa divergência. Uma parcela da

doutrina adota a teoria da causalidade adequada, por ser a mais satisfatória para a

responsabilidade civil. Por outro, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho267

adota posicionamento contrário, entendendo que pela análise do artigo 403268 do

Código Civil, pode-se concluir que a teoria adotada pelo ordenamento brasileiro foi a

teoria da causalidade direta ou imediata (teoria da interrupção do nexo causal).

Entretanto, os autores reconhecem que não é absoluta na jurisprudência a adoção

desta teoria, pois, por vezes, a jurisprudência adota a causalidade adequada.

Nesse sentido, Anderson Schreiber269 afirma que diante das decisões judiciais é

comum observar a utilização de ambas as teorias, de modo a dificultar a definição de

um padrão de julgamento. Por outro lado, para Schreiber, “uma análise mais

profunda, porém, demonstra que o caos reinante em matéria de nexo causal

corresponde não a insistentes equívocos do poder judiciário”, mas uma flexibilização

do nexo causal, com intuito de garantir ao ofendido uma reparação, a fim de não

deixar a vítima desprotegida.

4.2.4 Culpa?

A culpa270 não pode ser considerada como pressuposto geral da responsabilidade

civil no sentido lato sensu. Isto decorre da sua ausência quando da apreciação a

responsabilidade objetiva, limitando-se apenas ao âmbito subjetivo do instituto, que,

por sua vez, necessita de comprovação da existência da culpa do ofensor na prática

267

Ibidem. P.158 268

Código Civil. Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. 269

SHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5 ed. São Paulo. Atlas. 2013 p. 270

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, diante da dificuldade de conceituar a culpa, afirma que a culpa é e sempre foi considera uma pedra de toque da responsabilidade civil, de modo a identificar no seu conceito a ideia de violação de uma norma jurídica anterior. A fim de conceituar a culpa sem esgotar a sua noção, os autores afirmam que “a culpa (em sentido amplo) deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa, em sentido estrito. GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 199

104

do ato lesivo para imputação da responsabilidade. Deste modo, a culpa torna-se um

elemento acidental da responsabilidade civil.

A reparação civil, para que ocorra, é necessária a avaliação da existência da

conduta culposa por parte do ofensor. A analisa da culpa decorre da comparação do

comportamento do agente ofensor com aquele considerado ideal, “ou seja, daquele

indivíduo que cumpre com todas as suas obrigações e que age acobertado pela

prudência e pela atenção necessária, decorrendo dai situações caracterizadas pela

negligência, imperícia ou imprudência do agente.”271 Desta forma, a análise do

magistrado deve-se ater ao aspecto subjetivo do ato praticado. Para que haja a

responsabilidade civil subjetiva, além da demonstração do elemento culposo é

preciso que esteja presente o nexo causal, o dano e a conduta do agente.

A teoria da responsabilidade civil decorrente da culpa representou um grande

avanço na história da civilização, de modo que, o objetivismo presente nas

sociedades antigas foi abandonado, exigindo-se apenas um elemento subjetivo

capaz de viabilizar a imputação psicológica do dano ao seu causador.272

A culpa era considerada um pressuposto da responsabilidade essencial para o

sistema econômico instalado com o capitalismo industrial, tendo em vista, que

retirava dos grandes empresários a responsabilidade de reparar, sem que houvesse

a comprovação da culpa. Permitindo-se assim, uma maior liberdade de atuação, de

maneira que a produção se desenvolvesse sem interferências. “A inexistência de

qualquer requisito de segurança no ambiente de trabalho e as precárias condições a

que eram expostos os trabalhadores serviam como uma combinação perfeita para a

ocorrência de inúmeros gravames.”273

Anderson Schreiber274 ensina que

Se a concepção psicológica da culpa assegurou uma justificativa filosófica à reparação do prejuízo provocado pelo ato ilícito, impôs, por outro lado, forte ênfase sobre a verificação de um comportamento reprovável por parte do autor do dano. Resultado disso foi não apenas a consagrada ideia de “pas de responsabilité sans faute”, mas, muito além, a atribuição à culpa de uma certa preponderância na etiologia do ato ilícito. A associação da conotação psicológica da culpa com uma rigorosa exigência de sua demonstração

271

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 55 272

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, op cit. p. 198 273

RESEDÁ, Salomão. Op.cit. p. 55 274

SHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5 ed. São Paulo. Atlas. 2013 p.16

105

conduziu, gradativamente, à modelagem jurisprudencial e doutrinária de um obstáculo verdadeiramente solido para a reparação dos danos.

Diante dessa dificuldade de comprovação da culpa, tendo em vista o

desenvolvimento do capitalismo industrial e da proliferação de acidentes ligados aos

avanços tecnológicos, ocasionou uma intolerância social e uma rejeição do próprio

Poder judiciário, face a vulnerabilidade do lesado no momento do acidente e dentre

outras. Diante desta prova diabólica causada pela dificuldade de comprovação da

culpa, sugiram mecanismos na tentativa de superar as injustiças e facilitar o acesso

a reparação, em especial, a teoria do risco, a ser analisada nos tópicos a seguir.

4.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil apresenta-se sob diversas espécies, dependendo da

perspectiva em que são analisadas. Segundo Maria Helena Diniz, poderá ser

classificada: 1) quanto ao seu fato gerador, hipótese em que terá: a

responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual; 2) em relação ao

seu fundamento, caso em que se apresentará como: responsabilidade subjetiva e

responsabilidade objetiva; 3) relativamente ao agente, terá a responsabilidade direta

e a responsabilidade indireta.275

Sergio Cavalieri276 afirma que “A responsabilidade tem por elemento nuclear uma

conduta voluntaria violadora de um dever jurídico, torna-se, então, possível dividi-la

em diferentes espécies, dependendo de onde provem esse dever e qual o elemento

subjetivo dessa conduta.”

Destarte, para o presente estudo, somente serão analisadas duas modalidades

principais: a responsabilidade subjetiva e objetiva, pois, tem na assunção de riscos e

na falta de cuidado necessário elementos capazes de ensejar a reparação civil.

275

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º volume: Responsabilidade Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.145-146 276

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op cit. p.29

106

4.3.1 Responsabilidade subjetiva

A responsabilidade subjetiva é tratada como o fundamento básico de toda a

responsabilidade civil, encontrando amparo nos art. 186 e 927277, caput, ambos do

Código Civil. Para eles, a culpa é o fundamento do dever de indenizar o dano. Ou

seja, o ofensor só poderá ser responsabilizado, em regra, se tiver agido com dolo.

Assim, além dos elementos essenciais - dano, nexo de causalidade, a

responsabilidade subjetiva requer também como elemento a conduta culposa do

agente.

Somente após a culpa ser concebida como pressuposto da responsabilidade civil

pelos juristas da Modernidade é que o objetivismo típico das sociedades antigas foi

desprezado, sendo necessária uma análise psicológica do agente para efeitos de

responsabilização.278 Para Anderson Schreiber a “pedra toque da responsabilidade

civil consiste no uso culpável da liberdade, que moralmente demanda uma sanção”

279

Fala-se em responsabilidade subjetiva para identificar a obrigação de indenizar

inspirada na ideia de culpa, ou seja, não é preciso apurar a intencionalidade da

conduta, basta que tenha ocorrido o dano por ato doloso ou culposo. Conforme o art.

186 do Código Civil de 2002 é necessário que exista uma ação ou omissão por parte

do sujeito, “em comparação com o comportamento exigível esperado do chamado

“homem médio””. 280

Conclui Salomão Resedá281 que,

A detecção da culpa, portanto, é feita a partir da comparação do comportamento com aquele considerado ideal, ou seja, daquele indivíduo que cumpre com todas as suas obrigações e que age acobertado pela

277

Código civil, Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo 278

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 40 279

SHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5 ed. São Paulo. Atlas. 2013 p.13 280

LIMA, Talita. Op cit. p. 71 281

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 55

107

prudência e pela atenção necessária, decorrendo dai situações caracterizadas pela negligência, imperícia ou imprudência do agente

282.

Para que a responsabilidade civil subjetiva se caracterize é necessária à verificação

da existência de atuação culposa por parte do agente. Assim, o foco era no aspecto

subjetivo do ato praticado. Portanto, havendo vestígios que demonstrassem a

existência destes requisitos, além do nexo de causalidade, dano e da conduta do

agente, estaria então, diante da responsabilidade civil subjetiva.283

Destarte, a culpa se mostrava um elemento de difícil comprovação, tornando-se um

obstáculo para a reparação dos danos. Com isso, a responsabilidade civil tornou-se

falha, deixando de abranger partes das situações que afligiam a sociedade.

4.3.2 Responsabilidade objetiva

A responsabilidade objetiva surgiu ao longo do século XX em razão da inserção de

novas relações sociais e do desenvolvimento tecnológico, principalmente após a

Revolução Industrial, quando a teoria da culpa demonstrou-se insuficiente para

abranger os novos anseios, principalmente nas hipóteses de acidente de trabalho,

decorrente das novas tecnologias, onde em muitas ocasiões, diante da dificuldade

de comprovação da culpa do agente, o lesado ficava desprotegido, tendo que

suportar integralmente o ônus, sendo denominada pelos doutrinadores de prova

diabólica284.

A fim de superar essas injustiças, frente a dificuldade de se auferir a culpa, criou-se,

a responsabilidade civil objetiva, fundada na teoria do risco, paralelamente à

responsabilidade subjetiva (baseada na teoria da culpa). A responsabilidade

282

Apenas a titulo de esclarecimento, Salomão Resedá conceitua negligência, imprudência e imperícia, definindo, portanto, “negligência como sendo a ausência de cautela, de precaução. Ou seja, a falta de cuidados necessários para barrar o acontecimento danoso. Por sua vez, a imprudência é a infringência às regras de conduta necessárias para a realização de um ato. O agente pratica fato considerado como perigoso. Por fim, a imperícia é também conhecida como culpa profissional ou técnica, e refere-se a falta de aptidão no exercício de uma profissão ou de uma arte. É voltada diretamente aos profissionais em razão do seu ofício” RESEDÁ, Salomão. Op cit. p. 56. 283

RESEDÁ, Salomão. Op cit. p. 55. 284

Jose Fernando de Castro Farias explica que “a teoria tradicional condicionava a responsabilidade civil à existência da falta, exigindo-se do operário, para obtenção da reparação do dano, provar que o acidente fora resultado de uma imprudência cometida pelo empregador. Essa abordagem obedecia a uma lógica individualista e tornava-se incompatível com a complexidade das práticas industriais, em que o risco de acidente era cada vez maior, de forma que a visão tradicional passa a ser considerada completamente injusta em relação aos operários, a quem impunha a necessidade de uma prova impossível” FARIAS apud SCHREIBER, 2013, p. 15.

108

objetiva, por sua vez, dispensa a existência da culpa, bastando que esteja

comprovado o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente.

Sobre o assunto, Anderson Schreiber285 ensina que

A tentativa de superar as injustiças impostas pela dificuldade de demonstração da culpa deu margem a inúmeros expedientes que se propunham a facilitar o acesso concreto da vítima à reparação. Vários foram os processos técnicos postos em jogo para atender à praticabilidade da responsabilidade: admissão fácil da existência da culpa pela aplicação da teoria do abuso do direito e da culpa negativa; o reconhecimento de presunções de culpa; a aceitação da teoria do risco; a transformação da responsabilidade aquiliana em contratual. Embora todos esses mecanismos devam ser compreendidos como meios de evitar os tormentos suscitados pela rigorosa exigência da prova da culpa, certo é que nenhum deles teve efeito tão revolucionário quanto a propagação teoria do risco.

A responsabilidade civil, então, passou a ser vista sob duas perspectiva. A primeira,

tinha como fundamento a existência de culpa, porém, se percebeu que a vitima

suportava um ônus muito maior do que podia suportar, pois era dele o dever de

produzir provas. Desta forma, em nome da segurança da vítima, surgiu uma nova

vertente secundaria que abriu mão do aspecto subjetivo, adotando a teoria do

risco.286

Segundo Schreiber287, a teoria do risco, no Brasil adentrou efetivamente no

ordenamento por meio de leis especiais, a exemplo da legislação de acidente de

trabalho (Lei. no 5316/67, o Decreto no 61.784/67, Lei no 8213/91). Por sua vez, a

Constituição Federal de 1988, adotou uma responsabilidade que afastou a culpa e

se preocupou com a reparação dos danos em uma concepção marcada pela

solidariedade social288. Além dessa nova tábua axiológica, a Constituição de 1988

traz no seu bojo previsões de hipóteses especificas, a exemplo dos dispositivos:

art.7º, XXVIII; art. 21, XXIII; art. 37 §6º.289

285

SHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5 ed. São Paulo. Atlas. 2013 p.18-19. 286

RESEDÁ, Salomão. Op cit. p. 56-57. 287

SHREIBER, Anderson. Op cit. p.20 288

Constituição Federal 1988, Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 289

Constituição Federal 1988, Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; Art. 21. Compete à União: XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições.

109

Em 2002, o Código Civil consagrou a orientação constitucional através do artigo 927

em seu parágrafo único, ao qual determina que em algumas hipóteses a

responsabilidade seja configurada a partir da atividade exercida pelo agente. Ou

seja, é uma responsabilidade objetiva por atividade de risco, com a seguinte

redação290: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos

casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo

autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Para Anderson Schreiber291,

o escopo do paragrafo único do art. 927 é o de impor responsabilização com base no elevado risco produzido por certa atividade, o que não se verifica em qualquer espécies de prestação de serviços, mas apenas naquelas hipóteses em que houver uma lata possibilidade de dano.

Conclui ainda o referido autor, que a clausula geral de responsabilidade civil objetiva

trata-se apenas das atividades perigosas, ou seja, aquelas que apresentam um grau

elevado. É irrelevante, por outro lado, que para que incida este dispositivo, a

atividade de risco se organize necessariamente sob a forma empresarial ou que se

tenha revertido em proveito de qualquer espécie para o responsável.292

A responsabilidade objetiva, portanto, é aquela em que prescinde da existência de

culpa, ou seja, não são levados em consideração frente ao dano causado. Basta a

conduta causar prejuízo a vítima ou aos seus bens, sendo necessário apenas o

nexo de causalidade entre a conduta lesiva e o dano.

Nas palavras de Maria Helena Diniz293,

Na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o dano é lícita, mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que a exerce, por ter a obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal. A vítima deverá pura e simplesmente demonstrar o nexo de causalidade entre o dano e a ação que o produziu.

Com essa previsão no ordenamento brasileiro, a responsabilidade subjetiva (teoria

da culpa) que, reinava soberano no âmbito do instituto da responsabilidade civil,

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 290

SHREIBER, Anderson. Op.cit p.21 291

Ibidem, p. 25. 292

Ibidem, loc.cit. 293

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – responsabilidade civil. 25. ed. rev. atual. vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 146

110

tornou-se mitigada a sua aplicação, diante de algumas determinações legais.

Ocorreu, portanto, uma “transmutação na ordem tradicional estipulada”. Antes era

obrigatório se identificar a existência da culpa, com a responsabilidade objetiva,

pautada na teoria do risco, primeiramente constatava-se o direito do ofendido de ter

o seu status quo ante, analisando somente que o dano decorreu do exercício da

atividade.294

Apenar da nova tendência objetivista da responsabilidade civil, o modelo subjetivista

não foi abandonado. Pelo contrario, continua tendo a sua previsão no Código civil de

2002, conforme já exposto, reconhecendo-o como regra geral do instituto da

responsabilidade civil, por outro lado, sem descartar a teoria objetiva para os fatos

previstos em lei decorrentes das atividades de risco. “A responsabilidade objetiva

não substitui a subjetiva, mas fica circunscrita aos seus justos limites.”295

4.4 FUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Diante da análise histórica permite-se observar que na pré-história da

responsabilidade civil, a vingança, em virtude da ausência de um poder central, era

tida como a primeira forma de reação contra comportamentos lesivos. Num segundo

momento, aparece a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente, ao qual se tratava

de um temperamento dos costumes primitivos, ainda que existisse o rigor. Em um

momento posterior a essas formas primitivas de autotutela é que se tem a

compensação pecuniária, substituindo a vingança e a Lei de Talião. Nasce, portanto,

a responsabilidade civil moderna concebida como a obrigação de restituir o ofendido

em pecúnia e em paralelo à aplicação da função sancionatória ao ofensor.296

Busca-se com a responsabilidade civil a restituição do equilíbrio moral e patrimonial

desfeito e a redistribuição de riqueza, conforme preconizado pelo art. 170297 caput

da Constituição Federal 1988, atendo assim os ditames da justiça social. Para

294

RESEDÁ, Salomão. Op cit. p. 59. 295

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. de acordo com o novo código civil (Lei 10.406 de 10-1-2002). Saraiva: São Paulo, 2005, p. 24 296

ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 1 ed. São Paulo. Atlas, 2013, p. 5-6. 297

Constituição Federal 1988, art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

111

alcançar este equilíbrio, portanto, é imprescindível a restruturação do status a quo

ante. A responsabilidade civil tem por proposito diminuir a diferença entre a situação

atual e a que existiria, caso não houvesse ocorrido o ilícito.298

Segundo Nelson Rosenvald299

Bem se percebe que a responsabilidade civil assume uma conotação de neutralidade e objetividade, pois ausente deste modelo jurídico qualquer censura ao comportamento do agente, sendo a tutela civil finalizada ao escopo prático de garantir uma distribuição do peso do dano sob a base de critérios social e economicamente justificáveis. Fala-se em laicização da responsabilidade civil. O aspecto redistributivo da alocação de danos em uma economia de mercado se converte em escolha tão oportuna quanto o final feliz das fábulas que, em nome de um critério de justiça substancial, restauravam a posição daquele que injustamente foi usurpada da sua condição natural.

A responsabilidade civil tem particularmente uma finalidade estática, por meio da

reparação dos danos causados a outrem, a fim de tutelar os interesses do ofendido,

com o objetivo de retornar ao status quo ante. Está é, portanto, a finalidade

reparatória, a primordial. Entretanto, o instituto da responsabilidade civil comporta

outras duas funções, quais sejam a função sancionatória ou punitiva do ofensor e a

preventiva ou precaucional.

A função reparatória tem como objetivo reportar o ofendido ao estado em que se

encontrava antes da ocorrência do ato ilícito, ou, não sendo possível, restituir com o

pagamento de um quantum indenizatório, em valor equivalente ao bem material

lesado ou o suficiente para que compense o prejuízo sofrido, sendo um direito não

redutível pecuniariamente.

De acordo com as lições de Maria Helena Diniz300 o principio que rege a

responsabilidade civil na era da contemporaneidade é o da restitutio in integrum.

Significa que tem que haver a reposição completada da vítima à situação a qual se

encontrava antes da lesão. Para que haja essa reparação integral, a autora diz que

deverá ser feita “por meio de uma reconstituição natural, de recurso a uma situação

material correspondente ou de indenização que presente do modo mais exato

possível o valor do prejuízo no momento de seu ressarcimento, respeitando assim, a

sua dignidade”

298

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 74 299

ROSENVALD, Nelson. op. cit. p. 64. 300

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º volume: Responsabilidade Civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23-24.

112

A função punitiva, segundo Talita Lima301 tem como poder punir o agressor em

virtude da prática lesiva dos seus atos, a fim de evitar a reincidência ou repetência

de condutas semelhantes. Entretanto, poderá essa função ser afastada quando

existir a possibilidade de restituição integral do status quo ante.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho302 “essa persuasão não

se limita à figura do ofensor, acabando por incidir numa terceira função, de cunho

socioeducativo, que é a de tornar público que condutas semelhantes não serão

toleradas”. Desta forma, se tem, portanto, de forma indireta o equilíbrio e a

segurança da própria sociedade.

Acerca do dumping social, esta função de cunho educativo é a que mais se adéqua

a este instituto, pois há a publicização da ocorrência do ilícito e a sua consequência

para quem o causou. Logo, obriga o lesante a reparar o dano causado, e com isso,

contribui para coibir a prática de outros atos danosos, seja pela mesma pessoa ou,

seja por qualquer outro cidadão. Então, tem-se uma conduta reprimida pela

sociedade e colocando aquele que a praticou em situação vexatória.

4.5 TEORIA DO PUNITIVE DAMAGES

A fim de buscar instrumentos eficazes para a efetivação da responsabilidade civil, é

possível a importação do instituto do punitive damages, para alcançar uma melhor

solução dos problemas decorrentes da função compensatória e reparatória da

responsabilidade civil, em face as condutas dotadas de elevado grau de reprovação

social. Trata-se de um instrumento preventivo e repressivo de praticas ilícitas, tendo

por fundamento o caráter pedagógico da sanção, com fim de desestimular as

condutas lesivas.

301

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 74 302

GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 68

113

O punitive damages tem sua origem no direito inglês, em especial com o caso

Wilkes v. Wood303, em 1763. Entretanto, se desenvolveu no século XX no direito

norte-americano, ao qual tornou modelo a ser seguido por vários ordenamentos. Nos

tribunais americanos, o punitive damages trata-se de indenização suplementar e

excepcional contra o ofensor que praticou uma conduta gravosa ou atos lesivos

reiterados. Assim, punitive damages, também conhecido como exemplary damages,

pode ser conceituado como “uma soma adicional, além da compensação ao réu pelo

mal sofrido, que lhe é concedida com o propósito de punir o acusado, de adverti-lo a

não repetir o ato danoso e para evitar que outros sigam seu exemplo”304

Além de servir como meio de sanção ao acusado, encontra-se também a função de

desestimulo. O exemplary damages serve para os outros potenciais ofensores que

ao praticarem aquela conduta, o órgão jurisdicional adotará severas sanções para

reprimi-la. Como também serve para desestimular novas condutas lesivas. “A

existência de um ideal de repressão não pode ser encarada com o objetivo central

da sua aplicação. Na realidade, ela é apenas o caminho que conduz à meta final do

desestímulo.”305

No ordenamento brasileiro, a aplicação do punitive damages cabe ao magistrado,

quando no seu juízo de valor, entender que embora a indenização seja suficiente

para compensar o dano, esta deve ser majorada de forma a coibir a prática

reincidente da conduta lesiva, aplicando, portanto, a função pedagógica da

303

André Gustavo Corrêa traz de forma minuciosa o relato do caso Wilkes v. Wood, que decorreu da publicação de artigo anônimo no Jornal semanal The North Briton, de conteúdo ofensivo à reputação do rei George III e de seus ministros. “Em consequência, Lord Halifax, secretário de Estado do rei, determinou a expedição de mandado genérico (general warrant), autorizando a prisão de suspeitos de envolvimento na publicação do artigo, sem identifica-los nominalmente. Foram presos 49 pessoas, dentre as quais o autor do artigo John Wilkes, inflamado membro da oposição no Parlamento. Mensageiros do rei invadiram e reviraram a cada de Wilkes, forçando gavetas e apreendendo livros e papéis privados, sem inventaria-los. Wilkes, então, ajuizou uma action for trepass contra Mr. Wood, subsecretário do Estado, que havia pessoalmente supervisionado a execução do mandado. Demandou exemplary damages, ao argumento de uma indenização de reduzido valor não seria suficiente para impedir a prática de condutas semelhantes. O júri estabeleceu a soma, considerável para a época, de 1000 (mil libras) a titulo de punitive damages.” (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e Indenização Punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do direito brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2009, p. 178-179.) 304

PROSSER; WADE; e SCHWARTZ apud BORGES, Thiago Carvalho. Danos punitivos: hipóteses de aplicação no direito brasileiro. <http://www.faculdadebaianadedireito.com.br/images/a/Texto%20Thiago.pdf > Acesso em: 08 agosto 2015. 305

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 229

114

responsabilidade civil. Bem como, é levado em consideração pelo juiz ao aplicar tal

sanção o poder econômico do agressor, a fim de desestimular tal prática ilícita.

Desta forma, na visão de Salomão Resedá306 o punitive damages é,

acréscimo econômico na condenação imposta ao sujeito ativo do ato ilícito, em razão da sua gravidade e reiteração que vai além do que se estipula como necessário para satisfazer o ofendido, no intuito de desestimula-lo a pratica de novos atos, além de mitigar a pratica de comportamentos semelhantes por parte de potenciais ofensores, assegurando a paz social e consequente função social da responsabilidade civil.

A utilização de punitive damages é alvo de controvérsias no ordenamento brasileiro,

contudo, conforme ensinado por Leandro Fernandez307, a utilização do exemplary

damages pelo poder judiciário decorre da evolução dos institutos jurídicos em

conjunto com as transformações sociais e as opções políticas nacionais. A sua

utilização no ordenamento brasileiro deve, por outro lado, ser feita somente em

situações excepcionais, quando houver a justificativa de uma tutela mais rígida por

parte do Poder Judiciário.

Apesar de uma parte da doutrina entender pela inconstitucionalidade e

incompatibilidade com o regime da responsabilidade civil previsto no art. 944 do

Código Civil. É cediço que no Superior Tribunal de Justiça é pacífico o entendimento

quanto ao cabimento da aplicação do instituto do punitive damages. Como o voto da

Ministra Nancy Andrighi308

306

Ibidem. p. 230 307

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, 2012, p. 170 – 171. 308

COMERCIAL. DIREITO AUTORAL. UTILIZAÇÃO DESAUTORIZADA DE FOTOGRAFIA PARA ILUSTRAR CAPA DE GUIA RODOVIÁRIO. COMPOSIÇÃO DA CONDENAÇÃO. INDENIZAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS E SANÇÃO PELA CONDUTA ILÍCITA. LIMITES. 1. O art. 102 da Lei nº 9.610/98 fixa sanções cíveis decorrentes da violação de direitos autorais. A exegese desse dispositivo legal evidencia o seu caráter punitivo, ou seja, a intenção do legislador de que seja primordialmente aplicado com o escopo de inibir novas práticas semelhantes. Tanto é assim que a sua parte final ressalva que as penas serão impostas, “sem prejuízo da indenização cabível”. O art. 103 da Lei nº 9.610/98, por sua vez, assume também um caráter indenizatório, na medida em que prevê que a perda dos exemplares e o pagamento daqueles que tiverem sido vendidos se dê em favor da vítima. Realizando-se uma análise sistemática dessas normas, conclui-se que elas criam uma via de mão dupla: assim como poderá haver situações em que as sanções não compensarão de forma plena e satisfatória os prejuízos suportados pela vítima – exigindo complementação a título de indenização pelos danos sofridos – haverá casos em que a própria indenização já cumprirá a contento não apenas a função de ressarcir a vítima pelas suas perdas, como também de desencorajar a conduta ilícita. 2. Cabe ao julgador, fazendo uso de seu prudente arbítrio, interpretar casuisticamente os comandos dos arts. 102 e 103 da Lei nº 9.610/98, definindo a composição e os limites da condenação, utilizando os critérios que melhor representem os princípios de equidade e justiça, alerta para o fato de que os valores arbitrados não deverão conduzir ao enriquecimento indevido da vítima. 3. Tendo em vista as peculiaridades presentes na espécie, de que: (i) as fotografias do recorrente

115

Outro não é o entendimento dessa Corte, que já se manifestou no sentido de que “a fixação do valor da indenização pela prática da contrafação deve servir, entre outras coisas, para desestimular a prática ofensiva, sem, no entanto, implicar enriquecimento sem causa do titular dos direitos autorais violados” (REsp 1.136.676/RS, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 29.06.2010. Em igual sentido: REsp 1.016.087/RS, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 14.04.2010). Em síntese, pois, deve o julgador, diante de cada caso, utilizar os critérios que melhor representem os princípios de equidade e justiça, igualmente considerando a potencialidade da ofensa e seus reflexos, sempre atento para que não sejam fixados valores ínfimos, incapazes de coibir as práticas ofensivas, ou excessivos, de modo a acarretar o enriquecimento sem causa da vítima.

Ainda assim, é possível encontrar alguns dispositivos na legislação brasileira que

sustentam a aplicação das indenizações punitivas.309 Como a Lei 5.250\67 (Lei de

Imprensa) no seu artigo 53310 e o próprio Código Civil311 nos artigos 939 e 940 que

permite a indenização punitiva nos casos que o credor cobra dívida indevidamente.

Deste modo, cabe ao juiz, analisar diante da conduta lesiva, a sua gravidade e a

situação econômica do ofensor, a fim de fixar a indenização punitiva.

compõem pequena parte do todo da obra; (ii) os novos exemplares serão acompanhados de errata, atribuindo a correta autoria para as fotos; e (iii) não se identifica na conduta das recorridas a tentativa de utilização do trabalho do recorrente para incrementar – pelo menos não de forma substancial – a vendagem da obra; a condenação imposta pelas instâncias ordinárias se mostra satisfatória, isto é, apta a desempenhar o duplo papel de indenizar a vítima pelos prejuízos suportados, bem como de desestimular a prática ilícita. 4. Recurso especial a que se nega provimento. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. REsp 1367021 / RS – Min. Nancy Andrighi, Julgamento em 03/09/2013 Órgão Julgador: Terceira Turma – STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=dano+punitivo&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true> Acesso em>: 08 de agosto de 2015. 309

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 76 310

Lei de Imprensa. Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II - A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido. 311

Código Civil. Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

116

Segundo André Gustavo Corrêa de Andrade312, o punitive damages no Brasil

encontra seu fundamento, na própria Constituição Federal de 1988, através dos

direitos da personalidade, no direito à indenização por danos morais e no princípio

da dignidade humana. Assim afirma que,

É no princípio da dignidade humana, estabelecido no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que a indenização punitiva encontra sua base lógico-jurídica. A aplicação dessa forma especial de sanção constitui, também, consectário lógico do reconhecimento constitucional dos direitos da personalidade e do direito à indenização do dano moral, encartados no art. 5º, incisos V e X, da Constituição brasileira.

Pelo caráter excepcional que reveste o instituto do punitive damages só é justificável

a majoração da indenização quando a conduta é, de fato, reprovável, lesiva e

particularmente, odiosa, apta, portanto, a ensejar a reprovação do ordenamento.

Como também, quando ainda que considerada leve, a reiteração da conduta do

agente eleva a sua gravidade.

Assim, é preciso observar dois limites para que ocorra a majoração da pena: o

primeiro, o juiz não pode majorar a pena se a legislação já pune a conduta, pois a lei

já traz a pena adequada. Logo, estaria ferindo a segurança jurídica ao criar uma

punição não prevista em lei. O segundo limite é que a indenização punitiva só deve

ser aplicada quando houve vantagem econômica com o ilícito praticado, de forma

que a majoração da indenização retira o proveito indevido e coíbe a reincidência da

conduta danosa.313

É possível constatar que, as indenizações suplementares aplicadas, diferente da

responsabilidade civil, tem seu foco invertido, de modo que deixa de ser a vítima e

se volta para o ofensor. Assim, as indenizações tem como parâmetro o

comportamento reprovável do ofensor, sendo esses analisados pelo magistrado

diante do caso concreto. Portanto, os danos punitivos não se confundem com os

danos morais, já que este tem fundamento diverso, não visando restituir a vítima.

Insta ressaltar, que o punitive damages não é um instituto com o intuito

sancionatório. Diante desta atitude mais incisiva do Poder Judiciário tem-se o dever

312

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e Indenização Punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do direito brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2009, p. 237 313

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 77

117

de observância do interesse coletivo em não sofrer novas condutas lesivas como a

experimentada.

Nesse sentido, Salomão Resedá314, aborda a importância da função do desestímulo

do exemplary damages no ordenamento jurídico, afirmando que

A não concessão de meios que impeçam a repetição de atos ilícitos gravosos, ou que são comumente praticados, chancelaria a incompatibilidade da responsabilidade civil perante a sistemática da funcionalização do direito. Hoje, não basta apenas considerar o singular: há a necessidade de imposição do coletivo para a efetivação da prestação jurisdicional, o que é possível mediante a função de desestímulo do punitive damage.

Defende-se, portanto, a majoração da indenização em prol do interesse público e

social, em face da gravidade e/ou reiteração da conduta ilícita, bem como quando a

parte aufere vantagem econômica, causando danos sociais. Assim, além da

compensação do dano sofrido, está colocando o condenado em situação de

exemplo negativo para a sociedade. Diante disso, sustenta-se a aplicação do

instituto da responsabilidade civil pela prática de dumping social.

314

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p. 231

118

5 APLICABILIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PRÁTICA DE

DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS OU NAS RELAÇÕES DE

EMPREGO

Este capítulo, após todas as considerações já delineadas ao longo do trabalho,

destina-se apresentar as implicações jurídicas e analisar a possibilidade da

aplicação do instituto da Responsabilidade Civil à luz do ordenamento jurídico

brasileiro, em face à prática reiterada do dumping social. Posteriormente, será

examinada a função repressiva e punitiva da indenização a ser aplicada em face

deste instituto, bem como a (im)possibilidade de imposição ex officio pelo

magistrado. Por fim, analisar-se-á critérios de fixação da indenização e a

legitimidade para o recebimento da indenização imposta à empresa.

5.1 INSUFICIÊNCIA DA REPARAÇÃO EM CASOS CONCRETOS

O direito do trabalho, em decorrência do seu papel civilizatório, é um dos meios mais

efetivo para a concretização da dignidade humana. Embora tenha havido avanços

na legislação trabalhista brasileira em face da proteção aos trabalhadores, tais

avanços não foram capazes de inibir as práticas abusivas e o desrespeito por parte

das empresas, ao regramento jurídico, de modo, a submeter os trabalhadores a

situações precárias e análogas de trabalho. Ao contrario, a rigidez da legislação

trabalhista no ordenamento brasileiro fez com que muitas empresas descumprissem

as normas, pautado no argumento de que houve um aumento dos custos, de modo

a prejudicar a sua capacidade financeira, fadando-os a falir.

A prática dessas condutas tem lotado as salas de audiência da Justiça do Trabalho.

É perceptível na praxe forence, empresas, de modo reiterado, atuando no polo

passivo da demanda, em face do descumprimento dos direitos laborais mínimos, de

modo, muitas vezes, a obter vantagens comerciais, lesando os trabalhadores de

forma individual e, também a sociedade. Com efeito, é de grande valor a reparação

individual ao trabalhador, mesmo que tardia, como forma de satisfazer o direito do

autor, que outrora fora desrespeitado.

119

Em face do cenário de competições empresariais, cujo objetivo é ampliar os lucros

diminuindo os custos de produção, veem na redução dos direitos trabalhistas uma

forma de alcançar esse lucro. Muitas vezes, algumas empresas através de uma ética

utilitarista315 ao contabilizar o custo e benefício observam o binômio: lucro obtido

com a ocultação dos direitos trabalhistas versus número de condenações proferidas

pela justiça trabalhista. Assim, chegam a conclusão que é economicamente mais

lucrativo subtrair os direitos trabalhistas, adimplindo apenas se obrigado por meio

decisão judicial, do que cumprir espontaneamente.

Assim, as empresas, ao invés de cumprir, espontaneamente, a lei, resguardam-se

na lentidão da maquina estatal e aproveitam-se do Poder Judiciário como

engrenagem de seu modelo produtivo. Ainda assim, além da própria demora do

sistema processual, os empresários se valem de inúmeras variantes, como por

exemplo, o não ajuizamento da reclamação trabalhista pelo empregado, seja por

desinformação, ou até mesmo por receio de obsta-lo em novo emprego, em virtude

da chamada “lista negra”. Há também os fatores extrínsecos, que contribui para as

reiteradas práticas abusivas do empregador, como a falta de provas, a ausência de

advogado e até mesmo a má valoração das provas pelo magistrado.

A reparação individual em face da pratica de dumping social revela-se adequada a

por fim ao conflito particular, porém, configura-se inútil em face do dano à sociedade,

315

A teoria utilitarista valora um ato como moral ou não através das suas consequências, ou seja, sua utilidade, valorizando aquilo que gera maior grau de satisfação para um maior número de pessoas. Assim, considera a maioria em detrimento dos direitos individuais e da dignidade daqueles que não conformam o conceito majoritário. Esta teoria remota a Bentham filosofo inglês do Século XVIII e tem sido aplicada largamente na atualidade com o fim de justificar escolhas supostamente morais, cujo fim é meramente a obtenção do lucro, como na situação ora suscitada. Visando uma maior satisfação da sociedade, o aumento da produção, e o preenchimento das expectativas de consumo, em detrimento dos direitos humanos e trabalhistas de operários. Ademais, quanto as decisões das empresas faz-se presente o calculo utilitarista (visando meramente as consequências mais desejáveis e úteis, ou seja, aumentar o lucro e reduzir as despesas) tendendo à precarizar as condições laborais e gerando, consequentemente, um beneficio maior para a empresa e em tese para a sociedade, ou seja, a maioria. Contudo, esta visão é criticada pelos impactos sociais negativos do dumping social. Neste sentido coaduna Sandels, “Utilitarianism claims to offer a science of morality, based on measuring, aggregating, and calculating happiness. It weighs preferences without judging them. Everyone’s preferences count equally. This nonjudgmental spirit is the source of much of its appeal. And its promise to make moral choice a science informs much contemporary economic reasoning.” (SANDEL. Michael J. Justice: what’s the right thing to do? Farrar, Strus and Giroux. 2009, p. 41.) Tradução livre: o utilitarismo tem como objetivo criar uma ciência moral baseada em medir e calcular a felicidade. Isto vai pesar as preferências sem julga-las. Todas as preferências vai contar de uma forma igual. Este espirito de não julgar é fonte do argumento utilitarista. Essa teoria cientifica é utilizada na atualidade para fazer escolhas morais baseadas em razões econômicas.

120

ou seja, “em face do flagrante dano social perpetrado.”316 Como já analisado ao

longo do presente estudo, a prática reiterada desta conduta reprovável causa danos

que extrapola a esfera individual, de modo a repercutir na sociedade como um todo,

como por exemplo, as empresas concorrentes, o mercado de trabalho, e até mesmo,

os preceitos da Constituição Federal de 1988, em destaque, a ordem econômica

preconizada em seu art. 170.

O desrespeito reiterado e inescusável dos direitos dos trabalhadores prejudica o

empregado, mas também os demais empregadores do ramo, à contribuir para o

desequilíbrio da cadeia econômica capitalista, através de concorrência desleal. O

dumping social, portanto, viola os próprios fundamentos do Estado Democrático de

Direito317 em especial os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa

humana, bem como, a própria ordem econômica.

A Constituição Federal de 1988 consagra no art. 170 o valor da livre iniciativa,

porém, o seu exercício é guiado sob freios e contrapesos, no sentido de não permitir

às empresas a prática desenfreada de obtenção de lucro sem observância da

responsabilidade social. Com isso, a Constituição de 1988 estabelece a valorização

do trabalho humano como princípio da ordem econômica, a fim de assegurar a todos

uma existência digna conforme os ditames da justiça social.

Desta forma, resta claro que a reparação individual dos danos não é suficiente para

cobrir toda lesão provocada pela pratica de dumping social à sociedade. Assim, face

a isso, corrobora com este entendimento Souto Maior318, que afirma que “a

reparação do dano social é essencial para a recuperação da autoridade do

ordenamento jurídico trabalhista.”

Ainda o autor319 conclui que “no campo do ressarcimento dos danos, não se deve

mais reparar só o dano sofrido (pelo autor presente juízo), mas o dano globalmente

produzido (pelo réu á coletividade inteira)”. É nesse sentido, com base no instituto da

responsabilidade civil, de forma a proporcionar um efetivo combate ao dumping

316

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, p.182. 317

Constituição Federal de 1988. Art. 1º [...]: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana;IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. 318

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p. 25 319

Idem. O Dano Social e Sua Reparação. Revista LTr. nº11, Nov\2007, p. 7.

121

social, deve-se reparar não apenas o dano sofrido pela vitima, mas também a

reparação dos danos causados à coletividade.

Cumpre nos tópicos seguintes, esmiuçar os elementos existentes no ordenamento

jurídico brasileiro, aptos a fundamentar a aplicação da indenização pela prática

deste instituto.

5.2 INDENIZAÇÃO PELA PRÁTICA DE DUMPING SOCIAL

Após compreendido a extensão do dumping social como uma prática lesiva capaz de

ir além da agressão individual, repercutindo na sociedade como um todo, é preciso

encontrar meios de coibir esta conduta. É através do instituto da responsabilidade

civil, que o ordenamento encontra-se amparado.

A responsabilidade civil, como já visto em capítulo próprio, sempre esteve associada

a função reparatória. A responsabilidade civil tinha seu foco voltado estritamente

para a vítima, estava limitada a assegurar o ressarcimento do dano sofrido por ela.

Logo, existia apenas a preocupação em garantir o status quo ante ao ofendido e não

a reprovabilidade da conduta do ofensor.

Diante da evolução das relações humanas é necessária a superação deste

paradigma reparatório da responsabilidade civil. Segundo André Gustavo Corrêa320

Andrade, esta superação não significa abandonar a função da reparação, mas um

redimensionamento, a fim de atender aos modernos conflitos sociais.

Conforme depreendido em capitulo anterior, a responsabilidade civil cumula além da

função compensatória, mais duas funções: punitiva e pedagógica. Estas, por sua

vez, permite-se falar em uma indenização punitiva, que obriga o lesante a indenizar

em caráter suplementar, tendo em vista que a simples reparação não foi suficiente

para coibir as novas práticas ilícitas.

Esta mudança da tradicional visão acerca da responsabilidade civil manifesta-se

essencial para tenha uma atuação jurisdicional a fim de efetivamente coibir as

condutas lesivas. Deste modo, com o reconhecimento da função punitiva da

320

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Indenização Punitiva. Revista da EMERJ, v.9, nº 36, 2006, p. 136.

122

responsabilidade civil, busca-se proteger não apenas a esfera privada do individuo,

como toda a coletividade.

Assim, embora não tenha norma positivada a respeito da indenização suplementar

pela prática de dumping social, o ordenamento brasileiro já possui pressupostos

essenciais para a efetiva repressão desta prática, que será objeto de estudo nos

tópicos seguintes.

5.2.1 Aplicação dos dispositivos 186, 187 e 927 do Código Civil

O ordenamento jurídico brasileiro consagra no art. 186 do Código Civil que “aquele

que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Este

artigo traz a ideia central da responsabilidade civil, qual seja, o dever geral de não

lesar ninguém.

Conforme visto no capítulo anterior, para que seja aplicada a norma da

responsabilidade civil ao caso concreto é essencial a presença concomitante dos

seus pressupostos gerais321, quais sejam, a conduta humana, o dano e o nexo de

causalidade entre a conduta e o resultado danoso, de modo que um represente a

consequência do outro.

No que se refere ao dumping social, é possível identificar tais elementos: a conduta

humana é a prática reiterada empresarial de descumprimento dos direitos

trabalhistas, de modo a manter as condições de trabalho inferiores ao aceitável, com

intuito de manejar o preço do produto e consequentemente obter vantagem

econômica em relação a seus concorrentes. Tal conduta resta claro, que tem relação

direta com o dano causado, ou seja, a baixa do custo de produção da empresa em

decorrência da precarização da mão de obra, gerando danos sociais.

321

Insta ressaltar que o elemento culpa não pode ser considerado como um pressuposto geral da responsabilidade civil, posto que lhe é ausente a generalidade, tendo em face a existência de uma espécie de responsabilidade (objetiva) que prescinde desse elemento para sua configuração. Desta forma, entende Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze que se trata de um elemento acidental e não essencial. (GAGLIANO Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. Vol III: responsabilidade civil. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24 e 25.)

123

Estes danos sociais são diversos: a decretação de falência das empresas,

consequentemente o aumento do desemprego; a diminuição de oferta de trabalho; a

recessão econômica, outras empresas que diante da concorrência desleal se veem

forçados a ter que agir da mesma forma; “a necessidade de maiores gastos em

investimentos sociais por parte do Estado em razão do completo desrespeito à

saúde e dignidade do trabalhador.”322 Deste modo, a prática de dumping social por

ofender os direitos sociais são considerados como um ato ilícito.

O art. 187 do Código Civil, buscando resguardar o art. 170 da Constituição Federal,

dispõe que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exerce-lo,

excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela

boa fé ou pelos bons costumes”. Desta forma, a prática do dumping social está

flagrantemente incorrendo na conduta positivada no art. 187 do Código Civil e

consequentemente ferindo o dispositivo da Constituição Federal, logo, fere a ordem

econômica por desrespeitar o trabalho humano e a dignidade do trabalhador,

excedendo os limites impostos à livre concorrência. Há ainda a agressão a boa-fé,

norteador do comportamento dos sujeitos de direito e os bons costumes, em virtude

do tratamento defeso ao trabalho humano, como se mercadoria fosse323.

Por meio do dumping social, a empresa descumpre tanto o seu fim econômico, como

também o social, colocando em risco a própria estrutura do Estado social e do

modelo capitalista, decorrentes da obtenção de vantagem indevida e também a

própria estabilidade da sociedade, devido os danos sociais provocados. Logo, fala-

se em um ato ilícito das empresas decorrente do exercício abusivo de direito, por

sobrepujar os limites sociais e econômicos.

Por fim, a responsabilidade civil pela prática de dumping social fica amparada

também no art. 927 do CC, que trata do dever de reparar face ao ato ilícito praticado.

De acordo com o artigo, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a

outrem, fica obrigado a repará-lo.” Logo, conforme já afirmado, aquele que prática

322

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 82 323

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, p. 196

124

dumping social está incorrendo num ato ilícito, cabe, portanto, a aplicação da

responsabilidade civil e consequentemente o dever de reparar pelo dano causado.

Cumpre, no próximo tópico a análise de qual tipo de responsabilidade, objetiva ou

subjetiva, o dumping social incorre, ou seja, se há ou não a necessidade de aferição

do dolo ou da culpa.

5.2.2 Responsabilidade objetiva pela prática de dumping social

Como já estudado no capítulo 4 deste trabalho, o ordenamento jurídico pátrio adota

a responsabilidade subjetiva como fundamento básico de toda a responsabilidade

civil. Porém, paralelamente à teoria da culpa criou-se a responsabilidade civil

objetiva, fundada na teoria do risco, a fim de superar as injustiças frente a dificuldade

de se auferir a culpa. Assim, com base no principio do ubi emolumentum, ibi onus324,

aquele que aufere o bônus deve suportar o ônus, ou seja, tem o dever de arcar com

as consequências. Logo, partindo desse entendimento, não se pode desconsiderar a

teoria da responsabilidade objetiva.

Conforme, interpretação do art. 927, parágrafo único do Código Civil de 2002, que

diz “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do

dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Resta claro que, a

ocorrência de dumping social o empregador está colocando em risco a vida e a

integridade física de seus empregados, em prol dos lucros auferidos por ele

decorrente da concorrência desleal. Trata-se, sem dúvida, de responsabilidade

objetiva, decorrente do risco empresarial.

Ainda, como já estudado no item 5.2.1 o dumping social é um ato ilícito das

empresas decorrente do exercício abusivo de direito, por sobrepujar os limites

sociais e econômicos. Segundo o enunciado nº 37 da I Jornada de Direito Civil, in

verbis: “Art.187: a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe

324

A responsabilidade civil objetiva, ‘se funda no princípio de que é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus), isto é, que aufere os cômodos (lucros) deve suportar os incômodos riscos; ora mais genericamente como ‘risco criado’, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo, em razão de uma atividade perigosa’ (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume I. 4 ed Saraiva: 2003, p. 451).

125

de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.” Logo, nas práticas

de dumping social, não haverá a necessidade de comprovação de culpa, uma vez

que o exercício de abuso de poder a imputação da responsabilidade se dar de forma

objetiva.

Adotando o mesmo entendimento, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona325, afirma que

havendo o abuso de direito, não prescinde a existência de culpa para impor a

responsabilidade civil, sendo necessário apenas o nexo de causalidade entre a

conduta lesiva e o dano, face o critério finalístico.

Afirma ainda, Rodolfo Pamplona Filho326 que,

inexplicável admitir a situação de um sujeito que, por força de lei, assume os riscos da atividade econômica e por exercer uma determinada atividade (que implica, por sua própria natureza, em risco para os direitos de outrem), responde objetivamente pelos danos causados. Ainda assim, em relação aos seus empregados, tenha o direito subjetivo de somente responder, pelos seus atos, se os hipossuficientes provarem culpa.

Não resta dúvidas, que a imputação da responsabilidade civil face a conduta

reiterada de diminuição dos custos da mão de obra, obtida em decorrência a

violação dos direitos trabalhistas, a fim de obter vantagem econômica frente a seus

concorrentes, deva ser a objetiva, sem a necessidade de demonstração da conduta

culposa da empresa.

5.2.3 Função punitiva e pedagógica da indenização pela prática de dumping

social

Como já observado no capítulo 4, a indenização punitiva é alvo de controvérsias no

ordenamento brasileiro, contudo, a utilização do exemplary damages pelo poder

judiciário decorre da evolução dos institutos jurídicos em conjunto com as

transformações sociais e as opções políticas nacionais. A sua utilização no

ordenamento brasileiro deve, por outro lado, ser feita somente em situações

excepcionais, quando houver a justificativa de uma tutela mais rígida por parte do

Poder Judiciário.

325

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, v. I. Parte Geral. 14 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 41 326

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Responsabilidade civil nas relações de trabalho e o novo Código Civil brasileiro, Revista do Tribunal Superior do Trabalho, jan/jun 2004, p. 115.

126

Por derradeiro, insta observar que a função punitiva da responsabilidade civil possui

um considerável papel na tutela dos danos extrapatrimoniais, em especial, dos

danos sociais, face o alto grau de lesividade da conduta. Insta, portanto, a aplicação

de uma politica de desestímulo, face essas condutas reiteradas geradoras de dano

social.

Desta forma, diante da prática de dumping social, busca-se a aplicação deste

instituto, de forma suplementar, para dar ao agressor uma punição exemplar, de

modo que não volte a pratica-la, bem como, sirva como mecanismo inibidor de

condutas futuras.

Há, portanto, necessidade de oferecer resposta adequada ao dumping social, pois, o

que está em discursão é precarização do trabalho humano face a obtenção de

vantagem econômica do empregador. Desta forma, deve-se combater esse ato

atacando diretamente a economia do ofensor, para que assim, seja desestimulada

tal conduta danosa. As indenizações tem como parâmetro o comportamento

reprovável do ofensor, assim, não está em baila o caráter sancionatório, tão pouco é

objetivo a restituição do status quo ante do trabalhador, mas mediante a função de

desestimular, tem-se a majoração da indenização, para que em não venha praticar

novas condutas lesivas como a experimentada.

Face a indenização punitiva, esta também possui uma função de cunho pedagógica,

pois há a publicização da ocorrência do ilícito e a sua consequência para quem o

causou. Com isso, contribui para que haja a minimização dos atos danosos, seja

pela mesma empresa, ou por qualquer outro ofensor.

Logo, esta função sócio-educativa tem grande importância no combate às práticas

reinteradas de dumping social, pois demonstra para a sociedade que a tal ato lesivo,

se praticado, sofrerá repressão, colocando aquele que, pensar ser vantajosa a

prática do dumping social, em situação vexatoria perante a coletividade.

5.3 DUMPING SOCIAL NA SEARA TRABALHISTA

O meio jurisdicional efetivo para o empregado ter seus direitos garantidos pelo

Estado em face o seu descumprimento pelo empregador é a reclamação trabalhista

127

perante a Justiça do Trabalho. Logo, tem-se na reclamação trabalhista a tutela

individual dos direitos violados e não direitos sociais, difusos e coletivos327. Assim,

não cabe numa ação individual a formulação de pedidos em favor da coletividade, e

nem em seu próprio proveito, sob pena de enriquecimento ilícito.

Contudo, ainda que esteja consolidado o entendimento de que na reclamação

trabalhista o empregado não tenha legitimidade para tutelar direitos coletivos, existe

uma parcela dos magistrados que entende pela aplicação ex officio da indenização

suplementar face a ocorrência do dumping social. Está controvérsia será analisada

no tópico seguinte, vez que, há outra parte de magistrados que coadunam com o

entendimento da impossibilidade de indenização de ofício.

A Ação Civil Pública328, por sua vez, é o meio mais adequado à proteção dos direitos

coletivos, cabendo através do Ministério Público do Trabalho requerer a indenização

quando houver desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos,

conforme prescreve o art. 83, inciso III329 e o art.84 inciso II330 da Lei Complementar

75, de 20 de maio de 1993.

Assim sendo, diante de uma conduta lesiva aos direitos sociais, como é o caso do

dumping social, a lei complementar supramencionada, apresentou solução efetiva

para coibir e reprimir essas prática lesivas. Portanto, dispõe no art. 83, inciso II, a

autorização para que o MPT em conjunto com a Justiça do Trabalho, “manifestar-se

em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo solicitação do juiz ou por sua

iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a intervenção.”

Nota-se, portanto, que diante da observância da prática de dumping social numa

reclamação trabalhista, cabe ao magistrado comunicar o Ministério Público do

327

Mauro Cappelletti, leciona que “o individuo “pessoalmente lesado”, legitimado a agir exclusivamente para reparação do dano a ele advindo, não está em posição de assegurar nem a si mesmo nem à coletividade uma adequada tutela contra violações de interesses coletivos” (CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Revista de processo, São Paulo, nº 5, jan.\mar. 1977, p. 136) 328

A lei complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, atribui ao Ministério Público do Trabalho através da Ação Civil Pública promover a tutela de interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais e difusos, conforme art. 6º, alínea d. Trata-se de competência exclusiva do MPT. 329

Lei complementar nº 75 Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; 330

Lei complementar nº 75 - Art. 84. Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito das suas atribuições, exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, especialmente: [...]II - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores;

128

Trabalho, para que este, no exercício das suas funções, adote medidas cabíveis a

fim de reprimir tais atos. Desta forma, é imprescindível a atuação do magistrado, ao

averiguar que as condutas empresariais lesivas vêm sendo praticadas de forma

reiterada, devendo, portanto noticiar o MPT.

A seguir, caberá ao próximo tópico se debruçar acerca da controvérsia da

(im)possibilidade de sanção extraordinária aplicada ex officio pelo magistrado face a

prática de dumping social por meio de uma ação individual.

5.3.1 (im)possibilidade de imposição ex officio do magistrado e concretização

dos princípios constitucionais

Superada a controvérsia acerca da aplicação da responsabilidade civil nos casos de

dumping social no Brasil, cumpre, agora, analisar a divergência no que diz respeito a

imposição ex officio da indenização com caráter punitivo. Existe na Justiça

trabalhista entendimento diverso entre os juízes, eis que uns defendem que os

juízes em ações individuais podem impor de ofício indenizações, por outro lado,

outros defendem a impossibilidade de imposição ex officio do magistrado, face a

natureza coletiva do dano.

A ausência de uma teoria consistente acerca do dumping social prejudica a adoção

de um posicionamento consolidado pela Justiça trabalhista. A ausência de proteção

legal estimula a dissonância judicial em diversos pontos331 pertinentes à conduta

ilícita, dentre tem-se o reconhecimento ou não da indenização ex officio pelo

magistrado. Cumpre, a seguir, analisar cada ponto acerca desta atuação do

magistrado.

Uma parcela dos juízes e doutrinadores entendem que em constatando a prática do

dumping social em uma ação trabalhista individual, o juiz poderá condenar a

empresa a reparar os prejuízos causados à toda sociedade, sem que tenha sido

pleiteado na peça inicial. Assim, por mero impulso oficial, agrega-se às

331

Outra divergência acerca do tema é a da destinação dada à indenização imposta pela prática de dumping. Nesse momento, existem autores que entendem que a indenização deverá ser revertida em favor do autor da reclamação trabalhista, outros que entendem que a verdadeira legitimada a receber o quantum indenizatório é a própria sociedade, por meio de um Fundo social. Está controvérsia será abordada nos tópicos seguintes.

129

condenações, face ao preenchimento dos elementos de configuração do dumping

social332, uma indenização suplementar a empresa.

Os defensores333 desta tese, dentre os quais se destaca Jorge Luiz Souto Maior334,

aduzem que esta postura do juiz em defesa da autoridade da ordem jurídica seria

uma postura permitida por lei, pois, se não estaria dizendo que o direito se nega a si

mesmo, tendo em vista que o juiz, responsável pela sua defesa, não seria capaz de

fazê-lo. Afirma ainda o autor que “os poderes do juiz neste sentido, portanto, são o

pressuposto da razão de sua própria existência”.

Ainda, segundo os adeptos335 desta corrente a CLT autorizou no seu art. 8336

parágrafo único, na seara trabalhista, a aplicação subsidiária do direito comum. Com

base nisso, sustentam a utilização do parágrafo único do art. 404 do Código Civil337

como fundamento para imposição ex officio do magistrado da indenização

suplementar. Tal previsão da ao magistrado, caso entenda que a simples restituição

não seja suficiente para reparar o bem lesado, poder de ofício, fixar indenização

suplementar. A fim de sustentar suas decisões os magistrados utilizam-se também

os art. 832, §1º e 652, alínea “d” da CLT338.

Em que pese, tal tese seja benéfica à sociedade, tendo em vista que a prática lesiva

estaria sendo combatida, ousa-se divergir deste entendimento, vez que a

condenação ex officio implicaria julgamento extra petita e cerceamento de defesa,

332

Vide Capitulo 3, subitens 3.5.2 e seguintes. 333

Partindo deste mesmo entendimento, Mauro Cappelleti afirma que os direitos sociais demandam tal atitude do Estado, “não podem ser simplesmente ‘atribuídos’ ao individuo. Exigem eles, ao contrario (dos direitos tradicionais), permanente ação do estado, com vistas a financiar subsídios, remover barreiras sociais e econômicas, para, enfim, promover a realização dos programas sociais, fundamentos desses direitos e das expectativas por eles legitimados. (CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 41.) 334

MAIOR, Jorge Luiz Souto Maior. O Dano Social e Sua Reparação. Revista LTr. nº11, Nov\2007 335

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) em sua 1ª Jornada de Direito Material e Processual realizada em 2007 lançou o Enunciado nº. 4 sustentando a possibilidade de imposição ex officio do magistrado da indenização suplementar, contudo ela não tem caráter obrigatório. 336

CLT, Art. 8º - Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. 337

Código Civil, Art. 404. Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar. 338

CLT, Art. 832 - Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão. § 1º - Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu cumprimento. CLT, Art. 652 - Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento: [...] d) impor multas e demais penalidades relativas aos atos de sua competência;

130

como flagrante violação aos princípios constitucionais do contraditório, ampla

defesa, devido processo legal e o princípio da legalidade.

Este é, portanto, o entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho – TST,

de que a indenização por danos sociais em virtude da prática de dumping social

deverá ser requerida, não podendo, portanto, o juiz decidir ex officio, devendo

decidir nos limites dos pedidos propostos na lide, conforme dispõe o art. 128 do

CPC339. Ainda, com fulcro no art. 293340 e 460341 do CPC a interpretação dada

deverá ser restritiva e não poderá ser diversa do pedido, sob pena de ter a decisão

que reconheceu de ofício o dumping social reformada pelo TST considerando extra-

petita.

Não obstante, a condenação de ofício pelo magistrado viola o art. 5º, LIV e LV da

Constituição Federal de 1988. Isto porque, conforme dispõe os supracitados artigos

respectivamente, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal “como também aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,

e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os

meios e recursos a ela inerentes.”

Nesse sentido, já se posicionou a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho,

quando em fevereiro de 2013 julgou o Recurso de Revista342 da CPM Braxis S.A de

339

CPC, Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. 340

CPC, Art. 298. Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais. 341

CPC, Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado. 342

RECURSO DE REVISTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. SÚMULA N.º 219 DO TST. Na Justiça do Trabalho, os honorários advocatícios são disciplinados por legislação própria, ficando a sua percepção condicionada ao preenchimento das exigências contidas no art. 14 da Lei n.º 5.584/1970. Estando o Reclamante assistido por advogado particular, não se verifica o correto preenchimento dos requisitos em questão, sendo indevida a verba honorária, nos termos do disposto na Súmula n.º 219 do TST. JULGAMENTO “EXTRA PETITA”. “DUMPING” SOCIAL. CONDENAÇÃO DE OFÍCIO. A caracterização do “dumping” social exige a identificação da prática antissocial e desleal da empresa relacionada a outros fatores, tais como a reiteração destes atos, a potencialidade e a repercussão de danos a terceiros e o porte da empresa, inclusive para fins de arbitramento do valor da indenização a ser estabelecida. Nesse contexto, entendo que o decidido, a partir de pedido formulado pelo Autor e de cunho estritamente pessoal, restringiu a possibilidade de defesa da parte demandada quanto aos demais aspectos relativos à caracterização do “dumping”, uma vez que não suscitada referida questão desde a inicial. Constata-se, portanto, que a condenação de ofício violou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5.º, LIV e LV, da CF/88), bem como os arts. 128 e 460 do CPC. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista – Proc. 131000-63.2009.5.04.0005. Recorrente CPM BRAXIS S.A. e Recorrido Milton Nunes de Oliveira. Relator(a): Min. Maria de Assis Calsing. Brasília, DJ 22 março 2013. Disponível em:

131

Porto Alegre (RS). No julgamento do Colegiado, a turma entendeu que a

indenização de 200 mil reais pela prática de dumping social fixado de oficio pelo juiz

da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre e mantida pelo TRT da 4ª Região fere

literalmente os artigos 128 e 460 do CPC, bem como violou os princípios

constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Segundo a relatora, Ministra Maria de Assis Calsing,

Não há dúvida de que a contratação fraudulenta de trabalhadores por meio de empresa interposta, prática ordinariamente combatida por esta Justiça especializada – verifique-se a Súmula n.º 331, I, do TST -, fere não só os direitos individuais dos trabalhadores diretamente envolvidos com as empresas litigantes, mas sim a sociedade de modo geral. [...]Observe-se, ainda, que os arts. 128 e 460 do CPC estabelecem, respectivamente, que o Juiz decidirá a lide nos limites em que fora proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte; ou proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior, ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Pelo exposto, verifico que a condenação de ofício da Reclamada ao pagamento de indenização por dumping social violou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5.º LIV e LV da CF/88), bem como os arts. 128 e 460 do CPC.

Observa-se, que a sentença que condenasse a empresa à indenização suplementar

de oficio, estaria violando os princípios constitucionais do devido processo legal, do

contraditório e da ampla defesa, uma vez que, a empresa teve cerceado seu direito

de provar que o dano social não ocorreu no momento da instrução processual.

Assim, ainda que tal indenização ex officio pelo juiz tenha como função reprimir as

práticas abusivas do dumping social, é inaceitável o seu deferimento, uma vez que

não existe previsão legal, e afronta os princípios constitucionais consagrados no art.

5º, LIV e LV.

No que tange a decisão que condena ao pagamento de dumping social, face o

requerimento, está deverá ser apta a combater o dano social. Portanto, cumpre

analisar, a seguir, os critérios de fixação da indenização suplementar aplicada pelo

juiz nas hipóteses de dumping social.

<http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=190280&anoInt=2011>. Acesso em: 09 out. 2015.

132

5.4 CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO EM HIPÓTESES DE DUMPING

SOCIAL.

Ultrapassada a discursão acerca da aplicação do instituto da responsabilidade civil

face o dano social causado pela prática de dumping social, com a consequente

condenação do ofensor ao pagamento de indenização suplementar, faz-se

necessário a análise dos critérios de fixação do quantum indenizatório. Cumpre

primeiramente, observar que se tratando de punitive damages, deve-se levar dois

requisitos em consideração.

A primeira consideração é que o valor da indenização tem que ser capaz de inibir a

prática ilícita. De modo que, a depender do quantum indenizatório arbitrado poderá

refletir tanto na diminuição ou aumento das demandas. Logo, deve-se atribuir um

valor razoável a essa indenização suplementar capaz de prevenir os danos.343 O

outro ponto, é que o punitive damages tem seu foco invertido, de modo que o seu

enfoque deixa de ser para a vítima e se volta para o ofensor. Assim, as indenizações

tem como parâmetro o comportamento reprovável do ofensor, de modo que, “é um

mecanismos de fazer o réu tornar à situação anterior, destruindo lhe das vantagens

provenientes de sua atuação ilícita.”344

Diante do reconhecimento da prática de dumping social pelo Magistrado decorrente

da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público, deverá o magistrado em sua

decisão, fixar o quantum indenizatório, de modo fundamentado345, demonstrando os

parâmetros utilizados, sob pena de incorrer em nulidade, a fim de não fixar em valor

irrisório, de modo a desestimular a reincidência desta pratica.

343

LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial: Fundamentos de direito. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 199. 344

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, p. 201. 345

Preleciona André Gustavo Corrêa de Andrade, que “a fixação do valor da indenização punitiva, apesar da carga de subjetividade que lhe é inerente, não deve ser uma atividade inteiramente arbitraria. A motivação das decisões judiciais, que no direito brasileiro constitui principio constitucional, é fundamental para garantir à parte interessada a revisão da decisão, impugnando, refutando, debatendo as razões e os critérios utilizados. É a fundamentação do julgado que possibilita o controle da sua racionalidade. (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e Indenização Punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do direito brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2009, p. 166.)

133

Esta decisão, portanto, deverá ser fundamentada346, de modo a torna-la legítima e

eficaz. Assim, cabe ao magistrado, como dever genérico no desempenho de suas

funções, no bojo da sua decisão, além de identificar os elementos caracterizadores

do dumping social, justificar o raciocino jurídico utilizado para fixar o quantum

indenizatório. Ainda, para Leandro Fernandes347 o magistrado deve antes de tudo

expressar a viabilidade da aplicação da sanção extraordinária nas situações de

dumping social apresentando as argumentações trazidas pelos defensores de teses

em sentido contrário.

Insta observar que, diferente do que ocorre com os danos patrimoniais348, quando se

trata de violação de direitos transindividuais, o bem lesado não pode ser medido

monetariamente. Isto, pois, não há como quantificar a extensão do dano face a

violação a ordem econômica preconizada na Constituição Federal 1988. É

impossível e tão pouco se está a buscar, nesse momento, o retorno do status quo

ante. Neste caso, o que se está perquirindo é muito mais a função pedagógica a fim

de censurar o comportamento do agente por meio da sanção para coibir novas

práticas.

Conforme afirma Salomão Resedá349, será no ato da fixação do quantum

indenizatório, que ocorrerá a eficácia do caráter preventivo da indenização por dano

moral coletivo350, pois não sendo a quantia capaz de desestimular o ofensor, a

finalidade do instituto restará frustrada, logo, a sociedade continuará a mercê dos

empregadores que precariza o trabalho humano para obter vantagem econômica.

346

Art. 93 da CF. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; 347

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, p. 198 348

O dano patrimonial, como visto no Capitulo 4, no Subitem 4.2.2.1, é a lesão concreta ao patrimônio da vitima gerando a perda ou a deterioração do bem. Visto isto, para que encontre o quantum indenizatório para que haja a reparação da vitima, basta uma simples operação aritmética que levará em consideração o valor do bem lesado e o valor após o prejuízo decorrente da conduta ilícita. 349

RESEDÁ, Salomão. A função social do dano moral. 1 ed. Florianópolis: Conceito editorial, 2009, p. 301. 350

Ista esclarecer, que apesar do autor utilizar a terminologia “dano moral coletivo” as observações feitas acima são perfeitamente aplicáveis a quantificação da indenização punitiva face a prática de dumping social.

134

E, conforme bem observa Xisto Tiago Medeiros Neto351

É imperioso, pois, que o lesante apreenda, pela imposição da parcela pecuniária fixada judicialmente, a força da reprovação social e dos efeitos deletérios decorrentes da sua conduta. somente assim é que se poderá atender ao anseio de justiça que deflui do seio da coletividade; somente assim é que se possibilitará recompor o equilíbrio social rompido; somente assim a conduta violadora de direitos essenciais da coletividade não será compensadora para o ofensor; e somente assim haverá desestimulo, no universo social, quanto à repetição de condutas de tal jaez, para o bem de toda a coletividade.

Diante do caso concreto, o magistrado ao fixar o quantum indenizatório deve-se

observar certos critérios352 balizadores de modo a fundamentar a sua decisão.

Trazendo o entendimento de Salomão Resedá353 utilizado para quantificar o dano

moral354, para o plano do dano social, deve-se levar em consideração a repercussão

do dano, a gravidade do ato ofensivo, condição econômica do ofensor. Além desses

critérios, Xisto Tiago355, apresenta outros, como: o lucro obtido através da conduta

ilícita, o grau de culpabilidade do agente e o grau de reprovação social da pratica.

Deste modo, passa-se a analisar, nos subitens seguintes, cada critério

isoladamente.

5.4.1 Repercussão e gravidade do dano

A prática de dumping social causa danos não apenas a um indivíduo isoladamente

ou a um grupo de pessoas, mas a toda coletividade. Ao praticar tal conduta, está

atingindo tanto os empregados, ao ponto de ter seus direitos trabalhistas burlados,

351

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. O dano moral coletivo e o valor da sua reparação. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 4, out\dez, 2012, p. 297 352

Projeto de Lei 1.615/11 que tramita na Câmara dos Deputados de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), propõe soluções para a punição dos ofensores quando da prática de dumping social. O art. 2º deste Projeto de Lei prevê, in verbis: A prática de “dumping social” sujeita a empresa a: a) pagamento de indenização ao trabalhador prejudicado equivalente a cem por cento dos valores que deixaram de ser pagos durante a vigência do contrato de trabalho; b) pagamento de indenização à empresa concorrente prejudicada equivalente ao prejuízo causado na comercialização de seu produto; c) pagamento de multa administrativa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por trabalhador prejudicado, elevada ao dobro em caso de reincidência, a ser recolhida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. 353

RESEDÁ, Salomão. A função social do dano moral. 1 ed.Florianopolis: Conceito editorial, 2009, p. 203-214. 354

Salomão Resedá traz como critério balizador para fixação do quantum indenizatório a condição econômica do sujeito passivo. Contudo, para o presente trabalho, este não será objeto de estudo, uma vez que o autor estuda em sua obra o dano moral e não o dano social. Desta forma, por tratar de dano social, o sujeito passivo em questão é toda a sociedade. 355

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. O dano moral coletivo e o valor da sua reparação. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 4, out\dez, 2012, p. 301-303

135

como as empresas concorrentes, face a disputa desleal de mercado. Ainda, numa

análise a longo prazo, é possível perceber que há uma vulnerabilidade do mercado

consumidor, decorrente desta precarização das condições laborais de modo a afetar

o poder aquisitivo deste mercado.356

Nesse aspecto, cumpre ao magistrado a observar a extensão da conduta lesiva,

tendo em vista que os danos decorrentes desta prática atingem diversos ramos da

sociedade. Com isso, é essencial para a fixação do quantum indenizatório que tenha

noção do grau de repercussão do dano, pois, entende-se que quanto maior a

extensão atingida, maior a quantidades de agentes atingidos. Assim, o juiz precisa

saber se esta conduta atingiu somente uma determinada região ou ultrapassou

outras localidades.

Afirma Leandro Fernandez357, que neste momento, tem a análise da extensão dos

danos sob dois pontos de vista: social e territorial. É preciso, portanto, para fixar a

indenização do ofensor, se ater não apenas aspectos sociais gerados pela conduta,

como a precarização dos direitos trabalhistas, como também a sua extensão

territorial, para que tenha noção da totalidade de sujeitos atingidos em virtude da

prática de dumping social.

5.4.2 Condição econômica do ofensor

No que se refere à análise da condição econômica do ofensor para fixar o montante

indenizatório, o magistrado deverá se ater a este aspecto, a fim de evitar valores

ínfimos tendo em vista a capacidade econômica do ofensor. No que tange ao caráter

punitivo, não há mais uma preocupação com o enriquecimento indevido do

empregado, mais buscar-se primordialmente, causar um impacto econômico efetivo

no empregador, a fim de desestimular a continuidade da conduta.

As condenações de pequena expressão pecuniária não farão com que o ofensor

retorne ao status quo ante da prática de dumping social, uma vez que continuará

356

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, p. 202 357

Ibidem. loc.cit.

136

com as vantagens obtidas da sua conduta ilícita. Contudo, é salutar que em face do

principio da livre iniciativa, tal quantia não pode ser capaz de inviabilizar a

continuidade da atividade econômica do empregador, a fim de provar a insolvência

ou a falência. “Pensar desta maneira seria incentivar o reinado do caos e da

insegurança jurídica.”358

Nesse sentido, André Gustavo Corrêa de Andrade359 afirma que o punitive damages

tem como proposito punir de forma efetiva o ofensor, bem como dissuadi-lo, como

também a coletividade, a praticarem condutas equivalentes no futuro. Desta forma, o

quantum de indenização não pode ultrapassar o necessário para alcançar este

objetivo.

Como mecanismos para auxiliar o magistrado, este poderá valer-se se preciso, “de

informações patrimoniais, contábeis, bancárias e até fiscais respeitantes ao ofensor,

obtidas por qualquer meio, de maneira a garantir que o quantum fixado atenda à sua

adequada destinação.”360

Nota-se que, neste cenário, tem-se um conflito entre princípios como – da livre

iniciativa e da valorização do trabalho humano. O magistrado deve buscar a

ponderação361 destes princípios, buscando uma harmonização recíproca. Contudo, é

notório que estes possuem certa conformidade, pois desejam a continuidade da

atividade econômica, uma vez que geram empregos e consequentemente

promovem a efetivação da dignidade da pessoa humana.

Neste diapasão, cumpre ao magistrado a observância da capacidade econômica do

ofensor para que possa balizar o quantum de indenização que não impeça a

continuidade da atividade econômica, bem como seja capaz de atingir a finalidade

punitiva, dissuasória e pedagógica da indenização.

358

RESEDÁ, Salomão. A Aplicabilidade do punitive damage nas ações de indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) – Faculdade de direito, Universidade Federal da Bahia. p.292 359

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Indenização Punitiva. Revista da EMERJ, v.9, nº 36, 2006, p. 167. 360

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. O dano moral coletivo e o valor da sua reparação. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 4, out\dez, 2012, p. 300. 361

O principio da concordância pratica ou da cedência reciproca, requer que todos os lados cedam em busca da harmonização do sistema constitucional. Ana Paula de Barcellos afirma que “o objetivo final do processo de ponderação será sempre alcançar a concordância prática dos enunciados em tensão, isto é, sua harmonização reciproca de modo que nenhum deles tenha sua incidência totalmente excluída na hipótese.” (BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro.Renovar, 2005, p. 133)

137

5.4.3 Lucro obtido através da prática de dumping social

O dumping social consiste na conduta reiterada de descumprimento dos direitos

trabalhistas, de modo a manter as condições de trabalho inferiores ao aceitável, com

intuito de manejar o preço do produto e consequentemente obter vantagem

econômica em relação a seus concorrentes. Portanto, diante deste cenário, tem-se o

ofensor auferindo lucro mediante concorrência desleal.

Ao magistrado cabe, portanto, a observância deste lucro obtido através da prática do

dumping social, uma vez que, não deve haver a maximização dos lucros em

detrimento da precarização dos direitos laborais, de modo a tornar o trabalho

humano como parte do processo produtivo, ou seja, como mercadoria. Cabe ao juiz,

buscar um montante que extirpe qualquer proveito econômico obtido com esta

conduta indigna e desleal.

Assim, tal critério, promove a efetivação do princípio da valorização do trabalho, e

ainda o principio da livre concorrência, já que acaba com o proveito obtido por meio

de vantagem econômica reprovável socialmente, desencorajando, portanto, a prática

de dumping social.

5.4.4 Grau de culpabilidade do agente

Cabe ao juiz, ao fixar o quantum de indenização observar o grau de culpabilidade do

agente ofensor. Afirma Leandro Fernandez362 que “quanto maior o espectro de

culpabilidade, mais intensa será, por obvio, a obstinação na violação de direitos

particularmente consagrados no ordenamento jurídico.” Deste modo, o magistrado

devera impor condenações mais severas face ao intenso grau de culpabilidade

verificado.

Cumpre esclarecer, que mesmo que a responsabilidade civil aplicada a prática de

dumping social seja de cunho objetiva, não seja necessário o elemento culpa para

362

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, p. 204

138

ensejar a responsabilidade civil, não impede quando da fixação da indenização que

se considere a gravidade da culpa. Nada tem haver a dispensa de comprovação de

culpa com a inexistência de culpa.363

Tem-se na pratica do dumping social clara intenção do agente em violar os direitos

trabalhistas em função da maximização do lucro. Tais condutas, como já explicitadas

ao longo do trabalho, atingem muito mais do que os direitos individuais dos

trabalhadores, abrangendo toda a sociedade. Deve-se, portanto, face a

culpabilidade do agente, este ser punido, de modo a evitar e interromper as

reiteradas condutas ilícitas praticadas.

5.4.5 Grau de reprovação social da prática

O grau de reprovabilidade analisado pelo magistrado quando da aplicação do

quantum indenizatório, é aferido com base nos direitos consagrados pelo

ordenamento jurídico vigente.364 Assim, não se busca uma reprovação no campo

moral da conduta, tão pouco avalia o sentimento de inferioridade vivido pelas

vitimas, bastando que haja violação a direitos extrapatrimoniais transindividuais.

Conforme visto no 2 capítulo deste trabalho, a Constituição Federal em seu art. 170

enfatiza a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, como forma de manter

a economia, bem como assegura a todos um mínimo existencial, dando efetividade

as garantias fundamentais do ser humano, no intuito de proporcionar o bem-estar

social ou melhoria da qualidade de vida. Ainda a Constituição de 1988 tem como

objetivo fundamental consagração do processo econômico, contudo, pautada nos

princípios fundamentais. A ordem econômica garantida pelo Constituição resta,

portanto, limitada na existência digna e na valorização do trabalho humano. Assim,

esta claro que Carta Magna conferiu tutela aos direitos extrapatrimoniais

transindividuais.

363

Ibidem. p. 205. 364

Nesse entendimento, Xisto Tiago de Medeiros Neto, aduz que o senso comum é um “aspecto importante a ser contemplado na tarefa de arbitramento do quantum pertinente à condenação, pois, dependendo das características peculiares a determinadas coletividades e do padrão de valores vigente, os efeitos da prática ilícita podem-se sentir de maneira diferenciada, sendo maior ou menor a repercussão negativa na sociedade. (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. O dano moral coletivo e o valor da sua reparação. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 4, out\dez, 2012, p. 301)

139

Cumpre observar que, “quanto mais incisivas forem as agressões ao ordenamento e

quanto mais prolongada for a sua duração, maior será o grau de reprovação social

da pratica de dumping social.”365 Diante deste cenário, cabe ao Poder Judiciário

atuar de forma mais intensa, a fim de reduzir essas ofensas.

Analisado tais critérios para determinação do valor da indenização pelos danos

ocasionados pela prática de dumping social, cumpre, agora, ao exame da

destinação da verba, visto que, o ofendido é toda a coletividade.

5.5 LEGITIMIDADE PARA O RECEBIMENTO DA INDENIZAÇÃO IMPOSTA À

EMPRESA

Após o estudo dos critérios de quantificação da sanção extraordinária aplicada em

virtude da prática de dumping social, cumpre saber quem será parte legítima para

receber o quantum indenizatório.

Não há ainda uma uniformidade366 acerca da destinação dada à indenização

imposta pela prática de dumping. A primeira solução encontrada baseia-se na

indenização revertida em favor do autor da reclamação trabalhista. Na defesa desta

solução, Jorge Luiz Souto Maior367 afirma que ainda que possa haver a destinação

destas verbas para algum ente estatal ou para alguma ONG (atuante na área social),

está não seria a solução mias correta.

Nesse sentido, afirma o autor pouco importa quem será o legitimado, pois, o que

realmente importa é o seu efeito prático de recomposição da superioridade do

ordenamento jurídico violado, como intimidar a repetição do ilícito e anular o lucro

365

LIMA, Talita. A responsabilidade civil por dumping social nas relações de trabalho no direito brasileiro. 2011. Monografia (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Salvador, p. 96. 366

Segundo Jorge Luiz Souto Maior, após feita uma analise de centenas de decisões acerca da matéria, pode-se perceber que não há uma única decisão uniforme, a respeito da destinação dada a indenização face a pratica de dumping social. De modo que, há quem entenda que a indenização deveria ser destinada para o autor individual e há ainda quem entenda que a indenização deva ir para o FAT, como ocorre nas ações civis pública proposta pelo Ministério Público. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p. 132. 367

Para Souto Maior, não é o mais correto a destinação das verbas para um ente estatal ou para alguma ONG. Isto porque, entende ser incoerente a destinação ao Estado, pois a situação só se concretizou por ele não ter cumprido o seu dever no que tange a fiscalização. Assim como, no que diz respeito as ONGs, entende o autor que não teria como haver um controle efetivo acerca da destinação da verba. (Idem. O Dano Social e Sua Reparação. Revista LTr. nº11, Nov\2007, p. 12.)

140

obtido de forma ilegal. Assim, defende que o modo mais adequado de reparar o

dano social é com a destinação para o autor da reclamação trabalhista, uma vez

que, é um decidium facilmente executável.

Neste sentido, Antônio Junqueira de Azevedo368, sugere que “a indenização por

dano social deva ser entregue à própria vítima, que foi parte do processo, eis que,

para a obtenção da indenização, foi ela quem de fato trabalhou.” Ou seja, em que

pese o dano social atinja a toda sociedade, foi o próprio autor da ação quem sofreu

a lesão, que teve seus direitos trabalhistas vilipendiados, e ao ingressar como a

reclamação trabalhista, está agindo como defensor e representante da sociedade.

Ademais, visualiza-se que não há impossibilidade de cumulação de indenização por

danos morais e por danos sociais, já que esses dois tipos de danos tem como

fundamento a violação de bens jurídicos distintos, quais sejam, a esfera moral do

empregado e os valores da sociedade.

Todavia, ousa-se divergir do entendimento destes excelentíssimos doutrinadores.

Entendendo-se, não ser está a melhor solução à destinação das verbas

indenizatórias, uma vez que é incoerente com a própria estrutura dos danos sociais.

O dumping social, uma vez praticado, estará violando bens jurídicos de ordem

transindividuais, e por isso, a gerar danos à toda coletividade. A reparação

individual, por sua vez, deverá ser requerida através da tutela reparatória e

compensatória na Justiça do Trabalho, em face a desobediência dos direitos

laborais, requerendo portanto, as verbas trabalhistas que lhe foram extirpadas,

cabendo ainda, se for o caso, o requerimento de indenização por danos morais, de

modo que esta indenização não se confunde com a indenização por danos sociais.

A utilização da destinação da indenização ao autor da demanda laboral deturpa a

própria utilização da penalidade do punitive damages e da responsabilidade civil,

uma vez que torna incoerente a necessidade de ter que o dano ultrapassar a esfera

individual a fim de justificar a sua imposição na prática do dumping social. Assim,

conforme já exposto a indenização por dumping social, surge da agressão à toda

sociedade, de modo que não há como dar destinação diversa concedendo

legitimidade a terceiro não legitimado.

368

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR., Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coord.). O Código Civil e sua interdisciplinariedade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 383

141

Assim, a verdadeira legitimada a receber o quantum indenizatório é a própria

sociedade. Visto isto, cumpre analisar como este montante será revertido em favor

da sociedade.

A solução encontrada para destinar esse montante em favor da sociedade é por

meio de um fundo social, voltado a promoção do bem jurídico lesado. Em sede de

ação civil pública, defendida no presente trabalho como meio de buscar a

responsabilização pela prática de dumping social, tem-se previsto na Lei nº

7.347\1985 no seu art. 13, caput, o fundo como legitimado para receber estas verbas

indenizatórias, in verbis:

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Este fundo passou a ser denominado de Fundo de Defesa de Direitos Difusos com o

Decreto Federal nº 1306\1994 e pela Lei nº 9.008\1995, com o fim de proteger os

direitos transindividuais. Contudo, face está previsão da Lei nº 7.347\1985 é possível

encontrar um fundo próprio e especifico, em determinadas matérias de interesses,

como é o caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), voltado a proteção e

promoção dos direitos trabalhistas. Portanto, diante da prática do dumping social,

cabe ao magistrado, analogicamente, a utilização deste fundo de proteção aos

direitos laborais.

De acordo com art. 10 da Lei nº 7.998\90, o FAT é destinado ao custeio do programa

do seguro-desemprego, do abono salarial e ao financiamento de programas de

desenvolvimento econômico.369 Nota-se, portanto, que está relacionado a violação

dos direitos laborais a gerar danos a toda a coletividade, bem como se preocupa

com os incentivos a programas de desenvolvimento econômico.

Neste diapasão, o FAT370 é a solução mais adequada ao combate do dumping

social, uma vez que viabiliza a tutela dos direitos violados, inibindo novas práticas.

369

Lei 7.998\90, Art. 10. “É instituído o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao Ministério do Trabalho, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do abono salarial e ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico”. 370

É possível ainda encontrar outros fundos voltados a proteção e promoção do trabalhador, que podem ser destinatários desta indenização suplementar, como por exemplo, o Estado da Bahia criou através da Lei estadual 12.356\11 o Fundo de Promoção do Trabalho Decente – FUNTRAD, criado com a finalidade de financiar ações de promoção de trabalho decente, como forma de garantir direito laborais mínimos, no âmbito do Programa Bahia do Trabalho Decente. (TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A prática de dumping social como um fundamento de legitimação de punitive

142

Tem-se, portanto, uma “compensação indireta para a coletividade”371. Assim entende

Rodrigo Trindade de Souza372, que aduz que

A fórmula de alcance ao FAT de parte do montante condenatório que exorbita o ressarcimento do individuo lesado é adequada, pois soma todos os motivos que nos parecem relevantes para a fixação de punitive damages no universo de atuação do direito do trabalho: a) promove a repreensão de condutas universais e profundamente reprovada e que representam danos potenciais à coletividade; b) observa função pedagógica, atuando para desestimular futuras condutas; c) permite que, em sua fixação, possam ser sopesadas outras condenações já sofridas pelo delinquente pelo mesmo fato; d) impede o enriquecimento desmensurado do individuo que sofreu os danos imediatamente verificados e permite aporte de recursos que auxiliam na promoção de politicas públicas engajadas na prevenção de lesões semelhantes.

Ainda, em que pese o fundo social seja a solução apropriada no âmbito da tutela dos

direitos transindividuais, existe em algumas hipóteses373 a possibilidade de

condenação in natura. Significa que caberá ao ofensor a realização de uma

prestação material em face da sociedade, podendo ou não ser acrescida de um

valor em pecúnia. Contudo, embora possa ser feito tal pleito acerca da condenação

material, Leandro Fernandez374, defende que “não há, especificamente no caso dos

danos sociais, precedência desta modalidade de sanção em detrimento da sanção

pecuniária.” Isto, pois, a condenação in natura não será na maioria das vezes capaz

de punir o ofensor e coibir novas práticas. Não fará com que o empregador deixe de

subtrair os direitos trabalhistas.

Assim, em virtude da prática de dumping social será imposta a condenação

suplementar ao ofensor, sendo, portanto, revertida em beneficio da sociedade como

um todo, por meio de prestações voltadas a proteção e promoção dos direitos

violados. Deste modo, pune-se os danos ocasionados pela prática lesiva e ainda

viabiliza a valorização do trabalhador humano e promove a dignidade da pessoa

humana.

damages, em uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. 2012. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) - Faculdade de Direito. Universidade Federal da Bahia, p. 208) 371

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. 2 ed. São Paulo, LTr, 2007, p. 167. 372

SOUZA, Rodrigo Trindade de. Punitive Damages e o Direito do Trabalho: adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Porto Velho, v.6, n.2, 639-666, jul\dez. 2010, p. 708. 373

Xisto Tiago de Medeiros Neto, elenca hipóteses em que pode-se vislumbrar uma reparação natural: “(I) a retratação pública, nos casos de discriminação social, cultural ou ética; (II) a republicação de material (artigo, foto, desenho, texto etc), dessa feita com a indicação do nome do autor da obra (...); (III) a contrapropaganda, em casos de publicidade enganosa ou abusiva; (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. 2 ed. São Paulo, LTr, 2007, p. 77) 374

TEIXEIRA, Leandro Fernandez. Op.cit. p. 209.

143

Após definidos os critérios da sanção suplementar decorrente da prática do dumping

social, cumpre analisar alguns casos presente na Justiça trabalhista.

5.6 ESTUDO DE CASO

O Ministério Público do Trabalho ajuizou Ação Civil Púbica em face Magazine Luiza

S.A após o descumprimento dos dois TACs375 firmados com a reclamada nos anos

de 1999 e 2003. Tais Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta foram

resultantes de algumas autuações à empresa, por submeter os seus empregados a

jornadas de trabalhos excessivas, como também o desrespeito a intervalos de

descanso. Desta forma, a empresa determinava jornadas por mais de 12 horas

decorrente de serviços inadiáveis, trabalhos aos domingos, sem amparo

convencional, como também a ausência de descanso semanal remunerados e

intervalos inter e intrajornadas. Ainda, não havia um registro regular de jornada.

Na sentença, o Juiz Eduardo Souza Braga, da 1ª vara do Trabalho de Franca/SP376,

acolheu parcialmente os pedidos do MPT e impôs a condenação no valor de R$ 1,5

milhão a título de indenização por danos moral coletivo, face o descumprimento

reiterado da legislação trabalhista. O magistrado afirma que entre 2009 e 2011,

foram lavrados em desfavor da parte ré 61 autos de infração somente em cidades da

região de Ribeirão Preto, de modo que não resta dúvida da conduta absolutamente

reincidente da empresa e a violação dos direitos trabalhistas, configurando-se,

portanto, uma prática de dumping social.

375

Os Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta, firmados com o Magazine Luiza tratava-se acerca da obediência das normas de Jornada de trabalho. Consignaram então que as jornadas de trabalho dos empregados não poderiam ser além do permitido em lei, bem como tinha a obrigação de registrar o ponto dos funcionários. (Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI189742,41046Magazine+Luiza+pagara+R+15+mi+por+dumping+social>. Acesso em: 09 out 2014. 376

BRASIL Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Ação Civil Pública. Processo: 0001993-11.2011.5.15.0015 Juiz: Eduardo Souza Braga. Data da Publicação: 13/07/2012. Disponível em: < http://consulta.trt15.jus.br/consulta/FRA/pProcesso1g.wProcesso> Acesso em: 09 outubro 2015.

144

Em sede de recurso ordinário377, o desembargador João Alberto Alves Machado,

relator da ação, manteve o valor definido pelo magistrado de 1º grau, asseverando

que,

evidenciada a prática ilícita da reclamada de descumprimento reiterado da legislação trabalhista, o dano causado enseja a devida reparação. Ademais, a indenização nos casos de dumping social objetiva não apenas reparar o dano causado diretamente aos empregados, mas também proteger toda a sociedade como um todo, já que o valor da indenização também servirá para coibir a continuidade da prática ilícita pela empresa.

Sustentou a empresa ré, acerca da nulidade da sentença sob o fundamento de

ausência de suporte legal e violação aos princípios da reserva legal e da restrição

das penas, assim como da violação dos artigos 93, inc. IX, da CF/88, 458 do CPC e

832 da CLT. Contudo, entende acertadamente o relator que não assiste razão tal

pleito. O magistrado adota a tese defendida ao longo do presente trabalho, de que

frente a uma prática de dumping social, “resta claro que o descumprimento da

legislação trabalhista visando eliminar a concorrência às custas dos direitos básicos

de seus empregados, gera evidente dano social, surgindo assim o dever de

indenizar,” como forma de coibir a continuidade da prática lesiva, amparado nos arts.

186, 187 e 927 do Código Civil.

Confirma, portanto, o Tribunal378 a decisão do juiz de 1º grau, afirmando que não

existe dúvida de que a houve pela ré a redução dos custos de mão de obra de forma

ilícita, prejudicando não apenas os trabalhadores, que tiveram seus direitos

suprimidos, mais também a toda à sociedade e principalmente as demais empresas

concorrentes que atuam de forma legal, cumprindo as obrigações trabalhistas.

Assim, tanto o juiz a quo e o juiz ad quem, observaram os elementos

caracterizadores da prática de dumping social, quais sejam, a utilização de mão-de-

obra em condições inadequadas, quando obriga seus empregados a jornadas

excessivas e sem descanso; a conduta reiterada, observada, principalmente com o

descumprimento dos dois TACs; a concorrência desleal por meio da venda de

produtos a valores inferiores ao preço de mercado, uma vez que reduz o custo de

377

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso ordinário – Proc. 0001993-11.2011.5.15.0015. Recorrente: Magazine Luiza S.A. Recorrente: Ministério Público do Trabalho – Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região. Relator: desembargador João Alberto Alves Machado. Ribeirão Preto, DJ 25 out. 2013. Disponível em: <http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pProcesso.wProcesso?pTipoConsulta=PROCESSOCNJ&pidproc=2051008&pdblink=>. Acesso em: 09 out. 2015. 378

Posteriormente, foi celebrado acordo pelas partes, dando por prejudicado o recurso de revista interposto pela reclamada.

145

produção prejudicando a livre concorrência e por fim o dano social, face a

precarização das condições laborais, repercutindo em toda sociedade.

Não se olvidou, ainda, os magistrados ao estipular o quantum indenizatório a

atenção à capacidade econômica do ofensor, o descumprimento reiterado dos TACs

e a gravidade dos atos praticados, assim como a observância do caráter pedagógico

da indenização, a fim de coibir novas práticas. Verifica-se, portanto, a aplicação dos

critérios para quantificação da condenação por dumping social, sem que inviabilize a

continuidade da atividade econômica, mas que seja suficiente para punir.

Neste mesmo sentido, o Ministério Público do Trabalho ajuizou Ação Civil Pública

em face da Trifil (Itabuna Têxtil S.A), após ter dado inicio em 2006 a investigações

sobre as práticas referentes a ambiente e condições de trabalho dos trabalhadores

pela empresa, por meio de inquérito civil público. O MPT apurou durante as

investigações cerca de 300 acidentes de trabalho, devido a inadequação do meio

ambiente de trabalho e dos maquinários e mobiliários379. Nesse período assinou um

termo de ajuste de conduta (TAC), contudo foi desrespeitado, dando ensejo a

presente Ação Civil Pública.

Na sentença380, o magistrado utilizou-se da tese da aplicabilidade de indenizações

face a pratica do dumping social, pautado no descumprimento reiterado das normas

de saúde e segurança do trabalho, demonstrado no feito. Afirma o magistrado que o

descumprimento destas condições de trabalho acarretam acidentes com vistas na

obtenção de lucros em detrimento dos seus concorrentes que cumprem as regras.

Ainda, repercutem em toda a sociedade os custos crescentes de tratamentos

médicos pelo SUS e o pagamento dos benéficos previdenciários. Desta forma, não

se tem duvida da conduta lesiva praticada pela reclamada.

Destaca o Magistrado que

a conduta empresarial acima retratada é merecedora do pronto rechaço do Poder Judiciário visto que é a um só tempo: atentatória a dignidade dos seus empregados, ao infringir os princípios jurídicos da dignidade humana, da inviolabilidade da vida, da função social do contrato e o direito ao meio ambiente saudável; desleal com as empresas concorrentes que cumprem as leis do país, violando assim o princípio constitucional da livre

379

BRASIL. Ministério Público do Trabalho na Bahia. Disponível em: <http://www.prt5.mpt.gov.br/informe-se/noticias-do-mpt-go/137-trifil-e-condenada-em-itabuna-a-pagar-r-4-milhoes-por-dumping-social> Acesso em: 09 out 2015 380

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Ação Civil Pública nº. 000798-13.2013.5.05.0463 Juiz: Eduardo Souza Braga. Data da Publicação: 13/07/2012. Disponível em: < http://consulta.trt15.jus.br/consulta/FRA/pProcesso1g.wProcesso> Acesso em: 09 outubro 2015.

146

concorrência (CF, art. 170, IV); e extremamente danosa à sociedade brasileira, como um todo, que se vê na contingência de arcar com os custos sociais e previdenciários alusivos aos trabalhadores que adoeceram em razão do descumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho e das cautelas exigíveis do empregador zeloso.

Nota-se que o Magistrado se atentou a analisar os elementos do dumping social a

fim de sistematizar a identificação de tal instituto.381 Segundo o juiz, a prática

reiterada de desobediência as norma de saúde e segurança viola o principio

constitucional da livre concorrência, assim como, a própria Ordem econômica. Desta

forma diante as agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos laborais e a toda

a coletividade, tem-se a aplicação da indenização suplementar.

Ainda, ao considerar o quantum indenizatório em face da capacidade econômica do

ofensor, no valor de R$ 4 milhões, de maneira acertada, impôs verba que, não

inviabiliza-se a continuidade da atividade econômica. Afirma o Magistrado que

para fins de estipulação do valor da indenização há de se buscar o ponto de equilíbrio entre a compensação merecida pela coletividade e a capacidade econômica do ofensor, de maneira que o valor fixado pelo julgador possa a um só tempo indenizar a coletividade de forma justa e, de outra parte, punir a Ré de forma adequada, o que somente ocorrerá se o valor a ser desembolsado por esta tiver relevância diante de sua capacidade econômica.

Por fim, de forma acertada, o juiz frisou que a destinação da verba obtida fosse

dirigida ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente – FUNTRAD, conforme o art.

13 da Lei nº 7.347/85 combinado com o art. 2º da Lei Estadual nº 12.356/2011.

Desta forma, o valor indenizatório será revertido ao combate dos danos sociais, para

que se busque o restabelecimento do equilíbrio social e dos preceitos do Estado

Democrático de Direito.382

Observa-se a partir das considerações trazidas no decorrer do trabalho e da

aplicação do caso concreto, que o ordenamento jurídico brasileiro possui elementos

necessários para que o Poder Judiciário coíba a prática de dumping social. Nota-se

que a Ação Civil Pública por meio do MPT é o meio adequado para coibir e reprimir

essas práticas. Ainda, para que se de efetividade a proteção aos direitos

transindividuais é preciso a aplicação da responsabilidade civil por meio de uma

sanção extraordinária para, portanto, resguardar os direitos previstos na Constituição

381

Vide Capitulo 3, subitens 3.5.2 e seguintes. 382

Cumpre informar que o processo tramita em sigilo o que impossibilitou o presente trabalho de ter acesso as demais peças colacionadas aos autos. Contudo, conforme o andamento do processo, o mesmo se encontra na fase recursal.

147

Federal de 1988, em especial, a existência digna, a valorização do trabalho humano,

a livre iniciativa.

148

6 CONCLUSÃO

Enfim, a partir das considerações desenvolvidas ao longo do presente trabalho, é

possível afirmar, em síntese, que:

I. O estudo dos direitos fundamentais, tal como consolidado na Constituição

Federal de 1988, é essencial para a compreensão da história do Estado

democrático Brasileiro e da sua ordem econômica. Os direitos fundamentais são

elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, sem a

qual não haveria falar em ordem econômica constitucional, tão pouco, em

dignidade da pessoa humana, valorização do trabalho, livre iniciativa e justiça

social.

II. Os direitos fundamentais são uma composição histórica, a qual, esses direitos

variam de época para época. Há entre eles uma ideia de complementariedade e

não mais de sobreposição como a expressão gerações. Deste modo, os direitos

fundamentais de primeira geração resultam da deflagração da Revolução

Francesa de 1789 e correspondem aos direitos de liberdade, ou um não agir do

Estado. Os de segunda geração exigiam a participação do Estado, a fim de

suprir as carências individuais e sociais. Havia, portanto, uma preocupação com

a proteção da dignidade, com a satisfação das necessidades básicas. Os de

terceira geração são de defesa de uma coletividade difusa. Defende-se, por fim,

a existência de uma quarta dimensão, introduzido pela globalização política,

relacionado à democracia, à informação e ao pluralismo.

III. A evolução da eficácia dos direitos fundamentais nas relações particulares teve

seu surgimento no direito alemão em meados do século XX. No entanto, após o

advento da teoria da eficácia horizontal (drittwirkung) dos direitos fundamentais,

ao qual o estado não mais é o único protagonista das transgressões aos direitos

fundamentais, houve uma forte reação contraria a essa doutrina, originando a

teoria da state action, que limitava a incidência dos direitos fundamentais apenas

quando houvesse atuação Estatal.

IV. Há, ainda divergências na doutrina contemporânea a respeito de como e em que

medida nas relações privadas se da o alcance da incidência dos direitos

fundamentais, posto que, mesmo que em posição “superior” aos cidadãos, não

se pode equiparar os particulares ao patamar do Estado. Para tanto, foram

149

elaboradas diversas teorias acerca da incidência dos direitos fundamentais nas

relações privadas, como, a teoria que nega a eficácia perante terceiro; a teoria

da eficácia mediata; a teoria da eficácia imediata; teoria dos deveres de

proteção, a da teoria da imputação ao Estado e a teoria integradora de Alexy,

são algumas delas.

V. No cenário brasileiro a teoria da eficácia horizontal direta e imediata dos direitos

fundamentais é amplamente dominante, em especial na esfera trabalhista. O

próprio alicerce da relação de emprego demonstra a necessidade de atuação

dos direitos fundamentais neste tipo de contrato, haja vista que gera uma

relação de “dependência” entre os sujeitos da relação. Assim, mostra-se

primordial a proteção ao hipossuficiente, principio maior do Direito do Trabalho,

como meio de driblar as desigualdades e combater ao uso indiscriminado da

autonomia privada.

VI. O art. 170 da Constituição Federal 1988 é um plexo normativo, a qual está

estabelecido um modelo econômico e sua forma de atuação na intervenção do

Estado no domínio econômico. Deste modo, visa determinar o modo econômico

da sociedade brasileira, de como o sistema econômico deve se organizar, a fim

de atingir os objetivos da ordem econômica. Ou seja, a ordem econômica deve

ser fundada na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, desde, que

estejam assegurados os direitos fundamentais, a dignidade humana e a justiça

social.

VII. A Constituição Federal de 1988, embora possua traços intervencionistas,

pautado na promoção da dignidade humana e da justiça social, não despreza a

atividade econômica dos particulares, resguardando a estes o princípio da

liberdade de iniciativa e de concorrência, não rompendo, portanto, com o

capitalismo. Contudo, deve haver um equilíbrio a fim de alcançar os fins sociais

perseguidos pelo Estado Democrático de Direito.

VIII. A livre iniciativa é tida como fundamento da República Federativa do Brasil, e

também como principio instrutivo e fundante da ordem econômica. O

ordenamento jurídico brasileiro não admite a liberdade de iniciativa de forma

plena, apesar do Estado permitir que a economia se desenvolva de forma livre,

essa liberdade encontra-se limites nos princípios da existência digna e na

valorização do trabalho humano.

150

IX. O trabalho é fonte de realização material, moral e espiritual, de modo que não

pode ele ser interpretado como um mero fator produtivo. Para à formação,

manutenção e desenvolvimento das organizações sociais, o trabalho é um

elemento indispensável. Pois, além de garantir efetividade a dignidade humana,

o trabalho representa um acréscimo de utilidade social.

X. O art. 170, caput, da Constituição Federal, nele se albergam, não apenas os

fundamentos da ordem econômica, mas igualmente, o constituinte consagrou as

suas finalidades, ou seja, os objetivos a serem alcançados diante da

implementação de seus ditames econômicos. E nesses termos, consoante a

Carta Magna, o objetivo é dúplice: a existência digna e a justiça social.

XI. A justiça social termina por reforçar a ideia da própria dignidade da pessoa

humana, visto que, a dignidade será alcançada no momento em que houver a

efetividade da justiça social. Contudo, não se trata de igualdade de fluição, mas

de dotar as pessoas de oportunidades para que elas se desenvolvam.

XII. Ferindo o ordenamento jurídico, encontra-se a pratica do dumping social, cuja

seu fundamento está pautado na exploração do trabalhador, uma vez que retira

dos trabalhadores seus direitos sociais em prol da obtenção de vantagem

econômica em relação aos seus concorrentes. Com essa conduta lesiva os

preceitos opostos a ordem econômica na Constituição Federal encontram-se

desrespeitados, de modo que, tem-se a desvalorização do trabalho humano.

XIII. O conceito de dumping poderá ser visto sob duas concepções: a econômica e

jurídica. O conceito econômico de dumping é mais amplo que a concepção

jurídica, tendo em vista que, basta que tenha a discriminação injustificada de

preços entre mercados. Diferente da acepção jurídica, que também é

fundamental que tenha uma discriminação de preços, porém, não é qualquer

discriminação, isto é, a discriminação deve ocorrer com a venda de produtos por

preços inferiores aos seus valores normais, apurados no mercado doméstico do

país exportador, ou seu similar. Contudo, não é toda a venda de produtos a

preços inferiores, a fim de provocar a concorrência desleal, que irá caracterizar

dumping condenável, é preciso que exista nexo causal entre a conduta e o dano

sofrido. Isto porque, muitas vezes tal prática poderá ser considerada benéfica a

economia.

XIV. O fenômeno do dumping sofreu algumas tentativas de ampliação do seu

conceito, para abranger novos tipos de situações. O dumping social é uma

151

dessas modalidades que decorre da superexploração de mão de obra capaz de

reduzir os custos da produção a ser comercializada. Não se está observando a

exportação de produtos a preços inferiores, mas a questão consiste na conduta

reiterada de descumprimento dos direitos trabalhistas, de modo a manter as

condições de trabalho inferiores ao aceitável, com intuito de manejar o preço do

produto e consequentemente obter vantagem econômica em relação a seus

concorrentes.

XV. Em que pese, seja comum a ligação do dumping social ao mercado

internacional, não é correto restringir o cenário de atuação desta prática, posto

que, já é possível encontra-la também no mercado interno nacional.

XVI. Terá ocorrido dumping social quando, de forma concomitante estiverem

presentes as seguintes características: a) a concorrência desleal por meio da

venda de produtos a valores inferiores ao preço de mercado; a conduta

reiterada; a utilização de mão-de-obra em condições inadequadas aos

patamares laborais mínimos e o dano social (a lesão repercuta na sociedade

como um todo, indo além de uma agressão individual).

XVII. No combate da prática de dumping social no cenário internacional variados são

os mecanismos utilizados, como: o Selo Social, o Global Compact, o ISO Social,

os códigos de condutas e as clausulas sociais.

XVIII. Diante da necessidade de adaptação da ordem internacional contemporânea,

surge o soft law ou droit doux (direito flexível), contrário ao sistema da hard law

ou droit dur (direito rígido), como um instrumento alternativo, tendo em vista a

instabilidade da economia internacional.

XIX. Por meio da Organização Internacional do Trabalho (OIT) se buscou melhorar as

condições laborais, criando-se convenções internacionais a fim de estabelecer

padrões laborais mínimos com alcance mundial. Entretanto, por ter

executoriedade facultativa, torna essas convenções duvidosas, em virtude da

provável impunidade do ofensor. Foram criados meios que buscassem inibir

essas práticas lesivas aos direitos dos trabalhadores, a exemplo dos Selo Social,

o Global Compact, o ISO Social, os códigos de condutas e as clausulas sociais.

XX. Os países, normalmente, tem buscado ratificar essas normas internacionais,

com intuito de demonstrar ao mercado, de modo geral, que está tendo

cumprindo com a responsabilidade social e com isso atrair investimentos

exteriores e também como uma forma de ser aceito no mercado globalizado.

152

XXI. A prática do dumping social começa aos poucos a ser identificada no

ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, encontra um obstáculo para sua

punição: a falta de regulamentação jurídica. Isto tem gerado uma dissonância

entre as jurisprudências, fato que, possivelmente, poderá ser mitigado caso o

Projeto de Lei 1.615/11 que tramita na Câmara dos Deputados de autoria do

deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), seja aprovado.

XXII. Diante do convívio social surgem centenas de conflitos de interesse, com isso,

na busca do convívio harmônico e pacifico necessita-se de regras e normas

capazes de reger estas condutas, com o fim de organizar a vida em sociedade,

evitando a incidência de conflitos. É neste cenário que surge o instituto da

responsabilidade civil, no intuito de preservar a harmonização da convivência

social, bem como minimizar os danos sofridos pela vítima e ainda advertindo e

punindo, aqueles que contrariam as regras impostas, respondendo, portanto,

aos prejuízos que venha trazer ao ofendido.

XXIII. A responsabilidade está ligada a uma obrigação derivada, ou seja, um dever

jurídico sucessivo, ao qual o ofensor, seja por causa de contrato, ou em razão de

fato ou omissão que lhe sejam imputados, assume as consequências jurídicas,

seja para reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante,

conforme os interesses do lesado.

XXIV. A responsabilidade civil tem como ideia central a obrigação de reparar danos

praticados contra uma pessoa ou ao seu patrimônio, bem como, danos

causados a interesses coletivos ou transindividuais, seja por meio de uma ação

ou omissão, mas desde que cause dano a outrem.

XXV. A responsabilidade civil, busca-se restaurar o status quo ante a conduta humana

danosa, ou, caso não seja mais possível, que aja a compensação pecuniária à

vitima ou a indenização. Tenta transferir para o sujeito causador do dano os

reflexos sofridos pelo ofendido em razão da pratica do seu ato.

XXVI. Numa interpretação sistemática do art. 186 do Código Civil, pode-se extrair

como pressupostos gerais da responsabilidade: a) a conduta humana (positiva

ou negativa); b) nexo de causalidade, c) dano ou prejuízo, sendo a culpa apenas

elemento acidental.

XXVII. O dano é um requisito imprescindível para a configuração da responsabilidade

civil, visto que, sem prejuízo, não existe qualquer dever reparatório ou

153

compensatório, e consequentemente a responsabilidade. De modo que, a

indenização sem dano configuraria enriquecimento ilícito.

XXVIII. Com os avanços da sociedade, passa a ser tutelado uma gama de danos

coletivos lato sensu através das ações coletivas, visando proteger os direitos

pertencentes a sociedade como um todo. Assim, frente a natureza dos

interesses ou direitos violados, pode ser suscitadas três espécies de dano

coletivo, a saber, difusos, coletivos (stricto sensu) e individuais homogêneos,

sendo eles, por sua vez, tratados pelo Código de Defesa do Consumidor.

XXIX. Encontra-se mais oportuno a utilização expressão “danos sociais” para

representar as lesões a direitos ou interesses de natureza extrapatrimonial

transindividual presentes no sistema jurídico.

XXX. O nexo causal é a base fundamental para a solidificação da responsabilidade

civil. Para que haja a responsabilização do ofensor é preciso que entre a

conduta ilícita haja uma ponte conectora com a causa.

XXXI. A culpa, não pode ser considerada como pressuposto geral da responsabilidade

civil no sentido lato sensu. Isto decorre da sua ausência quando da apreciação a

responsabilidade objetiva, limitando-se apenas ao âmbito subjetivo do instituto,

que, por sua vez, necessita de comprovação da existência da culpa do ofensor

na prática do ato lesivo para imputação da responsabilidade.

XXXII. A responsabilidade civil passou a ser vista sob duas perspectiva. A primeira

tinha como fundamento a existência de culpa, porém, como a vitima suportava

um ônus muito maior do que podia suportar, pois era dele o dever de produzir

provas, surgiu a responsabilidade objetiva. Esta, em nome da segurança da

vítima, abre mão do aspecto subjetivo, adotando a teoria do risco da atividade.

XXXIII. A responsabilidade civil tem particularmente uma finalidade estática, por meio da

reparação dos danos causados a outrem, a fim de tutelar os interesses do

ofendido, com o objetivo de retornar ao status quo ante. Tem por propósito

diminuir a diferença entre a situação atual e a que existiria, caso não houvesse

ocorrido o ilícito.

XXXIV. A função punitiva tem como poder punir o agressor em virtude da pratica lesiva

dos seus atos, a fim de evitar a reincidência ou repetência de condutas

semelhantes. Entretanto, poderá essa função ser afastada quando existir a

possibilidade de restituição integral do status quo ante.

154

XXXV. A função de cunho socioeducativo tem por fim tornar público que condutas

semelhantes não serão toleradas, de modo a restabelecer, ainda que de forma

indireta, o equilíbrio e a segurança da própria sociedade. Esta é a função que

mais se adequa ao dumping social, de forma que obriga o lesante a reparar o

dano causado, e com isso, contribui para coibir a prática de outros atos danosos,

seja pela mesma pessoa ou seja por quaisquer outro cidadão.

XXXVI. No ordenamento brasileiro, a aplicação do punitive damages cabe ao

magistrado, quando no seu juízo de valor, entender que embora a indenização

seja suficiente para compensar o dano, esta deve ser majorada de forma a coibir

a prática reincidente da conduta lesiva, aplicando, portanto, a função pedagógica

da responsabilidade civil.

XXXVII. O instituto do punitive damages possui um caráter excepcional, de modo que só

é justificável a majoração da indenização quando a conduta é, de fato,

reprovável, lesiva e particularmente, odiosa, apta, portanto, a ensejar a

reprovação do ordenamento. Como também, quando ainda que considerada

leve, a reiteração da conduta do agente eleva a sua gravidade.

XXXVIII. Para que haja a majoração da pena é preciso observar limites: primeiro, o juiz

não pode majorar a pena se a legislação já pune a conduta, pois a lei já traz a

pena adequada. O segundo limite é que a indenização punitiva só deve ser

aplicada quando houve vantagem econômica com o ilícito praticado.

XXXIX. O punitive damages não é um instituto com o intuito sancionatório. Busca-se o

interesse coletivo, este em não sofrer novas condutas lesivas como a

experimentada. De modo que, além da compensação do dano sofrido, está

colocando o condenado em situação de exemplo negativo para a sociedade.

XL. Face do cenário de competições empresariais, as empresas ao analisar o custo

e beneficio, levam em atenção o binômio: lucro obtido com a ocultação dos

direitos trabalhistas versus número de condenações proferidas pela justiça

trabalhista. Assim, concluem que é economicamente mais lucrativo subtrair os

direitos trabalhistas, adimplindo apenas se obrigado por meio decisão judicial, do

que cumprir espontaneamente.

XLI. A reparação individual em face da pratica de dumping social, revela-se,

adequada a por fim ao conflito particular, porém, configura-se inútil em face do

dano à sociedade. É através do instituto da responsabilidade civil, que o

155

ordenamento encontra-se amparado para coibir tais condutas lesivas, pois além

da função compensatória cumula com a função punitiva e a pedagógica.

XLII. O dumping social viola os próprios fundamentos do Estado Democrático de

Direito, em especial os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa

humana, bem como, a própria ordem econômica.

XLIII. Da prática do dumping social é possível identificar os pressupostos da

responsabilidade civil: a conduta humana é a prática reiterada empresarial de

descumprimento dos direitos trabalhistas, com intuito de manejar o preço do

produto e consequentemente obter vantagem econômica em relação a seus

concorrentes. Tal conduta tem relação direta com o dano causado, ou seja, a

baixa do custo de produção da empresa em decorrência da precarização da mão

de obra, gerando danos sociais.

XLIV. Por meio do dumping social, a empresa descumpre tanto o seu fim econômico,

como também o social, colocando em risco a própria estrutura do Estado social

e do modelo capitalista, decorrentes da obtenção de vantagem indevida e

também a própria estabilidade da sociedade, devido os danos sociais

provocados. Logo, tem-se um ato ilícito das empresas, de forma que deveram

ser responsabilizado pelos atos ali praticados.

XLV. Diante do ato de dumping social, conclui-se que o empregador está colocando

em risco a vida e a integridade física de seus empregados, em prol dos lucros

auferidos por ele decorrente da concorrência desleal. Trata-se de

responsabilidade objetiva, decorrente do risco empresarial, a qual não há a

necessidade de demonstração da conduta culposa da empresa.

XLVI. Há necessidade de oferecer resposta adequada ao dumping social, pois, o que

está em discursão é precarização do trabalho humano face a obtenção de

vantagem econômica do empregador. Desta forma, deve-se combater esse ato

atacando diretamente a economia do ofensor, para que assim, seja

desestimulada tal conduta danosa.

XLVII. Ainda que o empregado busque seus direitos frente ao Judiciário, por meio de

uma reclamação trabalhista, não cabe a ela a formulação de pedidos em favor

da coletividade e nem em seu próprio proveito, sob pena de enriquecimento

ilícito. A legitimidade para ajuizar ação decorrente de lesão aos direitos sociais é

por meio de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público.

156

XLVIII. Em que pese a tese da aplicação ex officio da indenização suplementar seja

benéfica a sociedade, está por sua vez implicaria em um julgamento extra petita

e no cerceamento de defesa do empregador, como flagrante violação aos

princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e

o princípio da legalidade.

XLIX. A indenização por danos sociais em virtude da prática de dumping social deverá

ser requerida, não podendo, o juiz decidir ex officio, devendo decidir nos limites

dos pedidos propostos na lide.

L. O valor da indenização tem que ser capaz de inibir a prática ilícita. Deverá o

magistrado em sua decisão, fixar o quantum indenizatório, de modo

fundamentado, demonstrando os parâmetros utilizados, sob pena de incorrer em

nulidade.

LI. O magistrado ao fixar o quantum indenizatório em virtude da prática de dumping

social deve-se observar certos critérios: a repercussão e gravidade do dano, a

condição econômica do ofensor, o lucro obtido através da prática de dumping

social, o grau de culpabilidade do agente e o grau de reprovação social da

prática.

LII. Tendo em vista que o dumping social, uma vez praticado, estará violando bens

jurídicos de ordem transindividuais, e por isso, estará gerando danos à toda

coletividade, de modo que a verdadeira legitimada a receber o quantum

indenizatório é a própria sociedade. A solução encontrada para destinar esse

montante em favor da sociedade é por meio de um fundo social, voltado a

promoção do bem jurídico lesado, a exemplo do FAT ou da FUNTRAD.

LIII. Por fim, diante de tudo que foi apresentado, conclui-se que a indenização

suplementar é o meio viável a repressão e inibição as práticas de dumping

social, como forma de punir os danos ocasionados pelo ato lesivo e ainda

promover a valorização do trabalho humano e a existência digna, resguardando

e efetivando os fundamentos do Estado Democrático de Direito,

consequentemente a própria ordem econômica.

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REFERÊNCIAS

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