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A organização do espaço produtivo no assentamento Sumaré I Autora: Gláucia Miranda Ramirez CPF: 254.997.548-02 Doutoranda em Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável pela Faculdade de Engenharia Agrícola – UNICAMP Bolsista CNPq Endereço: R. João Baptista Dalmédico, nº 259, Parque Ceasa, Campinas-SP CEP: 13082-660 e-mail: [email protected] Co-autora: Vanilde Ferreira de Souza CPF: 190.898.658-19 Doutoranda em Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável pela Faculdade de Engenharia Agrícola – UNICAMP Bolsista CNPq Endereço: R. João Baptista Dalmédico, nº 259, Parque Ceasa, Campinas-SP CEP: 13082-660 e-mail: [email protected] Co-autora: Sonia Maria P. P. Bergamasco CPF: 276.458.278-15 Prof. Titular da Faculdade de Engenharia Agrícola – UNICAMP Bolsista de pesquisa CNPq Endereço: R. Desemb. Antão de Moraes, 295, Cidade Universitária, Campinas-SP CEP: 13083-100 e-mail: [email protected] Área Temática: Grupo 9 - Reforma Agrária e Políticas de Redução da Pobreza Forma de apresentação: apresentação em sessão com debatedor. 1

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A organização do espaço produtivo no assentamento Sumaré I

Autora: Gláucia Miranda Ramirez CPF: 254.997.548-02

Doutoranda em Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável pela Faculdade de Engenharia Agrícola – UNICAMP

Bolsista CNPq Endereço: R. João Baptista Dalmédico, nº 259, Parque Ceasa, Campinas-SP

CEP: 13082-660 e-mail: [email protected]

Co-autora: Vanilde Ferreira de Souza CPF: 190.898.658-19

Doutoranda em Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável pela Faculdade de Engenharia Agrícola – UNICAMP

Bolsista CNPq Endereço: R. João Baptista Dalmédico, nº 259, Parque Ceasa, Campinas-SP

CEP: 13082-660 e-mail: [email protected]

Co-autora: Sonia Maria P. P. Bergamasco CPF: 276.458.278-15

Prof. Titular da Faculdade de Engenharia Agrícola – UNICAMP Bolsista de pesquisa CNPq

Endereço: R. Desemb. Antão de Moraes, 295, Cidade Universitária, Campinas-SP CEP: 13083-100

e-mail: [email protected]

Área Temática: Grupo 9 - Reforma Agrária e Políticas de Redução da PobrezaForma de apresentação: apresentação em sessão com debatedor.

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A organização do espaço produtivo no assentamento Sumaré I

Resumo

O presente trabalho analisa as transformações observadas no espaço físico, social e produtivo de um assentamento rural, Sumaré I, através da utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIGs). Utilizou-se para isto dois mapas temáticos referentes as safras 89/90 e 93/94, além de outros dois mapas de uso e ocupação do solo respectivamente nos anos 2000 e 2004. O uso deste instrumental de análise mostra-se eficiente pois permite a visualização das transformações ocorridas no espaço rural. Pode-se perceber, ao discutir os resultados obtidos, que a organização do espaço nos lotes está associada ao ambiente socioeconômico gerado pelas famílias do assentamento e que essas, com o passar dos anos, estabelecem estratégias que lhes garantam a perpetuação das mesmas e do patrimônio familiar.

PALAVRAS-CHAVE: assentamento rural, mudanças sociais e produtivas, Sistemas de Informações Geográficas (SIGs).

A organização do espaço produtivo no assentamento Sumaré I1

1 Este trabalho faz parte da pesquisa “A Dinâmica dos Assentamentos de Trabalhadores Rurais e seus Efeitos sobre o Espaço Social e Físico”, a qual foi realizada pelas equipes de professores/pesquisadores da Faculdade de Engenharia Agrícola da UNICAMP em parceria com

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1. Introdução

As primeiras iniciativas de implantação de assentamentos rurais, no estado de São Paulo, surgiram no governo Carvalho Pinto (1958 a 1962) por meio do Programa de Revisão Agrária. Tal programa tinha como objetivo assentar 500 a 1000 famílias por ano, mas apenas dois projetos-piloto foram criados. Um deles localizado em Campinas com 72 famílias, cuja área fora desapropriada através de negociação amigável do governo estadual com um proprietário particular; e o outro localizado na cidade de Marília, com 103 famílias, numa área da Secretaria Estadual da Saúde, transferida para a Secretaria Estadual de Agricultura, com a finalidade de implantar um assentamento.

Durante o governo militar pouco se fez pela questão agrária, ficando a política fundiária estagnada nesse período. Apenas nos anos 80, devido ao processo de redemocratização pelo qual o país passava, a disputa pela terra, no estado de São Paulo, reinicia-se através da organização dos movimentos sociais, provocando a reinserção da reforma agrária no debate político. As lutas dos trabalhadores rurais foram marcadas pelas relações de trabalho e pelos conflitos pela posse da terra, ou seja, foram lutas de posseiros, arrendatários, parceiros e sitiantes atingidos por barragens. Assim, os assentamentos rurais do estado tiveram origem na organização sindical de trabalhadores rurais assalariados do corte da cana e através de trabalhadores rurais sem terra, que nos anos 80 procuraram nos movimentos sociais organizados uma maneira para se fixarem na terra (BERGAMASCO & NORDER, 1999).

Em função dessas lutas surgem diversos assentamentos no estado. Assim, percebe-se que os assentamentos estão inseridos no espaço rural paulista que, apesar de possuir uma política agrícola voltada para o agribusiness, conta com 141 núcleos de assentamentos rurais, acolhendo 9624 famílias em uma área total de 214.104,58 ha, com uma área média por família de 20,93 ha (BERGAMASCO et al., 2002). Com isso vemos que o meio rural do estado de São Paulo está ocupado por duas diferentes formas de produção. De um lado, temos um modelo de agricultura onde prevaleceu o desenvolvimento do grande capital, a qual está baseada em técnicas industriais de produção caracterizada, sobretudo, pela monocultura, integrando-se totalmente ao mercado. Por outro lado, temos uma forma de produção diversificada que possui suas bases no trabalho familiar, sendo este o contexto no qual os assentamentos rurais estão inseridos.

A implantação de assentamentos rurais é uma das formas objetivas de se fazer reforma agrária (BERGAMASCO & NORDER, 1996, p. 7) acreditam que “de maneira genérica, os assentamentos rurais podem ser definidos como a criação de novas unidades de produção agrícola, por meio de políticas governamentais visando ao reordenamento do uso da terra, em benefício de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra” .

No contexto da reforma agrária brasileira, o termo assentamento está relacionado a um espaço preciso em que uma população será instalada é, portanto, uma transformação do espaço físico, cujo objetivo é a sua exploração agrícola (BERGAMASCO; BLANC-PAMARD & CHONCHOL, 1997). Como o seu significado remete à fixação do trabalhador na agricultura,

pesquisadores do “Centre de Recherches sur le Brésil Contemporaim” da “Ëcole des Hautes Etudes en Sciences Sociales” de Paris, com a qual as citadas equipes possuem longa tradição de trabalho em conjunto.

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envolve também a disponibilidade de condições adequadas para o uso da terra e o incentivo à organização social e à vida comunitária. Aliado a isto, está o fortalecimento e a ampliação da agricultura familiar, que consiste na exploração de uma parcela de terra tendo como trabalho direto a mão-de-obra familiar, portanto, torna-se necessário compreender de que modo os espaços se modificam na medida em que os assentamentos se constroem. Para Pélissier e Sauter (apud Bergamasco et al., 1997) esse tipo de estudo permite um aprofundamento dos mecanismos da vida rural, da organização do assentamento, abrangendo com precisão as justificativas e eficiências das técnicas utilizadas e, esclarece com segurança a herança camponesa.

Diante disso, o estudo dos assentamentos rurais, surge num contexto de ocupação de terras através de pessoas que perderam o acesso a este recurso no decorrer de uma longa história de migração nas várias regiões do país. A relação com o espaço é captada no movimento que caracteriza a história dessas pessoas, sendo que parte delas instalou-se na cidade, há algum tempo, mas com um passado rural que as marcou profundamente e que constitui sua identidade. Perante as modificações que os assentamentos causam no espaço físico do meio rural paulista, o presente estudo visa, a partir da utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) e da superposição e composição de mapas analisar o processo de organização do espaço produtivo no assentamento Sumaré I. 2. O espaço da pesquisa

O assentamento Sumaré I surgiu, “juridicamente falando”, a partir do Programa de Valorização de Terras Públicas (Lei Estadual n. 4957 de 30 de dezembro de 1985), no governo de Franco Montoro. O processo de luta pela terra dos assentados de Sumaré I iniciou-se, no final da década de 70, a partir da reunião de famílias de trabalhadores rurais recém chegadas à cidade. Essas famílias reuniam-se em um salão comunitário para reflexões bíblicas, sendo o debate realizado em torno da conjuntura política e econômica que o país se encontrava. Foi notória a participação de setores progressistas da Igreja Católica, influenciados pela Teologia da Libertação, no desenvolvimento de uma organização que, posteriormente, resultou no referido assentamento.

Como proposta inicial para diminuir as precárias condições de vida dos desempregados e dos aposentados que pertenciam ao grupo, este partiu para um projeto de horta comunitária em terrenos urbanos desocupados. A renda proveniente da venda dos produtos hortícolas era então dividida entre os participantes. O sucesso deste projeto incentivou outras ações coletivas, como compra conjunta de alimentos básicos (BERGAMASCO & NORDER, 1999).

Com o agravamento da situação econômica do país, cresceu o número de necessitados, e a renda gerada pelos referidos projetos (horta e compras comunitárias) se mostrou insuficiente para amenizar a situação dos participantes. As posições do grupo eram fundamentadas pelas passagens bíblicas, como a menção à Terra Prometida para o Povo de Deus (Êxodo - Velho Testamento). Assim, o grupo passou a ver na reforma agrária uma possível e legítima solução para sua insustentável situação socioeconômica. O grupo tomou a iniciativa de convidar para um debate líderes do Assentamento Primavera2, os quais relataram sua experiência de luta. Ao 2 A Fazenda Primavera, na região de Andradina, foi formada na década de 20, mas sua ocupção se deu apenas na década seguinte. A ocupação da Fezenda se deu, geralmente, por arrendatários. No final da década de 40, o proprietário da Fazenda decidiu fixar taxas mais altas nos contratos de arrendamento ou parceria, sendo este o “ponta pé” para o início dos conflitos, que se estenderam até a década de 70. Em

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invés de desânimo o relato das dificuldades enfrentadas gerou muita expectativa e esperança, que se espalha pela região, resultando na adesão de 600 famílias ao movimento (BERGAMASCO et al., 1996).

A dificuldade em se trabalhar com um número tão grande de pessoas levou à divisão desse grande grupo em quatro subgrupos – Sumaré, Limeira, Nova Odessa e Nova Veneza –, que estavam ligados através de um conselho central formado pelas lideranças de cada subgrupo.

O grupo de Sumaré, formado por cinqüenta famílias, que há um ano participava dos debates, decidiu pela ocupação da Fazenda Tamoyo, em Araraquara-SP, cuja área já se encontrava em processo de desapropriação. Depois de três dias de acampamento, sob pressão da polícia e de jagunços, duas famílias desistiram. As remanescentes desocuparam a área e partiram para nova ocupação, no Horto Florestal de Araras, de propriedade da FEPASA (Ferrovias Paulista S/A), onde encontraram outras famílias já instaladas em seus barracos de lona. Em seis dias, a FEPASA conseguiu reintegração de posse, forçando-os a acampar nas margens da Rodovia Anhangüera, na entrada da cidade de Campinas. Depois de meses, o Estado, através do Instituto de Assuntos Fundiários (IAF), viabilizou um assentamento no Horto Florestal da Boa Vista, também sob o controle da FEPASA, no município de Sumaré. O fim do processo resultou na seleção de 26 famílias do grupo de Sumaré para serem assentadas na área. Das demais famílias algumas desistiram e outras foram ocupar outras áreas onde se implantaram novos assentamentos como Sumaré II, Porto Feliz, etc (BERGAMASCO et al., 1996).

Sob a forma jurídica de concessão de uso, a posse da terra foi concedida aos trabalhadores, conforme previsto no Programa de Valorização de Terras Públicas do Estado. Após a conquista da terra tem-se a constituição do processo produtivo. Sendo, portanto, uma área ocupada por eucaliptos, as famílias tiveram como desafio modificar essa paisagem e transformá-la numa paisagem agrícola diversificada e equilibrada.

A implementação do assentamento ocorreu com a participação das famílias, as quais já possuía uma experiência de organização coletiva, o que facilitou o início da construção social de uma nova realidade para elas. Com a ajuda das famílias foi possível traçar as transformações que ocorreram nas áreas agrícolas objetivando entender, em parte, a dinâmica deste assentamento. 3. Considerações metodológicas

A área de estudo, o assentamento Sumaré I, está localizada numa das regiões mais industrializadas do estado de São Paulo. A área total do município de Sumaré é relativamente pequena, sendo que sua área rural está sob grande pressão da urbanização do aglomerado urbano de Campinas. De acordo com dados do Censo Agropecuário de 1995/96 mais da metade da área agrícola do município está ocupada com a cultura da cana-de-açúcar, cerca de 270 ha são ocupados com lavouras permanentes e aproximadamente 300 ha com pastagens. Tem-se o registro ainda da presença de atividades hortícolas comerciais e avicultura.

1977 houve a consolidação da reivindicação da desapropriação da área, que veio a ser decretada em 1980. Em 1983 foram assentadas 4 famílias em 9845 ha (BERGAMASCO & NORDER, 2003).

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O núcleo de assentamento Sumaré I foi implantado em 237,59 ha dos 855,2 ha do Horto Florestal Boa Vista. Dos 237,59 ha cerca de 1 ha era considerado inaproveitável para fins agrícolas, 18,40 ha foram destinados à infra-estrutura e 31,47 ha foram mantidos como área de reserva/preservação ambiental. Assim, coube aos assentados, ou seja, às 26 famílias, cerca de 187 ha, ou seja, coube a cada família assentada 7 ha para a exploração agrícola (Figura 1). O Mapa da divisão dos lotes do Assentamento Sumaré I é extremamente importante neste estudo, pois é o instrumento que serviu de base para a realização da pesquisa que deu origem a este texto. Foram pesquisados 10 dos 26 lotes do assentamento conforme poderá ser visto nas figuras 4 e 5.

Figura 1: Mapa da divisão dos lotes do Assentamento Sumaré I. Fonte: BERGAMASCO et al., 1997.

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Para cumprir com o objetivo proposto partiu-se para uma interpretação de mapas de produção confeccionados através da utilização de técnicas de Sistemas de Informações Geográficas. Mas, para falar sobre SIG torna-se necessário antes ter uma noção do seu significado e da área de conhecimento a qual pertence: o geoprocessamento, que emprega técnicas matemáticas e computacionais, cujo objetivo é o tratamento de informações geográficas. As ferramentas computacionais do geoprocessamento são chamados de Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), os quais possibilitam a execução de análises complexas ao integrar dados de diversas fontes e ao possibilitar a geração de bancos de dados georreferenciados (CÂMARA & MEDEIROS, 1998).

Resumidamente, o termo Sistema de Informação Geográfica (SIG) está relacionado aos sistemas que executam tratamento computacional de dados geográficos. Um SIG armazena a geometria e as características dos dados que se encontram georreferenciados, ou seja, dados que estão localizados na superfície terrestre e numa dada projeção cartográfica.

A condição de armazenar a geometria dos dados geográficos e dos seus atributos revela uma dualidade básica para os SIGs. Isto significa, que para cada objeto geográfico, um SIG tem a necessidade de armazenar seus atributos e as diversas formas de representações gráficas associadas. Devido ao seu leque de aplicações, existe pelo menos três maneiras de se utilizar um SIG. São elas: • como ferramenta para a formação de mapas; • como suporte para análise espacial de fenômenos; • como um banco de dados geográficos, com funções de armazenamento e

recuperação da informação espacial. (CÂMARA & MEDEIROS, 1998). Neste estudo, o SIG foi utilizado para a produção dos mapas temáticos e do mapa

cadastral3 do assentamento Sumaré I. A produção dos mapas temáticos para o assentamento Sumaré I foi realizada através da utilização de uma fotografia aérea (corrigida com base no mapa de divisão dos lotes), mapa de divisão dos lotes e dados de produção levantados junto aos assentados; a digitalização do mapa desta área foi realizada utilizando-se o programa computacional Spring 4.0 (Sistema de Processamento de Informações Georreferenciadas).

O programa Spring foi desenvolvido pelo Inpe (Instituto Nacional e Pesquisas Espaciais) em 1993, sendo um software que permite a construção de sistemas de informações geográficas para aplicação em diversas áreas do conhecimento, como por exemplo: agricultura, floresta, gestão ambiental, planejamento urbano e regional, além de ser de acesso fácil a qualquer usuário de SIG, pois se trata de um software livre.

O mapa cadastral foi confeccionado com base no mapa de divisão dos lotes. Cada lote foi considerado um objeto geográfico e a eles foram associados uns bancos de dados, gerados a partir dos questionários do projeto “A dinâmica dos assentamentos rurais e seus efeitos sobre o espaço social e físico”.

As etapas realizadas para a elaboração do mapa cadastral foram: importação do mapa de divisão dos lotes e da fotografia aérea para o programa Spring; sobreposição do mapa de lotes sobre a fotografia aérea da área; digitalização dos lotes que foram vinculados ao banco de dados; seleção das informações para compor o banco de dados 3 “Os mapas temáticos descrevem, de forma qualitativa, a distribuição espacial de uma grandeza geográfica. Os dados para a produção desses mapas são obtidos a partir de um levantamento de campo. (...) Os mapas cadastrais distinguem-se dos temáticos no sentido de que cada elemento é considerado como um objeto geográfico, possuindo atributos e podendo estar associado a várias representações gráficas.” (CÂMARA & MEDEIROS, 1998, p. 13).

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(retiradas do questionário mencionado anteriormente); confecção das tabelas que fazem parte do banco de dados; associação dos objetos geográficos (lotes) ao banco de dados; análise do mapa a partir de consultas objeto/banco de dados.

4. Transformação do espaço produtivo no assentamento Sumaré I

Depois de alguns impasses entre os assentados, o governo estadual e a FEAPASA (Ferrovias Paulistas S/A) sobre o destino da madeira do assentamento, a situação foi resolvida com o compromisso do governo em dar outra madeira à FEPASA. Com a venda da madeira os assentados conseguiram destocar pouco mais de 82% da área, sendo o restante patrocinado pelo próprio governo. Nessa fase de construção do espaço produtivo todo o trabalho era realizado coletivamente e, de acordo com os próprios assentados, conforme a destoca era realizada, o plantio se iniciava.

Nos primeiros anos do assentamento (1984 e 1985) os assentados optaram pelo plantio de três culturas para a comercialização: o feijão, o arroz e o milho. Esses produtos foram escolhidos porque ao mesmo tempo em que são destinados à comercialização, poderiam garantir o autoconsumo da família.

Em menor escala, as famílias decidiram produzir gêneros para seu auto-abastecimento alimentar como, por exemplo, a abóbora, a mandioca, o quiabo, a batata doce. No primeiro ano foram plantados ainda abacate, goiaba, laranja e manga, sendo que em meados de 1987 essas frutíferas já estavam produzindo. Assim, parece claro que nos primeiros anos do assentamento a produção agrícola estava segmentada entre as culturas destinadas para a comercialização e àquelas destinadas ao autoconsumo (BERGAMASCO et al., 1996). Isso pode ser visualizado através do mapa de produção agrícola dos lotes referentes à safra 1989/1990 (Figura 2), o qual foi realizado em toda a área, pois se trata de dados levantados para uma outra pesquisa, sendo então aproveitados para esse estudo. Percebe-se por meio desse mapa que os lotes, de maneira geral, possuíam uma produção bastante diversificada.

Na Figura 3 pode-se observar que houve uma diminuição na diversificação da produção durante a safra 93/94 quando comparada com a safra 89/90. Isto ocorre porque apesar das culturas tradicionais de sequeiro como o arroz, o feijão, o milho e a mandioca garantirem o abastecimento das famílias, elas não garantiam uma renda monetária satisfatória. Sendo assim, a solução que se apresentou foi uma maior intensificação na tecnologia e a criação de grupos de produção, que juntos conseguiram obter melhor preço para seus produtos.

Figura 2: Mapa temático com as culturas da safra 89/90. Fonte: BERGAMASCO et al., 1997.

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Figura 3: Mapa temático com as culturas da safra 93/94 . Fonte: BERGAMASCO et al., 1997.

A partir das Figuras 4 e 5, nota-se que os mapas confeccionados com os dados agrícolas dos anos de 2000 e 2004 não possuem informações sobre todos os lotes, visto que foram realizados através da amostra inicial da presente pesquisa. Sendo assim, a pesquisa apresenta dados de 10 lotes do assentamento Sumaré I.

De maneira geral, percebe-se que houve uma modificação acentuada nos lotes agrícolas, se comparados os plantios dos anos 2000 e 2004. No caso dos lotes 25 e 06 essa mudança não se deu de maneira tão acentuada, pois os responsáveis mantiveram o plantio das mesmas culturas, variando somente o tamanho da área que cada uma ocupava. Neste caso percebe-se que são assentados mais antigos e, conseqüentemente, mais tradicionais do que o restante, o que significa uma maior dificuldade em aceitar mudanças.

Analisando lote a lote observa-se que o lote 23, em 2000, tinha como cultivo milho consorciado com mandioca e pastagem. Em 2004, modificou-se o plantio consorciado plantando uma área maior de mandioca e inserindo o plantio de quiabo, numa área que, anteriormente, era destinada à pastagem. Nesse caso, percebe-se que o assentado retirou a pastagem para dar lugar a uma cultura anual, isso pode significar uma mudança de estratégia para obtenção de renda.

No lote 21, em 2000, observava-se, na área, cultivo de café, o qual havia sido plantado logo no início do assentamento. Em 2004, a área de café foi substituída por mandioca, pois a produtividade da antiga cultura era muito baixa. Há, também, nesse caso um aumento da área de arroz em conseqüência da diminuição da área com mamona. É interessante observar que, em 2000, esse foi o único assentado a plantar tal cultura. Trata-se de um lote bastante diversificado, como pode ser observado na Figura 5. Apesar da área de arroz ter aumentado, ao longo de quatro anos, é ainda uma área pequena, se pensado em mercado consumidor. Aqui o destino de tal cultura, provavelmente, será para o autoconsumo.

Alguns assentados, por motivos diversos, como por exemplo, a falta de sementes, de preparo do solo ou indefinição da cultura a ser instalada, na época do levantamento (2004), ainda não haviam começado o plantio em determinada área do lote. Esse fato foi observado no lote 20, pois a área plantada, no ano 2000, com jiló e batata doce, em 2004 estava sem plantio. Nesse caso específico o assentado aguardava definição sobre qual a melhor cultura a ser instalada na área.

Observando as Figuras 4 e 5 percebe-se que o lote 18 é bastante diversificado, visto que há o plantio de cinco diferentes culturas, entre elas estão as mais plantadas no assentamento como o milho, a mandioca e o quiabo. Nota-se também que nessa área a maioria das culturas foram substituídas por outras, isso significa que o assentado está realizando rotação de culturas em determinadas áreas, favorecendo, portanto, o solo e o meio ambiente.

O lote 17 é um caso especial, pois foi verificado que ocorreu uma modificação na sua divisão. Isso se deu após o falecimento do titular do lote, que sendo uma pessoa tradicional era avesso a modificações, mas seu filho, ao assumir o lote, por motivos de praticidade, fez uma permuta de áreas com o vizinho (lote 16). Desta maneira os dois assentados conseguiram realizar as modificações que almejavam há algum tempo. Com essa nova divisão facilitou-se, para o lote 17, a utilização de máquinas agrícolas, uma vez que na antiga divisão da área o lote era muito estreito o que dificultava a mecanização. Por outro lado, o assentado do lote 16 pôde ficar mais perto do seu lote de moradia, facilitando o trabalho no lote agrícola.

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Visualmente, no lote 15, não são percebidas alterações no uso do solo. Mas, com a verificação em campo, constatou-se que o responsável pelo lote alternava a plantação, de um ano para outro, com vários tipos de plantas hortícolas, entre elas alface, almeirão, agrião, rúcula, acelga, repolho, etc. Percebe-se que esse tipo de prática é comum entre os assentados, pois são culturas que têm grande demanda durante o ano todo, podendo gerar uma renda mais estável.

Observando os lotes 13 e 11 constata-se que ocorreram fatos semelhantes entre eles, uma vez que no ano de 2000, tanto um lote quanto o outro era pouco diversificado, já em 2004 vê-se que a diversidade de culturas aumentou. De acordo com o assentado do lote 13 verificou-se que a decisão de trocar a horticultura pelos plantios de culturas anuais, como arroz e abobrinha, e por banana, deu-se pelo fato de que não era possível realizar a irrigação desta área, devido ao custo financeiro de tal operação.

Figura 4: Mapa de Uso e Ocupação do Solo do Assentamento Sumaré I, ano 2000. Fonte: Dados da pesquisa, 2002.

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Figura 5: Mapa de Uso e Ocupação do Solo do Assentamento Sumaré I, ano 2004. Fonte: Dados da pesquisa, 2002.

5. Informações cadastrais do assentamento Sumaré I

Os dados apresentados no mapa cadastral possuem informações de natureza dual: dados geográficos que possuem uma localização geográfica (expressa como coordenadas no mapa de divisão dos lotes) e atributos descritivos (que são representados no banco de dados convencional, retirados dos questionários do projeto). Outro aspecto muito importante é que esses dados geográficos não existem sozinhos no espaço, sendo que sua localização é tão importante quanto sua relação com os diferentes dados.

A Figura 6 mostra uma tela capturada do programa Spring, onde aparece o mapa de divisão dos lotes. Os lotes que estão em destaque, correspondem aos que foram associados ao banco de dados.

Figura 6: Visualização do Mapa Cadastral dentro do software Spring. Fonte: RAMIREZ; SOUZA & BERGAMASCO, 2004.

O programa Spring permite que seja visualizada na tela a informação de cada lote separadamente (Figura 7) ou então a abertura somente do banco de dados.

Utilizando a visualização de todo banco de dados é possível comparar rapidamente as informações nos diferentes lotes do assentamento. Dessa maneira consegue-se saber, por exemplo, quais os lotes que trabalham com horticultura e onde estes estão localizados dentro do assentamento.

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Figura 7: Mapa cadastral destacando lote 4 e o banco de dados associado a ele. Fonte: RAMIREZ; SOUZA & BERGAMASCO, 2004.

Uma outra ferramenta que pode ser utilizada dentro do banco de dados é a

consulta por geração de seleções. Dentro do banco de dados gera-se uma consulta estabelecendo critérios. O critério estabelecido, Figura 8, foi a localização dos lotes que tivessem área plantada maior que 4,6 ha. O programa procura dentro do banco de dados os lotes que “obedecem” ao critério estabelecido e depois gera uma tabela mostrando estes lotes.

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Figura 8: Mapa cadastral com consulta ao banco de dados por tamanho de área plantada. Fonte: RAMIREZ; SOUZA & BERGAMASCO, 2004.

6. Considerações finais

Através do estudo das transformações ocorridas no uso do solo é possível realizar um planejamento adequado para a produção agrícola, além de permitir a construção de estratégias socioeconômicas mais adequadas para a melhoria da qualidade de vida dos assentados.

O uso do mapa cadastral permite organizar e espacializar as informações obtidas em campo facilitando o manuseio e análise dos dados, sendo possível comparar e agrupar os mesmos de diferentes modos.

Torna-se importante a análise das mudanças ocorridas em espaços de tempos maiores e é nesse sentido que foram, também, analisadas as transformações ocorridas durante o período de 1988/89 a 2004. Sendo assim, constata-se que no início do assentamento as culturas de maior expressão eram aquelas destinadas ao autoconsumo. No momento atual as culturas mais plantadas são aquelas que se destinam, não apenas para o consumo da família, mas, sobretudo, visando à comercialização com o objetivo de geração de renda.

Nota-se que a organização do espaço nos lotes está associada ao ambiente socioeconômico gerado pelos assentados e suas famílias, o qual pode potencializar ou inibir as iniciativas produtivas e a inserção social dos mesmos. Características como o tipo de mercado consumidor, a mão-de-obra ocupada para a produção, o crédito e o tipo de tecnologia adotada apontam para o desenvolvimento das diversas dinâmicas desenvolvidas pelos assentados. Ao analisar o conjunto de mapas percebe-se que os assentados, ao longo do tempo, criaram estratégias de uso do espaço que lhes permite desenvolver atividades as quais oferecem novas opções de renda visando a perpetuação da família, bem como do patrimônio familiar.

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Referências Bibliográricas BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luis Antonio Cabello; OLIVEIRA, Rosangela A. P.; PINTO, Leonardo, de Barros. Condições de vida e trabalho nos assentamentos rurais de São Paulo. In: XL Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. Passo Fundo, 28 a 01 de julho de 2002, Anais..., CD-Rom. BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luis Antonio Cabello. Os impactos regionais dos assentamentos rurais de São Paulo (1960-1997). In: MEDEIROS, Leonilde Sérvolo & LEITE, Sérgio (Orgs.) A formação dos assentamentos rurais no Brasil: processos sociais e políticas públicas. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, Rio de Janeiro: CPDA, 1999. ______. A alternativa dos assentamentos rurais: organização social, trabalho e política. São Paulo: Terceira Margem, 2003. BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; BLANC-PAMARD, Chantal; CHONCHOL, Maria Edy. Por um atlas dos assentamentos brasileiros: espaços de pesquisa. Rio de Janeiro: DL/Brasil, 1997. BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luis Antonio Cabello. O que são assentamentos rurais? São Paulo: Brasiliense, 1996. BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luis Antonio Cabello; COUTO, Andréa Terzariol; JUNQUEIRA, Kellen Maria. Perfil dos assentamentos de Sumaré. In: Retratos de assentamentos, n. 5, ano III, NUPEDOR/UNESP: Araraquara, 1996. CÂMARA, Gilberto; MEDEIROS, José Simeão de. Mapas e suas representações computacionais. In: ASSAD, Eduardo Delgado; SANO, Edson Eyji (Orgs.). Sistemas de informações geográficas. Aplicações na agricultura. 2. ed. Brasília: Embrapa-SPI/ EMBRAPA-CPAC, 1998. RAMIREZ, Gláucia Miranda; SOUZA, Vanilde Ferreira de & BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira. O SIG como uma ferramenta auxiliar da extensão rural. In: XXXIII Congresso Brasileiro de Engenharia Agrícola. São Pedro, 2004 – Campinas, SP: Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas; Embrapa Informática Agropecuária, 2004. CD-Rom.

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