a poética maquinista · emblemáticos são a fábrica fagus, de gropius e adolf meyer, a casa...

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Coisas da Arquitetura Just another WordPress.com weblog A poética maquinista Publicado em 20/03/2011 | Deixe um comentário As vanguardas O Movimento Moderno na arquitetura amadureceu por volta de 1920, como uma resposta tardia a grandes questões formuladas no século XIX a respeito da relação criativa do homem com máquina, com a cidade, com o novo modo de viver da sociedade. Quatro são as suas principais vertentes. Vamos alinhá-las sem ter em mente nenhum julgamento de prioridade ou valor, quer cronológico ou ideológico. Chamemos a primeira de purismo, aceitando a denominação dada por Le Corbusier ao movimento que criou, juntamente com Amedée Ozanfant. Apoiado em slogans futuristas e seguindo os passos de Adolf Loos na aversão deste ao ornamento, Corbusier construiu uma fundamentação bem clara e objetiva para o edifício, falando de pilotis, janelas, terraços, espaços centrífugos, promenades. A nossa casa deveria ser uma “máquina de morar”. Para a cidade estabeleceu as célebre funções (habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito, circular), o zoneamento e a verticalização, que devem muito à Cité Industrielle de Toni Garnier. Purismo. Edifício no Bairro Weissehof. Stuttgart, 1927. Le Corbusier. Outro movimento muito próximo do purismo era o Neoplasticismo de Mondrian e Theo van Doesburg, a mais abstrata das quatro vertentes, a menos arquitetônica, porém a que nos deu a mais clara carta de princípios, os “Dezessete pontos da arquitetura neoplástica”, publicado em 1925 na revista De Stjil. O seu excessivo abstracionismo nos deixou poucas obras, mas muitas polêmicas, e até mesmo motivou uma greve na Bauhaus. Aliás, talvez a mais importante destas obras, além do edifício canônico de Gerrit Rietveld – a Casa Schöeder, seja o Pavilhão da Alemanha na Exposição de Barcelona, assinada por Mies van der Rohe, que não era um neoplástico de raiz, mas era sem dúvida o arquiteto mais equipado para estes altos vôos abstratos.

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Coisas da ArquiteturaJust another WordPress.com weblog

A poética maquinistaPublicado em 20/03/2011 | Deixe um comentário

As vanguardas

O Movimento Moderno na arquitetura amadureceu por volta de 1920, como uma resposta tardia a

grandes questões formuladas no século XIX a respeito da relação criativa do homem com máquina, com a

cidade, com o novo modo de viver da sociedade. Quatro são as suas principais vertentes. Vamos alinhá-las

sem ter em mente nenhum julgamento de prioridade ou valor, quer cronológico ou ideológico. Chamemos

a primeira de purismo, aceitando a denominação dada por Le Corbusier ao movimento que criou,

juntamente com Amedée Ozanfant. Apoiado em slogans futuristas e seguindo os passos de Adolf Loos na

aversão deste ao ornamento, Corbusier construiu uma fundamentação bem clara e objetiva para o

edifício, falando de pilotis, janelas, terraços, espaços centrífugos, promenades. A nossa casa deveria ser

uma “máquina de morar”. Para a cidade estabeleceu as célebre funções (habitar, trabalhar, cultivar o

corpo e o espírito, circular), o zoneamento e a verticalização, que devem muito à Cité Industrielle de Toni

Garnier.

Purismo. Edifício no Bairro Weissehof. Stuttgart, 1927. Le Corbusier.

Outro movimento muito próximo do purismo era o Neoplasticismo de Mondrian e Theo van Doesburg, a

mais abstrata das quatro vertentes, a menos arquitetônica, porém a que nos deu a mais clara carta de

princípios, os “Dezessete pontos da arquitetura neoplástica”, publicado em 1925 na revista De Stjil. O seu

excessivo abstracionismo nos deixou poucas obras, mas muitas polêmicas, e até mesmo motivou uma

greve na Bauhaus. Aliás, talvez a mais importante destas obras, além do edifício canônico de Gerrit

Rietveld – a Casa Schöeder, seja o Pavilhão da Alemanha na Exposição de Barcelona, assinada por Mies

van der Rohe, que não era um neoplástico de raiz, mas era sem dúvida o arquiteto mais equipado para

estes altos vôos abstratos.

Neoplasticismo. Casa Schröeder. Utrecht, 1924. Gerrit Rietveld.

Estes dois movimentos, o purismo e o neoplasticismo constituíam o viés pictórico do movimento

moderno. Eram idéias formuladas por pintores de formação, e que, por isso mesmo, valorizavam o

aspecto visual da arquitetura. Os outros dois movimentos, formulados por arquitetos, comprometiam-se

mais com o dado construtivista, com os materiais, com as estruturas. Obviamente que esta separação

entre o lado pictórico e construtivista dos movimentos não pode ir muito adiante, pois todos os

movimentos de vanguarda devem seu tributo à pintura, do suprematismo ao elementarismo, do

expressionismo à nova objetividade, mas deixaram marcas importantes na arquitetura.

Dos movimentos que chamamos construtivistas, citemos, em primeiro lugar, a Bauhaus. Não falamos

aqui da escola, um cadinho de experimentações, de influências diversas e contraditórias, mas da obra dos

arquitetos a ela ligados: Mies, Gropius, Breuer, Hannes Meyer, Mart Stam. Vista sob este aspecto, a

produção é tão homogênea quanto se pode esperar de um movimento, a partir do próprio edifício da

Bauhaus de Dessau e do conjunto de edifícios para o bairro Weissendorf, em Stutgard. Este conjunto

reuniu obras dos mais importantes arquitetos progressistas daquela época: Oud, Poelzig, Behrens, Stam,

Scharoun, Hilberseimer, Bruno e Max Taut, Mies, Gropius, Corbusier. A Bauhaus, ou qualquer de seus

membros, em nome da instituição jamais proclamou princípios claros de sua poética, daí a importância

dos outros movimentos contíguos. Era, entretanto, o melhor, ou o único ponto de encontro e cruzamento

de idéias.

Edifício da Bauhaus. Dessau, 1925-6. Walter Gropius.

O Construtivismo soviético foi também de grande importância. Não fez, como Corbusier, uma leitura

abstrata do Messaggio de Sant’Elia. Ao contrário, dela tirou indicações concretas, recomendações para se

fazer a arquitetura do seu tempo: expor as máquinas, elevadores, antenas de rádio, elementos estruturais,

e explorar ao máximo as possibilidades dos novos materiais e técnicas, distendendo as estruturas até o

seu limite. A sua ousadia, e o forte colorido ideológico, melhor articulado que nos outros movimentos, vão

ser a sua marca.

Sede do Jornal Pravda Leningrado. 1924. Irmãos Vesnin.

A poética maquinista

Nos movimentos que acabamos de descrever há uma nítida convergência; tudo se passou como se o

pensamento anterior fosse um feixe amplo de idéias cujas radiações mais poderosas convergiam em um

feixe mais concentrado. O pensamento múltiplo vindo do século XIX condensou-se, no imediato após

guerra, gerando as quatro correntes descritas. Podemos ainda ir adiante e analisar o que estas quatro

correntes têm em comum, ou ainda destacar as características de cada uma usadas com maior freqüência

nos tempos que se seguiram.

Em primeiro lugar devemos destacar as duas orientações paralelas. A primeira, que poderemos chamar

de orientação pictórica, inspirada nas poéticas ligadas à pintura, como o Purismo de Le Corbusier e o

Neoplasticismo, e a orientação construtivista, esta inspirada nos movimentos ligados à edilícia, às

práticas construtivas, como a Bauhaus, o Construtivismo Russo, a Nova-Objetividade, etc. Estas

tendências, não absolutamente dissociadas, caminharão em paralelo, contaminando-se mutuamente,

porém respondendo de maneiras diversas aos problemas práticos, como no caso da fenestração, no trato

do espaço, da estrutura e outros. Queremos com isto destacar a existência de uma tensão interna no

pensamento arquitetônico, a qual ao mesmo tempo que o vivifica, contém o germe de transformações

futuras.

Economia, Objetividade, Anti-individualismo

A economia é procurada de diversas maneiras, seja materialmente, pois o mundo se tornara maior e os

recursos mais exíguos, seja simbolicamente, pois se a “nova ordem” era prática, o homem moderno assim

deveria ser.

Escolha um apartamento menor do que aquele a que foi acostumado por seus pais, pense na

economia dos seus gestos, de suas palavras, de seus pensamentos. [1]

exortava Le Corbusier, em coro Van Doesburg e Mondrian.

A nova arquitetura é econômica, [...] utiliza os meios elementares sem desgaste de recursos

materiais. [2]

De fato, tudo o que se dirá sobre estrutura, decoração, separação de funções, etc. terá como pano de fundo

a idéia de economia.

A objetividade ataca impiedosamente e o gongorismo plástico, comum no ecletismo. Além das conotações

de seu uso vulgar, a palavra “objetividade” (sachlichkeit), adquire um novo status ao significar uma

atitude oposta à subjetividade, marca do movimento expressionista; evocava, nos anos trinta, uma atitude

ligada à realidade imediata, quer seja política, social ou estética. No que se refere à arquitetura, designava

uma constante vigilância para evitar evasões historicistas, decorativistas ou sentimentais, centrando a

atenção no objeto arquitetônico e seus determinantes mais pragmáticos.

Quanto ao anti-individualismo, possui também aspectos práticos, estéticos e éticos. Significava a ruptura

com o fazer artesanal, impregnado do gosto pessoal, da maniera. Enquanto as obras de pintura até agora

foram tão fugidias que não podiam ser duplicadas, agora podem ser multiplicadas ao infinito, quer pelos

artistas que as criaram, quer por intermediários escrupulosos [...] de modo que nenhuma cópia é mais

“original” do que outra. [3]

Bairro Weissenhof. Stuttgart, 1927. Edifícios de Hans Scharoun (E), J. J. P. Oud (C) e Mies van der Rohe (D). O melhor

exemplo de uma linguagem coletiva e anti-individualista que representam a poética maquinista.

O individualismo era um obstáculo à reprodutividade mecânica, e, consequentemente, a arte do século

XX. A atitude morrisiana deveria ser combatida, e o foi. E talvez o aspecto mais difícil de superar pelas

vanguardas tenha sido exatamente este: substituir uma poética de egos fortes e manifestos por outra em

que estes seriam integrados ao pensar coletivo. Era necessário que esta prática estivesse fundamentada

em uma estética. Coube sobretudo ao Neoplasticismo construir esta ponte.

[...] A equação implícita entre arte abstrata e maquinaria… é apoiada ainda pelo fato de que

ambos eram vistos como instrumentos de outra coisa que foi erigida no programa do De Stijl:

a despersonalização da arte. [4]

O Manifesto da revista exortava a remover

[..] O caráter pessoal do edifício e assim [caminhar] em direção a uma arte de grupo[...] com

inter-relacionamentos rítmicos entre ate mesmo as menores partes estruturais, e nenhuma

adição de decoração. [5]

Este lado estético será ainda complementado por uma justificativa ética, cuja ligação começa a ser feita na

vertente socialista alemã, com Mart Stam.

A visão dualista de vida, céu e terra, bem e mal, a idéia de que há um conflito interior e terno

acentuou o individualismo e o afastou da sociedade [...] O isolamento do indivíduo o deixou a

mercê de suas emoções. Porém a perspectiva moderna vê a vida como extensão de uma força

singular. Isto significa que o que é especial e individual deve ceder ante o que e comum para

todos. [6]

E terá sua versão final, evidentemente, no pensamento socialista, como o retrata Moisei Guinzburg.

Não se trata, obviamente, de ajustar-se ao gosto individual dos novos consumidores. Não se

trata de gosto. Trata-se de descobrir as particularidades dos novos consumidores enquanto

coletividade que constrói o socialismo e dar prioridade aos princípios de planificação. [7]

Estes três predicativos, economia, objetividade e anti-individualismo, irão orientar as formulações

relacionadas ao fazer arquitetônico, como veremos a seguir.

Volume, não massa

Para Henry Russell Hitchcock e Philip Johnson, a distinção entre volume e massa, e a opção pelo

primeiro era um componente fundamental da arquitetura que alcunharam de “Estilo Internacional”.

O efeito de massa, de solidez estática, até hoje considerado como a primeira qualidade da

arquitetura, desapareceu completamente. Em seu lugar há um efeito de volume, ou, para

sermos mais exatos, de planos de superfície que limitam um volume. O principal símbolo da

arquitetura já não é o denso tijolo, mas a caixa aberta. [8]

Fábrica Fagus, Alfeld. 1911-13. W. Gropius e A. Meyer. Apesar de ainda conter elementos decorativos e de

composição clássicos, foi uma das primeiras utilizações da cortina de vidro e uma das primeiras vezes em

que se tira o ponto cego da construção.

A diferenciação deriva, sob o ponto de vista simplesmente estático, das novas possibilidades estruturais.

De fato, a estrutura tradicional, com paredes portantes, exigia destas estarem firmemente plantadas no

solo, envolverem o edifício, que se reforçassem nos cantos, gerando o que Hitchcock e Johnson

chamavam “efeito de massa”. Simbolicamente evocavam arquiteturas tradicionais, o castelo medieval, o

“palazzo” renascentista e suas derivações. A alternativa moderna estava na estrutura independente,

econômica, nos “pilotis” de Le Corbusier, nos planos leves das paredes vedantes, ou nos grandes panos de

vidro.

Até agora parecia que uma casa deveria ficar fixada pesadamente no solo, pela profundidade

de suas fundações, pelo peso de suas paredes grossas [...] A ciência da construção evoluiu de

maneira perturbadora em termos recentes. [9]

O assunto era também tratado pela tríade Mart Stam, Hans Schmidt e El Lissitzky, na sua revista ABC,

onde cunharam a formula construção + peso = monumentalidade.

Diversos são os procedimentos estéticos destinados a estabelecer a leveza desejada, e destituir o edifício

de sua característica massiva. O mais simples deles, depois, obviamente, da elevação do solo pelos pilotis,

era colocar uma janela ou abertura nas esquinas do edifício. Deste procedimento, os exemplos mais

emblemáticos são a fábrica Fagus, de Gropius e Adolf Meyer, a casa Ozenfant, de Le Corbusier e Pierre

Jeanneret e a casa Tugendhat, de Mies. Nestes casos, o antigo “ponto cego”, marco lateral do edifício,

destituído de seu atributo portante, era desnudado em um gesto retórico.

Um outro recurso era o uso cada vez mais intenso dos panos de vidro, até chegar à cortina total, marca

registrada do Estilo Internacional tardio. O binômio vidro-estrutura tem uma outra solução, utilizada

pela primeira vez por Mies van der Rohe em 1922, para um edifício de escritórios em Berlim, exposto pelo

Novembergruppe, em que as vigas horizontais, envolvendo todo o perímetro do edifício, alternavam-se

com as faixas de vidro, solução que se tornaria corriqueira, anos mais tarde.

A dualidade “massa-volume” é, possivelmente, um ponto por que Frank Lloyd Wright, que nunca lhe deu

muita atenção, foi encarado com reserva pelos modernistas europeus. Veja-se o Larkin Building[10] e a

Unity Church, marcos significativos em tantos aspectos, e tão admirados por Berlage, porém na

contramão do princípio da leveza volumétrica, o qual, apesar da unanimidade inicial, não contaria com a

simpatia de um Alvar Aalto, de um Louis Kahn, ou mesmo do Le Corbusier mais maduro, não o purista

ligado a Ozenfant, mas o brutalista ligado a Fernand Leger.

Edifício Larkin. Buffalo, 1906. Frank Lloyd Wright.

Um dos mais absolutos pontos de doutrina do modernismo era o antidecorativismo. Não se admitiria

nenhuma das maneiras de aplicação decorativa consagradas pelas arquiteturas anteriores. Não aos

relevos figurativos ou geométricos; não às modinaturas: não às cornijas.

Continuava o credo modernista: naquele pensamento de filiação pictórica (neoplasticismo, purismo etc.)

não se admitiria qualquer indício de textura ou da materialidade dos muros, como no caso da explicitação

das alvenarias de tijolos ou pedras. Neste ponto falava mais alto o platonismo neoplasticista:

Construir sem ornamentação enseja as maiores possibilidades de pureza e expressão

arquitetônica… Toda decoração é não essencial, mera compensação externa para uma

impotência interna. [11]

Considere-se que muito da ideologia da arquitetura moderna era o rebatimento de poéticas pictóricas,

como o Purismo, o Neoplasticismo, a Nova-Objetividade. As paredes lisas, preferencialmente brancas

constituíam-se, como sugere Banham [12] , no substrato ideal do pintor. Le Corbusier escreveria, em

1922, para uma resenha do Salon d’Automne:

Se a casa é inteiramente branca, o desenho das coisas ressalta, sem qualquer possível

transgressão, os volumes aparecem claramente, cor é explícita. [13]

Posição semelhante podemos tirar de Mondrian:

Em arquitetura, o espaço vazio vale como uma cor. [14]

Casa do Diretor. Bauhaus Dessau. 1925. Walter Gropius.

Por ser, talvez, um dos princípios mais abstratos do conjunto de formulações modernistas, não teve vida

longa. Aqueles arquitetos que não tinham a pintura como referência, logo lhe abriram mão. É o que

podemos constatar nas obras de Mies nos Estados Unidos, nas quais abandona a parede branca e lisa do

Weissenhof Siedlung, de 1927, pelas vibrantes alvenarias de tijolos e pelo vidro, no Instituto de

Tecnologia de Illinois. Mesmo Le Corbusier abriria mão de seu purismo pictórico, trocando-o pelas

acidentadas superfícies de concreto, a partir de Marselha. De qualquer maneira, o princípio das paredes

lisas e possivelmente brancas teve seu momento, e, ao considerá-lo, não podemos deixar de falar de outra

questão, que lhe esta atrelada: a fenestração.

Podemos diferenciar dois princípios igualmente importantes. O primeiro, no viés neoplástico, é o da

parede como substrato, onde os elementos (janelas ou aberturas) ganhariam “valor de uma cor”, como

ensinava Mondrian. Para esta solução, temos a orientação de Le Corbusier das fenêtre en longeur e dos

traçados reguladores.

De fato, a prática oitocentista somente conhecia janelas verticalizadas, que Le Corbusier chamava de “tipo

versailles”. A esta atitude tradicional a poética maquinista vai oferecer duas alternativas: a primeira

originária da vertente pictórica do movimento, -neoplasticismo e purismo; a segunda pela vertente

construtivista do racionalismo americano ou da “objetividade” alemã. No primeiro caso temos a

orientação da fenêtre en longeur, com valor plástico suprematista, de Le Corbusier, ou a indicação de Van

Doesburg :

[...] A nova arquitetura propõe: a relação equilibrada de partes desiguais, quer dizer, de

partes que são diferentes (em posição, medida, proporção) por seu caráter funcional. A

composição destas partes está dada pelo equilíbrio das diferenças, não das igualdades. [15]

A outra orientação é aquela de teor construtivista, voltado não para os valores plásticos de superfícies

brancas rasgadas, mas para os elementos de iluminação e ventilação induzidos pelos determinantes

construtivos,vigas, pilares, maciços, etc. Neste caso a prioridade histórica coube à grade fenestrada de

Sullivan, cujo exemplo mais amadurecido e emblemático é o edifício Carson, Pirie, Scott & Company, de

1904. O princípio conheceria uma evolução, no já citado edifício de escritórios Mies, para o

Novembergruppe, de 1922.

Edifício de escritórios. Projeto exposto pelo Novembergruppe. 1922. Mies van der Rohe.

Vemos aí que o elemento janela passa por um processo de dessemantização, quantitativo, enquanto é

questionado pelas poéticas pictóricas. Quando atacado pelas poéticas construtivistas, sofre mudança

qualitativa, perde sua própria natureza quando passa a ser a fita de Mies, ou a cortina de Gropius.

Estrutura

A arquitetura moderna tornou-se possível devido aos dois novos materiais que lhe foram legados pelo

século XIX. Assim sendo, nada mais certo do que a estrutura desempenhar papel preponderante em Sua

concepção. Neste aspecto, as práticas de projetação e as possibilidades do concreto armado e do ferro

orientaram a concepção dos projetos. Nada mais enfático a respeito do que o pensamento de Mies van der

Rohe, expresso na revista “G” :

Recusamo-nos a reconhecer problemas de forma; reconhecemos somente problemas de

construção. [16]

Os “problemas de construção” consistiam na disciplina projetual necessária para atender aos requisitos

estruturais. Le Corbusier atentou para o fato de que estes dados iriam fatalmente se confrontar com as

necessidades funcionais e estéticas, e apressou-se em incluir em seus princípios aquele da estrutura

independente, o qual ele levava às últimas conseqüências nos projetos da primeira fase.

Uma conquista da abordagem estrutural do edifício, que cedo se tornará uma alternativa à

desmaterialização proposta pelas poéticas pictóricas, será a já mencionada grade estrutural de fachada. A

grande questão, no que toca a estrutura e que esta, tradicionalmente, sempre fora um determinante

formal, devido às limitações que impunha:

Foi nas sugestões de construção que o arquiteto das grandes eras artísticas encontrou a sua

inspiração mais verdadeira. [17]

Agora a questão se invertia: de tal maneira a estrutura facilitava as coisas para o arquiteto que este

orientou sua concepção por critérios de economia, funcionalidade, racionalidade. Mas é na estrutura que

se realizam os mais puros preceitos da Era da Máquina: padronização, produção em série, divisão de

funções, tudo enfim que se constitui em predicado da industrialização encontrava pronta e inquestionável

aplicação na estrutura, embora nos outros sistemas da arquitetura pudesse eventualmente faltar.

O Espaço

O primeiro dado que se pode estabelecer a respeito do espaço arquitetônico moderno é que este será

funcionalmente determinado. No passado não pesava sobre os construtos arquitetônicos o ônus de

atender a tão severas limitações no que se refere ao custo do terreno e da construção. Não somente este

aspecto como também o dado simbólico:

[...] abolir o monumental e o decorativo [...] sem estupidificarmo-nos com regras vitruvianas

[...] equipados somente com uma cultura científica e tecnológica. [18]

farão do espaço moderno funcional, restrito, sem tensões de orientação e horizontalizado.

Villa Savoye. Poissy, 1929. Le Corbusier. “Promenade” arquitetônico.

Esta abordagem espacial inicia-se no modernismo com o conceito da “Raumplan” de Loos, mas suas

características pragmáticas serão intensificadas pelo determinismo sachlich de Meyer e seus seguidores.

Como conseqüência teremos que o espaço moderno perderá, pelo menos em princípio, todas as suas

características simbólicas e representativas, seja do poder, seja da religiosidade, ou de qualquer

significante alheio à destinação funcional do edifício.

Existem, porém, propostas relativas ao trato do espaço que irão discordar do determinismo funcional. De

Le Corbusier nos vem duas delas. A primeira será a solução proposta para a Villa Sayoye, na qual os

espaços funcionais são deslocados para a periferia da casa, ficando o centro ocupado pela rampa de

ligação vertical: que promove o promenade. O mestre recorreria a ela mais tarde em outros projetos,

residenciais ou não, como a Villa Shodam, de 1951, na índia, e o Visual Arts Center, em Cambridge, MA.,

de 1961-64, para citarmos apenas os mais evidentes e conhecidos.

A segunda proposta será o espaço de dupla altura, cuja primeira aparição acontece na Maison Citrohan,

de 1920, mas percorrerá toda a sua obra, desde a Ville Radieuse até as Unitée d’Habitation. A proposição

destes espaços seguem motivação estética, não funcional. Temos ainda, como solução divergente do

espírito funcionalista, o caminho indicado pelo Neoplasticismo, do espaço fluido, da planta aberta,

promovendo a comunicação entre interior e exterior, solução insistentemente usada por Mies van der

Rohe, desde o projeto de 1923, para uma casa de campo em tijolos ao emblemático Pavilhão da Alemanha

na Exposição de Barcelona, de 1929, e à Casa Tugendhat, de 1930.

Casa Ozenfant. Paris, 1922. Le Corbusier. O espaço de dupla altura.

Estas soluções, entretanto, freqüentaram somente as obras primas; a orientação comum, quer seja

justificada pela necessidade da apropriação coletiva de bens, de inspiração socialista, quer seja pela

necessidade de menor investimento, de inspiração capitalista, foi a de adotar para a determinação dos

espaços critérios funcionalistas.

Anti-historicismo e dessemantização

Não se tratava simplesmente de substituir formas antigas por formas modernas; havia também o

problema da representação: nada que lembrasse a arquitetura tradicional deveria ser utilizado, quer se

tratasse de protocolos projetuais, quer se tratasse de formas ou elementos arquitetônicos. Uma das

grandes vítimas desse procedimento foi o telhado de águas inclinadas. Que se utilizassem lajes planas,

com ou sem o terraço-jardim de Le Corbusier. A nova tecnologia autorizava que se abrisse mão desse

elemento tradicional, artesanalmente construído; em seu lugar, a solução-tipo: a laje impermeabilizada.

Não parava por aí. Qualquer elemento que estivesse ligado a outros períodos históricos, ou trouxesse sua

lembrança, estava condenado. Encabeçam a lista, obviamente, aqueles elementos da poética clássica:

frontões, cornijas, molduras, balaustradas…

A dessemantização (enfraquecimento da relação entre um objeto e seu referente) inclui-se no projeto

moderno por uma razão fundamental: toda a arquitetura do passado, próximo ou remoto, baseava-se na

utilização de elementos fortemente carregados semanticamente. O Renascimento resgatara as formas da

Antigüidade clássica; daí por diante, toda arquitetura possuía como ponto de referência aquele repertório

já estabelecido de figuras, seja para repeti-los, ou para alterá-los.

No século XIX, tal procedimento chegou ao paroxismo, e conseqüentemente ao esgotamento; fazia-se

então necessário, no julgamento dos modernistas, para que novos códigos comunicativos pudessem

vingar, a atitude radical de expulsão de qualquer elemento que trouxesse consigo os significados do

passado.

[1] LE CORBUSIER. Por uma Arquitetura. São Paulo. Perspectiva, 1989, p. 85.

[2] VAN DOESBURG Theo. “Dezessete pontos de uma arquitetura Neoplástica”. Apud FUSCO, Renato

de. La Idea de Arquitectura. Barcelona, Gustavo Gili, 1976, p.123.

[3] GLEIZES Albert. Apud BANHAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era da máquina. São Paulo.

Perspectiva, 1979, p. 327.

[4] BANHAM, op. cit. , p.243.

[5] “Manifesto” do “De stijl”. Apud BANHAM, op. cit., p. 243.

[6] STAM, Mart. “Kollektive Gestaltung’. Apud FRAMPTON, Kenneth. Historia Crítica de la

Arquitectura Moderna. Barcelona: Gustavo Gili, 1994, p.136.

[7] Moisei Guinzburg. Apud KOPP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São

Paulo: Nobel / Edusp, 1990, p. 79-80.

[8] HITCHCOCK Henry Russell e JOHNSON, Phiip. O Estilo Internaciona1. Catálogo da Exposição,

Museum of Modem Art, Nova Iorque. Apud Frampton, op. cit., p. 252.

[9] LE CORBUSIER. Apud Banham, op. cit., p. 356.

[10] Ver Figura 1.10, capítulo 1.

[11] Jacobus J.P. Oud. Apud Banham, op. cit. , p.258.

[12] Op. cit., p. 350.

[13] “L’Esprit Nouveau”, 1922. Apud Banham, op. cit., p. 356.

[14] Piet Mondrian. Apud FUSCO, Renato de. La Idea de Arquitectura. Barcelona, Gustavo Gili, 1976,

p.124-125.

[15] DOESBURG, Theo van. “Dezessete pontos de uma arquitetura neop1ástica”. Apud Fusco,1976,p.

124-125.

[16] Mies van der Rohe. Apud BANHAM, op. cit., p.428.

[17] Thomas Graham Jackson ,. “Reazon in Architecture” , 1906. Apud BANHAM, op. cit., p. 41.

[18] Sant ‘Eliia. “Messaggio”,1914. Apud Banham, op. cit., p. 195.

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