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A PAISAGEM RURAL DA SERRA GAÚCHA: O EFEITO DA ESCALA NA DELIMITAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM UMA PORÇÃO DO VALE DOS VINHEDOS Heinrich Hasenack, Eliana Casco Sarmento, Eliseu Weber - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - [email protected] Resumo Na Serra Gaúcha colonizada por italianos a partir do final do século XIX, a viticultura tem sido a atividade agrícola principal. Desde então, áreas originalmente cobertas por floresta vêm cedendo lugar a vinhedos e outros usos agropecuários, além de áreas urbanizadas. O código florestal, embora existente desde 1965, pouco tem sido levado em consideração no que diz respeito às áreas de preservação permanente (APP). O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da escala da base cartográfica na delimitação das APP em uma porção equivalente a duas cartas na escala 1:10.000 do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha. As APP foram espacializadas através de sistema de informação geográfica a partir de cartas topográficas 1:10.000 e 1:50.000, segundo o código florestal. O uso do solo foi obtido por interpretação visual de uma imagem SPOT (23/11/2002) com resolução de 5 metros, discriminando 3 classes: mata, agricultura, área edificada. Com base em ortofotos (01/11/2005) na escala 1:5.000, foram também identificadas as áreas correspondentes a vinhedos. A área total mapeada corresponde a 1.306,3 hectares. Destes, 445,7 ha estão ocupados por vinhedos, 333,4 ha por outros tipos de atividade agropecuária, 427,3 ha estão cobertos por floresta e 10,0 ha por áreas edificadas. Da área total analisada, 251 ha correspondem a APP na escala 1:10.000 e 99,8 ha na escala 1:50.000. Embora não devessem ter uso algum, apenas cerca de 32% das APP estão ainda cobertas por floresta. O restante está ocupado por vinhedos, outros tipos de agricultura ou áreas edificadas em diferentes proporções. A adequação do uso do solo à legislação ambiental pode ser um fator importante na valorização da paisagem rural e dos produtos agropecuários produzidos na região, mas a definição de uma escala de mapeamento destas áreas é de fundamental importância para orientar ações neste sentido. Abstract Settled by Italian immigrants since the end of the 19 th century, viticulture has been the main agricultural activity at Serra Gaúcha, State Rio Grande do Sul, Brazil. Since that time, originally forested areas have been gradually replaced by vineyard and other agricultural uses. The Código Florestal (environmental law) exists since 1965 but protection of forest buffers has not yet been considered. The present study aims to evaluate the scale effect on the delimitation of the protected areas of a portion equivalent to two topographic sheets in scale 1:10,000 of Vale dos Vinhedos, at Serra Gaúcha, Brazil. A Spot image (23/11/2002) with a 5 meters resolution was taken to identify three main uses: forest, agriculture, built up area. An aerial photography mosaic (01/11/2005) in scale 1:5,000 was used to discriminate vineyards from the agriculture area. The study area has a size of 1,306.3 hectares. Vineyards cover 445.7 hectares, other agricultural uses cover 333.4 hectares 427.3 hectares are forest cover and 10.0 hectares are build up areas. From the total area 251 hectares correspond to protected areas (APP) in scale 1:10,000 and only 99.8 hectares if calculated over 1:50,000 scale maps. Although no use is allowed, only about 32% of APP areas, independent of the scale used, is stil covered by forest, the original vegetation cover. The remaining APP area has been used by vineyards, other type of agriculture and build up areas. The use of the land according to the environmental law can be an important factor to add value to the rural landscape and of the regional agricultural products. But the definition of the mapping scale is influences. Palavras-chave Legislação ambiental, geoprocessamento, uso do solo

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A PAISAGEM RURAL DA SERRA GAÚCHA: O EFEITO DA ESCALA NA DELIMITAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM UMA

PORÇÃO DO VALE DOS VINHEDOS Heinrich Hasenack, Eliana Casco Sarmento, Eliseu Weber - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - [email protected] Resumo Na Serra Gaúcha colonizada por italianos a partir do final do século XIX, a viticultura tem sido a atividade agrícola principal. Desde então, áreas originalmente cobertas por floresta vêm cedendo lugar a vinhedos e outros usos agropecuários, além de áreas urbanizadas. O código florestal, embora existente desde 1965, pouco tem sido levado em consideração no que diz respeito às áreas de preservação permanente (APP). O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da escala da base cartográfica na delimitação das APP em uma porção equivalente a duas cartas na escala 1:10.000 do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha. As APP foram espacializadas através de sistema de informação geográfica a partir de cartas topográficas 1:10.000 e 1:50.000, segundo o código florestal. O uso do solo foi obtido por interpretação visual de uma imagem SPOT (23/11/2002) com resolução de 5 metros, discriminando 3 classes: mata, agricultura, área edificada. Com base em ortofotos (01/11/2005) na escala 1:5.000, foram também identificadas as áreas correspondentes a vinhedos. A área total mapeada corresponde a 1.306,3 hectares. Destes, 445,7 ha estão ocupados por vinhedos, 333,4 ha por outros tipos de atividade agropecuária, 427,3 ha estão cobertos por floresta e 10,0 ha por áreas edificadas. Da área total analisada, 251 ha correspondem a APP na escala 1:10.000 e 99,8 ha na escala 1:50.000. Embora não devessem ter uso algum, apenas cerca de 32% das APP estão ainda cobertas por floresta. O restante está ocupado por vinhedos, outros tipos de agricultura ou áreas edificadas em diferentes proporções. A adequação do uso do solo à legislação ambiental pode ser um fator importante na valorização da paisagem rural e dos produtos agropecuários produzidos na região, mas a definição de uma escala de mapeamento destas áreas é de fundamental importância para orientar ações neste sentido. Abstract Settled by Italian immigrants since the end of the 19th century, viticulture has been the main agricultural activity at Serra Gaúcha, State Rio Grande do Sul, Brazil. Since that time, originally forested areas have been gradually replaced by vineyard and other agricultural uses. The Código Florestal (environmental law) exists since 1965 but protection of forest buffers has not yet been considered. The present study aims to evaluate the scale effect on the delimitation of the protected areas of a portion equivalent to two topographic sheets in scale 1:10,000 of Vale dos Vinhedos, at Serra Gaúcha, Brazil. A Spot image (23/11/2002) with a 5 meters resolution was taken to identify three main uses: forest, agriculture, built up area. An aerial photography mosaic (01/11/2005) in scale 1:5,000 was used to discriminate vineyards from the agriculture area. The study area has a size of 1,306.3 hectares. Vineyards cover 445.7 hectares, other agricultural uses cover 333.4 hectares 427.3 hectares are forest cover and 10.0 hectares are build up areas. From the total area 251 hectares correspond to protected areas (APP) in scale 1:10,000 and only 99.8 hectares if calculated over 1:50,000 scale maps. Although no use is allowed, only about 32% of APP areas, independent of the scale used, is stil covered by forest, the original vegetation cover. The remaining APP area has been used by vineyards, other type of agriculture and build up areas. The use of the land according to the environmental law can be an important factor to add value to the rural landscape and of the regional agricultural products. But the definition of the mapping scale is influences. Palavras-chave Legislação ambiental, geoprocessamento, uso do solo

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Introdução

Na Serra Gaúcha colonizada por italianos a partir do final do século XIX, a viticultura

tem sido historicamente atividade agrícola de destaque. Nos últimos anos, houve

uma intensificação da produção vitivinícola, acompanhada de uma maior

preocupação com a qualidade da produção. Atualmente cerca de 40% dos vinhos

finos consumidos no país são nacionais, sendo que o estado do Rio Grande do Sul

responde por 95% da produção, com uma área de cerca de 5.000 hectares

plantados com uvas viníferas.

A principal região produtora é a Serra Gaúcha, localizada no nordeste do estado. As

condições naturais da região são heterogêneas, com relevo complexo (altitude,

declividade e exposição) e grande variabilidade de solos. Com origem vinculada à

imigração italiana, a viticultura é uma atividade de pequenas propriedades, com

média de 15 ha de área total e 2,5 ha de vinhedos, topografia acidentada, pouca

mecanização e predomínio da mão-de-obra familiar (PROTAS et al., 2004). Nessa

região os vinhedos se apresentam geralmente na forma de mosaico de vinhedos e,

eventualmente, como paisagens de marchetaria (ITV, 2002; FALCADE, 2003). A

instalação de cantinas comerciais e de outras atividades econômicas no meio rural

nas últimas décadas vem introduzindo outros elementos na paisagem vitícola da

Serra Gaúcha e promovendo uma diferenciação de grupos de produtores e de áreas

de produção (POLITA. et al, 2006).

No processo de expansão e intensificação da atividade vitivinícola, áreas

originalmente cobertas por florestas foram sendo paulatinamente convertidas em

vinhedos ou em outros usos agropecuários, além de áreas urbanizadas. Nesse

processo, a legislação ambiental relativa às áreas de preservação permanente,

embora existente desde 1965, pouco tem sido levada em consideração (Lei n.º

4.771, de 15 de setembro de 1965 – Código Florestal e Resolução CONAMA n.º

008/84).

Uma das razões, dentre várias, reside na dificuldade de mapear e localizar as áreas

de preservação permanente de forma sistemática e consistente. Os objetivos deste

trabalho foram avaliar o efeito da escala no cálculo das áreas de preservação

permantente sobre mapas na escala 1:10.000 e 1:50.000 bem como o estado de

conservação das APP. Este estudo foi realizado em uma área de cerca de 1300 ha,

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correspondente a duas cartas na escala 1:10.000 do Vale dos Vinhedos, na Serra

Gaúcha.

Material e métodos

A área de estudo é uma porção do Vale dos Vinhedos, localizada na região da Serra

Gaúcha, nordeste do estado do Rio Grande do Sul. A região da Serra Gaúcha

localiza-se na região fisiográfica da Encosta Superior do Nordeste (FORTES, 1979),

aproximadamente entre as latitudes 28 30’S e 29 30’S e as longitudes 50 45’W e

52 W (Figura 1). Tomando como referência Bento Gonçalves, a região apresenta um

clima vitícola IS00IH4 IF2 (úmido, temperado quente, de noites temperadas)

(TONIETTO & CARBONNEAU, 1999). O relevo ondulado a forte ondulado apresenta

grande variedade de declividades e exposição de encostas (SARMENTO et al.,

2006).

Figura 1: Localização do Vale dos Vinhedos no Rio Grande do Sul.

O Vale dos Vinhedos situa-se na porção sudoeste da Encosta Superior do Nordeste,

possui uma área de aproximadamente 82.790 hectares e abrange parte da

superfície dos municípios de Bento Gonçalves (13,6% do município), Monte Belo do

Sul (8,5%) e Garibaldi (14,9%) (Figura 2).

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O material utilizado neste estudo consiste de um conjunto de dados digitais e

softwares de processamento de informações georreferenciadas, quais sejam:

- Imagem do satélite SPOT 5, de 23/11/2002, com resolução espacial de 5

metros;

- Cartas topográficas digitais na escala 1:10.000, resultantes da restituição de

fotografias aéreas obtidas em 01/11/2005;

- Carta topográfica vetorizada, a partir de original na escala 1:50.000 produzida

pela Diretoria de Serviço Geográfico do Exército (DSG), Folha SH.22-V-D-II-2

Bento Gonçalves;

- Mosaico digital de ortofotos na escala 1:5.000, obtidas em 01/11/2005, com

resolução espacial de 0,6 metros;

- Software de edição vetorial Cartalinx (© Clark labs);

- Software de Sistema de Informação Geográfica Arcview (© ESRI).

O primeiro passo foi efetuar a delimitação da área de trabalho. Para fins práticos a

delimitação foi feita seguindo uma divisão sistemática das cartas topográficas digitais

disponíveis para a região na escala 1:10.000. A área selecionada equivale à

superfície de meia carta topográfica nessa escala ou à superfície de duas folhas na

escala 1:5.000 (Figura 2), e sua escolha foi feita visando contemplar locais afetados

tanto por usos do solo rurais quanto urbanos.

Em seguida efetuou-se a interpretação de uma imagem do satélite SPOT 5, com

resolução espacial de 5 metros. O método adotado foi interpretação visual, com

delimitação em tela das diferentes categorias de uso do solo. Nesta etapa foi

possível efetuar a identificação e mapeamento de áreas sob cobertura de floresta,

áreas urbanizadas e áreas ocupadas com uso agrícola, sem diferenciação do tipos

de cultivo.

Como a interpretação da imagem SPOT não possibilitou a diferenciação dos

vinhedos de outros tipos de uso agrícola, isto foi realizado mediante interpretação de

um mosaico digital de fotografias aéreas ortorretificadas na escala 1:5.000. O

método utilizado para individualização dos vinhedos também foi interpretação visual

com delimitação através de vetorização em tela.

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Figura 2: Delimitação do Vale dos Vinhedos e identificação das cartas mapeadas.

Após o mapeamento dos vinhedos realizou-se um cruzamento entre o mapa de

vinhedos obtido do mosaico de fotos aéreas com o mapa de uso do solo obtido da

imagem SPOT. Este processo foi realizado com auxílio de sistema de informação

geográfica (SIG) e possibilitou avaliar que proporção da superfície das APP está

ocupada com uso agrícola e destinada a vinhedos. Como resultado, se obteve um

novo mapa contendo as categorias floresta, área urbanizada, vinhedo e tipo de

cultivo.

A etapa seguinte foi a delimitação das APP através de análise espacial em SIG.

Com base nos mesmos critérios, procedeu-se ao cálculo utilizando os elementos da

base cartográfica respectivamente nas escalas 1:10.000 e 1:50.000. Os critérios

aplicáveis à área de estudo para mapear as APP, com base no Código Florestal,

foram os seguintes:

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- 50 metros em torno de nascentes (foram consideradas como nascentes as

extremidades dos cursos d’água contidos nas cartas topográficas das duas

escalas acima mencionadas);

- 30 metros ao longo dos cursos d’água;

- 50 metros em torno de corpos d’água naturais ou artificiais com superfície

inferior a 20 ha.

A última etapa foi o cruzamento em SIG dos mapas de APP derivados das cartas

1:10.000 e 1:50.000 com o mapa de uso do solo e vinhedos, com vistas a identificar

e quantificar a área total de cada tipo de uso e de APP, bem como a proporção

destas já utilizada com usos antrópicos ou ainda sob cobertura florestal.

Resultados e discussão

A área total mapeada e analisada neste trabalho corresponde a 1.306,3 hectares

(Tabela 1 e Figura 3). Deste total, 445,7 ha encontram-se ocupados por vinhedos,

333,4 ha por outros tipos de uso agrícola, 427,3 ha estão cobertos por florestas

naturais ou implantadas e 100,0 ha foram considerados como áreas urbanizadas.

O resultado da espacialização das APP a partir das cartas 1:10.000 e de seu

cruzamento com o uso do solo são mostrados na tabela 2 e na figura 4. A superfície

de APP soma 251 ha, o que corresponde a cerca de 19% da área total mapeada.

Embora as APP não devessem ter uso algum, apenas 32% ainda possuem

cobertura original de floresta, o restante está ocupado por vinhedos (16,8%), outros

tipos de agricultura (38,8%) ou por áreas edificadas (12,4%).

Tabela 1. Superfície ocupada pelos diferentes usos na área estudada.

Uso em toda a superfície Área (ha) Proporção (%)

Agricultura (vinhedos) 445,7 34,1

Agricultura (outros) 333,4 25,5

Floresta (natural e implantada) 427,3 32,7

Área urbanizada 100,0 7,7

Total 1306,3 100,0

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Figura 3. Uso do solo na área mapeada.

Tabela 2. Superfície ocupada pelos diferentes usos nas APP delimitadas a partir das

cartas topográficas em escala 1:10.000.

Usos nas APP Área (ha) Proporção (%)

Agricultura (vinhedos) 42,20 16,8

Agricultura (outros) 97,28 38,8

Floresta (natural e implantada) 80,36 32,0

Área urbanizada 31,18 12,4

Total 251,00 100,0

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Figura 4. Uso do solo nas APP delimitadas a partir das cartas topográficas em

escala 1:10.000.

O resultado da espacialização das APP a partir das cartas 1:50.000 e de seu

cruzamento com o uso do solo são mostrados na tabela 3 e na figura 5. A superfície

de APP gerada com essa escala soma 99,8 ha, o que corresponde a cerca de 8% da

área total mapeada. Cerca de 32% das APP delimitadas nesta escala ainda

possuem cobertura original de floresta, o restante está ocupado por vinhedos

(21,4%), outros tipos de agricultura (36,6%) ou por áreas edificadas (10%).

Tabela 3. Superfície ocupada pelos diferentes usos nas APP delimitadas a partir das

cartas topográficas em escala 1:50.000.

Usos nas APP Área (ha) Proporção (%)

Agricultura (vinhedos) 21,33 21,4

Agricultura (outros) 36,49 36,6

Floresta (natural e implantada) 31,96 32,0

Área urbanizada 10,03 10,0

Total 99,8 100,0

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Figura 5. Uso do solo nas APP delimitadas a partir das cartas topográficas em

escala 1:50.000.

As tabelas 2 e 3 mostram o efeito da escala da base cartográfica utilizada na

delimitação das APP. A principal diferença se refere à superfície de APP, que na

escala 1:50.000 representa apenas 40% da superfície total de APP delimitada a

partir da escala 1:10.000. Essa diferença é função do maior detalhamento da escala

1:10.000, que permite registrar cursos e corpos d’água de dimensões inferiores

àqueles cartografados na escala 1:50.000.

Apesar da diferença observada na superfície de APP, as proporções ocupadas pelos

diferentes tipos apresentam poucas diferenças entre as duas escalas. A proporção

de floresta, por exemplo, manteve-se a mesma. As diferenças verificadas ocorreram

entre as proporções dos diferentes usos antrópicos, mas a sua soma destes usos se

manteve constante nas duas escalas.

A ocupação das APP na região estudada provavelmente está associada a várias

causas, como a pressão antrópica imposta pelo desenvolvimento econômico da

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região, as deficiências das instituições responsáveis no controle e fiscalização

ambiental, bem como a falta de consciência do setor produtivo sobre sua

responsabilidade na preservação dos recursos naturais.

A adequação do uso do solo à legislação ambiental pode ser um fator importante

não somente na preservação dos recursos naturais, mas também na valorização da

paisagem rural e dos produtos agropecuários produzidos na região. Ela necessita do

desenvolvimento de políticas e da implementação de ações com embasamento

técnico e legal, que por sua vez dependem de instrumentos que permitam realizar

avaliações consistentes. O emprego de SIG e de uma base cartográfica para

mapear as APP pode ser uma alternativa eficaz, pois permite aplicar critérios

uniformes sobre grandes extensões territoriais, reduzindo a subjetividade e

garantindo maior consistência nos resultados.

Neste sentido, a definição de uma escala de mapeamento destas áreas é de

fundamental importância, visto que o detalhamento da base cartográfica pode

influenciar significativamente no resultado. Seria recomendável, inclusive, que a

legislação ambiental contemplasse este aspecto. Para tal, também é relevante levar

em consideração os mapeamentos sistemáticos disponíveis. Do contrário, a

exigência de uma base cartográfica em uma determinada escala irá gerar um custo

não justificado.

Conclusões

Área predominantemente agrícola desde o final do século XIX, a Serra Gaúcha

também é hoje importante pólo industrial. O melhoramento da qualidade do vinho,

além de dinamizar o setor vitícola, agregou uma nova alternativa econômica através

do turismo rural/enológico. A qualidade do vinho também está associada à qualidade

ambiental dos locais de produção de uva. Levar em consideração a legislação

ambiental agregará valor ao produto trazendo benefícios não apenas à conservação

do solo e da água, mas também à paisagem rural da região, num mosaico que

alterna cobertura do solo com vinhedos, áreas urbanizadas e áreas com cobertura

de vegetação nativa em um ambiente com relevo ondulado. A adequação do uso do

solo à legislação ambiental também pode ser um fator importante na valorização da

paisagem rural com vistas ao turismo rural e dos produtos agropecuários oriundos

da região. A delimitação das áreas de preservação permanente, entretanto, deve

deixar clara a escala da base cartográfica sobre a qual foi gerada. Isto assegurará

tanto aos proprietários das terras como aos órgãos fiscalizadores uma base comum

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de atendimento à legislação vigente. Sugere-se a inclusão na legislação ambiental

de recomendação ou exigência de escala a ser utilizada em áreas urbanas e não

urbanas, levando em consideração inclusive as bases cartográficas sistemáticas

disponíveis.

Referências bibliográficas

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