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Medicina Interna Hoje 1 setembro de 2012 • Ano VII • N.º 25 • Trimestral Momentos do 7.º Congresso Nacional de Internos de Medicina Interna A POPULAÇÃO NECESSITA COMPREENDER MELHOR AS REFORMAS Miguel Gouveia Professor Universitário e Economista

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setembro de 2012 • Ano VII • N.º 25 • Trimestral

Momentos do 7.º Congresso Nacional de Internos de Medicina Interna

A POPULAÇÃO NECESSITA COMPREENDER MELHOR AS REFORMAS

Miguel GouveiaProfessor Universitário e Economista

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de portas abertas

Investigação em economia ao serviço da saúdeO nosso entrevistado desta edição tem contribuído para a tomada de decisões na área da saúde na qualidade de con-sultor, economista e professor univer-sitário. Miguel Gouveia fala-nos, duma forma coloquial e sem preconceitos da sua visão do nosso sistema de saúde, da forma como evoluiu, no seu enquadra-mento na realidade europeia. Partindo do tema abordado no Congresso Na-cional de Medicina Interna, realizado em Maio último, “como medir o valor que atribuímos à saúde”, analisa os pontos fracos e fortes do nosso sis-tema de saúde. Defende que é muito importante que o ministério da Saú-de seja mais transparente e faculte mais informação quer aos portugue-ses, para esclarecimento da popula-ção sobre as razões para as mudanças que pretende implementar, quer aos centros de investigação da área da saúde, que se debatem com dificul-dades de acesso aos dados da saúde. A gestão da política da saúde só teria a ganhar com o contributo da inves-tigação nesta área assente em dados rigorosos e transparentes. E no final da entrevista deixa alguns recados à na-vegação dos internistas. Leitura a não perder.Destacamos o trabalho feito pela or-ganização do 7.º Encontro do Núcleo de Internos de Medicina Interna, que de-correu em Junho, no Hospital de Cascais. Uma equipa de pessoas motivada em

ponto por ponto

Faustino Ferreira

4 Olho clínico7.º Encontro Nacional de Internos

de Medicina Interna

6 Vox popÁlvaro Coelho,

Coordenador do Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus da SPMI

7 Primeiros passosHá quem escolha

a especialidade, outroshá que são escolhidos por ela.

Por Joana Sequeira

8 Alta vozSíndrome de Sweet

10 Uma palavra a dizerEntrevista a Miguel Gouveia

Professor Universitário e Economista

16 RevelaçõesA arte de colecionar saúde

Wolfgang Gruner e a cartofilia

17 Do lado de cáA era do paciente inteligente

Por Nazaré Tocha

assegurar o futuro da Medicina Interna como especialidade “especial” de que os seus cultores se orgulhem e dignifican-do o “Ser Internista”.As normas de Orientação Clínica estão na ordem do dia, e conjugação de es-forço do Ministério da Saúde através da sua Direcção Geral de Saúde e da Ordem dos Médicos irão certamente dar algum fruto, possivelmente não tão rápido como inicialmente desejado, mas certa-mente mais assertivo e rigoroso. Nesta edição convidamos Álvaro Coe-lho, Coordenador do Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus, a refletir sobre o contributo que a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna poderá dar na cria-ção de Normas de Orientação Clínica, com especial enfoque na área da Dia-betes. Permitimo-nos destacar o testemunho da jovem internista Joana Sequeira so-bre a sua opção pela Medicina Interna pois sintetiza bem a opção de muitos internistas. A jornalista Nazaré Tocha, diretora da revista Prevenir, traz-nos a sua visão sobre o atual de “empowerment” dos cidadãos nomeadamente nos aspe-tos relativos à manutenção da saúde e à prevenção da doença, através da tomada de consciência, por parte dal-guns sectores da população das suas responsabilidades pelo auto cuidado e uma atitude proativa em tudo o que diga respeito à saúde.

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olho clínico

Internos apelam à participação ativana construção da Medicina Interna do futuro

7.º Encontro Nacional de Internos decorreu em Cascais

A sessão de abertura foi presidida por João Varandas, Diretor Clínico do Hospital Dr. José de Almeida (HPP Cascais), com mesa composta por João Sequeira, Chefe de uma das alas de Medicina Interna do mesmo Hospital e António Martins Bap-tista, um dos coordenadores do Departamento de Medicina Interna do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures.O objetivo deste encontro foi fomentar a confluência e a par-tilha de experiências entre os Internos de Medicina Interna e despertar o interesse nos internos do Ano Comum - a quem as inscrições foram também abertas -, para esta especialidade, dando a conhecer a atividade dos colegas durante este último ano. O encontro pretendeu aumentar os conhecimentos científicos em diversas áreas da Medicina Interna, através dos Cursos pré--encontro e das mesas científicas (ver caixa). Constituiu uma oportunidade para os Internos apresentarem os seus trabalhos de investigação com um reconhecimento científico similar ao do Congresso Nacional de Medicina Interna.

Foi criado um espaço para discutir a Formação em Medicina In-terna em Portugal, nos seus mais diversos níveis. Nos dias de Congresso, o NIMI deu a conhecer as suas ativida-des e projetos e procurou cultivar o espírito de “Ser Internista”, que se traduz na partilha do gosto pelo exercicío da profissão. A aposta nos cursos pré-encontro foi um incentivo claro para a participação dos internos. Os resultados e o grau de sa-tisfação dos participantes foram muito elevados. A melhor comunicação (no formato de Poster), para a qual concorre-ram 104 trabalhos, foi galardoada com o Prémio William Os-ler, uma Bolsa de Inscrição na 3.ª Escola de Verão Internos de Medicina Interna, a decorrer em Setembro. Esta distinção, foi atribuída ao Poster da autoria de Rafaela Veríssimo, Marta Bastos, Olga Gonçalves, Vitor Paixão Dias, do Centro Hospita-lar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE, intitulado Hipocoagu-lação: A Balança difícil de equilibrar a propósito de um caso clínico.

O Núcleo de Internos de Medicina Interna (NIMI), coordenado por Carla Araújo, da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, organizou o 7.º Encontro Nacional de Internos da especialidade, no auditório do Hospital Dr. José de Almeida, em Cascais, entre 21 e 23 de junho. Contou com 146 inscrições de todo o país, dados que excederam as expetativas da organização.

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Mesas científicasO Encontro teve início com uma breve história do Núcleo e com a divulgação de todas as actividades nacionais e interna-cionais que estão a decorrer. GINÁSIO CLÍNICO I: Raquel Pinho (Hospital de Portimão); Mo-deradores: João Sequeira, do Hospital de Cascais e Nuno Ber-nardino, do Hospital de Portimão. A interna da especialidade apresentou um brilhante caso clínico que permitiu a todos re-fletir e partilhar conhecimentos, bem como métodos de traba-lho de forma a chegar a um diagnóstico e atitude terapêutica.ENCONTRO COM O ESPECIALISTA: Nutrição Artificial em In-ternamento por Ana Lopes do Hospital de Faro, que fez uma revisão teórica que permitiu melhorar a prática médica na área da nutrição clínica.FRENTE A FRENTE: Modelos de Organização Hospitalar em Medicina Interna, contou com os contributos de João Sequeira sobre o modelo existente no hospital de Cascais e com Antó-nio Martins Baptista, que apresentou o modelo do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures. Este frente a frente gerou uma ace-sa discussão acerca do papel vital dos internistas nos Hospitais. Ambos defenderam o papel central do internista como gestor

das camas hospitalares e como gestores da doença crónica. Concordaram também que será necessário continuar a apos-tar na formação de internistas capazes de trabalhar em diver-sas áreas.INVESTIGAR EM MEDICINA INTERNA: Estudo Multicêntrico de Oxigenioterapia, apresentado por Maria João Lobão, do Hospital de Cascais. A recém especialista trouxe um interes-sante Estudo Multicêntrico, realizado com a colaboração de hospitais de todo o território nacional. Este estudo teve um grande impacto na área de investigação em Medicina Inter-na, merecendo publicação em revista internacional após a sua apresentação no 16.º CNMI, em 2011. Uma segunda edi-ção irá dar continuidade ao estudo, esperando contar com a colaboração de mais internos do país.GINÁSIO CLÍNICO II: com Eurico Oliveira do Hospital de Viseu, moderado por Maria Fragoso, do Hospital de São João, e José Mariz, do Hospital de Braga. O segundo caso clínico apresentado permitiu aos jovens internistas treinar o desafio de diagnosticar patologias complexas.

As normas para a aceitação dos trabalhos foram as mes-mas do Congresso Nacional de Medicina Interna e a se-leção da responsabilidade da Comissão Científica do En-contro. Os resumos dos trabalhos aceites foram publicados no Livro de Resumos, distribuído a todos os participantes. A apresentação foi feita em oito sessões, que decorreram em simultâneo, no dia 23 de junho.

Carla Araújo ressalta que, “para além da colaboração da Comissão Organizadora local, o evento contou com a es-treita colaboração dos elementos do secretariado da SPMI”. Agradeceu o patrocínio económico da SPMI e do HPP – Hospital de Cascais, Dr. José de Almeida, que contribuiu para o sucesso deste evento. Por fim, os agradecimentos foram dirigidos ao “imenso profissionalismo de todos os formadores”.

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vox pop

Internistas chamados a intervir

Vivemos uma época de austeridade, com o acesso à saúde mais difícil e mais dispendioso. Os recursos so-frem cortes na sequência de medi-das frequentemente sustentadas em pareceres, muitas vezes ineficazes, emitidos pelos designados “peritos”. Paralelamente declara-se a neces-sidade de inverter a tendência de crescimento de uma patologia como a Diabetes, cujas complicações e custos são internacionalmente reco-nhecidas como “evitáveis”. Neste contexto, assume particular importância a implementação de medidas e ações de intervenção social que contribuam para a pre-venção da doença e das suas com-plicações, através da redução dos fatores de risco, particularmente os modificáveis – hábitos alimentares, tabagismo e sedentarismo. Para tal, compete a toda a gente, mas sobre-tudo às sociedades científicas e as-sociações de doentes em particular, contribuir com os meios ao dispor, não só para a prevenção, mas, tam-bém, para o diagnóstico precoce e para o acesso dos doentes aos cuida-dos de saúde.A este nível, as implicações sobe-jamente conhecidas da Diabetes

impõem uma boa articulação entre os diversos níveis de cuidados de saúde e entre as diferentes espe-cialidades médicas, aumentando a importância da existência de “reco-mendações”, “standards”, “guideli-nes” e “protocolos”.É neste âmbito, de articulação dos cuidados, que surgem as Normas de Orientação Clínica (NOC). Pretendem ser um novo instrumento de suporte para a tomada de decisão e propor-cionar garantias de boa gestão e de boa prática assistencial.As NOC entraram na vida dos médi-cos em Portugal há relativamente pouco tempo, sobretudo depois do memorando de entendimento da troika ter recomendado à Direção Ge-ral da Saúde a sua efetiva criação. Em-bora sejam olhadas com muita des-confiança, estas normas constituem um instrumento importante capaz de melhorar e aumentar a qualida-de dos atos médicos. Espera-se que venham tornar a atividade médica mais eficiente, reduzindo atos desne-cessários e a variabilidade da prática clínica. Espera-se ainda que venham garantir os direitos dos doentes para que participem de forma esclarecida e responsável nas decisões que lhes

dizem respeito. Só em 2011, foram produzidas mais de setenta NOC so-bre diversas áreas clínicas, a maioria ainda em audição pública. Este é o momento em que o Núcleo de Es-tudos da Diabetes Mellitus, da SPMI, pretende assumir-se como parceiro na apreciação e discussão analítica das NOC, na qualidade de maior par-te interessada no seu aperfeiçoamen-to e implementação. Para tal, temos desenvolvido inicia-tivas para uma crítica útil na apre-ciação dos documentos em fase de análise. Com este objetivo decorreu, em Junho, uma reunião nacional, que envolveu internistas de todo o país, gerando um movimento que culmi-nará com um contributo que traduza o entendimento dos internistas em relação às NOC em apreciação. A Diabetes é um problema de saú-de pública, continua a aumentar e é uma doença que cabe inteiramente no conteúdo curricular da Medicina Interna, que se confronta diariamen-te com este problema, desde o diag-nóstico à intervenção terapêutica. Por tudo isto, o contributo ativo do Núcleo de Estudos da Diabetes Melli-tus justifica-se mais do que nunca.

Álvaro CoelhoCoordenador do Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus

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primeiros passos

Um dia ouvi num filme - “Patch Adams”- uma frase que se tornaria uma conduta, “quando se tratam doenças ganha-se ou perde-se, quando se tratam doentes ganha-se sempre”. Tratar doentes implica uma visão holística dos mesmos, mais tarde percebi que esse rumo só a Medi-cina Interna me poderia dar. Fui a típica criança dos porquês e o de-safio intelectual desta especialidade não esgotará nunca esta pergunta. Quando me perguntavam que especia-lidade gostava, sempre me foi difícil res-ponder para além do “gosto de doentes e gosto de saber tudo a seu respeito”. Es-colher Medicina Interna é enveredar por um caminho que não conhece limites na sede de conhecimento. Procurar um diagnóstico é um desafio, tratar doenças é difícil, educar mentalidades é cansativo, preservar a dignidade é imprescindível e ser internista é abraçar essas etapas to-dos os dias. Sempre fui romântica no que concerne ao exercício de praticar Medicina. No meu curto percurso várias vezes ouvi de-sabafos de quem trabalha todos os dias, muitas horas numa especialidade que nem sempre tem o devido reconheci-mento, principalmente nos tempos que correm. Contudo, encontrei internistas que tiveram um papel fundamental na minha escolha e não posso deixar de ho-menagear o serviço de Medicina Interna

do Hospital de Setúbal, onde fui Interna Ano Comum. Inspiraram-me a manter o romantismo porque afinal é possível ser-se médico e tratar doentes na pleni-tude que abrange todo o ser humano, independentemente dos números, da pressão externa ou das horas de muito trabalho e dedicação. Os leigos nesta área perguntam o que é afinal esta especialidade, uso uma metáfora e peço-lhes para imaginarem um puzzle em que as várias especiali-dades constroem pequenas partes e a Medicina Interna integra-as e define a imagem. Na consulta, muitos são os do-entes que chegam vindos de diversas especialidades em que cada problema é uma ilha isolada e cabe-nos a nós orientar e optimizar o funcionamento multissistémico através da visão holísti-ca do doente. O primeiro contacto com um doente é um desafio entusiasmante que justifica as horas passadas na pes-quisa de bibliografia que fundamente o nosso raciocínio clínico. O internamento é uma caminhada em que o plano se define desde a admissão e que passa por várias etapas desde a história clínica, a procura do diagnósti-co, a optimização terapêutica, que, mui-tas vezes, assenta num frágil equilíbrio, até ao pós-hospitalar e a inserção do doente no seu âmbito sociocultural. É na intersecção entre os vários saberes

Joana SequeiraInterna do 1.º ano no Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar Oeste Norte, nas Caldas da Rainha

Há quem escolha a especialidade, outros há que são escolhidos por ela

médicos que se encontra um internista quer na consulta, internamento ou na urgência. Sou interna do 1º ano no Hospital das Caldas da Rainha, a experiência é ainda muito pouca e o conhecimento pou-co vasto. É comum a qualquer interno a constante insatisfação com o que se sabe, o querer saber mais e fazer me-lhor. Escolher ser internista é ter a no-ção de que esses sentimentos me vão acompanhar ao longo da carreira pro-fissional e fomentar a escalada intelec-tual do conhecimento e prática clínica. Ser interno não é fácil e por isso é tam-bém aliciante. A motivação diária vem dos doentes e dos profissionais com quem trabalho neste início de carreira, espero continu-ar a usufruir do seu vasto saber e expe-riência e a contar com a paciência, dedi-cação e orientação do meu orientador de formação específica. Apesar dos tempos difíceis, do descon-tentamento justificado dos profissio-nais habilitados e dos entraves econó-micos, diariamente tenho provas de que é possível a boa prática médica quando centramos a nossa atuação no doente. A Medicina Interna não pode nem poderá dar lucros monetários a ninguém mas garanto-vos que dá lucros inestimáveis aos doentes e aos profissionais que a exercem.

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alta voz

Num homem de 65 anos com ante-cedentes de espondilite anquilosante e doença de Crohn, sob terapêutica imunossupressora, que inicia subita-mente febre, artralgias e exantema papular eritemato-violáceo disse-minado a biópsia impunha-se e revelou edema sub-epidérmico e infiltrado neutrofílico perivascular sem sinais de vasculite. A terapêuti-ca imunossupressora em associação de ibuprofeno produziu regressão gradual das queixas e do exantema ao fim de uma semana. A conjugação

Síndrome de Sweet Numa associação pouco frequente um diagnóstico de internista

clínico-laboratorial e histológica per-mitiu a confirmação do diagnóstico de Sweet sem outras manifestações extra-cutâneas, uma das formas mais frequentes de dermatose neutrofilica (DN).O termo dermatose neutrofílica fe-bril aguda foi proposto inicialmente por Robert Douglas Sweet em 1964, descrevendo os casos clínicos de oito mulheres com lesões cutâneas apre-sentando infiltrados polimorfonu-cleares em associação a leucocitose e neutrofilia no sangue periférico,

sendo conhecido desde então por síndrome de Sweet (SS). Em 1983, foi pela primeira vez relata-do um caso de sobreposição clínica e histopatológica de SS e o já conheci-do pioderma gangrenoso (PG) suge-rindo, pela primeira vez, a existência de um espectro patológico contínuo. Estas dermatoses partilham ainda o facto de se associarem a doenças sis-témicas, o que contribuiu para que fossem consideradas como variantes clínicas de uma mesma doença, a der-matose neutrofílica (DN). Utilizando

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os mesmos critérios (infiltração cutâ-nea neutrofílica, existência de formas de sobreposição/transição e associa-ção a doenças sistémicas) têm vindo a ser incluídas outras entidades neste grupo, como por exemplo o erite-ma elevatum diutinum, a dermatose pustulosa subcorneal e a hidradenite écrina neutrofílica. As DN acompanham-se frequente-mente de sintomas sistémicos não específicos e de infiltrados polimor-fonucleares em órgãos viscerais, ad-mitindo-se que sejam a face visível de um processo inflamatório asséptico reativo que atinge outros sistemas de órgãos, o que motivou a proposta do conceito de doença neutrofílica em 1991. A Síndrome de Sweet é a entidade mais frequente dentro deste grupo e pode apresentar-se em vários contex-tos clínicos: • SS clássica ou idiopática – afeta

predominantemente mulheres, entre os 30 e 50 anos de idade, po-dendo ser precedida de infeções, mais frequentemente do trato respiratório superior (foi descrito o isolamento de Streptococcus) mas também gastrointestinal (foi descrito o isolamento de Yersinia e Salmonella);

• SS associada a neoplasia – mani-festação paraneoplásica de neo-plasia hematológica ou sólida, a mais frequentemente relatada é a leucemia mielóide aguda;

• SS associada a fármacos – o mais frequentemente relatado é a as-sociação à administração do fac-tor de crescimento de colónias de granulócitos e macrófagos, GM-CSF, mas também co-trimo-xazol, carbamazepina, hidralazina,

levonorgestrel/ etinilestradiol, en-tre outros;

• SS associada a doenças inflama-tórias sistémicas – predominando a doença inflamatória intestinal (DII);

• SS associada à gravidez. Habitual-mente, o quadro clínico caracteri-za-se por início súbito de febre e mal-estar geral, podendo acom-panhar-se de mialgias, artralgias e cefaleias. O exantema é eritemato--violáceo, papular ou nodular podendo coalescer para formar placas, distribuindo-se assimetri-camente sobretudo na face, região cervical e membros.

As lesões podem ser dolorosas mas não são pruriginosas. Devido ao extenso edema sub-epidérmi-co, as lesões podem ter um espeto falsamente vesiculoso, pseudo--vesiculas.

• No SS associado à neoplasia, estão descritas formas clínicas atípicas (vesículas, bolhas e ulceração) mi-metizando ou em sobreposição ao PG. Existem também variantes clínicas como a dermatose pustu-losa (pápulas eritematosas com pequenas pústulas no topo ou pústulas de base eritematosa), anteriormente denominada de dermatose neutrofílica do dorso das mãos ou de vasculite pustu-losa do dorso das mãos.

Na ausência de tratamento, o exan-tema pode durar semanas a meses, desaparecendo sem formar cica-triz. Os achados laboratoriais mais consistentes são a leucocitose com neutrofilia e elevação da VS. Outros achados incluem a elevação de pro-teínas de fase aguda. O padrão his-topatológico clássico descreve um in-

filtrado denso de polimorfonucleares maduros na derme superficial com edema sub-epidérmico e fragmentos nucleares leucócito clásticos. A epiderme geralmente é poupada e os sinais de vasculite leucócito clásti-ca estão geralmente ausentes. Oca-sionalmente estão também presen-tes linfócitos, eosinófilos e histiócitos no infiltrado. O espectro histopatológico tem vin-do a expandir-se para incluir a leuce-mia cútis, vasculite e variabilidade na composição e localização do infiltra-do inflamatório (como por exemplo, SS, subcutâneo ou pústulas subcor-neais).A etiologia do SS permanece desco-nhecida, sendo provavelmente mul-tifactorial. Dados epidemiológicos, clínicos e histopatológicos apoiam a hipótese de uma reação de hiper-sensibilidade a um agente viral, bac-teriano ou tumoral. Por outro lado, as citocinas parecem ter um papel etio-lógico, tendo sido detectados níveis elevados em alguns casos.Um aspeto característico do SS é a sua pronta e excelente resposta à cortico-terapia sistémica, sendo considerada a pedra angular da terapêutica. No entanto, será de esperar a recorrência em até 30 por cento dos casos.O conhecimento deste síndrome pelos internistas permite um diag-nóstico sem atrasos e rápido alívio sintomático, associado a um estudo complementar quando indicado. É por isso um diagnóstico que a Medi-cina Interna faz com frequência.

Pedro Figueiredo, Alda Garcia, Alice Rodrigues, Maria do Carmo

Perloiro, Luis DutschmannMédicos Internistas

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Não sendo a saúde um mercado é possível medir a rentabilidade do investimento neste campo? Se sim, como?A análise baseia-se no principal con-tributo de um sistema de saúde, que é o aumento da longevidade. É pos-sível medir, através de teorias eco-

nómicas indiretas, em quanto é que uma pessoa valoriza o aumento da longevidade. Não há nenhum merca-do onde se possam comprar anos de vida mas podemos partir de decisões que as pessoas tomam, como por exemplo, os riscos que correm, a aqui-sição de automóveis com dispositivos

de segurança, opções por profissões com riscos associados. São maneiras indiretas de medir, estatisticamente, a valorização da probabilidade de viver um pouco mais. A partir destas escolhas, inferimos o valor estatísti-co da vida. Depois, do outro lado da balança, analisamos os custos do sis-

Miguel Gouveia encerrou o 18.º Congresso Nacional de Medicina Interna, com uma palestra sobre a rentabilidade do investimento em saúde realizado em Portugal nos últimos 35 anos, uma visão económica enquadrada no contexto das sociedades desenvolvidas.

Miguel Gouveia, Professor Universitário e Economia

Medir a saúde pelos resultados

uma palavra a dizer

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temas de saúde - que são concetual-mente fáceis de medir.

A que conclusões chegamos?Que vamos tendo sistemas de saúde cada vez mais caros. As despesas em saúde na Europa, desde os anos 60, têm sido cada vez mais elevadas, tanto em termos absolutos, como em per-centagem do rendimento nacional. Como em média, o rendimento nacio-nal dos países cresce (agora não tan-to), temos uma fatia crescente de um “bolo” crescente. As despesas em saú-de estão a crescer muito rapidamente.

Esse aumento da despesa deve-se, de alguma forma, à ineficiência ou à má gestão?Pode haver alguma margem de ine-ficiência, mas o aumento deve-se ao facto de o investimento em saúde e em tecnologia serem cada vez mais elevados. Vivermos mais anos, não é a ineficiência que justiça o aumento dos gastos.

O ministro da Saúde, Paulo Macedo, disse recentemente que “a saúde não é um negócio, mas que há mui-to boa gente a fazer muito dinheiro à custa da saúde”. Quer comentar?A saúde é uma atividade económica. Gasta recursos e tem que produzir. Se o orçamento é gasto daquela forma não pode ser investido em escolas, em ecologia e por aí em diante. Digo sempre aos meus alunos: se a saúde é uma área especial, o dinheiro tem que ser bem gasto, pois o desperdício ain-da é mais grave. Tem que haver mui-ta racionalidade na gestão. A saúde, por razões de proteção social é feita de recursos públicos e a partir daí há sempre muitas pessoas interessadas. Muitas vezes legitimamente. Mas que também têm como objetivo ter a maior fatia do orçamento. A função de um ministro da Saúde - muito deli-cada - é garantir que a fatia que cada

um tem não é mais do que o justo por aquilo que se lhe pede em troca. A função do ministro é dizer que não, porque há sempre imensa gente a querer sempre mais.

Refere-se ao lobbying?Se a saúde fosse privada teria outros problemas; como é pública, tem esse. E sobre esse ponto de vista o ministro da Saúde, em Portugal, tem uma vida difícil. Não pode ceder - e acho que isso não acontece - e ser um embaixa- dor dos interesses da saúde dentro do governo e, depois, acabar por ser o ministro das Finanças a ter que re-

Medir a saúde pelos resultadossolver os problemas. Ele tem de ser um gestor de recursos. É mais fácil que seja feito por ele, que conhece o “terreno”. Uma maneira de o ministro da Saúde ter mais força é reconhecer os lóbis e colocá-los em diálogo, por-que muitas vezes anulam-se uns aos outros. Outro assunto relevante neste con-texto dos grupos de pressão e da opinião pública é a necessidade de o Estado e o governo facultarem muita informação ao público. É do interesse dos ministérios dar informação sobre os custos e sobre os benefícios das atividades económicas do país, para que os interesses sejam confrontados pelo público. Por exemplo, neste mo-mento está a discutir-se o fecho de algumas unidades, mas a população dispõe de pouca informação sobre este tema. Os políticos locais defen-dem as suas urgências pelas mais va-riadas razões, mas não há informação suficiente que permita a compreen-dam da situação que vivemos. Pode parecer um raciocínio economicista, mas no estado em que o país está é inevitável concentrar recursos. E para além disso, há razões de saúde. Está provado que a qualidade é má quan-do há um baixo volume de trabalho. Vale mais ter uma urgência, que resol-ve o problema, do que uma urgência à porta de casa, que resolve pouco. A recolha de dados e demonstração de out comes ou de resultados de saúde é fundamental.

Como podemos corrigir a ineficiên-cia em saúde? Podemos distinguir má gestão de ilegalidade? Há uma ideia pública que a fraude é igual a desperdício, mas isso não é, em absoluto, verdade. Dou um exemplo: um médico a preencher papéis não tem nada de ilegal, mas é um desperdício. A grande maioria de ineficiência na saúde não vem das fraudes.

“Um médico a preencher papéis não tem nada de ilegal, mas é um desperdício. A grande maioria das ineficiências na saúde não vêm das fraudes. “

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uma palavra a dizer

“Sou defensor dum sistema mais “bismarquiano”. Mais descentralizado como o belga, holandês austríaco. Seria mais robusto, mais resistente aos lóbis políticos.”

Para onde vai e para onde deveria ir o nosso modelo de Sistema Nacional de Saúde?Temos que distinguir duas coisas. Por um lado, dentro do contexto de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) con-forme nós temos, o objetivo deve ser tornar o sistema sustentável, prova-velmente com a consolidação de uni-dades de saúde, garantindo que os re-cursos são bem utilizados. Com a fusão de urgências nos centros urbanos, os hospitais do Médio Tejo também não podem estar todos abertos. Existem hospitais demasiados diferenciados. Há que tentar gerir bem o SNS. Por outro lado, o sistema - conforme foi desenhado em 1979 - não é o melhor modelo para Portugal e admito que a minha opinião esteja isolada. Sou defensor de um sistema mais “bismar-quiano”, mais similar aos dos países do centro da Europa, que, no fundo, era o sistema que tínhamos começado a fa-zer com Caixas de Previdência. Quando se deu o 25 de Abril, esse sistema ainda não tinha a cobertura total da popula-ção, como já existia lá fora e, portanto, estávamos ao nível dos anos 30 deles. Seria melhor termos evoluído de for-ma mais natural dentro desse modelo porque é mais descentralizado - como os casos belga, holandês, austríaco. São mais robustos e mais resistentes a lóbis políticos. Estão mais perto dos utentes, mais difíceis de serem “assaltados” e mais fáceis de serem administrados. Se temos uma Caixa de Previdência que faz bem, as outras copiam. Se a experi-ência corre mal, aquela tem que “corri-gir a trajetória”, sob pena de falir.

Defende que ainda possamos cami-nhar para aí?Houve avanços e recuos, com o exem-plo dos Serviços de Assistência Médi-co-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas (SAMS) e outros, mas sou de opinião que isso poderá vir a estar na agenda.

Quais devem ser os objetivos do SNS?O objetivo é dar o máximo de valor possível para a população.

De forma universal?Sim. Está em causa uma questão de equidade, de justiça e de eficiência. Caso não fosse assim, começaríamos a ter problemas com a seleção adversa, ou seja, quem não tem acesso geraria custos muito superiores.

Temos um Sistema de Saúde híbri-do. Como vê o papel crescente da actividade privada e o aparecimen-to de seguros de saúde? Que avalia-ção faz das parcerias público priva-das hospitalares (PPPH)?Começando pelas PPPH - porque é uma área onde Universidade Católica tem um Observatório - alguma da má reputação das PPP é justificado, mas na área da saúde não corresponde à verdade. Noutras áreas, as PPP foram feitas sem o chamado comparador público. O contrato foi feito com en-tidades privadas e não se sabia quan-to custaria ao Estado fazer o mesmo. Pelo contrário, na área da saúde existia comparador público. Os privados ti-veram que propor-se fazer melhor ou igual. O Estado estava mais precavido nesta área. Pode não ter sido perfeito, mas é injusto transferir para a área da saúde muitas das críticas às PPP. Ago-ra, o que temos que fazer é auditá-las e monitorizá-las. Também há problemas com os hospitais públicos e muitas ve-zes não são do conhecimento público. Relativamente à procura dos cuida-dos de saúde, os seguros são dois a três por cento, das despesas totais de saúde. A questão dos seguros é ideo-logicamente saliente mas, do ponto de vista económico, é irrelevante. O facto é que existem elites, pessoas que demandam mais e melhor tratamento e os seguros são formas de as pessoas passarem à frente das restrições natu-

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“Portugal tem mais médicos que a média dos países da União Europeia e toda a gente se queixa que temos falta de médicos. Alguma coisa está mal.”

rais que um sistema tem e terem cui-dados de forma mais rápida. O sistema de seguros no nosso país é desenhado para atuar em cima ou para além do SNS, para dar conforto adicional e co-modidades adicionais. O que defendo, de acordo com o modelo que advogo, seria termos seguros que, em vez de serem toping up, fossem verdadeiras alternativas. As pessoas poderiam es-colher estar no SNS, num seguro priva-do, num subsistema. Seria uma escolha completamente alternativa. Até agora não tivemos essa hipótese.

Como seriam feitas as contribuições?Teria de ser criado um sistema em que as pessoas tivessem uma compensação adicional por contribuírem para outro sistema, deveria ser parcial e nunca uma substituição das contribuições, de forma a garantir a saúde pública. Os seguros, há 15, 20 anos, eram de reembolso, agora começamos a ter seguros de prestação, em que há uma capacidade de gerir oferta de cuidados, pode ser que se pense nestas alternati-vas. Os seguros existem para colmatar as imperfeições do SNS.

Neste sistema, os privados consegui-riam cumprir com os atos médicos mais dispendiosos?Não estou a pensar em nada que não exista. Lá fora temos esses modelos com fontes de financiamento através de um ajustamento pelo risco. O SNS gasta mais com uma pessoa com HIV do que com uma pessoa saudável. Os alemães, por exemplo, têm um forte sistema de ajustamento pelo risco.

Qual a sua opinião sobre a forma de gestão dos hospitais empresa, se-gundo os estudos que liderou?No estudo inicial com dados até 2004, na altura em que os hospitais empresa eram Sociedades Anónimas, os resulta-dos indicavam que estavam a funcio-nar bem. Foi um estudo comparativo

de todos os hospitais, não só dos hos-pitais empresa. Infelizmente, passados uns anos pediram-nos para atualizar o estudo e os relatórios foram o oposto: estavam a funcionar mal. A ideia com que fiquei foi de que inicialmente a experiência correu bem, mas depois a performance correu mal.Não tenho uma receita mágica, mas como estão a funcionar não estão bem. Temos de encontrar formas alternati-vas. Uma delas seria terem um tipo de monitorização pelo Estado diferente: as pessoas poderiam ser despedidas, al-guns hospitais deveriam ser obrigados a fechar serviços, por exemplo. Deveria haver consequências. Se há empresa-rialização, a lógica deve ser a das em-presas.

Como deve ser imposta a efetividade do cumprimento das normas e das práticas de gestão?Grande percentagem das situações de má gestão não são ilegalidades. O que o Tribunal de Contas habitualmente verifica e a má gestão não são, grande parte das vezes, coincidentes. Legalida-de e má gestão não são sinónimos.

Como é que o Estado pode monitori-zar e fiscalizar?Através dos resultados, dos outcomes, dos níveis de saúde da população que é servida por aquele hospital. Nós não temos informação sobre resultados. Atenção que, o número de partos é um indicador de produção – o resultado correspondente é o número de bebés com saúde. O sistema de medição de resultados deveria ser o método nor-mal de funcionamento. Tentar aper-feiçoar o sistema atual, punindo ou re-compensando as equipas consoante os seus resultados, dando-lhes mais poder para tomar decisões. Uma outra experiência poderia ser colocar os privados a gerir. Em vez de serem só PPPH que são muito caras, seria uma concessão, uma exploração.

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Não haveria novo investimento como nas PPPH. Deveriam ser abertos concur-sos para exploração, para ver se algum privado conseguiria fazer melhor do que o Estado, ou o setor empresarial do Estado.

Como vê a questão dos recursos hu-manos na saúde e como analisa a si-tuação a que se chegou com a publici-tação de concursos tendo como único critério o mais baixo custo/hora de trabalho em regime de tarefa?Há muitas coisas que não sei, mas Portu-gal tem mais médicos que a média dos países da União Europeia e toda a gente se queixa que temos falta de médicos. Alguma coisa está mal. Não é porque não trabalhem, porque se formos somar a atividade do público e do privado te-mos resultados de números de horas de trabalho mais elevadas do que em qual-quer outra profissão em Portugal. Mas o resultado é fraco, estão a ser muito pou-co produtivos.Provavelmente deveriam definir-se as tarefas do médico. Poderão estar a fazer trabalhos burocráticos, atividades de rotina e há muitas coisas que só os mé-dicos fazem e poderiam estar a ser feitas por enfermeiros.Por outro lado, temos um número de enfermeiros por mil habitantes muito inferior à média da OCDE. Provavelmen-te, o sistema de saúde português não usa os enfermeiros como os outros paí-

ses. Em Portugal, possivelmente, precisa-riam de mudar porque noutros países há profissionais mais diferenciados do que outros. Os enfermeiros têm uma política de unificação da classe muito igualirista.Por último, poderiamos recorrer à cria-ção de assistentes de médicos, como nos países anglo-saxónicos. Os enfermeiros passaram 30 anos a autonomizar-se e já não são ajudantes de médico. São uma profissão à parte. São necessários aju-dantes de médicos para poupar tempo.

Considera que a reforma em curso nos EUA (Obamacare) vai ter algum impacto na Europa? Para ser muito honesto, não. As especifi-cidades dos EUA são de tal maneira vin-cadas que nenhuma política de mudan-ça do Obamacare virá a ter impacto aqui. Acho que existem imensas coisas dos EUA que nos influenciam, mas que não têm a ver com decisões políticas. Um dos exemplos foi o das as organizações de manutenção de saúde e mais tarde dos seguros de prestação. Esses acabaram por ter consequências de aparecimento em Portugal. As inovações tecnológicas e as organizacionais sim, mas decisões políticas, como o Obamacare, nem tan-to. Um dos problemas dos americanos é não terem um sistema de saúde univer-sal e nós temos esse problema resolvido. Em Portugal temos um problema de sus-tentabilidade, tal como os norte-ameri-canos, mas esse não é o maior problema do Obamacare.

Como vê o sistema holandês de segu-ro universal de saúde, com preço base fixo, e em que as companhias segu-radoras competem entre si pelo que oferecem para além do pacote básico de saúde?Eles são semipúblicos. São como os sub-sistemas que nós tínhamos [antes do 25 de Abril] com Caixas de Previdência. Em vez de terem seguros de top up, têm seguros em que as pessoas podem es-colher.

“Poderão estar a fazer trabalhos burocráticos. São necessários ajudantes de médicos para poupar tempo, os assistentes de médicos como nos países anglo-saxónicos.“

Miguel Gouveia, doutorado em Eco-nomia (Universidade de Rochester, NY, EUA) e licenciado em Economia pela Universidade Católica Portu-guesa, onde é professor associado. Leciona nos programas de Licencia-tura e Mestrado em Economia bem como na formação de executivos na área da Saúde e das Políticas Sociais. Foi consultor do Banco Mundial e professor no Departamento de Eco-nomia na Universidade da Pensilvâ-nia, Filadélfia. Os seus trabalhos de investigação sobre Finanças Públicas e sobre Economia da Saúde têm sido divulgados em publicações como o Journal of Public Economics, Natio-nal Tax Journal, International Tax and Public Finance, Public Choice, Econo-mic Policy e Review of Income and Wealth.

uma palavra a dizer

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“Sendo o internista médico principal, sabemos que haveria menos referenciação para especialistas. E sabemos que se verifica demasiada referenciação.”

Michael Porter, na sua última confe-rência, em Lisboa, defendeu que a saúde precisa de reorganizar-se, pro-pondo que os hospitais se organizem por patologias. Concorda com esta visão?Pode haver muito mais especialização. Há uma série de especialidades médicas que teriam muito a ganhar com isso. Ter um sistema de saúde desenhado para aproveitar a especialização é algo que não temos.Quanto a organizar em torno de doenças específicas tenho algumas dúvidas. Do livro inicial de Porter até ao último, sobre a Alemanha, o autor teve uma evolução. Não falava de cuidados primários, de prevenção de Saúde Pública, do seguimento de populações saudáveis. Agora sim, fala dos centros especializados e de prevenção também. É algo mais pa-recido com o que os sistemas fazem actualmente. A teoria de Porter era muito purista e agora é mais adapta-da à realidade. O modelo puro que tinha inicialmen-te tem a vantagem da especializa-ção. Mas e se a pessoa tiver vários patologias? E quantos centros es-pecializados teremos? 30, 300 mil? Atender ao “top 100” das doenças e o resto continuar como estava agora? Tenho mais dúvidas do que certezas. A parte defendida por Porter, e que é válida, é a questão da especialização. Poderíamos ter muitos ganhos.

A SPMI há muito que defende que é necessária maior centralidade dos serviços no doente, através da integração dos cuidados hospita-lares e não hospitalares (ambula-tório, cuidados continuados). As doenças crónicas, as comorbilida-des e a pluri-patologia parecem--nos impor esse modelo. Quer co-mentar?A vantagem que o Internista tem é de ter uma atuação mais holística

que lhe permita fazer o papel de ges-tor do doente. A ideia é interessante, mas não é incompatível com a espe-cialização porque há Internistas que estão mais perto de algumas áreas, como a Reumatologia, por exemplo. Eles próprios têm mais afinidades. Portanto não é incompatível coexis-tirem médicos de Medicina Interna e de outras especialidades. Sendo o Internista médico principal, sabe-mos que haverá muito menos refe-renciação para as especialidades. E sabemos que se verifica demasiada referenciação.

O que pensa de experiências como a do hospital dos SAMS e agora do Hospital Beatriz Ângelo em que todo o internamento médico é ge-rido pela Medicina Interna, numa óptica de departamento que inte-gra as várias especialidades? Essa organização no Hospital Beatriz Ângelo parece uma ideia excelente. No entanto “não há bela sem senão” porque há uma crítica que tem sido feita aos Internistas e que deve ser corrigida, para que continuem a ter um papel importante: a relação com os cuidados primários. O doente é re-ferenciado pelos cuidados primários num problema agudo, mas depois o especialista - e isso ocorre não só com Internistas -, nunca mais devolve o doente aos cuidados primários. Si-tuação esta, provavelmente, levada a um ponto para além do que seria desejável. Não é que a Medicina In-terna seja a pior especialidade nesse aspeto, mas é das piores áreas. Todas as vantagens da Medicina Interna, num hospital, podem redundar em defeitos pelo facto de os Internistas serem holísticos e por reduzirem o papel de outro gestor, dos cuidados primários. A Medicina Interna tem de ter cuidado para que as suas princi-pais vantagens não redundem num defeito nessa matéria.

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Wolfgang Gruner dedica-se à cartofilia desde há 30 anos por influência do seu irmão, Klaus Gruner, que descreve como “um grande colecionador de postais ilustrados”. Um dia, Klaus mostrou-lhe um postal antigo do Hospital de Braga que tinha adquirido e “nesse momento surgiu a ideia de fazer uma coleção de postais ilustrados de hospitais” revela Wolfgang.Conta-nos que tem 600 postais com a temática da saúde, que vão desde imagens de edifícios hospitalares, sanatórios, estâncias termais, campanhas da indústria farmacêutica, até a postais com ilustrações de doentes. Os postais que colecionou até à data são, na sua maioria, antigos, mas tem também recentes. São portugueses e pro-venientes de países europeus e muitos deles foram efetiva-mente enviados como correspondência. Em Portugal, conhece apenas um colecionador de postais

A arte de colecionar saúde

de termas e outro de hospitais. Já nos EUA e no Reino Unido existem muitos colecionadores e muitas coleções com esta temática, inclusive em bibliotecas universitárias.Revela-nos que é muito difícil encontrar postais com estes temas e que, nessa busca, percorre as feiras do Terreiro do Paço e do Cais do Sodré, visita antiquários, alfarrabistas e, em particular, o Sr. Carlos Batista, negociante de postais ilus-trados, à procura de novidades para fazer crescer a coleção. Muitos são-lhe oferecidos por amigos e pela sua filha Heidi Gruner, que também partilha do interesse e é médica.Entre os seus preferidos está o postal que mostra a Assistên-cia de um dos primeiros Congressos de Medicina em Portu-gal (na primeira foto).Wolfgang Gruner é Médico Internista no Hospital Garcia da Orta e médico do Núcleo de Geriatria da Sociedade Portu-guesa de Medicina Interna.

revelações

Wolfgang Gruner

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Há um enorme poder que, do lado de cá de quem acompanha a Medicina, temos vindo a descobrir (e a partilhar), sobre-tudo na última década: a capacidade de protegermos a nossa saúde e de prolon-garmos a nossa esperança de vida, através de um estilo de vida saudável proativo e de um acompanhamento médico regular e competente. A descoberta diária de estratégias sau-dáveis comprovadas cientificamente e a sua partilha com quem nos lê é não só uma responsabilidade como um pri-vilégio para os jornalistas que exercem a profissão nesta área. Temos acesso diário a informação que pode mudar e melhorar vidas e escrevemos hoje para leitores mais informados, mais exigentes e mais interessados em responder à per-gunta «o que posso (e devo) fazer para proteger e prolongar a minha vida?». São estes mesmos leitores que, munidos de informação e na pele de pacientes, chegam agora aos consultórios sem a postura passiva de outrora. Já não dele-gam no médico a total responsabilidade pela manutenção ou melhoria da sua saú-de: partilham-na. Fazem-no quando são capazes de reunir para o médico dados fulcrais sobre a sua saúde e história fami-liar; quando lançam as perguntas certas que conduzem o especialista a apresen-tar argumentos que motivem o cumpri-mento das suas orientações. Fazem-no também quando às recomendações espe-cializadas juntam hábitos ao nível da ali-mentação, exercício físico e até da gestão do equilíbrio emocional que potenciam

o sucesso do tratamento. Em suma, o novo paciente – inteligente – sabe que a competência do médico é também reflexo da sua própria competência. No nosso país, o fenómeno está longe de ser tão prevalente como, por exem-plo, nos Estados Unidos da América onde crescem fóruns de doentes e programas como o do empático Dr. Oz com a audi-ência de milhões de fãs. Os mesmos que também colocam no top de best-sellers os livros do médico internista Michael Roizen e os quais incentivam, ensinam e até agradecem que o leitor assuma o papel de smart patient, questionando, sem medo, os especialistas sobre solu-ções alternativas, exames ou medicação. Obviamente que a massificação da infor-mação sobre um tema tão sensível, como a saúde, envolve riscos. A internet, nome-adamente as ferramentas digitais que facili-tam o diagnóstico instantâneo de doenças (tantas vezes incorreto e assustador), é cor-responsável pelo facto de muitos pacientes chegarem hoje às consultas já munidos de listas mentais de dúvidas infundadas ou – pior – de «certezas» com as quais tropeçam nas pesquisas que fazem na web. Nesta nova era da multiplicação, de acesso fácil e permanente à informação, a relação com smart patients é um enorme desafio para os profissionais de saúde que centram a sua missão na prevenção, no diagnóstico e na orientação terapêutica. E também um estímulo para que os jornalis-tas – do lado de cá da Medicina, mas sempre em aliança com ela – assegurem permanen-temente a excelência do seu trabalho.

A era do paciente inteligente

Nazaré TochaDiretora da Revista Prevenir

Os doentes já não delegam no médico a total responsabilidade pela manutenção ou melhoria da sua saúde: partilham-na. Fazem-no quando são capazes de reunir para o médico dados fulcrais sobre a sua saúde e história familiar; quando lançam as perguntas certas que conduzem o especialista a apresentar argumentos que motivem o cumprimento das suas orientações.A arte de colecionar saúde

do lado de cá

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SETEMBRO

3ª ESCOLA DE VERÃO INTERNOS DE MEDICINA INTERNA13 a 15 de setembroAbertura de inscrições no 18.º Congresso Nacional de Medicina Interna

X CURSO PóS-GRADUADO SOBRE ENVELHECIMENTOGERIATRIA PRÁTICA20 e 21 de setembroAuditório do Hospital da Universidade de Coimbra

VI JORNADAS DO NúCLEO DE ESTUDOS DAS DOENÇAS DO FÍGADO27 a 29 de setembroHotel Montebelo, Viseu

I CURSO DE FORMAÇÃO EM BOAS PRÁTICAS CLÍNICAS28 de setembroFaculdade de Medicina da Universidade de LisboaOrganização: Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica da FML OUTUBRO

XX CONGRESSO PORTUGUêS DE ATEROSCLEROSE26 a 28 de outubroHotel Vila Galé, Coimbra

CURSO DE DESENVOLVIMENTO NORMAL DA CRIANÇA DOS 0 AOS 5 ANOS29, 30 e 31 de outubroOrganização: Serviço de Reabilitação Pediátrica e Desenvolvimento do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão

NOVEMBRO II JORNADAS DO SERVIÇO DE MEDICINA INTERNA E IV DE INFECCIOLOGIA DO HOSPITAL CENTRAL DO FUNCHAL7 a 10 de novembro

7.ª REUNIÃO NACIONAL DO NúCLEO DE DIABETES DA SPMI9 e 10 de novembroSetúbal

XXXI CONGRESSO MUNDIAL DE MEDICINA INTERNA11 a 15 de novembroOrganização: Sociedade Chilena de Medicina InternaSantiago - Chile

TÉCNICAS INVASIVAS EM MEDICINA INTERNA - TIMI 2.ª EDIÇÃO22, 23 e 24 de novembroLaboratório de Aptidões Clínicas (LAC) da Escola de Ciências da Saúde da Universidade do MinhoOrganização: LAC/SPMI

13.º CONGRESSO DO NúCLEO DE ESTUDOS DAS DOENÇAS VASCULARES CEREBRAIS23 e 24 de novembroPorto

ProPriedade

diretor

Faustino Ferreira•

edição e redação

Edifício Lisboa Oriente, Av. Infante D. Henrique,

nº 333 H, 4º Piso, Escritório 491800-282 Lisboa

Telef. 218 508 110 • Fax 218 530 426Email: [email protected]

•Impressão

RPO Produção Gráfica, Lda.Trav. José Fernandes, nº17 A/B

1300 - 330 Lisboa•

Periodicidade: trimestralTiragem: 4.000 exemplares

•Distribuição gratuita aos associados

da Sociedade Portuguesa de Medicina InternaAssinatura anual: 8 euros

•Depósito Legal nº 243240/06

Isento de Registo na ERCao abrigo do artigo 9º

da Lei de Imprensa nº 2/99, de 13 de Janeiro

•Sociedade Portuguesa

de Medicina InternaRua da Tobis Portuguesa, nº 8 - 2º sala 7/9

1750-292 LisboaTel. 217 520 570 / 8 • Fax 217 520 579

[email protected] NIF: 502 798 955

•www.spmi.pt

Consultora ComercialSónia Coutinho

[email protected].: 961 504 580

Tel. 218 508 110 - Fax 218 530 426

agenda

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