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REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA NÚMERO 7/DEZEMBRO 2016 ISSN 1984-4735 142 A POLÍTICA NEOLIBERAL E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE O ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA 1 Patrícia Maria Guarnieri Ramos (UNIMEP) 2 Anna Maria Lunardi Padilha (UNIMEP) 3 RESUMO O presente artigo empenha-se em articular estudos sobre a origem do Estado moderno e a atual política neoliberal, descrevendo seu impacto nas reformas educacionais vigentes, especificamente, sobre os programas de ensino da linguagem escrita nas séries iniciais do Ensino Fundamental das escolas públicas. A partir dessas considerações, problematizam-se as consequências da determinação e a configuração de tal modelo de Estado para as políticas de alfabetização. Palavras chaves: Linguagem escrita. Política neoliberal. Psicologia Histórico- Cultural. NEOLIBERAL POLITICS AND ITS IMPLICATIONS ON READING AND WRITING EDUCATION ABSTRACT This paper aims to articulate researches about the origin of the Modern State and the ongoing neoliberal poliitics, pointing out their impact in the current educational reforms, especially in the written language teaching projects in the first grades of elementary school within the public system. With these considerations in mind, the 1 Trabalho apresentado como requisito para a conclusão da disciplina Estado, Políticas e Reformas Educacionais, ministrada pela Profª Drª Tânia Barbosa Martins, no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado), da Universidade Metodista de Piracicaba, 2015. A dissertação de Mestrado que está em andamento tem como tema o ensino da linguagem escrita e como objeto investigar a alfabetização nas séries iniciais do Ensino Fundamental. O estudo problematiza o baixo nível de desenvolvimento da escrita das crianças das escolas públicas e apoia-se na premissa de que esse resultado tem uma história e que dela faz parte a desvalorização dos métodos de ensino. Para tanto, fundamenta-se no método materialista histórico-dialético. O artigo não representa a pesquisa, mas é parte constitutiva na análise sobre as políticas públicas para alfabetização. 2 Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de Piracicaba (2003). Pós-graduada em Psicopedagogia pelo G (2012). Pós-graduanda em Educação, em nível de Mestrado, pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). [email protected] 3 Mestre em Psicologia da Educação e Doutora em Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte. Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).

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A POLÍTICA NEOLIBERAL E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE O ENSINO DA

LEITURA E DA ESCRITA1

Patrícia Maria Guarnieri Ramos (UNIMEP) 2

Anna Maria Lunardi Padilha (UNIMEP)3

RESUMO

O presente artigo empenha-se em articular estudos sobre a origem do Estado moderno e a atual política neoliberal, descrevendo seu impacto nas reformas educacionais vigentes, especificamente, sobre os programas de ensino da linguagem escrita nas séries iniciais do Ensino Fundamental das escolas públicas. A partir dessas considerações, problematizam-se as consequências da determinação e a configuração de tal modelo de Estado para as políticas de alfabetização. Palavras chaves: Linguagem escrita. Política neoliberal. Psicologia Histórico-Cultural.

NEOLIBERAL POLITICS AND ITS IMPLICATIONS ON READING AND WRITING

EDUCATION

ABSTRACT

This paper aims to articulate researches about the origin of the Modern State and the

ongoing neoliberal poliitics, pointing out their impact in the current educational

reforms, especially in the written language teaching projects in the first grades of

elementary school within the public system. With these considerations in mind, the

1 Trabalho apresentado como requisito para a conclusão da disciplina Estado, Políticas e Reformas

Educacionais, ministrada pela Profª Drª Tânia Barbosa Martins, no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado), da Universidade Metodista de Piracicaba, 2015. A dissertação de Mestrado que está em andamento tem como tema o ensino da linguagem escrita e como objeto investigar a alfabetização nas séries iniciais do Ensino Fundamental. O estudo problematiza o baixo nível de desenvolvimento da escrita das crianças das escolas públicas e apoia-se na premissa de que esse resultado tem uma história e que dela faz parte a desvalorização dos métodos de ensino. Para tanto, fundamenta-se no método materialista histórico-dialético. O artigo não representa a pesquisa, mas é parte constitutiva na análise sobre as políticas públicas para alfabetização.

2 Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de Piracicaba (2003). Pós-graduada em

Psicopedagogia pelo G (2012). Pós-graduanda em Educação, em nível de Mestrado, pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). [email protected]

3 Mestre em Psicologia da Educação e Doutora em Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte.

Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).

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consequences of the determination and setting of this model of State for the literacy’s

policies are questioned.

Key-words: Written language. Neoliberal Politics. Historical-Critical Psychology.

Introdução

Busca-se com este artigo problematizar a formação do Estado Liberal –

apresentando o desenvolvimento dessa instituição e seu desdobramento no modo

de produção capitalista global e vigente – e seus impactos sobre as políticas

educacionais para a alfabetização. Diante desse desafio, o referido estudo

desenvolveu-se com as contribuições das obras de importantes intelectuais da

economia mundial, clássicos e contemporâneos, que permitiram a identificação e a

análise das determinações e das consequências do sistema capitalista.

O modelo de produção capitalista, presente em nossa sociedade, apresenta-

se de modo bastante desenvolvido atualmente e, em sua versão de capital

financeiro, vem apresentando maiores impactos destrutivos para a vida humana.

Nesse sentido, o presente estudo procura o aprofundamento do

conhecimento das questões filosóficas e econômicas referentes à origem do Estado

Moderno. Tomamos como referência a abordagem pela via da análise

macroeconômica e histórica4, pois pretende-se captar o objeto em sua totalidade,

em seu movimento e em sua contradição. Não se poderia deixar de assim se fazer,

uma vez que os resultados sobre o estudo nos leva à conclusão de que os

determinantes das políticas públicas educacionais são questões intrínsecas à

perpetuação do sistema capitalista de produção, ou seja, o sistema econômico

vigente é quem determina tais políticas.

Nossa sociedade contemporânea vem testemunhando o quanto a vida

cotidiana dos sujeitos têm sofrido com as consequências de um sistema capitalista

de produção que visa, sistemicamente, o lucro e a exploração sem limites. Contudo,

tais determinações são experimentadas pelos indivíduos de modo que esses não

têm a percepção dessa relação; são os mecanismos ideológicos que tal sistema

4 O conceito de história que aqui se destaca é o conceito proposto pelo método materialista

histórico-dialético, desenvolvido K. Marx e F. Engels. Cf. MARX; ENGELS, 2007.

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sempre desenvolveu. Sobre essa questão, a educação tem um papel importante na

formação de consciências que, instrumentalizadas5, poderiam identificar, refletir e

atuar em sua realidade, de modo a estabelecer relações que resistam ao processo

de exploração e de alienação do indivíduo.

Por isso, faz-se necessária a produção de conhecimento como um

instrumento de e para a ação humana, que identifique e evidencie os mecanismos

ideológicos de exploração, para, ao menos, estabelecer uma resistência frente ao

avanço das reformas do sistema, especialmente no campo educacional, de modo a

possibilitar mudanças e a imersão de uma sociedade de transição, em um caminho

no qual a vida do planeta e a vida humana sejam, prioritariamente, garantidas.

Expostas essas questões de modo introdutório, apresentamos, em linhas

gerais, as origens da construção do Estado e suas variações, destacando suas

determinações políticas e econômicas e apontando a que/quem tal instituição tem

servido ao longo de sua história. Em seguida, apontamos brevemente os

movimentos de resistência, seus limites e possibilidades e, por fim, as implicações

sobre as políticas educacionais para a aquisição da linguagem escrita, nas séries

iniciais do ensino fundamental nas escolas públicas.

Considerações sobre a origem do Estado Moderno e Liberal

O Estado moderno tem origem no período pós-Idade Média, quando a

organização da sociedade e de seu modo de produção era feudal. Especificamente,

começa na Inglaterra, em meados do séc. XVI. Nesse período, o Estado ainda era

representado pela unificação entre o rei e a igreja. No momento em que Henrique

VIII rompe com o modelo de Estado Feudal, em 1531, identifica-se certa maturidade

político-econômica que alguns países europeus já apresentavam para declaração da

sua independência. A origem do Estado está vinculada também às mudanças

significativas que estavam acontecendo nos meios de produção da sociedade. É

com a perspectiva de um novo cenário econômico – o modelo capitalista de

5 Importante destacar que esse conceito refere-se aos estudos de Saviani (2013) sobre o saber

objetivo e a especificidade da Educação. Para este autor, a escola deve garantir a transmissão dos conhecimentos sistematizados construídos pela sociedade, os verdadeiros conceitos científicos, remetendo-nos a uma concepção marxista sobre a Educação, na medida da evolução das novas gerações, a partir e com os produtos sociais, constituídos pelas gerações atuais.

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produção – que novos ideais políticos vão sendo constituídos, tornando a

permanência do modelo de Estado Medieval impossível (GRUPPI, 1996).

Ainda segundo Gruppi (Idem) o Estado Moderno, que surge nesse período,

pode ser identificado a partir de três características que foram sendo gestadas nesse

momento de transição: a autonomia - a nação não tem mais nenhuma outra

autoridade; a distinção entre Estado e sociedade civil - embora represente a

sociedade, ele não é a sociedade civil, e, por fim, a soberania, uma identificação

entre o Estado e o monarca.

Esse modelo ainda não representa a concepção Liberal, pois ele ainda é a

união do rei (monarca) e do Estado (governo). Na Idade Média, o Estado tinha

vinculação com a suposta preparação dos homens para o Reino de Deus, o poder

do Estado e da Igreja estava identificado com a pretensa salvação espiritual dos

indivíduos, ou seja, como as coisas deveriam ser. O Estado Moderno funda-se como

“a arte do possível, é a arte da realidade que pode ser efetivada, a qual leva em

conta como as coisas estão e não como elas deveriam estar” (GRUPPI, 1996, p.11-

grifo do autor). Desse modo, percebe-se que a noção de Estado vai se distanciando

de valores éticos, morais e religiosos. Aqui não se quer afirmar que o Estado Feudal

representou uma dimensão ética superior, mas, sim, que o Estado Moderno não se

fundamenta em questões éticas, como era a concepção de Estado, por exemplo, de

Aristóteles na Antiguidade (GRUPPI, 1996).

É com John Locke (1632-1704) que se inicia uma concepção de Estado não

absolutista e que se proclama a liberdade das iniciativas econômicas. A sociedade,

que já era mercantil, sente a necessidade da criação de um Estado que represente a

autoridade na preservação da propriedade privada. Com a obra de Jonh Locke

(1994), funda-se a concepção de sociedade civil. Anterior à constituição da

sociedade civil, o homem vivia o estado de natureza. No estado de natureza, o

homem era proprietário de sua força de trabalho, possuía aquilo de que precisava

para trabalhar e viver. Com o desenvolvimento mercantil e o advento da moeda, a

propriedade passa a ser adquirida para além do necessário ao trabalho, isto é, as

trocas mercantis começam a ser mais sofisticadas, gerando, por decorrência, as

desigualdades entre os homens. A moeda permitiu a concentração de riquezas e a

produção da propriedade deixou de ser baseada no trabalho, como propriedade

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limitada, para ser propriedade ilimitada, que o advento do dinheiro instituiu. Fez-se

então necessário o contrato social.

Nesse sentido, o Estado que Locke defende é aquele que promove o contrato

social pelo livre consentimento, pois antes da sociedade civil está o indivíduo; o

Estado é aquele que surge para proteger a propriedade privada, a vida e a liberdade

como direitos civis.

A articulação entre o Empirismo e a concepção de Estado que Locke constrói

está apoiada, em oposição ao que se acreditava no período feudal, na afirmação de

que não há ideias inatas: o homem é uma tábula rasa ao nascer; seu conhecimento

é originário de sua experiência. Assim, também o poder não é inato, nem a

propriedade privada, mas sim produto das relações de trabalho do homem (LOCKE,

1988).

Trata-se de uma visão pragmática e conservadora, que não discute as

origens dos processos e suas transformações, mas sim encaminha para a

adaptação dos indivíduos à sociedade mercantil e capitalista.

No século XVIII, Adam Smith (1723-1790), reafirmando a concepção de

Estado de Locke, diz que a Justiça está a serviço do Estado para regular as leis do

contrato social e legitimar a propriedade privada como direito do indivíduo. Nesse

sentido, sob a lógica do contrato social – à qual a sociedade civil se submete para

poder participar e sair de seu estado de natureza –, legitima-se o acúmulo de

propriedades, bens e riquezas que demarcam diferenças entre os homens nunca

antes experimentadas em outros modelos, como nas comunidades primitivas, por

exemplo, em que o trabalho não tinha fins de acumulação (própria ou alheia), mas

era meio de organização social e de sobrevivência.

Para a legitimação dessas diferenças, Smith (1988) institui quatro causas que

justificariam a riqueza dos homens. Primeiro, a superioridade de qualificações

pessoais, de força, beleza, agilidade e sabedoria, virtudes de sensatez, justiça,

coragem e moderação, garantidas pela linhagem da família. A segunda causa é a

superioridade da idade: um velho da melhor linhagem tem maior riqueza e

autoridade que um jovem de mesma linhagem, assim, a idade está ainda

circunscrita à descendência. A terceira causa é a superioridade da fortuna, que se

justifica pela capacidade produtiva e de comércio de seus bens e produtos,

posicionando a sociedade moderna acima de sociedades primitivas, que não se

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organizam pela manufatura de produtos e seu acúmulo. Nas sociedades modernas,

em que essa tendência está no início, a autoridade é legitimada a quem mantém o

controle sobre os meios de produção e sobre pessoas deles dependentes. A quarta

causa é a superioridade do nascimento, isto é, a descendência de quem já é

detentor da fortuna. Nesse sentido, são o nascimento e a fortuna (herança) que,

definitivamente, nas sociedades modernas, justificam as diferenças das riquezas

entre os homens. (SMITH, 1988, p.317-320).

Essas justificativas, ainda presentes no século XXI, compõem os mesmos

mecanismos ideológicos contemporâneos que justificam a naturalização do acúmulo

da riqueza, sem serem identificadas como causas historicamente construídas. Um

olhar histórico sobre essa questão levanta a contradição e evidencia a ideologia

estabelecida entre as classes sociais presente também na atualidade. Podemos

assim compreender que a contradição demonstra a culpabilização da vítima de um

sistema de acúmulo de capital e exploração do trabalho humano, justificado pelas

mesmas causas dos séculos XVII e XVIII.

Da crítica ao Estado Liberal, mas não ao sistema de produção capitalista

Em 1850, os trabalhadores que estavam sendo explorados pelos efeitos da

Revolução Industrial recente na Europa são impactados pelas referências da análise

macroeconômica de K. Marx (1817-1883) e F. Engels (1820-1895), que também

participaram diretamente da organização e das manifestações proletárias. Marx

previa o avanço histórico para a transformação do modelo capitalista de produção a

partir do proletariado, que tomaria o poder da burguesia, caminhando para uma

sociedade socialista. Contudo, o meio eleitoral, que já era uma prática instituída, foi

o caminho assumido pelos movimentos socialistas, em meio a controvérsias, pois

outros movimentos como os anarquistas, criticavam a condição de um movimento de

classe trabalhadora assumir o Estado – uma instituição genuinamente burguesa.

Pensava-se que a participação nas campanhas eleitorais pudesse ser divulgadora

das propostas da revolução do proletariado e assim se fez. Foram muitos os partidos

que surgiram na Europa nesse período (PRZEWORSKI, 1991).

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Nessa perspectiva é que se institui o Estado do Bem Estar Social 6 - o Welfare

State. Esse modelo, em oposição ao que idealizavam os socialistas, não estava

comprometido com qualquer revolução. Pelo contrário, está comprometido com o

livre mercado, isto é, com o sistema capitalista de produção. O Estado do Bem Estar

social pressupõe que: 1) responsabilize-se pelas atividades que não são lucrativas

para as empresas privadas, mas que se fazem necessárias para a economia como

um todo; 2) regule, especialmente por meio de políticas anticíclicas, o funcionamento

do setor privado e 3) aplique medidas pautadas pela teoria do bem-estar, atenuando

os efeitos distributivos do funcionamento do mercado (PRZEWORSKI, 1991, p. 57).

Assim, a política desse Estado não visa à transformação do sistema

econômico produtivo, mas apenas à adequação à correção de seus efeitos

destrutivos, por exemplo, as políticas de transferência de renda, como salário-família

e crédito para pequenas empresas, a fim de amenizar a exploração, que, sendo

inerente ao sistema produtivo, deverá ser sempre compensada. Considerando os

grandes momentos de crise econômica sistêmica do capital, a capacidade de

atenuar os efeitos é cada vez menor e ainda não se sabem os efeitos do Estado do

Bem Estar Social.

Ao invés da nacionalização dos bens de produção, como era esperado pelo

modelo socialista, o que se vê é uma ideologia para o consumo. Ser cidadão é ter

condições de consumir, não correspondendo em nada ao acesso ao atendimento

digno à Saúde e à Educação de melhor qualidade, por exemplo, pois essas

demandas são pouco importantes para esse modelo de Estado. Na verdade, a

Educação é voltada para a adaptação ao trabalho – aquele necessário à

manutenção do capital, e não como atividade vital, que dá sentido à vida tanto

individual quanto coletiva.

Em comparação com o modelo de Estado Liberal, o Estado do Bem-Estar,

pela sua origem histórica, denota uma preocupação com as classes sociais mais

exploradas pelo sistema econômico. Pela sua origem, legisla em prol do trabalhador,

contudo, a favor do sistema produtivo. Tanto em um modelo como em outro, a

Educação tem um caráter apenas adaptativo do indivíduo ao sistema econômico,

6 Para melhor entendimento da política econômica desse modelo de Estado, cf.: KEYNES, 1992.

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visando a uma semiformação7 voltada à reserva de mão de obra barata, ao bel

prazer dos ciclos econômicos do sistema.

O incentivo ao consumo esgarça os recursos naturais e as subjetividades são

cada vez mais alienadas, consequências de uma formação escolar sem

consistência, incapaz de constituir indivíduos mais esclarecidos, com consciência

dessas questões políticas. Assim como no modelo Liberal, em que, segundo Adam

Smith (1988), o Estado deveria arcar apenas com uma educação básica para o

trabalhador, o ensino do ler, escrever e contar, sem intervir nas negociações do

capital, no Estado do Bem Estar, o modelo de Educação é o mesmo, isto é, o

mínimo para as classes de trabalhadores.

Diante do fracasso na implantação e permanência do modelo de Estado do

Bem-Estar8, retorna-se, no cenário mundial, à influência dos ideais clássicos do

Estado Liberal. Milton Friedman (1985), um estudioso da Economia do século XX e

XXI – que tem suas teses apoiadas nos estudos de Adam Smith – defende o

sistema de livre de mercado, o que chama de capitalismo competitivo, para ele, a

única forma de atingir uma sociedade verdadeiramente democrática9.

Defensor radical do Liberalismo, Friedman afirma que o Estado não pode

intervir nas questões econômicas das nações, pois ao Estado cabem as funções de

defesa das fronteiras, preservação das leis e da ordem, reforço dos contratos

privados, promoção de mercados competitivos. Também recomenda que o poder

deve ser distribuído, pois não é saudável um poder centralizado (federal).

Para Friedman (1985), o modelo do Estado do Bem-Estar predomina nas

organizações políticas e econômicas dos EUA e da Europa, então, ao ceder espaço

para esse modelo paternalista e interventor, os ditos liberais do século XX estão

7 Sobre o conceito de semiformação, estamos nos referindo aos estudos da Escola de Frankfurt.

Neste artigo, adota-se a concepção de Maar (2003), que considera que a Semiformação (Halbbildung) é a determinação social da formação na sociedade contemporânea capitalista.

8 Segundo Przeworski (1991) o Estado do Bem Estar fracassa, pois “qualquer governo em uma

sociedade capitalista é dependente do capital. A natureza das forças políticas que sobem ao poder não afetam essa dependência, pois ela é estrutural – uma característica do sistema, e não dos ocupantes de cargos governamentais, dos vencedores das eleições” (p.60).

9 Os estudos de Milton Friedman não foram facilmente aceitos pelos intelectuais e políticos do seu

tempo. Ele diz que há nos governos uma tendência predominante das teses econômicas keynesianas, isto é, do Estado do Bem-Estar. Friedman é crítico intenso desse modelo de Estado, assim como das experiências socialistas que ocorreram em seu tempo histórico. Diz que os aparentes sucessos desse modelo de Estado são frágeis e que só há liberdade dos indivíduos numa condição de livre mercado, ou melhor, no modelo de capitalismo competitivo.

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promovendo as mesmas teses econômicas às quais o liberalismo clássico se opôs

no século passado; isto é, o Estado Soberano. Ainda segundo o autor, essa

desconfiguração das teses clássicas do Liberalismo acaba por ocasionar um modelo

de Estado e sociedade conservador, onde seus cidadãos não são livres, pois a

liberdade só virá com a limitação e descentralização do poder do governo (Estado).

Nesse sentido, o Welfare State não promove a liberdade, pelo contrário, ele

trabalha em oposição, pois a condição da frequente intervenção do Estado na

Economia – uma de suas características – mantém os cidadãos politicamente

dependentes de seus governos. De fato, podemos compreender teoricamente essa

relação e estamos a cada dia vivenciando situações que nos mostram a fragilidade

desse sistema de governo.

O Estado interventor nas relações econômicas privadas mantém o poder

político e econômico centralizado no Estado. Para Friedman, a liberdade econômica

é fundamental para a sociedade livre, pois ela é o instrumento indispensável para a

liberdade política (1985, p. 17).

Para os liberais, não há problemas éticos no sistema capitalista competitivo. A

ética fica a cargo dos indivíduos. Os valores fundamentais e essenciais são apenas

os relevantes para as relações interpessoais e necessárias para o indivíduo no

exercício de sua liberdade. Somente a economia livre (empresa privada) poderá

coordenar as pessoas e a coletividade sem coerção.

Vejamos como o autor liberal argumenta sobre a liberdade entre as relações

pessoais no sistema de livre mercado:

O consumidor é protegido da coerção do vendedor devido à presença de outros vendedores com quem pode negociar. O vendedor é protegido da coerção do consumidor devido à existência de outros consumidores a quem pode vender. O empregado é protegido da coerção do empregador devido aos outros empregadores para quem pode trabalhar, e assim por diante. E o mercado faz isto, impessoalmente, e sem nenhuma autoridade centralizada. (FRIEDMAN, 1985, p. 23).

Com a tese de livre mercado, Friedman argumenta que essas relações

reduzem as ações do Estado e, ainda mais, as questões sobre as quais os políticos

têm influência10. A ameaça à liberdade está na possibilidade da coerção vinda das

10

Friedman (1985) entende que esse modelo fortalece a corrupção, pois, podendo o Estado intervir na ordem econômica, pode também estabelecer negociações que visem benefícios ilícitos aos políticos que o representam.

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instituições governamentais e políticas; se essas forem neutralizadas pelo livre

mercado, têm-se as bases para uma sociedade livre.

Podemos compreender que as relações que o autor estabelece entre

liberdade econômica e liberdade política, pela via do mercado livre, são coerentes

quando analisadas em consonância com a teoria liberal. Contudo, pode-se com

certeza discutir que os fins aos quais se propõe essa teoria são demasiadamente

questionáveis pelos meios que utiliza. A concretude do sistema liberal de mercado

se caracteriza: pela exploração da mão de obra, pela intensa divisão de trabalho e

pela extração do lucro máximo nas relações de livre mercado. Por isso, não é

praticável quando se tem como princípio a liberdade do indivíduo. Ou melhor, faz-se

necessário definir o que é liberdade para o Liberalismo. Como podemos estudar em

Adam Smith, a liberdade está associada apenas à concepção de propriedade

privada.

Friedman (1985) conclui que estar à margem do mercado livre (como estão os

pobres) se dá pela intervenção do Estado, isto é, que não é o sistema que produz a

massa de excluídos, e sim, a política intervencionista do Estado.

As condições concretas do homem no processo capitalista de produção têm

contribuído para a ausência de liberdade e de democracia, mas, ao contrário, para a

produção de grandíssimas fortunas nas mãos de minorias, representadas pelas

ações corporativas internacionais de controle de produção, que determinam as

regras do jogo. E o Estado, tido como centralizador e interventor, tem também se

colocado ao lado dessas minorias e ao lado do poder que elas representam. Creio

que, ao vislumbrar cada vez mais as teses liberais sendo aplicadas em nossa

economia atual, há a possibilidade da crítica à ideologia que essas teses produzem.

E assim, marcar, cada vez mais, a luta entre as classes sociais, a divisão do trabalho

e a necessidade da transformação dos modos de produção capitalista.

A concretização das ideias liberais e do capitalismo competitivo tem originado

um novo modelo de Estado, o modelo neoliberal. Sob esse novo modelo emerge

também a atual organização do capital e sua tendência à mundialização e ao capital

financeiro.

As reformas educacionais e o estado neoliberal: implicações sobre o ensino

da leitura e da escrita

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O contexto atual da mundialização do capital, com a maior acumulação

ininterrupta já identificada desde 1914, a perda da regulamentação e o

desmantelamento das conquistas sociais, gera graves preocupações: é a classe

trabalhadora que estará submetida a perdas na ordem dos direitos trabalhistas e,

com a revolução tecnológica, dos reais postos de trabalho. O valor do trabalho

humano dentro desse modelo é cada vez menor para essas organizações, que

criam zonas de salários reduzidos e pouca proteção social.

Acreditamos que essa condição do trabalho humano seja a consequência

mais impactante à condição da existência humana. Essas novas formas de

organização do trabalho expropriam o homem de características que foram

historicamente constituídas na evolução social da espécie.

Segundo Marx (2007), foi com a atividade do trabalho que as civilizações

primitivas deram início à origem do homo sapiens. Desse modo, não só se perdem

os direitos sociais recentemente conquistados na história moderna, mas parece que

está em vias de se perder aquilo que já caracterizou o homem, em sua dimensão

como humano genérico: a atividade de trabalho com que o homem produz e é

produzido (LURIA, 1991).

A mundialização do capital, segundo Chesnais (1996), inicia-se nos anos 80

com a instituição da tríade Japão, Europa e EUA e tem ganhado cada vez mais

força. Os dados econômicos comprovam que os investimentos em produção têm

ficado no interior desses países, isto é, as relações comerciais entre a tríade têm se

intensificado e as relações desses países com o resto do mundo, diminuído,

aumentando a marginalização da Economia dos países externos à tríade, que vão

ficar cada vez mais de fora de acordos comerciais e investimentos.

Passaram-se duas décadas da data de publicação dos estudos de Chesnais

(1996) e as questões apontadas são atuais, principalmente, sobre o que se diz do

aumento ininterrupto do acúmulo do capital internacional e do desmantelamento das

conquistas sociais. O modelo de capital produtivo versus capital financeiro continua

a impor suas transformações nas relações de trabalho, e a força produtiva do

trabalho humano não é mais um fator de organização das condições de produção,

passando a ser um fator secundário. Segundo as palavras do autor,

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[...] o trabalho humano é, mais do que nunca, uma mercadoria, a qual ainda por cima teve seu valor venal desvalorizado pelo “progresso técnico” e assistiu à capacidade de negociação de seus detentores diminuir cada vez mais diante das empresas ou dos indivíduos abastados, suscetíveis de comprar o seu uso (1996, p. 42).

O avanço desse modelo de acumulação está, neste início de século XXI, a

marcar o que poderão viver as próximas gerações e determinando o sucateamento

das condições de trabalho, distanciando a maioria da população do planeta de uma

possibilidade de humanização.

As reformas educacionais que vêm sendo características da política neoliberal

nunca foram eficientes numa perspectiva de transformação, pois sempre tiveram

como objetivo remediar os efeitos sistêmicos do capital e não impactar nas suas

causas. É preciso romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação

de uma alternativa educacional significantemente diferente. As instituições

educacionais induzem seus alunos a uma aceitação passiva (resignada) dos

princípios reprodutivos da sua posição na ordem social, mantendo-os no lugar de

futuros proletários (MÉSZÁROS, 2008, p.27).

Diante desse cenário de desvalorização do humano do homem, parece ser

improvável a possibilidade de mudança de rumo desse sistema de produção que

avança cada vez mais na direção do lucro e da exploração do homem pelo homem.

Entretanto, destacamos que a esperança pode surgir a partir de uma educação

transformadora. A esperança se constitui na perspectiva teórica do homem duplo; no

sentido de que o homem constrói suas condições históricas e os recursos para

intervir nessa realidade e, dialeticamente, é constituído por e pelo que produz.

Destacamos a esperança em novas gerações, homens novos para uma

sociedade nova; ainda nos permitimos a confiança nessa transformação, pois o

próprio método (materialista histórico-dialético) nos auxilia a pensar que o processo

é histórico, por isso, e, devido a isso, sempre passível de mudança.

Diante das questões expostas, queremos destacar que, sobre a concepção

de Estado, é inevitável que tal instituição – criada sob o ideal de liberdade e de

sociedade democrática – perpetue as estratégias para a adaptação dos indivíduos

às relações de produção do sistema capitalista. Tal sistema se configura como

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irreformável, na perspectiva da mudança em relação às suas forças produtivas11.

Prevalecem concomitantemente os princípios de divisão de trabalho (manual e

intelectual) e de uma sociedade dividida em classes.

Sobre a diferença entre as classes sociais, podemos nos remeter às

explicações naturalistas de Smith (1988) para dizer sobre as causas da riqueza dos

homens, uma posição conservadora que legitima a propriedade privada. Entretanto,

na abordagem do nosso objeto de estudo – a escola e o ensino da língua escrita –,

esse fundamento naturalista não é o adequado, ao contrário, se quer negá-lo para

superá-lo, pois assumimos uma forma de abordar o fenômeno numa perspectiva

materialista histórica e dialética. Tal perspectiva é tomada aqui como a mais

desenvolvida concepção ou visão crítica de mundo. Tomando de empréstimo as

palavras de Duarte, a visão de mundo “é constituída por conhecimentos e

posicionamentos valorativos acerca da vida, da sociedade, da natureza, das

pessoas (incluindo-se a autoimagem) e das relações entre todos esses aspectos”

(2015, p.12).

A partir desse estudo, pergunta-se de modo crítico: é produtivo para a

manutenção do sistema capitalista de produção que as classes sociais

marginalizadas ou as classes trabalhadoras tenham acesso e domínio pleno da

leitura e da escrita? Se tomarmos os estudos sobre o conceito de Estado Liberal –

que data do início do século XV –, desde então, a relação entre ele e o modo de

produção capitalista se dá numa perspectiva de adaptação dos indivíduos ao

sistema produtivo e de preservação da propriedade privada. Desse modo, a

habilidade de leitura e a escrita – como um bem socialmente construído e como

função social imprescindível para a promoção das sociedades humanas – deve ser

um bem socializado? Evidente que é um bem socializado, pois é constituído nas

relações humanas, mas há um limite dessa apropriação? O que a apropriação em

pleno desenvolvimento dessa função pode promover no que diz respeito à

transformação do sistema?

Com essas questões – que apontam contradições – nossa hipótese é a de

que: numa sociedade dividida em classes sociais, em que a divisão do trabalho é

constitutiva das consciências dos indivíduos, o domínio da linguagem escrita é um

11

Relações de produção representam o motor dos processos sociais e históricos e as forças produtivas são ao mesmo tempo a base material e a forma de existência histórica das relações de produção, isto é, dos meios de exploração. Cf. MOTTA, 2013.

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instrumento que também é dominado pela relação entre Estado e capital. Isto é, está

sob o controle dessa união de interesses, que determina o quanto a sociedade pode

se apropriar ou não do domínio da leitura e da escrita.

Nesse sentido, ao analisar a aquisição da linguagem escrita nas séries iniciais

do Ensino Fundamental da escola pública, não podemos deixar de nos referir às

análises históricas, políticas e econômicas da concepção de Estado neoliberal –

modelo atual – e às determinações do modo de produção capitalista da sociedade.

Partimos de uma concepção psicológica, histórica e crítico12 sobre o

fenômeno da linguagem escrita que, embasada na teoria marxista, busca como

explicação do desenvolvimento ontogenético (do indivíduo) sua constituição social.

O homem, em seu desenvolvimento filogenético (da espécie), desenvolveu funções

psicológicas de origem social, isto é, construído nas e pelas relações interpessoais,

que se tornam instrumentos poderosos na promoção do seu desenvolvimento: as

características que constituem a humanidade do homem. Essas funções culturais

complexas podem ser identificadas como: atenção volitiva, concentração, raciocínio

lógico, pensamento, linguagem (incluindo a leitura e a escrita). Tais funções,

entendidas como superiores precisam ser ensinadas, mediadas, e a

responsabilidade desse processo é da educação. Nessa perspectiva, o homem, para

se tornar homem, precisa inserir-se em um processo educativo (LEONTIEV, 1978,

LURIA, 1991, VIGOTSKI, 1995).

Desse modo, parte-se do pressuposto de que a aquisição da linguagem

escrita não se dá espontaneamente e só poderá ter melhor êxito quando

compreendida como um processo de elevação e abstração, que vai além da simples

transposição da linguagem oral, como um produto social, a qual as gerações mais

capazes têm a responsabilidade de transmitir às gerações futuras, tendo em vista a

garantia de sua evolução. Por isso, é preciso que nossa sociedade assuma a

responsabilidade de providenciar todas as condições necessárias para a aquisição

da linguagem escrita por parte das gerações que estão em formação.

Compreendendo o domínio da linguagem escrita como função psicológica é

que se busca inspiração para compor tal análise e fortalecer a luta para que a escola

pública assuma sua responsabilidade, de ensinar às novas gerações as mais

12

Essa concepção psicológica corresponde aos estudos de L.S. Vigotski, A. Luria e A. Leontiev, conhecidos como autores da Psicologia Soviética.

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evoluídas formas de linguagem escrita. E comprometidos com o referencial teórico e

metodológico do materialismo histórico e dialético, que embasa tal estudo, que esse

ensino garanta a todos os indivíduos, sem nenhuma forma de classificação ou

distinção, o domínio mais pleno possível da leitura e da escrita, pois, na história da

evolução da humanidade, essas foram aquisições da espécie e, como tais, possível

a todos os indivíduos.

Contudo, essa premissa, dentro de uma sociedade marcada pelo sistema

capitalista de produção, que se organiza na/pela divisão de trabalho e na divisão de

classes, ganha outras implicações, como indicamos em nossa hipótese.

Historicamente, desde o desenvolvimento da sociedade letrada, a apropriação

da leitura e da escrita foi negada; seu domínio foi sempre controlado, por

representar poder. Tal poder esteve sempre reservado – na história da humanidade

– a quem detém o poder econômico ou de Estado13.

Partindo dessas premissas teóricas e metodológicas, ao analisar esse

fenômeno nos séculos XX e XXI, podemos considerar que o acesso e o domínio da

linguagem escrita ganha proporções que devem ser remetidas ao modelo de Estado,

ao modo de produção capitalista, principalmente quando a negação do seu acesso

corresponde à não possibilidade, primeiro, de uma formação humana – que almeje

condições elevadas de desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores –;

depois, quando esse não desenvolvimento impede uma formação da consciência

sobre as condições que determinam a realidade vivida; por fim, quando a ausência

de domínio da língua escrita faz do indivíduo mão de obra barata na condição de

emprego e/ou de subemprego à qual fica condicionado

Com esse pressuposto, pode-se perguntar: como acontece esse controle com

relação ao ensino da linguagem escrita, se é a escola um direito básico de toda a

população? No período do qual estamos tratando, a escola foi sendo proclamada

como direito universal pelos Estados em suas proposições de contratos sociais.

Entretanto, é possível identificarmos que esse direito que fora sendo universalizado

não mais se aproximava de um ideal de educação formativa, que promovesse

aquela formação humanizada, mas organizava-se para promover a adaptação do

indivíduo ao trabalho alienado.

13

Cf. ECO, Umberto, 2009. Com a primeira edição publicada em 1980, a obra O nome da rosa narra um episódio acontecido na Idade Média em um convento, onde frades com acesso e domínio da leitura e da escrita conhecem obras que são consideradas pecaminosas e proibidas.

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Trata-se das propostas pedagógicas relativistas hegemônicas. Essa análise é

muito bem realizada por Saviani (2008) no livro Escola e Democracia, publicado em

1980. Nessa obra, o autor faz uma crítica aos resultados que a concepção da Escola

Nova promoveu na escola pública do Brasil, como representante de uma pedagogia

de concepção liberal burguesa, articulada com um modelo de Estado neoliberal.

O que está sendo universalizado não é o melhor. As políticas públicas

educacionais vêm caminhando na perspectiva de universalizar o acesso – nas

últimas décadas têm efetivado tal condição, seja na educação básica ou no ensino

universitário –, mas aparece outra contradição. Qual a qualidade desse ensino ao

qual se dá acesso? Como estão os conhecimentos linguísticos dos alunos ao final

do Ensino Médio, caso consigam a sua conclusão?

No caso do acesso ao Ensino Fundamental, têm-se dados de que há um

percentual de 97,1 % de crianças entre seis e 14 anos matriculadas nesse nível de

ensino (dados de 2013) e que, esse mesmo nível, 71,7% dos jovens de 16 anos o

concluem. Mas ainda permanecem fora da escola 500 mil crianças entre seis e 14

anos, que correspondem aos filhos da população com renda per capita de 1/4 de

salário mínimo, negros, indígenas e deficientes (OBSERVATÓRIO DO PNE, 2015).

Ainda, se considerarmos certa positividade nesses dados, questionamo-nos

quais são os níveis de domínio da linguagem escrita que essas crianças e jovens

estão desenvolvendo?

Mais especificamente sobre índices de alfabetização, o último senso realizado

pelo IBGE demonstra que, entre 2000 e 2010, em todos os estados da federação, os

percentuais de analfabetismo caíram. Em todas as regiões do país, há diminuições

significativas. Considerando os municípios com mais de 500.000 habitantes, têm-se

os seguintes resultados: Região Norte em 2000, 5,6% de analfabetos, em 2010,

3,6%. Na Região Nordeste, em 2000, 10,4%, em 2010, 7,0%. Na Região Sudeste,

em 2000, 5,0%, em 2010, 3,2%. Na região Centro-oeste, em 2000, 5,6%, em 2010,

3,6%. Na Região Sul, em 2000, 8,6%, em 2010, 2,5% (IBGE, 2010).

Sobre o atual conceito de analfabetismo funcional14, divulga-se que 27% da

população entre 15 e 64 anos (dados de 2011) estão em situação de analfabetismo-

14

. “A condição de analfabeto funcional aplica-se a indivíduos que, mesmo capazes de identificar letras e números, não conseguem interpretar textos e realizar operações matemáticas mais elaboradas. Tal condição limita severamente o desenvolvimento pessoal e profissional. O quadro brasileiro é preocupante, embora alguns indicadores mostrem uma evolução positiva nos últimos anos”. (WOOD JUNIOR, 2013).

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funcional. Esses dados são relativos à meta 09 do PNE que diz: “Elevar a taxa de

alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015, e até o final

da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e diminuir em 50% a taxa

de analfabetismo-funcional” (OBSERVATÓRIO DO PNE, 2015).

Porém, esses dados podem ser debatidos quando nos deparamos com a

realidade das escolas públicas e com a grande parte da população que, mesmo

frequentando a escola, não faz uso da linguagem escrita de um modo pleno. Em que

consistem essas políticas que produzem dados positivos quanto à aquisição da

linguagem escrita e, contraditoriamente, no interior das salas de aulas, se conclui

que os alunos não têm êxito no pleno uso da sua língua materna?

Sob a égide do Estado neoliberal, alguns índices sobre a saúde, educação,

moradias, enfim, indicadores sociais são exigências para participar da política

econômica internacional.

Mortatti (2013), pesquisadora brasileira de profícua produção sobre a

alfabetização no Brasil, discute no artigo Um balanço crítico da “década da

alfabetização no Brasil” que o conceito de alfabetização segue silenciado no meio

acadêmico e escolar, fruto das políticas públicas que ficam à mercê das demandas

das avaliações internacionais. Essas atitudes, sempre de atendimento a essas

metas, geram no meio acadêmico e entre os educadores um engodo, que acaba por

produzir professores que não se apropriaram do saber sistematizado sobre o

processo e método de alfabetização.

Em outro artigo, Mortatti (2014, p. 15), dialogando com outros autores que

influenciaram fortemente o ensino da língua portuguesa, problematiza que, diante de

um cenário marcadamente determinado pelas políticas públicas para a Educação,

[...] nas duas ultimas décadas, vem-se mantendo a equivocada perspectiva segundo a qual o ensino da língua portuguesa e literatura deve se restringir ao acanhado patamar representado pelas “expectativas de aprendizagem” (mesmo assim, para muitos, cada vez mais distante de ser alcançado) dos rudimentos da leitura e da escrita, ou, quanto muito, deve avançar em direção às novas práticas docentes relacionadas com certas concepções de aprendizagem, de leitura e de escrita, alinhadas com padrões internacionais estabelecidos em função de políticas neoliberais de desenvolvimento econômico.

Destaca-se que esse “acanhado patamar”, ao qual se refere a autora, é

justamente o que analisamos como forma de controle do Estado, sobre uma forma

de acesso e domínio da leitura e da escrita, pois o insucesso das escolas na

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realização desse feito com seus alunos está relacionado muito mais a tais políticas

de “expectativas de aprendizagem” ditadas pelos acordos políticos de fundo

econômico que às reais dificuldades de aprendizagem dos alunos.

Pode-se afirmar que as reformas encaminhadas no cenário político brasileiro

desde a década de 90, com a implantação do Estado neoliberal, vêm submetendo

todas as instituições a fim de adequar-se a essa política internacional. As

reformulações propostas para a adequação e às proposições do capitalismo, em

geral, podem ser compreendidas como

[...] equilíbrio orçamentário, sobretudo redução de gastos públicos; abertura comercial, pela redução das tarifas de importação e eliminação das barreiras não tarifárias; liberação financeira, por meio de reformulações das normas que restringem o ingresso do capital estrangeiro; desregulamentação dos mercados domésticos pela eliminação dos instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços incentivos, etc.; privatização das empresas e dos serviços públicos [...]. (SOARES, 1996, apud SILVA JUNIOR, SGUISSARDI, 2001, p. 26).

Tais reformas visam a transformações das instituições públicas para torná-las

mais flexíveis e eficientes: reduzir seus custos; garantir ao serviço público,

particularmente aos serviços sociais do Estado, melhor qualidade; levar o servidor

público a ser mais valorizado pela sociedade ao mesmo tempo em que valorize mais

seu próprio trabalho, executando com mais motivação (BRESSER-PEREIRA, 1996,

apud SILVA JUNIOR, SGUISSARDI, 2001, p. 26).

Entretanto, os princípios aplicados às reformas são oriundos do Estado

Liberal, como podemos analisar nas obras de John Locke e, na contemporaneidade,

com Milton Friedman, entre eles a defesa integral da privatização das instituições e,

desse modo, da educação.

Segundo Saviani (2008), toda reforma é proclamada como discurso pela

própria classe dominante como princípio progressista; mas tais reformas são sempre

direcionadas para a classe trabalhadora e para a classe dominada. Essa posição

não é por acaso, ela é intencional.

Nesse sentido, é oportuno pensar que todas as justificativas para as reformas

têm como princípio a crise que supostamente o Estado vive, devido à sua falta de

adequação ao modelo neoliberal. A crise não é justificada pelo próprio sistema

capitalista, isto é, cria-se o discurso da desvalorização para criar-se a demanda da

mudança, que é proposta com vistas à adaptação ao sistema produtivo, nunca na

perspectiva da sua transformação.

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Essa lógica também é aplicada ao sistema educacional, ou seja, declarar o

sucateamento do sistema público de educação para almejar sua privatização, ao

invés de, ao conseguir a tão esperada universalização do ensino básico, garantir,

com ele, sua qualidade necessária.

Especialistas em economia analisam que nossa participação no bolo total do

comércio internacional mundial não saiu dos 0,7% (PAULANI, 2008, p.136), ou seja,

nossa base econômica produtiva ainda se reserva a índices muito baixos. Por mais

que o país tenha se adaptado integralmente aos ditames do mercado internacional,

sua economia não aparece como emergente, o que lhe confere a condição de

submissão a tais instituições financeiras internacionais. Como ter garantias

econômicas de autonomia e desenvolvimento de um sistema educacional que

permita o desenvolvimento de seus indivíduos e da sociedade?

Como herança dessas reformas, ficaremos de fato com a precarização de

todo os níveis da educação – da básica ao ensino superior –, que segue em marcha

acelerada para ser domínio de grandes empresas multinacionais, que não têm

compromisso com a formação do alunado, mas sim com a adequada mão de obra,

ou, se ainda não for pior, com o compromisso apenas de oferecer um bem de

serviço, um objeto de consumo.

Considerações finais: a educação e sua responsabilidade com a sociedade de

transição

Como forma de superação desse cenário tão pouco promissor, referimo-nos

aos estudos de Mészáros (2008) e Saviani (2008, 2013) ao considerar que as

reformas educacionais nunca foram eficientes numa perspectiva de transformação,

pois sempre tiveram como objetivo remediar os efeitos sistêmicos do capital e não

modificar suas causas.

Os atuais discursos sobre educação pautados em meritocracia e

empreendedorismo são exemplos dessa internalização, que não só inculca a lógica

de que cada indivíduo é responsável pelo seu sucesso e/ou fracasso como torna o

outro seu adversário.

Afirmamos, com educadores que assumem a concepção materialista

histórico-dialética de mundo e de sociedade, que a educação é a mola propulsora

para a formação de uma consciência crítica sobre a realidade. Para o século XXI, ou

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seja, para uma sociedade de transição, é preciso que a escola: a) retome os ideais

iluministas não realizados, como os ideais kantianos, por exemplo, recriando uma

sociedade de continuidade histórica15

; b) garantir o papel autônomo da educação

quanto à compreensão e expediente dos mediadores da sociedade de transição,

pois esses expedientes mediadores são a própria história e c) uma concepção

dialética e sustentável de continuidade e de mudança (MÈSZAROS, 2008).

O desafio, que é planetário, constitui-se como possibilidade da derrocada da

dominação ideológica do capital – que estabelece a cultura da desigualdade

substantiva, para uma educação socialista, que faça a mediação de uma concepção

de igualdade substantiva (Idem).

Saviani (2008, 2013) também reafirma que os reformismos educacionais

estão a serviço do Estado neoliberal, que não prevê aos filhos da classe

trabalhadora outro lugar social que não o de dominados. E que é preciso que a

classe trabalhadora tenha acesso e se constitua com a “internalização” e o domínio

dos conteúdos mais desenvolvidos produzidos pela sociedade.

a) identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações, bem como as tendências atuais de transformação; b) conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo que se torne assimilável pelos alunos no espaço e tempo escolares; c) provimento dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção, bem como as tendências de sua transformação (2013, p. 08-09).

A partir desses estudos, renova-se a perspectiva de que a educação é, ainda,

uma instituição que pode nos levar a uma transformação social, não independente

de outros movimentos sociais, mas é radicalmente um lócus de formação da

consciência de classe que pode levar à mudança. Cabe a nós, sujeitos desse

momento histórico, produzir o que Mészáros (2008) chama de contra-internalização,

cientes da dificuldade dessa ação. Compete-nos o contínuo e crítico

aprofundamento nos estudos. Aprofundar a reflexão sobre a aquisição da linguagem

15

Compreende-se que o autor refere-se a um momento da História em que os ideais iluministas, mesmo que idealistas e elitistas, buscavam o desenvolvimento de um humano genérico, uma concepção universal de homem e de humanidade. Contudo, o autor faz ressalvas de que a busca desse indivíduo autônomo e soberano é uma lógica capitalista; pois são esses supostos indivíduos autônomos que mantêm a sociedade de consumo e vivem suas determinações como algo naturalizado. Ainda assim, a educação utilitarista que se efetiva a partir da segunda metade do século XIX, que tem como base uma ciência neutra, compõe muito mais o ethos capitalista.

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escrita a partir desse referencial metodológico é parte dessa motivação, ou seja,

contribuir como sujeito histórico, na consciência das determinações sociais, políticas

e históricas do nosso tempo.

Subsidiadas por esses pressupostos teóricos e metodológicos, baseamo-nos

na premissa de que o bom ensino da linguagem escrita, portanto, a alfabetização, é

a pedra de toque de todo o sistema de ensino. Seu tratamento inadequado

determinará negativamente toda a trajetória escolar. (MARTINS; MARSIGLIA, 2015).

Nessa perspectiva, ensinar a linguagem escrita para os alunos das escolas

públicas de modo pleno é buscar uma “contra-internalização”, como prevê Mészáros

(2008). É contribuir para uma sociedade de transição que possa almejar as

verdadeiras transformações no modo de produção e do sistema produtivo, que

viabilizem e preservem a vida humana em suas formas culturais mais elevadas.

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