a percepÇÃo dos usuÁrios da poligonal 03 … · fcp – fundação da casa popular fgts –...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO DE VITÓRIA JULIANA PEREIRA GOBBI A PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS DA POLIGONAL 03 SOBRE O PROJETO ALUGUEL PROVISÓRIO VITÓRIA 2016

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  • CENTRO UNIVERSITRIO CATLICO DE VITRIA

    JULIANA PEREIRA GOBBI

    A PERCEPO DOS USURIOS DA POLIGONAL 03 SOBRE O PROJETO

    ALUGUEL PROVISRIO

    VITRIA

    2016

  • JULIANA PEREIRA GOBBI

    A PERCEPO DOS USURIOS DA POLIGONAL 03 SOBRE O PROJETO

    ALUGUEL PROVISRIO

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao

    Centro Universitrio Catlico de Vitria, como

    requisito obrigatrio para obteno do ttulo de

    Bacharel em Servio Social.

    Orientador: Prof Alasa de Oliveira Siqueira

    VITRIA

    2016

  • JULIANA PEREIRA GOBBI

    A PERCEPO DOS USURIOS DA POLIGONAL 03 SOBRE O PROJETO

    ALUGUEL PROVISRIO

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Centro Universitrio Catlico de Vitria, como

    requisito obrigatrio para obteno do ttulo de Bacharel em Servio Social.

    Aprovado em _____ de ________________ de ____, por:

    _______________________________________________

    Prof Ms. Alasa de Oliveira Siqueira - Orientadora

    ________________________________________________

    Prof Esp. Juliane de Arajo Barroso, Centro Universitrio Catlico de Vitria

    _______________________________________________

    Prof Dr Mirian Ctia Vieira Baslio Denadai

  • Dedico este trabalho a Deus por ter me guiado na vida e na mente, por ter permitido

    que caminhasse com passos firmes, por ter colocado em meu caminho pessoas to

    maravilhosas. Aos meus dois amores, Gabriel e Bruno que me completam com

    pacincia, amizade e cumplicidade.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus, no me canso de agradecer a Ele por essa longa

    caminhada, obrigada por ter me concedido fora para chegar at o fim.

    Parece um ato simples expressar sentimentos em palavras, mas faz-lo no algo

    to simples assim, tem-se a impresso de que nenhuma palavra suficiente para se

    dirigir s pessoas que considero especiais. Portanto, tentarei ser a mais fiel possvel

    em agradecer s pessoas que tiveram participao na minha trajetria de vida

    pessoal e acadmica.

    minha querida me, que mesmo na sua humildade, simplicidade, est sempre

    torcendo para que eu realize meus sonhos. Obrigada por suas oraes que fizeram

    com que minhas foras se renovassem a cada dia. Me, perdoe-me por estar to

    distante nesse momento.

    Ao meu pai, que mesmo distante torce por mim, sua maneira, claro, com seu

    jeitinho simples e amoroso, soube entender minhas ausncias. Saiba que gostaria

    de ter estado mais presente.

    Ao meu filho e amigo Gabriel que, mesmo ainda to pequeno, entendeu a

    importncia dessa graduao em minha vida e soube compreender as inmeras

    vezes em que tive de trocar os nossos momentos de brincadeiras e chamegos pelos

    livros. Agradeo por me tirar da frente do computador vrias vezes, para te dar um

    pouquinho de ateno.

    Ao meu marido Bruno, pelo companheirismo e pelo incentivo de sempre. Durante

    esse tempo, voc no foi s marido e Pai, mas se transformou tambm em Me.

    Obrigado por compreender meus limites, mas, sobretudo, por acreditar nas minhas

    potencialidades.

    minha querida sogra Glria, por ter me apoiado nas minhas decises, por acreditar

    em mim, por ter me incentivado em toda essa trajetria e por no ter permitido que

    desistisse desse sonho. Obrigada por cuidar de mim como se fosse sua filha. A

    voc, o meu muito obrigado.

    Aos demais familiares que sempre acreditaram em mim e me incentivaram, em

    especial minha querida irm Rachel, que na sua simplicidade sempre me dizia:

  • Minha irm, voc vai conseguir, voc j chegou at aqui! Suas palavras amigas

    confortavam-me, quando eu pensava que no iria conseguir. A voc, eu s tenho a

    agradecer por ser essa irm to maravilhosa.

    minha querida e doce orientadora Alasa de Oliveira Siqueira pelo seu

    brilhantismo, disciplina e sugestes, sempre respeitando os meus limites. Seu olhar

    criterioso e suas intervenes sbias sempre me ofereceram confiana e estmulo

    para seguir em frente e acreditar que ia dar certo.

    Secretaria Municipal de Habitao de Vitria, em especial ao escritrio local

    Poligonal 03 e sua equipe de profissionais que tive o prazer de conhecer no perodo

    de estgio, no qual me acolheram com muito carinho, s tenho a agradecer:

    Ismenia, Miraldete, Renata, Jussara, Sandra, Augusta, Edilaine, Vnia, Djhulianne,

    Darsone, Zenilda, Alessandra, Elisangela, Cristina, Keli e Rafaela. Obrigada por todo

    conhecimento adquirido junto a vocs. Se, porventura, eu tenha esquecido algum,

    perdoe-me, a todos, meu muito obrigado.

    Agradeo aos grandes amigos que conquistei durante a graduao, pela troca de

    experincias e pela convivncia. Registro o inesquecvel grupo (Edmarzinho, Sheila,

    Gisele e Margareth). Agradeo a partilha e a disponibilidade durante esses quatro

    anos. Devo a vocs as preciosas contribuies, especialmente agora, na reta final.

    Obrigada pelo cuidado e por nunca se esquecerem de mim!

    equipe de professores do curso de Servio Social do Centro Universitrio Catlico

    de Vitria (Surdelan Tozo Binda, Doralice Veiga Alves, Lilian Moreira, Vicente de

    Paulo Colodetti, Camila Taquetti, Clia Maria Vilela Tavares, Mirian Ctia Vieira

    Baslio, Silva Moreira Trugilho, Alexandre C. Aranzedo, Tnia Maria de Arajo,

    Juliane Barroso, Jaqueline da Silva, Alasa de Oliveira Siqueira, Virgnia Pertence

    Couto, Isaias e Ana Clara) obrigada a todos pelos ensinamentos, desde a minha

    insero no curso sempre soube que estava em boas mos, a todos, meus

    parabns!

    Ao Centro Universitrio Catlico de Vitria que faz parte da minha vida h quatro

    anos, que nunca colocou obstculos para que eu pudesse prosseguir, obrigada!

  • Descobri como bom chegar quando se tem pacincia. E para se chegar, onde

    quer que seja, aprendi que no preciso dominar a fora, mas a razo. preciso,

    antes de mais nada, querer!

    Amyr Klink.

  • RESUMO

    O presente Trabalho de Concluso de Curso (TCC) tem como objetivo geral

    Compreender o(s) significado(s) atribudo pelos usurios da Poligonal 03 acerca do

    Projeto Aluguel Provisrio do Municpio de Vitria, suas expectativas quanto ao

    recebimento do benefcio e a possibilidade de acess-lo. Como objetivos

    especficos, identificar o perfil dos usurios cadastrados no Projeto Aluguel

    Provisrio da Poligonal 03; identificar as expectativas quanto ao recebimento do

    benefcio e suas contribuies para a sua vida; identificar o que determinou a

    incluso dos usurios cadastrados ao Projeto Aluguel Provisrio. Foi discutido sobre

    a gnese da questo social, descrevendo seu conceito, com intuito de informar

    como se iniciou esse processo no mundo, particularmente no Brasil, e apresentar o

    processo de industrializao e urbanizao no contexto do modo de produo

    capitalista. Foi debatido sobre a Poltica de Habitao, sobre o Estatuto das Cidades

    e, especificamente sobre o Projeto do Aluguel Provisrio. Para esse estudo

    utilizamos autores que embasaram a discusso. Realizamos uma pesquisa do tipo

    documental que nos possibilitou conhecer melhor essas famlias, atravs dos

    pronturios institucionais, seguindo um roteiro de coleta de dados

    sociodemogrficos. A pesquisa tambm foi descritiva, de modo a relacionar os

    fenmenos sem manipulao dos resultados. Para a coleta de dados, utilizamos a

    tcnica da entrevista, atravs de um roteiro de entrevista semiestruturada. Quanto

    ao mtodo, utilizamos o quali-quantitativo que proporciona a eficcia dos resultados

    esperados. Enquanto resultado, podemos dizer que grande parte dos beneficirios

    tinha suas residncias construdas de alvenaria e madeira, no tinha relgios de luz

    instalados, porm tinha rede pblica de gua encanada. Observamos que os

    Beneficirios so monitorados de trs em trs meses e no tm uma contrapartida

    do projeto, no h investimentos e so acompanhados superficialmente. Podemos

    concluir que o Estado submisso e pressionado ao grande interesse do capital e no

    meio desse conflito tenta, ao mesmo tempo, dar resposta demanda da moradia,

    que, em parte, acaba sendo insuficiente para as classes populares, que buscam

    estratgias de sobrevivncia para a superao de seus problemas.

    Palavras-chave: Questo Social. Poltica de Habitao. Projeto Aluguel Provisrio.

  • ABSTRACT

    This undergraduate thesis has the general objective Understand the meaning (s)

    attributed by Polygonal 03 users about the Provisional Rent Project of the

    Municipality of Vitria, their expectations regarding the receipt of the benefit and the

    possibility of accessing it. The specific objectives, Identify the profile of users

    registered in Provisional Rent Project of Polygonal 03; Identify expectations about the

    receipt of the benefit and its contributions to your life; Identify what determined the

    inclusion of registered users to the Provisional Rent Project.It was debated about the

    genesis of the social question, describing its concept, in order to inform how this

    process began in the world, particularly in Brazil, and present the process of

    industrialization and urbanization in the context of the capitalist mode of production. It

    was debated on Housing Policy, on the Statute of Cities and specifically on the

    Project Interim rent. For this study we used authors that supported the

    discussion. We conducted a documentary type of research that enabled us to

    get to know these families, through institutional records, following a script collecting

    sociodemographic data. The research was descriptive, in order to relate the events

    without manipulating the results. To collect data, we used the interview technique,

    using a semi-structured interview guide. As for the method, we used qualitative and

    quantitative that delivers the effectiveness of the expected results. About the result,

    we can say that most of the beneficiaries had their homes built of brick and wood,

    had no light clocks installed, but had public piped water. We observe that the

    beneficiaries are monitored every three months and does not have a counterpart of

    the project, there is no investment and are attendance superficially. We can conclude

    that the state is submissive and held down to the great interest of the capital and in

    the middle of this conflict tries, at the same time, meet the housing demand, which, in

    part, ends up being inadequate to the popular classes, who seek strategic survival to

    overcome their problems.

    Keywords: Social Issues. Housing policy. Project Interim rent.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 Equipamentos Pblicos na rea da educao ..................................... 88

    Quadro 02 Proteo Social Bsica ......................................................................... 89

    Quadro 03 Proteo Social Especial Mdia Complexidade ................................ 90

    Quadro 04 Proteo Social Especial Alta Complexidade .................................... 90

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 01 Relao de Bairros e Comunidades por Poligonal do Projeto Terra ..... 68

    Tabela 02 Muncipios Brasileiros com maior nmero de domiclios ociosos (vagos

    + fechado) ................................................................................................................. 74

    Tabela 03 Dficit Habitacional Total e Dficit Habitacional relativo ao total de

    Domiclios, por situao de domiclio: Brasil, Regies Geogrficas - 2010 ............... 79

    Tabela 04 Dficit Habitacional Total e Dficit Habitacional relativo ao total de

    Domiclios, por situao de domiclio: Brasil, Regies Geogrficas, Unidade da

    Federao e Total das Regies metropolitanas - 2010 ............................................. 79

    Tabela 05 Dados Populacionais do Municpio de Vitria ....................................... 88

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 01 Idade do Responsvel Legal ................................................................ 95

    Grfico 02 Sexo ...................................................................................................... 96

    Grfico 03 Estado Civil ........................................................................................... 96

    Grfico 04 Qualificao Escolar ............................................................................. 98

    Grfico 05 Qualificao Profissional ....................................................................... 98

    Grfico 06 Rendimento Familiar............................................................................101

    Grfico 07 Composio Familiar...........................................................................102

    Grfico 08 Tipo de Construo Domiciliar.............................................................103

    Grfico 09 Tipo de Abastecimento de gua do Domiclio.....................................104

    Grfico 10 Tipo de Iluminao do Domiclio..........................................................104

    Grfico 11 - Benefcio Assistencial...........................................................................106

  • LISTA DE SIGLAS

    AIA - reas de Interesse Ambiental

    AR - reas de Risco

    BNH Banco Nacional de Habitao

    CAJUN - Projeto Caminhando Juntos

    CCTI - Centro de Convivncia da Terceira Idade

    CEF Caixa Econmica Federal

    CEP - Comit de tica em Pesquisa

    CF Constituio Federal

    CMP Central dos Movimentos Populares

    CNS - Conselho Nacional de Sade

    CONAM Conferncia Nacional de Associao de Moradores

    CRAS - Centro de Referncia de Assistncia Social

    CRFB Constituio da Repblica Federativa do Brasil

    CRJ - Centro de Referncia da Juventude

    CRPD - Centro de Referncia para Pessoa com Deficincia

    CVRD - Vale do Rio Doce

    EC Estatuto da Cidade

    FCP Fundao da Casa Popular

    FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    FICAM Financiamento de Construo, Concluso, Ampliao ou Melhorias de

    Habitao de Interesse Popular

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    LOAS - Lei Orgnica da Assistncia Social

    MC Ministrio das Cidades

    MDS - Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome

  • MDU Ministrio de Desenvolvimento Urbano e o Meio Ambiente

    MNLM Movimento Nacional de Luta por Moradia

    MPO Ministrio de Planejamento e Oramento

    NISPI - Ncleo de Integrao Social para a Pessoa Idosa

    NUCAVI - Ncleo Contra Violncia ao Idoso

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PBF - Programa Bolsa Famlia

    PDU Poltica de Desenvolvimento Urbano

    PHB Poltica Habitacional Brasileira

    PIB Produto Interno Bruto

    PJB Projeto Joo de Barro

    PMH Poltica Municipal de Habitao

    PMV - Prefeitura Municipal de Vitria

    PROFILURB Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados

    PROMORAR Programa de Erradicao de Subhabitao

    PSH Poltica Setorial de Habitao

    RMGV - Regio Metropolitana da Grande Vitria

    SBPE Sistema Brasileiro de Poupanas e Emprstimos

    SEDU - Secretaria da Educao

    SESA - Secretaria da Sade

    SEHAB Secretaria Municipal de Habitao de Vitria

    SeMob - Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana

    Semus - Secretaria Municipal de Sade

    SEPURB Secretaria de Poltica Urbana

    SFH Sistema Financeiro de Habitao

    SNAPU - Secretaria Nacional de Programas Urbanos

  • SNH - Secretaria Nacional de Habitao

    SNSA - Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental

    SOSF - Servio de Orientao Scio-familiar

    SUS - Sistema nico de Sade

    TCC - Trabalho de Concluso de Curso

    TCLE - Termo de Compromisso Livre e Esclarecido

    UCV - Centro Universitrio Catlico de Vitria

    UNMP Unio Nacional por Moradia Popular

    ZPA - Zona de Proteo Ambiental

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 27

    2 REFERENCIAL TERICO ..................................................................................... 31

    2.1 QUESTO SOCIAL ............................................................................................. 31

    2.1.2 Questo Social no Brasil ............................................................................... 44

    2.3 HABITAO ........................................................................................................ 49

    2.3.1 Processo de Industrializao e Urbanizao................................................49

    2.3.2 Poltica Habitacional..........................................................................................54

    2.3.3 Poltica habitacional no Municpio de Vitria (ES) e o Programa Terra Mais

    Igual...........................................................................................................................66

    2.3.4 Estatuto das Cidades........................................................................................71

    2.3.5 Aluguel Provisrio..............................................................................................75

    3 METODOLOGIA .................................................................................................... 83

    4 RESULTADOS E DISCUSSO DA PESQUISA ................................................... 87

    4.1 CARACTERSTICAS DO MUNICPIO DE VITRIA............................................87

    4.2 CAMPO DE PESQUISA: POLIGONAL 03...........................................................92

    4.3 DISCUSSO DA PESQUISA...............................................................................93

    4.3.1 Perfil dos usurios cadastrados no Projeto Aluguel Provisrio da Poligonal 03..............................................................................................................94 4.3.2 A viso do usurio a respeito do Projeto Aluguel Provisrio...................108

    5 CONSIDERAES FINAIS..................................................................................119

    REFERNCIAS........................................................................................................123

    APNDICE A Roteiro para a coleta dos dados sociodemogrficos dos

    Pronturios Institucionais da Poligonal 03/SEHAB............................................135

    APNDICE B Roteiro para a Coleta de Dados Semiestruturada.....................137

    APNDICE C Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).............139

    APNDICE D Declarao de Responsabilidade do Pesquisador ..................141

  • APNDICE E Declarao da Instituio Coparticipante..................................143

    ANEXO A Lei n 6.967/2007- instituiu o Programa Habitacional no mbito do

    Projeto Terra...........................................................................................................147

  • 27

    1 INTRODUO

    O presente Trabalho de Concluso de Curso (TCC) tem como tema A Percepo

    dos Usurios da Poligonal 03 sobre o Projeto Aluguel Provisrio.

    O objetivo geral do estudo compreender o(s) significado(s) atribudo pelos usurios

    da Poligonal 03 acerca do Projeto Aluguel Provisrio do Municpio de Vitria, suas

    expectativas quanto ao recebimento do benefcio e a possibilidade de acess-lo.

    Sendo assim, a presente pesquisa tem como objetivos especficos: identificar o perfil

    dos usurios cadastrados no Projeto Aluguel Provisrio da Poligonal 03; identificar

    as expectativas quanto ao recebimento do benefcio e suas contribuies para a sua

    vida e identificar o que determinou a incluso dos usurios cadastrados ao Projeto

    Aluguel Provisrio.

    O interesse por este tema surgiu a partir da insero no campo de estgio I, II e III,

    ambos realizados na Secretaria Municipal de Habitao de Vitria (SEHAB),

    especificamente na Poligonal 03, no Programa Terra Mais Igual, que formada

    pelos bairros de Santa Clara, Moscoso, Piedade, Fonte Grande e pela comunidade

    Capixaba, compreendendo essas reas de Interesse Ambiental (AIA), Zona de

    Proteo Ambiental (ZPA) e reas de Risco Geolgico (VITRIA, 2016a).

    Essa pesquisa foi pensada mediante os atendimentos das famlias cadastradas no

    Projeto Aluguel Provisrio, sendo observados atravs das visitas domiciliares

    realizadas no campo, os relatos dos muncipes, despertando assim o interesse em

    realizar a pesquisa.

    Atualmente existem 48 (quarenta e oito) famlias que compem a Poligonal 03.

    Essas famlias esto cadastradas no Projeto Aluguel Provisrio, porque uma

    obrigao do municpio prover ao menos essas garantias mnimas. Como no h

    aes que possibilitem a politica habitacional efetiva (direito integral) o muncipio age

    na politica mnima.

    O aluguel provisrio deveria ser um benefcio temporrio, por se tratar de uma

    medida emergencial; porm essas famlias, em sua maioria, permanecem no aluguel

    provisrio durante muitos anos, aguardando ansiosas que a situao da moradia

    seja regulamentada.

  • 28

    No entanto, antes de serem inseridas no projeto, essas famlias viviam em reas que

    no eram e no so privilegiadas pelo Estado, residiam nas reas mais altas da

    regio, o que facilitava em alguns aspectos, tais como: no pagavam gua, energia;

    em muitos casos, a fonte de alimentao vinha das frutas, legumes e verduras que

    plantavam, ou seja, em sua maioria, estavam acostumados a outra realidade de

    vida. Foi ali que nasceram, cresceram, estabeleceram vnculos, formaram famlias,

    construram a sua histria de vida e, no momento que tem sua casa mapeada em

    rea de risco ou em rea de preservao, tiveram que sair, transformar sua

    realidade de vida.

    Considerando os valores atuais da locao de imveis, que so elevados, embora

    recebam esse benefcio para custear o aluguel, essas famlias alegam como sendo

    insuficiente o valor do benefcio, que de at R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais),

    dependendo da per capita do usurio e, em sua maioria, dizem que no condiz com

    o valor do aluguel do imvel alugado no Municpio de Vitria.

    Sendo assim, uma parcela significativa dos beneficirios precisa complementar o

    valor do aluguel se quiserem ter acesso a uma moradia digna. Portanto, observa-se

    que, mesmo com o benefcio, muitas dessas famlias permanecem em situaes

    precrias de habitabilidade, com mnima qualidade de vida, no tendo como

    acrescentar o valor do aluguel, ou seja, a situao acaba por ficar pior, mesmo a

    moradia sendo um dos direitos sociais garantido pela Constituio Federal de 1988,

    como consta em seu Captulo II, Dos Direitos Sociais, Art. 6, em que diz:

    So direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio (BRASIL,1988).

    Diante da situao apresentada, a finalidade dessa pesquisa remete realidade

    vivenciada no campo de estgio; necessidade do desenvolvimento de um estudo

    que contribuir com pesquisas que podero servir de base para novos estudos,

    podendo, assim, gerar novas fontes de conhecimentos a respeito da poltica, para

    que ela possa ser menos focalizada, seletiva e pontual.

    Cabe observar que o tema a ser discutido no novo, entretanto, h muitos estudos

    sobre a poltica habitacional, porm no se discute sobre o que os usurios pensam

    a respeito do direito moradia. Portanto, o objetivo geral do estudo compreender

    o(s) significado(s) atribudo pelos usurios da Poligonal 03 acerca do Projeto Aluguel

  • 29

    Provisrio do Municpio de Vitria, suas expectativas quanto ao recebimento do

    benefcio e a possibilidade de acess-lo. Esse conhecimento poder contribuir para

    que o Estado se mobilize e reformule novas polticas para o acesso dessas famlias.

    Nesse sentido, no que se refere aos deveres nas relaes com os usurios, este

    trabalho de concluso de curso encontra-se em consonncia com o Cdigo de tica,

    em seu Art. 5- so deveres do/a Assistente Social nas relaes com os/as

    usurios/as:

    Contribuir para viabilizao da participao efetiva da populao usuria nas decises institucionais, garantir a plena informao e discusso sobre as possiblidades e consequncia das situaes apresentadas [...]; ainda fornecer populao usuria, quando solicitado, informaes concernentes ao trabalho desenvolvido pelo Servio Social e as suas concluses, resguardada o sigilo profissional [...] (BRASIL, 1993, p. 22-23).

    Sendo assim, o estudo tem como finalidade dar voz aos usurios, para que possam

    expressar seus pontos de vista e suas opinies em relao ao direito moradia.

    Alm disso, essa pesquisa visa contribuir para a sociedade, como um todo.

    Observado o grau de entendimento de um determinado grupo, h possibilidade de

    investimentos no campo do estudo.

    Assim, torna-se relevante tambm para o meio acadmico, em especial para o curso

    de Servio Social, para a Poltica Social, que ter possibilidade de ser aperfeioada

    atravs das autoridades competentes, pois, atravs de dados oficiais, torna-se

    possvel a criao de novas polticas pblicas, com o objetivo de que seja menos

    focalizada. Na prpria instituio, onde ser realizada a pesquisa, ter-se-

    oportunidade de se conhecer o que pensam os usurios atendidos e, em

    consequncia, o conhecimento e o entendimento dos servios, contribuindo, assim,

    para dar visibilidade s expresses da questo social ao muncipio, sendo que isso

    s ser possvel atravs de pesquisas.

    Segundo Iamamoto (2004, p. 273) explica assim a pesquisa:

    A pesquisa ocupa um papel fundamental no processo de formao do assistente social, atividade privilegiada para a solidificao dos laos entre o ensino universitrio e a realidade social e para a soldagem das dimenses terico-metodolgico e prtica-operativas do Servio Social, indissociveis de seus componentes tico-polticos.

    Deste modo, de fundamental importncia a realizao da pesquisa, pois possibilita

    ao pesquisador vislumbrar possibilidades de interferncia nos processos sociais

    (IAMAMOTO, 2004).

  • 30

    O presente Trabalho de Concluso de Curso (TCC) foi estruturado em uma

    introduo, seguida de quatro captulos e consideraes finais.

    No primeiro captulo, abordamos uma discusso geral acerca da reviso bibliogrfica

    sobre a gnese da questo social, descrevendo seu conceito, com intuito de

    informar como iniciou esse processo no mundo e, particularmente, no Brasil.

    No segundo captulo, dissertamos sobre o processo de industrializao e

    urbanizao no contexto do modo de produo capitalista, bem como, informando

    ao leitor os antecedentes da sua trajetria. Ser discutida tambm a Poltica de

    Habitao, o Estatuto das Cidades e, especificamente, o Projeto Aluguel Provisrio.

    No terceiro captulo, apresentamos metodologia, onde iremos descrever passo a

    passo como foi realizado o trabalho de concluso de curso. Sendo assim,

    informaremos o tipo de pesquisa utilizado; local de realizao da pesquisa; os

    sujeitos da pesquisa; procedimentos de coleta de dados; tratamento dos dados e,

    por fim, os aspectos ticos da pesquisa.

    No quarto captulo, apresentamos algumas caractersticas do Municpio de Vitria,

    bem como, apresentamos uma breve caracterizao da Poligonal 03 e, logo aps,

    apresentamos os dados documentais coletados e resultados obtidos na pesquisa

    emprica realizada com os beneficirios do Projeto Aluguel Provisrio, identificando o

    perfil dos usurios cadastrados, as expectativas quanto ao recebimento do benefcio

    e suas contribuies para a sua vida. Ser identificado o que determinou a incluso

    dos usurios cadastrados ao Projeto Aluguel Provisrio

    Por fim, apresentamos as consideraes finais, resultantes das observaes feitas

    durante a coleta de dados, inclusive as reflexes e estudos, explanando minhas

    opinies em relao s possibilidades e s expectativas dos beneficirios. Espera-se

    que este estudo possa contribuir para proporcionar a melhoria dos atendimentos

    pblicos destinados a essas famlias que almejam a concretizao do benefcio.

  • 31

    2 REFERENCIAL TERICO

    Este captulo tem como proposta discutir sobre a gnese da questo social,

    descrevendo seu conceito, com intuito de informar como iniciou esse processo no

    mundo e, particularmente, no Brasil.

    2.1 QUESTO SOCIAL Segundo Castel (1998), a questo social recebe esse nome em 1830, e d incio a

    uma longa trajetria que se estende at os dias atuais. O autor relata que essa

    nomeao acontece quando da tomada da conscincia das populaes que foram

    protagonistas e vtimas da Revoluo Industrial, que a questo do pauperismo1.

    Nesse momento, verifica-se que h um distanciamento entre o crescimento

    econmico e o aumento da pobreza2 como, tambm, uma separao entre ordem

    jurdico-poltico, que por um lado est ciente do direito do cidado e, por outro, uma

    ordem econmica que negava esse direito.

    No sculo XIV inicia-se a crise do feudalismo3, caracterizado por uma fase difcil que

    atinge o ponto mais elevado no final do sculo XVIII. No decorrer dos anos, foram

    desenvolvidas formas que pudessem superar o modo de produo feudal, mas as

    contradies do comrcio dificultaram esse processo, passando a ficar mais

    acentuadas com a economia crescente de base mercantil. Os autores relatam que

    1 O fenmeno do pauperismo um tema recorrente e ineliminvel dos debates no interior do Servio

    Social. Seus reflexos iniciais, explicitados na Europa ocidental a partir dos rebatimentos da primeira onda industrializante do final do sculo XVIII, deram origem expresso questo social, cujo contedo abarca o esgotamento das condies materiais de existncia do operariado no contexto da produo capitalista, bem como os reflexos desse fenmeno na esfera poltica (RODRIGUES, 2013).

    2 [...] o conceito de pobreza deve ser definido e mensurado de modo, a incluir no apenas a sua

    dimenso econmica, mas tambm os aspectos social, cultural e biolgico. E sentido mais amplo, diz-se que a cultura da pobreza refere-se a uma atitude de vida adquirida em ambiente social e histrico caracterizado pela ausncia de participao e integrao nas principais instituies da sociedade. A pobreza pode ser entendida em termos relativos ou absolutos. No termo relativo, [...] as desigualdades da distribuio da renda so medidas pelas diferenas entre as participaes relativas dos vrios grupos na populao total e na renda agregada. J no termo absoluto, ideia medir desvios da renda dos indivduos, famlias ou grupos em relao a um de pobreza geralmente definida a partir de critrios nutricionais e antropomtricos (TOLOSA, 1991, p. 108-109).

    3 A sociedade feudal, como a sociedade que a precedeu, que praticava a escravatura, era uma

    sociedade de classes: baseava-se na explorao da populao trabalhadora. O feudalismo diferia da estrutura social precedente porque os trabalhadores agora j no eram escravos mas dependiam economicamente dos seus senhores ou, em casos menos afortunados, eram servos ligados aos membros da classe dominante, senhores feudais (MANFRED, 1982, p. 11).

  • 32

    [...] O processo de crise do feudalismo , igualmente, o solo histrico do movimento

    que conduzir ao mundo moderno Revoluo Burguesa (NETTO; BRAZ, 2012, p.

    82-83).

    As classes fundamentais do modo de produo feudal, senhores e servos

    (proprietrios fundirios e camponeses), comeam a acentuar a explorao dos

    produtores, para compensar a reduo do excedente econmico, surgindo conflitos

    entre eles, transformando-se num cenrio de luta e quem sai ganhando so os

    senhores, que fazem importantes modificaes no regime feudal, [...] (a terra

    comea ser objeto de transao mercantil) e entre senhores e servos (as prestaes

    em trabalho e espcie comeam a ser substitudas por pagamentos em dinheiro)

    (NETTO; BRAZ, 2012, p.83).

    Com a centralizao do poder, surge o Estado absolutista4, que ajuda a combater as

    mobilizaes dos camponeses, porm, essa represso faz reduzir o poder da

    nobreza, concentrando o poder nas mos do rei, reduzindo a interveno dos

    senhores feudais, abrindo caminho para os comerciantes e mercadores tornarem-se

    financiadores do Estado Absolutista junto a Casas de Bancos da poca (NETTO;

    BRAZ, 2012).

    Marx e Angels, citado por Netto e Braz (2012, p. 84), observaram que:

    [...] o poder estatal centralizado, com seus rgos onipotentes o exrcito permanente, a poltica, a burocracia, o clero e a magistratura [...] procede dos tempos da monarquia absoluta e serviu nascente sociedade burguesa como uma arma poderosa em suas lutas contra o feudalismo.

    Sobre esse cenrio, Engels, citado por Netto e Braz (2012), relata que enquanto a

    sociedade se transformava a cada dia em uma gigantesca populao burguesa, o

    mesmo no acontecia na estrutura poltica, as condies econmicas da vida social

    permaneceram como eram no perodo feudal (NETTO, BRAZ, 2012).

    O surgimento do Estado, desenvolvido pela burguesia (Estado Burgus), estando no

    comando de tudo, assim foi retratado por Marx como sendo os rgos onipotentes.

    4 A organizao administrativa do Estado absolutista no tem, portanto, caractersticas estruturais

    autnomas em relao s da autoridade soberana. Todavia apresenta-se como um esquema de pessoas ligadas por vnculos de subordinao interna e privada ao soberano e, como j se disse, como organizao ou administrao privada da soberania (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 12).

  • 33

    Classificados como nova classe dominante, que do origem aos novos modos de

    produo para firmar a base burguesa, reportando a ampliao do modo de

    produo capitalista, que aperfeioa no feudalismo e na produo generalizada de

    mercadorias, assume o lugar central da vida econmica (NETTO; BRAZ, 2012).

    Castel (2000) relata que nesse perodo o processo de precarizao permanece,

    atingindo o mundo do trabalho; que o trabalho assalariado sempre foi uma condio

    indispensvel, ntima e miservel. O assalariado no tem nada, como a propriedade,

    e o que resta so as foras dos seus braos para vender, sendo consumido pelo

    capitalismo. A forma como feito o trabalho configurado frgil e miservel, sendo

    que a condio social ingrata, penosa e desprezada.

    Santos (2012) descreve que a questo social tem seu ncleo essencialmente

    fundado pela Lei Geral da Acumulao do Capitalista; que o processo de

    acumulao ou reproduo ampliada pelo capital representa o surgimento da

    questo social, sendo que esse processo tambm tem relao com a incluso e

    permanncia de novas tecnologias pelo sistema capitalista, que, em consequncia,

    gera o crescente aumento da produtividade do trabalho social e diminuio do

    trabalho socialmente necessrio para a produo de mercadorias. Esse processo

    faz diminuir o capital varivel5 e aumentar o capital constante6, caracterizando a

    fora de trabalho.

    Esses processos se intensificam conforme vai se desenvolvendo o modo de

    produo capitalista atravs das grandes indstrias, evidenciando o pauperismo,

    sendo essa a gnese da questo social e tendo um marco histrico do conjunto de

    fenmenos, como explica Netto:

    Se no era indita a desigualdade entre as vrias camadas sociais, se vinha muito de longe a polarizao entre os ricos e os pobres, se era antiqussima a diferente apropriao e fruio dos bens sociais, era radicalmente nova a dinmica da pobreza que ento se generalizava. Pela primeira vez na historia registrada, a pobreza crescia na razo direta em que aumentava a capacidade sociedade produzir riquezas. [...] Se, nas formas de sociedade precedentes sociedade burguesa, a pobreza estava ligada a um quadro geral de escassez ([...] determinado pelo nvel de desenvolvimento das

    5 O capital varivel aplica-se nos salrios que compram a fora de trabalho e, por isso, representa a

    nica parte do capital que varia no processo produtivo, uma vez que se incrementa pela produo de mais-valia. A valorizao particular do capital varivel d lugar valorizao do capital em sua totalidade (MARX, 1996, p. 36-37).

    6 O capital constante representa trabalho morto, cristalizado e acumulado nos meios de produo.

    Durante o processo produtivo, seu valor se mantm constante, transferindo-se ao produto sem alterao quantitativa (MARX, 1996, p. 36).

  • 34

    foras produtivas materiais e sociais), agora ela se mostrava conectada a um quadro geral tendente a reduzir com fora a situao da escassez. Numa palavra, a pobreza acentuada e generalizada no primeiro tero do sculo XIX o pauperismo aparecia como nova precisamente porque ela produzia pelas mesmas condies que propiciavam os supostos, no plano imediato, da sua reduo, e, no limite, da sua supresso (NETTO, 2001, p.42-43).

    Cabe ressaltar que o autor no est nomeando como questo social a

    desigualdade e a pobreza, mas aquilo que foi fundado pelo modo de produo

    capitalista (SANTOS, 2013).

    Netto e Braz (2012) explicam que o resultado do progresso da acumulao do

    capital gerou ao mesmo tempo uma imensa concentrao de pobreza e tambm o

    crescimento da riqueza social (desmedida massa de valores).

    Iamamoto e Carvalho (2013) relatam que nesse momento o capital j no tem

    vnculo com o custo de produo da fora de trabalho, buscando no mercado a fora

    de trabalho tornada em mercadoria. Sendo assim, o proprietrio se torna, no o

    senhor em particular, mas, sim, um capitalista, que vende sua fora de trabalho para

    a sua sobrevivncia no mercado onde o capital quem domina. Essa explorao

    sem medidas do capital faz com que o trabalhador aceite essa situao de forma

    que no pode ser evitada (IAMAMOTO; CARVALHO, 2013).

    Com os avanos frequentes, o capitalismo chega ao sculo XIX resistente com a

    grande indstria. Os trabalhadores acabam aceitando as condies daquele modo

    de produo, sem ter condio de escolha. Sobre essa situao, Marx, citado por

    Santos (2012, p. 35), descreve:

    Ao progredir a produo capitalista, desenvolve-se uma classe trabalhadora que por educao, tradio e costumes, aceita as exigncias daquele modo de produo como leis naturais evidentes. A organizao do processo de produo continua de uma superproduo relativa mantm a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salrio em harmonia com as necessidades de expanso do capital e a coao surda das relaes econmicas consolida o domnio do capitalismo sobre o trabalhador. Ainda se empregar a violncia direta, margem das leis econmicas, mas doravante apenas em carter excepcional.

    Nesse perodo j podia ser notado com maior visibilidade esse processo acentuado

    de pauperismo da classe trabalhadora, pois nesse momento j era comum o

    emprego de mulheres e crianas; tambm se notava a presena de crianas do sexo

    feminino nas fbricas. Para o capitalista era mais vivel ter trabalhando mulheres e

    crianas, pois no ofereciam resistncia disciplina. Essa forma caracterstica dos

    novos processos de trabalho do capital que foi implantado, sendo teis s

  • 35

    necessidades crescentes de super explorao da fora de trabalho (SANTOS,

    2012).

    Hobsbawm, citado por Santos (2012, p. 36), aponta que para diminuir os custos e

    conter a queda na taxa dos lucros, utilizavam desses artifcios, como explica abaixo:

    E de todos os custos, os salrios [...] eram os mais comprimveis. Eles podiam ser comprimidos pela simples diminuio, pela substituio de trabalhadores qualificados, mais caros [predominantemente do sexo masculino por mulheres e crianas], e pela competio da maquina com a mo de obra.

    Toda essa explorao abusiva do capital sobre o proletariado acaba por afetar a sua

    capacidade vital, fazendo com que se organize para sua prpria defesa, atravs de

    lutas, que acabam afetando a classe burguesa [...] como uma ameaa a seus mais

    sagrados valores, a moral, a religio e a ordem pblicas, mediante a essa situao

    surge necessidade do controle social (IAMAMOTO; CARVALHO, p. 134, 2013).

    Segundo Iamamoto e Carvalho (1998), essa consolidao do polo industrial reflete

    em profundas transformaes no perfil da sociedade, englobando-se no conjunto de

    problemas, exigindo mudanas por parte do Estado e no seu relacionamento com as

    classes sociais. Sendo assim os autores afirmam que:

    O desdobramento da questo social tambm a questo da formao da classe operria e de sua entrada no cenrio poltico, da necessidade de seu reconhecimento pelo Estado e, portanto, da implementao de polticas que de alguma forma levem em considerao seu interesses (IAMAMOTO; CARVALHO, 2013, p. 134-135).

    Devido a esse processo, so criadas leis sociais nas conjunturas histricas; o

    capitalismo cresce a cada dia, e esse movimento faz com que a questo social

    tambm se desloque, passando a ser o centro das contradies que atravessam a

    sociedade (IAMAMOTO; CARVALHO, 2013).

    Ao mesmo tempo, a questo social deixa de ser apenas contradio entre abenoados e desabenoados pela fortuna, pobres e ricos, ou entre dominantes e dominados, para constituir-se essencialmente, na contradio antagnica entre burguesia e proletariado, independentemente do pleno amadurecimento das condies necessrias sua superao. A nova qualidade que assume a questo social nos grandes centros urbano-industriais deriva, assim, do crescimento numrico do proletariado, da solidificao dos laos de solidariedade poltica e ideolgica que perpassam seu conjunto, base para a construo e para a possibilidade objetiva e subjetiva de um projeto alternativo dominao burguesa (IAMAMOTO; CARVALHO, 2013, p. 135).

    Esse novo cenrio nos centros urbano-industriais faz a questo social assumir um

    novo patamar, assim cresce o nmero de proletariado que fortaleceu a solidariedade

  • 36

    poltica e ideolgica que supera o conjunto, criando assim mecanismo de superao

    da burguesia (IAMAMOTO; CARVALHO, 2013).

    Segundo Pastorini (2010), os problemas gerados a partir da sociedade capitalista,

    que em consequncia originaram a questo social e que permanecem desde sua

    origem at os dias atuais, tm como pano de fundo os processos de urbanizao e

    industrializao. Esses problemas sociais, polticos e econmicos geraram o

    aparecimento das classes operrias dentro dessa mesma sociedade, referindo-se ao

    processo de desenvolvimento do prprio capitalismo.

    nesse contexto de crise e mudanas societrias que surge a questo social.

    Sobre essa situao Iamamoto e Carvalho (1998, p.77) relatam que:

    [...] A questo social no seno as expresses do processo de formao e desenvolvimento da classe operria e de seu ingresso no cenrio poltico da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. a manifestao, no cotidiano da vida social, da contradio entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenes, mais alm da caridade e represso.

    Segundo Iamamoto (2004, p. 27) relata, a Questo social :

    [...] aprendida como o conjunto das expresses das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produo social cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriao dos frutos mantm-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade.

    J o autor Wanderley (2000, p. 9) afirma que a questo social tem um significado

    mais amplo:

    [...] vai adquirindo um contedo especial na multidimensionalidade das relaes sociais e na forma pela qual os sujeitos, individuais e coletivos, so determinados pelos processos e estruturas sociais e, ao mesmo tempo, instituem esses processos e estruturas. Ela resulta das particularidades assumidas pelos modos de produo e pelos modos de desenvolvimento que se constituram em cada sociedade nacional, das quais se pode inferir um conjunto de elementos comuns vlidos para a regio como um todo. Em seu cerne, ela o fruto das desigualdades e injustias que se estruturam na realidade do continente, ocasionadas pelas profundas assimetrias nas relaes sociais em todos os nveis e dimenses, expressas, principalmente, pela concentrao de poder e de riqueza em certos setores e classes sociais, e pela pobreza e opresso de outros setores e classes, que foram e continuam sendo a maioria populacional. Pobreza que vem-se ampliando nas ltimas dcadas, em que pese o fato de pequenas variaes, aqui e acol, que no mudam substancialmente a estrutura social.

    Alm disso, Wanderley (2000) relata que a questo social vem dos vnculos

    histricos, que ao misturarem as sociedades e seus acontecimentos ao longo da sua

    trajetria, levam a sua ruptura, tornando parte peculiar dos componentes bsicos da

  • 37

    organizao social, como: Estado, Nao, cidadania, trabalho, etnia e gnero, sendo

    fundamentais para dar continuidade s transformaes da sociedade.

    Castel (1998, p.30) define a questo social como sendo um impasse fundamental:

    A questo social uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coeso e tenta conjurar o risco de sua fratura. Ela um desafio que interroga, pe em questo a capacidade de uma sociedade (o que em termos polticos se chama uma nao) de existir como um conjunto ligado por relaes de interdependncia.

    O autor Castel (2000, p. 12) relata que a questo social vem de outros fatores, como

    a desagregao da sociedade salarial:

    [...] a questo social hoje pe em causa essa funo integradora do trabalho, desestabilizando a vida social como um todo. Configurando-se como [...] dificuldade central, a partir da qual essa sociedade se interroga sobre sua coeso e suas fraturas.

    Nas ltimas dcadas, a pobreza vem se agravando a cada dia, ocasionando

    problemas internos e externos interligados e reaparecendo com frequncia. O

    desenvolvimento da globalizao7 faz a questo social ficar cada vez mais

    acentuada, gerando novas e diferentes modalidades devido s transformaes entre

    capital e trabalho, como: [...] no processo produtivo, na gesto do Estado, nas

    polticas sociais e pelo chamado princpio da excluso. Esse processo faz com que

    as pessoas sejam excludas [...] do processo produtivo, do trabalho assalariado,

    pela a origem tnica, pela identidade cultural e pelas relaes de gnero [...], esses

    acontecimentos efetivamente se transformam em questo social (WANDERLEY,

    2000, p. 59).

    Segundo Wanderley (2000), a questo social vem recebendo vrias definies e

    explicaes considerando sua multidimensionalidade, e nesses termos que o autor

    afirma que: [...] a questo social implica em questes de integrao e insero,

    reformas sociais ou revoluo, e correntes de ideias as mais diversas, que buscam

    diagnosticar, explicar, solucionar ou eliminar as suas manifestaes (WANDERLEY

    et al, 2000. p. 60).

    7 [...] globalizao invade o horizonte econmico, cultural, poltico, e social de nossa poca. em seu

    nome que os governos empreendem interminveis e perigosas reformas at ento nem imaginadas. Ela constitui o ncleo da nova ortodoxia, sinal de reconhecimento recproco das elites do poder no mundo contemporneo. Pensamento nico, poltica nica, cultura nica pretendem representar de modo nico toda a humanidade, seu futuro, seu passado histrico reavaliado: a globalizao, nova iniciao aos mistrios do poder. Gente de esquerda ou de direita pode se satisfazer com ela (VERGOPOULOS, 2005, p. 7).

  • 38

    Netto e Braz (2012) afirmam que a produo capitalista vem a ser alm da produo

    e reproduo de mercadorias, mas tambm a mais-valia8, que produo e

    reproduo das relaes sociais. O trabalho assalariado est no cerne do capital,

    exige dos sujeitos a venda da sua fora de trabalho, j que esse o nico bem que

    possuem. Sendo assim, a produo capitalista depende das relaes sociais que

    produzem os indivduos para ter continuidade, ou seja, [...] a reproduo capitalista

    s vivel se ela reproduzir as relaes sociais que pem frente a frente capitalistas

    e proletariados (NETTO; BRAZ, 2012, p. 149).

    Os autores Netto e Braz (2012) ressaltam que o desenvolvimento da sociedade

    capitalista vem afirmando as anlises escritas por Marx, que h quase cento e

    cinquenta anos persistem ao confronto com a evoluo do capitalismo, que deixa

    claro as grandes mudanas e diferenas entre riqueza e pobreza social. Ao analisar

    as duas situaes, mostram diferenas nas vrias economias nacionais e s vai

    permanecendo: [...] fato e processo constitutivos e ineliminveis da acumulao

    capitalista so a perdurabilidade do exrcito industrial de reserva e a polarizao

    [...] (NETTO; BRAZ, 2012, p. 151).

    A questo social surge na terceira dcada do sculo XIX, produzida atravs do

    capitalismo, surge justamente na base urbano-industrial do capitalismo, quando

    comea a dar os primeiros passos e se firmar (NETTO; BRAZ, 2012).

    A categoria questo social vem modificando no decorrer desse processo de

    acumulao do capital, tomando novos rumos e novos contornos que geram novas

    mudanas nas sociedades contemporneas, referindo-se ao aparecimento de uma

    nova questo social (PASTORINI, 2010).

    Os defensores da nova questo social partem do pressuposto de que as mudanas ocorridas no mundo capitalista contemporneo marcam uma ruptura com o perodo capitalista industrial e com a questo social que emergiu na primeira metade do sculo XIX, com o surgimento do pauperismo, na Europa Ocidental (PASTORINI, 2010, p. 25).

    Santos (2012) aponta que existem vrias concepes que envolvem o surgimento

    da questo social e critica algumas perspectivas que no apontam os aspectos

    fundante e essencial desse fenmeno, como os fundamentos econmicos e

    8 [...] A mais-valia (ou valor excedente) uma s. No h mais-valia que relativa e a outra que

    absoluta. [...] o que pode ser absoluta ou relativa a maneira de se incrementar a extrao de valor excedente (TAUILE apud NETTO; BRAZ, 20012, p. 122).

  • 39

    histricos, e acabam naturalizando as expresses no decurso da contradio

    capital/trabalho.

    Pastorini (2010) aponta que h autores que defendem a perspectiva retratada acima,

    como o Rosanvallon, que acredita que o crescimento e surgimento do desemprego e

    da pobreza e as suas novas formas esto interligadas excluso social9, apontando

    para uma nova questo social.

    Os autores Netto e Braz (2012, p. 152) tambm criticam a nova questo social:

    Ora, a questo social determinada por esta lei; tal questo, obviamente, ganha novas dimenses e expresses medida que avana a acumulao e o prprio capitalismo experimenta mudanas. Mas ela insuprimvel nos marcos da sociedade onde domina o MPC. Imaginar a soluo da questo social mantendo-se e reproduzindo-se o MPC o mesmo que imaginar que o MPC pode se manter e se reproduzir sem a acumulao do capital.

    Sendo assim, entender a questo social olhar para todos os lados, considerando a

    explorao do capital sobre o trabalho e as lutas sociais que estiveram em evidncia

    pelos trabalhadores (SANTOS, 2012).

    Castel (1998, p. 41) diferencia a questo social como [...] uma inquietao quanto

    capacidade de manter a coeso de uma sociedade. A ameaa de ruptura

    apresentada por grupos cuja existncia abala a coeso do conjunto.

    Castel (2000, p. 239) descreve que a questo social vivida na primeira metade do

    sculo XIX de uma [...] populao flutuante, miserveis, no socializadas,

    cortadas de vnculos rurais e que ameaam a ordem social, seja pela violncia

    revolucionria, seja como uma gangrena. Ou seja, surgimento absoluto de

    pauperismo no a mesma questo social dos dias atuais. Antes tnhamos um

    proletariado miservel e contrrio a uma ordem estabelecida, passando a ser uma

    classe unificada (CASTEL, 2000).

    Castel (2000, p. 239-240) descreve sobre a nova questo social nos dias atuais:

    A nova questo social hoje parece ser o questionamento desta funo integradora do trabalho na sociedade. Uma desmontagem desse sistema de protees e garantias que foram vinculadas ao emprego e uma

    9 Processo heterogneo, multidimensional, espacial e temporal que impossibilita parte da populao

    a partilhar bens e recursos produzidos pela sociedade. Conduz privao, ao abandono e expulso dos espaos sociais. O conceito de excluso engloba no apenas a pobreza ou insuficincia de renda, mas vai alm, medida que se define tambm pela impossibilidade ou dificuldade intensa de ter acesso tanto aos mecanismos culturais de desenvolvimento pessoal e insero social, como aos sistemas preestabelecidos de proteo e solidariedade coletiva (GOM apud DICIONRIO, 2007, p. 43).

  • 40

    desestabilizao, primeiramente da ordem do trabalho, que repercute como uma espcie de choque em diferentes setores da vida social, para alm do

    mundo do trabalho propriamente dito.

    Na atualidade, como apontam os estudos, pode-se afirmar que a nova questo

    social, citada acima, torna-se visvel a partir do enfraquecimento da situao salarial.

    A questo da excluso vem h tempo assumindo a primeira posio, deslocando-se

    para a margem da sociedade, gerando problemas sociais, em consequncia uma

    pluralidade de dificuldades. O assalariado acampa, instala-se, permanece

    subordinado s margens da sociedade, at se espalhar para impor sua marca por

    todo parte (CASTEL, 1998).

    A nova questo social afirma-se, segundo Castel (1998), em trs pontos de

    solidificao, sendo a primeira a desestabilizao dos estveis, [...] parte da classe

    operria integrada e dos assalariados da pequena classe mdia est ameaada de

    oscilao (CASTEL, 1998, p. 527). A segunda, a instalao na precariedade, em

    que temos: [...] O trabalho aleatrio representa uma nebulosa de contornos incertos,

    mas que tende a se autonomizar (CASTEL, 1998, p. 527). E, por ltimo, [...] A

    precarizao do emprego e o aumento do desemprego [...] manifestao de um

    dficit de lugares ocupveis na estrutura social [...] (CASTEL, 1998, p. 529). Esse

    ltimo fenmeno caracterizado como os trabalhadores que envelheceram e que

    no cabem mais no processo produtivo e nem em outro lugar, jovens que

    peregrinam de estgio em estgio e pessoas desempregadas h muito tempo sem

    sucesso.

    Segundo Pastorini (2010, p. 38) o [...] mundo do trabalho capitalista contemporneo

    a flexibilizao condensa mltiplos processo. Citando o processo produtivo que

    gerou modificaes e estabeleceu um salto tecnolgico, junto ao processo de

    globalizao (elementos indispensveis da lgica capitalista) a partir da dcada de

    70, essas transformaes permitem o desenvolvimento da tecnologia digital,

    acarretando um crescente processo de automao. Tal transformao no modo de

    produo gerou uma srie de mudanas, como:

    [...] na criao de novas formas de trabalho, na contratao da mo de obra, nos nveis de desemprego, na organizao dos trabalhadores, nas negociaes coletivas, nos nveis de pobreza e crescimento das desigualdades sociais

    10, retraimento dos direitos sociais,

    10

    A ordem social estabelece pelo Estado de bem-estar reorganizou as bases da estratificao social. Como nos pases avanados (mas tambm em pases como o Brasil) entre um tero e a metade do produto bruto apropriado pelo Estado e redistribudo atravs de servios pblicos. Temos, pois,

  • 41

    desregulamentao das condies de trabalho, entre outras (PASTORINI, 2010, p.39).

    Tais mudanas podem ser notadas nos pases do capitalismo mais avanado,

    observando primeiramente o aumento do desemprego, devido ao retraimento do

    trabalho industrial e fabril, que acarretou em diminuio do emprego operrio. Junto

    a essa situao ocorre o aumento do emprego no comrcio, servios e setor

    financeiro e cresce a economia informal. Essa tal liberdade do grande capital

    proporcionou subcontratao, terceirizao11, precarizao (PASTORINI, 2010).

    Sendo assim, essas mudanas vm sendo acompanhadas do aumento do

    desemprego, dificuldade presente no mundo inteiro, acompanhado da pobreza

    crescente que, com frequncia, faz os trabalhadores serem excludos do mercado

    formal de trabalho. A nova pobreza pode ser notada no empobrecimento e

    proletarizao da classe mdia, o frequente aumento das famlias chefiadas por

    mulheres, os trabalhadores maiores de 45 anos vo ficando cada vez mais

    escassos, sendo visvel a posio que a nova forma da questo social assumiu nos

    dias atuais (PASTORINI, 2010).

    Os nveis de explorao e desigualdades s aumentam. O alvo principal so os que

    dispem da fora de trabalho para sobreviver, alm do gnero masculino adulto,

    mas tambm os idosos, mulheres e no sendo o bastante, ainda exploram filhos de

    trabalhadores, jovens e crianas e, em especial negros e mestios (IAMAMOTO,

    2008).

    Segundo Iamamoto (2008), as novas roupagens da velha questo social vm se

    metamorfoseando, comprovando a grande fresta entre o desenvolvimento das foras

    produtivas do trabalho social e as relaes sociais. Vem manifestando [...] na

    banalizao da vida humana, na violncia escondida no fetiche do dinheiro e da

    uma dupla estratificao: a determinada pela renda individual e a determinada pelo usufruto de bens pblicos. [...] a estratificao pela renda individual tende a ser muito mais desigual que aquela produzida pela distribuio desigual de bens pblicos, [...]. O impacto dos bens pblicos na compensao da desigualdade social nem sempre efetivo, e alguns desses bens, em especial a educao, favorecem particularmente as classes mdias (SORJ, 2004, p. 43).

    11 [...] uma tcnica administrativa que possibilidade o estabelecimento de um processo gerenciado de

    transferncia, a terceiros, das atividades acessrias e de apoio ao escopo das empresas que a sua atividade-fim, permitindo a estas concentrarem-se no seu negcio, ou seja, no objetivo final. uma metodologia de motivao e fomento criao de novas empresas, possibilitando o surgimento de mais empregos (QUEIROZ, 1992, p. 35).

  • 42

    mistificao do capital ao impregnar todos os espaos e esferas da vida social

    (IAMAMOTO, 2008. p. 144).

    Segundo Netto (2001), a sociedade burguesa tratava de combater as manifestaes

    da questo social, porm a ideia no atingir os fundamentos da burguesia

    capitalista, trata de uma reforma conservadora (NETTO, 2001).

    Em 1970, aps a crise generalizada da economia capitalista mundial e a capitulao

    poltica e ideolgica social-democracia, h uma ruptura do compromisso social entre

    trabalhadores e capitalistas. Os trabalhadores perdem suas expectativas quanto

    inteno do pleno emprego, de polticas sociais, a proteo dos direitos trabalhistas

    e a regulao de condio de trabalho entre outros pontos. Com o crescimento do

    capital internacional, cria-se reajuste e modificaes econmicas, polticas e sociais.

    Justamente atravs dessas mudanas no mundo do trabalho que possvel

    entender a questo social contempornea (PASTORINI, 2010).

    Segundo Mattoso, citado por Pastorini (2010), essa diminuio dos direitos dos

    trabalhadores do ps-guerra, essa configurao sem uma nova relao salarial, faz

    crescer a fragmentao e a desestruturao do trabalho, fazendo aumentar a

    paralisia poltica e o movimento sindical, para que se defenda, diminuindo, assim, a

    solidariedade e a coeso social. Esses fatores causam hoje uma verdadeira

    desordem do trabalho. As consequncias geradas pelo grande desemprego

    estrutural se do devido ao retrocesso da ao sindical. Nesse sentido, incorpora

    novas determinaes sociais, polticas e econmicas, no deixando de existir

    tradicionais sujeitos. Essa pluralidade no significa que a classe trabalhadora

    perdeu sua voz e seu protagonismo, mas, sim, que se tem complexificado junto aos

    sujeitos e s relaes polticas. Sendo assim entende [...] que as manifestaes da

    questo social devem ser explicadas com base no contorno de interesses

    contraditrios que traduzem como consequncia as desigualdades nas sociedades

    capitalistas (PASTORINI, 2010, p. 46).

    A autora afirma que a crise capitalista que atinge a atualidade no pode ser pensada

    como crise do vnculo social, mas, sim, como uma crise do modo de acumulao

    capitalista que questiona a forma de participao da sociedade e de seu conjunto e

    da maioria da humanidade (PASTORINI, 2010).

  • 43

    Cabe salientar que a questo social tambm tem a ver com a questo urbana, a qual

    vem sendo explorada historicamente por vrios autores. Essas questes esto

    vinculadas utopia de morar juntos nas sociedades atuais do urbano-industriais,

    onde temos uma realidade social desigual, e acompanham na sua formao a

    modernidade do vnculo social, as formas de integrao social, a coeso social e a

    cidadania. O efeito da questo social que constitui essas relaes vai implicar na

    forma como vivem, trabalham, produzem e reproduzem. Sendo assim, o territrio

    sente esse impacto. Hoje a hierarquizao social e as desigualdades se propagam

    sobre o acesso dos pobres s moradias, ao trabalho e aos servios pblicos (IVO,

    2010).

    A questo social vem da problemtica social, poltica e econmica. O autor

    Fernandes, citado por Velloso (1991, p. 237-238), relata que a questo da habitao

    surge tambm da falta de equilbrio na distribuio regional:

    Os problemas de habitao de baixa renda so, na realidade, problemas sociais, econmicos e de desenvolvimento urbano enquanto persistirem os desequilbrios na distribuio regional, setorial e pessoal de renda, as decorrentes desigualdades sociais no podero se resolvidas adequadamente com equidade, justia social e democracia.

    A problemtica da moradia nas sociedades capitalistas pesquisada por tericos

    clssicos do marxismo, como Engels, que nos sculos XIX j percebia a penria

    aguda da habitao. Nesse momento j entendia da escassez de moradia, sendo

    observada como manifestao da desigualdade resultante do capitalismo durante o

    processo de industrializao do sistema de produo (SILVA, M., 1989).

    Netto (2001) questiona as expectativas de se nomear uma nova ordem que supere o

    comando do capital, em tais condies que elimine a escassez e a superao da

    questo social, o que no significa o enfrentamento dos problemas, pois a

    sociedade (homens e mulheres) sempre continuar a questionar por que vivem,

    morrem, em busca de encontrar respostas para suas vidas limitadas. Alguns, entre

    muitos sujeitos, encontraro vulnerabilidades, ou seja, nunca vai acabar (NETTO,

    2001).

    Em suma, podemos observar que a questo social j vem desde seu surgimento

    causando dano sociedade, portanto, conseguir acabar com as expresses da

    questo social algo difcil, pois sempre haver um pequeno grupo de pessoas

    ganhando muito e um nmero considervel de indivduos ganhando muito pouco.

  • 44

    Sendo assim, essas expresses da questo social jamais tero fim, mas, haver

    sempre o seu recomeo.

    No prximo item estaremos discutindo sobre a Questo Social especificamente no

    Brasil, como esse processo iniciou.

    2.1.1 Questo Social no Brasil A questo social no Brasil comea a se confirmar a partir do Sculo XIX, com a

    aglomerao urbana e, no incio do sculo XX, com a explorao do trabalho, o que

    ocasionou diversos problemas, como a falta de recursos para os trabalhadores, que

    no possibilitou terem acesso a uma vida digna para a sua sobrevivncia. Nesse

    perodo houve um grande empobrecimento da classe trabalhadora. Entendia-se que

    a culpa era do prprio trabalhador, como, um problema individual e privado.

    Nas dcadas de 1920 e 1930 a Questo Social tem sua gnese marcada pela

    escravido de seu passado recente, com a disseminao do trabalho livre, em que o

    trabalho separado entre homens e meios de produo, ficando, assim, fora dos

    limites da formao econmico-social brasileira (IAMAMOTO; CARVALHO, 2013).

    Sendo assim, na dcada de 30 do sculo XX, a questo social comea a

    preocupar o Estado Brasileiro, que passa a querer resolver essa problemtica

    atravs de aes pblicas voltadas para a necessidade desses trabalhadores

    (ALMEIDA et al, 2006).

    [...] a questo social torna-se visvel no Brasil desde o final do sculo XIX, mas ainda camuflada pelo processo de industrializao, bem controlado e articulado pelos importadores e exportadores vinculados ao capital internacional. Permaneceu por vrias dcadas na ilegalidade e por tal razo foi pensada como desordem, incriminando o sujeito e sendo enfrentada via aparelhos repressivos do Estado. Somente no ps 1930, em meio a foras sociais pr-conservao e pr-mudana, a questo social deixa a ilegalidade, passando a ser reconhecida sob explicaes e/ou democratas como questo poltica ou de poltica (ALMEIDA et al, 2006).

    Santos (2012) analisa as expresses da questo social como sendo um fenmeno

    singular e universal, cuja fundao se d atravs da centralidade do trabalho na

    constituio da vida social. Ainda afirma que a pobreza expresso mxima da

    questo social, mas s pode ser entendida atravs da incapacidade de reproduo

    social autnoma dos indivduos envolvidos. Assim, a sociedade capitalista dispensa

    esse trabalhador, de forma a gerar a questo do desemprego.

  • 45

    Iamamoto e Carvalho (2013) descrevem que as pssimas condies dos

    proletariados (trabalhadores) da classe operria so apresentadas para a sociedade

    brasileira atravs dos grandes movimentos sociais com a inteno da conquista de

    uma cidadania social, fazendo com que as diversas classes e classes dominantes,

    como: [...] subordinados ou aliados, O Estado e a Igreja [...] (IAMAMOTO;

    CARVALHO, 2013, p.134), se organizam para solucionar os problemas gerados a

    partir da questo social.

    Portanto, os trabalhadores no esto livres do processo de pauperizao, sabendo

    tambm que isso causar outras questes, como educao, habitao, acesso ao

    saneamento bsico e algumas vezes determina tambm a sade, que acarretar em

    outras expresses (SANTOS, 2012).

    Sendo assim, [...] trata-se de situar os traos do desemprego como resultantes do

    caminho percorrido atravs da particularizao, no nvel da formao social

    brasileira (SANTOS, 2012, p. 134). Ou seja, para melhor detalhar a questo social

    preciso destrinchar as relaes entre capital/trabalho, tomando em considerao a

    realidade nacional da nossa formao social (SANTOS, 2012).

    Pochmann, citado por Santos (2012, p. 135), considera que a formao do mercado

    de trabalho brasileiro, alm de possuir algumas caractersticas entre os anos de

    1930 e 1970, um processo de difcil entendimento, como:

    [...] padro de sociedade salarial incompleto, com traos marcantes de subdesenvolvimento, [a exemplo] [...] distino entre assalariamento formal e informal [que] constitui a mais simples identificao da desregulao, assim como a ampla presena de baixos salrios e de grande quantidade de trabalhadores autnomos (no assalariados).

    Vale destacar que essas caractersticas deram-se atravs do intenso fluxo migratrio

    campo-cidade; esse resultado corresponde a uma boa parcela do padro de

    explorao da fora de trabalho e tambm pela crescente formao da mo de obra

    que no desfruta dos resultados desse processo da crescente economia (SANTOS,

    2012).

    Conh (2000) explica ainda que em 1930 a questo social estava relacionada

    precisamente ao trabalho e s precises do trabalhador, como tambm visava

    garantir um bem-estar mnimo no cenrio poltico. No entanto, havia distino no

    tratamento da questo social, na qual os trabalhadores so classificados como

  • 46

    desvalidos e miserveis, por no estarem no campo de trabalho, tornando-se, assim,

    responsabilidade do setor privado e da filantropia.

    [...] no por outro motivo que os direitos sociais no Brasil at hoje se traduzem em polticas e programas sociais que se dirigem a dois pblicos distintos: os cidados e os pobres. Cidados so aqueles que, por exemplo, esto cobertos por um sistema de proteo social ao qual tem direito porque contribuem para com ele. Os pobres so aqueles que, por no apresentarem capacidade contributiva, uma vez que nem se quer apresentam capacidade contributiva, uma vez que nem se quer apresentam capacidade de formas autnomas de garantias de patamares mnimos de sobrevivncia, so alvo de polticas e programas de carter filantrpico e/ou focalizado em determinados grupos reconhecidos como mais carentes e socialmente mais vulnerveis (CONH, 2000, p. 389-390).

    Sendo assim, temos historicamente uma cidadania brasileira reconhecida por uma

    previdncia social que se configura atravs da proteo social contributiva, que tem

    embasamento o seguro social. Portanto, ser atravs do trabalho e do salrio que as

    pessoas tero acesso sade e previdncia. Porm, esse ambiente fez com que a

    sociedade no participasse do trabalho formal por dcadas, o trabalho se torna

    precarizado. Assim, se o indivduo no acessa o trabalho, logo no ter acesso ao

    sistema de proteo social contributiva (CONH, 2000).

    Segundo Pereira (2009), o Brasil, ao mesmo tempo que desenvolveu a economia,

    tambm desenvolveu o aumento da populao e urbanizao. Esse aumento

    exagerado nas reas urbanas ocasionou problemas de assistncia. Essas

    expresses da questo social podem ser entendidas nas excluses sociais e

    desigualdades causadas por esse processo, que se revelaram em subverso e no

    desemprego, no pauperismo, na educao, no desamparo, no saneamento bsico,

    na violncia pessoal e social, na habitao, na infraestrutura, entre outros.

    Mais de setenta anos depois, o Brasil um grande pas com a grande maioria de seus habitantes vivendo nos centros urbanos. A economia, em termos per-capita, situa-se entre as mais desenvolvidas. Porm, os nveis de pobreza e desigualdade so muito maiores, estando entre os piores do mundo. Em sua maioria, a pobreza urbana, localizada na periferia das grandes cidades (PEREIRA, 2009, p. 188).

    Sendo assim, a industrializao se materializava, aumentava a concentrao de

    renda e no mesmo sentido expandia as desigualdades sociais. Tais efeitos tambm

    foram notados na relao do trabalho e no agravamento da questo social. Antes a

    questo social era uma questo policial, a partir do seu adensamento passa a ser

    uma questo poltica, obrigando o Estado a dar respostas sociedade (PEREIRA,

    2009).

  • 47

    Concluindo, podemos observar que tais expresses da questo social se adequam

    sob os aspectos polticos, sociais e econmicos e vm gerando a luta dos

    trabalhadores urbanos e rurais por seus direitos, reivindicando suas terras, seus

    direitos polticos, trabalho e regularizao pela incluso social, alm de lutarem por

    uma moradia digna. Baseado nessas afirmativas, no prximo captulo ser discutido

    o processo de industrializao e urbanizao.

  • 48

  • 49

    2.3 HABITAO

    Este captulo pretende apresentar o processo de industrializao e urbanizao no

    contexto do modo de produo capitalista, bem como informar ao leitor os

    antecedentes da sua trajetria. Ser discutida tambm a Poltica de Habitao, o

    Estatuto das Cidades e, especficamente, o Projeto do Aluguel Provisrio.

    2.3.1 Processo de Industrializao e Urbanizao A origem da cidade no contexto do modo de produo capitalista est relacionada

    ao aparecimento da Revoluo Industrial que teve seu incio na Inglaterra. Esse

    processo gerou vrias transformaes nas relaes sociais, econmicas e polticas,

    devido mecanizao no processo de produo (ENGELS, 2008).

    At o final do sculo XVIII, a forma de trabalho era desenvolvida de maneira

    artesanal, o mesmo era realizado no mbito domstico, que envolvia todos os

    familiares. As famlias viviam de forma simples, em sua maioria, no campo,

    produziam a quantidade necessria para sobreviver (ENGELS, 2008).

    [...] os trabalhadores sobreviviam suportavelmente e levavam uma vida honesta e tranquila, piedosa e honrada; sua situao material era bem superior de seus sucessores: no precisavam matar-se de trabalhar, no faziam mais do que desejavam e, no entanto, ganhavam para cobrir suas necessidades e dispunham de tempo para um trabalho sadio em seu jardim ou em seu campo, trabalho que para eles era uma forma de descanso; e podiam, ainda, participar com seus vizinhos de passatempos e distraes - jogos que contribuam para a manuteno de sua sade e para o revigoramento de seu corpo (ENGELS, 2008, p. 46).

    Engels (2008) relata que no campo os trabalhadores produziam de forma pueril e

    exclusivamente para o sustento e para o interesse privado deles, ou seja, o

    suficiente para a sobrevivncia. O modo de produo deles era no campo, portanto,

    raramente iam cidade, toda a produo do trabalho (fio e tecido) era entregue aos

    itinerantes. Assim, o mercado interno supria as necessidades dos trabalhadores.

    Esse processo durou at a chegada das mquinas que os privaram do seu sustento,

    sendo obrigados a procurar trabalho na cidade.

    Antes do processo de industrializao, quem comandava o processo de produo

    era o trabalhador do campo, desde a matria prima at o produto final. Mas, com a

    introduo das mquinas, o que acontece a separao do trabalhador dos meios

  • 50

    de produo, sendo obrigados a trocar sua fora de trabalho por salrios

    desfavorveis (ENGELS, 2008).

    Gradativamente, a classe dos teceles-agricultores foi desaparecendo, sendo de todo absorvida na classe emergente dos exclusivamente teceles, que viviam apenas de seu salrio e no possuam propriedade, nem sequer a iluso de propriedade que o trabalho agrcola confere - tornaram-se, pois, proletrios (ENGELS, 2008, p. 48).

    Aos poucos o processo de industrializao foi substituindo o trabalho artesanal,

    desaparecendo todo tipo de atividade independente. J era possvel a produo em

    alta escala com menores preos, no mais a produo de um produto que levava

    horas para ficar pronto (ENGELS, 2008).

    Todo esse processo fez com que houvesse o desenvolvimento e o aperfeioamento

    das mquinas, fazendo a indstria crescer cada vez mais. Assim [...] a demanda de

    mquinas, combustveis e material de transformao multiplicou a atividade de uma

    massa de operrios e de indstrias (ENGELS, 2008, p. 54).

    Assim, a introduo das mquinas arruinou a vida das famlias que viviam no

    campo, os desprovidos dos meios de produo e, impossibilitados, dirigiram-se s

    cidades para vender a nica coisa da qual so donos: sua fora de trabalho. Isso

    fez com que ocorresse uma grande migrao da populao do campo para a cidade,

    o excedente populacional fez com que a fora de trabalho ficasse barata e

    desqualificada (ENGELS, 2008).

    O desenvolvimento das indstrias e do comrcio despertavam expectativas de

    oportunidade de trabalho e melhores condies de vida. Esse fato gera a

    superconcentrao de pessoas na cidade, surgindo a necessidade de alojamentos

    prximos do trabalho. Nesse sentido, acontece uma ocupao desordenada, que

    responsvel pelo crescimento das cidades, da acumulao do capitalismo e, em

    consequncia, o processo de urbanizao (ENGELS, 2008).

    Os problemas habitacionais um acontecimento que teve sua gnese no incio do

    processo de industrializao no sculo XVII. Naquela poca, Engels (1979)

    apontava como um problema que se formou no domnio urbano, decorrente da

    concentrao do capital e da fora de trabalho (SILVA, M., 1989).

    Deste modo, inicia-se o nascimento da industrializao brasileira, em consequncia,

    uma grande concentrao populacional nas cidades, abrindo caminhos para os

  • 51

    mercados locais, com novos consumidores, o que no deixaria de ocasionar fortes

    estmulos para a multiplicao das grandes indstrias (MENDONA, 1995).

    Essas mudanas ocorridas neste perodo geraram um grande fluxo de mo de obra

    do interior para as cidades, fazendo crescer um nmero considervel de

    trabalhadores sem qualificao. Os trabalhadores urbanos, de baixa renda,

    formavam o principal mercado consumidor. Sendo assim, as grandes indstrias se

    desenvolveram em primrdios voltados para o consumo popular (MENDONA,

    1995).

    Com o processo de industrializao, houve o xodo rural; com a vinda dos

    trabalhadores rurais para as cidades, a urbanizao cresce, as cidades se tornam

    um polo da pobreza, com condies sub-humanas, transformando-se em um lugar

    de todos os trabalhos (SANTOS, 2013).

    Segundo Maricato (2013), o Brasil apresentou um intenso processo de urbanizao,

    principalmente na segunda metade do sculo XX. Em 1940, a populao urbana era

    de 26,30% do total, seis dcadas depois passou a ter mais do que o triplo, chegando

    a 81,2%; as cidade passam a ampliar seus assentamentos urbanos para abrigar 125

    milhes de pessoas.

    Maria Ozanira da Silva e Silva (1989) relata que devido ao sistema de produo

    capitalista acentuado, gerou-se um contexto urbano crescente. Em consequncia, a

    questo habitacional constituiu um espao de luta de classes, atravs dos

    movimentos sociais que era contrrio ao Estado. Esse espao de contradio

    organizado com a necessidade do capital para sua reproduo e, ao mesmo tempo,

    um espao de reproduo social. A cidade fica sujeita s leis da acumulao

    capitalista e, com a crescente urbanizao, tornam-se fortes fatores, essenciais para

    o crescimento do capital no seu processo de produtividade do trabalho, assim como

    a socializao das condies de produo, concluindo que: [...] ao mesmo tempo

    em que o urbano constitui espao de reproduo do capital tambm espao de

    reproduo das classes sociais (SILVA, C., 2007, p. 17).

    Nas cidades capitalistas o sistema de produo determina qual ser a forma de

    desenvolvimento da sociedade. A terra condio para a produo do capital e de

    vida, sendo que para o capitalismo sobreviver precisa da fora de trabalho; esse

    processo faz com que a terra passe a ter valor. Ao assumir essa posio, a terra se

  • 52

    concentra nas mos de um nmero pequeno de empresas com alto grau de

    concentrao local, sendo essa no meio rural e no meio urbano, mas quem valoriza

    a terra o trabalhador, porm quem colhe os frutos o modo privado (SILVA, M.,

    1989).

    Na dcada de 50, sculo XX, a expanso da urbanizao condicionada ao

    aumento do capital sobre as terras, surgindo a introduo das formas capitalistas no

    campo. O agricultor obrigado a ser separado do seu meio de produo, aumenta o

    nmero de proletariado, e o resultado um enorme fluxo migratrio para as cidades.

    Essa transio acarretar em outros problemas inevitveis, a populao de baixa

    renda expulsa para lugares mais distantes, de preos baixos, com servios

    pblicos precrios ou nenhum atendimento. Ainda mais, o uso urbano acaba sendo

    regulado pelo mercado, apesar de ser uma mercadoria especial (SILVA, M., 1989).

    Santos (2013, p. 10) define assim a cidade:

    [...] como relao social e como materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconmico, de que o suporte, como por sua estrutura fsica, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortios) pessoas ainda mais pobres. A pobreza no apenas o fato do modelo socioeconmico vigente, mas, tambm, do modelo espacial.

    Sobre o que foi exposto anteriormente, Diniz (2007, p. 180) revela que:

    [...] o crescimento urbano se consolidou na excluso social, e as condies de vida nas cidades manifestam os problemas sociais relacionados sobrevivncia cotidiana de trabalhadores (as); [...] na questo social e suas manifestaes na forma privada de apropriao do solo urbano, na desigualdade de acesso ao uso dos equipamentos pblicos, na segregao socioespacial e no precrio acesso moradia, principalmente pelos grupos vulnerveis.

    importante salientar que esse processo de industrializao e urbanizao se deu a

    partir do momento que as unidades fabris foram alojadas em locais onde havia

    infraestrutura, oferta de mo de obra e mercado consumidor, fazendo com que

    houvesse a substituio da mo de obra escrava pelo trabalho livre. Esse processo

    fez com que milhares de pessoas passassem a viver excludas da sociedade,

    aumentando a concentrao urbana e propiciando outros problemas, como a falta de

    saneamento bsico, sade e moradia (SANTOS, 2013).

    Santos (2013, p. 33) aponta que:

    O forte movimento de urbanizao que se verifica a partir do fim da Segunda Guerra Mundial contemporneo de um forte crescimento demogrfico, resultado de uma natalidade elevada e de uma mortalidade em descenso, cujas causa essenciais so os progressos sanitrios, a melhoria relativa nos padres de vida e a prpria urbanizao.

  • 53

    As reformas urbanas realizadas nas cidades brasileiras entre o final do sculo XIX e

    incio do sculo XX, com obras de saneamento bsico para superao das

    epidemias, no mesmo sentido promovia o melhoramento paisagstico da cidade e

    fortalecimento do mercado imobilirio capitalista, fazendo com que a populao

    fosse excluda desse processo, sendo praticamente empurrada para os morros e

    periferias das cidades (MARICATO, [20--]).

    Hobsbawm, citado por Pastorini (2010, p. 107-108), entende que a vitria global do

    capitalismo mais importante da histria foi [...] de uma sociedade que acreditou que

    o crescimento econmico repousava na competio da livre iniciativa privada, no

    sucesso de comprar tudo no mercado mais barato (inclusive o trabalho) e vend-lo

    mais caro.

    A escassez da moradia, a partir da implantao do capitalismo durante o sistema de

    produo, cresce na mesma proporo ao exrcito industrial de reserva12, o capital

    cria mecanismos para sua expanso, j a classe trabalhadora no tem nada a

    oferecer, a no ser sua fora de trabalho. Segundo Engels (1982) [...] a crise da

    habitao uma produto necessrio da ordem social burguesa [...] (ENGELS

    apud SILVA, M., 1989, p.31).

    Segundo a autora Martinelli (2001), as cidades sofreram novas formas de

    transformaes com a implantao das indstrias na organizao social. O sistema

    capitalista estabelece na sociedade outro modo de produo nas relaes sociais,

    sendo essa, atravs da mdia, sobre posse privada de bens, gerando uma ciso [...]

    da ruptura, da explorao da maioria pela minoria, o mundo em que a luta de classe

    se transforma na luta pela vida, na luta pela superao da sociedade burguesa

    (MARTINELLI, 2001, p.54).

    A trajetria do trabalhador deu-se de forma contrria da burguesia, assim que foi

    excludo dos meios de produo, inclusive da terra, acaba sendo obrigado a

    trabalhar de forma assalariada, mesmo contra a sua vontade para prover o sustento

    da sua famlia. Sendo assim, o capital nada mais do que uma relao social, e o

    12

    O exrcito industrial de reserva funciona como regulador do nvel geral de salrios, impedindo que

    se eleve acima do valor de trabalho ou, se possvel e de preferncia, situando-o abaixo desse valor. Outra funo do exrcito industrial de reserva consiste em colocar disposio do capital a mo-de-obra suplementar de que carece nos momentos de brusca expanso produtiva, por motivo de abertura de novos mercados, ingresso na fase do auge do ciclo econmico etc. (MARX, 1996, p. 42).

  • 54

    capitalismo, um modo de produo, caracterizado no somente pela troca, mas

    tambm pelo processo de produo do capital (MARTINELLI, 2001).

    Em suma, podemos afirmar que as relaes de produo capitalista vm se

    desenvolvendo a cada dia, afetando de forma generalizada os setores da vida

    nacional. Com a modernizao e proletarizao, os boia-fria e o exrcito de

    reserva j no beneficiam s a cidade, o urbano expande. Juntos caminham

    tambm a explorao e a misria, transformando-se num espao de lutas de

    classes, onde o solo urbano passa a compor contradio fundamental da questo

    habitacional, limitando as pessoas a terem acesso habitao na cidade (SILVA,

    M., 1989).

    Mediante ao que foi exposto anteriormente sobre o processo de industrializao e

    urbanizao, daremos continuidade ao assunto, discorrendo sobre a poltica de

    habitao e identificando a realidade brasileira, que vive as consequncias da

    chamada globalizao da economia.

    2.3.2 Poltica Habitacional Historicamente sabemos que o crescimento e a formao dos espaos urbanos no

    Brasil esto agregados a uma srie de acontecimentos, dentre eles, a abolio da

    escravido, chegando ao ponto da expulso de milhares de negros do campo para a

    cidade. Esses, entre outros fatores, contriburam para o crescimento populacional

    nas cidades, que em consequncia demandou a construo de moradias, de

    transportes e de servios urbanos, at ento nada habitual (MARICATO, 2010).

    Devido ao desenvolvimento da indstria, o governo passa a dar mais ateno

    infraestrutura urbana atravs de investimentos, a fim de favorecer o

    desenvolvimento industrial e substituir as importaes. Contrariamente, o governo

    no tinha a inteno de construo de moradia, essa responsabilidade era

    repassada para a iniciativa privada que, por sua vez, tinha o objetivo de construir

    casas para locao (BONDUKI, 1994).

    A produo da moradia operria no perodo de implantao e consolidao das relaes de produo capitalistas e de criao do mercado de trabalho livre, que corresponde aos primrdios do regime republicano, era uma atividade exercida pela iniciativa privada, objetivando basicamente a obteno de rendimentos pelo investimento na construo ou aquisio de casas de aluguel (BONDUKI, 1994).

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    Sendo assim, o aluguel se tornava negcio rentvel para os empresrios, com a

    intensificao da imigrao para a cidade. O aumento populacional demandava mais

    investimentos nas construes de moradias, que era cada vez mais expressiva.

    Esse processo de construo tinha o intuito de garantir a per