a performance drag enquanto estÉtica da existÊncia · ética de si para si e para com o outro....

5
A PERFORMANCE DRAG ENQUANTO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA Gustavo Barrionuevo (UEM) Dra. Eliane Rose Maio (UEM) [email protected] Resumo Tomados pela presença da drag queen na mídia, pretendemos entender como a performance drag nos auxilia na criação de uma estética da existência. Após apresentar algumas considerações sobre os diferentes tipos de drag, discorreremos sobre os movimentos subjetivos e territoriais que a drag provoca, movimentos que muitas vezes estão ligados aos territórios e estereótipos de gêneros e sexualidade. Percebemos que essa linguagem artística performática nos potencializa na criação de modos mais inventivos e libertários de vida e na constituição de uma outra e nova ética de si para si e para com o outro. Palavras-chave: Performance drag; Estética da Existência; Subjetividade. Introdução Em um contexto de captura do desejo e da subjetividade, que nos impede de nos criarmos enquanto sujeitos da experiência, acreditamos que a criação de novas e outras éticas de vida são potencializadas com a prática artística. Na intenção de se pensar nessas outras e novas formas de vida ético-estético-políticas, utilizaremos a visualidade de artistas que estão presentes da mídia ao longo dos últimos anos, a drag queen, como ponto de partida para entendermos como a performance drag nos auxilia na criação de uma estética da existência. Desenvolvimento

Upload: others

Post on 18-Oct-2019

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A PERFORMANCE DRAG ENQUANTO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA · ética de si para si e para com o outro. Palavras-chave: Performance drag; Estética da Existência; Subjetividade. Introdução

A PERFORMANCE DRAG ENQUANTO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA

Gustavo Barrionuevo (UEM)

Dra. Eliane Rose Maio (UEM)

[email protected]

Resumo

Tomados pela presença da drag queen na mídia, pretendemos entender como a performance drag nos auxilia na criação de uma estética da existência. Após apresentar algumas considerações sobre os diferentes tipos de drag, discorreremos sobre os movimentos subjetivos e territoriais que a drag provoca, movimentos que muitas vezes estão ligados aos territórios e estereótipos de gêneros e sexualidade. Percebemos que essa linguagem artística performática nos potencializa na criação de modos mais inventivos e libertários de vida e na constituição de uma outra e nova ética de si para si e para com o outro. Palavras-chave: Performance drag; Estética da Existência; Subjetividade. Introdução

Em um contexto de captura do desejo e da subjetividade, que nos impede de

nos criarmos enquanto sujeitos da experiência, acreditamos que a criação de novas

e outras éticas de vida são potencializadas com a prática artística. Na intenção de se

pensar nessas outras e novas formas de vida ético-estético-políticas, utilizaremos a

visualidade de artistas que estão presentes da mídia ao longo dos últimos anos, a

drag queen, como ponto de partida para entendermos como a performance drag nos

auxilia na criação de uma estética da existência.

Desenvolvimento

Page 2: A PERFORMANCE DRAG ENQUANTO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA · ética de si para si e para com o outro. Palavras-chave: Performance drag; Estética da Existência; Subjetividade. Introdução

Por estarmos nos apropriando de uma linguagem artística precisamos tomar o

cuidado de não restringir sua definição devido a multiplicidade que a performance

drag vem ganhando na contemporaneidade. Fazer drag, ou se montar, é um ato

performático na qual a artista incorpora uma personagem, podendo variar entre

gêneros, imitando ou não uma celebridade, atribuindo características cômicas,

fantásticas e/ou políticas. Os modos mais conhecidos de se fazer drag são as drag

queens, quando um homem incorpora uma personagem feminina, e os drag kings,

quando uma mulher incorpora um personagem masculino. Porém, destacamos que,

não necessariamente, uma mulher só poderá performar como drag king, ou um

homem como drag queen. As práticas artísticas vinculadas a essa linguagem

performática, desde seu primórdio, borram as fronteiras do sagrado binômio de

gênero-sexo-sexualidade – masculino-homem-heterossexual / feminino-mulher-

heterossexual (LOURO, 2016). Mulheres e homens que performam enquanto drag

queens e drag kings, respectivamente, buscam uma experiência outra das

feminilidades e masculinidades que não fazem parte de sua experiência cotidiana.

Além desses modos, também podemos encontrar drags que se intitulam ou

se reconhecem enquanto drag queer e drag tranimal. Enquanto a drag queen e a

drag king se aproximam a uma experiência que entendemos enquanto feminina e

masculina, respectivamente, a drag queer habita essa fronteira – nem masculina,

nem feminina, mas ambos (ou nenhum deles). A drag queer se constitui nessa

ambivalência, utilizando-se das construções binárias dos gêneros para se fazer

outra. Mas, e a drag tranimal? Elas vão além, não pautada nas concepções dos

gêneros – muito menos na das humanidades, as tranimals se montam monstras. As

experiências que elas buscam estão mais voltadas aos outros seres – plantas,

monstros não humanoides, animais e todas as outras formas de vida que nossa

experiência e nosso conhecimento antropocêntrico não alcança.

A performera drag, nesse sentido, é um corpo-acontecimento, um território

sensível que ganha contornos a partir dos afetos e forças transformadoras que

Page 3: A PERFORMANCE DRAG ENQUANTO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA · ética de si para si e para com o outro. Palavras-chave: Performance drag; Estética da Existência; Subjetividade. Introdução

atravessam a artista, se configurando como um sujeito da experiência, no sentido

dado por Bondía (2002). Um sujeito que se define pela sua passividade, sua

receptividade, que se expõe aos acontecimentos e que dá lugar a eles, como ponto

de chegada. Se relacionarmos a esteira de conceitos de Deleuze (1992), o sujeito da

experiência é o sujeito que está aberto ao devir, ao “tornar-se” – o sujeito que chuta

a porta do armário para tudo e todos, saindo do enclausuramento e tornando-se

afeito para outros fluxos intensivos da vida. Nesse sentido é que propomos uma

estética da existência baseado na figura das drag queens, kings, queers e tranimals. O conceito de estética da existência é apresentado por Foucault (2014) para

falar sobre a criação de um estilo de vida próprio, pautado em uma ética criada por

nós para nós mesmos. A criação de uma nova estética da existência nos ajuda a

pensar na constituição dos sujeitos e de suas subjetividades, tanto na relação

consigo quanto na relação com os outros. É por meio de uma estética da existência

que pensamos em modos de subjetivação singulares, não necessariamente ou

totalmente atrelados as normas e padrões impostos por uma lógica social

hegemônica (BARRIONUEVO; STUBS, 2018).

Mas qual o motivo de pensarmos uma estética da existência atrelado a prática

performática da drag queen? É comum que artistas que façam drag borrem os

limites dos gêneros em suas vidas pessoais (quando estão fora das personagens)

pois, ao se montar, o sujeito deixa que, para além das linhas de segmentariedade

duras, as linhas de fuga agenciem devires minoritários, consentindo em seguir

caminhos até então desconhecidos (DELEUZE, 1992). Artista e personagem se

mesclam, quanto mais diferente a personagem é, mais potência de

desterritorialização a artista tem, forçando-a a se expor e reconhecer todo um outro

campo de experiência que não encontrava lugar de passagem.

Esse movimento de desterritorialização também acontece com o espectador –

aquele que presencia a performance. Se ver diante da drag queen, king, queer ou

tranimal, nos faz perceber como construídos nós mesmos somos – além de nos

Page 4: A PERFORMANCE DRAG ENQUANTO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA · ética de si para si e para com o outro. Palavras-chave: Performance drag; Estética da Existência; Subjetividade. Introdução

obrigar a criar todo uma nova relação com aquele corpo que até então é estranho.

Assim como com a artista, quanto mais diferente a personagem, mais o espectador

poderá se desterritorializar.

Considerações finais

A experiência desencadeada pelo movimento subjetivo pode potencializar a

criação de novas relações com o outro, pois a prática artística nos ajuda a repensar

velhos hábitos morais e éticos. Uma exemplificação disso é pensar que a drag não

consegue separar a performance da vida cotidiana, após se desmontar, a unha vai

continuar pintada, seu rosto ainda vai ter resquícios de maquiagem, seu corpo

continua marcado por ter sido remodelado com fitas, tecidos etc... A performance

consegue ressignificar todos os simbolismos pertencentes aos estereótipos de sexo-

gênero-sexualidade.

Entendemos então que a performance drag nos possibilita a criação de uma

estética da existência, pela nova relação que a artista e o espectador desenvolvem

com seu corpo e subjetividade. Seja para a artista, que viverá e se experienciará na

prática artística, seja para o espectador, que no encontro com a drag pode se abrir

ao fluxo inventivo da vida e a devires outros. Referências BARRIONUEVO, Gustavo. STUBS, Roberta. O Desenho de si como modo de subjetivação inventivo: cartografando uma performance drag. In: CIPSI – Congresso Internacional de Psicologia da UEM, 7. 2018, Maringá. Anais do VII Congresso Internacional de Psicologia da UEM. Maringá: UEM, 2018. BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, N.19, p. 20 – 28, 2002. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003>. Acesso em: 21 de mar. 2019.

Page 5: A PERFORMANCE DRAG ENQUANTO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA · ética de si para si e para com o outro. Palavras-chave: Performance drag; Estética da Existência; Subjetividade. Introdução

DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34. 1992. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2014. LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2016