a pintura maneirista em portugal

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A PINTURAMANEIRISTA EM PORTUGAL

Biblioteca BreveSRIE ARTES VISUAIS

ISBN 972 - 566 - 158 - 3

DIRECTOR DA PUBLICAO

ANTNIO QUADROS

VTOR SERRO

A PinturaManeirista em Portugal

MINISTRIO DA EDUCAO

Ttulo

A PINTURA MANEIRISTAEM PORTUGAL

Biblioteca Breve / Volume 65

1. edio 19823. edio 1991

Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaMinistrio da Educao e das Universidades

Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaDiviso de PublicaesPraa do Prncipe Real, 14 -1. 1200 LisboaDireitos de traduo, reproduo e adaptao,reservados para todos os pases

Tiragem4 000 exemplares

Coordenao geralBeja Madeira

Orientao grficaLus Correia

Distribuio comercialLivraria Bertrand, SARLApartado 37, Amadora Portugal

Composio e impressoGrfica MaiadouroRua Padre Lus Campos, 686 4470 MAIAJaneiro 1992Depsito Legal n. 42 266/91

ISSN 0871 - 519 X

Ao Dr. Adriano de Gusmo

NDICE

I / INTRODUO ...................................................................8

II / VIAS DE PENETRAODO MANEIRISMO EM PORTUGAL ......................... 141. A via italiana .................................................................... 152. A via flamenga ................................................................233. A via espanhola .............................................................. 264. Outras vias ......................................................................29

III / DO RENASCIMENTO AO MANEIRISMO:O MESTRE DE S. QUINTINO E A PRIMEIRAGERAO DE PINTORES MANEIRISTAS ............ 31

IV / A SEGUNDA GERAODE ITALIANIZANTES ..............................................441. Cristvo de Morais ....................................................... 452. Antnio Campelo ..........................................................483. Loureno de Salzedo ...................................................... 544. Gaspar Dias .................................................................... 56

V / A TERCEIRA GERAO ..............................................601. Francisco Venegas ...........................................................612. Ferno Gomes ................................................................673. Diogo Teixeira ................................................................73

VI/A LTIMA GERAO.....................................................781. Amaro do Vale ............................................................... 792. Simo Rodrigues ............................................................833. Domingos Vieira Serro .............................................. 884. Oficinas Regionalistas ................................................... 91

VII/O OCASO DO MANEIRISMOE O ECLODIRDO NOVO NATURALISMO BARROCO................ 118

VIII/O MANEIRISMO PORTUGUS, VECULOIDEOLGICODA CONTRA-REFORMA ........................................... 123

IX/ UM NOVO ESTATUTO SOCIALDO ARTISTA ................................................................. 132

X / DEFINIO DO MANEIRISMO PORTUGUS:CRISE DO RENASCIMENTO,LUTA IDEOLGICA DE CLASSES,RECRIAO DE VALORES ESTTICOS ............. 145

BIBLIOGRAFIA .................................................................... 153

NOTA FINAL ........................................................................ 163

RELAO DAS ESTAMPAS .............................................. 168

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I / INTRODUO

Em Portugal, onde a rebelio anti-clssica semanifestou a par de uma orientao ideolgicaessencialmente contra-reformista e tridentina, aambiguidade das tendncias localizadas na corrente artsticado Maneirismo com toda a sua gama de contradiesinternas particularmente fascinante quantodesconhecida. Maneirismo-outro, mais temperado no seuaspecto metafsico ou no tratamento sensorial, no deixoutodavia de responder com frescura ao sentido derenovao que toda a Europa ao tempo experimentava.Nesta situao maneirista portuguesa, de que s h anos nosvamos dando conta na medida exacta das suaspotencialidades globais, se inscrevem a obra de marcenariado coro da S de vora e a arrojada capela-mor dosJernimos, os retratos ulicos de Cristvo de Morais, osfrescos populistas do Alentejo, os tratados de Franciscode Holanda, as vastas igrejas inacianas, o retbulo da Igrejada Luz de Carnide, os desenhos de Campelo e as tbuasde Diogo Teixeira. Maneirista , tambm, a par do sonhoexpansionista de D. Sebastio, a poesia lrica de Cames(j alis abordada nesta perspectiva por Jorge de Sena),porventura o mais elevado contributo portugus para opatrimnio cultural europeu ps-renascentista. Eis todo

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um captulo da cultura portuguesa que, pelas suaspotencialidades e amplo fascnio, urge analisar em termosde globalidade. No captulo especfico da pintura desteperodo est por fazer, em larga medida, a sua histriacrtica e ideolgica.

Numa sntese que guarda hoje plena actualidade sobreo legado pictural portugus da segunda metade do sculoXVI, escreveu Adriano de Gusmo em 1956: Italianizmo-nos, sem dvida, mas, em regra, sem uma subordinaoperfeita aos moldes italianos, ainda que num decididocaminho de modernizao. Os nossos artistas como quesouberam, por instinto, incorporar, em certas constantestradicionais, a nova expresso cultural que seduzia quasetoda a Europa. No j, bem entendido, a renascentistapropriamente dita, que no recolhramos em devidotempo, vinculados ento aos flamengos, quem sabe separa guardar o nosso prprio carcter. Mas seguimosafinal, discretamente, os novos padres do Maneirismo,no tanto na finura, elegncia e voluptuosidade dos mestresde Parma ou Florena, mas sobretudo na feio maisaustera e clssica dos Romanistas, a que maisquadraria, certamente, a uma sociedade que aderira Contra-Reforma.

justo reconhecer-se que os artistas portugueses dasegunda metade do sculo XVI no deixaram de assumiruma atitude moderna ao alinharem pelos padres doManeirismo internacional, embebendo da rebeldia anti-clssica dimanada dos centros italianos aqueles aspectosque mais se quadravam com a experincia nacional (e namedida exacta das respostas possveis, face ao sistemaideolgico dominante). Naturalmente que uma apreciaoatenta do perfil cultural maneirista no pode perder de

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vista a profunda reviso de valores operada na arte dops-Renascimento europeu: S assim se entenderomelhor as caractersticas da nossa experincia de ento,diz Adriano de Gusmo, e se render a devida justia avelhos e esquecidos mestres que, na medida das suas forase sem desvio dos padres italianos, souberam dar laboriosacontinuidade a uma expresso artstica j longa ebrilhantemente enraizada na nossa vida cultural.

O trabalho sistemtico de prospeco sobre a culturado Maneirismo portugus, a que demos incio em 1975,na inteno de contribuir para modificar o parecer(generalizado) de pretensa decadncia desse perodo,permitiu esclarecer inmeros aspectos inerentes produoartstica coeva, e definir, para j em termos sintticos, asgrandes linhas ordenadoras de uma situao maneirista emPortugal. A pesquisa traduziu-se numa prospecoprogramada de arquivo, num estudo analtico-descritivode centenas de pinturas, desenhos, esbocetos e gravuras, enuma reflexo crtica sobre a documentao (escrita eplstica) recolhida e seriada permitindo abrir pistasconcretas para a revalorizao desse obscuro momentoda Histria da Arte portuguesa. O pouco interesse atento manifestado, nos meios oficiais da historiografiade Arte nacional, pelo acervo de pintura deste perodo(considerado quase sempre como menor e de imitaomal assimilada), constitua incentivo seguro para ensaiaruma abordagem mais atenta e uma reviso sistematizadado nosso esplio pictural maneirista.

As coleces do Arquivo Nacional da Torre doTombo, ainda to mal explorado, com realce para osfundos conventuais, o cartrio notarial e o cartrio jesutico,ofereciam sedutoras hipteses para um incio de inqurito,

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como alis se veio a confirmar amplamente. Por outrolado, seguindo uma pertinente sugesto de Adriano deGusmo entre ns, nas Misericrdias que ainda sedescobrem bons e tpicos retbulos, assim como, nos seusarquivos, elucidativos documentos identificadores dasrespectivas encomendas , desenvolvemos umainvestigao sistemtica em mais de sessenta Misericrdiasde todo o pas, com resultados bastante positivos.Paralelamente, alguns fundos documentais de igrejasparoquiais, de Cmaras Municipais e de entidadesparticulares, bem como o Arquivo Histrico do Hospitalde S. Jos e o do Ministrio das Finanas em Lisboa, evrios outros, forneceram-nos elementos valiosos que,devidamente transcritos, seriados e analisados, constituemj um volumoso corpus documental que ascende a meiomilhar de manuscritos inditos.

A anlise e fichagem de largas centenas de pinturas,entre tbuas, telas e frescos, bem como de desenhos, dasegunda metade do sculo XVI e primeiro tero do sculoXVII, espalhadas por igrejas e conventos, capelas e solares,arrecadaes de museus e entidades particulares,naturalmente que j permite encarar sob uma ptica menosnebulosa o acervo pictrico do Maneirismo portugus.A recorrncia, em casos especficos, ao Instituto deRestauro Jos de Figueiredo, deu ensejo a detectar valoresplsticos desvanecidos por repinturas e estragos, processos deaplicao da pelcula cromtica, de marcao do desenhopreparatrio, de densidades de preparos e outros aspectostcnicos do trabalho oficinal rastreio esse que procurou incidirtanto sobre pinturas eruditas (nomeadamente de DiogoTeixeira e de Ferno Gomes) como regionalistas (caso dopolptico da Misericrdia de Melo, de 1593).

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De todo este processo de pesquisa definem-se j, semsofismas, algumas constantes essenciais de definio doperfil (esttico e ideolgico) da situao maneirista portuguesa,do estatuto dos artistas e das relaes laborais, da ideologiada clientela, das opes iconogrficas, do nvel econmicodas empreitadas, da cooperao oficinal, das ideologiasinerentes ao acto criador, etc., etc.

Em termos obviamente sintticos e divulgativos opresente trabalho foi estruturado por geraes distintasde produtores de imagens considerados primaciais nesteprocesso (incidindo cada uma na fase mais dinmica eessencial da respectiva produo). De facto, poder hojedar-se um perfil correcto do que foi o produto picturaldeste perodo atravs da amostragem da obra de umadzia de artistas todos de Lisboa , que se devemconsiderar mais representativos e podem sercronologicamente agrupveis, para facilidades de estudoevolutivo, em quatro geraes distintas, correspondendoa primeira (fase experimental) ao meado do sculo XVI, asegunda (consolidao italianizante) ao terceiro quartel dosculo, a terceira (apogeu do estilo) ao ltimo quartelde Quinhentos e a ltima ao ocaso do estilo, adentroj do sculo XVII e em confronto com as primeirasmanifestaes protobarrocas.

Lisboa foi, de facto (e na medida possvel), um centrodo Maneirismo o que no significa que a produomaneirista provinciana deva ser descurada na presentesntese. Aberta como estava aos novos ventos dacultura continental, plo vitalizador de fecundoscontactos (de ordem mercantil, diplomtica, poltica)com os grandes centros da Europa, Lisboa constituaem meados do sculo XVI um poderoso emprio

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comercial, que proporcionava clima extremamentefavorvel criao e divulgao artsticas. Aqui residia amais assdua clientela dos artistas, os nobres, os cortesos,os altos dignitrios do clero, os burgueses abastados, asgrandes companhias concentracionrias e monopolistas clientela essa mais sensvel a determinados valoresmodernos e mais apta a compreender e incentivar oscaprichos da idea maneirista. No pois por acaso que,como se ir verificar, as grandes e vultuosas encomendasrealizadas pelas catedrais, pelos mosteiros, pelas igrejas epelos palcios de todo o pas (seno do Imprioportugus) couberam por regra a mestres lisboetascontratados para o efeito. Como veremos, os pintoresCristvo de Morais, Gaspar Dias, Francisco Venegas,Diogo Teixeira, Ferno Gomes, Amaro do Vale, SimoRodrigues, responderam amide a solicitaes fora doaro lisboeta, deslocando-se com frequncia a zonasafastadas da capital para satisfazerem encomendas. Idnticaaco ocorria com os arquitectos, os mestres demarcenaria, os escultores, etc.

Toda esta aco concertada vai impor cedo a aceitaode um estilo no espao nacional. Da irradiao doManeirismo no interior, muitas vezes sob saborosas formassui generis, fala a actividade de numerosos artistasprovincianos, secundrios mas laboriosos, que aderiam,na medida das suas possibilidades, nova modaitalianizante que seduzia o mundo europeu. A anlisedestes produtores de imagens regionalistas (presos muitasvezes a solues tradicionais), importa como estimativada captao de um gosto, e ainda pelo factor de resistnciaque assumem, adiantado o sculo XVII, penetrao dofigurino barroco.

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De todos estes aspectos, que no prescindem de umensaio global de maior flego, devidamente apoiado porlistagens de peas e por seriao de documentos, procurarocupar-se o presente texto.

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II / VIAS DE PENETRAODO MANEIRISMO EM PORTUGAL

1. A VIA ITALIANA

Desde a segunda dcada de Quinhentos que adecorao ao romano (utilizada j no portal manuelinoda Igreja da Conceio em Lisboa e no portal principaldos Jernimos, de Chanterene) comeara a ser divulgadaem Portugal, ora inundando o lavor de janelas e de portais,as nervuras das abbadas e a marcenaria dos retbulos,ora os livros iluminados, as peas de ourivesaria, os cadeiraise as pinturas de altar. No panorama das nossas artes doOutono da Idade Mdia, particularmente bem estudadaspor Jorge H. Pais da Silva, os sintomas de mudana somuito pronunciados e entroncam na aceitao (esucednea desarticulao) da sintaxe classicista doRenascimento.

Desponta em Portugal, em fins do reinado do Venturoso,um brilhante, ainda que efmero, ciclo de arquitecturarenascentista. Tardiamente recebido, dada a persistnciadas solues gticas atravs do fecundo ciclo manuelino,deixou-nos todavia uma srie de pequenos edifcios, quer

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de planta centralizada (a Igreja do Mosteiro da Mitra,perto de vora), quer de planta longitudinal (a Igreja daConceio de Tomar), obras de um puro classicismoexperimental, bem italiano, cedo substitudo pelas soluesdo Maneirismo, mais arrojadas e funcionais. Em nveisaristocrticos e eruditos (Lisboa, Coimbra, vora) verifica-se uma convicta captao dos programas tericos anti-clssicos dimanados da Itlia maneirista. Francisco deHolanda foi neste processo um dos difusores, tal como asrie de compndios e tratados que se editavam emPortugal caso do clebre Medidas del Romano de Diegode Sagredo (Toledo, 1526), que em Lisboa conheceu duasedies sucessivas (1541 e 1542), ou do Livro IV dotratado De Architettura de Srlio, vertido para castelhanopor Francisco de Villalpando em 1552. Todos estessintomas de renovao tiveram influncia, tal como aconsequente difuso de gravuras maneiristas, na actividadedos nossos pintores.

Os princpios teorizadores anti-clssicos vo originarlogo no reinado de D. Joo III um longo e brilhante ciclode arquitectura maneirista, que modificou sensivelmente apaisagem construtiva, em Portugal e nas possessesultramarinas, e cujos prolongamentos anormais emrelao a qualquer outra zona europeia se estendempara alm do reinado de D. Joo V, constituindo factorde resistncia ao surto do Barroco internacional. Reputadosengenheiros e arquitectos italianos radicados no nosso pas,como Benedito de Ravena e Filipe Terzi, Juan BaptistaAntonelli e Giovanni Vincenzo Casale (e, mais tarde,Leonardo Turriano), contribuem decisivamente para aaceitao plena, no espao do Imprio portugus,de uma arquitectura maneirista de feio sui generis,

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curiosamente com um desenvolvimento cronolgicomuito mais extenso do que os outros ramos artsticos,que j no primeiro tero do sculo XVII recebiam osinfluxos naturalistas do Barroco.

A pintura portuguesa foi particularmente sensvel sinfluncias dimanadas de Itlia, que as nossas oficinas maiseruditas colheram (de modo directo e quase imediato) constatao que assenta numa anlise crtica do legadopictural coetneo. Adriano de Gusmo, que pe em relevoa importncia de urna via difusora flamenga ao considerarter sido ainda atravs de Anturpia tal como o foraanteriormente que a nossa pintura se converteu aosmodelos maneiristas, no exclui o simultneo e provvelcontacto directo de alguns dos nossos artistas com osmeios italianos, sugerido pela ntida influncia de Vasarique transparece em alguns retbulos portugueses da poca,no apenas na composio mas ainda na cor (no tom decertos amarelos e certos alaranjados e violceos). Maisdo que uma via de penetrao do Maneirismo atravs daFlandres, parece que a influncia italiana foi realmenteessencial neste processo de modernizao.

Flix da Costa Meesen, memorialista do sculo XVII,difundiu uma tradio posteriormente captada (edeturpada) pelos autores do sculo XIX, o Taborda, oCirillo, etc. segundo a qual vrios pintores portuguesesforam estudar a Itlia como bolseiros de D. Manuel e deD. Joo III. Foram esses pintores Gaspar Dias, AntnioCampelo, Francisco Venegas, o eborense Francisco Nunes,e ainda um outro artista no especificado que, de regresso ptria, teria pintado os quadros da capela-mor da Igrejada Misericrdia de Lisboa. Esta tradio comprovadapelo estudo analtico das pinturas e desenhos destes

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artistas e permite concluir que outros tero sido ospintores a estagiar, como bolseiros rgios ouincorporados em embaixadas, na Itlia casos dosto romanistas Loureno de Salzedo, Simo Rodriguesou Amaro do Vale.

No h que subestimar-se tambm a influncia exercidaentre ns pelo esteta e arquitecto Francisco de Holanda,que estagiou em Itlia entre 1537 e 1541, onde conviveucom grandes personagens da cultura maneirista eacompanhou as convulses scio-polticas verificadas como surto do capitalismo moderno e com a ruptura da fictciaestabilidade das Repblicas italianas (acentuada aps osaque de Roma em 1527). Holanda transforma-se,regressado a Portugal, no nosso grande corifeu doManeirismo, sobretudo atravs dos tratados que escreveue nunca viu publicados, e dos numerosos desenhos queexecutou. Curiosssima personalidade da cultura europeiade Quinhentos cujo papel de teorizador no ter sidoainda suficientemente abarcado , teve multifacetadaactividade, quer como arquitecto (Fortaleza de Mazago[1541] com Benedito de Ravena), quer como medalhistae decorador, desenhador e pintor, alm de importantetratadista. Nessa perspectiva, tem sido geralmenteconsiderado o impulsionador esttico, a par de D.Joo III, do Renascimento em Por tugal (JorgeSegurado), parecer que todavia merecedor de sriasreticncias, no s pela ausncia de documentao quetestemunhe a sua interveno nas traas dos edifcioserigidos durante esse reinado, mas sobretudo pela atitudeesttica que Francisco de Holanda personifica no seutempo e que a de um artista de encruzilhada, viradopara a mentalidade do Maneirismo, de que ensaia as solues

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e teoriza os programas.Artista envolto pela tpica ambiguidade do Maneirismo

(vejam-se neste mbito os desenhos do lbum De AetatibusMundi Imagines [1545-1573] da Biblioteca Nacional deMadrid), particularmente bem definido, em breve sntese,por Sylvie Deswarte: il allie une tude minutieuse delAntiquit une libert formelle et interprtative dans leremploi de de ses lments montrant la fois oualternativement la scheresse dun Pirro Ligorio etlxaltation dun Rosso ou mme dun William Blake danslvocation de la cration du monde, de la mort et delApocalipse. Se o Holanda autor, como supunhaJoaquim de Vasconcelos, da tabunha Nossa Senhora deBelm (que ostenta no reverso uma Descida de Cristo aoLimbo), pertencente s coleces do Museu Nacional deArte Antiga, h forosamente que atribuir-lhe papelactuante no desabrochar do Maneirismo no quadro dapintura nacional. Alis, Holanda revela-se j intelectualimbudo do esprito da maniera italiana nos seus tratados,que clarificam com nitidez alguns conceitos anti-renascentistas (Sylvie Deswarte), caso do conceito vasarianode pintura como cosa mentale ou idea, em oposioao conceito clssico da pintura como imitao perfeita danatureza. So elucidativos, a propsito, estes passos dotratado Da Pintura Antigua, de 1548:

A pintura diria eu que era uma declarao dopensamento em obra visvel e contemplativa e segundanatureza. imaginao grande, que nos pe ante os olhosaquilo que se cuidou to secretamente da ideia, mostrandoo que se ainda no viu, nem porventura foi Quando ovigilante e excelentssimo pintor quer dar algum princpioa alguma empresa grande, primeiramente na sua

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imaginao far uma ideia e h-de conceber na vontadeque inveno tenha tal obra A ideia na pintura umaimagem que h-de ver o pintor com olhos interiores emgrandissimo silncio e segredo, a qual h-de imaginar eescolher a mais rara e excelente que a sua imaginao eprudncia puder alcanar, como um exemplo sonhado,ou visto em o cu ou em outra parte, o qual h-de seguire querer depois arremedar e mostrar fora com a obra dearte de suas mos propriamente, como a concebeu e viudentro em seu entendimento Esta ideia maravilhosanos grandes entendimentos e engenhos, e s vezes iguala-se com ela (), assim que a ideia a mais altssima cousana pintura que se pode imaginar dos entendimentos,porque como obra do entendimento e do spirito,convm-lhe que seja muito conforme a si mesma, e comoisto tiver, ir-se-h alevantando cada vez mais e fazendo-sespirito e ir-se-h misclar com a fonte e exemplar dasprimeiras ideias, que Deus.

Estes conceitos, que no poderiam brotar de um purorenascentista, definem claramente Holanda no mbito doManeirismo, o que se justifica pelo conhecimento directoque teve de obras de Miguel ngelo, do Beccafumi deSiena, do veneziano Pordenone, e de tantos outrosmestres maneiristas italianos, de Roma sobretudo, quecita nos seus tratados.

H notcia documental de um outro artista portugusque foi bolseiro rgio em Roma. Uma carta da rainha D.Catarina ao embaixador em Roma, Loureno Pires deTvora, que data de cerca de 1560, refere o envio corteromana do pintor Antnio Leito, moo da Cmara daInfanta D. Maria, para nela se exercytar na arte dapyntura. Infelizmente, nada sabemos de concreto quanto

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produo deste pintor, que aparece anos volvidos emLamego e Bragana, casado com uma pintora flamenga(Luzia dos Reis), ainda que documentao do final dosculo o considere mui insigne pintor; as obras queexecutou para a Igreja da Misericrdia lamecense em 1565-71 (Verglio Correia) desapareceram.

A difuso de estampas italianas auferiu, neste processode penetrao de um estilo, uma importncia inaudita, deque s agora nos vamos apercebendo. O arquitecto militare decorador Tiburcio Spanochi (1541-1606), mestre deSiena, muito activo na corte espanhola em fins deQuinhentos, esteve por duas vezes em Portugal aps 1580(Sousa Viterbo), e aqui deve ter dado divulgao aoscartes originais de Domenico Beccafumi que possua,estudos daquele notvel pintor para os frescos daCatedral de Siena (1525-31). Em Fevereiro de 1590,Spanochi foi enviado por Filipe III a Lisboa com oencargo de desenhar para o Arquiduque Alberto vriasperspectivas e paisagens, e bem natural que tenhaajudado a difundir a influncia beccafumiana no seio dasnossas oficinas eruditas.

Outras estampas de origem italiana, como as deMarcoantonio Raimondi, inspiradas em obras clebres deRafael (e de Drer tambm), corriam na altura de oficinaem oficina, sugerindo aos artistas e a quem lhesencomendava quadros, modelos iconogrficos e novassolues de caprichoso efeito cenogrfico como asfiguras serpentinatas que se observam nas Transfiguraesde Cristo do retbulo da S de Portalegre (Est. 22) e doretbulo da Igreja do Carmo de Coimbra, ou na Ascensode Ferno Gomes exposta no Museu de Arte Sacra do

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Funchal, e em muitas outras pinturas da poca. Foi umagravura rafaelesca de Raimondi que inspirou o autorda Descida da Cruz da Capela do Esporo da S devora (Francisco Nunes, artista, por sinal, educado emRoma) e o autor regionalista do retbulo com o mesmoassunto na Igreja de S. Leonardo de Atouguia da Baleia(Belchior de Matos).

Tambm deve ser tida em conta neste processo deitalianizao da pintura portuguesa o papel da pinturado Escorial. O palcio de Filipe II, erguido com toda asumptuosidade por Juan de Herrera e Juan Bautista deToledo (1563-84), constituiu na poca um poderosocentro difusor da cultura maneirista. Para a decorao dasua baslica e dos vastos sales e dependncias rgias,foram chamados de Itlia alguns pintores ao tempo muitoafamados, como o bolonhs Pellegrino Tibaldi, RmuloCincinatti (que venceu Greco no concurso para o Martriode S. Maurcio) e o terico e academista Federico Zuccaro,que deixaram amplos vestgios da sua estadia (o retbulo-mor da baslica, decoraes a fresco, etc.). No crvelque a influncia destes representantes da maniera italianano se tivesse feito sentir, na altura, entre ns. E alissabemos que Amaro do Vale trabalhava no Escorial por1590, recebendo certamente influncias desse Maneirismorefinado e altivo como era o praticado pelos epgonosmiguelangelescos do fim do sculo XVI.

Enfim, o estudo cuidado dos desenhos maneiristasportugueses que existem no Gabinete de Desenhos doMuseu Nacional de Arte Antiga uma larga colecode indiscutvel interesse iconogrfico e artstico confirma a importncia da influncia italiana nos nossosmestres. Como veremos adiante, os desenhos de Antnio

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Campelo denunciam uma inspirao directa de PellegrinoTibaldi, de Giulio Romano, de Polidore da Caravaggio eMaturino Fiorentino, etc.; os de Francisco Venegastraduzem uma (rara entre ns) influncia de Miguelngelo; os de Gaspar Dias e Amaro do Vale alinhamdecisivamente por modelos romanistas; etc.

2. A VIA FLAMENGA

A partir do segundo tero do sculo XVI, acentuadosos contactos de ordem artstica com os centros italianos,nem por isso o nosso j tradicional intercmbio com aFlandres esmoreceu. Adriano de Gusmo considera quefoi ainda atravs de Anturpia que a nossa pintura seconverteu em definitivo aos modelos maneiristas, dada ainfluncia dos grandes mestres italianizantes queoperavam nesse centro (caso de Franz Floris, Martinde Vos, etc.), e a decisiva importncia cultural das nossasfeitorias. Sem se minimizar um contacto directo com aItlia maneirista, que hoje ser facto indiscutvel, certoque a influncia flamenga na penetrao dos valoresmaneiristas foi relevante.

As gravuras de ornato e de figurao assumiram umpapel ao qual nenhum ramo artstico, desde a pintura escultura retabular, passando pela iluminura e a talha, omobilirio, a ourivesaria e a cermica, pde ficarindiferente, com a aceitao dos seus tpicos motivosornamentais (obras-de-lao, cartelas de Anturpia,caritides, mascares, etc.). As gravuras de Cornelis Bosinspiraram alguns motivos de vinhetas nos derradeiroscdices da Leitura Nova (caso dos frontispcios do

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iluminador Antnio Fernandes, 1552), conforme j foiprovado por Sylvie Deswarte, do mesmo modo quecertas pinturas do Mestre de S. Quintino e de Franciscode Campos (?) e a obra de marcenaria do coro da S devora. E das gravuras de Vredeman de Vries, de CornelisBos e de Cornelis Cort, h exemplos que atestam teremsido conhecidas e fruto de inspirao iconogrfica depintores e escultores, como veremos depois.

Paralelamente ao afluxo de gravuras flamengas,documenta-se a estadia em Portugal de apurados pintoresneerlandeses, como o caso do retratista Antnio Moro(1550?-1552); de Jooris van der Straeten este,aparentado porventura com o pintor Jan van der Straeten(Giovanni Stradano), um artista flamengo que trabalhoucom Vasari no Studiolo de Francisco I no PalazzoVecchio de Florena, e difundiu depois o Maneirismoitaliano pelos centros nrdicos ; de Jacques de Lerbo(1565); de Lucas de Campos (1565-1578); e de SymonPereyn (1558), excelente pintor que conviveu durante novemeses com um pintor lisboeta de identidade desconhecida,associado talvez numa empreitada do seu mister, antes dese radicar no Mxico por motivos religiosos. No h queesquecer a presumvel estada entre ns, segundo PietroGuarienti, do pintor Van Hemessen, na arte do qualexistem, como justamente lembra Dagoberto Markl,tantas sugestes de Leonardo e de Bronzino. Enfim,sabemos que em vora trabalharam pintores flamengos,como Duarte Friso (fal. 1596) e o annimo pintor daRua do Tinhoso (1596) (Tlio Espanca), e que em Lisboaactuou um pintor frameguo de nome Leonardo, cuja vivaainda vivia em 1619. Em Vila do Conde exerceu a sua

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actividade, desde 1618, o pintor Francisco Joo de Anvers.Vrios foram tambm os pintores portugueses a

estagiarem em cidades nrdicas, onde se formaram nasua arte. Ferno Gomes, pintor rgio de Filipe II dePortugal e figura prestigiosa da terceira gerao,aprendeu a arte de pintura com o mestre AnthonisBlocklandt, em 1572, em Delft. O pintor Antnio Leito,sobrinho do fidalgo Domingos Leito, embaixador daInfanta D. Maria na Flandres, acompanhou o seu tio aAnturpia, onde aprofundou os seus conhecimentos depintura e casou com a pintora flamenga Luzia dos Reis,que depois o acompanhou a Portugal e com ele se radicouem Bragana. curioso observar que este Antnio Leitoj antes (cerca de 1560) tivera uma aprendizagem em Itlia,donde certamente lhe adveio uma formao erudita queo estgio na Flandres refinou e assim se entender oepteto de mui insigne pintor com que vemrememorando em certo documento posterior sua morte.

Do portuense Miguel da Fonseca, sabemos que foi frandres aprender a dita arte com um insigne pintor, cidade denostradama (sic), no princpio do sculo XVII. Nas guildes daFlandres, enfim, aparece no final do sculo XVI o registode alguns pintores (de apelido Pais ou Neve) que se podepresumir fossem portugueses.

Natural que a vinda de pinturas flamengas paraadorno das residncias nobres e das igrejas e mosteirosportugueses se haja continuado a processar noseguimento de uma preferncia esttica e de umreconhecimento de qualidade que vinham de longe. Noforam casos nicos os painis da pinacoteca de Damiode Gis ou o grande trptico de Pieter Cook van Aelst,hoje no Museu Nacional de Arte Antiga, que veio em

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1585. A infanta D. Maria mandou, em 1564, fazer & pintarem frandes muito Riquos retauelos de singular & custosa pinturaque mandara trazer e poer na Igreja de S. Bento dosApstolos, de Santarm, e outros casos idnticos se podemassinalar, extrados dos codicilos e das clusulastestamentrias, dos inventrios de bens da nobreza, deassentos notariais e processos inquisitoriais, etc.

3. A VIA ESPANHOLA

Alm da influncia do Maneirismo italianodirectamente transmitida pelos bolseiros rgios queestagiaram em Itlia, e da difuso deste estilo atravs daFlandres, h a assinalar uma terceira e muito importantevia de assimilao maneirista, que foi, naturalmente, avizinha Espanha sobretudo aps 1580, na sequnciadas dramticas vicissitudes dinsticas que levaram FilipeII ao trono portugus.

No merece discusso a origem espanhola do pintorFrancisco Venegas (assistio sempre em Lisboa sendo denao Castelhano, diz Flix da Costa) nem a de FernoGomes (nascido em Albuquerque, em 1548), nem aindaa de Loureno de Salzedo (se no a de Diogo deContreiras). No pas vizinho, alguns pintores portuguesestiveram uma actividade mais ou menos prolongada, comofoi o caso do pintor eborense Vasco Pereira (1535-1604),que se radicou em Sevilha e desde cedo se integrou noesprito dessa escola, sem exercer influncia visvel entrens (Nossa Senhora dos Anjos, 1604, Colgio dos Jesutas dePonta Delgada). Sevilha foi centro de aprendizagem deoutros mestres portugueses, como um Jcome de Puga,

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natural de Viana do Castelo e morador em Caminha, aformado na sua arte (1573-1576) e com posterioractividade em Braga (1581) e na Galiza (Eugnio A. daCunha e Freitas). Suspeitamos, alis, com Adriano deGusmo, que alguns pintores espanhis, particularmenteandaluzes e levantinos, tero servido de transmissores deum rafaelismo de segunda mo.

Importantes foram, tambm, os centros galegos, ondese formaram, ou laboraram vrios pintores nortenhos,como Francisco de Teive, do Porto, e Francisco Soares,de Braga, activos em Santiago, Orense e Pontevedra (1581-1587), e Manuel Arnao Leito, activo na Catedral de Orense(1591-1595), segundo Russell Cortez.

Merece estudo cuidado a provvel influncia exercidapor pintores espanhis nas nossas oficinas. Alm de AlonsoSanches Coelho (1531-1588), grande retratista da cortede Filipe II, que foi bolseiro de D. Joo III em Bruxelas(1549) e actuou no nosso pas, com Moro, por meadosdo sculo, trabalhou em Portugal o excelente pintormaneirista Lus de Morales, el Divino. A sua actividade estabsolutamente comprovada e vem explicar as abundantessugestes moralescas patentes na nossa pintura do finaldo sculo XVI, j alis visionadas por Adriano de Gusmo.O Divino executou em vora os retbulos do Conventode Santa Catarina de Siena (1547) e do Convento de S.Domingos (1565-1566), bem como o retbulo da SCatedral de Elvas (1576-1577) empreitadas de queainda subsistem algumas tbuas. No pleito que se realizouem Badajoz relativo ao retbulo de Puebla de la Calzada(Mrida), em 1549, vrios testemunhos confirmam oapreo em que j nessa altura eram tidas em Portugal asobras deste pintor: muchos seores de Castilla an enviado aqu

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por obras suyas e las tienen en mucho y el Rei de Portugal y el Duquede Bragana lo mesmo. Artista informado por umaatormentada viso mstica onde so notrias, entre outras,as sugestes de Sebastiano del Piombo, Morales deve tertido uma aco bem mais ampla em Portugal, sobretudonas zonas eborense e raiana, como difusor de uma sriede solues e de figurinos adoptados pelas oficinasregionais durante os sculos XVI e XVII. As suas pequenascomposies representando a Virgem e o Menino ouNossa Senhora da Piedade, que a oficina de Morales tratouem srie, auferiram de ampla voga entre a clientelaportuguesa, subsistindo nas coleces do Museu Nacionalde Arte Antiga vrios originais do Divino e, sobretudo nosul, diversas rplicas e imitaes (algumas j seiscentistas).

A influncia moralesca foi sensvel em determinadasobras portuguesas, no s eruditas (Ferno Gomes, DiogoTeixeira) como regionalistas (vejam-se as obras de mestreseborenses como Francisco Joo e o Mestre da Tourega),insuflando-se numa certa caracterizao anmala dosCristos e na acidez cromtica das superfcies pintadas.Receiturio simples e que impunha pela clareza daspropostas uma apreenso imediata, no podia deixar dese impor no seio de uma sociedade contra-reformistapor excelncia, dado o seu valor catequtico deexarcebado misticismo.

Por volta de 1571, em Portalegre, trabalhava o pintorestremenho Francisco Flores, ao tempo muito considerado,e um dos parceiros de Morales em Badajoz. Este artistapode estar relacionado com algum dos conjuntosretabulares da S, como o altar das Chagas de ummaneirismo estereotipado, seguindo as boas regrastridentinas , seno com a vigorosa tbua espanhola Cristo

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deposto da Cruz que hoje se expe no Museu local. Tambmeste artista dever ter tido um papel de relevo comodifusor das frmulas maneiristas italianizantes.

4. OUTRAS VIAS

A nossa pintura da segunda metade do sculo XVIrecebeu tambm influncias iconogrficas e artsticasoriundas de outros quadrantes, mais precisamente francesase alems, assimiladas atravs de gravuras e de livros. Todaa iconografia portuguesa de Quinhentos foi permevel,como pde constatar Dagoberto Markl, aos modelos deDrer influncia essa que se no confina arte daprimeira metade do sculo XVI (Vasco Fernandes, etc.). Ailuminura ressentiu-se desta tardia influncia dureiriana,como claramente se vislumbra nos cdices finais da LeituraNova (Sylvie Deswarte), e tambm a pintura de perfilmaneirista se deixou sugestionar por modelos do grandemestre alemo do Renascimento veja-se Incredulidadede S. Tom (Museu de Arouca 1595-1597) de DiogoTeixeira, ou o desenho Cristo em casa de Marta (M. N. A.A., ca 1584) de Amaro do Vale, que reproduz no primeiroplano, com variantes, o famoso anjo da Melancolia de Drer.A melancolia, note-se, uma das obsesses do sculoXVI, um dos tpicos mais sintomticos do Maneirismo;em 1621, saiu uma Anatomia da Melancolia por RobertBurton, que se inscreve neste esprito maneirista e obteveconsidervel sucesso.

A nossa arte do Maneirismo recebeu tambmsugestes, colhidas decerto atravs de livros ilustradosou de estampas avulsas, de mestres gauleses comoPhilibert delOrme e Jacques I Androuet Du Cerceau,

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sendo a influncia deste ltimo e apurado construtormaneirista particularmente visvel em motivos devinhetas da Leitura Nova (frontispcios de AntnioFernandes, 1552). Du Cerceau foi, conforme indica G.Kuller, o inspirador de Filipe Trcio para a traa dodestrudo Torreo do Pao da Ribeira (1582), obra deum grafismo severo, mas arrojado, cujos valores areconstruo pombalina procurou reintegrar, e queestava em 1606 revestido interiormente de pinturasalegricas e histricas, descritas num desconhecido livrode Leonardo Turriano.

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III /DO RENASCIMENTOAO MANEIRISMO:

O MESTRE DE S. QUINTINOE A PRIMEIRA GERAO

DE PINTORES MANEIRISTAS

O brilhante ciclo de pintura portuguesa do primeirotero do sculo XVI, vinculado esteticamente aos modelosarcaizantes de Bruges e de Anturpia como otestemunha a arte de Frei Carlos, a do Mestre da Lourinhe ainda, em certa medida, a de Vasco Fernandes , nooferecia sada para o futuro, dobrados os anos 30 dacentria. A espordica aceitao de elegantes formasrenascentistas de Anturpia, atravs da influncia depintores como Quentin Metsys, Gossaert de Mabuse ouVan Orley, que bem patente nas tbuas do chamadoMestre de 1515 (Jorge Afonso?) e das oficinas queseguiram na sua esteira (Cristvo de Figueiredo,Gregrio Lopes), no vinha eliminar os derradeirosvestgios tardo-gticos sempre presentes na nossa pinturaprimitiva produo de parcerias rgidas, laborandoem regime mesteral , antes acentuava o fim de umaexpresso plstica, no convencionalismo das belas

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roupagens e adereos das figuras, nos quentes massumrios efeitos de cor, nas largas paisagens perspectivadas maneira flamenga.

As pinturas integradas no ciclo dos Mestres deFerreirim etiqueta que rotula numeroso (eheterogneo) acervo de peas atribuveis, por facilidadede arrumao, s oficinas, quer de Cristvo deFigueiredo, quer de Gregrio Lopes, quer de GarciaFernandes documentam nitidamente estes influxosrenascentistas oriundos de Anturpia (ver as tbuas daErmida de Nossa Senhora dos Remdios de Alfama, ouo retbulo de S. Bartolomeu da S de Lisboa, este datadode 1537), e definem o incio de um processo de revisode valores que culminar, dobrado o meado do sculo,com o triunfo do Maneirismo.

Esse processo de transio esttica j particularmentevisvel numa pintura como o Martrio de S. Sebastio, dopintor rgio Gregrio Lopes (M. N. A. A., 1536).Executado para uma das capelas da Charola do Conventode Cristo de Tomar, o painel aparece-nos concebido emtermos de inesperado avano para a poca, seja no intensorealismo com que so visionados os ltimos planos (veja-se a dramtica representao de um auto-de-f, direita,em agitadas gradaes de cor), seja na ousadadesintegrao do espao da composio, que no solicitauma legibilidade lgica da mesma, em detrimento dosplanos centrais com o martrio do santo. Neste quadroesfumam-se os ecos goticizantes, sob o tratamentomatizado das superfcies cromticas, dinamizadas pormovimentos antagnicos e pelo jogo sinuoso das formascaractersticas de modernidade maneirista, de certamaneira estranhas em relao a outras obras atribuveis

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ao mesmo pintor (retbulo do Paraso, M. N. A. A., c1527; srie dos Arcos, M. N. A. A., c 1530). Esta pintura contempornea do estabelecimento do tribunal daInquisio em Lisboa (1536), acontecimento relevantenesta renovao de mentalidades e com reflexosprofundos na nossa vida scio-cultural. Ano da mortedo poeta e humanista Garcia de Resende, tambm emcuja Miscellanea (1530-33) perpassa um retrato vivo eperspicaz da sociedade da poca, com os seus sintomasde mutao. O Martrio de S. Sebastio assinala, em termosestticos e picturais, essa mutao: desaparece a habitualclareza clssica da narrativa, e a prpria relao depropores na construo dos espaos tratada de formaambgua. Outras peas atribuveis a Lopes, como opolptico de Santos-o-Novo (M. N. A. A.), datvel dosanos 40 do sculo, e a notvel Adorao dos Magos da Igrejade Bourg Saint-Andol (Frana) revelada por Reis-Santos,atestam tambm esta reviso pronunciadamente anti-renascentista, que se colhe igualmente em algumas pinturasintegradas no ciclo de Garcia Fernandes (Terceiro Casamentode D. Manuel, 1541, Museu de Arte Sacra de Lisboa;Martrios de Santa Catarina, c 1538-40, S de Velha Goa).

A coexistncia de vrias correntes estticas na pinturado segundo tero do sculo XVI, desde ressaibos gticose solues clssicas a experincias maneiristas, tratadasnuma articulao ambgua de valores que contraria aanterior limpidez do discurso artstico, sintoma evidentede um processo de transio que encontra eco em todosos ramos da nossa cultura. Neste sculo de oiro doImprio portugus, em que o poder concentracionriodo Estado e da nova burguesia capitalista assenta as suasestruturas sobre o comrcio da pimenta e do ouro da

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Mina, com a consequente desestabilizao do quadrofinanceiro e das relaes laborais, em que a renovaointerna da Igreja contra-reformista se desenvolve emrigidez e intolerncia, o Maneirismo brota como a respostapossvel de modernizao, condicionada por toda uma vastasituao de crise.

As solues anti-renascentistas invadem e refrescamas composies pictricas, subordinadas a uma outraiconografia e a um outro gosto, ainda que o acentofuncional (pintura religiosa destinda a intervir comonorteadora de culto) se perpetue at num crescente deaceitao relativamente s dcadas anteriores. Do mesmomodo que no sculo XVIII as igrejas portuguesas acolhiamsempre a talha dourada na decorao dos seus altares, nasegunda metade do sculo XVI a presena de um retbulocom painis pintados narrando as histricas especficasdo culto era indispensvel. A pintura conhece umincremento excepcional e o Maneirismo, comomanifestao esttica, que norteia o gosto dominante.

Neste processo de modernidade pictrica, os sintomasde reflexo e de viragem que, por exemplo, o Martrio deS. Sebastio j deixa entrever, so sobretudo desenvolvidospor outras oficinas e artistas (todos annimos), quesurgem na esteira de Gregrio Lopes, porventuraformados na oficina do clebre pintor rgio de D. JooIII. O mais importante de todos o enigmtico Mestrede S. Quintino.

Trata-se de um pintor de interesse primacial nestaprimeira gerao maneirista (uma gerao experimental,virada ainda para os modelos neerlandeses). Sob estadesignao podem hoje ser agrupados cerca de cinquentapainis do segundo tero do sculo XVI tbuas das

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Igrejas de Unhos e de S. Martinho de Sintra, o trptico deEga, S. Leonardo de Atouguia da Baleia, Pregao de S. JooBaptista (Est. 1) do Museu Nacional de Arte Antiga, srieda Igreja de S. Quintino de Serramena (Sobral de MonteAgrao), trptico da Vestiaria do Cabido da S de vora,etc. , que constituem um ncleo heterogneo e valioso,ainda insuficientemente estudado em globalidade. Deve-se a Martin Sria (1957) o reconhecimento do Mestre deS. Quintino como personalidade autnoma, bemdiferenciada da de Gregrio Lopes (com quem chegouj a ser confundido), documentando uma faceta inovadorae mais avanada na sua atitude anti-clssica de vanguarda.A sua obra revela sintomticas influncias dos maneiristasde Anturpia, como Jan van Scorel e Lucas van Leyden, einsere-se j, com nitidez, no processo de rebeliomaneirista. Os quatro painis da Igreja de S. Silvestre deUnhos, encomendados e executados em 1537-38, sobbeneplcito da Colegiada de Ourm (que superintendiana freguesia de Unhos), constituem uma das mais recuadasobras do Mestre de S. Quintino, mas nem por isso sonele menos visveis as propostas de discurso plsticoirracionalista, na ousada concepo cromtica (que orecente restauro no Instituto Jos de Figueiredo revelou)e no atrevido pendor expressionista dos figurinos, nadistoro dos espaos e na nova modelao mecanizadaimprimida s carnaes, panejamentos e vegetao.

Na Deposio no Tmulo do Igreja de S. Quintino, porexemplo, a concepo espacial dinamizada por diagonaisgeradoras de pontos ambguos de fuga e a superfciepictural tratada em manchas imprecisas de tons estranhos,que criam conflitos prospcticos ou se alargam em densossfumatos de mistrio; este aspecto particularmente bem

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concebido na Pregao de S. Joo Baptista (Est. 1) expostano Museu de Arte Antiga, porventura a produo maisfeliz do Mestre de S. Quintino. Citando Martin Sria, theexact spatial relationship and distance, so clearly indicatedby G. Lopes, is neglected by the S. Quintino Master ().The light, transparent tonalities of Lopes give way tosombre, opaque values. Os tons vermelho-salmo, verdese amarelos esmaecidos, brancos opacos, o vermelho-rubro aplicado em algumas cabeleiras, valorizando aslargas superfcies neutras em que a indefinio cromticasugere volumes e planos, numa ambiguidade assumida,tm a audcia de um artista arrebatado, que explora nosentido de um estilo novo. Assim, in the Preaching of St.John Baptist, Mannerism triumphs (M. Sria) A formacomposicional bsica (tradicionalmente em crculos) cedelugar s ovais alongadas, na distribuio de figuras e deplanos distintos. Os panejamentos e os figurinos, o casariodos fundos e a vegetao, adquirem uma visoserpentinada e dinmica. Se o receiturio normal doMestre de S. Quintino acolhe sugestes de gravurasneerlandesas nos seus acessrios (a Orao de SantAna e S.Joaquim da Vestiaria do Cabido da S de vora, nadecorao espectacular da Porta Doirada, replicaelementos de gravuras de Cornelis Bos e Cornelis Floris,executadas em Anturpia entre 1550 e 1555), a viso estticadeste pintor denuncia, tambm, a influncia dosmaneiristas italianos. No Calvrio de S. Quintino, porexemplo, j Reynaldo dos Santos notava evidentes sugestesflorentinas (Andrea del Sarto, Pontormo).

Outra oficina importante nesta gerao de Maneirismoexperimental a do Mestre de Abrantes. O desmembradopolptico que hoje se distribui pela nave da Igreja da

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Misericrdia de Abrantes, e que constitua o primitivoretbulo-mor da instituio (c 1548-50), formado pelastbuas da Anunciao (Est. 2), Visitao, Natividade, Cristocom a cruz s costas, Calvrio e Deposio no tmulo, constitui oncleo essencial desse produtor de imagens activo emmeados do sculo XVI. Estas excelentes pinturas, durantebastante tempo atribudas a Gregrio Lopes, revelamporm uma maior largueza de composio, modelao ecor, j desembaraadas numa linguagem anti-clssica,numa pincelada mais pela mancha e num atrevido pendorexpressionista caractersticas que no encontram econas obras ulicas de Lopes. As afinidades destes painisde Abrantes com outros de Gregrio Lopes (o polpticode Santos-o-Novo, por exemplo) so em boa verdademais semnticas do que, propriamente, formais umaorigem iconogrfica comum e certos detalhes acessrios,explicveis porventura pela aprendizagem do Mestre deAbrantes nas oficinas eruditas de Lisboa. Estamos empresena de um mestre diferente, mais avanado, dir-se-ia at mais arrojado no tratamento largo do discursoplstico. Com esta deliciosa srie de Abrantes relacionam-se, morfologicamente, outras pinturas de meados dosculo XVI, caso da Bandeira da Misericrdia de Alcochete,descoberta por Reis-Santos e reveladora de um nervosoexpressionismo acentuado pelas manchas de cor cida;uma arruinada Descida da Cruz (Museu de Arte Sacra doFunchal); dois Calvrios (depsito do M. N. A. A., n.os deinv. 130 e 173); e Santo Adrio, identificado por DagobertoMarkl na Igreja da Pvoa de Santo Adrio (Loures) todas denunciando j uma situao maneirista.

Um dos pintores lisboetas que, luz da documentaorecolhida, supomos ter representado papel do maior

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relevo no panorama cultural do seu tempo foi o mestreDiogo de Contreiras. Trabalhou em Lisboa de 1521 a1560 (Verglio Correia), tendo sido examinador depintores, cargo que atesta a sua categoria. Sob pagamentoexcepcional, pintou o retbulo da Igreja Colegiada deOurm (1537-41) cujo painel central representava NossaSenhora da Misericrdia, padroeira da Colegiada e oretbulo do Convento de Santa Clara de Santarm (1553-54) obras infelizmente desaparecidas. Face categoriadeste pintor (avalivel pelos cargos ocupados e pelospreos cobrados) e poca e regio onde desenvolveu asua actividade, no repugna sugerir uma identificao deDiogo de Contreiras com o enigmtico Mestre de Abrantes mera hiptese de trabalho, que s futura investigaopoder validar.

Num centro cultural com a projeco de voradesenvolvia-se entretanto, sombra do poderosomecenato local, a actividade de outra oficina de pinturacom decisiva influncia nesta fase experimental: a oficinado Mestre da Epifania da S de vora, estudada porSria. Cinco pinturas existentes na Pinacoteca da S devora Epifania, SantAna, A Virgem e o Menino (Est. 3),Baptismo de Cristo, ltima Ceia e Santo Amaro, S. Bento e S.Romo provm de um retbulo para um antigo altarda S eborense, encomendado por D. Joo de Melo,arcebispo de vora entre 1564 e 1574, e constituem oncleo essencial da produo deste mestre. Ospanejamentos aparecem tratados com delicadeza,serpentinados e dinamizados pelo jogo curvo dasdobraduras, e uma imprevista plasticidade dos contrastesde luz sublinha valores grficos de fino recorte (veja-se aEpifania, com os figurinos em atitudes teatralizadas, de

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largos panejamentos espiralados e envolventes,composio de refinado apuro aristocrtico). A pinturaque representa SantAna, a Virgem e o Menino (Est. 3), pelomodo arrojado como tratado o espao, com notvelsentido cenogrfico, num contexto de arquitecturasubsidiria polarizada por diagonais antagnicas, peanitidamente maneirista e merecedora de particularreferncia pelo seu acentuado irracionalismo. Os verdesdesmaiados, os vermelhos-salmo (como nas tbuas doMestre de S. Quintino), os carmins e rseos, os azuis-claros e os amarelos-sumidos e, muito curiosamente,o uso de dourado para valorizao de certos detalhessem par na nossa pintura coeva (as in Grecoscontemporary early works in Venice, observa compertinncia Sria) , definem um conceito cromticoinovador. Sublinhe-se ainda o uso de runas de arquitecturaclssica nos fundos dos painis (como sucede na Epifaniade vora e nos painis do retbulo da Igreja de Boa Novano Alandroal, outra obra importante deste mestre), usoque recorda certas pinturas de Giulio Romano (M. Sria).Mas os acessrios continuam a ser predominantementedecorados com elementos tirados de estampasneerlandesas (Cornelis Bos, Vredeman de Vries), nosgrotescos, mascares, cartelas e obras-de-lao que serelevam nos tronos (A Virgem e o Menino, c 1570, MuseuRegional de Beja), nos portais e arcos (Adorao dos Pastores,c 1565-70, de Boa Nova), nos objectos acessrios (aourivesaria includa na Epifania da S de vora, omobilirio na Anunciao do Museu de Lagos), etc.

A obra do Mestre da Epifania da S de vora apresentaestritas afinidades de estilo com os frescos profanos detrs tectos existentes no Palcio dos Condes de Basto em

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vora, um dos quais representando oito ninfas daAntiguidade Clssica, brincando com querubins nus, numambiente buclico de verdura e cor. Esta decoraoprofana, nica no seu gnero em Portugal, tem aparticularidade de estar assinada pelo seu autor, Franciscode Campos, e datada de 1578. O estilo das galantes ninfase deusas que decoram um dos citados tectos documentaexemplarmente, entre ns, uma feio sensualista earistocrtica do Maneirismo neerlands ainda que,como fez notar Adriano de Gusmo, a composio geralde toda a pintura represente um eco da originalssimadecorao de Correggio em Parma, na Cmara de S.Paulo e as suas semelhanas com o ncleo citado, emparticular com A Virgem e o Menino de Beja, so irrecusveis.De Francisco de Campos pouco se apurou: artistaflamengo, ou de origem neerlandesa (aparentado comartistas flamengos ao tempo radicados no nosso pas),vivia em vora em 1578 e a morreu em 1580, vitimadopela peste (Tlio Espanca).

Outras pinturas retabulares do meado do sculoacentuam esta destruio deliberada da estrutura classicista,na organizao distorcida dos espaos e no renovadosentimento cromtico, no adopo de figurinos alteadose numa viso atormentada das cenas religiosas.Continuam a seguir-se os modelos maneiristas deAnturpia, nos acessrios pintados (mscaras, caritides,faunos, obras-de-lao, medalhes e cartelas, etc.), pelautilizao de gravuras ao tempo muito difundidas. AVirgem, o Menino, Dois Santos e Doadora do Museu de ArteAntiga um desses exemplos, bem executado e imbudode vasta simbologia introduzida pelas litanias marianas (aFonte da Vida, o Speculum sine macula, o Jardim

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Fechado, a Civitas Dei) que povoam toda acomposio. Pintura devida a um bom representante destafase de Maneirismo experimental, em feio neerlandesa,procede do extinto Mosteiro da Esperana, em Lisboa, einclui a representao, como doadora, de D. Joana dEa,camareira da rainha D. Catarina. No mesmo esprito seinscrevem um interessante polptico existente na Capelado Leo em Alpedrinha, os dois trpticos da Igreja matrizde Santa Cruz na Ilha da Madeira (no gnero do Mestrede S. Quintino), o retbulo da Capela de S. Pedro deMontemor-o-Novo, o da Capela do Esprito Santo deSousel (Portalegre) este ltimo influenciado pelo Mestreda Epifania da S de vora , etc.

J as duas grandes tbuas existentes no Museu Nacionalde Arte Antiga que representam o Casamento mstico de SantaCatarina e a Degolao de Santa Catarina (Est. 4) com predelasfigurando santos franciscanos, se inscrevem numa duplainfluncia maneirista, flamenga e italiana. A apreensodesses valores incide no jogo de distribuio de luz, queacentua as gradaes cromticas, no tratamento matizadodos panejamentos, na desintegrao prospctica dosplanos, nas propores avassaladoras dos figurinos tudo denunciando a feio anti-renascentista deste mestrelisboeta no identificado. Na Degolao (Est. 4), desenvolve-se em segundos planos, como sequncia ilgica da cenaprincipal do martrio, uma paisagem fantstica,perturbadora e inquietante, que nos solicita para os temascomplementares e longnquos do enterro e ascenso deSanta Catarina, num percurso narrativo de leitura. Na baseda montanha onde, numa gruta, decorre a exumao docorpo da virgem mrtir, cresce fresco bosque verdejante

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onde se vislumbram silhuetas etreas de pastores, tocandoflauta e danando com os seus rebanhos magnficoquadro de gnero, de intensa expressividade maneirista.

O gosto ulico pela veia retratista tambm aufere, nestafase, de certo desenvolvimento. Aspecto dos maissignificativos da nossa cultura laica (ou seja, margemdo sistema cultural contra-reformista dominante), assumecaractersticas individualizantes e antropocntricas; aodescritivismo perpetuador da ndole fsica dos retratados(caracterstica do Renascimento) sucedem as representaesevocadoras de uma presena idealizada. Os retratos doManeirismo, como sucede alis em Pontormo e emBronzino (e, entre ns, em Cristvo de Morais), utilizamprecisamente as gradaes da matria cromtica, aindefinio fluida dos contornos e a sugesto ilusria dosenquadramentos prospcticos para valorizar estafigurao idealizada dos personagens que se faziam retratar,quer em telas avulsas de cavalete, quer em painisretabulares. Se o Retrato da Senhora com Rosrio (M. N. A.A.) entronca na tradio naturalista do Renascimento,atravs de um extraordinrio apuro formal que muitojustamente o torna prximo de um Sanches Coelho, j oRetrato de Jovem Cavaleiro (M. N. A. A.) se revela umacomposio bem maneirista, no tratamento matizado dasgradaes cromticas, na marcao idealizada dapersonagem e dos seus atributos, que incide sobretudona couraa lavrada e nos valores da gola encanudada. Esteretrato ulico (que representa o Condestvel D. Duarte,segundo Adriano de Gusmo, ou o jovem Infante,segundo Dagoberto Markl) atribuvel, sem slidofundamento, aos anos cinquenta do sculo e ao pintor

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rgio Cristvo Lopes, filho de Gregrio Lopes. A estemesmo artista so atribuveis os retratos de D. Joo III eda rainha D. Catarina, acompanhados pelos respectivossantos padroeiros (M. N. A. A. e Mosteiro da Madre deDeus), grandes painis maneiristas que se apresentam emlarga escala, de perspectiva obliquada, tratamento matizadoda composio, ainda na tradio flamenga de Moro.Note-se, em reforo atribuio tradicional, que CristvoLopes trabalhou ao lado de Anthonis Moro quando, em1552, o mestre flamengo veio a Lisboa, encarregado deretratar a famlia real.

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IV / A SEGUNDA GERAODE ITALIANIZANTES

Se o segundo quartel de Quinhentos marcadecisivamente, ao nvel da pintura nacional, a ruptura comos ecos classicistas do Renascimento estes nunca, emboa verdade, assumidos na sua extenso , no terceiroquartel da centria que a pintura se define, em termoscrticos, ao nvel de uma situao maneirista. A situao possvel,obviamente, elaborada no seio de uma sociedade queaderia, sem contestao maior nem sintomas de inquietude,aos valores contra-reformistas Mas a situao-outra, quealinha com a modernidade do seu tempo sem perder devista os padres italianos, que pode e sabe italianizar-sesem detrimento da experincia anterior.

A segunda gerao, que corresponde mais ou menosaos anos 60 e 70 do sculo os anos do auge do Concliode Trento, do pontificado de Paulo IV e de Pio V, em quea Contra-Reforma triunfa , a gerao dositalianizantes. A viragem esttica, iniciada pelos nossospintores de meados do sculo, acentua-se em maturidadecom o labor de alguns artistas formados na prpria Itlia(Campelo, Gaspar Dias, etc.). A melhor pintura portuguesa

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atinge um cunho nitidamente maneirista, coerente com aexperincia coetnea de alm-fronteiras.

No campo das influncias ordenadoras e dascondicionantes iconogrficas, esta viragem esttica evoluinum sentido italianizante: pouco existe j, nestes novosartistas que atingem agora o cume da produo, quedenuncie uma orientao subordinada aos modelosmaneiristas flamengos. A paisagem modifica-se, comnitidez, no panorama evolutivo da pintura portuguesa, eno apenas no que respeita aos pintores eruditos da capitalou aos que, fora de Lisboa, laboram sombra de mecenaspoderosos e cultos tambm a nvel regional a influnciamaneirista italianizante predomina (os painis da Vida deS. Pedro, do pintor Diogo de Torres [c 1573], na Igrejamatriz de Dois Portos, perto de Torres Vedras, constituemum saboroso exemplo, a estudar).

1. CRISTVO DE MORAIS

Pintor porventura de origem espanhola e activo nacorte portuguesa entre 1551 e 1571, autor de doiscelebrados e notveis retratos de D. Sebastio: o doMosteiro das Descalzas Reales, de Madrid, assinado edatado (1565), que representa o efmero monarca aosonze anos, e o do Museu Nacional de Arte Antiga, deLisboa, executado em 1571 por encomenda da rainha deD. Catarina e sob paga de 12.000 rs. So duas das pinturasmais notveis e vincadamente maneiristas que subsistemdesta poca. Estamos face a um artista aristocrtico, muitoconsiderado certamente pela clientela cortes, e com largasresponsabilidades como retratista, decorador e pintor de

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retbulos. Sabemos que em 1551 pintou e dourou umaelegante liteira real, executada em marcenaria por Diogode ara mestre do cadeiral maneirista do coro dosJernimos e envidraada por Antnio Taca, mestrevidreiro da Batalha (Sousa Viterbo). A decorao pictural,estendida porventura a temas mitolgicos ou profanos,orou quantia excepcional (63.140 rs). Em 1554, Cristvode Morais pintava um leito para a Cmara da rainha D.Catarina, por preo de 26.270 rs. Em 1567, enfim, executouo retbulo da capela-mor do Mosteiro da Conceio deBeja, recebendo em primeira paga 35.000 rs e dois moiosde trigo. Tudo obras desaparecidas. Em 1554, Cristvode Morais ocupou o cargo de examinador de pintores, oque atesta bem a sua categoria social e profissional. Teve,ainda, o cargo de Rei de Armas, segundo nos informa umdocumento de habilitaes das Ordens Militares do inciodo sculo XVII. Estamos face a um artista de estatutodefinido, de ndole aristocrtica, orgulhoso na sua plenaindividualidade de produtor de imagens, como tpico sequazdo Maneirismo corteso.

O Retrato de D. Sebastio (Est. 5), do M. N. A. A., quemanifesta preciosos ressaibos de um Maneirismo ulico deperfil italiano, certamente o retrato pintado em 1571 porencomenda de D. Catarina; alis, as evidentes afinidades deprocesso e de estilo com o outro belssimo retrato do rei(em corpo inteiro) das Descalzas Reales de Madrid, assinado1565 Christoforus a Morales faciebat, confirmam a identificaodo retrato de Lisboa. Trata-se de um dos bons retratosmaneiristas europeus, perfeitamente nivelado aos dePontormo e de Bronzino.

Segundo observa Jos-Augusto Frana, o prncipeperdido de orgulho, que se supe senhor de um destino

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impossvel, sonhando polticas e herosmos no pasexangue, desafiando o mundo e a vida que o perder o prncipe maneirista por excelncia () nesta imagemde insolente beleza herldica, quase irreal na suaambiguidade necessria. O retratado, personagematormentado por ansiedades e sonhos irrealizveis, aparecevisionado por Cristvo de Morais com a fora obsessivado misticismo e do temor efgie idealizada que nostransmite, mais do que o retrato fsico, o retrato ideolgicodo rei-Desejado, no seu mito quixotesco, a viso evocadorade um sistema dominante. Sublinhe-se o tratamento dosvalores plsticos, matizados subtilmente por finas veladurase por um indefinido contraste de mistrio na relaodos planos, ou a inexpressiva cabea, que nos revela ainquietante frieza do seu olhar, ou a dureza crua da boca,num esgar de desdm. Mas poderosa , sobretudo, aextraordinria armadura lavrada (que tem o luxo dascouraas milanesas), dada em subtis toques de cor e comuma invulgar percia de pincel. Dir-se-ia que constitui,afinal mais do que a idealizada cabea do prncipemalogrado o motivo fundamentador deste retratoe a sua principal referncia de leitura! Assim o entenderiatambm, sculos volvidos, e num contexto de colonial-fascismo que denuncia, o escultor Joo Cutileiro, nomagnfico monumento de D. Sebastio em Lagos (1973),estaturia de sabor neo-maneirista, fantasma de pedrasado do cho que segundo Jos-Augusto Franadesmistificou todo o discurso nacionalista dosmonumentos do Estado Novo e tambm osaudosismo quixotesco do Quinto Imprio

Voltando ao retrato sebstico de Lisboa, a soberbaarmadura real que de facto constitui o espectculo, paradigma

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da ideologia dominante e objecto predilecto das atenesrequintadas do pintor. Na zona inferior esquerda, a cabeadesmesurada de um galgo, com sumptuosa coleira rubra,farejando a mo que repousa sobre o cinto da espada, smbolo do monarca e do poder estabelecido. O Retratode D. Sebastio (Est. 5) constitui um dos marcos maistranscendentes da nossa cultura maneirista. Segue, assimorgulhosamente afirmado, a melhor tradio do retratoidealizado do Maneirismo internacional, e nesse sentidomerece ser entendido a par da fecunda rebelio deBronzino, seno mesmo de Pontormo.

No Pao Real de Sintra encontram-se duas curiosaspinturas de um desmembrado retbulo sebstico, de ignotaprocedncia, que merecem ser agora citadas pois tm aparticularidade de representar S. Sebastio atravs dapersonagem ulica do rei-Desejado, ora libertando oscativos cristos (Est. 20), ora discursando perante oImperador. Pintura um tanto grosseira, embora inspiradaem modelos maneiristas eruditos (designadamente, nafigura da Caridade que preenche o primeiro plano de umadas tbuas [Est. 20], em pintura de Morales do retbulode Arroyo de la Luz), deve ser devida a mestre lisboetada terceira gerao. Sublinhe-se a representaoidealizada (e, sem dvida, pstuma) do Desejado, queelegantemente incorpora o personagem do santo mrtirhomnimo, no mbito de uma ideologia imagticacrtica (ambiguidade dual na relao temtica) por ondeperpassa, porventura, um feroz discurso sebastianistacamuflado por temas do hagiolgio de S. Sebastio, jlongamente enraizados no gosto das nossas populaes.So tbuas dos fins de Quinhentos que devem ser retidasno mbito da iconografia de D. Sebastio.

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2. ANTNIO CAMPELO

A fidelidade ao esprito da maniera italiana expressa-se com particular acuidade visionando a (escassa) obrado pintor Campelo, hoje reduzida a oito desenhos e auma nica tbua identificada. Artista hoje muito esquecido,foi todavia muito considerado pelos seus contemporneos,a crer nas laudatrias referncias que lhe fazem escritoresseiscentistas pondo em realce o mrito da sua obra e asua aprendizagem esttica na Itlia.

Antnio Campelo, segundo o memorialista Flix daCosta Meesen, seguio em mta parte a Escola de MichaeloAngelo Bonarrote, asim na fora do debucho, como partedo colorido; se bem que ja com outra inteligencia nomexido das cores. Foi alis um dos bolseiros rgios que,a mando de D. Joo III, teria estagiado em Roma paraaperfeioar a sua arte. No seu dilogo Hospital das Letras,escrito entre 1654 e 1658, D. Francisco Manuel de Melorefere-se com louvor glria do engenho de Campelo,aps referenciar Cames, Joo de Barros, JernimoOsrio e outros vultos da cultura portuguesa.

Da obra de Antnio Campelo subsiste uma preciosacoleco de desenhos e estudos preparatrios conservadosno Gabinete de Desenhos do Museu Nacional de ArteAntiga que j tivemos ensejo de analisar em pormenor.Todos estamos hoje conscientes do alcance de que sereveste, para definio de uma personalidade artstica, oestudo analtico do desenho e no s em termos deleitura formal, mas ainda a nvel histrico, iconogrfico eplstico. So os esquios que consentem a abordagem maisprofunda dos estilos, constituindo autnticas assinaturasde artista. No caso de Antnio Campelo, o conjunto

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excepcional de desenhos, mais ou menos elaborados, quenos chegou, permite consideraes significativas sobre asua formao na Itlia maneirista.

O desenho que representa A Prudncia (M. N. A. A.,n. 137) (Est. 7), inspira-se com fidelidade, conforme pudeapurar, numa cena pintada em 1552 por Pellegrino Tibaldina fachada da Vicolo Savelli de Roma (obra destruda, deque todavia restam esquios preparatrios). Os desenhosn.os 381 e 382 (Est. 8) tambm se inspiram em pormenoresde outra fachada pintada de Roma, a fachada do PalazzoMilesi, decorada pelos pintores Polidore Caldara doCaravaggio e Maturino Florentino, obra igualmentedestruda, mas de que existe um bom desenho do sculoXIX (Enrico Maccari, 1885), que me permitiu fazer aidentificao. evidente que Antnio Campelo, quandoesteve em Roma, pde admirar esta fachada e copiaralguns dos motivos nela pintados por aqueles doisepgonos de Rafael. Trata-se de cenas alegricas e deepisdios da Histria da Roma Antiga: num dosdesenhos, vemos soldados romanos distribuindodespojos de guerra, num outro (Est. 8) uma disputa entreancios tendo como enquadramento fantstico escorosde edifcios idealizados da Antiguidade clssica (dadosde modo distorcido) e, direita, como apontamentoextico, duas cabeas de elefante.

Outro esquio de Antnio Campelo (n. 380)representa um elegante mausolu romano, dado a tintabistre, com alguns laivos de marcao de volumes, emcorrecto apontamento. Ainda em referncia sua estadiaem Roma, o desenho alegrico que representa A Fora(n. 383) inspira-se num dos frescos de Giulio Romanopara a Sala Psych do Palcio Farnse. O Senhor da Cana

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Verde (n. 2866) estudo preparatrio para umadesaparecida tbua que Campelo executou com destinoao Claustro do Mosteiro dos Jernimos (ainda admiradapor Flix da Costa, Frei Manuel Baptista de Castro eGuarienti), e que assinala, curiosamente, as diversas coresque a pintura ostentaria ao ser passada para a tbua curiosidade que se nota tambm em diversos desenhositalianos da poca, como alguns de Pontormo, mas que caso raro entre ns. Merece particular registo, ainda, odesenho Alegoria Morte (inv. 379), dado em contrastesde tinta bistre, composio que merece ser cotejada comoutras (escassas) alegorias existentes na nossa artemaneirista, designadamente em desenhos de Francisco deHolanda do lbum De Aetatibus Mundi Imagines (1545-73)e Da fabrica que falece cidade de Lixboa (1571) e em estudosdo pintor Francisco Venegas.

Da obra de pintura de Antnio Campelo apenaschegou aos nossos dias, absolutamente identificada, umanica pea: o painel Cristo com a cruz s costas dos Jernimos,que se encontra, bastante repintado, em depsito no M.N. A. A. Flix da Costa (1696) refere-se-lhe directamente,e a anlise comparativa dos desenhos confirma aidentificao. Da pintura se colhe a impresso de umaforte personalidade de romanista, bem desembaraada edestra na teatralizao dos soldados e no dramatismopungente imprimido figura de Cristo. Como bemobservou Adriano de Gusmo, esta pintura revela,tambm, sugestes da pintura maneirista veneziana,manifestas no sentimento cromtico que a pelcula picturaltraduz, nos seus azuis, brancos e carmins-esmaecidos, emcertas tonalidades envolventes dos tecidos e das armaduras.Impe-se, realmente, o prximo tratamento laboratorial

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desta impor tante tbua de Campelo, para que,removidos os repintes oitocentistas que a adulteram,se possam aquilatar melhor as peculiaridades estilsticasdo artista. Este facto impede que possam ser desde jatribudas a Campelo outras peas italianizantes (comoas seis danificadas telas da Paixo de Cristo que pendemdas paredes da sacristia dos Jernimos) que, pelarobustez romanista dos figurinos e pela largueza dacomposio, sugerem uma aproximao esttica coma tbua e os desenhos referidos.

As grandes fachadas pintadas da Itlia do sculo XVI(que tambm encontramos no Reno, na Flandres, emPraga) revelam com clareza o gosto pela ostentao eprestgio da classe dominante, que se no restringe nobreza como ainda clientela da grande burguesia. Comoobserva Andr Chastel, que estudou particularmente amatria, lardeur avec laquelle on soumet au nouveau styleles modalits du dcor de fte, le crmonial et le costume,fait un peu oublier quil sagit de variations modernes surdes pratiques dj sculaires. Lxpansion de la fte atteinttous les replis de la vie sociale. Elle donne une valeursingulire la rue et tout ce qui sy passe, et avec dautantplus de force que, religieuse ou profane, ou les deux lafois, elle xalte aux dpens du quotidien le provisoire et lemerveilleux. A voga das fachadas pintadas, que naessncia constitui um revivalismo medieval (muitos dosedifcios comunais italianos da Idade Mdia eram ornados,no exterior, de frescos figurativos em grisaille), adquiriucom o Maneirismo, e sob impulso do arquitecto-decorador Baldassare Peruzzi, uma dimensoextraordinria, que sublinha certos aspectos ldicos efestivos da arte integrada no tecido urbanstico das vilas e

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cidades. Este gosto requintado de decorao revestia afrontaria dos edifcios com sries de frisos pintados detemas hericos, alegricos ou, mesmo, profanos,dividindo os andares, cingindo as pilastras, percorrendoos frisos e entablamentos, sublinhando os valores grficosda arquitectura. A maioria das fachadas pintadas italianasdesapareceu, naturalmente pintura ao ar livre, sujeita acondicionalismos diversos, com uma inteno de intervirnum espao e num tempo determinados , mas delesnos ficaram abundantes cpias, desenhos de alados,estudos preparatrios, etc.

Quando Antnio Campelo estagiou em Roma,sintomaticamente se deixou impressionar pela visocenogrfica destas fachadas dos palazzi romanos, como aVicollo Savelli, de Pellegrino Tibaldi, ou o Palazzo Milesi,de Polidoro e Maturino, tendo-se deleitado a copiar, emdesenhos a tinta bistre, alguns dos motivos pintadosnessas fachadas. Alguma vez ter Campelo sonhadoimplantar em Portugal este gosto requintado e ldico dedecorao arquitectnica como se dever inferir do rigorcom que se esforou por assimilar esse gosto atravsdos desenhos que executou e trouxe para a sua ptria?Tentativa v, sem dvida, de criar aqui uma moda artsticade largo sentido cenogrfico a que uma sociedadefechada como a nossa, cingida ideologia dominantede Contra-Reforma na sua feio mais austera, nopoderia naturalmente ser sensvel.

De facto, a segunda metade do sculo XVI no viudesenvolver em Portugal uma pintura de sentido hericoe monumental, histrica ou profana com raras e tardiasexcepes. A ideologia dominante, moldada ao estatismoopressor de Trento, imps sempre uma iconografia restrita

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que cerceou, neste aspecto, o pendor criativo dos artistas.Assim, os desenhos que Campelo executara em Roma,sensibilizado pelas novidades da maniera triunfante, notiveram assimilao entre ns, da mesma forma que osrenovados conceitos urbansticos de Francisco deHolanda expressos no tratado Da fabrica que falece cidadede Lisboa (1571).

Maneirista na plena acepo do termo, estimuladopelos conceitos da idea romana, o pintor Antnio Campeloentronca numa veia academizante representada pelosepgonos de Rafael, como o Maturino de Florena (1490-1528), o Polidoro Caldara da Caravaggio (1500-1546) eo Giulio Romano (1499-1546), e pelos epgonos de Miguelngelo, como o caso do bolonhs Pellegrino Tibaldi(1527-1596). Mas nos seus esquios revela-se igualmentea influncia de maneiristas tardios da escola romana, comoLivio Agresti e Salviati, Tadeo Zuccaro e Pirro Ligorio,na escala robusta dos figurinos (desenhados sempre comsegurana) e na teatralidade irracional dos gestos e atitudes.O que situa o seu estgio em Roma por volta do sextodecnio do sculo XVI e neste mbito que, nosarquivos romanos, se devero buscar traos documentaisda sua passagem e actividade.

Artista algo marginalizado em Portugal como osseus contemporneos Francisco de Holanda e Lus deCames , Antnio Campelo exemplo importantede um pintor aristocrtico na sua plena individualidade,erudito nas suas propostas maneiristas, orgulhoso doseu trabalho, intolerante porventura nas cedncias face clientela. Alm da empreitada no Mosteiro dosJernimos, nada mais sabemos que tenha feito, deregresso ptria. No admirar que venha a provar-se

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que foi um artista cuja actividade se restringiu rbitade um mecenas imbudo de cultura italianizante, emcuja sombra teria laborado.

3. LOURENO DE SALZEDO

Presumivelmente de origem espanhola, este pintor darainha D. Catarina devia ser artista muito considerado pelasua protectora, que legou em testamento viva que ficoude Salzedo o pintor o usufruto de vrias casas. Testemunhode considerao e, decerto, de reconhecimento pelo seutrabalho. Salzedo faleceu em 1577 (Jorge de Moser), esabemos que pouco antes trabalhara em obras da Igrejado Hospital de Todos-os-Santos.

A obra hoje mais seguramente identificvel o retbulodo altar-mor da Igreja dos Jernimos. Uma refernciapreciosa de Frei Manuel Baptista de Castro, na sua Crnicada Ordem de S. Jernimo (mss. do Arquivo Nacional da Torredo Tombo, fonte fidedigna apoiada em documentaodo desaparecido cartrio do Mosteiro ieronimita) atribuiessa obra ao grande pintor Salzedo. A construo dacapela-mor maneirista dos Jernimos, traada peloarquitecto Diogo de Torralva e executada por Jernimode Ruo, cerca de 1572, permite assentar a cronologiaaproximada das cinco grandes tbuas retabulares (c 1570).Numa fiada superior, incrustada na pedraria maneiristado presbitrio, figuram Cristo com a cruz s costas, Cristodeposto da cruz (ao centro) e Flagelao; a fiada inferiorrepresenta uma Adorao dos Magos, tripartida, a que falta opainel central, retirado em 1675 com a colocao do ricosacrrio do ourives Joo de Sousa.

Estas grandes pinturas de Belm acusam plenamente

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o romanismo dominante e a correcta apreenso que delatinha Salzedo, seja no tipo atltico dos nus (sequazes daterribilt miguelangelesca), seja no desmesurado alteamentodos figurinos, de largas roupagens e atitudes teatrais.Constituem, sem dvida, um tpico documento doManeirismo erudito de perfil romanista, na sua vertenteacademizante. Vem a propsito relacionar com esteretbulo a pintura da ltima Ceia que sobrepuja o altar dacapela dos Castros, em S. Domingos de Benfica, segundoAdriano de Gusmo: Pelo estilo do desenho, escala dasfiguras, panejamentos, e sobretudo pela cor, em particularnos amarelos-torrados e nos azuis, tem estreitas afinidadescom os painis do altar-mor dos Jernimos. Este mesmoreceiturio estilstico, que bastante peculiar eindividualizado, sugere a atribuio a Loureno de Salzedode quatro outras grandes pinturas hoje existentes na Salado Despacho da Misericrdia da Lourinh, procedentesdo extinto Mosteiro Jernimo de Vale Benfeito: Julgamentode Santa Catarina, S. Jernimo, Imaculada Conceio (rodeadapelos smbolos das litanias) e Profisso de Santa Paula.

4. GASPAR DIAS

Gaspar Dias o artista mais importante desta segundagerao. Educado em Itlia, onde D. Joo III o terenviado como bolseiro rgio, foi genio admirauel,imitando mto a Rafael de Urbino, e Francco Parmazano,segundo o memorialista Flix da Costa, que acrescentater sido mais delicado q Campelo em as suas propores:de espirito superior, que parece respiro as suas figuras, emto se equivoco com o risco de Rafael.

Em 1560, j regressado certamente do seu estgio

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italiano, aparece-nos Gaspar Dias a ocupar o importantecargo de examinador dos pintores (a par do j referidoDiogo de Contreiras), cargo esse que ainda detinha em1566, altura em que acumulava o exame nas modalidadesde tmpera (dourado) e de leo (Verglio Correia). Foimoo da cmara da Casa Real e pintor dos Armazns eCasa da Mina e da ndia (1574). Por volta de 1578executou um retbulo destinado Ermida da Quinta daMarinha, em Alenquer, encomendado em verbatestamentria de Manuel Correia de Menezes (30.000 rs).J antes, em 1571, havia pintado o retbulo da casa dasarmas dos enjeitados no Hospital Real de Todos-os-Santos, pelo preo de 16.500 rs. Em 1590, decerto muitoidoso, estava ocupado na execuo de um grande retbulodestinado Igreia de Santa Catarina do Monte Sinai emLisboa (Sousa Viterbo) obra que, pelo facto de seterem gerado desinteligncias com o artista, foi afinalconcluda pelo pintor Antnio da Costa, genro e discpulode Diogo Teixeira. Gaspar Dias era casado com Catarinade vora e residia em casas ao Jogo da Pela, em Lisboa.

O retbulo da capela de S. Roque, na Igreja de S. Roque,constitui a mais importante obra identificada de GasparDias, que o ter executado cerca de 1584. Alm de umatbua de predela que representa S. Roque na priso(actualmente deslocada), este retbulo inclua uma grandeApario do Anjo a S. Roque (Est. 9) como pea principal.Estamos face a uma belssima composio maneirista. OAnjo apresenta-se esbelto e alteado, dentro de um cnoneidealizado que recorda as figuras serpentinadas de umParmigianino, e a personagem do santo, em xtase mstico, dinamizada por uma movimentao teatral (no se percade vista um S. Roque de Parmigianino [1527] na Igreja de S.

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Petronio de Bolonha). Se o quadro explana a sua funocatequtica com todo o rigor, viabilizando a clareza doprograma iconogrfico (e neste sentido insere-se no terrenoda melhor pintura maneirista contra-reformista) o pintorpermite-se criar outros pontos de fuga, acentuando dessaforma contrastes sensveis de planos e de valores, atravsde um vasto espao arquitectnico que ocupa o fundo, direita, e prolonga sensivelmente a composio. Trata-sede um interior abobadado de edifcio italianizante, cingidopor colunata jnica e entablamento denticulado, que remataao longe num recinto de planta centralizada, corrido dearcaria, onde se movimentam figurinhas e decorre um trechocomplementar histria da viso de S. Roque no primeiroplano. Diagonais antagnicas, to do agrado das melhoresreceitas maneiristas, criam assim sugestes de desequilbrioe de irracionalismo, que dinamizam todo um espao pictricoj de si sedutor pela sua frescura.

Gaspar Dias revela-se aqui um excelente pintor, quelabora em finas velaturas e trata as gradaes cromticascom delicadeza dentro de um programa claramentealinhado por bons modelos do Maneirismo italiano, deParma e de Roma. A qualidade plstica dos escoros defiguras e panejamentos e as peculiaridades do estiloestimam-se tambm em alguns preciosos desenhos quenos chegaram, caso de um S. Joo em Patmos (M. N. A. A.,n. 440) que serviu de estudo para um desaparecidoquadro do Mosteiro de S. Francisco de Lisboa, caso deuma Priso de Jesus (n. 441) (Est. 10) muito curiosa simples apontamento a tinta bistre, em aguadas, ondesoldados robustos de capacete, couraa e cligas aoromano rodeiam a figura torcida de Jesus , caso

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ainda de um S. Pedro e S. Paulo com saborosos ressaibosde claro-escuro, reveladores do conhecimento de ummaneirismo de luz Parmigianino.

De vrias outras pinturas a que se referem autores dosculo passado, com muito apreo e laudatrias palavras(como uma Circunciso em Celorico da Beira ou uma Descidada Cruz em Santo Antnio da Castanheira), desconhece-se hoje o paradeiro. Mas em S. Roque temos ainda,justificadamente atribuveis a Gaspar Dias, uma Anunciaoe uma Adorao dos Magos (esta no anexo Museu de ArteSacra), e em depsitos do M. N. A. A. existem outrastbuas reveladoras do mesmo estilo, por exemplo umadanificada Adorao dos Magos (n. 701) a solicitarinterveno laboratorial. O retbulo da Igreja daMisericrdia de Almada (executado, documentadamente,em 1565-66, no deixa de estar, ainda, dentro do espritoda oficina de Gaspar Dias veja-se a elegante predela AVirgem e o Menino num Jardim , e do mesmo modo quatrotbuas da Paixo de Cristo expostas no Museu de Faro.

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V / A TERCEIRA GERAO

Se a segunda gerao considerada o foi deconsolidao do Maneirismo, na sua feioitalianizante, a terceira gerao o apogeu do estilo.Corresponde, em traos gerais, ao derradeiro quarteldo sculo XVI e nela se incluem mestres importantescomo Venegas, Ferno Gomes e Diogo Teixeira, cujaactividade madura se desenvolve sobretudo aps 1580,e conjuntos como os da S de Portalegre (Est. 22) e daMatriz de Loures (Est. 21).

Esta fase derradeira de Quinhentos, que foi adventoda governao filipina e da perda da independncianacional, aps a crise dinstica gerada em Alccer-Quibir,coincide com vasto incremento da actividade artstica no mbito de um processo de reorganizao interna doespao nacional a que no foi alheia a influncia da Igrejacontra-reformista e militante, atravs de instrumentospoderosos como a Companhia de Jesus. Por todo o pas,do Minho ao Algarve e do litoral zona raiana, nas ilhasatlnticas (tbuas da S de Angra do Herosmo) naspossesses ultramarinas at na ndia (tbuas da Igrejade S. Paulo de Diu) , a produo pictural foi imensa,

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estimulada por uma clientela vida de ornamentar os novoslugares de culto que se erguiam ou renovavam. Uma Igrejareanimada pela lio tridentina esfora-se na catequizaoprofunda das populaes, tarefa onde as imagenssagradas adquirem um papel relevante de informao.Predomina uma pintura estritamente religiosa (da erudita mais ingnua), alinhada por uma iconografia respeitadapelos clientes e artistas e garantida por rgos censrios(os visitadores das igrejas, as Constituies Sinodaisdos bispados, a Inquisio). Estas condicionantes,acentuadas nesta fase final do sculo XVI, e que tmcontribudo para dar uma viso deformada e incorrectadas potencialidades picturais de ento, no minimizam oalcance das propostas maneiristas, que continuaram a seras mais aceites (depuradas embora de desvios sensualistas).O Maneirismo agora o estilo dominante de uma artecontra-reformista que, se preservou o seu receiturio anti-clssico e irracionalista, soube adaptar-se s exignciasde uma funo militante e catequtica, de ndole obviamenteconservadora.

1. FRANCISCO VENEGAS

Notvel pintor castelhano radicado em Lisboa noltimo quartel da centria, este homem de espirito muyleuantado em suas ideias, e em o Debuxo muy correcto(Flix da Costa) assume o papel de um artista aristocrtico,prximo sequaz dos mestres de Parma e de Roma.Exerceu inicialmente a profisso de ourives, o que justificaa grande percia de debuxador sempre revelada nos seus

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desenhos e painis retabulares. Nomeado em 1583 pintorrgio de Filipe II, com a penso anual de dois moios detrigo, morava ao Jogo da Pela, em casas sobradadas ondeainda vivia no ano de 1591.

Em 1582, Venegas dirigiu uma custosa decorao atmpera no corpo da Igreja do Hospital de Todos-os-Santos, com colaborao dos pintores Domingos daCosta e Diogo Teixeira (decorao desaparecida com oincndio de 1601, que destruiu totalmente o interior dotemplo). Em 1590 foi-lhe solicitado um parecer escritosobre a obra que a Igreja da Misericrdia do Porto iaempreender na sua capela-mor (e que seria satisfeita em1591-92 pelo pintor Diogo Teixeira, porventura sobdesignao do prprio Venegas). Por essa mesma altura,executou um projecto para o retbulo-mor do novoMosteiro de S. Vicente de Fora e dirigiu a pintura doretbulo da Igreja de Nossa Senhora da Luz em Carnide(Est. 11), com colaborao de Diogo Teixeira, seu habitualparceiro.

Este retbulo da Igreja da Luz, que Flix da Costanomeia entre as muy supremas obras de Venegas, aindasubsiste no lugar originrio, a igreja-panteo da Infanta D.Maria. Visionando, antes das pinturas, a belssima obra demarcenaria retabular, que to bem se enquadra na pedrariada capela-mor maneirista (arquitecto Jernimo de Ruo,1575-90), notamos os efeitos de desequilbrio intencionaise as inesperadas despropores de volumes, quedenunciam a influncia dos trabalhos de Serlio. Noabalizado parecer de Robert Smith, que tratou da ricagramtica decorativa deste retbulo entalhado (os anjos,as grinaldas, a fruta, as consolas, os perfis serpentinadosdas molduras), no despropositado pensar que Francisco

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Venegas tenha desenhado o risco para este conjunto.Sabemos que concebeu retbulos (o de S. Vicente de Fora,por exemplo, tambm notoriamente serliano) e o riscodeste da Luz traduz o requinte ornamental de um artistapreocupado com o rigor do debuxo, como Venegas, queantes de pintor fora ourives. Trata-se, de todas as formas,de um dos melhores conjuntos retabulares da poca, queapenas em Portalegre (Est. 22) e Coimbra encontraadequada similitude. O magnfico sacrrio, inspirado emdesenho maneirista de Philibert de lOrme de 1568 (R.Smith), remata de modo condigno o conjunto excepcionaldeste retbulo, e dever-se- ao mesmo tracista (Venegas?).

No retbulo (Est. 11) enquadram-se oito grandespinturas da poca, c 1590. A Apario de Nossa Senhorada Luz, a maior e central, est assinada por FranciscoVenegas. O mesmo sucede com a Coroao da Virgem,medalho central da fiada superior. A Anunciao, da fiadade baixo, est igualmente firmada com assinatura deVenegas, e a Apresentao da Virgem no Templo, seupendant, do mesmo autor. Os restantes quatro painisdo retbulo so do pintor Diogo Teixeira, colaboradorhabitual de Venegas.

Pintura muito influenciada pelos maneiristas italianos,como Parmigianino e Beccafumi, apresenta uma qualidadeplstica muito aprecivel, que um colorido matizado emgradaes suaves valoriza e exalta. Define, alm disso, umapincelada mais larga e fresca do que a de Gaspar Dias ouCampelo. Note-se ainda o hbito, pouco usual pocaentre ns, de assinar a produo prpria, numa orgulhosamanifestao de individualidade que bem tpica doManeirismo internacional. Venegas nota-se sensvel aomaneirismo de luz, que trata na Apario de Nossa Senhora

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da Luz com mestria inexcedvel, enquanto que os figurinosse alteiam e contorcem homens robustos eserpentinatos, ao gosto da terribilit miguelangelesca,mulheres alongadas e doces seguindo a venustaristocrtica de Par migianino, com os seuspanejamentos soprados.

Venegas is the strongest talent among the lateMannerism in Portugal, escreveu Martin Sria a propsitodo retbulo da Luz. E esta constatao torna-se maisevidente ainda, se da pintura passarmos para os desenhose esquios existentes no Gabinete de Desenhos do MuseuNacional de Arte Antiga. J referimos o desenho n. 662,estudo para o retbulo da Capela-mor de S. Vicente deFora, que representa Santa Irene sarando as feridas de S.Sebastio, envolto por uma composio retabular de frontocortinado, capitis, fustes e consolas de tipo serliano. Esteprojecto por a se quedou, no tendo nunca passado prtica: as obras de S. Vicente de Fora iniciadas por Herrerae Terzi foram morosas, e os gostos mudaram

Os desenhos da Ascenso (n. 661), do Triunfo daEucaristia (n. 663), e de um Pentecostes destinado aoMosteiro da Madre de Deus em Xabregas (n. 665), socorrectos estudos para outras tantas obras de pintura.Com o ltimo deve cotejar-se um fragmento de painelprocedente da Madre de Deus e guardado em depsitono M. N. A. A. (j atribudo, sem fudamento, a Franciscode Holanda), cuja matria pictural o relaciona com oestilo de Venegas.

O desenho do Juzo Final (n. 664) (Est. 12), a tintabistre avivada a branco, dedicado ao Cardeal-Rei D.Henrique, tem o maior interesse artstico e iconogrfico.Na sua metade inferior, replica com fidelidade o clebre

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fresco de Miguel ngelo na Capela Sistina em Roma. Amenos que Venegas tenha tido aprendizagem esttica emItlia, como outros seus contemporneos (estgio esseque a documentao apurada omite), haver neste casoinfluncia de uma das gravuras ou pinturas maneiristasque divulgaram a composio da Sistina como umapintura de Marcello Venusti, de Mntua, que copiou oJuzo Final de Miguel ngelo em 1549, ou as gravuras deGaultier. Trata-se, de todas as formas, de um espectaculardesenho, habilmente subordinado por Venegas liocontra-reformista vigente (sem o arrojo dos nus e asfugas heterodoxas apontadas pelos telogos tridentinosao fresco miguelangelesco), e amenizado na zonasuperior central por uma representao do Cristo, quediverge aqui da pintura da Sistina. Este desenho estdedicado ao Cardel D. Henrique.

Uma outra pea muito valiosa o estudo para apintura de um tecto alegrico (n. 666) (Est. 15), de ntidosabor profano,