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A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO DA BRINCADEIRA N A EDUCAÇÃO INFANTIL
Rita Azevedo Dantas1 Fátima Lúcia Soares Ribeiro 2
Resumo
Neste artigo, nos propusemos a uma reflexão sobre a forma com que a brincadeira vem sendo inserida dentro da instituição de Educação Infantil. Para isso buscamos compreender, por meio de observações e entrevistas realizadas em uma escola da Rede Municipal do Recife, como os momentos do brincar estão sendo inseridos dentro da rotina da instituição. O que foi feito através da análise da organização do tempo e dos espaços para o desenvolvimento dessa atividade infantil, assim como, da importância que os profissionais dão às brincadeiras. Concluímos que a organização dos espaços e do tempo partem de uma reflexão de quais experiências e explorações a instituição e o professor(a) pretende proporcionar a essas crianças.
Palavras-chave
Criança - Brincadeira - Organização - Rotina - Espaço.
1. Introdução
Ao observarmos o papel exercido na atualidade pelas escolas,
percebemos a função que vai além de um prolongamento da educação
oferecida pela família. Pois, propicia às crianças um novo contexto de
realizações, com outros protagonistas além dos pais e irmãos.
Considerando que a criança tanto necessita sentir-se segura, acolhida e
bem cuidada (alimentar-se, higienizar-se), como também, que seja oferecida à
mesma momentos, onde possa desenvolver sua sociabilidade, sua afetividade
e sua identidade. A escola passa a inserir no cotidiano dos pequenos,
experiências diferentes das vividas no âmbito familiar, tais como: socialização
com crianças de idades superiores e inferiores; elaboração por parte das
próprias crianças de soluções para alguns conflitos que possam vir a surgir a
1 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected] 2 Mestra em Psicologia Cognitiva. Professora do DMTE/CE/UFPE. [email protected]
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partir das socializações com outros; vivências de atividades e (ou) brincadeiras
com materiais diversos, como pedra, areia, argila; entre outras experiências
dentro do contexto escolar.
Dentro dessas novas experiências do mundo infantil, a brincadeira
possui papel destacado, pois ela é uma atividade socialmente construída onde
as crianças irão interagir com os colegas, desenvolver sua capacidade
simbólica, a imitação, a diferenciação de papéis, a criatividade, entre outros
atributos, expressando suas emoções e sua visão sobre o mundo.
Assim, se a escola tem como papel propiciar momentos diversificados
para que a criança se desenvolva, e a brincadeira vem sendo introduzida na
rotina das instituições de Educação Infantil, tanto como forma de expressão
livre da criança, quanto como apoio nas atividades pedagógicas. Como então
os momentos do brincar estão organizados dentro da instituição de Educação
Infantil?
O presente artigo tem como objetivo analisar como se organiza o tempo
e o espaço para o brincar dentro de uma instituição de Educação Infantil
localizada na cidade do Recife. Para isso buscamos: identificar como a
brincadeira vem sendo inserida na rotina da instituição; descrever o tempo
disponibilizado para os momentos do brincar; caracterizar os espaços
disponíveis para o desenvolvimento da brincadeira; e, conhecer que papel os
professores atribuem à brincadeira no contexto da Educação Infantil.
2. Referencial Teórico
2.1. Sobre as concepções de Educação Infantil
Com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, no período da
Revolução Industrial, as instituições infantis passaram a crescer cada vez mais.
Porém, as mesmas, eram enxergadas pela sociedade como um depósito de
crianças, pois as mães, as quais não tinham com quem deixar seus filhos,
contavam com essa ajuda para poder trabalhar (Oliveira, 1992). Com os
movimentos por melhores condições de trabalho, feitos pelos imigrantes
europeus que chegaram ao Brasil, entre outras questões, também
reivindicaram mais creches. Foi então que os donos das indústrias começaram
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a criar creches dentro das empresas para o bem estar das mães e o aumento
da produtividade (Oliveira, 1992).
Nesta época, as creches tinham como mentores os médicos sanitaristas
“preocupados com a higiene e as condições de vida da população mais pobre,
que dispunham, em geral, apenas de moradias insalubres e superlotadas”.
(Oliveira, 1992, p. 19) Ou seja, um trabalho assistencial-custodial com ênfase
nas ações de cuidados das crianças tais como: alimentação, higiene e
segurança física.
No campo da psicologia, os estudos desenvolvidos aprofundavam cada
vez mais o conceito de criança e de infância como uma etapa com
características próprias. A partir desses estudos desenvolveram-se algumas
concepções de Educação Infantil pautadas por pressupostos distintos. Uma
delas, já citada acima, teria como eixo principal o cuidar, contendo um aspecto
hospitalar. Outra baseada apenas no educar, servindo de uma preparação para
a escola básica (Ensino Fundamental), explorando os aspectos cognitivos da
criança, para desenvolver as habilidades necessárias de leitura e escrita,
atividades basicamente com papel e lápis. Isto é, “a alfabetização ou a
numeralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e da
distribuição das tarefas, as rotinas repetitivas” (Craidy e Kaercher, 2001, p. 17).
E ainda, a visão que uniria esses dois aspectos, o cuidar e o educar, vendo o
cuidar como o atendimento às necessidades básicas das crianças (carinho,
afeto, atenção, cuidados de higiene, etc) e o educar acontecendo em todas as
relações ocorridas dentro e fora do âmbito escolar, pois a criança estará
participando, interagindo com os outros (sejam crianças ou adultos), adquirindo
e reinterpretando experiências culturais do seu meio de convivência, e não
apenas como forma de reprodução do código alfabético (Craidy e Kaercher,
2001).
Assim, o cuidar não seria apenas tratar da higiene, alimentação e saúde
da criança, mas também, da organização da rotina, preocupando-se com a
criança e o adulto responsável, com a organização do espaço, para
proporcionar segurança e interação das crianças com os outros. E o educar
perpassaria por uma visão mais ampla percebendo o sujeito como criativo,
espontâneo, pensante, com sede de aprender, mas não só a escrever e ler,
mas toda a cultura da sociedade que o cerca. Pois, é nessa cultura que estarão
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presentes formas de se expressar, tradições, costumes, história, objetos,
modos de conviver. Portanto, a experiência que as crianças irão viver não é de
descoberta, mas de recriação.
2.2. Sobre a brincadeira
“Ao prover uma situação imaginativa por meio da atividade livre, a criança desenvolve a iniciativa, expressa seus desejos e internaliza as regras sociais” (Kishimoto, 2003, p. 43).
A brincadeira pode incidir no desenvolvimento infantil em três
dimensões: cognitiva, social e emocional (afetiva) da criança. Os estudos feitos
pelo teórico Vygotsky demonstram que a criança aprende na interação com
outros sujeitos e com os meios nos quais ela está inserida (Craidy e Kaercher,
2001). Esta interação se dá principalmente através da brincadeira, podendo ser
inseridas em muitos momentos na rotina das creches e pré-escolas, pois
mesmo nas situações do cuidar, as brincadeiras podem estar presentes.
Temos como exemplo: ao tomar banho o adulto pode utilizar uma música para
criar um ambiente de brincadeira, a criança por sua vez será induzida a lavar
todas as partes do corpo de uma maneira prazerosa, ajudando a intensificar a
interação entre a criança e o adulto.
Os termos brinquedo, brincadeira e jogo possuem, segundo Kishimoto
(2003, p. 7), os seguintes significados:
O brinquedo será entendido sempre como objeto, suporte da brincadeira, brincadeira como descrição de uma conduta estruturada, com regras e o jogo infantil para designar tanto o objeto e as regras do jogo da criança (brinquedo e brincadeiras).
Porém, a autora explicita em seu estudo que a brincadeira e o jogo são
citados por diversos autores como indiferentes em relação ao seu significado.
Sendo relacionados ações que proporcionam prazer (ou desprazer); contém
regras implícitas ou explicitas; incerteza nos resultados; imaginação; etc. Tendo
o jogo ou brincadeira às funções, na educação infantil, lúdicas, quando propicia
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a criança prazer (desprazer), diversão, liberdade, ou educativas, ensinando
saberes, conhecimentos e com objetivos específicos a serem alcançados.
De acordo com os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil3 (1998), para que uma criança possa desenvolver sua autonomia
praticando ações e julgamentos, tendo noção da importância da cooperação,
obtendo a capacidade de relacionar-se estabelecendo vínculos, ampliando
suas formas de comunicação, partilhando significados, desejos e seu ponto de
vista, é preciso que ela: “exercite o autogoverno, usufruindo de gradativa
independência para agir, tendo condições de escolher e tomar decisões,
participando do estabelecimento de regras e sanções” (RCNEI, 1998, p. 15).
Para Craidy e Kaercher (2001), os jogos de manipulação e construção,
como os de blocos de madeira de diversas formas e tamanhos, são os que
ajudam a criança a desenvolver aspectos motores e intelectuais, como a
seriação, o equilíbrio, a diferenciação entre menor e maior, cores, etc.
No entanto, é no acontecimento do jogo livre que a criança entra num
processo de aprendizagem espontânea, aprendendo sem medo de errar e sem
o constrangimento da presença do adulto, pois, ao brincar ela busca
estratégias na resolução de obstáculos e conflitos possivelmente presentes.
(Kishimoto, 2003).
Além de aprender conhecimentos e habilidades na brincadeira,
especificamente a de faz de conta, a criança passa através da imitação a
assumir papéis observados por ela. Primeiramente de pessoas próximas de
sua convivência, e depois outros modelos, como motorista, médico, e etc,
reproduzindo gestos e ações. Podendo, também, a criança copiar animais,
representando-os; passando, assim, a entender um pouco dos papeis
exercidos por esses diversos modelos dentro da sociedade, pois ao imitar,
estão observando como essas pessoas e/ou animais se portam, movimentam-
se e interagem.
Portanto, a brincadeira consiste em uma experiência enriquecedora,
tendo em vista que a criança não fica apenas em contato com os colegas de
classe, mas, também, interagindo com as outras crianças maiores e menores
que ela. É nesse momento que se constroem como sujeitos históricos,
3 Durante o decorrer do presente texto os Referências Curriculares Nacionais para a Educação Infantil passarão a serem citados apenas como RCNEI.
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aprendendo a conviver, a partilhar, a perceber seu corpo e sua limitação,
interagindo com o ambiente e as pessoas, ou seja, se sociabilizando.
As brincadeiras desenvolvem os aspectos cognitivos e sociais; e
ampliam os aspectos afetivos, pois fazem a criança reviver momentos de
felicidade ou de angustia, ajudando a entrar em contato com seus sentimentos
de uma forma não traumática, trabalhando suas emoções a respeito de
determinado assunto. Através dela, principalmente a de faz de conta, a criança
pode reinterpretar a realidade vivida ou observada, dando novos significados
por conter como base a imitação e o jogo simbólico que é entendido como uma
possível forma utilizada pela criança no encontro da satisfação fantasiosa,
compensando na brincadeira certos desejos e vontades reprimidas (Kishimoto,
2003). Ou seja, a criança pode representar no jogo ou brincadeira, uma
impressão desagradável que lhe ocorreu, um fato que lhe deixou com raiva,
mas ela o reprime, fazendo ao brinquedo o que gostaria de fazer à pessoa na
qual teve o desentendimento. Com isso traz na criança, na maioria das vezes,
uma sensação de alivio, por ter exposto seus sentimentos.
Para Lebovici e Diatkine (1985, p. 22), “ao passar da passividade do fato
à atividade do jogo, a criança provoca, em qualquer um dos seus camaradas, a
sensação desagradável por ela experimentada”. Utilizando o brinquedo e a
própria situação do brincar como substitutos, transferindo suas emoções mais
intimas e intensas em brincadeira, satisfazendo seus desejos de expressão
suprimidos pelos olhares da sociedade, no qual impõe à criança atitudes como
as de obediência e passividade diante dos acontecimentos, projetando os
perigos internos no mundo real (externo).
Em suma, ao brincar a criança será possibilitada de: explorar seu corpo
e seus movimentos, enxergando-se como diferente do outro; obter a noção de
coletividade e cooperatividade por meio das brincadeiras coletivas; possuir
independência para agir, no instante em que decide, escolhe, cria regras para
suas próprias brincadeiras; estabelecer vínculos afetivos, com os colegas e
adultos; conhecer a cultura e o mundo adulto, pela imitação; expressar seus
sentimentos (raiva, felicidade, angustia, dor) e desejos; etc.
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2.3. A organização da brincadeira na Educação Infan til
Independente das brincadeiras a serem executadas pela criança,
existem aspectos essenciais ao desenvolvimento da mesma.
Sendo os(as) professores(as), maiores referencias das crianças dentro
das creches e pré-escolas, os pequenos muitas vezes espelham-se nas ações
e nos valores passados por esses profissionais, do que é certo ou errado, bom
ou ruim, tentando assimilar e atribuir a sua personalidade, solicitando a
presença desses profissionais nas brincadeiras para melhor observá-las. Bem
como afirmam, alguns teóricos como Kishimoto (2003), Craidy e Kaercher
(2001), a criança brinca se você brinca, seja você adulto ou outro colega, pois
se desenvolve na interação por possibilitar trocas de experiências.
Nessa visão a posição a qual o(a) professor(a) se coloca diante da
brincadeira da criança vai incidir no desenvolvimento da mesma, podendo
ele(a) possuir três funções.
A primeira delas é a função de “observador”, na qual o professor procura intervir o mínimo possível, de maneira a garantir a segurança e o direito a livre manifestação de todos. A segunda é a de “catalisador”, procurando através da observação, descobrir as necessidades e os desejos implícitos na brincadeira, para poder enriquecer o desenrolar da brincadeira. E, finalmente, a de “participante ativo” nas brincadeiras, atuando como um mediador das relações que se estabelecem e das situações surgidas, em proveito do desenvolvimento saudável e prazeroso das crianças. (Craidy e Kaercher, 2001, p. 98)
Corroborando com a ideia da importância do professor temos os
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006), atentando
para o papel importante que o professor possui no desenvolvimento da
brincadeira por ser o mesmo na maioria das vezes também o organizador dos
espaços.
Sendo assim, percebe-se a importância em ser propiciado tempo para
planejamento não só das atividades, mas também das brincadeiras, inserindo-
as na rotina. Atentando para as diversidades de materiais a serem
disponibilizados para as crianças observam-se a segurança de acordo com
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cada idade, e a maneira da arrumação para uma maior acessibilidade dando
autonomia as crianças em manuseá-los (Craidy e Kaercher, 2001; Wajskop,
1997; Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, 2006).
Segundo Hoffman (2007), a construção do tempo e do espaço para o
desenvolvimento de atividades e/ou brincadeiras tem como referências
principais o professor e o aluno, sendo construído e reconstruído em propósito
ao possível e necessário ao grupo de crianças, e ao educador que naquele
grupo interage.
De acordo com Bassedas (1999) o planejamento vai dar base para,
decidir a melhor organização do espaço para que essa criança se desenvolva,
organizando o tempo, adaptando as necessidades e possibilidades da criança,
orientando as metodologias que a professora poderá utilizar. Sendo introduzido
em todos os âmbitos da rotina escolar desde os hábitos as atividades mais
especializadas, como música, dança e etc.
Assim, Bassedas (1999) traz uma reflexão em seu livro como um
resumo do para quê planejar na Educação Infantil, que seria:
[...] planejar permite tornar ‘consciente a intencionalidade que preside a intervenção; permite prever as condições mais adequadas para alcançar os objetivos propostos; e permite dispor de critérios para regular todo processo’. (BASSEDAS, 1999, p. 113).
Em relação ao espaço, percebe-se a necessidade de existir exploração
dos ambientes tanto externos como internos, diversificando os contextos
(RCNEI, 1998). Pois, de acordo com os Parâmetros Nacionais de Qualidade
para a Educação Infantil (2006), incentivar momentos na área externa das
instituições, principalmente ao ar livre, em contato com a natureza, terra, água,
plantas, possibilita à criança a consciência da preservação da natureza, além
da percepção do homem como parte da mesma. Ou seja, dependendo da
organização dada ao ambiente, a criança pode encontrar atividades
desafiadoras, onde ela é ativa; ou desestimulante, onde ela não se sente
instigada a participar (Oliveira,1992).
Nesse sentido a importância dada a brincadeira partirá principalmente da
concepção que os educadores(as) envolvidos na Educação Infantil possuem da
mesma e de como será organizado o momento do lúdico dentro do currículo
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desenvolvido pela instituição de Educação Infantil, para que se garanta que os
jogos e brincadeiras sejam realmente utilizados a favor da criança, mantendo
os aspectos citados acima.
3. Metodologia
Realizamos um estudo dentro da abordagem qualitativa de acordo com
Ludke e André (1986). Segundo estes autores a pesquisa qualitativa tem como
características principais: a introdução do pesquisador no campo de pesquisa,
ou seja, no ambiente natural onde se realiza as relações entre os sujeitos e os
fenômenos a serem estudados; o contato direto do investigador, fazendo ele
pessoalmente boa parte do trabalho de campo, a descrição e a interpretação
dos dados; e tendo o investigador como principal instrumento da pesquisa, por
interagir com a situação da mesma, dando total relevância às perspectivas dos
participantes sobre o fenômeno abordado.
A pesquisa foi realizada em uma escola da rede municipal de ensino da
cidade de Recife. Sendo escolhida por ser a mesma exclusivamente dedicada
ao ensino das crianças em idade pré-escolar. Focamos duas turmas com
crianças na faixa etária de 4 e 5 anos. A escolha dessa faixa etária se deu por
acreditarmos ser nessa idade que a criança começa a ser inserida, mais
sistematicamente, no mundo das letras perdendo o espaço para a brincadeira.
No total foram feitas dez visitas à escola, sendo quatro dias de observação
para cada turma (ver roteiro de observação no anexo 1). Durante os quatros
primeiros dias de coleta de dados procuramos observar a rotina do grupo, o
contexto da sala de aula, assim como, também da instituição: como ela é
organizada, espaço, estrutura, e principalmente os momentos de ludicidade,
focando o olhar para o desenvolvimento das brincadeiras, tanto na sala de aula
como nos espaços externos a sala. No quinto dia de visita foram feitas
entrevistas semi-estruturadas com as professoras com o propósito de conhecer
qual o papel que elas atribuem à brincadeira e qual a função que, para elas, a
mesma exerce no desenvolvimento da criança (ver roteiro da entrevista no
anexo 2).
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As professoras serão citadas no decorrer da pesquisa como professora
A (PA) e professora B (PB). A professora A leciona no grupo 5 com crianças na
faixa etária de cinco anos de idade. Possui formação em Pedagogia com
especialização em Educação de Jovens e Adultos, Globalização e
Multiculturalismo. A professora B leciona a turma do grupo 4 com crianças na
faixa etária de quatro anos de idade, possuindo graduação em Pedagogia e
especialização em Educação Infantil.
Os dados colhidos foram submetidos à análise com base na literatura
estudada. Serão apresentados seguindo a seguinte sequência: discussão
sobre o papel atribuído às brincadeiras pelo professor; entendimento sobre a
construção da rotina dos grupos; e posteriormente a organização que a
brincadeira possui dentro da rotina, tanto em relação ao tempo disponibilizado,
como em relação ao espaço.
4. Análise dos dados
4.1. Qual papel as professoras entrevistadas atribu em à brincadeira
Ao ser perguntado às professoras qual o papel da brincadeira no
desenvolvimento da criança, obteve-se duas respostas que parecem seguir a
mesma linha de raciocínio, pois a PA responde ser “... importante para o
desenvolvimento físico e cognitivo da criança”, e a PB traz a ideia da
brincadeira como uma ação executada para melhorar a aprendizagem, onde “...
corpo e mente trabalham juntos...“ e ainda a questão de “... fazer parte da
natureza da criança...”. Pode-se então deduzir que as professoras partem do
principio da brincadeira ser uma ação na qual a criança irá trabalhar o seu lado
físico e cognitivo, indo a PB mais além em sua resposta ao afirmar melhorar a
aprendizagem da criança no processo da brincadeira.
De acordo com estudos na área de educação infantil (Oliveira,1992;
Craidy e Kaercher, 2001; Wajskop, 1997; etc.), assim como o próprio RCNEI
(1998), a brincadeira além de trabalhar o lado cognitivo e físico da criança,
possibilita o desenvolvimento de aspectos afetivos, sociais e morais. Os
estudos a respeito da brincadeira na Educação Infantil demonstram ser
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importante para o desenvolvimento da criança. Pois, através da brincadeira, ela
expressa sua criatividade, seus desejos, suas emoções. É nesse momento em
que, na brincadeira a criança passa a interagir com os colegas, se
sociabilizando, adquirindo aos poucos noções de direitos e deveres para com o
outro, construindo sua identidade social, e experimentando regras e diversos
papéis sociais.
Na fala da PB podemos destacar também o momento em que ela diz ser
a brincadeira “parte da natureza da criança”. Provavelmente ela adquiriu esse
discurso com a própria vivência ao observar a importância dada pelas próprias
crianças a essa atividade. Pois, como afirma Craidy e Kaercher (2001, p. 104)
“o brincar é uma forma de linguagem que a criança usa para compreender e
interagir consigo, com o outro, com o mundo”, demonstrando prazer e ao
mesmo tempo seriedade na realização da brincadeira.
Ao longo do texto do RCNEI (1998), se expressa como objetivo para a
criança o brincar, e dentro de seus conteúdos, a organização de momentos
para propiciar o acontecimento da brincadeira. Assim, nos estudos citados
acima, dá-se muita ênfase ao papel da brincadeira na Educação Infantil ao
deixar claro a necessidade de inserir na rotina das crianças o tempo e o espaço
para o brincar.
Também foi perguntado às professoras como percebem esses
momentos da brincadeira para elas e para as crianças. Na visão da PA, “o
momento das brincadeiras é fundamental para que as crianças desenvolvam
as regras, a fantasia e a integração do grupo. E é o momento do professor
avaliar o avanço do grupo”. Já na resposta da PB expressa ser “o momento da
brincadeira muito rico para a criança, porque ela demonstra muito a
aprendizagem, e cria autonomia e critério para suas brincadeiras”.
As duas professoras confirmam em sua resposta utilizarem a brincadeira
como forma de observar a aprendizagem das crianças. Para PA é uma forma
de avaliar, ao mesmo tempo em que para a PB, uma maneira da criança
demonstrar sua aprendizagem. Nesse sentido as professoras afirmam que ao
brincar a criança deixa transparecer sua criatividade, sua forma de enxergar o
mundo, dando significado às experiências aprendidas tanto na escola como
nos outros contextos fora da sala de aula de uma maneira muito natural pelo
fato da brincadeira proporcionar prazer e divertimento a mesma.
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Algumas autoras como Wajskop (1997) e Hoffmann (2007) afirmam ser
a brincadeira uma forma de avaliar a criança sem colocar nenhuma pressão
sobre ela, uma vez que nesse processo as professoras poderão perceber as
crianças à luz de suas próprias representações, teorias e sentimentos, por não
haver nessa interação a intervenção do adulto e, assim, a criança sentir-se
mais livre, expressando suas ideias e emoções longe de julgamentos.
No decorrer das entrevistas as duas professoras falaram, também, da
questão do direcionamento dado pelo adulto à brincadeira da criança. Onde a
PA expressa possibilitar às crianças do seu grupo tanto o momento da
brincadeira de forma livre como dirigida, mas na sua visão é a brincadeira
dirigida o momento de maior aprendizagem, pois para ela isso possibilita às
crianças conhecerem as noções de normas e regras embutidas no jogo. Na
fala da PB parece haver uma concordância com o que foi respondido antes
pela primeira professora. Em seu discurso ela pode mudar sua proposta de
aula para atender à motivação dos alunos, mas apesar de acatar algumas
sugestões das crianças ela mesma procura organizar as brincadeiras em cima
de objetivos a serem atingidos e acredita ser na brincadeira dirigida que a
criança aprende mais, por haver a interferência nas resoluções dos conflitos e
problemas que possam surgir.
Ou seja, tanto para PA como para PB a brincadeira com o
direcionamento dado pelo adulto parece ser a forma com que a criança
desenvolve as “competências”, nas quais as professoras objetivam que alcance
onde existe a possibilidade de manter o controle da sala de aula, das crianças
e das brincadeiras em si.
Percebemos então, que ambas as professoras enxergam a brincadeira
como instrumento de aprendizagem e de avaliação, a qual irá propiciar um
auxilio no desenvolvimento da sua prática pedagógica. Todavia, as duas
professoras não deixam de expressar a função abrangente que a brincadeira
possui, ao proporcionar a fantasia, a invenção de regras e critérios pelas
próprias crianças, dando autonomia as mesmas.
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4.2. Rotina e planejamento das professoras entrevis tadas
Em relação à rotina, buscou-se compreender através de perguntas como
as professoras entrevistadas procuraram construir a rotina do grupo, isto é,
priorizando quais fatores.
A professora A afirma priorizar tanto atividade de letramento como
atividades lúdicas: “nos horários antes do recreio são desenvolvidas atividades
de letramento e após o recreio são atividades lúdicas”.
A professora B afirma construir sua rotina com base em leituras de
textos, contos infantis, jogos e brincadeiras.
Para construção da minha rotina eu vou pensando na leitura de textos diversos priorizando o conto infantil para recontar, dramatizar e expressar, observando a compreensão de leitura das crianças. Baseando-me também na releitura de palavras, letras, através de jogos e brincadeiras.
Em seguida procuramos compreender como o lúdico e mais
especificamente a brincadeira eram inseridas na rotina dos dois grupos. Tanto
a professora A como a professora B deram suas respostas delimitando esses
momentos em tempos específicos.
As atividades lúdicas, como disse antes, são organizadas após o horário do recreio. As crianças brincam durante 30 minutos no pátio ou parque e na sala com jogos pedagógicos (professora A). Todos os dias eu disponibilizo tempo para jogos e brincadeiras…as crianças possuem 20 minutos de recreio, 30 minutos de brincadeira no parque e 25 minutos de jogos com objetivos pré-determinado, dentro de sua rotina, como momentos lúdicos (professora B).
Porém, apesar das professoras expressarem como constroem sua rotina
e como inserem dentro da mesma os momentos para atividades lúdicas,
deixam controvérsias em suas repostas a respeito do planejamento. Pois, a
professora B assegura possuir no inicio do ano dois dias para planejamento do
ano letivo. Em contrapartida a professora A afirma não ter tido nenhum espaço
para planejamento até o momento presente da pesquisa.
Portanto, enquanto uma professora alega ter feito planejamento a outra
afirma não ter sido possibilitado a mesma o momento para o planejamento.
Todavia as duas demonstram apresentar uma rotina construída por elas.
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Diante da literatura consultada nesta pesquisa, alguns autores destacam
a importância do planejamento para que se construa a rotina do grupo. Esse
planejamento deve considerar o tempo disponível para o desenvolvimento das
atividades, os espaços disponíveis para se trabalhar com o grupo, a faixa
etária, os objetivos propostos para a Educação infantil, assim como, uma
reflexão sobre os contextos que, as crianças que irão integrar esses grupos
pertencem.
4.3. Organização da brincadeira na rotina dos grupo s
4.3.1. Em relação ao tempo
De acordo com Craidy e Kaercher (2001) e com os RCNEIs (1998) para
dispor as atividades no tempo destinado às rotinas das crianças, faz-se
necessário levar em consideração as necessidades biológicas (cuidados),
psicológicas (aprendizagem) e de prazer. Onde aconteçam atividades
permanentes, para que as crianças possam obter uma segurança nos fatos
que se sucederão. Assim como, que o planejamento seja flexível de acordo
com o ritmo e os interesses das crianças.
Observando a rotina dos dois grupos pudemos perceber uma
flexibilidade entre os dias da semana. As atividades que se mantiveram fixas
em seus horários foram apenas às de chegada, de cuidados pessoais
(higienização), de alimentação, e a hora do recreio. Durante as duas semanas,
em que as turmas foram acompanhadas, o momento do recebimento das
crianças acontecia sempre no mesmo horário, às 13:30 h, os pequenos
formavam filas por turma e ficavam esperando suas respectivas professoras.
Quando as professoras chegavam ao pátio posicionavam-se em frente das
crianças e juntamente com elas faziam um momento de oração. Ao terminar as
orações as crianças seguiam para suas respectivas salas.
Os momentos de higienização aconteciam antes do horário do lanche,
as crianças lavavam suas mãos, e após, realizando a escovação dos dentes e
limpeza da face. A alimentação aconteceu todos os dias às 15:30 h, no período
de tempo de meia hora. Logo em seguida, ao momento da refeição, as
crianças saiam de sala para o recreio, durante aproximadamente meia hora.
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Na sala da professora A além das atividades com horários fixos,
anteriormente citados, aconteceram também atividades dirigidas que foram
realizadas, em sua grande maioria, antes da merenda e/ou após o recreio.
Segundo Kishimoto (2003), as atividades dirigidas constituem-se em ações
orientadas em busca de propósitos pedagógicos. As atividades dirigidas eram,
em sua grande maioria, compostas de desenhos mimeografados em folhas de
papel oficio. A professora instruía as crianças a fazerem comparações entre os
desenhos para depois colorir. Observou-se uma atividade de desenho da letra
inicial do nome com tinta e após desenho livre. Também o uso de um jogo
intitulado pela professora “jogo das letras”. Com a ajuda e a orientação da
professora as crianças construíram, colando letras, com seus nomes numa
folha de papel oficio.
No espaço de tempo entre uma atividade e outra houve momentos de
brincadeira. Foram totalizadas, além do horário de recreio, seis ocasiões onde
a brincadeira desenvolveu-se. Durante os dias das observações, a brincadeira
aconteceu ora dentro de sala, com alguns brinquedos e objetos dispostos ao
alcance das crianças, ora no parque próximo a sala de aula, ao irem
terminando a atividade proposta. Tanto as brincadeiras dentro da sala como as
no parque aconteceram em horários diferentes, não se repetindo todos os dias.
Quando as crianças estavam brincando, tanto numa ocasião como na outra, a
professora A ficava a observá-los e/ou a fazer e corrigir atividades. Em nenhum
momento presenciou-se a professora A participando ou direcionando as
brincadeiras, apenas reprimindo-as em ocasiões onde ela julgava estar
atrapalhando o término de atividades por parte dos alunos que ainda estavam
fazendo atividade.
Durante o desenvolvimento da brincadeira o professor pode assumir
algumas funções: cumprir apenas o papel de observador, interferindo o mínimo
possível, garantido a segurança das crianças; ou a função de catalisador,
observando e descobrindo as necessidades e os desejos que as crianças
possuem dentro da brincadeira, para poder ajudar o desenrolar do processo ou
como participante ativo.
A professora A parece atuar apenas como observadora da situação do
brincar, pois sua intervenção se referia apenas à segurança e a ordem. As
próprias crianças aproveitavam os espaços entre uma atividade e outra para
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brincar, pois partiam delas mesmas a iniciativa de pegar alguns brinquedos e
iniciar algum tipo de brincadeira. Como por exemplo, montagem de armas,
casas e carros com jogos de encaixe, brincadeira de vender objetos, etc.
Alguns estudos (Kishimoto, 2003; Craidy e Kaercher, 2001; RCNEI,
1998; Wajskop, 1997; Lebovici e Diatkine,1985) expressam a necessidade de
inserir na rotina da Educação Infantil períodos de tempo onde a brincadeira
possa se desenvolver, mostrando a situação de prazer proporcionada à criança
ao brincar por ser uma forma de expressão livre.
Na sala da professora B após a entrada das crianças acontecia a
chamada e em seguida uma contação de história ou conversas a respeito dos
nomes das crianças. Temos como exemplo a discussão sobre qual letra
começava o nome, se tinha alguma letra igual a do colega e etc. E as
atividades dirigidas pela professora ocorriam, geralmente, antes da refeição ou
logo após o recreio. Em geral, as atividades consistiam em leituras de
literaturas infantis, desenho a respeito da história ouvida, em outras ocasiões,
atividade escrita do nome com o auxilio da professora.
Foram registrados apenas três momentos, além do recreio, onde a
brincadeira se sucedeu: dois na hora da saída, consistindo em uma brincadeira
de “boca de forno” enquanto as crianças esperavam a chegada de seus pais, e
uma brincadeira com brinquedos trazidos pela professora; e outro depois do
recreio, onde brincaram no parque da escola.
Apesar de não se constatar períodos de tempo consideráveis para o
desenvolvimento da brincadeira nesta sala, as crianças procuravam, no
desenrolar das atividades, conversar bastante e brincar com os objetos
dispostos na mesa como lápis, borracha e garrafa de água. Como também
costumavam fugir da sala em algumas situações de distração da professora B
para ir brincar no parque.
Percebemos uma diferenciação entre a professora A e a professora B no
que diz respeito à postura em relação à brincadeira, pois ao participar junto
com as crianças da brincadeira de “boca de forno” a professa B passa a
interagir com as crianças colocando-se numa posição um pouco mais
abrangente do que apenas observadora e fiscal da situação do brincar.
O brincar não significa a ausência do educador, mas sim, a presença
dele exercendo outros papéis, não mais apenas de diretor da brincadeira ou
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jogo, direcionando-a ao alcance de seus propósitos, colocando-se com outra
postura, onde ele pode passar a conhecer muito mais as crianças que fazem
parte daquele contexto pela observação das brincadeiras e da postura que os
mesmos (crianças) possuem na socialização com seus colegas, resolvendo
conflitos e demonstrando situações do seu cotidiano, exercendo a função de
mediador, observando os acontecimentos dentro da brincadeira e
aproveitando-os em prol do desenvolvimento da própria criança, sem uma
intervenção direta (Craidy e Kaercher, 2001). Além de proporcionar momentos
de ludicidade ao perceber nas crianças o prazer da leitura de literaturas
infantis, sem restringir suas atividades apenas a reprodução do código
alfabético, expondo as crianças ao mundo das letras de uma forma mais
prazerosa.
Ao reportar nos discursos das professoras demonstrados nas análises
das entrevistas, citadas acima, constatamos que as mesmas concebem a
brincadeira como parte integrante das crianças, pois percebem a necessidade
da criança em brincar e que para as próprias professoras esse momento
possibilita a elas observar o desenvolvimento infantil e avaliar a aprendizagem
adquirida. Todavia, percebemos que a brincadeira não era inserida na rotina
com este propósito de observar e avaliar, pois ao mesmo tempo em que as
crianças estavam brincando as professoras realizavam outras ações, como
preparação de atividades e outros serviços. Excetuando-se um momento,
citado anteriormente, onde a professora B participa da brincadeira.
Em relação ao tempo disponibilizado para o acontecimento das
brincadeiras podemos constatar o uso das mesmas como maneiras de “tapar
os buracos” entre uma atividade e outra, sem haver qualquer forma de
planejamento e até mesmo quase nenhuma intervenção ou interação por parte
das professoras, apesar da afirmação das mesmas em dizer que a brincadeira
é importante para o desenvolvimento infantil e afirmarem em seus discursos
possibilitarem momentos específicos para o acontecimento da mesma.
4.3.2. Em relação ao espaço
4.3.2.1. Uso do espaço externo
A organização do espaço físico possui influencia direta nos processos de
ensino e aprendizagem. Pois, dependendo da forma de organização do
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ambiente, o professor terá (ou não) subsídios para desenvolver seus objetivos
pedagógicos, assim como propiciará (ou não) na criança autonomia,
estabilidade e segurança para desenvolver-se fisicamente, psicologicamente,
intelectualmente e socialmente (RCNEI, 1998).
A instituição de ensino objeto dessa pesquisa funciona num espaço
físico “improvisado”, isto é, não foi construída com base num planejamento
especifico para a construção de uma escola. É uma casa adquirida pela
Prefeitura do Recife e posteriormente transformada numa instituição de
Educação Infantil.
A escola possui dois pátios, com áreas relativamente grandes: na frente,
onde existe uma árvore proporcionando bastante sombra, com piso em
cimento; e outro localizado nos fundos da escola onde parte dele é coberto no
qual fica um parque com escorrego, balanço e casinha; e parte sem telhado,
havendo ainda uma área de terra com um pé de acerola. Tem cinco salas de
aula, sendo quatro na área interna da casa e uma nos fundos junto ao pátio de
trás. Uma cozinha, um corredor entre as salas que funciona como sala para
os(as) professores(as), uma sala destinada à direção e a secretária
juntamente, um banheiro para adulto, dois banheiros para as crianças e um
almoxarifado.
O pátio da frente possui várias utilidades para o desenvolvimento de
atividades. Nele se concentra o recebimento das crianças no inicio do horário,
a recreação no horário do recreio, e o momento de contação de histórias
coletivo. Já o pátio dos fundos destina-se apenas ao horário determinado pelas
professoras para o momento de brincadeira no parque. Segundo as
professoras entrevistadas, o espaço só pode ser aproveitado por uma turma de
cada vez para não causar tumultos e acidentes.
De acordo com os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação
Infantil (2006, p. 26), a área externa da instituição “deve corresponder a no
mínimo 20% da área total construída e ser adequada para atividades de lazer,
atividades físicas, eventos e festas da escola e da comunidade”. Nesse sentido
a escola usa bem o espaço externo ao proporcionar o aproveitamento das
crianças dessas áreas.
No entanto, observou-se que no momento do recreio as crianças
aproveitam apenas o espaço físico do pátio da frente, sem ser possibilitado a
19
elas um ambiente com alternativas diversificadas, pois os adultos que ali se
encontram restringem-se a observar a brincadeira atentando para os conflitos
que possam surgir entre os pequenos e a segurança desses. Em nenhum
instante interferem sugerindo ou direcionando algum tipo de brincadeira. Além
disso, não é oferecido às crianças qualquer tipo de objeto ou brinquedo ao qual
possam interagir. Assim, os meninos brincavam geralmente de correr atrás do
colega e capturá-lo (“polícia e ladrão”), e as meninas, em sua grande maioria,
de mãe e filha, em um canto do pátio para não serem machucadas com a
correria dos colegas.
Segundo Craidy e Kaercher (2001), é importante que nesses espaços
externos sejam colocados à disposição das crianças diversos brinquedos e
jogos para poder haver diferentes formas de se brincar, e estruturas como
mesa e banco de cimento, casinhas, escorregadores, caixa de areia com
materiais para brincar de comidinha, e etc.
Nesse sentido como já mencionamos a escola possui no pátio dos
fundos uma estrutura com parque, escorregadores, casinha, balanço, escada.
Porém, a utilização do pátio da frente se faz com mais frequência e com o
coletivo das crianças, pois são os momentos onde juntam todas as turmas da
escola (recreio e contação de historias coletivamente), havendo uma interação
entre crianças de idades diferentes.
Percebemos então, que os espaços externos poderiam ser mais bem
aproveitados. O pátio da frente com um ambiente mais diversificado de
materiais, e o pátio dos fundos utilizado de forma coletiva integrando grupos.
4.3.2.2. Uso das salas de aula
A sala da professora A, fica nos fundos da escola, é uma sala construída
à parte da casa. A sala fica próxima ao pátio dos fundos onde há o parque,
perto tem uma mangueira e um pé de acerola. Ao lado da sala encontram-se
dois banheiros infantis, os únicos da escola, cada um contendo um vaso
sanitário, o lavatório fica do lado de fora.
Dentro da sala, há o birô da professora, um espelho grande próximo à
porta, dois armários pequenos, um quadro branco, dois ventiladores, seis
mesas pequenas para as crianças, um aparelho de som, e uma estante com
alguns objetos (jogos de madeira, jogos de emborrachado). A sala é decorada
20
com o alfabeto contendo também figuras relacionadas às letras, desenhos com
crianças e os numerais. Não possui janela ampla, apenas um basculante.
O espaço da sala da professora A é relativamente pequeno, ocupado
pelos objetos que ali estão dispostos, mesas, birô e estante, não ficando
nenhum espaço livre para as crianças brincarem. Durante as observações
podemos presenciar as crianças utilizando o espaço das próprias mesas para
dispor alguns brinquedos de manipulação e construção (blocos de madeira,
letras de emborrachado, peças de encaixe de plástico). Assim, como
brincadeiras de imitação em frente ao espelho.
A sala da professora B localiza-se dentro da casa e fica logo na entrada.
Ela possui duas janelas com grade dando a visão do pátio da frente, ventilador
de teto, cinco mesas para as crianças, um birô, dois armários e dois quadros
brancos, além de algumas prateleiras numa altura em que as crianças não
podem alcançar os objetos, decoradas com letras, números e alguns desenhos
com crianças. O espaço físico da sala é um pouco mais amplo do que a outra
sala descrita acima e também mais iluminada e arejada.
Nesta sala presenciamos alguns momentos de reorganização do espaço
no momento da contação de história. A professora B reorganizava as mesas
deixando um espaço livre para que as crianças possam sentar no chão, e ela
fazer a leitura do livro infantil. Porém, não constatamos nenhum tipo de
brinquedo disposto na sala, pois os armários se encontravam sempre
fechados. Somente em uma ocasião foi presenciado a brincadeira com alguns
brinquedos. A professora B alegou ter trazido os mesmos de casa por não ter
recebido ainda por parte da instituição e por considerar ser necessário na
realização desses momentos dada à necessidade das crianças em brincar.
Constatamos assim, que a organização do ambiente da sala possuía
relação direta com a falta de espaço físico e a falta de materiais suficientes
para propiciar experiências diversas. Porém alguns referenciais teóricos nos
mostram que o ambiente pode sim ser organizado e reorganizado de acordo
com atividades e brincadeiras a serem propostas mesmo dentro de limites e
salas com espaços escassos.
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5. Conclusão
Através das análises das respostas das professoras colhidas nas
entrevistas percebemos a importância dada por elas para a questão da
brincadeira dentro da escola. Porém, em contra partida, não constatamos
quase nenhuma intervenção das mesmas em relação à realização desses
momentos do brincar, inseridos na rotina para passar o tempo.
Quanto às observações feitas em relação ao uso do espaço para a
brincadeira podemos concluir que o mesmo não era utilizado proporcionando
diversificação de elaborações por parte das crianças, pois a falta de material,
como no caso do pátio da frente, e das salas de aulas, não possibilitavam a
criatividade e exploração das crianças. Uma maneira eficaz de se intervir e dar
mais possibilidades de construções nesses ambientes seria a introdução de
materiais manipuláveis e removíveis no pátio, assim como a disposição nas
salas de armários com diferentes tipos de brinquedos ao alcance das crianças,
pois, segundo os Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil (2006), o
espaço lúdico deve ser dinâmico e explorável.
A organização do espaço escolar influencia para o bem estar dos
profissionais e crianças circundantes ao ambiente. Um espaço pensado para
todos que ali convivem, pois para a criança sentir-se bem nesse local é preciso
que todos se sintam à vontade para realizar suas funções. Portanto faz-se
necessário pensar nas necessidades da criança em brincar, descansar,
alimentar, aprender, e outras mais, desenvolvendo na escola os espaços onde
isso aconteça. Como também, espaços necessários para o desenvolvimento do
trabalho dos professores e outros profissionais atuantes, como sala de
professores e coordenação.
Por ter sido a pesquisa realizada no início do ano letivo, as crianças
estavam se adaptando ao ambiente e as professoras, assim como as
professoras aquele novo grupo de crianças, e por isso provavelmente a rotina
ainda estava em construção. Porém, por esse motivo, talvez a brincadeira
poderia ser utilizada para melhor adaptar as crianças ao novo contexto e as
atividades dirigidas, com objetivos e intencionalidades de aprendizado mais
sistemáticas, menos exploradas dando mais espaço para as brincadeiras. Pois
como mencionado anteriormente na brincadeira a criança demonstra sua visão
22
de mundo, seus conhecimentos, sem pressão. E, portanto as professoras
poderiam utilizar o momento do brincar para conhecer melhor as crianças do
grupo, seus gostos, desejos e formas de interagir, empregando essas
informações para construção das atividades dirigidas e dos objetivos de
aprendizado a atingir.
6. Referências bibliográficas ANDRÉ, Marli. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995. ANDRÉ, Marli; LUDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. BASSEDAS, Eulália; HUGUET, Tereza; SOLÈ, Isabel. Aprender e ensinar na
educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 1999.
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Congresso Nacional; 1996. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Vol. 01 e 02. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. Vol. 01 e 02. Brasília: MEC/SAB, 2006. CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis E. Educação infantil: Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. HOFFMANN, Jussara. Avaliação na pré-escolar: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 2007. LEBOVICI, S.; DIATKINE, R. Significado e função do brinquedo na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. MINAYO, Maria Cecília (organizadora). Pesquisa social: teoria método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. OLIVEIRA, Zilma Ramos. Creches: Crianças, faz-de-conta & cia. 13a ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1997.
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Anexos Anexo 1
Roteiro das observações
Registro das observações realizadas:
a) Descrever e analisar o espaço físico da sala observada para o
desenvolvimento da brincadeira:
•Ambiente (iluminação, ventilação, segurança, espaço);
•Mobília (disposição geral do espaço);
•Paredes (murais, chamadas, trabalhos das crianças);
•Materiais (brinquedos, papéis, livros, revistas, jogos);
b) Descrever detalhadamente o que foi observado em relação:
•A disposição de materiais para o desenvolvimento da brincadeira.
•Descrever como estão organizadas as salas de aula e os espaços externos
(pátios).
•Descrever como transcorram as atividades propostas pela professora.
•Descrever o tempo disponibilizado para o acontecimento de brincadeiras.
•Registrar quais brincadeiras aconteceram durante os dias de observação e a
participação ou não das professoras nessas brincadeiras.
•Registro de quando começa e termina cada atividade e o tempo de atividades.
c) Hora do recreio:
Brinquedos, jogos, brincadeiras, participação das professoras,
intervenções de outros profissionais.
Anexo 2
Roteiro da entrevista semi-estruturada
� Qual a sua formação?
� Como foi construída a rotina do grupo? O que foi priorizado?
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� Dentro dessa rotina como foi organizado o tempo e o espaço do lúdico?
� Ainda dentro da organização da rotina, qual o momento de planejamento
disponibilizado para você?
� Como você procura realizar seu planejamento? Baseado em que?
� Em relação aos momentos lúdicos na rotina, qual tempo é
disponibilizado para a brincadeira?
� As brincadeiras são organizadas por você ou as crianças possuem a
possibilidade de escolha livre?
� Como você enxergar esses momentos da brincadeira para você
mesma(o) e para as crianças?
� Qual o papel da brincadeira no desenvolvimento da criança?
� Em que momento você acha que a criança aprende mais, nas
brincadeiras dirigidas ou livres?