a perfeição

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www.nead.unama.br 1 Universidade da Amazônia A Perfeição de Eça de Queirós NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Av. Alcindo Cacela, 287 – Umarizal CEP: 66060-902 Belém – Pará Fones: (91) 4009-3196 /4009-3197 www.nead.unama.br E-mail: [email protected] nead N ú c l e o d e E d u c a ç ã o a Distância

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Conto de Eça de Queiroz.

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www.nead.unama.br 1 Universidade da Amaznia A Perfeio de Ea de Queirs NEAD NCLEO DE EDUCAO A DISTNCIA Av. Alcindo Cacela, 287 Umarizal CEP: 66060-902 Belm Par Fones: (91) 4009-3196 /4009-3197 www.nead.unama.br E-mail: [email protected] n e a dN c l e od eE d u c a oa D i s t n c i awww.nead.unama.br 2A Perfeiode Ea de Queirs

CAPTULO I

Sentadonumarocha,nailhadeOggia,comabarbaenterradaentreas mos, de onde desaparecera a aspereza calosa e tisnada das armas e dos remos, Ulisses,omaissubtildoshomens,considerava,numaescuraepesadatristeza,o mar muito azul que, mansa e harmoniosamente, rolava sobre a areia muito branca. Umatnicabordadadefloresescarlatescobria,empregasmoles,oseucorpo poderoso,queengordara.Nascorreiasdassandlias,quelhecalavamosps amaciadoseperfumadosdeessncias,reluziamesmeraldasdoEgipto.Eoseu basto era um maravilhoso galho de coral, rematado em pinha de prolas, como os que usam os Deuses marinhos.AdivinaIlha,comosseusrochedosdealabastro,osbosquesdecedrose tuiasodorferas,asmesseseternasdourandoosvales,afrescuradasroseiras revestindoosouteirossuaves,resplandecia,adormecidanamolezadasesta,toda envolta em mar resplandecente. Nem um sopro dos Zfiros curiosos, que brincam e corremporsobreoArquiplago,desmanchavaaserenidadedoluminosoar,mais doce que o vinho mais doce, todo repassado pelo fino aroma dos prados de violetas. Nosilncio,embebidodecalorafvel,eramdumaharmoniamaisembaladoraos murmriosdearroiosefontes,oarrulhardaspombasvoandodosciprestesaos pltanoseolentorolarequebrardaondamansasobreaareiamacia.Enesta inefvelpazebelezaimortal,osubtilUlisses,comosolhosperdidosnasguas lustrosas, amargamente gemia, revolvendo o queixume do seu corao...Seteanos,seteimensosanos,iampassadosdesdequeoraiofulgentede Jpiter fendera a sua nave de alta proa vermelha, e ele, agarrado ao mastro partido, trambolhara na braveza mujidora das espumas sombrias, durante nove dias, durante nove noites, at que boiara em guas mais calmas, e tocara as areias daquela ilha ondeCalipso,aDeusaradiosa,orecolheraeoamara!Eduranteessesimensos anos, como se arrastara a sua vida, a sua grande e forte vida, que, depois da partida paraosmurosfataisdeTria,abandonandoentrelgrimasinumerveisasua Penlopedeolhosclaros,oseupequeninoTelmacoenfaixadonocolodaama, andara sempre to agitada por perigos, e guerras, e astcias, e tormentas, e rumos perdidos?...Ah!DitosososReismortos,comformosasferidasnobrancopeito, diantedasportasdeTria!Felizesosseuscompanheirostragadospelaonda amarga!Felizeleseaslanastroianasotrespassassemnessatardedegrande vento e poeira, quando, junto Faia, defendia dos ultrajes, com a espada sonora, o corpo morto de Aquiles! Mas no! Vivera! E agora, cada manh, ao sair sem alegria do trabalhoso leito de Calipso, as Ninfas, servas da Deusa, o banhavam numa gua muitopura,operfumavamdelnguidasessncias,ocobriamcomumatnica semprenova,orabordadaasedasfinas,orabordadadeouroplido!Noentanto, sobreamesalustrosa,erguidaportadagruta,nasombradasramadas,juntoao sussurrodormentedumarroiodiamantino,osaafateseastravessaslavradas transbordavamdebolos,defrutas,detenrascarnesfumegando,depeixes cintilando como tramas de prata. A intendenta venervel gelava os vinhos doces nas craterasdebronze,coroadasderosas.Eele,sentadonumescabelo,estendiaas mosparaasiguariasperfeitas,enquantoaolado,sobreumtronodemarfim, www.nead.unama.br 3Calipso,espargindoatravsdatnicanevadaaclaridadeeoaromadoseucorpo imortal,sublimementeserena,comumsorrisotaciturno,semtocarnascomidas humanas,debicavaaambrsia,bebiaemgolesdelgadosonctartransparentee rubro.Depois,tomandoaquelebastodePrncipedePovoscomqueCalipsoo presenteara,repercorriasemcuriosidadeossabidoscaminhosdaIlha,tolisose tratadosquenuncaassuassandliasreluzentessemaculavamdep,to penetrados pela imortalidade da Deusa que jamais neles encontrara folha seca, nem flormenosfrescapendendodahaste.Sobreumarochasesentavaento, contemplando aquele mar que tambm banhava taca, l to bravio, aqui to sereno, e pensava, e gemia, at que as guas e os caminhos se cobriam de sombra, e ele recolhia gruta para dormir, sem desejo, com a Deusa que o desejava!... E durante estesimensosanos,quedestinoenvolveraasuataca,asperailhadesombrias matas?Viviamelesainda,osseresamados?Sobreafortecolina,dominandoa enseada de Reitros e os pinheirais de Neus, ainda se erguia o seu palcio, com os belosprticospintadosdevermelhoeroxo?Aocabodetolentosevaziosanos, sem novas, apagada toda a esperana como uma lmpada, despira a sua Penlope a tnica passageira da viuvez, e passara para os braos de outro esposo forte que, agora,manejavaassuaslanasevindimavaassuasvinhas?Eodocefilho Telmaco?Reinariaeleemtaca,sentado,comobrancoceptro,sobreomrmore alto da Agor? Ocioso e rondando pelos ptios, baixaria os olhos sob o imprio duro dum padrasto? Erraria por cidades alheias, mendigando um salrio?... Ah! se a sua existncia,assimparasemprearrancadadamulher,dofilho,todocesaoseu corao,andasseaomenosempregadaemfaanhasilustres!Dezanosantes, tambmdesconheciaasortedetaca,edosserespreciososqueldeixaraem solido e fragilidade; mas uma empresa herica o agitava; e cada manh a sua fama crescia,comoumarvorenumpromontrio,queencheocuetodososhomens contemplam.EntoeraaplanciedeTria-easbrancastendasdosGregosao longodomarsonoro!Semcessar,meditavaastciasdeguerra;comsoberba facndia discursava na Assemblia dos Reis; rijamente jungia os cavalos empinados ao timo dos carros; de lana alta corria, entre a grita e a pressa, contra os Troianos dealtoselmos,quesurdiam,emroldoressoante,dasportasSkaias!...Oh!e quando ele, Prncipe dos Povos, encolhido sob farrapos de mendigo, com os braos maculadosdechagaspostias,coxeandoegemendo,penetraranosmurosda orgulhosa Tria, pelo lado da Faia, para de noite, com incomparvel ardil e bravura, roubar o Paldio tutelar da cidade! E quanto, dentro do ventre do Cavalo de Pau, na escurido, no aperto de todos aqueles guerreiros hirtos e cobertos de ferro, calmava aimpacinciadosquesufocavam,etapavacomamoabocadeAnticlos bravejando furioso, ao escutar fora na plancie os ultrajes e os escrnios troianos, e atodosmurmurava:Cala,cala!QueanoitedesceeTrianossa...Edepoisas prodigiosasviagens!OpavorosoPolifemo,ludibriadocomumaastciaquepara sempremaravilharasgeraes!AsmanobrassublimesentreSilaeCarbdis!As Sereias,vogandoecantandoemtornodomastro,deondeele,amarrado,as rechaava com o mudo dardejar dos olhos mais agudos que dardos! A descida aos Infernos,jamaisconcedidaaummortal!...Eagorahomemdetorutilantesfeitos jazia numa ilha mole, eternamente preso, sem amor, pelo amor duma Deusa! Como poderiaelefugir,rodeadodemarindomvel,semnave,nemcompanheirospara mover os remos longos? Os Deuses ditosos certamente esqueciam quem tanto por elescombateraesemprepiedosamentelhesvotaraasresesdevidas,mesmo atravs do fragor e fumaraa das cidadelas derrubadas, mesmo quando a sua proa encalhava em terra agreste!... E ao heri, que recebera dos Reis da Grcia as armas www.nead.unama.br 4deAquiles,cabiapordestinoamargoengordarnaociosidadedumailhamais lnguida que uma cesta de rosas, e estender as mos amolecidas para as iguarias abundantes, e, quando guas e caminhos se cobriam de sombra, dormir sem desejo com uma Deusa que, sem cessar, o desejava.AssimgemiaomagnnimoUlisses,beiradomarlustroso...Eeisque,de repente,umsulcodedesusadobrilho,maisrutilantementebrancoqueoduma estrelacaindo,riscouarutilnciadocu,desdeasalturasatcheirosamatade tuiasecedros,queassombreavaumgolfosereno,aorientedaIlha.Comalvoroo bateu o corao do heri. Rasto to refulgente, na refulgncia do dia, s um Deus o podia traar atravs do largo Ouranos. Um Deus, pois, descera Ilha? CAPTULO II

UM Deus descera, um grande Deus... Era o Mensageiro dos Deuses, o leve, eloquente Mercrio. Calado com aquelas sandlias que tm duas asas brancas, os cabeloscordevinhocobertospelocascoondebatemtambmduasclarasasas, erguendo na mo o Caduceu, ele fendera o ter, roara a lisura do mar sossegado, pisara a areia da Ilha, onde as suas pegadas ficavam rebrilhando como palmilhas de ouronovo.Apesardepercorrertodaaterra,comosrecadosinumerveisdos Deuses,oluminosoMensageironoconheciaaquelailhadeOggiaeadmirou, sorrindo,abelezadospradosdevioletastodocesparaocorrerebrincardas Ninfas, e o harmonioso faiscar dos regatos por entre os altos e lnguidos lrios. Uma vinha, sobre esteios de jaspe, carregada de cachos maduros, conduzia, como fresco prticosalpicadodesol,atentradadagruta,todaderochaspolidas,deonde pendiamjasmineirosemadressilvas,envoltasnosussurrardasabelhas.Elogo avistou Calipso, a Deusa ditosa, sentada num Trono, fiando em roca de ouro, com o fusodeouro,alformosadeprpuramarinha.Umarodeesmeraldasprendiaos seuscabelosmuitoaneladoseardentementelouros.Sobatnicadifanaa mocidade imortal do seu corpo rebrilhava, como a neve, quando a aurora a tinge de rosasnascolinaseternaspovoadasdeDeuses.E,enquantotorciaofuso,cantava umtrinadoefinocanto,comotrmulofiodecristalvibrandodaTerraaoCu. Mercrio pensou: Linda ilha, e linda Ninfa!Dumlumeclarodecedroetuia,subia,muitodireito,umfumodelgadoque perfumavatodaaIlha.Emroda,sentadaemesteiras,sobreochodegata,as Ninfas,servasdaDeusa,dobavamasls,bordavamnasedaasfloresligeiras, teciamaspurasteiasemtearesdeprata.Todascoraram,comoseioaarfar, sentindoapresenadoDeus.Esemdeterofusofaiscante,Calipsoreconhecera logo o Mensageiro - pois que todos os Imortais sabem, uns dos outros, os nomes, os feitos e os rostos soberanos, mesmo quando habitam retiros remotos que o ter e o Mar separam.Mercrioparara,risonho,nasuanudezdivina,exalandooperfumedo Olimpo.EntoaDeusaergueuparaele,comcompostaserenidade,oesplendor largo dos seus olhos verdes:Oh Mercrio! por que desceste minha Ilha humilde, tu, venervel e querido, que eu nunca vi pisar a terra? Diz o que de mim esperas. J o meu aberto corao meordenaquetecontente,seoteudesejocouberdentrodomeupoderedo Fado...Masentra,repousa,equeeutesirva,comodoceirm,mesada hospitalidade.www.nead.unama.br 5Tirou da cintura a roca, arredou os anis soltos do cabelo radiante - e com as suasnacaradasmoscolocousobreamesa,queasNinfasacercaramdolume aromtico, o prato transbordando de Ambrsia, e as infusas de cristal onde cintilava o Nctar.Mercriomurmurou:Doceatuahospitalidade,Deusa!Pendurouo Caduceudofrescoramodumpltano,estendeuosdedosreluzentesparaa travessadeouro,risonhamentelouvouaexcelnciadaqueleNctardaIlha.E contentada a alma, encostando a cabea ao tronco liso do pltano que se cobriu de claridade, comeou, com palavras perfeitas e aladas:Perguntaste por que descia um Deus tua morada, oh Deusa! E certamente nenhumImortalpercorreriasemmotivo,desdeoOlimpoatOggia,estadeserta imensidadedomarsalgadoemquesenoencontramcidadesdehomens,nem templos cercados de bosques, nem sequer um pequenino santurio de onde suba o aromadoincenso,ouocheirodascarnesvotivas,ouomurmriogostosodas preces...MasfoinossoPaiJpiter,otempestuoso,quememandounesterecado. Turecolheste,eretnspelaforaincomensurveldatuadoura,omaissubtile desgraado de todos os Prncipes que combateram durante dez anos a alta Tria, e depoisembarcaramnasnavesfundasparavoltarterradaPtria.Muitosdesses conseguiamreentrarnosseusricoslares,carregadosdefama,dedespojosede histrias excelentes para contar. Ventos inimigos, porm, e um fado mais inexorvel, arremessaramaestatuailha,enroladonassujasespumas,ofacundoeastuto Ulisses...Oraodestinodesteherinoficarnaociosidadeimortaldoteuleito, longedaquelesqueochoram,equecarecemdasuaforaemanhasdivinas.Por issoJpiter,reguladordaOrdem,teordena,ohDeusa,quesoltesomagnnimo Ulisses dos teus braos claros, e o restituas, com os presentes docemente devidos, sua taca amada, e sua Penlope, que tece e desfaz a teia ardilosa, cercada dos Pretendentesarrogantes,devoradoresdosseusgordosbois,sorvedoresdosseus frescos vinhos!AdivinaCalipsomordeulevementeobeio;esobreasuafaceluminosa desceu a sombra das densas pestanas cor de jacinto. Depois, com um harmonioso suspiro, em que ondulou todo o seu peito rebrilhante:Ah Deuses grandes, Deuses ditosos! Como sois speramente ciumentos das Deusas,que,semseesconderempelaespessuradosbosquesounaspregas escuras dos montes, amam os homens eloqentes e fortes!... Este, que me invejais, rolousareiasdaminhaIlha,nu,pisado,faminto,presoaumaquilhapartida, perseguidoportodasasiras,etodasasrajadas,etodososraiosdardejantesde quedispeoOlimpo.Euorecolhi,olavei,onutri,oamei,oguardei,paraque ficasseeternamenteaoabrigodastormentas,dadoredavelhice.EagoraJpiter trovejador,aocabodeoitoanosemqueaminhadocevidaseenroscouemtorno destaafeiocomoavideaoolmo,determinaqueeumeseparedocompanheiro queescolheraparaaminhaimortalidade!Realmentesoiscruis,ohDeuses,que constantementeaumentaisaraaturbulentadosSemideusesdormindocomas mulheres mortais! E como queres que eu mande Ulisses sua ptria, se no possuo naves, nem remadores, nem piloto sabedor que o guie atravs das Ilhas? Mas quem pode resistir a Jpiter, que ajunta as nuvens? Seja! e que Olimpo ria, obedecido. Eu ensinareiointrpidoUlissesaconstruirumajangadasegura,comquedenovo fenda o dorso verde do mar...Imediatamente o Mensageiro Mercrio se levantou do escabelo pregado com pregodeouro,retomouoseuCaduceue,bebendoumaderradeirataadoNctar excelente da Ilha, louvou a obedincia da Deusa:www.nead.unama.br 6Bemfars,ohCalipso!AssimevitasacleradoPaitrovejante.Quemlhe resistiria?AsuaOmniscinciadirigeasuaOmnipotncia.Eelesustentacomo ceptroumarvorequetemporfloraOrdem...Assuasdecises,clementesou cruis,resultamsempreemharmonia.Porissooseubraosetornaterrficoaos peitosrebeldes.Pelatuaprontasubmissosersfilhaestimada,egozarsuma imortalidade repassada de sossego, sem intrigas e sem surpresas...Jasasasimpacientesdassuassandliaspalpitavam,eoseucorpo,com sublime graa, se balanava por sobre as relvas e flores que alcatifavam a entrada da gruta.DerestoacrescentouatuaIlha,ohDeusa,ficanocaminhodasnaves ousadas que cortam as ondas. Em breve talvez outro heri robusto, tendo ofendido osImortais,aportartuadocepraia,abraadoaumaquilha...Acendeumfacho claro, de noite, nas rochas altas!E,rindo,oMensageiroDivinoserenamenteseelevou,riscandonoterum sulco de elegante fulgor que as Ninfas, esquecida a tarefa, seguiam, com os frescos lbios entreabertos e o seio levantado no desejo daquele imortal formoso.EntoCalipso,pensativa,lanandosobreosseuscabelosaneladosumvu dacordoaafro,caminhouparaaorladomar,atravsdosprados,numapressa quelheenrodilhavaatnica,maneiradumaespumaleve,emtornodaspernas redondaserseas.Tolevementepisouaareia,queomagnnimoUlissesnoa sentiudeslizar,perdidonacontemplaodasguaslustrosas,comanegrabarba entreasmos,aliviandoemgemidosopesodoseucorao.ADeusasorriu,com fugitivaesoberanaamargura.Depois,pousandonovastoombrodoHeriosseus dedos to claros como os de os, me do dia:Notelamentesmais,desgraado,nemteconsumas,olhandooMar!Os Deuses, que me so superiores pela inteligncia e pela vontade, determinam que tu partas, afrontes a inconstncia dos ventos e calques de novo a terra da Ptria.Bruscamente, como o condor fendendo sobre a presa, o divino Ulisses, com a face assombrada, saltou da rocha musgosa:Oh Deusa, tu dizes...Elacontinuousossegadamente,comosformososbraospendidos, enrodilhados no vu cor de aafro, enquanto a vaga rolava, mais doce e cantante, no amoroso respeito da sua presena divina:Bemsabesquenotenhonavesdealtaproa,nemremadoresderijopeito, nempilotoamigodasestrelas,queteconduzam...Mascertamenteteconfiareio machadodebronzequefoidemeupai,paratuabateresasrvoresqueeute marcareconstruresumajangadaemqueembarques...Depoiseuaprovereide odres de vinho, de comidas perfeitas, e a impelirei com um sopro amigo para o mar indomado...OcautelosoUlissesrecuaralentamente,cravandonaDeusaumduroolhar queadesconfianaenegrecia.Eerguendoamo,quetremiatoda,coma ansiedade do seu corao:Oh Deusa, tu abrigas um pensamento terrvel, pois que assim me convidas a afrontarnumajangadaasondasdifceis,ondemalsemantmfundasnaves!No, Deusaperigosa,no!EucombatinagrandeguerraondeosDeusestambm combateram,econheoamalciainfinitaquecontmocoraodosImortais!Se resistissereiasirresistveis,emesafeicomsublimesmanobrasdeentreSilae Carbdis, e venci Polifemo com um ardil que eternamente me tornar ilustre entre os homens,nofoidecerto,ohDeus,paraque,agora,naIlhadeOggia,como passarinhodepoucapenugemnoseuprimeirovodoninho,caiaemarmadilha www.nead.unama.br 7ligeiraarranjadacomdizeresdemel!No,Deusa,no!Sembarcareinatua extraordinriajangadasetujurares,pelojuramentoterrficodosDeuses,queno preparas, com esses quietos olhos, a minha perda irreparvel!Assimbradava,beiradasondas,comopeitoaarfar,Ulisses,oHeri prudente...EntoaDeusaclementeriu,comumcantadoerefulgenteriso.E caminhando para o Heri, correndo os dedos celestes pelos seus espessos cabelos mais negros que o pez!Oh maravilhoso Ulisses disse tu s, bem na verdade, o mais refalsado e manhosodoshomens,poisquenemconcebesqueexistaespritosemmanhae semfalsidade!Meupaiilustrenomegeroucomumcoraodeferro!Apesarde imortal,compreendoasdesventurasmortais.Steaconselheioqueeu,Deusa, empreenderia, se o Fado me obrigasse a sair de Oggia atravs do mar incerto!...O divino Ulisses retirou lenta e sombriamente a cabea da rosada caricia dos dedos divinos:Mas jura... Oh Deusa, jura, para que ao meu peito desa, como onda de leite, a saborosa confiana!Ela ergueu o claro brao ao azul onde os Deuses moram:Por Gaia e pelo Cu superior, e pelas guas subterrneas do Estgio, que a maiorinvocaoquepodemlanarosimortais,juro,ohhomem,Prncipedos homens, que no preparo a tua perda, nem misrias maiores...OvalenteUlissesrespiroulargamente.Earregaandologoasmangasda tnica, esfregando as palmas das mos robustas:Onde est o machado de teu pai magnfico? Mostra as rvores, oh Deusa!... O dia baixa e o trabalho longo!Sossega,ohhomemsfregodemaleshumanos!OsDeusessuperioresem sapincia j determinaram o teu destino... Recolhe comigo doce gruta, a reforar a tua fora... Quando os vermelha aparecer, amanh, eu te conduzirei floresta. CAPTULO III

Era,comefeito,ahoraemquehomensmortaiseDeusesimortaisse acercam das mesas cobertas de baixelas, onde os espera a abundncia, o repouso, o esquecimento dos cuidados e as amorveis conversas que contentam a alma. Em breveUlissessesentounoescabelodemarfim,queaindaconservavaoaromado corpo de Mercrio, e diante dele as Ninfas, servas da Deusa, colocaram os bolos, as frutas,astenrascarnesfumegando,ospeixesrebrilhantescomotramasdeprata. Pousada num Trono de ouro puro, a Deusa recebeu da Intendenta venervel o prato deAmbrsiaeataadeNctar.Ambosestenderamasmosparaascomidas perfeitasdaTerraedoCu.ElogoquederamaoferendaabundanteFomee Sede,ailustreCalipso,encostandoafaceaosdedosrseos,econsiderando pensativamente o Heri, soltou estas palavras aladas:OhUlissesmuitosubtil,tuqueresvoltartuamoradamortaleterrada Ptria... Ah! Se conhecesses, como eu, quantos duros males tens de sofrer antes de avistarasrochasdetaca,ficariasentreosmeusbraos,amimado,banhado,bem nutrido, revestido de linhos finos, sem nunca perder a querida fora, nem a agudeza www.nead.unama.br 8doentendimento,nemocalordafacndia,poisqueeutecomunicariaaminha imortalidade!... Mas desejas voltar esposa mortal, que habita na ilha spera onde asmatassotenebrosas.Etodaviaeunolhesouinferior,nempelabeleza,nem pelainteligncia,porqueasmortaisbrilhamanteasImortaiscomolmpadas fumarentas diante de estrelas puras.OfacundoUlissesacariciouabarbarude.Depois,erguendoobrao,como costumava na Assemblia dos Reis, sombra das altas popas, diante dos muros de Tria, disse:Oh Deusa venervel, no te escandalizes! Perfeitamente sei que Penlope te est muito inferior em formosura, sapincia e majestade. Tu sers eternamente bela emoa,enquantoosDeusesdurarem:eela,empoucosanos,conhecera melancolia das rugas, dos cabelos brancos, das dores da decrepitude e dos passos quetrememapoiadosaumpauquetreme.Oseuespritomortalerraatravsda escurido e da dvida; tu, sob essa fronte luminosa, possuis as luminosas certezas. Mas, oh Deusa, justamente pelo que ela tem de incompleto, de frgil, de grosseiro e demortal,euaamo,eapeteoasuacompanhiacongnere!Consideracomo penoso que, nesta mesa, cada dia, eu coma vorazmente o anho das pastagens e a frutadosvergis,enquantotuaomeulado,pelainefvelsuperioridadedatua natureza, levas aos lbios, com lentido soberana, a Ambrsia divina! Em oito anos, ohDeusa,nuncaatuafacerebrilhoucomumaalegria;nemdosteusverdesolhos rolouumalgrima;nembatesteop,comiradaimpacincia;nem,gemendocom uma dor, te estendeste no leito macio... E assim trazes inutilizadas todas as virtudes domeucorao,poisqueatuadivindadenopermitequeeutecongratule,te console,tesossegue,oumesmoteesfregueocorpodoridocomosucodaservas benficas.ConsideraaindaqueatuaintelignciadeDeusapossuitodoosaber, atinge sempre a verdade: e, durante o longo tempo que contigo dormi, nunca gozei a felicidadedeteemendar,detecontradizer,edesentir,anteafraquezadoteu,a foradomeuentendimento!OhDeusa,tusaqueleserterrficoquetemsempre razo! Considera ainda que, como Deusa, conheces todo o passado e todo o futuro doshomens:eeunopudesaborearaincomparveldelciadetecontarnoite, bebendo o vinho fresco, as minhas ilustres faanhas e as minhas viagens sublimes! OhDeusa,tusimpecvel:equandoeuescorreguenumtapeteestendido,oume estale uma correia da sandlia, no te posso gritar, como os homens mortais gritam sesposasmortais:Foiculpatua,mulher!erguendo,emfrentelareira,um alaridocruel!Porissosofrerei,numespritopaciente,todososmalescomqueos Deusesmeassaltemnosombriomar,paravoltaraumahumanaPenlopequeeu mande,econsole,erepreenda,eacuse,econtrarie,eensine,ehumilhe,e deslumbre,eporissoamedumamorqueconstantementesealimentadestes modos ondeantes, como o lume se nutre dos ventos contrrios!AssimofacundoUlissesdesabafava,anteataadeourovazia:e serenamente a Deusa escutava, com um sorriso taciturno, e as mos imveis sobre o regao, enrodilhadas na ponta do vu.No entanto, Febo Apolo descia para Ocidente; e j das ancas dos seus quatro cavalossuadossubiaeseespalhavaporsobreoMarumvaporrbidoedourado. Em breve os caminhos da Ilha se cobriram de sombras. E sobre os velos preciosos doleito,aofundodagruta,Ulisses,semdesejo,eaDeusa,queodesejava, gozaram o doce amor, e depois o doce sono.Cedo,apenasosentreabriaasportasdolargoOuranos,adivinaCalipso, querevestiraumatnicamaisbrancaqueanevedoPindo,epregaranoscabelos umvutransparenteeazulcomooterligeiro,saiudagruta,trazendoao www.nead.unama.br 9magnnimoUlisses,jsentadoporta,sobaramada,diantedumataadevinho claro, o machado poderoso de seu pai ilustre, todo de bronze, com dois fios e um rijo cabo de oliveira cortado nas faldas do Olimpo. Limpando rpidamente a dura barba com as costas da mo, o Heri arrebatou o machado venervel:OhDeusa,hquantosanosnopalpoumaarmaouumaferramenta,eu, devastador de cidadelas e construtor de naves!A Deusa sorriu. E, iluminada a lisa face, em palavras aladas:Oh Ulisses, vencedor de homens, se tu ficasses nesta ilha, eu encomendaria para ti, a Vulcano e s suas forjas do Etna, armas maravilhosas...Que valem armas sem combates, ou homens que as admirem? De resto, oh Deusa,jmuitobatalhei,eaminhaglriaentreasgeraesestsoberbamente segura.Saspiroaomaciorepouso,vigiandoosmeusgados,concebendosbias leisparaosmeuspovos...Sbenvola,ohDeusa,emostraasrvoresfortesque me convm cortar!Em silncio ela caminhou por um atalho, florido de altas e radiosas aucenas, queconduziapontadaIlhamaiscerradadematas,doladodoOriente:eatrs seguia o intrpido Ulisses, com o luzidio machado ao ombro. As pombas deixavam osramosdoscedros,ouasconcavidadesdasrochasondebebiam,para esvoaarememtornodaDeusanumtumultoamoroso.Umaromamaisdelicado, quando ela passava, subia das flores abertas, como de incensadores. As relvas que aorladasuatnicaroavareverdejavamnumviomaisfresco.EUlisses, indiferenteaosprestgiosdaDeusa,impacientecomaserenidadedivinadoseu andar harmonioso, meditava a jangada, almejava pelo bosque.Denso e escuro o avistou, enfim, povoado de carvalhos, de velhssimas tecas, de pinheiros que ramalhavam no alto ter. Da sua orla descia um areal a que nem concha,nemgalhoquebradodecoral,nemplidaflordecardomarinho desmanchavaadouraperfeita.EoMarrefulgiacomumbrilhosafrico,na quietao da manh branca e corada. Caminhando dos carvalhos s tecas, a Deusa marcou ao atento Ulisses os troncos secos, robustecidos por sis inumerveis, que flutuariam, com ligeireza mais segura, sobre as guas traidoras. Depois, acariciando oombrodoHeri,comooutrarvorerobustatambmvotadasguascruis, recolheusuagruta,ondetomouarocadeouro,etodoodiafiou,etodoodia cantou...Com alvoroada e soberba alegria, Ulisses atirou o machado contra um vasto carvalhoquegemeu.EembrevetodaaIlharetumbava,nofragordaobrasobre-humana. As gaivotas, adormecidas no silncio eterno daquelas ribas, bateram o vo emlargosbandos,espantadasegritando.Asfluidasdivindadesdosribeiros indolentes, estremecendo num fulgente arrepio, fugiam para entre os canaviais e as razes dos amieiros. Nesse curto dia o valente Ulisses abateu vinte rvores, robles, pinheiros,tecasechouposetodasdecotou,esquadrouealinhousobreaareia.O seupescooearcadopeitofumegavamdesuor,quandorecolheupesadamente gruta,parasaciararudefomeebeberacervejagelada.Enuncaeleparecerato belo Deusa imortal, que, sobre o leito de peles preciosas, apenas os caminhos se cobriramdesombra,encontrou,incansadaepronta,aforadaquelesbraosque tinham abatido vinte troncos.Assim, durante trs dias, trabalhou o Heri.E,comoarrebatadanessaactividademagnficaqueabalavaaIlha,aDeusa ajudavaUlisses,conduzindodagrutaparaapraia,nassuasmosdelicadas,as cordas e os pregos de bronze. As Ninfas, por seu mandado, abandonando as tarefas suaves,teciamumatelaforte,paraavelaqueempurrariamcomamorosventos www.nead.unama.br 10amveis.EaIntendentavenerveljenchiaosodresdevinhosrobustos,e preparavacomgenerosidadeosvveresnumerososparaatravessiaincerta.No entantoaganjagacrescia,comostroncosbemligados,eumbancoerguidoao meio, de onde se empinava o mastro, desbastado num pinheiro, mais redondo e liso queumavarademarfim.CadatardeaDeusa,sentadanumarochasombrado bosque,contemplavaocalafateadmirvelmartelandofuriosamente,ecantando, comrijaalegria,umcantoderemador.E,ligeiras,napontadospsluzidios,por entre o arvoredo, as Ninfas, escapando tarefa, acudiam a espreitar, com desejosos olhosfulgurantes,aquelaforasolitria,quesoberbamente,noarealsolitrio,ia erguendo uma nave. CAPTULO IV

Enfimnoquartodia,demanh,Ulissesfindoudeesquadraroleme,que reforoucomgradesdeamieiroparamelhorapararoembatedasondas.Depois ajuntou um lastro copioso, com a terra da Ilha imortal e as suas pedras polidas. Sem descanso,numansiarisonha,amarrouvergaaltaavelacortadapelasNinfas. Sobre pesados rolos, manobrando a alavanca, rolou a jangada imensa at espuma da vaga, num esforo sublime, com msculos to retesos e veias to inchadas, que elemesmopareciafeitodetroncosecordas.Umapontadajangadaarfou, levantadacomcadnciapelaondaharmoniosa.EoHeri,erguendoosbraos lustrosos de suor, louvou os Deuses Imortais.Ento,comoaobrafindaraeatarderebrilhava,propciapartida,a generosaCalipsotrouxeUlisses,atravsdasvioletasedasanmonas,fresca gruta. Pelas suas divinas mos o banhou numa concha de ncar, e o perfumou com essncias sobrenaturais, e o vestiu com uma tnica formosa de l bordada, e lanou sobreosseusombrosummantoimpenetrvelsneblinasdomar,elheestendeu sobreamesa,paraelesaciarafomerude,ascomidasmaisssemaisfinasda Terra.OHeriaceitavaosamorososcuidados,compacientemagnanimidade.A Deusa, de gestos serenos, sorria taciturnamente.DepoiselatomouamocabeludadeUlisses,palpandocomgostooscalos quelhedeixaraomachado;epelabordadoMaroconduziupraia,ondeavaga mansamentelambiaostroncosdajangadaforte.Ambosdescansaramsobreuma rochamusgosa.NuncaaIlharesplandeceracomumabelezatoserena,entreum martoazul,sobumcutomacio.NemaguafrescasdoPindobebidaem marchaabrasada,nemovinhodouradoqueproduzemascolinasdeQuios,eram maisdocesdesorverdoqueaquelearrepassadodearomas,compostopelos Deuses para o respirar duma Deusa. A frescura imorredoira das rvores entrava no corao,quasepediaacarciadosdedos.Todososrumores,odosregatosna relva,odasondasnoareal,odasavesnassombrasfrondosas,subiam,suavee finamentefundidos,comoasharmoniassagradasdeumTemplodistante.O esplendor e a graa das flores retinham os raios pasmados do Sol. Tantos eram os frutos nos vergis, e as espigas nas messes, que a Ilha parecia ceder, afundada no Mar, sob o peso da sua abundncia.EntoaDeusa,aoladodoHeri,levementesuspirou,emurmurounum sorriso alado:Oh,magnnimoUlisses,tucertamentepartes!Odesejotelevaderevera mortalPenlope,eoteudoceTelmaco,quedeixastenocolodaamaquandoa Europa correu contra a sia, e agora j sustenta na mo uma lana temida. Sempre www.nead.unama.br 11dum amor antigo, com razes fundas, brotar mais tarde uma flor, mesmo triste. Mas diz!Seemtacanoteesperasseaesposatecendoedestecendoateia,eofilho ansiosoquealongaosolhosincansadosparaomar,deixariastu,ohhomem prudente, esta doura, esta paz, esta abundncia e beleza imortal?O Heri, ao lado da Deusa, estendeu o brao poderoso, como na Assemblia dosReis,diantedosmurosdeTria,quandoplantavanasalmasaverdade persuasiva:OhDeusa,noteescandalizes!Masaindaquenoexistissem,parame levar, nem filho, nem esposa, nem reino, eu afrontaria alegremente os mares e a ira dos Deuses! Porque, na verdade, oh Deusa muito ilustre, o meu corao saciado j no suporta esta paz, esta doura e esta beleza imortal. Considera, oh Deusa, que em oito anos nunca vi a folhagem destas rvores amarelecer e cair. Nunca este cu rutilante se carregar de nuvens escuras; nem tive o contentamento de estender, bem abrigado, as mos ao doce lume, enquanto a borrasca grossa batesse nos montes. Todas essas flores que brilham nas hastes airosas so as mesmas, oh Deusa, que admirei e respirei, na primeira manh que me mostrastes estes prados perptuos: e hlriosqueodeio,comumdioamargo,pelaimpassilidadedasuaalvuraeterna! Estasgaivotasrepetemtoincessantemente,toimplacvelmente,oseuvo harmoniosoebranco,queeuescondodelasaface,comooutrosaescondemdas negras Harpias! E quantas vezes me refugio no fundo da gruta, para no escutar o murmriosemprelnguidodestesarroiossempretransparentes!Considera,oh Deusa, que na tua Ilha nunca encontrei um charco; um tronco apodrecido; a carcaa dumbichomortoecobertodemoscaszumbidoras.OhDeusa,hoitoanos,oito anos terrveis, estou privado de ver o trabalho, o esforo, a luta e o sofrimento... Oh Deusa,noteescandalizes!Andoesfaimadoporencontrarumcorpoarquejando sob um fardo; dois bois fumegantes puxando um arado; homens que se injuriem na passagem duma ponte; os braos suplicantes duma me que chora; um coxo, sobre sua muleta, mendigando porta das vilas... Deusa, h oito anos que no olho para uma sepultura... No posso mais com esta serenidade sublime! Toda a minha alma ardenodesejodoquesedeforma,esesuja,eseespedaa,esecorrompe...Oh Deusa imortal, eu morro com saudades da morte!Imvel,comasmosimveisnoregao,enrodilhadasnaspontasdovu amarelo, a Deusa escutara, com um sorriso serenamente divino, o furioso queixume doHericativo...NoentantojpelacolinaasNinfas,servasdaDeusa,desciam, trazendocabea,eamparando-oscomobraoredondo,osjarrosdevinho,os sacosdecouro,queaIntendentavenervelmandavaparaabastecerajangada. Silenciosamente,oHerilanouumatbuadesdeaareiaataobordodealtos toros. E enquanto sobre ela as Ninfas passavam, ligeiras, com as manilhas de ouro tilintando nos ps luzidios, Ulisses, atento, contando os sacos e os odres, gozava no seu nobre corao a abundncia generosa. Mas, amarrados com cordas s cavilhas aquelesfardosexcelentes,todasasNinfas,lentamente,sesentaramsobreoareal em torno da Deusa, para contemplarem a despedida, o embarque, as manobras do Herisobreodorsodasguas...Entoumacleralampejounoslargosolhosde Ulisses. E, diante de Calipso, cruzando furiosamente os valentes braos:Oh Deusa, pensas tu na verdade que nada falte para que eu largue a vela e navegue? Onde esto os ricos presentes que me deves? Oito anos, oito duros anos, fuiohspedemagnficodatuaIlha,datuagruta,doteuleito...SempreosDeuses imortais determinaram que os hspedes, no momento amigo da partida, se ofertem considerveispresentes!Ondeestoelas,ohDeusa,essasriquezasabundantes que me deves por costume da Terra e lei do Cu?www.nead.unama.br 12ADeusasorriu,comsublimepacincia.Ecompalavrasaladas,quefugiam na aragem:OhUlisses,tusclaramenteomaisinteresseirodoshomens.Etambmo maisdesconfiado,poisquesupesqueumaDeusanegariaospresentesdevidos quele que amou... Sossega, oh subtil Heri... Os ricos presentes no tardam, largos e rebrilhantes.E,certamente,pelacolinasuave,outrasNinfasdesciam,ligeiras,comos vusaondular,trazendonosbraosalfaiaslustrosas,queaosolrutilavam!O magnnimoUlissesestendeuasmos,osolhosdevoradores...E,enquantoelas passavamsobreatabuarangente,oHeriastutocontava,avaliavanoseunobre esprito os escabelos de marfim, os rolos de telas bordadas, os cntaros de bronze lavrado, os escudos cravejados de pedras...ToricoebeloeraovasodeouroqueaderradeiraNinfasustentavano ombro,queUlissesdeteveaNinfa,arrebatouovaso,osopesou,omirou,egritou, com soberbo riso estridente:Na verdade, este ouro bom!Depoisdearrumadaseligadassobolargobancoasalfaiaspreciosas,o impaciente Heri, arrebatando o machado, cortou a corda que prendia a jangada ao troncodumroble,esaltouparaoaltobordoqueaespumaenvolvia.Masento recordouquenembeijaraagenerosaeilustreCalipso!Rpido,arremessandoo manto,pulouatravsdaespuma,correupelaareiaepousouumbeijoserenona fronte aureolada da Deusa. Ela segurou de leve o seu ombro robusto:Quantosmalesteesperam,ohdesgraado!Antesficasses,paratodaa imortalidade, na minha Ilha perfeita, entre os meus braos perfeitos...Ulisses recuou, com um brado magnfico:Oh Deusa, o irreparvel e supremo mal est na tua perfeio!E,atravsdavaga,fugiu,trepousofregamentejangada,soltouavela, fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misrias - para a delcia das coisas imperfeitas!

FIM