a palavra pintada

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  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    1/59

    TOM WOLF

    Palavra

    Pintada

    Tradução

    e

    Lia lverg

    a

    yl

    er

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    2/59

    Título original: The Painted Word

    ISBN - 85-254-0140.4

    (ISBN - 0.374-22878-7)

    capa

    Caules

    revisão:

    Suely Bastos, Manfredo Rotermund, Maria Clara Frantz .

    W853p Wolfe, Tom

    A palavra pintada Tom Wolfe; tradução de Lia Alverga

    Wyler. - Porto Alegre: L PM , 1987.

    120

    p.

    : il.; 21cm.

    I. Artes plásticas - Estados Unidos - Pe r

    íodo

    contem

    porâneo. I. Título.

    CDD 735.2973

    CDU 73(73) 19

    Catalogação elaborada por Izabel A. Merlo, CRB 10/329.

    Copyright © Tom W

    ol

    fe, 1975.

    o é permitida a reprodução total ou parcial desta obra sem prévia auto

    r l 7 , t ~ ç ã o da Editora.

    lntlos os direitos desta edição reservados

    à

    L PM Editores S/

    A.

    l

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    3/59

    APALAVRA PINTADA

    Mais uma correnteza cor-de-caldo-de-mariscos

    começara a me envolver, tão morna e predizível

    quanto

    a

    corrente

    do

    Golfo

    ..

    uma

    crítica

    do

    decano

    das artes do Times,

    Hilton

    Kramer, sobre uma

    expo

    sição de

    "Sete Realistas"

    na Yale University,

    sete

    pintores

    realistas ..

    quando

    fui

    abruptamente sacudi-

    do pela seguinte afirmação:

    "O

    realismo

    não carece de adeptos, mas carece,

    visivelmente, de

    uma

    t

    eoria convincente.

    E

    dada

    a

    natureza

    do nosso intercâmbio intelectua

    l

    com

    as

    obras de arte, carecer de uma

    t

    eoria convincente

    é

    carece

    r de algo crucial - o

    meio

    pelo qual

    a

    noss a

    exper

    i

    ência

    de obras individuais

    se

    soma

    à nossa

    compreensão

    dos

    valores

    que

    elas

    simbolizam".

    Ora, você

    pode

    dize

    r,

    Meu Deus,

    homem

    Foi

    isso

    que

    o sacudiu? Você renunciou

    ao seu coma

    beatífico por

    causa de

    uma

    simpl

    es marola

    num

    oceano de palavras?

    Mas

    eu

    sabia o

    que tinha diante dos

    olhos.

    Percebi

    qu

    e, sem fazer o

    menor

    esforço,

    me deparava

    com uma daquelas afirmações

    pela

    qual os

    psicanalis

    tas

    e

    os funcionários do

    D

    epartamento de Estado

    ,

    que monitoram

    a

    impr

    ensa de Moscou e

    de

    Belgrado,

    estã

    o

    dispostos

    a

    suportar uma

    vida

    inteira

    de

    tédio:

    ou

    seja, a

    obiter dieta

    aparentemente

    inócua, as

    palavras

    ditas casualmente que

    entregam

    todo

    o

    jogo.

    O

    que

    via

    diante

    de mim

    era

    o

    crítico-chefe do

    The New

    York

    Times

    dizendo:

    na

    observação

    de

    uma

    pintura, hoj e,

    "carecer

    de

    uma

    t

    eo

    ria convin-

    6

    A p l vr pintada

    cente

    é

    carecer

    de algo crucial". Tornei a ler. Não

    dizia é

    "algo

    desej.ável" ou "que

    enri

    quece"

    ou

    mesmo "

    extremament

    e

    valioso"

    . Não, a palavra e

    ra

    crucial.

    Em

    suma: francam

    e

    nte, nos

    dias

    que correm,

    sem

    uma

    teoria

    para

    endossá-la,

    é

    impossível

    ver

    uma pintura.

    Ali e

    então,

    tive

    um

    vislumbre

    conhecido como

    fenômeno ha  

    E a vida

    oculta da

    arte

    contemporâ

    nea

    se revelou a

    mim

    pela

    primeira

    vez. As

    brumas

    se

    dispersaram

    As

    nuven

    s passaram Os argueiros , as

    esca

    mas,

    a

    vermelhidão

    da

    con

    juntiva, as

    agonias do

    Murine

    de

    sa

    par

    ece

    ram

    Todos

    esses

    anos, eu e,

    sem dúvida, i

    ncontáveis

    almas

    afins,

    nos

    dirigimos às

    ga

    lerias de

    Upper

    Madi

    son e Lower

    Soho

    e à Art

    Gilda

    Midway na rua

    Cinqüenta

    e Sete, aos

    museus

    Modem

    Art, Whitney

    ,

    Guggenhe

    im, Bastard Bauhaus, New Brutalist,

    Foun

    tainhead

    Baroqu

    e, às mais despretensiosas

    igrejas e

    aos magníficos templos do Modernismo

    .

    Todos

    esses

    anos eu,

    e

    tantos outros, paramos diante

    de mil, dois

    mil, Deus-sabe-q

    uanto

    s

    milhares

    de

    Pollocks, De

    Koonings, Newmans,

    Nolands

    ,

    Rothkos, Rauschen

    bergs,

    Judd

    s,

    Johnses

    , Olitskis, Louises, Stills,

    Fran

    z

    Klines,

    Frankenthalers,

    Kellys e

    Frank

    Stellas,

    ora

    apertando

    os olhos,

    ora

    arregalando-os,

    ora nos

    afas

    tando, ora

    nos

    aproximando

    -

    esperando, esperan

    do

    , s

    emp

    re esperando

    . .

    ele .. ele entrar

    em

    fo

    co,

    ou

    Marca de colírio vend ido nos Estados Unidos. (N. d T.)

    7

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    4/59

    A PALAVRA PINTADA

    seja, esperando o prêmio visual

    (por tanto

    esforço)

    que devia estar ali, que todos (tout

    e

    monde sabia_m

    estar ali - esperando que algo se irradiasse direta

    mente das pinturas presas ãquelas paredes invariavel

    mente alvíssimas, naquela sala, naquele momento,

    para o meu quiasma ótico. Todos esses anos, em

    suma, eu presumira que em arte, ao menos, ver é

    crer. Ora omo fui míope Agora, finalmente, em

    28 de abril de 1974, era capaz de ver. Entende ra a

    frase ãs avessas o

    tempo

    todo. Não era "ver é crer",

    seu bobalhão, mas "crer

    é

    ver", pois a Arte Moderna

    se tornou inteiramente literária:

    as pinturas e outras

    ob

    ra

    s só existem para ilustrar o texto.

    Como todas as revelações súbitas, esta

    me

    dei

    xou aturdido. Como

    pode

    ria ser isso? Como poderia

    a Arte Moderna ser literária? Todo estudan te de

    história da arte aprende que o movimento modernis

    ta

    co

    meçou,

    por

    volta de 1900, com total rejeição da

    natureza literária da arte acadêmica, ou seja, do t ipo

    de arte realista que se o

    ri

    ginou na Renascença e que

    as várias academ ias nacionais ainda acatavam como a

    última palavra.

    Literário

    tornou-se a palavra-chave para

    tudo

    que parecia irremediavelmente retrógrado na

    Arte

    Realista. provável que originalmente se referisse

    ao gosto dos pintores do século X

    IX

    pela pintura de

    cenas t iradas diretame

    nte

    da lit eratura, como por

    exemplo a interpretação de Sir John Everett Millais

    da noiva de Hamlet, Ofélia, flutuando morta (de

    8

    Kunstmuseum, em Berna. Coleção Hermann e Margrit Rupf.

    Maisons a / Estaque (Casas em Estaque), de Georges Braque,

    1908. Nro

    sa o

    bem casas, explicou Braque ; mas um certo

    arranjo

    de

    cores e formas numa tela. ( Cubinhos'', disse

    Matisse

    ao

    crítico Louis Vauxcelles, que denominou o novo

    estilo de Braque Cubismo , considerando o termo um acha

    do.) A Teoria começa aqui.

    9

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    A PALAVRA

    PINTADA

    costas), com um

    ramo

    de flores silvestres nas mãos

    hirtas. Com o passar do

    tempo

    , literário passou a

    definir a pintura realista em geral. A idéia era que

    metad

    e da força da pintura realista não advém do

    artista

    mas

    dos sentimentos que o observador trans

    porta para

    a tela,

    como uma

    bagagem

    mental. De

    acordo

    com esta teoria, a apreciação do

    público que

    freqüenta

    museus, digamos,

    por Le Semeur

    (O

    Semeador), de Jean

    Fran

    çois Millet,

    pouco tem

    a ver

    com o

    talento

    de Millet,

    ma

    s

    tem tudo

    a ver

    com as

    id

    éias

    sentimentais

    das

    pessoas sobre

    O obusto

    Fazendeiro. Elas inventam

    uma

    historinha sob re .o

    personagem.

    Qual era o

    oposto

    da

    pintura

    literária? Ora, l'art

    pour /'art,

    a forma

    pe

    la

    forma

    , a cor pela cor. Na

    Europa, antes de 1914,

    os

    artistas inventavam estilos

    modernos

    com fanática energia - Fauvismo, Futuris-

    mo, Cubismo, Expressionismo, Orfismo, Suprematis

    mo,

    Vorti

    cismo - mas

    todos

    partilhavam a mesma

    premissa: doravante, ninguém pinta

    sobre

    alguma

    coisa, querida tia", eu diria,

    me apropriando da

    legenda

    de

    uma famosa

    caricatura na Punch. Pinta-se

    simplesmente. A arte deve deixar de ser

    um

    espelho

    que reflete o

    homem ou

    a

    natur

    ez

    a.

    Uma

    pintura

    deve for çar o observa

    dor

    a vê-la pelo

    que é:

    um

    determinado

    arranjo

    de cores

    e formas

    numa

    tela.

    Os

    artistas se

    empenha

    ram com energia na

    tarefa

    de teorizar.

    Na ve

    rdade, até gostaram dela. Georges

    Braque, o pintor cuja

    obra cunhou

    a palavra Cubis

    mo,

    era

    um grande formulador de p receitos:

    10

    palavra

    pint d

    O

    pintor pensa

    em

    formas e cores. O objetivo

    não é reconstituir um fato anedótico, mas constituir

    um fato pictórico".

    Hoje, essa idéia, esse protesto - pois era um

    prot

    es

    to

    quando

    Br

    aque

    o disse -

    torn

    ou-se

    uma

    afirmação

    ortodoxa.

    Os artistas a repetem infinita

    mente

    , com convicção.

    Quando

    o

    movimento de

    Arte Minimalista foi reconhecido, em 1966,

    Frank

    Stella

    tornava

    a repeti-la.

    "Minha pintura baseia-se no

    fat

    o

    de que apenas

    o

    que

    se

    pode

    ver nela está nela. na realid

    ade

    um

    objeto

    .. O

    que

    se

    é o

    que

    se vê".

    Tanta

    ênfase,

    tanta

    certeza Que pressão -

    que

    devoção uma idéia

    pode

    gerar em setenta e cinco

    anos De qualquer

    modo

    , foi assim que

    começou

    a

    Arte Moderna na Teoria da Arte. Braque

    como

    Frank

    Stella, adorava teorizar; mas para Braque,

    que

    era

    um

    boêmio de

    Montmartr

    e

    do

    tipo primitivo, a

    ar t

    e vinha em primeiro lugar. Pode estar certo de

    que

    o

    coitado

    jamais

    sonhou

    que, no curso

    de

    sua exis

    tência, essa ordem seria invertida.

    11

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    6/59

     

    d nç p che

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    7/59

    T

    dos

    os principais movimentos modernos

    à

    exceção do Stijl  Dadaísmo  Construtivismo e

    Surrealismo começaram antes da Primeira Guerra

    Mundial e no

    entanto

    parecem

    ter

    surgido na déca

    da de 20. Por quê?

    Porqu

    e foi na década de 20 que a

    Arte Moderna se tornou socialmente chique em Paris 

    Londres Berlim e Nova Iorque. As pessoas elegantes

    conversavam e escreviam sobre ela entusiasmavam-se

    com ela e se inspiravam nela. Como digo se inspira

    vam nela; a Arte Moderna obteve a definit iva aceita

    ção social: os decoradores de interiores a copiavam

    em Belgrávia e no 16eme arrondissement.

    Especialistas em imitações dinheiro pu blicida

    de grã-finos e e

    hie

    não devem ser levados em

    conta

    na histór ia da arte   todos sabemos disso -

    mas graças aos próprios artist as eles são. t u l m

    S

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    APALAVRA PINTADA

    te a arte e a moda são um monstro de duas faces; os

    artistas podem bradar

    contra

    a moda,

    mas

    não po

    dem se distanciar dela. E a coisa se passou assim:

    Por volta de 1900 o cenário do artista - o

    espaço em que ele busca a honra, a glória, o confor-

    to

    , o Sucesso - mudara du

    as

    vezes. Na Europa do

    século XVII o artista era, literal e psicologicamente,

    o hóspede da aristocrac

    ia

    e da corte real (exceto na

    Holanda); belas-artes e arte palaciana eram uma coisa

    só. No século XVIII o cenário transportou-se para os

    salons nas casas da burguesia abastada e da no breza

    onde os membros da elit e social

    am

    antes da Cultuta

    se reuniam regularmente com artistas e escritores

    se

    letos. O artista ainda era o Cavalheiro e não o

    Gênio. Depois da Revolução Francesa,

    os

    artistas

    começaram a abandonar os

    sa/ons

    e a se filia r aos

    cénac/es

    que eram fraternidades de almas af

    ins

    que

    se reuniam em algum lugar como o Café Guerbois

    ao invés de fazê-lo numa casa de cidade; em torno de

    alguma figura romântica, de um artista, e não de um

    grã-fino, alguém como

    Victor

    Hugo, Charles Nodier,

    Théophile Gautier, ou, mais tarde, Edouard Manet.

    O que mant inha os cénacles coesos era aquele alegre

    esp írito de luta que

    todos

    chegamos a conhecer e a

    amar: épat

      z l

    bourgeoisie choquem a classe média.

    Principalmente com o cénacle de Gautier ... seus

    coletes vermelhos, echarpes n

    eg

    ras, chapéus doidos,

    pr

    onunciamentos extravagantes, sedes exage

    ra

    das e

    apetites vorazes... o retrato moderno do Artista

    começou a se delinear : o espírito pob re porém livre,

    16

    d nç

    p che

    o plebeu que aspira a não pertencer a classe alguma,

    a se libe

    rtar

    para sempre das peias da burguesia ambi

    ciosa e hipócrita, a ser o que burgueses obesos mais

    temiam, a ultrapassar quaisquer limites

    qu

    e estes

    estabelecessem, a

    olha

    r o mundo de uma forma que

    eles não conseguissem ver andar alto, viver

    mo

    desta

    men

    te, ma

    nt

    er-se sempre jovem - em suma, ser o

    boêmio.

    Por volta de 1900 e da era de Picasso, Braque

    Cia., o jogo moderno do Sucesso na Arte estava

    bem definido. Como pintor ou escultor o artista

    produziria obras que intrigassem ou subvertessem a

    confortável visão burguesa da realidade. Como indi

    víduo - bem, isso já era mais complicado. Boêmio, o

    a

    rt i

    st a agora deixava

    os

    salons da elite social - mas

    não deixa

    va

    o

    mundo

    dela. Para fugir da burguesia,

    nada melhor do que

    ju

    ntar as tintas e a palheta e

    rumar para o Taiti, ou a Bretanha, que foi a primeira

    parada de Gauguin. Mas, quem mais chegou ã Breta

    nha? Ninguém. Os outros não foram além das

    co

    linas

    de Montmartre e Montparnasse que ficam onde? -

    ta lvez a uns três

    quilômet

    r

    os

    dos Champs Elysées. O

    mesmo

    ocorre nos Estad

    os

    Unidos: acredite, pode-se

    conseguir todos os t

    ubos

    de

    tinta

    Winsort Newton

    que se quiser em Cincinnati, mas os artistas conti

    nuam mesmo assim a migrar para Nova Iorque ..

    Pode-se vê-los seis dias por semana .. acabando de

    sa ltar do ônibus do aeroporto de Carey, para se

    enfileirar diante do escritório de imóveis da rua

    Broome, vestindo jeans idênticos, botas de borracha

    17

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    9/59

    APALA

    VRA PINTADA

    e

    jaq

    ue

    ta

    s acolcho

    ad

    as ..

    â procura

      é claro

    da

    inevi

    tável água-furtada ..

    Não por alguma

    razão

    o artista queria fica r a

    uma

    distância que pudesse

    cobrir

    a pé .. Instalava-se

    logo ali

    na

    esquina pe r to

    de

    ..

    e

    monde a esfera

    social

    tão

    bem descrita

    por

    Balzac o

    ambiente

    daque

    les que consid

    eram importante

    estar na moda

    a órbita

    daqu

    eles

    aristocratas

      burgueses

    ricos

      edi to

    res escritores

    jorna

    lis

    tas

      empresários

    atores, que

    querem estar onde acon

    t ecem as coisas o mundo

    glamo

    ur

    oso em

    bora

    exígUo daquela inv

    enção da

    metrópole

    do

    século X

    IX  t ut le monde. T0do

    Mundo, como

    n frase Todo

    mundo

    diz .. O

    mu

    nd

    o elegante

    nu

    ma palavra ..

    elegante , com

    as

    suas

    nuan

    ças de cu

    ltur

    a e

    cin

    ismo.

    O artista ambicioso o artista

    qu

    e

    almejava

    o

    Sucesso agora

    tinha

    que se dividir psicologicament e.

    Cons

    cient

    emente devia se dedicar aos valores anti

    burgueses dos cénacles quaisquer

    qu

    e fossem â

    boêmia,

    à vida de Bl

    oo

    msbur

    y,

    â vida

    da margem

    esquerda do Sena à vida

    das

    águas-fur

    tadas de

    Lo

    wer Br

    oadway,

    à sordidez sagrada que isso tu do

    representava, à silhueta negra e lúgubre

    da

    rota de

    cam

    inhões

    de Lower M

    anhattan

    que à

    ho

    ra

    que

    a

    pessoa se levanta

    para

    tomar café já

    depositou

    un s

    t rês milím et

    ros de

    fuligem nos cadáveres das bar

    atas

    que

    mo rr

    er

    am en

    ve

    nen

    adas sobre

    a

    chapa

    de fogarei

    ro

    elét rico... E

    o parava

    aí, tinha que

    se

    dedicar

    ao

    cap

    ri

    ch

    oso

    deus Avant

    -Gar

    de. Tinha que manter

    um

    ol

    ho

    reverente

    e

    atento no

    fio

    da

    lâmina

    na po

    n

    ta

    de

    8

    Acabando de

    saltar do

    ônibus

    do

    aeroporto

    de

    Carey  

    à

    procura de águas-fu rtadas.

    19

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    10/59

    A PALAVRA PINTADA

    lança da mais recente investida da revolução vanguar

    dista do século neste outono .. tudo isso para chegar

    lá, para ser notado, para ser considerado na comuni

    dade dos próprios artistas. E mais, tinha que ser

    sincero nos seus esforços. Ao mesmo tempo, tinha

    que manter o ou tro olho alerta para ver se alguém

    em le monde estava observando. Será que já repara

    ram em

    mim

    ?

    Será que ao menos já repararam no

    novo

    es

    tilo

    (em que eu e meus amigos estamos

    trabalhando)? Será que nem ao menos

    conhecem

    o

    Tensionismo

    (ou Arte-Fatiada ou Niho ou Interioris

    mo

    ou Dimensionalismo ou que seja)? (Ei, vo·cês

    aí)

    .. porque, como

    todo

    artista sabia

    no

    recôndito

    do ín

    timo, não importava quantas vezes procurasse

    fech

    ar

    os olhos e fingir que

    não

    era assim

    (História

    História - onde

    es

    tá o seu bálsamo?) o Su cesso só

    era real

    quando

    era um sucesso em t e monde.

    Ele podia fechar os olhos e ten tar acreditar que

    o que importava era que ele sabia que seu

    tra

    baJho

    era maravilhoso .. e que

    os outros

    artistas o

    re

    speita

    va

    m... e que, sem dúvida, a História registraria as

    suas realizações .. mas, bem no fundo , ele sabia que

    estava

    m e n t

    para si mesmo.

    Quero ser

    um

    No

    m

    e

    diab

    os

    -

    ao menos isso, um nome, um nome

    na boca dos curadores de museus, donos de galerias,

    colecionadores, patronos, membros de conselhos,

    membros de comitês, anfitriãs da cultura, seu séqui

    to de intelectuais e jornalistas e as suas Time e

    Newsweek - tudo bem -

    até

    isso - a Time e a

    Newsweek - Ah, sim (pergunte às sombras de

    20

    A dança

    apache

    J

    ac

    kson Pollock e Mark Rothko ) - até

    os

    malditos

    jornalistas

    Na década de 60 , todo esse processo pelo qual /e

    monde, os culturati, faziam o reconhecimento da

    boémia e descobriam o jovem artista para o Sucesso

    funcionava da forma mais gráfica possível. No início

    de cada primavera, dois emissários do Museum of

    Modern Art, Alfred Barr e Dorothy Miller, saíam do

    museu em direção à rua Cinqüenta e Três Oeste, à

    praça de Saint Mark, à Litt le Italy, à rua Broome e

    visitavam as águas-furtadas dos artistas conhecidos e

    desconhecidos, examinando tudo, conversando com

    to

    d

    os

    , procurando descobrir o que havia de novo e

    expressivo, a fim de

    mon

    tar uma exposição no

    ou

    tono..

    . e, b

    om,

    quero dizer, meu Deus - no

    instante em que os dois punham os pés na

    rua

    Cinqüenta e Três para apanhar um táxi, uma espécie

    de

    radar boémio começava a r eg istrar a sua inves-

    tida .. Eles estão chegando ... E se ouvia reboar

    por

    Lower Manhattan, como a Pulsação Cósmica dos

    teosofistas, um coração

    batendo em

    uníssono:

    Escolha a mim escolha a mim escolha a mim

    escolha a mim escolha a mim escolha a mim escolha

    a

    mim

    ..

    Ah, maldita

    Uptown "'

    Negue isso, a todo custo, se lhe perguntarem O

    que a pessoa sente no coração mentiroso e o que a

    pessoa diz são duas coisas diferentes

    ptown designa a área de Nova Iorque, topog1aficamentc mais

    elevada,

    em

    que

    se

    encontram as residências elegantes, os museus e as

    galerias de arte, quase em

    contrapo sição a Dowtown ou Lower

    Ma

    nhattan, onde moram mui

    tos

    artistas jovens. (N. do T.)

    21

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    11/59

    A

    ança

    Boêmw, de Gustave Doré.

    22

    A dança apache

    Assim foi

    que

    o

    ritual

    de acasalamento da arte

    se desenvolv

    eu no início

    do século - em Paris 

    Roma

      Londres Berlim  Munique Viena e

    pouco

    tempo depois Nova Iorque. Conforme acabamos de

    ver o ritual tem duas etapas:

    I

    A Dança Boêmia em

    que

    o artista mostra o

    seu trabalho nos círculos coteries, movimentos nos

    ismos de seu bairro na boêmia em si  como

    se

    nada

    mais lhe importasse; como se na realidade estivesse

    armado

    com

    uma

    faca

    entre

    os

    den

    tes para atacar o

    mundo

    elegante de

    Uptown.

    2

    A Consumação

    em que os

    culturati daquele

    mesmo mundo, le monde

    fazem o reconhecimento

    dos

    vários movimentos novos e artistas novos da

    boêmia selecionam aqueles

    que

    parecem mais esti

    mulantes  originais importantes por quaisquer pa·

    drões - e os cumulam de

    todos

    os prêmios da fama.

    Na altura da Primeira Guerra Mundial  o proces

    so

    era o que nos cabarés parisienses da época se

    conhecia como dança apache. O artista era a mulher

    no número de dança

    batendo

    os pés ora desafiando

    ora fingindo indiferença resistindo às tentativas de

    aproximação de seu perseguidor com absoluto des-

    prezo

    .. muita agitação

    de

    braços e pernas ..

    muita

    fúria ... muitos gritos e fingimentos ..

    até que

      final-

    mente,

    com um último e poderoso berro maravilho

    samente ambíguo-

    dor êxtase ela se

    submete

    ..

    Paf paf paf paf paf

    ..

    Como

    conseguiu rapa

    z

    ... e as

    luzes

    da

    casa se acendem e Todos tout le monde,

    aplaudem

    ..

    23

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    12/59

    APALAVRA

    PINTADA

    O lucro do artista neste ritual é bastante óbvio.

    Ele vai fazer jus exatamente ao que Freud diz serem

    os objetivos do artista : fama, dinheiro e belas aman

    tes. le monde, os culturati, os membros sociais do

    número de dança? O que ganham com isso? Parte de

    sua recompensa é privar

    do

    status

    antigo e semi-sa

    grado

    de

    Benfeitor das Artes. As artes sempre foram

    a po

    rta

    de entrada da sociedade, e nas maiores

    cidades de hoje as artes - os conselhos dos museus,

    os

    conselhos de artes,

    as

    campanhas para angariar

    fundo s

    as

    inaugurações,

    as

    fes tas, as reuniões dos

    comitês

    - substituíram inteiramente as igrejas nesse

    particular.

    Mas

    ainda há mais

    Hoje há uma recompensa caracteristicamente

    moderna

    que o artista

    avant-garde

    pode

    oferecer ao

    seu benfeitor: ou seja, a sensação de que ele, a

    e

    xemplo

    de seu companheiro artista, está desvincu

    lado e distante da burguesia, da classe média... a

    sensação de que ele pode ser oriundo da classe

    média, mas

    não se encontra

    nela ...

    a sensação

    de

    que

    é um camarada·soldado, ou ao

    menos

    um aju

    dante-de-o rdens ou um guerrilheiro-honorário na

    marcha da vanguarda pela terra dos filisteus. Essa

    é

    uma necessidade peculiarmente moderna e

    uma

    re

    denção peculiarmente moderna (do pecado do Ex

    cesso de Dinheiro) e algo bastante comum entre as

    pessoas ricas em

    todo

    o Ocidente, tanto em Roma e

    Milão quanto em Nova Iorque. É

    por

    isso que

    co

    lecionar arte contemporânea, a última investida da

    vanguarda, a última inovação, mal saída das águas-

      4

    A

    d nç p che

    furtadas, atrai especificamente aqueles que se sentem

    mais

    co

    nstrangidos com a própria riqueza comer

    cial... Estão vendo? Não sou igual a

    eles

    - aqueles

    rotarianos , aqueles conselheiros de fundações,

    aqueles jovens executivos, aqueles parasitas de mesa

    de

    bar,

    broncos,

    goyisheh,

    caras de

    suíno,

    gravatas

    de listras, que-ótimo-te-encontrar-seu-sacana, do

    New York Athletic Club .. A arte

    avant-garde,

    mais

    que

    qualquer

    outra,

    elimina o Mamon e o Moloch do

    dinheiro, adota jeans, suéter

    de

    gola rolê, e outros

    louros e disfarces da elegância boêmia.

    É

    por

    isso que

    os

    colecionadores de hoje não só

    procuram a companhia, mas querem se sobressair

    en tre eles, fazer noitadas e e

    ntrar

    para o círculo ..

    dos artistas que protegem.

    Querem

    galgar aquelas

    escadas vertiginosas que levam às águas-furtadas na

    rua Howard e que sobem cinco lances sem um único

    ângulo ou patamar - direto para o alto  lembrando

    algo tirado de um livro de aná lises de sonhos

    -

    subir

    co

    m o coração ricocheteando nas costelas

    da

    taqui

    cardia produzida principalmente pelo esforço, mas

    também

    pela expectativa

    de

    que logo atrás

    daque

    la

    porta no alto .. naquela água-furtada...

    encon

    tra-se

    a

    coisa verdadeira...

    pinturas, esculturas, que indiscu

    ti

    velmente fazem parte do novo movimento, da nova

    école,

    da nova onda... algo não depreciável, pura

    gue

    rrilha , â prova de burguesia.

    25

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    13/59

     

    O público não está

    convidado

    e

    nunca

    esteve)

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    14/59

    A

    ora podemos começar a compreender

    por

    que, apesar dos modernistas, Braque

    Cia.

    terem completado quase todas as suas inovações esti

    lísticas antes da Primeira Guerra Mundial, a Arte

    Moderna parece pertencer

    ao

    período

    pós-guerra.

    Simplesmente por

    que

    a Dança Boêmia realizou-se

    antes da guerra e a Consumação, depois dela. Não se

    trata

    do

    que comumente se descreve como lapso en

    tre

    as

    descobertas do artista e a aceitação do pú

    blico . Público? O público não desempenha qual

    quer papel nesse processo. O público não es tá convi

    dado (recebe uma part icipação impressa depois).

    Le monde os cu turati são tão pouco parte do

    público , da massa, da classe média com o são os

    artistas. Se fosse possível preparar um daqueles ma

    ravilhosos diagramas sociométricos, que os sociólo

    29

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    15/59

    A PALAVRA PINTADA

    gos tentaram aperfeiçoar na década de 50,

    traçando

    num

    mapa

    o ro t eiro diário das pessoas-chave de uma

    co munid

    ade

    - uma linha azul pa ra o

    lí d

    er da comu

    nidade A aqui, uma vermelha para o líder B, uma

    verde para o

    líd

    er C, um tracejado cas

    tanh

    o para o

    bu rocrata

    Y,

    e assim

    po

    r diante - em

    que

    as linhas

    começam a

    se

    deslocar e a

    se

    in t

    erce

    ptar aqui

    e ali

    como

    um painel Sony enlouquec

    ido

    - se fosse

    possível preparar um diagrama desses para o

    mund

    o

    da

    arte

    ,

    co

    ns

    tatar

    íamos

    que

    ele é fo

    rmado

    al

    ém

    de

    artistas)

    por

    uns

    750

    cultur em

    Roma

    , 500 em

    Milão,

    1.750

    em Par is,

    1.250

    em Londres,

    2.000

    em

    Berlim, Munique e Dusseldor f, 3.000

    em

    Nova Ior

    que, e ta lvez uns 1.000 espalhados pelo resto do

    mu n

    do

    conh

    ecido. Isto é o

    mundo

    da

    ar t

    e

    I 0.000

    almas ap roximadamente -uma mera aldeia - , res-

    trito a

    les be ux mondes

    de

    oito

    cidades.

    A id

    éi

    a de que o público aceita

    ou

    rejeita

    q

    ualquer

    coisa em Arte M

    od e

    rna, a idé

    ia

    de

    que

    o

    público escarnece, desp reza, não consegue com

    pr

    ee

    nder, deixa es

    mo r

    ece r, aniqu

    il

    a,

    ou

    com ete qua l

    que

    r

    outro

    crime c

    ontra

    a Arte

    ou

    artista isolada

    mente

    é

    ap

    enas uma ficção romântica, um

    sentimen

    to

    agridoce. O

    jogo termi

    na e os

    tr

    oféus são distri

    buídos

    antes de

    o público saber o que

    acont

    eceu. O

    público

    que

    com pra livros

    em

    br

    oc

    huras e encader

    nações ao s milhões, o público

    que

    compra discos aos

    bilhões e lota os estádios para assist ir a concertos, o

    público que gasta 100 milh

    ões

    de dólares em um

    ún

    i

    co filme - esse público influencia o gosto, a teor ia e a

    30

    Ainda sou

    v

    irgem.

    (Cadê

    o champanha?)

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    16/59

    APALAVRA P

    INTADA

    perspectiva artíst ica na

    li t

    eratura, na música e no

    t

    eatro,

    embora haja elites palacianas que se aferram

    um tanto desesperadamente a cada uma dessas áreas.

    O mesmo nunca foi verdadeiro com relação

    à

    arte. O

    público cujos números gloriosos são registrados nos

    relatórios anuais dos museus, todos aqueles

    estudan

    tes e ônibus de turistas e mamães e papais e intelec

    tuais fortu itos .. são apenas turistas, colecionadores

    de autógrafos, basbaques, espectadores de desfiles,

    quando se trata do jogo do Sucesso na Arte O

    público se dep ara com um fait

    accompli

    e a já mencio

    nada participação, em geral sob a forma de um artigo

    ou fotos coloridas nas últimas páginas do

    Tim

    e Uma

    participação, como digo. Nem mesmo os mais pode

    rosos órgãos de imprensa, incluindo a Ti

    me

    a News

    week  e The New York Tim es  são capazes de desco

    brir um novo artista ou avalizar o seu mérito e fazer

    com que alguém acredite. El es só podem veicular a

    notícia,

    dizer quais os ar tistas que a aldeia

    beau 

    a

    Cultureburg, descobr iu e avalizou. Só

    podem

    infor

    mar os resultados.

    Podemos agora começar também a per

    ceber

    que

    a Arte Mod-erna recebeu todas as glórias da etapa de

    Consumação depois da Primeira Guerra Mundial, não

    porque tenha sido "finalmente compreendida ou

    ''finalmente apre·ciada", mas porque umas poucas

    pes loas elegantes descobriram

    usos pessoais

    para ela.

    Foi depois da Primeira Guerra Mundial que as pala

    vras moderno e

    modernista

    entraram para o léxico

    como

    adjetivos estimulantes (algo como agora 

    em

    a

    32

    O

    público não está convidado

    Geração

    do

    Agora

    na década de 60). P

    or

    volta de

    1920, em

    /e monde

    ser elegante era se r

    moderno

    e a

    Arte M

    oderna

    e o novo espírito da avant-garde

    estavam em perfeita ha rmonia

    com

    a moda. Picasso é

    uma boa ilustração. Picasso não começou a se t

    ornar

    Pi

    casso no mundo da

    arte ou

    na imprensa, até quase

    os

    quaren

    ta anos, quando pintou o cenário para o

    balé russo de Diaghilev em 1918, em Londres. Dia

    ghilev Cia. foram um extraordinário

    succes de

    scandale

    na Londres elegante. Os rodopios alucina

    dos de Nijinsky, os trajes fantásti  os era tudo tão

    deliciosamente moderno que faltavam palavras para

    descrever. Os cenários modernistas pintados por Pi

    casso, André Derain, e (mais t arde) Matisse faziam

    parte da agitação, e le mon e adorava isso.

    A

    Ar t

    e ,

    nas palavras de Osbert Lancaster, "vinha mais

    uma v

    ez

    se aninhar e

    ntr

    e as duquesas."

    Picasso, que já vivera na lendária água-furtada

    sem luz elétrica e pintava à noite com um pincel

    numa mão e uma vela na outra - Picasso agora se

    hospedava no Savoy, tinha roupas feitas

    em

    Bond

    Street e adjacências (inclusive uma casaca), compare

    cia a todas

    as

    melhores festas (e

    as

    festas nunca

    estiveram melhores), apresentava suas pinturas em

    mostras muito bem

    pr

    omovidas e tornava-se uma

    celebridade no mundo social - o qu e continuou

    sendo, apesar das H

    is

    tórias sobre o Recluso Envelhe

    cido, até os setenta anos.

    De volta a Paris, o novo Picasso apareceu no

    teatro

    com

    suas luvas de pelica, bengalas,

    carto

    las,

    33

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    17/59

    Pablo Picasso

    34

    público não stá convidado

    pelerines e trajes formais, cujos forros proporciona

    vam vislumbres sedosos t odas as vezes que ele se vol

    tava no saguão para conversar com um

    dos

    seus in

    fernais amigos novos .. O nosso velho amigo Bra

    que

    sacudia a cabeça

    tristemente

    .. Pelo menos Derain ti

    vera a decência de se

    contentar

    com um

    terno de

    sar

    ja

    azul quando

    ele

    era aclamado

    em

    Londres, e se

    a-

    pegara à companhia de boêmios locais nas horas

    de

    folga...

    Mas

    Picasso - Braque era

    como

    aquele incor

    ruptível

    membro do Cénacle de la rue des Quatre

    Vents, Daniel D'Arthez, contemplando a decadência

    de Lucien Chardon nas ilusões Perdidas de Balzac.

    Com um suspiro Braque esperava pelo colapso imi

    nente

    do velho

    companheiro

    Pablo,

    como

    pinto

    r e

    como

    ser humano .. Ao invés disso, aconteceu a coi

    sa mais incrível Picasso continuava sua ascensão pa

    ra

    o Eldorado, para

    uma

    excepcional riqueza e para

    muito

    mais, para a condição santificada

    de Picasso

    para o

    ponto

    em que,

    por

    volta de 1950, era conhe

    cido

    em

    todos

    os

    níveis de opinião, desde a

    rt

    News

    até o

    Daily News como

    o

    pintor

    do século

    XX. Quanto a Derain, com seu

    terno

    de sarja azul, e

    Braque, com seus escrúpulos - os dois ve lhotes, qua

    se com a mesma idade de Picasso, isto é, uns setenta

    anos, eram lembrados

    em

    1950 principalmente

    por

    terem participado, na platéia, da monumental vitória

    de Picasso.*

    Não queremos incorrer na discussão sobre dife-

     

    A História , a generosa história, melhorou consideravelmente a

    po sição de Braque desde a sua morte em 1963

    5

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    18/59

    APALAVRA PINT

    D

    renças de talento - mas eis aqui uma demonstração

    clássica do arti sta

    que

    sabe se div idir psicologicamen

    te

    en

    tr e a Dança Boémia e a Co nsumação, compara

    do ao artista que se deixa pr

    ender

    para sem

    pr

    e na

    Dança Boêmia. Isto

    é

    um risco sempre presente

    no

    ritual do acasalame

    nto

    artísti

    co. A divisão

    ps

    icológi

    ca

    bem-sucedida exige que o artista seja um

    ator

    sincero e comprome tido com os dois papéis Muitos

    artistas se dedicam tanto aos valores boêmios, inter

    nalizam

    tão

    profundamente os sentime

    nt

    os antibur

    gueses,

    que

    são incapazes de

    se

    livrar, de se soltar,

    com aquele berro

    ca

    tárti

    co o

    r  tase

    paf

    p

    af

    paf paf paf paf -

    e se submet

    er

    graciosamente

    à

    boa

    sor

    te

    o

    ti

    po de artista , e seu nome é Legião , que

    se

    mpre

    comparece âs inaugurações do Museum of

    Modern

    Art

    ,

    que

    exigem traje formal,

    usando

    dinne

    r-

    jackett e calças jeans sujas de tinta .. Ainda sou

    virgem Cadê o champanha?)

    ó

    e

    tout

    Nova orque

    num

    cavalo

    cubista

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    19/59

     

    sim a Arte Moderna conheceu um extrao rdi

    nário impulso na Europa durante a década

    de

    20. E os

    s

    tados Unidos? Um pin

    to r

    , Marsden Har

    t ley, escreveu

    em

    192 1

    que a

    arte nos Estados Uni

    dos é como

    um remédio pa tenteado ou um aspir

    ador

    de

    pó. Não

    pode

    almejar qualquer sucesso

    até

    que

    noventa

    milhões de pessoas saibam do

    que

    se

    trata .

    Quanta

    amargura Na realidade, porém, sua percep

    ção não

    pode

    ria es

    tar

    mais errada. m

    pouco tempo

    a

    Arte

    Moderna era um sucesso nos Estados Unidos

    - assim

    que

    um

    punhad

    inho de gente descobriu do

    que se tratava,

    os 400

    em oposição aos 90 milhões.

    Eram nova-ior

    quino

    s ricos e elegantes, como os

    Rockefellers e

    os

    Goodyears, que viram seus equiva

    len tes em Londres aproveitando o chique e a agita

    ção causada por Picasso, Derain, Matisse e

    todos

    os

    39

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    20/59

    APALAVRA

    PINTADA

    outros do Le Moderne e quiseram impor tá-los para

    si. E o fizeram. A Arte Mod erna chegou nos Estados

    Unidos na década de

    20

    e não desembarcou como

    um comando rebelde, mas como a Standard Oil.

    Por

    volta de 1929 ela já se firmara, institucionalizara  de

    maneira

    ir

    resistível:

    sob

    a forma de

    museu

    , o Mu

    seum

    of

    M

    odern

    Art. Essa catedral da cultura não foi

    bem o filho intelectual dos boêmios visionários. Para

    ser mas preciso, foi

    fundada

    na sala de

    estar

    de John

    D. Rockefeller Jr., na presença dos Goodyears, Blis

    ses e Crowninshields.

    Contra essa moda em e monde

    os críticos

    conservadores de Nova I

    orque

    se sentiram impoten-

    tes. Sua própria base desaparecia. O decano do

    grupo,

    Royal Cortissoz, fez um esforço hercúleo,

    porém. Escrevendo em 1923,

    ã

    época

    do

    debate

    nacional sobre a imigração (que levou à Lei de

    Imigração de 1924), ele comparou a invasão aliení

    gena

    do

    modernismo europeu às hordas subversivas

    de estrangeiros que desembarcavam dos navios. A

    arte

    de

    Ellis lsland , ele a chamava, sem dúvida

    pensando

    que cunhara um rótulo devastador. Ora -

    pode-se bem imaginar  - , como as pessoas riram

    do

    pobre

    sr. Co

    rt i

    ssoz

    por

    causa disso

    Em meados da década de 30, a Arte Mod

    erna já

    era

    tão

    chique que as empresas a desfraldavam como

    uma bandeira para

    mostrar

    que eram atualizadas e

    esclarecidas, que representavam não

    só uma

    força no

    • ilha ,

    no pono de Nova Iorqu

    e,

    onde antig

    amente os

    im

    igrant

    es

    permaneciam de quarentena. (N. da T.)

    4

    "Atrele sua carroça a uma estrela" - Ralph Waldo Emerson.

    41

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    21/59

    APALAVRA PINTADA

    comércio como também

    na cultura. A Dole Pineap

    ple Company enviou Georgia O'Keeffe e Isamu No

    guchi

    ao

    Havaí para registrar suas impressões, e a

    Container Corporation of

    America

    encomendou

    qua

    dros

    abstratos de

    Fernand

    Léger, Henry

    Moor

    e e

    outros. Isto abriu

    caminho

    para a longa

    campanha

    publicitária da

    Contain

    er

    Corporation,

    a série Gran

    des

    Idéias do Homem Ocidental, em que apresentava

    uma

    Grande Id

    éi

    a de alguém ilustre

    no alto da

    página;

    uma

    delas foi

    "'Atrele

    sua carroça a uma

    estrela' - Ralph Waldo Emerson." Sob a frase, a

    pintura de um cavalo

    cubista

    estrangulado por ama

    banana.

    Naturalmente o chique de

    Le

    od

    erne

    lançou

    uma

    pesada carga

    nos ombros da

    teoria. Cada novo

    movimento, cada novo

    ismo

    da Arte

    Mod

    ern

    a era

    uma declaração dos artistas

    de

    que

    possuíam uma

    nova forma de ver

    que

    o resto

    do mundo

    (leia-se: a

    burguesia) não podia compreender.

    "Nós

    compreen

    demos ",

    diziam os

    culturati,

    apartando-se assim do

    r

    ebanho.

    Mas o que

    inna namea

    Cristo

    estavam

    vendo

    esses artistas? Era

    que entrava a teoria.

    Cem

    anos ant

    es, a Teoria da

    Arte

    fora

    apenas

    algo

    que

    enriquecia a conversa das pessoas sobre questões

    culturais. Agora era

    uma

    necessidade absoluta.

    não

    era música de fundo. Era o hormônio essencial

    ao acasalamento ritual. Nós

    só pedimos umas poucas

    linhas de explicação

    Vocês dizem que

    Xícara Cober

    ta de Pele Pires e Colher (Fur-Covered Cup, Saucer

    and Spoon),

    de Meret Oppenheim (a

    piece de résis-

    4

    Nova

    Iorque num cavalo cubista

    tance

    da mostra surrealista do Museum

    of

    Modem

    Art em

    dezembro

    de

    1936), é um

    exemp

    lo

    do

    princípio

    surrealista

    de

    deslocamento? Vocês dizem

    que

    a

    textura

    de um material - a pele - foi

    imposta

    ãs

    formas dos outros

    - porcelana e metal - a fim

    de

    separar

    o oral, o tátil e o visual

    em

    três

    partes

    criticamente

    lesadas

    mas

    pela primeira vez subscons

    cientemente

    ind

    ependente? btimo.

    Colocar em pala

    vras era compreender. Os dadaístas se diziam furio

    sos

    com essa acolhida obscena das próprias pessoas a

    quem vinham atacando.

    "Qualquer

    obra de arte

    que

    possa ser entendida por um jornalista é

    obra

    de um

    jornalista",

    dizia Tristan Tzara em seu manifesto

    Dada. "E daí?", vinha a resposta. ("Seu

    rumeno

    zi

    nho

    infeli

    z.")

    Até

    mesmo uma

    explicação das razões

    por

    qu

    e não se podia aceitar alguma

    coisa

    inclusive

    o

    Dadaísmo

    , era explicação suficiente pa ra aceitá-la.

    No

    entanto,

    a Teoria não

    se tornou

    reconhecida,

    triunfante, transcendente,

    mais

    importante

    do

    que

    a

    pintura

    e a escultura em si,

    até

    depois

    da

    Segunda

    Guerra

    Mundial. A Teoria, esse carro de primeira

    classe

    no

    Trem de Carga da

    Hi

    stó ria (para usar

    uma

    frase

    da

    época), foi atrasada

    por uma pequena

    ques

    tão

    que raramente aparece nas histórias da

    arte

    atuais,

    como

    se

    por obra

    daquilo

    que os

    freudianos

    chamam

    de "amnésia da infância".

    Durante

    mais de

    dez anos, de 1930 a 1941 aproximadamente,

    os

    próprios

    artistas na Europa e na América, interrom

    peram o Movimento Moderno ..

    como

    se fora

    para

    sempre

    .. Cancelaram-no Retomaram inesperada-

    43

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    22/59

    APALAVRA PINT D

    mente um realismo literário dos mais óbvios, um

    gênero conhecido como Realismo Social.

    A Esque

    rda

    fez isso para eles. Com efeito, os

    políticos esquerdistas declararam: Vocês, artistas,

    dizem que se dedicam a uma vida antiburguesa.

    Bom, chegou a hora de pararem de fingir e partirem

    para

    a ação, transformar sua arte numa arma. Tradu

    ção:

    quadros de propaganda política. A influência

    da

    esquerda foi

    tão

    forte no

    mundo artístico

    da

    década de

    30

    que o Realismo Social não se tornou

    apenas

    um

    estilo, mas

    o

    estilo daquele

    período.

    Até

    os mais

    em

    penhados modernistas se sentiram intimi

    dados. Anos mais

    tard

    e, Barne

    tt

    Newman escreveu

    que

    os dogmáticos vociferantes, marxistas, Ieninis

    tas

    , stalinistas e trotskistas criaram uma prisão

    intelectual que mantinha o indivíduo imobilizado".

    Percebo hoje em dia uma incrível amnésia sobre essa

    questão. Nada como esquecer Artistas

    cujos

    nomes

    hoje não passam de notinhas de rodapé - William

    Gropper, Ben Shahn, Ja

    ck

    Levine - foram i nt  s

    enquanto

    a música marcial dos mimeógrafos ecoou

    nos milhares de Comitês

    de

    Protesto.

    Se qualque

    r

    crítico

    importante

    da época tivesse descartado Ben

    Shahn,

    f i n i n o ~ como

    ilustrad

    or

    comercial, a

    exemplo do que fez Barbara Rose recentemente,

    teria provocado

    uma

    celeuma. Hoje ninguém se im

    porta, porque

    o Realismo Social se evaporou com a

    atmosfera

    política

    que o gerou. Por volta de 1946 o

    cenário se esvaziara para

    dar

    lugar

    à

    arte

    dos

    nossos

    44

    ova orque num cavalo cubista

    dias - uma arte mais verdadeiramente literária do

    que qualquer coisa que os fauvistas e

    cu

    bistas te

    nham atacado em seus mais viol

    entos

    furores.

    45

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    23/59

     

    G r e e n b ~ r g

    Rosenberg

    e p ntura plana

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    24/59

     

    nhuma

    das

    pintura

    s expressionistas abstratas

    que restaram

    daquela

    época florescente de

    1946 a 196

    e pouquíssimas

    ainda são vistas exce

    to em museus e quartos

    de

    hóspede nas casas de

    praia de Long lsland fazendo companhia às camas

    de metal

    cujas juntas

    não

    encaixam o jarro de água

    Russel

    Wr

    ight

    que

    sobr

    ou

    do apa relho

    de jantar que

    os recém-casados compraram para o primeiro aparta

    mento depois da guerra   e um rádio Emerson de

    válvulas com

    fa

    i

    xa

    de

    ondas curtas

    .. nenh uma das

    pinturas   como digo nem mesmo as de Jackson

    Pollock e Willem de Kooning podem ser considera

    das um monumento tão perfei t o àquele

    período

    de

    co ragem e confiança quanto as Teorias Quanto às

    pinturas

    e

    gustibus o disputandum

    es

    t. Mas as

    teorias

    in

    sisto eram

    uma beleza.

    49

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    25/59

    APALAVRA PINTADA

    Teoria

    s?

    Eram mais que teorias, eram constru-

    ções menta

    is. Não, mais do que isso até .. eram ver-

    dadeiros edifícios no fundo das órbitas .. castelos no

    córtex

    .. mezuzahs nas pirâmides de Betz .. cristali

    nas .. comparáveis no seu bizarro requinte ao Esco

    lasticismo medieval.

    No

    en

    tanto, só poderemos

    compreender

    o fascí

    nio exercido por essas teorias se tivermos presentes

    as observações que fiz até o

    momento:

    l o mundo

    da arte é uma aldeia;

    2

    parte da aldeia, le

    monde

    sempre volta os olhos para a outra, a boêmia, para

    saber qual é a nova onda e está pronta para acreditar

    nela; 3. a boêmia é formada de cénacles, escolas,

    coteries, círculos, cliques. Conseqüe

    nt

    emente, se um

    cénacle vier a dominar a b

    oêm

    ia, seus

    pontos

    de vista

    poderão muito bem prevalecer na aldeia inteira (tam

    bém conhecida como

    mu

    ndo da

    arte ),

    desde a

    estação da rua Chambers

    até

    a rua Oitenta e Nove e a

    Quinta Avenida.

    E foi precisamente isso que aconteceu em Nova

    Iorque depois da Segunda Guerra Mundial, na era do

    Expressionismo Abstrato,

    quando

    Nova Iorque subs

    tituiu Paris (como nos lembram freqüentement e) no

    papel de sede

    do

    M

    ode

    rnismo.

    Durante a Idade das Trevas- isto é, o interlúdio

    da d éc

    ada

    de 30, em que reinou o Realismo Soc ial -

    pequenos cénacles de modernistas mantinha viva a fé

    na boêmia, abaixo da rua Quatorze. Formavam

    um

    movimento de resistência real para variar - sua

    clandestinidade, desta vez, não se devia àquela amea-

    50

    Greenberg Rosenberg e a pintura

    pla

    ça metafísica, a burguesia, mas aos próprios compa

    nheiros boêmios transformados

    em

    instrutores mili

    tares, os já mencionados dogmatistas vociferantes

    da esquerda. Até Franz Kline, o pintor abstrato dos

    pintores abstratos, obedientemente produzia

    pintu

    ras de negros desempregados, ve teranos mutilad

    os

    e

    oniprese

    nt

    es operários de camisas azuis ab

    ertas

    ao

    peito e colarinhos maiores que as cabeças. Mas havia

    aqueles que mantinham o Modernismo vivo ..

    O cénacle mais influente revolvia em torno de

    Hans Hofmann, um pintor alemão cinqüentão que

    simplesmente não dava ouvidos aos instrutores mili

    tares e dirigia sua escola de arte

    em

    Greenwich

    Village como um posto avançado da filosofia de l art

    pour

    l art e da

    pintura

    abstrata. O

    utro

    cénacle se reu

    nia no estúdio de um escultor, Ibram Lassaw; este in

    cluía

    Ad Reinhardt e Josef Albers e

    com

    o t

    empo

    transformou-se numa organização, a Arnerican Abs

    tract

    Artists. O A Triplo parecia animado principal

    mente p ~ o rancor contra

    /e monde,

    e em particular

    pelo Whitney Museum e o Mu seum of Modem Art,

    por patrocinarem

    obras

    abstratas européias (e, caso

    seja preciso acrescentar, não a deles). Um terceiro

    círcu

    lo de amigos, entre eles Adolph

    Gott

    li

    eb, Mark

    Rothko e Milton Avery, era conhecido como

    O

    s

    Dez

      .

    Um quarto grupo se reunia em torno de John

    Graham e incluía

    De

    Kooning, Arshile Gorky , Stuart

    Davis e David Smith. Um quinto grupo era formado,

    entre

    outros, por Roberto Matta,

    Willi

    am Baziotes e

    Jackson Pollock, este casado com

    uma

    participante

    51

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    26/59

    Quando a superfície plana era Deu

    s

    Usando o empastô

    me

    tro.

    52

    Greenberg Rosenberg e a pinturo plana

    do cénacle Hofmann Lee Krasner fechando assim o

    círculo.

    Todos esses círculos e cot

    et

    ies reuniram-se de

    pois da guerra no cénacle des cénacles a New York

    School ou a Te

    nth

    Street School c

    ri

    adoras

    do

    Expressionismo Abstrato . A maior parte de seus

    co

    mp

    onentes atravessara penosamente a Depressão e

    apresentava uma tendência à boêmia caracterizada

    pela Alta Seriedade.

    Dois dos principais locais de reunião o Subjects

    da Artist School e o The Club fi

    cav

    am na rua Oito

    Leste: o

    ou

    tro a Cedar Tavern era na praça Univer

    sity. M

    as

    as galerias que mostravam

    su

    as obras como

    a

    Ar

    ea

    e a Hilda Carmel

    fi

    cavam na rua Dez e foi

    esse o nome que pegou. No /e

    monde

    r à rua Dez

    era como a peregrinação de sábado ao Soho hoje

    em dia. De qualquer modo, este cénacle logo se

    tornou tão grand e e

    o influente que as reuniões

    regulares nas noit es de

    se

    xta-feira no The Club

    passaram a ser reuniões dos cidadãos de todo o

    mundo artístico de Nova Iorque  atraindo

    ma

    r-

    chands col

    ec

    ionadores   d o r e ~ co mo Alfred Barr 

    críticos

    e quase quaisqu

    er

    culturati que conseg

    ui

    s

    sem en

    trar

    .

    Os grandes teóricos que surgiram desse cénacle

    des cénacl

    es

    foram Clement Greenberg e Harold

    Rosenberg. Ambos estiveram ligados à lit eratura po

    lí t ica de esquerda de Lower Manhattan na década de

    30

     

    e foram

    se

    t ornando cada vez mais teóricos

    críticos, estetas na década de 40. Mais precisamen-

    53

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    27/59

    APALAVRA PINT D

    te, os dois tinham sido amigos de vanos artistas

    abstratos mesmo durante o Gelo. Green berg fora

    freqüentador assíduo do cén cle de Hofmann - e

    eram essencialmente as idéias de Hofmann e a sua

    ênfase na pureza pureza pureza que estavam prestes

    a empolgar Cultureburg, através de Greenberg.

    Um

    dos segredos do espantoso sucesso de Greenberg e de

    Ro senberg, então, é que eles não se pareciam com os

    críticos de Uptown - não eram meros críticos:

    falavam com a voz da boêmia .. e

    naturalment

    e

    /e

    mon e

    os escutava.

    Descrever a bem colocada plataforma do

    alto

    qual falavam não é diminuir a genialidade caracterís

    tica dos dois homens. Greenberg, especialmente,

    irradiava um ar de absoluta autoridade. Não era um

    indivíduo simpático à primeira vista. Falava ora aos

    arrancos ora arrastado. Mas, por alguma razão, não

    se conseguia deixar de prestar atenção. O mesmo

    acont ecia com o seu estilo

     

    de escrever: ele passava

    das tautologias gôttingenianas mais complicadas, "es

    sências", purezas , otichlidades", " fatores for

    mais , "lógicas de reajustamento e Deus sabe o

    que mais .. para gritos de desespero e indignação que

    teriam constrangido Shelley. Num famoso ensaio em

    Horizon em 1947, ele declarou que todo o futuro

    da art e nos Estados Unidos

    e ~ t v

    nas

    mãos

    de

    cinqüenta artistas corajosos, mas anônimos, sitiados

    ao

    sul da rua Trinta e Quatro e prestes a serem

    aniquilados a qualquer

    momento.

    P

    or

    quem - pelo

    quê? Ora, pelo tédio pavoroso da vida americana.

    54

    Greenberg Rosenberg e pintur pl n

    O isolamento deles é inconcebivelmente esmagador ,

    ininterrupto, comprometedor , dizia Greenberg.

    Que alguém consiga produzir arte de um n ível

    respeitável nessas cond ições é altamente improvável.

    O que pod em cinqüenta fazer

    cont

    ra cento e q uaren

    ta milhões?"

    Cinqüenta contra 140 milhões Uma beleza; ele

    tinha conseguido superar Marsdcn Hartley em seus

    próprios termos; o relatório sobre o reconhecimento

    do inimigo feito

    por

    Hartley nos idos de 1921

    arrolava apenas

    90

    milhões. Era

    tudo pura

    re tórica ,

    é

    claro; a cantilena

    antibu

    rguesa da boêmia, que se

    tornara

    normal a

    partir

    de 1840, era a essa

    altura

    tão

    natural

    quanto

    respirar e maravilhosamente destituí

    da de qualquer

    conteúdo ra

    cional - e no

    entanto

    Greenberg sacou-a com .. bem, não só com autoridade

    mas com autoridade

    moral

    Quando Greenberg fala

    va, era como se não apenas o futuro da Arte est ivesse

    em jogo mas a própria qualidade, a possibilidade em

    si de uma civilização nos Estados Unidos. Sua fúria

    parecia advir de uma implacável insistência na pure-

    za Ele via o Modernismo caminhan

    do

    para uma

    certa conclusão inevitável,

    po

    r sua própria lógica

    in t

    erna, da mesma forma

    que

    os marxistas viam a

    civilização ocidental caminhando inapelavelm

    ente

    para

    a ditadura do proletariado e o nirvana que

    sob reviria. Aos

    olhos

    de Greenberg, o Trem de Carga

    da História da Arte

    tinha um

    destino específico. Ele

    exigia uma autocrítica , uma

    ''autodefinição

    -

    urna

    auto

    definição

    com

    requintes de vingança",

    55

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    28/59

    APALAVRAPINfADA

    dizia. Era hora de limpar finalmente os trilhos de

    todo o entulho remanescente da pintura pré-moder

    na. E qual era esse destino? Neste ponto Greenberg

    não poderia ter sido mais claro: a Pintura Plana.

    A teoria geral era a seguinte: conforme os cu bis-

    tas e outros modernistas primitivos tinham percebi

    do corretamente, um quadro não era uma janela pela

    qual se espiava

    â

    distância. Os efeitos tridimensionais

    eram pura ilusão

    et ergo ersatz).

    O quadro era uma

    superfície plana

    à

    qual se aplicava tinta. Os primei

    ros artistas abstratos tinham compreendido a impor

    tância da pintura plana ao pintar simplesmente duás

    dimensões, mas não tinham sabido ir além. Ainda

    usavam a tinta de tal maneira que ela se dividia

    nitidamente em linhas, formas, contornos e cores

    exatamente como se fizera nos tempos pré-moder-

    nos. Ha

    via

    necessidade de pureza - um estilo em que

    as linhas, formas, contornos e cores,

    tudo

    se unifica

    va sobre uma superfície plana.

    Essa questão da pintura plana tornou-se bem

    importante: uma obsessão mesmo. O problema do

    que o artista podia ou não podia fazer sem violar o

    princípio da Pintura Plana -

      a

    integridade do plano

    do quadro", como

    se

    tornou

    co

    nhecido - inspirou

    distinções tão sutis, hipóteses tão requintadamente

    ínfimas tanta hostilidade e troca de alfinetadas e

    faíscas, espirais lógicas de tanto brilho, ainda que as

    espirais se tornassem cada vez mais apertadas e o

    brilho cada vez menor .. que se comparariam admira

    velmente

    à

    pergunta mais famosa que conhecemos

    56

    Greenherg, Rosenberg e a

    pintura plana

    do debate dos escolásticos: "Quantos anjos podem

    dançar na cabeça de um alfinete?"

    A maior parte da teoria até 1950 era de origem

    greenbergiana. Entra em cena Rosenberg. Rosenberg

    apresentou uma síntese maior, uma teoria que com

    binava a pureza formal de Greenberg com algo

    qu

    e

    andara faltando

    na

    ar te abstrata desde os primeiros

    tempos do Cubismo Sintético e continuou faltando:

    ou seja, a paulada emocional dos velhos quadros rea

    listas pré-modernos. Essa era uma questão

    que

    preo

    cupara Picasso na década de 30. Qualquer

    retorn

    o ao

    realismo era impensável, é claro, mas Rosenberg ti

    nha

    uma

    solução: a "Pintura de Ação" (Action Pain-

    ting , que se tornou o termo mais famoso

    do

    perío

    do (um fato que

    não

    agradou a Greenberg).

    Num determinado momento a tela começou a

    parecer aos pintores am ericanos, um após o outro,

    uma arena na qual

    repr

    esentar", disse Rosenberg. O

    que devia ser pintado na te

    la

    não era um quadro,

    mas um acontecimento." A visão que Rosenberg

    inspirou incendiou a imaginação do público por

    algum tempo (o público mesmo ), bem como a da

    maioria dos pintores, profi

    ss

    ionais e amadores, de

    uma

    forma que é

    pou

    co provável

    que

    se queira

    lembrar. Era o Pintor de Ação .. era o artista prome

    téico sufocado de emoção e sobrecarregado de t in

    tas, atirando-se e atirando os pincéis à tela como se

    estivesse travando um combate corpo-a-corpo com o

    Destino. Ali ... ali ... ali naquelas furiosas pinceladas

    contra a tela , naqueles borrões de id desacorrentado,

    57

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    29/59

    A PALAVRA

    PINTADA

    era possível ver a próp ria emoção do artista - ainda

    viva -

    no produto

    acabado.

    (E

    viram?

    Toda

    a

    integridade pintura-plano

    que

    um

    homem

    racional

    poderia desejar, linhas

    que

    são formas, formas

    que

    sã o

    cores, e cores

    que

    são ambas.)

    importante repetir

    que Greenberg e Rosen

    berg

    não

    criaram suas teorias do nada ou simples

    mente

    surgiram com elas um dia

    como

    se fossem

    mandamentos

    trazidos do

    alto

    do monte Verde ou

    do monte Vermelho

    (conforme

    ce

    rta

    vez B. H.

    Frie

    dman

    os chamou).

    Como

    tout /e monde com

    pr

    eendia, elas não eram apenas teorias, eram ..

    notí-

    cias quentes, diretamente

    dos

    estúdio

    s,

    do palco dos

    acontecimentos . O famoso artigo de Rosenberg em

    Art News sobre Pintura de Ação não

    menciona

    um

    único artista pelo nom

    e,

    mas

    tout /e monde

    sabia

    que quando

    falava

    de um pintor americano

    após

    o

    ut ro que

    adotavam aquele estil

    o,

    estava na realida

    de falando de um

    pintor amer

    ic

    ano

    : seu amigo De

    Ko

    on

    ing ..

    ou

    talvez de De Kooning e seu cénacle. O

    hom em-chave de Greenberg,

    como Todos

    sabiam,

    e

    ra

    seu

    amigo

    Pollock.

    Greenberg

    não

    descobriu Jackson Pollock, nem

    mesmo

    criou sua f

    ama,

    como

    posteriormente

    se disse

    muitas vezes. Foi a maldita Uptown que fez isso.

    Escolha a mim Peggy Guggenheirn escolheu

    Pollock. Ele era um

    cub

    ista boêmio, anônirno e sem

    vintém. Ela era a sobrinha de Solomon (Guggenheim

    Museum) Guggenheim e

    o

    centro do mais chique

    círculo de arte de Uptown, em Nova Iorque , na

    58

    Greenberg Rosenberg e a pintura

    plana

    década de

    40,

    um círculo que contava com famosos

    artistas

    modernos

    eu

    r

    opeus

    (inclus

    iv

    e seu

    marido

    ,

    Max Ernst) que fugiam da guerra, intelectuais de

    Uptown

    , como Alfred Barr e Jam es

    Johnson

    Swee

    n

    ey

    do Mu seum

    of

    Modern Art, e jovens protegés

    boêmios

    como

    os

    dois

    membros

    do cénacle de Pol

    l

    ock,

    Baziotes e

    Rob

    ert Motherwell. Em um ano,

    194 3, Peggy Guggenheim conheceu Pollock por in

    termédio de Ba

    ziotes

    e M

    ot

    :herwell, deu-lhe

    uma

    remuneração mensal, no cami

    nho

    da "es

    cr ita

    automática sur

    realista (ela adorava o Surreali

    s-

    mo),

    instalou-o na rua Cinqüenta e Sete - a Rua

    dos

    Sonhos

    em Uptown - com S'4a primeira

    mostra

    -

    no salon modernista mais chique da história de Nova

    Iorque, a galeria de Peggy,

    Art

    of This Cen tury

    Ga

    ll

    ery,

    com uma

    maravilhosa Sala Surrealista,

    onde

    as telas e

    ra montadas

    etn

    bastões

    de beisebol

    -

    fez

    Sw

    eeney esc rever o prefácio do catálogo,

    numa pro-

    sa

    co

    lorida de

    so

    nhos róseos e

    purpúreos

    - e Barr

    incorporou um dos

    quadros

    , A Loba The She Wolf),

    na coleção permanente do Mu seum

    of

    Modern

    Art

    -

    e M

    otherwe ll

    escreveu uma crítica delirante para a

    Partisan

    Review

    - e Greenberg escreveu

    uma crítica

    superdelirante para The Nation ... e, bem, Greenberg

    entrou na história, no mínimo, um po

    uco

    atrasado.

    A Consumação

    se

    completara e Pollock já era um

    Sucesso antes do

    último quadro

    ser pendurado, as

    portas se abrirem e o primeiro Manhattan ser servido

    (lembra dos Manhattans?  na noite de inauguração.

    Até certo

    ponto,

    Green berg foi apenas um repórter

    com um apresen

    tando

    as últimas notícias.

    59

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    30/59

    A PALAVRA PINTADA

    Mas Greenberg fez algo mais que descobrir Pol

    lock ou oficializá-lo. Usou o sucesso avalizado de

    Pollock para firmar a Integridade do Plano do Qua

    dro como a teoria - o avanço teórico de peso

    einsteiniano - de toda a nova onda do

    cénacle des

    cénacles

    da rua Dez.

    A força de Pollock", dizia ele, "reside na

    superfície enfática de seus quadros - que ele procu

    ra manter e intensificar em todo aquele plano grosso

    e fuliginoso que começou - porém, apenas começou

    a

    se

    tornar o

    ponto forte do

    Cubismo

    recente.

    E

    por toda a

    bo

    êmia ecoou a melodia ..

    O plano grosso

    e fuliginoso

    me

    enfeitiçou ..

    É a tensão inerente à

    Coleção

    do

    Museum o[ Modem

    rt

    em

    Nova Iorque.

    The She Wolf (A Loba), de Jackson Pollock, 1943. O quadro

    que

    o Museum of Modern

    Art

    comprou participando da

    Consumação de Pollock. O estilo

    é

    um meio·termo entre o

    Cubismo inicial de Picasso e o puro Abstracionismo com

    borrões de tinta pelo qual Pollock é mais conhecido. O

    plano grosso e fuliginoso me enfeitiçou .

    60

    Greenberg Rosenberg e a pintura plana

    superfície plana recriada, construída, dizia Green

    berg, que produz o vigor de sua

    arte

    ..

    A superfície

    plana

    re

    criada  construída

    que

    você tece tão

    bem

    ..

    a concentração na

    textura

    da superfície e sua quali

    dades táteis .. Os

    famosos borrões

    de

    tinta naquela

    superfície plana .

    Ah, a música ecoava E Clement Greenberg era

    o compositor Outros artistas tomavam conhecimen

    to de suas teorias e das de Rosenberg, às vezes pela

    leitura dos periódicos - Partisan Review The Nation

    Horizon - ínas a maior parte das vezes em conver

    sas.

    Com a demolição do The Club da rua Oito, os

    artistas da boêmia agora

    se

    reuniam o

    tempo

    todo,

    todos

    os dias, e conversavam sem parar. Conversa

    vam mais que dez clubes de carteado de Oceanside e

    Cedarhurst juntos.

    Greenberg também não negligenciava as conver

    sas, apesar dos seus arrancos e do discurso pouco

    elegante. Às vezes essas falhas combinavam perfeita

    mente com a

    convicção moral

    que parecia irradiar

    dos seus olhos. Um artista quarentão de Washington,

    D.C., chamado Morris Louis, veio a Nova Iorque em

    1953 para

    tentar

    descobrir

    em

    que consistia essa

    nova onda, conversou longamente com Greenberg e

    a experiência mudou sua vida. Ele regressou a

    Wa-

    shington e começou a pensar. Integridade

    do

    plano

    do quadro, dissera o homem .. (Aposto qu e disse .. )

    Louis sentiu um estalo e viu o futuro com grande

    clareza. O próprio uso da tinta grossa fora um cri-

    6

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    31/59

    A P L VR PINTADA

    me

    contra

    a superfície plana, uma violação da inte

    gridade do plan

    o todos

    esses

    ano

    s .. Mas

    é

    claro

    Mesmo nas mãos de Picasso, a

    tinta

    comum podia

    atingir a espessura de um ou dois

    milímetros

    acima

    do

    nível da tela E

    quanto

    ao novo Picasso - isto

    é

    Pollock meu Deus,

    apanh

    e só a régua

    Então Louis usou a tela virgem e diluiu a tinta

    até que a tela a absorvesse imediatamente após a

    aplicação.Talvez pudesse colocar o quadro

    no

    chão,

    se deitar em cima da tela, enviesar o olho corno um

    passarinho e examinar a superfície da tela - conse

    guira Não havia nada acima ou abaixo do plano dQ

    quadro, exceto uns fiapos ultrarnicroscópicos de

    algodão, mas que pessoa sensata poderia condená-lo

    por isso ... Não,

    tudo

    agora existia

    exatamente

    no

    plano do

    quadro

    e em nenhum

    outro

    lugar. A tinta

    era o pl

    ano

    do quadro, e o plano do

    quadro

    era a

    tinta. Ouvi falar em

    per fcie plana?  

    bem,

    tentem

    fazê-la mais plana do

    que

    isso, seus nova-iorquinos

    espertinhos Assim nasceu uma variante do Expres

    sionismo Abstra

    to

    conhecido

    como

    Washington

    School. Alguém de Marte ou de Chester, na Pensil

    vânia, poderia aciden talmente ter olhado para a pin

    tura

    de Morris ou Louis e visto apenas

    uma

    série de

    li

    str

    as

    de aspecto um tanto aguado.

    Mas a Washington School ou a

    Tenth

    Street

    School não er

    am

    lugares para c riaturas vindas de fora

    do

    estado, a não ser que alguém as

    ti

    vesse alertado, a

    não ser

    que

    alguém as tivesse informado a respeito

    das teorias. m

    pouco tempo

    , essas teorias sobre a

    62

    Coleção

    do

    Museum

    o Modem Art

    Nova

    I

    orque

    Third E/ement

    (Terceiro Elemento), de Morris Louis, 1962.

    Nenhum pintor jamais

    tomou

    a Palavra mais literalmente;

    com a possível exceção de Frank Stella.

    63

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    32/59

    APALAVRA PINTADA

    integridade do plano do

    quadro,

    abstração, forma

    pura e cor pura, pinceladas expressivas action), já

    não pareciam meras teorias mas axiomas,

    parte

    do

    dad

    o, tão

    básicas

    quanto

    teriam parecido antigamen

    te

    os

    Quat

    ro

    Humo res do Corpo ao se considerar a

    saúde humana. Ignorar essas coisas era

    não ter

    ouvi

    do a Palavra.

    A Palavra - exatamente. Uma curiosa

    mudança

    estava ocorrendo no

    próprio

    cerne da atividade do

    pintor. Inicialmente o Modernismo fora uma reação

    ao realismo do século X

    IX

    , uma abstração, um

    diagrama do realismo, para usar uma expressão .de

    John Berger, da mesma forma que uma planta baixa

    é

    o diagrama de

    uma

    casa. Mas esse Expressionismo

    Abstrato da T

    enth

    Street School era

    uma

    reação ao

    pr

    óprio

    Modernismo inicial, principal

    mente

    ao Cu

    bismo. Era a abstração de uma abstração,

    uma

    pl

    anta

    baixa de uma planta baixa,

    um

    diagrama de

    um

    diagrama e um diagrama de um diagrama é metafí

    sica. Qualquer um que experi

    mente

    fazer um diagra

    ma de um diagrama descobr irá por quê. A m

    etaf

    í sica

    pode

    se r fasc inante -

    tão

    fascinante

    quanto

    a

    Escolástica e suas legiões de anj os e almas. Ma s por

    alguma razão essas cria t

    ur

    inhas etéreas são inap r

    ee

    n

    síveis sem o uso da palavra. Em suma, a nova ordem

    no

    mundo

    da arte era: primeiro você

    encontra

    a

    Palavra, depois você vê.

    Os

    artistas não

    par

    eciam ter a menor idéia de

    como a Teor ia estava se tornando básica. Eu me

    pergunto

    se os teóricos teriam. Todos, a

    rt

    istas e

    64

    Greenberg osenberg ea pintura plana

    teóricos, falavam como se o seu objetivo consciente

    fosse criar uma

    arte

    int eirame

    nt

    e imediata, lúcida,

    despida de toda a

    horríve

    l bagagem histórica, uma

    arte

    sem mistérios, honesta como o plano integral do

    quadro.

    "A

    estética está para os art istas

    como

    a

    ornitologia está para os pássaros", dizia B

    arnett

    Newman numa frase

    muito

    repetida. E no entan to,

    o próprio Newman era um dos teóricos mais incansá

    veis da rua Oito, e sua obra demonstrava isso. Ele

    passou os últimos vinte e dois anos de sua vida

    estudando

    os problemas (se

    os

    havia) de tr abalhar

    com grandes áreas de

    cor

    divididas por listras .. numa

    su

    perf

    í cie plana

    de quadro.

    Ninguém mais esta va imune

    à

    teoria. Pollock di

    zia coisas

    como

    "C

    é

    zan

    ne não criou teorias. Elas sur

    giram depois". Era só provocação. O f

    ato

    era

    que

    as

    teorias - de Greenberg - a propósito de Pollock -

    estavam começando a afetar Pollock. Greenberg não

    criara a reputação de Pollock,

    mas

    e

    r

    seu c

    urador

    ,

    zelador, lustrador e mecânico, e era fanático nessas

    funções. A cada novo artigo Greenberg elevava

    um

    pouquinho mais o s  u s de Pollock, de "um dos

    mais fortes" artistas abstratos americanos que já

    houve para

    "o

    mais f

    or

    te

    pintor

    de sua

    geração" nos

    Estados

    Unidos e ainda "o mais vigoroso pintor da

    atualidade americana" e finalmente incluindo-o nu

    ma

    compe

    tição

    acirra

    da

    com

    J

    ohn

    Marin (John Ma

    rin )

    pelo título de "m a

    i

    or pintor ame

    ricano do sé

    culo XX".

    Para os

    poucos

    dissidentes que restavam,

    Uptow

    n ou

    Downtown,

    que ainda faziam

    uma

    cara

    65

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    33/59

    APALAVRA

    PINTADA

    séria e diziam que a obra de Pollock parecia horri

    velmente "confusa ou caótica ou simplesmente

    feia , Greenberg tinha uma maravilhosa resposta:

    mas

    é claro -   toda a ob ra profundamente original

    parece feia a princípio . Bom .. é

    Está ..

    certo 

    Numa época de vanguardismo,

    quan

    do

    praticamente

    todos em Cultureburg se lembravam de algum novo

    ismo que não tinham

    gostado

    a princípio, esse

    dito de Greenberg parecia urna percepção essencial

    do Modernismo, o

    aperçu

    de ouro. Para os coleciona

    dores, cu radores e mesmo alguns

    marchands,

    as

    obras novas que pareciam genuinamente

    feias...

    co

    meçaram a adquirir uma aura estranha e nova...

    De qualquer fo rma, se Greenberg estava certo

    quanto

    ao lugar de Pollo

    ck

    no

    mundo

    da

    arte

    - e

    Pollock n

    ão

    questionava

    isso - , então devia

    estar

    certo também quanto às teorias. Então Pollock come

    çou a conduzir seu trabalho na mesma d

    ir

    eção das

    teorias. Avante Mais plano Mais Fuliginoso Mais

    "globalmente uniforme M

    as

    menos buracos

    (Greenberg achava que Po llock

    por

    vezes deixava

    bu racos" no que poderia ser um "plano integra

    do .) Greenberg passou a ir ao estúdio de Pollock e

    fazer críticas

    in loco.

    Não demorou muito e Pollock começou a ter

    dificuldades em determinar onde estaria a linha divi

    sória ent re ele próprio - o velho Jack - e a sua

    Reput ação ou se a linha de fato existiria. Pollock era

    o caso clássico do artista irremediavelmente preso

    entre a Dança Boêmia e a Co nsumação. Pollock

    66

    Greenberg

    Rosenberg e a pintura plana

    internalizara os costumeiros valores boêmios antibur

    gueses

    em

    grandes sorvos d

    ur

    ant e a Depressão, quan

    do ainda era um

    boêmio

    que vivia do aux mo-desem

    prego e fazia biscates, tais

    como pintar

    gravatas a

    mão (no breve período em que foram moda). A

    Consumação veio

    tão

    ráp

    ida - no ano de 1943 -

    que Pollock nunca conseguiu se dividir psicologica

    mente. Ficou preso a meio caminho. Essa era a

    atitude arquetípica de Pollock : uma noite ele chega

    bêbado à casa de Peggy Guggenheim, durante uma

    festa de grã-finos. Então, tira as roupas em outro

    cómodo

    e entra no salão inteiramente nu e urina na

    lareira. P

    or

    outro lado, nem naquela

    noite

    nem

    depois, ele desistiu de ir à

    casa de Peggy Gugge

    nhe irn , onde havia

    todos

    aqueles grã-finos. Ele insi

    s-

    tia em r

    ao velho

    Stork

    Club

    ou

    ao 21 sem gravata

    para provar que de qualquer forma o admitiriam

    graças

    à

    "minha reputação - e, se e

    ra

    admitido,

    nunca deixava de se

    embebedar

    e se portar mal para

    ser

    posto

    para fora. Tinham que aceitá-lo em Up

    town, mas ele odiava gostar dessa aceitação.

    A despeito de sua enonn e reputação, suas obras

    não vendiam bem, e ele enfrentava dificuldades fi

    nanceiras - o que satisfazia sua alma boêmia, por

    um lado, mas também o fazia gritar (preso, como

    estava, na porta de entrada): Se sou tão formidável

    p r

    que não sou rico? E isso nos leva aos problemas

    que

    os

    colecionadores estavam começando a ter com

    o Expressionismo Abstrato e os estilos.abstratos que

    se seguiram, tais como o da Washington School. A

    67

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    34/59

    APALAVRA PINTADA

    maior ,parte do Modernismo in icial, e em particular o

    Cubismo, era apenas parcialmente abstrato. As figu

    ras na Joie

    de

    Vivre (Alegria de Viver) de Matisse,

    que pareciam t ão escandalosamente abstratas em

    1905,

    ta

    lvez não inspirassem tanta concupiscência

    quanto

    a que

    encontramos

    em

    The Judgement

    o

    Paris (O Julgamento de Paris), de Max Klinger, mas

    eram mulheres nuas do mesmo

    jeito.

    Para muitos

    colec ionadores era suficiente

    con

    hecer a teoria geral

    e o

    fato

    de que ali estavam nus pin

    tados

    à

    "nova

    m

    ane

    ira (Fauvista, Cubist

    a,

    Expressionista, Surrealis-

    ta, ou o

    que

    fosse)". Porém, no caso

    do Expr

    essio

    nismo Abstrato e dos movimentos que surgiram

    depois, era

    pr

    eciso

    te

    r ... a Palavra. Não havia

    outro

    je ito. Não adiantava

    nada contemplar uma pintura

    sem

    conhecer a

    In

    tegri

    dad

    e

    do Plano do

    Quadro e

    os

    teo remas associados.

    Com que resolução tentaram Como

    aper

    tavam

    os olhos e levavam os dedos às pálpebras procurando

    focalizar com maior acuidade (como diz iam que

    Greenberg fazia) ... como se esforçavam para interna

    lizar as teorias, ao ponto de conseguirem sentir umas

    duas

    pontadinhas de

    emoção, no momento exato

    em

    que

    olhavam para

    uma pintura abstraía

    . . sem pri

    me iro ter

    que

    repassar o t exto

    menta

    l

    mente

    . E

    alguns

    tinham

    êxito. Mas todos t entavam SubHnho

    is

    to

    à luz das terr íveis acusações que alguns a bstra

    cionistas e seus teóricos hoje fazem aos col

    ec

    iona

    dores... chamando-os de filisteus, noveaux-riches,

    exibicionistas que apenas fingiam gostar de arte

    l í8

    Greenberg

    Rosenberg e a pintura

    plana

    abstrata, mesmo em seu apogeu, na década de

    50,

    O

    que

    vale dizer: vocês não passavam de impostor

    es

    go rdos e burgueses. Nunca tiveram um único osso

    antiburguês nos corpos

    Ah,

    ingratidão, ingrat idão ..

    ars longa

    memo

    r

    ia

    bre vis... A verdade era que os colecionadores s6

    queriam acreditar de todo coração, marchar com os

    expressionistas

    abstratos

    na qualidade de ajudantes

    de-guerrilha pela

    terra

    dos filisteus. Acreditavam,

    junto com

    os

    art istas,

    que

    o Expressionismo Abstra

    to

    era

    a forma final,

    que

    a pintura enfim se tornara

    ex tra-atmosférica,

    me

    rgulhara no espaço, penetrara

    num universo de formas puras e cores puras. Até

    m esmo os marginais da

    inte

    lec

    tualidade de

    Culture

    burg, os jornalistas da imprensa popular, noticiaram

    de boa fé, sem risinho s de deboche. Em 1949, a

    revista Life dedicou tr

    ês

    páginas a Pollock, duas

    delas a cores, intituladas: "JACKSON POLLOCK :

    Será o maior pint

    or

    vivo do s Estados Unidos?" O

    artigo

    todo

    se

    baseava, obviamente, na opinião de

    Greenb erg, que a

    ife

    identificava como "um crítico

    nova-iorquino excepcionalm ente culto".

    Life, Time

    e

    Newsweek

    continua

    ram a

    acompanha

    r o

    Exp

    res

    sionismo Abs

    tr

    ato, a

    co

    res,

    com

    o ocasional trocadi

    lho inofensivo sobre

    "Jack the

    Dripper"* (Pollock),

    que fala

    pouco

    e

    famoso

    po

    r sua pi

    ntura"

    , mas

    • Trocadilho induzido pela semelhança entre (Jack) the Dripper -

    "que deixa a tinta pingar e escorrer na tela" - e (Jack)

    the

    Ripper, o

    famoso assassino estripador. (N. da T.)

    9

  • 8/16/2019 A Palavra Pintada

    35/59

    APALAVRA

    PINTADA

    apresenta ndo a mensagem clara de que isto é

    que

    era

    important

    e na

    arte

    contemporânea.

    De fato, a imprensa era tão atenciosa que Ha

    rold Rosenberg, e Pollock também, se perguntavam

    por que o público comprava tão poucas obras ex

    pressionistas abstratas. "Considerando a maneira

    como são anunciadas e elogiadas", comentava Ro

    senberg, ' 'a pintura de

    va

    nguarda não está vendendo

    nada. Neste ponto, Rosenberg estava simplesmente

    traindo

    a cegueira do

    mundo

    da

    arte com

    relação às

    próprias est

    r