a oficina de mpb e a política cultural de curitiba na década de 1990

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JULIANA ULBRICH A OFICINA DE MPB E A POLÍTICA CULTURAL DE CURITIBA NA DÉCADA DE 1990 Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Marcos Napolitano CURITIBA 2004

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JULIANA ULBRICH

A OFICINA DE MPB E A POLÍTICA CULTURAL DE CURITIBA NA DÉCADA DE 1990

Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Marcos Napolitano

CURITIBA 2004

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SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................................iii

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................4

2 CONSERVATÓRIO DE MPB............................................................................................7

2.1 CONSERVATÓRIO: UM ESPAÇO SOCIAL.................................................................12

3 OFICINA DE MÚSICA DE CURITIBA..........................................................................19

3.1 OFICINA DE MPB............................................................................................................23

4 ANÁLISE DE UMA POLÍTICA CULTURAL: A OFICINA DE MPB........................36

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................51

REFERÊNCIAS......................................................................................................................53

ii

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RESUMO

O objetivo desta monografia é analisar as políticas culturais que foram desenvolvidas em torno da fase popular da Oficina de Música de Curitiba, realizada pelo Conservatório de Música Popular Brasileira (CMPB) na década de 1990. As fontes utilizadas para esta pesquisa consistiram em documentos arquivados no CMPB e jornais publicados entre 1992 e 1999 que abordavam o tema. O estudo focaliza as atividades empreendidas no evento, uma vez que estas fazem parte de uma política cultural de Curitiba. Além de uma política cultural, esta pesquisa analisa o trabalho realizado em torno da instituição denominada MPB no CMPB e na fase popular da Oficina de Música de Curitiba.Considerada uma inovação no campo da MPB, o Conservatório de MPB sistematiza o estudo e a preservação da música popular nos seus diversos gêneros e ritmos, enquanto a Oficina de MPB realiza, de forma eventual mas contínua, cursos e palestras sobre MPB. Com doze anos de existência, a Oficina de MPB insere-se na área musical como um dos maiores eventos com fins didáticos relacionados à música popular. Concentrador de diversas tendências musicais, a fase popular propõe a democratização e a informalidade como forma de ensino da MPB, além de constituir um espaço de sociabilidade com a realização de shows musicais apresentados muitas vezes pelos próprios alunos da oficina. Palavras-chave: Oficina de Música de Curitiba; Política cultural; MPB

iii

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1 INTRODUÇÃO

Na década de 1990, Curitiba desenvolveu duas ações culturais voltadas à música

popular brasileira: o Conservatório e uma fase popular dentro da Oficina de Música de

Curitiba. O modo como se procedeu a implementação de tais políticas culturais e suas

conseqüências é o tema desta monografia que problematizará os diversos elementos musicais,

na tentativa de compreender a promoção da música popular brasileira como um dos objetivos

culturais do município.

Aos poucos a sigla MPB vai adentrando os espaços acadêmicos e apresentando

elementos essenciais para uma boa leitura da sociedade através dos tempos. No Brasil, a

pesquisa sobre música popular revela aspectos importantes sobre as comunidades que estão

envolvidas em sua criação e recepção. Em vista da intensa produção musical brasileira, as

pesquisas nesta área têm muito que explorar. É nítido que, nesta última década, houve um

movimento muito forte de resgate de formas musicais do começo do século XX, bem como

um considerável aumento de produções acadêmicas, cada qual com sua especificidade

metodológica e temática. A Música Popular Brasileira (MPB) passa a ser um dos assuntos

intensamente explorados academicadamente por refletir uma grande influência nos músicos

dos dias atuais.

Esta monografia enseja contribuir historicamente para com o estudo da música

popular, entendendo esta como objeto de política cultural na capital paranaense. Este estudo

concentra-se em dois referenciais teóricos. Primeiramente, debate-se a inserção do

Conservatório e da Oficina como resultado de políticas culturais. Para isso, encontramos em

Teixeira Coelho a discussão sobre os elementos constituidores dessa expressão e a

relacionamos com o objeto desta pesquisa. No segundo momento, analisamos o conceito de

MPB, a partir de Marcos Napolitano, para compreendermos como esta foi trabalhada dentro

da Oficina.

A criação do Conservatório de MPB sugere-nos uma reflexão sobre as intenções que

perpassaram as políticas direcionadas à instituição. Até a criação do CMPB em 1992 em

Curitiba, não havia indícios de uma instituição com essas características para o estudo da

música popular brasileira. A primeira questão nos leva a pensar sobre o espaço social da

MPB. Por que a criação de uma academia deste tipo de música em Curitiba? De que modo

funcionaram as políticas culturais? De que forma o Conservatório e a Oficina trabalham o

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5

conceito de música popular brasileira? Já em sua 12º edição, tal oficina nos fornece um campo

de estudo bastante fértil para entender toda a política cultural envolvida não só no evento mas

na instituição criadora, uma vez que o Conservatório e a oficina nasceram quase ao mesmo

tempo. A Oficina de Música tornará possível o desenvolvimento de diversas reflexões sobre

MPB, uma vez que ela concentra músicos de vários estados brasileiros e de outros países,

como Argentina, Uruguai. Trata-se de um espaço de sociabilidade que tem na música seu

principal objetivo. Professores, estudantes, admiradores de música popular se reúnem e

traçam um esboço da produção musical realizada em diversas regiões. Dessa forma, este

estudo também intenciona pesquisar qual a irradiação sócio-cultural que este evento

proporciona. A Oficina de MPB é considerado um evento, mas não se estrutura em uma

política de eventos por não se constituir em um ‘tapa-buraco’ da dinâmica cultural da cidade.

Ela não tem caráter imediatista, já que sua ação é contínua e estruturada anualmente. Dessa

forma, pode ser considerada uma política cultural desenvolvida principalmente com fins

didáticos.

Além de analisar a política cultural envolvida no surgimento de um reduto de MPB

por meio do conservatório e da oficina, há outro elemento importante à difusão deste gênero

na cidade, o ensino musical relacionado à MPB. A oficina de MPB tornou-se um instrumento

de elevada importância para a transmissão do conteúdo musical a indivíduos de vários estados

do Brasil. Segundo Conrado Silva, trata-se de uma educação que se concentra na

experimentação musical e tem uma função de anteceder ao estudo acadêmico ou sistemático

da música tradicional1. “Esse processo, através da manipulação individual ou em equipe, de

objetos sonoros (...) leva ao conhecimento da capacidade criativa existente em todos nós e,

assim, ao autoconhecimento e à realização pessoal”.2

Tanto o conservatório quanto a Oficina de MPB são resultados de políticas culturais

específicas desenvolvidas por uma instituição municipal, a Fundação Cultural de Curitiba. O

objetivo é analisar a forma como as políticas culturais referentes a este tema atuaram no

desenvolvimento cultural da cidade, principalmente na década de 1990, momento em que se

erigia o projeto proposto em 1992 com a criação do conservatório. Dessa forma, o nosso

estudo se concentra em analisar as sete primeiras edições do evento, a partir dos dados

referentes a sua realização e o cruzamento destes com as reportagens de jornais paranaenses

da época relacionadas ao acontecimento.

1 SILVA, C. A Oficina de Música. Revista Ar-te. São Paulo, 1983, p. 12-5. 2 Ibid., p. 12.

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6

A Oficina sintetiza a política desenvolvida pelo Conservatório, tornando-se um reflexo

de sua atuação no campo da música popular. Dessa forma, ambas as ações são resultados de

uma mesma intenção de inserir de forma efetiva a MPB na cidade. Portanto, consideramos

necessária a discussão sobre o momento em que a instituição foi implementada. Tal assunto

será abordado no primeiro capítulo com a análise das diretrizes da Fundação Cultural na

época e da repercussão que este fato gerou na imprensa curitibana. Em seguida,

compreenderemos como se deu a inserção da fase popular da Oficina de Música e quais eram

seus principais objetivos para finalmente, no terceiro capítulo, analisar os elementos que

constituíram a sua consolidação no cenário da música popular. Tais informações serão

contempladas com o intuito de compreender historicamente uma das relações entre MPB e

política cultural na cidade de Curitiba na década de 1990.

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2 CONSERVATÓRIO DE MPB

As ações da maioria das políticas culturais relacionadas à música popular estão

concentradas, geralmente, em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Embora de

porte médio, Curitiba também efetivou ações em relação à música popular brasileira por meio

de políticas culturais que culminaram na criação de um conservatório para abrigar a música

popular. Em julho de 1992 lança-se o projeto de um espaço de cultura voltado a este fim. Em

meio a polêmicas e elogios, nasce o Conservatório de Música Popular Brasileira (CMPB).

Este capítulo visa discutir quais foram as conjunturas política e cultural que possibilitaram a

implementação do conservatório no município, refletindo sobre as intenções que perpassaram

as políticas direcionadas à instituição.

Único do gênero no país, uma vez que os conservatórios são espaços que concentram

o estudo de música erudita, o Conservatório de MPB, de acordo com a política cultural de

Curitiba da época, tinha como objetivo resgatar a música popular do país e servir como

referência de formação musical ao músico paranaense e de outros estados. Jaime Lerner

pretendia, com a criação de uma instituição como essa, a formação de um “lastro” de música

popular brasileira – projeto iniciado ainda na década de 1970 com o Teatro Paiol3 - em uma

cidade que já possuía certa tradição em música erudita4, com a Oficina de Música de Curitiba,

a Sala Scabi (Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê), entre outros fatores.

Mas essas políticas que visavam o estímulo à produção de MPB fazem parte de um

contexto mais amplo. Neste período, a cidade estava passando por um processo de

transformação urbanística tanto no aspecto econômico como no social e cultural. As

mudanças políticas pelas quais atravessava Curitiba – com a gestão Jaime Lerner 1989-1992

configurou uma ruptura com a anterior – interferiu nas diretrizes culturais do município.

Nesse período [1989-1992] tem-se uma nova mudança, uma ruptura com aquele projeto calcado no social, com preocupações em torno de se promover um desenvolvimento crítico através da cultura e de se permitir um desenvolvimento do fazer cultural, ou melhor dizendo, de proporcionar meios para que a população se manifestasse. Agora, o direcionamento passa a

3 Sobre o Teatro Paiol, ver DALMÁS, C. Política Cultural e Teatro Paiol: um circuito cultural de

MPB no regime militar brasileiro (1971/1979). Curitiba, 2003. Monografia (Graduação em História) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

4 UM conservatório para a MPB. Indústria &Comércio, Curitiba, 17 jul. 1992. Cultura, p. 15.

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ser ‘uma política universalizada para toda Curitiba, eliminando a cruel separação entre a área central e os bairros periféricos’.5

Segundo Patrícia Teixeira, estava ocorrendo, possivelmente, uma reatualização do

projeto cultural da década de 1970, quando foi criada uma instituição com objetivo de

difundir a cultura na cidade, a Fundação Cultural de Curitiba. Estava se desenvolvendo uma

política específica, com preocupação em produzir grandes projetos com alcance nacional e

internacional.

O surgimento do Conservatório de MPB em uma época em que se retomava a política

de marketing urbano não é mera coincidência. O CMPB é um projeto que visava transformar

Curitiba em “pólo agitador e criador de música popular brasileira”. “O Conservatório de

Música Popular Brasileira é a proposta de uma nova escola de música, capaz de absorver o

potencial artístico e criativo, que se reproduz na tão decantada musicalidade brasileira,

surgindo com a vocação de preencher uma lacuna no que se refere à especificidade da

formação do músico popular”.6

Dentro dessa perspectiva, os objetivos iniciais do Conservatório privilegiavam

a oferta de cursos livres de música popular brasileira, a partir da musicalização, em diversos níveis de aprofundamento, a promoção de atividades culturais e artísticas voltadas para a comunidade em geral, o incentivo à pesquisa, a promoção de ciclo de palestras em torno de questões palpitantes da MPB, com a participação de artistas e pedagogos de todo o país, além de oportunizar, através de espetáculos em praças, parques, espaços culturais e de ensino, a formação de conjuntos instrumentais e vocais representativos de tendências diversas.7

Estas características visavam atingir um público mais amplo ao realizar eventos em

lugares públicos, como parques e praças. Podemos pensar que estas ações estavam vinculadas

a um marketing urbano, com intenção de reciclar uma imagem mítica da cidade construída há

duas décadas. “O que a cidade forneceu ao mito foi um relato histórico definido, decorrente

de complexos processos políticos, técnicos, econômicos e culturais (...) A imagem da cidade

encontrou sustentação na veiculação de uma nova paisagem urbana, plena de espaços

renovados e articulada à veiculação de um novo imaginário social”.8 Os novos espaços de

5 BRANCO, P. T. da S. M. Consumo cultural – um estudo de seus condicionantes, forma e função no

âmbito do espaço público de Curitiba nos anos 90. Curitiba, 2001. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

6 FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA. Release da inauguração do Conservatório. 1992. 7 Id. 8 GARCIA , F. E. S. Cidade-espetáculo – política, planejamento, city marketing. Curitiba: Editora

Palavra, 1997. p. 57.

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9

lazer e cultura que surgiram nesta época tinham como finalidade constituírem-se em

“espaços-síntese da vida coletiva dos curitibanos”. Pode-se afirmar que, juntamente com o

Jardim Botânico e a Ópera de Arame, a restauração do Largo da Ordem participou dessa

renovação urbana. “Ao elencar e ordenar o conjunto de intervenções urbanas mais recentes,

correspondentes ao período 91-92, verificamos um grupo significativo de obras que

imprimiram novas marcas à materialidade urbana. Estes novos espaços relacionam-se às

atividades de lazer e cultura”.9 Um dos prédios restaurados foi o Sobrado dos Guimarães que

serve de sede ao Conservatório de Música Popular Brasileira (CMPB).

Os novos espaços que são criados servem de elemento constitutivo de uma nova

imagem da cidade. Tais espaços, entre eles o CMPB, são utilizados como pontos de

encontros, o que Garcia chama de “nova sala de visitas”, alimentado pelo discurso oficial de

que o curitibano precisa de novos espaços, novas opções.

Reciclar antigas formas, integrar funções da cidade, preservar seus valores históricos e sentimentais, criar e animar os pontos de encontro, associar a revitalização do setor histórico ao estancamento da deterioração do centro, foram algumas das medidas que provocaram uma transformação cultural cujos reflexos podem ser acompanhados na manifestação de uma “curitibanidade”, expressa no desejo curitibano de ser curitibano.10

Nesta fala oficial percebe-se a referência à “curitibanidade”, um mito que produz uma

relação construída entre o cidadão e a sua cidade, denotando que o curitibano precisa de maior

sociabilidade para “ser curitibano”. O aspecto mitificador, promovido por um plano de

marketing, insere-se no imaginário social, o que aumenta consideravelmente, a aceitação em

torno dos projetos do município. “Acho que essa idéia estava dentro de cada pessoa, dentro do

músico que existe em cada família, comentou Lerner, acrescentando que o conservatório será

um novo ponto de encontro da cidade”.11

A inauguração do conservatório ocorreu antes do término das reformas do prédio que

serviria de sede, o Sobrado dos Guimarães. Como 1992 era o ano do aniversário de Curitiba, a

Prefeitura antecipou a inauguração deste novo espaço cultural - uma vez que o prédio só

ficaria pronto em meados de 199312 - para que o evento integrasse as comemorações: “Trata-

se portanto, da perfeita adequação do projeto arquitetônico de reciclagem de um espaço

9 GARCIA, loc. cit., p. 60. 10 FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, op. cit. 11 UM conservatório para a MPB, op. cit. 12 RIBAS, F. Um conservatório para a MPB. Folha de Londrina, Curitiba, 27 ago. 1993. Caderno 2,

Música, p. 26.

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10

significativo do Setor Histórico, agora pensado a partir de uma proposta capaz de

corresponder ao programa inovador do Conservatório e do conjunto de obras que marcarão os

300 anos de Curitiba”.13 Nesta pequena parte do discurso percebe-se a intenção em revigorar

o setor histórico da cidade a partir de iniciativas como essa. Tal propósito insere a cidade em

uma perspectiva cultural pós-moderna.

Nos anos recentes, tem-se verificado um reconhecimento crescente do valor das indústrias culturais para a economia das cidades, bem como dos diversos caminhos diretos e indiretos pelos quais a presença de instituições, atividades culturais e uma sensibilidade geral para os modos como o realce, a renovação e o redesenvolvimento das fachadas culturais, da trama e do espaço vivido da cidade rendem benefícios.14

Um dos elementos que se tornou importante à criação da instituição e foi bastante

divulgado pela imprensa da época diz respeito ao projeto arquitetônico. Divulgado como a

concomitância do velho e do novo, o projeto propunha a preservação da fachada e a completa

reforma na parte interior do local. “A implantação do Plano de Revitalização do Setor

Histórico fez parte de um processo de transformação urbana e cultural que teve como eixo

condutor a valorização da memória participando da noção de cidade pensada na escala do

homem”.15 Elaborado pelos arquitetos da Prefeitura da cidade Valéria Bechara e Fernando

Popp, o projeto visou integrar a funcionalidade a que se destinou o local e seu caráter

histórico. Popp explica: “A fachada foi mantida, desde a pintura em cal com corante até os

lampiões, porque se trata de um exemplar neoclássico raro de se ver em três pavimentos.

Dentro, porém, optamos pelas soluções simples e econômicas como a tubulação aparente.

Nosso objetivo, com isso, além de integrar velho e novo, foi fazer um espaço funcional".16

As intervenções urbanas mais recentes (a partir da década de 1990) sempre

preconizaram a novidade, elemento que faz parte do discurso oficial. Segundo Fernanda

Garcia, Jaime Lerner criou uma receita para Curitiba: ‘inovação e ousadia nas ações urbanas’.

Os jornais apoiaram o projeto do Conservatório, colocando-o como mais uma novidade da

‘cidade que não pára de inovar’. No título do Jornal do Estado está: “Paraná tem o único

13 FUNDAÇÃO CU LTURAL DE CURITIBA, op. cit. 14 FEATHERTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. p

148. 15 FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, op. cit. 16 O CONSERVATÓRIO de Música de Curitiba está quase concluído. Gazeta do Povo, Curitiba, 12

set. 1993. p. 20.

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11

espaço exclusivo [sem grifo no original] de MPB do país”.17 Na reportagem do jornal

Indústria & Comércio, “O Conservatório de Música Popular Brasileira é mais uma [sem grifo

no original] iniciativa pioneira [sem grifo no original] da cidade em apoio à cultura e à arte”.

18 O jornal Folha de Londrina publica que “A iniciativa do novo conservatório também é

inédita [sem grifo no original], e propõe buscar as raízes e resgatar a identidade musical do

brasileiro [sem grifo no original]”.19

A constante busca do novo faz parte do projeto político de Curitiba. Segundo Fernanda

García, a cidade “internaliza e antecipa tendências contemporâneas de reorganização de

espaço e da sociedade”.20 A criação do Conservatório é um exemplo deste marketing que

preconiza a ousadia e a inovação, uma vez que o projeto é colocado como “único”, “inédito”.

Na reportagem da Folha de Londrina em agosto de 1993, há a referência ao brasileiro

e não ao paranaense ou ao curitibano, denotando que este projeto possui âmbito nacional. No

entanto, no decorrer das reportagens analisadas percebe-se referências à formação do músico

paranaense ou local.

Um dos objetivos dos projetos de cultura de Curitiba gira em torno de inserir Curitiba

dentro de redes territoriais mais amplas. O conservatório não se restringe a um público local

ou estadual, mas nacional, com vistas à internacionalidade. “Hoje Curitiba dará mais um

passo no sentido de firmar sua posição de apoio à arte e à cultura nacional”. Ao se levar em

conta que “o êxito ou não de um empreendimento é medido pelo seu ‘sucesso’ nacional e/ou

internacional, e que ‘difunda’ o nome da cidade”, Curitiba, ao aliar o ineditismo à MPB,

estabeleceu um marketing cultural, fazendo com que artistas do gênero elogiassem o

projeto21: “A iniciativa do prefeito foi elogiada por um grupo de artistas que lhe enviou um

fax. Entre eles estão o maestro Júlio Medaglia, Toquinho, Ivan Lins, Milton Nascimento,

Moraes Moreira ...[entre outros]”.22

O projeto de uma academia de MPB foi posto em prática em meio a algumas

polêmicas. Uma delas diz respeito à sua autoria. Anunciada por Jaime Lerner em 1992, a

proposta em se criar uma escola com diferentes diretrizes voltadas ao ensino de MPB foi

colocada em prática pelo maestro carioca Roberto Gnattali. Os méritos voltaram-se a esses

17 PARANÁ tem o único espaço exclusivo de MPB do país. Jornal do Estado, Curitiba, 21 jul. 1997. 18 UM conservatório para a MPB, op. cit. 19 RIBAS, op. cit. 20 GARCIA ,op. cit., p. 122. 21 Ao analisar as reportagens referentes à criação do conservatório, percebe-se que os elogios

concentram-se na figura de Jaime Lerner, configurando para si, além à cidade, uma imagem positiva. 22 UM conservatório para a MPB, op. cit.

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12

dois nomes e alguns outros que estiveram envolvidos diretamente, como a Secretária de

Cultura Lúcia Camargo e o engenheiro (e prefeito na gestão seguinte) Rafael Greca. Eles

foram as referências da maioria dos jornais que cobriram o processo de criação do CMPB.

Mas um dos jornais publicou uma outra versão sobre quem seriam os verdadeiros autores do

projeto. O crítico Aramis Millarch, em sua coluna “Tablóide” de 26 de junho de 1992,

publicada em “O Estado do Paraná”23, registrou sua indignação e sua versão do caso “por

uma questão de verdade histórica”. Segundo Millarch, a sugestão de se criar uma academia

de música brasileira, capaz de privilegiar os instrumentistas e compositores da região, partiu

do músico Joel do Nascimento, em abril de 1980, quando veio a Curitiba participar da

inauguração da praça Jacob do Bandolim.

Méritos à parte desta iniciativa, alguns fatos devem ser registrados por uma questão de verdade histórica. Em 12 de abril de 1980 (...) era inaugurado em Curitiba, no Pilarzinho (...) a Praça Jacob do Bandolim. Para a homenagem ao grande executante de bandolim, (...) o Hermínio Bello de Carvalho, parceiro e amigo do homenageado e idealizador da Camerata Carioca, veio a Curitiba. (...) Após o musical - inauguração, com um emotivo concerto, a convite do prefeito Jaime Lerner, o grupo foi almoçar (...). Embalado por muitas caipirinhas e cervejas, o musical papo acabou numa sugestão de Joel do Nascimento ao prefeito: considerando as condições de Curitiba, por que não implantar aqui uma academia de música popular, de características não convencionais, capaz de valorizar os instrumentistas e compositores locais. Lerner, na época um arquiteto e administrador que se preocupava mais

com a cultura do que a política e o poder internacional, vibrou com a idéia. Num guardanapo, com sua letra clara, chegou a fazer o manuscrito de uma "ata de intenção", assinada por todos. Convocou Hermínio para coordenar o projeto. Hermínio Bello de Carvalho (...) voltou ao Rio e (...) procurou desenvolver um projeto objetivo, realista e econômico - mas possível de dar a Curitiba uma unidade única. Convidou um arranjador e musicólogo, Ian Guest (pagando-o de seu bolso) para assessorá-lo. Algumas semanas após, retornava a Curitiba, trazendo Ian e o projeto desenvolvido. Só que o entusiasmo de Lerner esmoreceu. Com pífias alegações, descartou encontros. (...) Elegantemente (...) Hermínio redigiu uma educada carta a Lerner, expondo sua surpresa pelo fato de uma idéia que ele havia estimulado - nascido de uma sugestão de Joel do Bandolim - ficar em banho-maria. Retornou ao Rio de Janeiro, manteve suas atividade e nunca mais tocou no assunto.24

Esta é uma das versões sobre a autoria do projeto. Segundo Gnattali, para quem Jaime

Lerner concedeu a coordenação do projeto essa história lhe era desconhecida25.

23 MILLARCH, A. Uma academia de MPB para Curitiba (que Herminio e Joel idealizaram). 26 jun.

1992. Disponível em: http://www.millarch.org/lernum.asp?id=6206&pesquisa=Funda%E7%E3o+cultural+de+curitiba. Acesso em: 31 out. 2003.

24 Id. 25 Disponível em: http://www.millarch.org/lernum.asp?id=6189&pesquisa=conservat%F3rio. Acesso

em 31 out. 2003.

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13

2.1 CONSERVATÓRIO: UM ESPAÇO SOCIAL

A intenção era criar um núcleo de criação musical permanente, uma espécie de

academia para a MPB. As principais características constituíam-se em: cursos flexíveis e de

curta duração, sem corpo docente fixo, aberto a todas as tendências musicais, ênfase às

modernas técnicas de aprendizagem musical e ao desenvolvimento de técnicas inovadoras26.

Para justificar a proposta de um ensino informal para a MPB, Roberto Gnattali, coordenador

do projeto, relaciona o ensino de música erudita e popular, afirmando que “a história da

música popular brasileira registra muito mais canções e peças instrumentais de excelente nível

produzidas por compositores chamados intuitivos, do que aqueles formados por instituições

de ensino tradicional”.27 O Conservatório surge como sistematizador da formação do músico

popular que antes utilizava processos menos formais, como o autodidatismo, ou seguia a

educação musical erudita. Para Gnattali, a existência de uma instituição de ensino voltada à

MPB faz com que “o profissional, disposto a direcionar sua arte exclusivamente à música

popular brasileira, não será mais obrigado a percorrer o mesmo caminho do músico erudito –

terá uma escola específica, que vai preencher a lacuna até agora existente...”.28

Ao propor um estudo informal da MPB dentro de uma instituição, o projeto do CMPB

oferece técnicas inovadoras de aprendizagem musical, com objetivo de constituir uma

metodologia democrática, unindo aulas teóricas às práticas coletivas, além de formar um

programa interdisciplinar29. Se tomarmos as considerações de Cecília Conde e João Maia

Neves sobre ensino de música, podemos perceber que o conservatório está inserido nessas

diretrizes. “... será altamente enriquecedor para a escola detectar nos processos não-formais de

educação musical, empregados pelo povo no seu dia-a-dia, aqueles componentes que

provaram eficácia. Sem preconceitos e sem orgulho inútil, a escola poderá assimilar alguns

destes processos e modificar linhas de ação fazendo mais eficaz se trabalho educacional no

trato da música e de outras formas de arte”.30

Apesar de ser uma opção ao estudo de música popular brasileira, tal como esta, a

existência do conservatório é ainda recente se levarmos em conta que normalmente esses

26 NO sobrado dos Guimarães: o conservatório da cidade. Jornal do Estado, Curitiba, 08 jul. 1992. 27 CONSERVATÓRIO, um espaço de cultura. Jornal do Estado, Curitiba, 07 jun. 1992. Música. 28 UM conservatório para a MPB, op. cit. 29 RIBAS, op. cit. 30 CONDE, C.; NEVES, J.M. Pesquisa e Música. Conservatório Brasileiro de Música. Machado

Horta Editora e Publicidade Ltda. vol. 1, n. 1. 1984-1985, p. 43.

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14

lugares concentram tradição de décadas. A inserção de uma instituição simboliza o erudito no

ensino31 de música popular. Em uma reportagem no jornal O Estado do Paraná, o diretor

cênico da Oficina de Música de Curitiba fala sobre essa relação: “O erudito ficou mais

‘popular’, no sentido exato da palavra, já que aos poucos ele vem sendo absorvido com mais

facilidade pelo grande público”.32

Ao nos referirmos ao público a que foi destinado a criação do Conservatório em

Curitiba, cabe-nos fazer algumas reflexões em torno do papel sócio-cultural da MPB.

A Música Popular Brasileira surgiu em meio a um processo de urbanização bastante

acelerado das grandes cidades. Segundo Nestor García Canclini, a multiculturalidade segue

junto ao crescimento urbano, fazendo surgiu diversas identidades culturais33. Tal diversidade

demanda políticas culturais de forma a responder as necessidades de diferentes grupos.

Assim como as novas formas culturais que passam a surgir com a intensa urbanização, a MPB

também teve respaldo de políticas culturais em algumas cidades, tanto que, ao longo das

décadas seguintes, o gênero consolidou-se como um parâmetro qualitativo para as novas

gerações de compositores populares.

A consolidação do campo musical popular expressou novas sociabilidades oriundas da urbanização e da industrialização, novas composições demográficas e étnicas, novos valores nacionalistas, novas formas de progresso técnico e novos conflitos sociais, daí resultantes (...) Neste processo, os vários elementos que formam a música popular foram tema de discussões (formais e informais), alvo de políticas culturais (estatais ou não), foco de apreciações e apropriações diferentes, objeto de formatações tecnológicas e comerciais. 34

O Rio de Janeiro, nos séculos XIX e XIX, é o principal espaço produtor de formas

musicais. Foi lá que ocorreu o samba, considerado a primeira manifestação musical moderna

por Marcos Napolitano. Embora existente desde o início do século XX, o samba só encontrou

aceitação nas camadas mais abastadas a partir da Bossa Nova, que o redimensionou com

valores modernos. Dessa forma. Até meados da década de 1950, a música popular não tinha

espaço entre as classes médias. Historicamente produzida nas ruas, morros e praças, este tipo

de música era ouvida, principalmente pelo rádio por migrantes, camponeses – frutos da

crescente urbanização daquela época.

31 Até então, no Brasil, somente a música erudita era ensinada nos conservatórios de música. 32 ÚLTIMOS acordes da Oficina de Música. O Estado do Paraná, Curitiba, 24 de jan. 1993.

Almanaque, p. 8. 33 CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 3a ed. São

Paulo: Edusp, 2000. p. 114. 34 NAPOLITANO, M. História e Música. Belo Horizonte: Globo, 2002. p. 18

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15

A partir da década de 1960, com a Bossa Nova, movimento essencialmente de classe

média, é que os ritmos populares começaram a ser ouvidos por parte desse segmento social.

Envolvida em intensos debates musicais, a Bossa Nova modificou o conceito de

música popular, produzindo, por meio de modificações nas bases estéticas da canção, um

produto altamente valorizado com novos valores culturais e ideológicos. As classes médias,

dessa forma, passaram a ver a música popular como um ‘campo respeitável de criação,

expressão e comunicação’. Era uma questão de definir o papel sócio-cultural da MPB, uma

vez que esta “era parte fundamental para a formulação de uma identidade social sobretudo

para a nova classe média, que emergia do processo de desenvolvimento capitalista”.35 A nova

MPB alinhavou diversas classes sociais em torno de um ideal de nação, dentro de um

processo histórico marcado pelo autoritarismo – o golpe militar de 1964 – e pela ação das

esquerdas.

A música popular foi incorporada pelos segmentos médios objetivando discutir a

questão da brasilidade, o papel da arte e do artista frente a uma indústria cultural emergente e

um governo autoritário, além de realizar a transmissão de mensagens conscientizadoras ao

povo. Assim, a MPB sintetizou as tradições musicais e direcionou as produções futuras.

Dentro desse processo, o Conservatório de MPB surge como um espaço produtor e

conservador da música popular, bem diferente do espaço da rua, que é dispersivo e nômade.

O conservatório fixa oficialmente a produção da música popular em um espaço social,

sistematizando-a em torno de suas finalidades, que é de resgatar e fomentar a produção

artística.

Os cursos livres e atividades artísticas oferecidos pelo Conservatório são baseados

nesse resgate da tradição. Uma de suas atividades é o Encontro com Mestres da MPB, que

tem por objetivo trazer nomes reconhecidos da música brasileira para dar uma oficina livre

para os alunos e interessados. Nomes como Taiguara, Paulinho da Viola, Hermeto Pascoal,

Guinga passaram pelo encontro. Também existem outras atividades que se concentram no

desenvolvimento da MPB, como a Orquestra do Conservatório (à base de sopro e à base de

corda) – única no país -, o Vocal Brasileirão e o Coral Brasileirinho. Não só resgatam

tradições, como acompanham a trajetória que a MPB está seguindo, aprimorando arranjos e

inovando.

35 NAPOLITANO, M. “Seguindo a canção” – engajamento e indústria cultural – 1959-1969. São

Paulo: Annablume, 2001. p. 24.

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16

A instituição também realiza atividades relacionadas à MPB para comunidades

carentes, com a finalidade de aproximar mais a música popular da população que tem pouco

ou nenhum acesso ao lazer cultural. Teixeira Coelho critica políticas culturais usadas pelo

órgão governamental para legitimar ações de bem-estar do cidadão. Para ele, a política

cultural da contemporaneidade diz respeito a uma “política que contemple o desejo, que não

se esconda atrás do discurso facilitador e demagógico da necessidade, que deixe de traçar suas

pequenas táticas para o bem-estar e as mesquinhas satisfações comedidas e se abra para o

prazer e, no limite, para isso que se tornou, tragicamente, uma impropriedade lingüística e

filosófica: a felicidade”.36 Apesar de políticas culturais serem quase sempre intervencionistas

devido à permanência de práticas da organização política moderna, segundo Teixeira Coelho

é necessário o desenvolvimento de “políticas culturais plenas, capazes de criar as condições

para que as pessoas inventem seus próprios fins”.37 Não adianta realizar uma “inclusão

abstrata” e, ao mesmo tempo,“exclusão concreta”, mas estimular as manifestações em suas

práticas.

Em uma reportagem do Jornal do Estado, Jaime Lerner afirma que tais ações culturais

não se concentram apenas na formação de novos músicos, mas também no aperfeiçoamento

de ‘talentos locais’. Conforme um dos objetivos especificados no projeto do conservatório:

“Apoiar e difundir a produção musical local (paranaense) mediante a realização de mostras,

concursos, oficinas, festivais, seminários, recitais e outros, visando criar alternativas

mercadológicas no campo da música popular brasileira, bem como a formação de platéia”.38

Outro objetivo específico elencado pela direção da instituição refere-se a “apoiar e

orientar pesquisas que visam a sistematização de técnicas e recursos expressivos utilizados na

composição e interpretação de música popular brasileira de tradição oral”39, ou seja, conhecer

ritmos que, muitas vezes, fazem parte de uma comunidade distante40 e fazê-los conhecidos.

Esse compromisso com a busca de variedade dentro da música popular enseja uma

preocupação em encontrar música autêntica, de ‘raiz’, elemento presente na definição da

corrente engajada da MPB. Há uma busca pelo que é essencialmente popular, que dentro do

conservatório existe uma seção somente destinada ao folclore, com disponibilização de um

36 COELHO, T. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997. p. 14. 37 Ibid., p. 12. 38 CONSERVATÓRIO DE MÙSICA POPULAR BRASILEIRA. Relatório das atividades do CMPB

– 10 anos. Curitiba, 2002. p. 08. 39 Id. 40 Segundo Canclini, “o popular é nessa história o excluído: aqueles que não têm patrimônio ou não

conseguem que ele seja reconhecido ou conservado”. CANCLINI, N. G., op. cit., p. 205.

Page 17: a oficina de mpb e a política cultural de curitiba na década de 1990

17

acervo de livros, cassetes, cds sobre música folclórica41. Segundo Cecília Conde e José Maia

Neves, a criação musical baseada na descoberta da expressão musical de diferentes culturas

desenvolve-se de modo mais eficaz.

A criação musical contemporânea opõe-se à visão acadêmica de arte acadêmica de arte quando ela reafirma a necessidade de valorizar o processo em vez do produto, rompendo a rigidez de formas impostas, quando ela revê as manifestações criativas de seu povo e reconhece nelas elementos da comunicabilidade antes apenas antevistos (...) quando (...) constata que constata que o universo do sonoro e do musical é muito mais vasto do que a academia admite, assimilando, à sua linguagem novas estruturas de escala, novas agrupações rítmicas, novas cores tímbricas (maneiras diferentes de usar a voz ou instrumentos tradicionais, além de novas sonoridades obtidas por instrumentos informais ou por novos instrumentos).42

A proposta do Conservatório, de acordo com Gnattali, é constituir um espaço que se

abra para a “incalculável coleção de gêneros, ritmos e estilos musicais de todas as regiões do

Brasil, que constituem um dos repertórios mais ricos do mundo”.43 Com a preocupação de

preservar a música popular brasileira e sua totalidade, um dos propósitos da instituição é

conservar e reunir material bibliográfico e fonográfico sobre a MPB e o disponibilizar à

comunidade.

Dentro da discussão sobre novas manifestações culturais, uma das soluções apontadas

por Canclini no que diz respeito a políticas culturais às manifestações populares é a

reorganização das instituições de promoção e de difusão artística e artesanal. É preciso levar

em conta o interesse público coletivo como um dos elementos no processo de democratização

da cultura.

Se busca uma eficácia real e não apenas um efeito de discurso, uma política cultural deve ser capaz de identificar o que está em jogo na dinâmica cultural que lhe serve de objeto (...) Esta situação mostrou contornos mais nítidos à medida que a política cultural começou a forçar as portas não raro ferrolhadas da universidade e a surgir de maneira insistente em congressos, simpósios e seminários. 44

A participação de instituições públicas municipais no desenvolvimento de ação

cultural relacionada à música popular brasileira é fato, pois foi intervencionada pela

41CONSERVATÓRIO DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. Relatório das atividades, op.cit., p.

209. 42 CONDE, C.; NEVES, J.M. Pesquisa e Música. Conservatório Brasileiro de Música. Machado

Horta Editora e Publicidade Ltda. vol. 1, n. 1. 1984-1985, p. 42. 43 CONSERVATÓRIO, um espaço de cultura, op. cit. 44 COELHO, T, op. cit., p. 9.

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Fundação Cultural de Curitiba. De acordo com Teixeira Coelho, “políticas culturais serão,

quase sempre, intervencionistas (provirão do lado de fora, do exterior do grupo ou indivíduo

receptor) enquanto persistir a prática de delegação e representação que marcam a organização

moderna”.45 Conforme discutido acima, não se pode limitar a promoção de políticas culturais

como forma de legitimação do Estado. O interesse em realizar ações efetivas com vistas ao

desenvolvimento cultural deve estar presente. No caso do conservatório, a preocupação em

democratizar a cultura consta na instituição. Segundo a reportagem publicada em 1997, a

meta da instituição é “democratizar [por meio dos cursos] o acesso para pessoas aprenderem

música brasileira. Isso inclui todas as camadas da sociedade”. A idéia, de acordo com

Gnattali, coordenador artístico e pedagógico do CMPB, é “alcançar os bairros e atrair todos

os níveis e idades”. A metodologia de ensino informal, segundo Gnattali, também possui

características democráticas. “[O método] vai unir as aulas às práticas coletivas, além de

formar um programa interdisciplinar, pedido constante entre os alunos de conservatórios

acadêmicos”.46

Assim, além do papel do conservatório como projeto de marketing da cidade para

conquistar popularidade local e nacional tenha iniciado sem a participação de músicos locais,

a instituição incentiva a participação coletiva, abrindo possibilidades à comunidade de

participar das experiências musicais. Constituem exemplos dessa prática de incentivo à

música popular a Orquestra de MPB e o Coral Brasileirinho.47

Concomitante ao Conservatório de MPB, foi criada a fase popular da Oficina de

Música, o que sugere uma política cultural mais ampla voltada à música popular. Torna-se

necessária a discussão sobre o desenvolvimento desta ação e sua efetividade, uma vez que a

Oficina de MPB concentra alguns elementos constituidores do “city marketing” afirmado por

Fernanda Garcia48: a repercussão nacional e internacional por se tratar de um grande evento.

Mas sua concretização não se concentra apenas em questões políticas, mas também em seus

efeitos culturais e sociais.

45 Ibid., p.12. 46 RIBAS, op.cit. 47 Tanto que o Coral Brasileirinho é considerado um filho pródigo do conservatório. “O sucesso das

atividades do Conservatório de Música Popular Brasileira está confirmado através de uma faixa do CD do compositor Toquinho, pelo Coral Brasileirinho”. CONSERVATÓRIO espalha MPB pela cidade. Jornal do Estado, Curitiba, 21 jul. 1997.

48 GARCIA, op.cit., p. 123.

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19

3 OFICINA DE MÚSICA DE CURITIBA

A criação do conservatório de MPB, em 1992, possibilitou um maior plano de ações

voltadas à música popular brasileira. Uma delas é a inserção de uma fase popular na décima

primeira edição da Oficina de Música de Curitiba, evento essencialmente erudito. Criada

quase concomitantemente ao Conservatório, a Oficina de Música de MPB torna-se um

instrumento de compreensão do conceito que tal instituição proporciona no ensino e na

divulgação da música popular.

Quando a MPB é incorporada oficialmente, o evento já possuía tradição no cenário

cultural nacional e até mesmo internacional. Portanto, torna-se necessário entender qual era a

estrutura da Oficina de Música de Curitiba (até então apenas erudito) quando a fase popular

foi inserida.

Realizada todo mês de janeiro em Curitiba pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC),

a Oficina de Música, em seus 20 anos de existência49, tornou-se um importante pólo cultural

da América Latina. Surgida em um momento de redemocratização do país, teve como

primeira intenção suprir a falta de festivais de música antiga e cursos internacionais dirigidos

pelo maestro Roberto Schorremberg. Iniciada em 1983 pela cravista Ingrid Seraphim e pelo

maestro Roberto de Regina, oferecia aperfeiçoamento técnico em alguns instrumentos para

música de câmara e canto. Segundo a justificativa da Oficina de Música de Curitiba,

o projeto estabeleceu a realização de um mini-curso de música, para ser desenvolvido entre os dias 3 e 15 de janeiro de 1983, oportunidade para que os músicos desenvolvam a prática da música em conjunto, promovendo o aperfeiçoamento artístico-musical sob a orientação de eminentes e renomados professores do cenário musical nacional e internacional, objetivando ampliar os horizontes da música erudita e propiciando aos candidatos momentos de rara beleza e descontraída alegria, dentro de um clima musical dos mais elevados.50

Já em sua primeira edição, a Oficina de Música consegue um número de estudantes

acima do esperado51 e já em sua décima edição possui reconhecimento, consolidando uma

tradição erudita da cidade. Desde os primeiros anos, o evento conta com o apoio de empresas

e instituições como o Instituto Goethe, a editora Schott-Musas52, a Fábrica de Pianos

49 Tomando como data o ano de 2003. 50 ARQUIVO DA OFICINA DE MÚSICA. Solar do Barão, Curitiba, 1983. 51 OFICINA de música tem sua história. O Estado do Paraná, Curitiba, 21 jan. 1993. 52 A Schott-Musas, nos primeiros anos, colaborava com empréstimos de partituras, filmes e também

auxilia na divulgação do evento em escolas de música do país.

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20

Essenfelder53. O evento conquistou solidez como mostra a secretária estadual da Cultura,

Lúcia Camargo, na reportagem do jornal O Estado do Paraná, em 1992: “(...) as oficinas são

reconhecidas pela seriedade de seus propósitos e pela sedimentação de seus resultados ao

longo de dez anos. Por isso, são muitos os que espontaneamente nos propõem ajuda”.54 Por

meio da colaboração financeira de instituições como o Goethe ou o Centro Cultural Brasil-

Estados Unidos, a participação de professores estrangeiros tornou-se economicamente viável.

Reconhecida internacionalmente, a Oficina de Música de Curitiba passou a contar com apoio

do governo dos próprios países de origem de alguns professores, como é o caso da Noruega.

Em 1992, o prefeito Jaime Lerner recebe uma carta de um dos maiores violinistas europeus, o

norueguês Ole Böhn congratulando-o pelos resultados da Oficina de Música de Curitiba,

apontando um grande potencial do evento para a música erudita:

Pela segunda vez tive a oportunidade de visitar e ensinar na Oficina de Música de Curitiba. Este curso musical reúne jovens músicos procedentes de todo o Brasil e até de outros países da América do Sul. (...) Tenho ensinado em vários cursos de música em diferentes países do mundo, mas nunca testemunhei um entusiasmo como em Curitiba. Os alunos já estão tocando em um nível muito elevado, o que se revela promissor para a vida musical da América do Sul em geral e do Brasil em particular55.

O sucesso internacional do evento faz parte da estratégia política da administração

municipal, por meio da Fundação Cultural da cidade: realizações de grandes eventos que

atinjam visibilidade nacional e internacional. A partir da criação da fase popular, a Oficina de

Música é dividida em duas partes. Nos primeiros dez dias acontece o evento erudito, com

cursos e concertos, e ciclo de palestras ilustradas. Na segunda fase, ocorrem o encontro de

música antiga, encontro de professores de piano, cursos e concertos de música popular

brasileira, e ciclo de palestras.56

Segundo Patrícia Teixeira, a política cultural da FCC para o ano de 1993 – início da

Oficina de MPB - tinha como um dos objetivos “valorizar a música erudita [...] via

intercâmbios com instituições européias”.57 Essa necessidade de trazer professores de fora do

país não se resume em fazer com que o evento adquira reconhecimento mundial, também se

53 A fábrica de pianos cede pianos e empresta seus afinadores para o evento. OFICINA de Música já

prepara 11a edição depois do sucesso. O Estado do Paraná, Curitiba, 28 jan. 1992. 54 OFICINA de música tem sua história, op. cit. 55 SPALLA norueguês elogia o curso em carta a Lerner. O Estado do Paraná, Curitiba, 28 jan. 1992. 56 Esses são as atividades fixas da Oficina de Música de Curitiba, sendo que a cada edição há diferentes

atrações, como em 1996, há o Encontro Internacional de Trombonistas (Região Sul); em 1999, ocorre o I Encontro de Percussão Popular.

57 BRANCO, op. cit., p. 53.

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21

deve, segundo o violinista Paulo Bosísio, à insuficiência de professores de música erudita de

nível, por não haver uma política sistemática no país em relação à formação desses

profissionais. “O governo deveria investir na área de música erudita, sem esperar resultados

econômicos, pois os resultados que saem daí são culturais”.58 Os grandes nomes da música,

além de render marketing para a cidade, também atraem os instrumentistas interessados em

aperfeiçoar-se com músicos reconhecidos. O corpo docente é uma espécie de pólo de atração

do evento. “A equipe de professores é formada na sua maioria por músicos renomados no

cenário musical nacional e internacional”.59

Além da preocupação com o reconhecimento do evento por meio do corpo docente, há

a preocupação em destacar a Oficina dos outros eventos musicais do país. Segundo o

coordenador artístico do evento em 1992, Paulo Bosísio, “a Oficina de Música de Curitiba é

singular no calendário de eventos musicais brasileiros por ser totalmente voltada para o

estudante”.60 O caráter de inovação, de singularidade está presente nas ações relacionada à

oficina. Dessa forma, tornou-se importante, para os organizadores, diferenciar a oficina de um

festival: “a prioridade máxima da música no Brasil é a formação de profissionais. Isso obriga

a realização de cursos-oficinas e não de festivais. Nisso, a Oficina de Música de Curitiba é

diferente de tudo o que já foi feito”.61 Enquanto os festivais concentram seus objetivos na

apresentação de artistas (geralmente conhecidos), a Oficina focaliza muito mais a formação

do músico, embora apresente espetáculos musicais com artistas e também com alunos.

Segundo uma das fundadoras da Oficina, a cravista Ingrid Seraphim, a singularidade da

oficina está no “fato de centrar na formação dos músicos e não apenas na apresentação de

orquestras e grupos musicais”.62 Apesar de um certo tom crítico em relação à ocorrência de

festivais, o certo é que tanto estes últimos como a Oficina de Curitiba caracterizam políticas

de eventos. São eventos relativamente curtos e de grande porte. Mas é preciso levar em conta

as diferenças de cada um.

Segundo Coelho, há uma tendência cultural em se adotar a política de eventos como

forma de preencher certos espaços vazios deixados pelas ações tradicionais. Ele defende a

política de eventos como um novo fôlego à sociedade por aquela propor um rompimento

58 MUSICALIDADE da América Latina é tema da 15a Oficina. Jornal do Estado, Curitiba, 27 jan.

1996. Fim de semana, p. 06. 59 BROWNE, R. Abertura clássica. Gazeta do Povo, Curitiba, 14 jan. 1996. 60 OFICINA de Música já prepara 11a edição depois do sucesso, op. cit. 61 TUDO pronto: Curitiba vai ser capital da música clássica, popular e erudita. Gazeta do Povo,

Curitiba, 08 jan. 1993. 62 MUSICALIDADE da América Latina é tema da 15a Oficina, op.cit.

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efêmero com o cotidiano e também por constituir-se de ações de grande porte. “A dinâmica

cultural geral, entendida em seu sentido amplo, é cada vez mais ancorada no espetacular, no

feérico: são as grandes feiras que se multiplicam, os grandes encontros esportivos, as grandes

conferências internacionais sobre direitos de minorias ou das mulheres, os grandes festivais de

cinema e teatro”.63 Embora a Oficina de Música de Curitiba caracterize um evento cultural de

grande porte e que, segundo a definição de Teixeira Coelho, seja uma ruptura momentânea

com a rotina64, a ênfase no pedagógico e a sua continuidade65 a distinguem de uma política de

eventos baseada somente no entretenimento, pois sua importância vai além da função de

preencher “vazios” culturais. A oficina não se trata de uma ação isolada devido à sua

realização contínua e ao foco que se dá na formação de profissionais. A função de entreter

existe, mas a intenção de que a oficina se consolide como um momento de criação e formação

é maior. Na comemoração dos dez anos da oficina, o então prefeito Jaime Lerner classificou

esta como “um bom exemplo do que é um projeto conseqüente, que não se esgota em apenas

um evento”66.

A política de eventos definida por Coelho é uma das características do

desenvolvimento de políticas culturais pós-modernas. De acordo com Patrícia Teixeira, a

Fundação Cultural de Curitiba, órgão municipal responsável pela área cultural, possui em sua

linha de ação uma tendência pós-moderna, “que se revela na forma de se fruir os bens – à

forma do produto cultural em si, tanto quanto à forma de se ligar aos espaços culturais

públicos – e no modo como o estado espetaculariza suas ações, serviços e produtos”67.

Segundo ela, há uma tendência, na década de 199068, de promover ações e eventos isolados

sem um projeto mais sistemático à cultura. Apesar de ser um grande evento, a oficina trata-se

de um projeto cultural bastante sólido iniciada no início da década de 1980 e que rendeu

frutos, como o reconhecimento nacional e internacional. Ao afirmar que a pós-modernidade

influencia a formulação e implementação de políticas culturais, Teixeira Coelho aponta a

oficina cultural realizada na atualidade como uma atividade inconstante, eventual e efêmera.

“Um evento [nesse caso a oficina] é, em sua definição estrita, um acontecimento fora do

comum, algo que quebra uma cadeia de rotinas, despertando atenção e merecendo a atenção

63 COELHO, op. cit., p. 301. 64 Id. 65 Está no calendário cultural da cidade há vinte anos. 66 OFICINA de música tem sua história, op. cit. 67 BRANCO, op. cit., p. 137. 68 Período da minha pesquisa.

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23

provocada”69. Para o autor, o evento isolado não configura uma política cultural, que deve

compreender atividades continuadas, que prolonguem seus efeitos no tempo e no espaço...”.70

Ao pensarmos a posição da oficina de MPB nessas proposições de Coelho, entendemos que

ela têm características de um evento, por possuir certa efemeridade e ocorrer apenas em um

dado momento; mas, ao mesmo tempo trata-se de um projeto constante realizado todos os

anos no mês de janeiro e continuado por meio das atividades sistematizadas do CMPB. A

oficina de MPB faz parte de uma política cultural que une a regularidade de uma instituição

com a eventualidade de um encontro cultural de grande porte, podendo ser classificada como

“multiplicadora da ação de agentes e produtores culturais”. Este evento estimula a criação

musical, além de aprofundar o conhecimento dos músicos, sejam eles amadores ou

profissionais.

3.1 OFICINA DE MPB

A música popular brasileira insere-se na Oficina de Música de Curitiba em 1992, com

a realização de um curso do gênero ministrado pelo maestro Roberto Gnattali. No ano

seguinte, estimulada pela criação do Conservatório de MPB, a FCC coloca a música popular

oficialmente na Oficina, oferecendo 12 cursos. A inserção do popular na oficina erudita faz

parte de uma política cultural da FCC que objetiva “contemplar todas as formas de música

artística”.71 Tal política também abrange os trabalhos desenvolvidos na Casa da Música e o

então recém-criado Conservatório de MPB72.

A oficina de MPB foi recebida como uma inovação, com referências ao elemento

modernizador da FCC. “O espírito de modernidade reina na Oficina de Música, o que garante

uma renovação a cada ano. Até 1991 a música erudita imperou sozinha. No ano passado

[1992], um dos cursos foi voltado para a MPB. Desta vez, a música popular brasileira

conquistou de vez seu espaço ...”.73 Inicialmente, a oficina de MPB foi organizada dentro da

estrutura da erudita, então com onze anos de experiência e considerada um dos mais

importantes eventos do país. Tanto que no primeiro ano de sua existência ela era considerada

69 COELHO, op. cit., p. 301. 70 COELHO, op. cit. 71 CONSERVATÓRIO DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. Curitiba, 1995. 72 Id. 73 ÚLTIMOS acordes da Oficina de Música. O Estado do Paraná, op. cit.

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uma “mini-oficina”74, um “segmento”75. Ainda, em 1993, “a música erudita continua sendo o

ponto alto este mês em Curitiba”.76

Segundo a reportagem do jornal O Estado do Paraná no final do evento de 1993, o

erudito e popular integraram-se muito bem. “A distinção entre o erudito e o popular está

praticamente esgotada. Segundo Bosísio [Paulo Bosísio, coordenador artístico do evento

daquele ano], existem excelentes composições na música popular assim como se encontram

péssimos compositores na música erudita. Roberto Gnattali, coordenador de MPB, concorda:

‘Acabou esse mal entendido de que música popular não é música séria’”.77 Ainda de acordo

com a reportagem, houve uma maior popularização do erudito, uma vez que este tipo de

música está sendo absorvido mais facilmente pelo grande público. Para a pianista Henriqueta

Garcez Duarte, essa divisão entre popular e erudito foi um equívoco, pois nas músicas

folclóricas e populares há uma grande riqueza rítmica.

Mas uma certa animosidade entre os organizadores dos dois tipos de música pode ser

sutilmente percebida na justificativa da implantação da Oficina, já que uma ampliação sugere

um trabalho maior à organização do evento: “o conservatório será – pois naquela época ainda

estava em reformas - o espaço natural/ideal para abrigar novos cursos oferecidos na XI

Oficina de Música, em janeiro de 1993. Com instalações adequadas e pessoal de apoio

próprio, contamos que não haverá choque com as atividades desenvolvidas no Solar do Barão,

nem sobrecarga na parte administrativa”.78 Percebe-se a intenção em não atrapalhar as

atividades do evento erudito, como se a oficina de MPB fosse uma ação efetivada à parte do

desenvolvimento da Oficina como um todo, justificando as designações que colocam aquela

como uma atividade secundária em relação ao evento geral.

Embora a oficina de MPB ainda fosse encarada como algo excepcional, uma

reportagem da Gazeta do Povo, no início de janeiro, defende a inserção do popular dentro de

um contexto erudito: “Para os apreciadores da música erudita, é importante lembrar que o

bom desempenho dos músicos nessa área passa também pelo conhecimento profundo da

74 ÓPERA de Arame é o palco para Harmônicas. Gazeta do Povo. Curitiba, 03 jan. 1993, Cultura G, p.

2; ÚLTIMOS acordes da Oficina de Música, op. cit. 75 TUDO pronto: Curitiba vai ser a capital da música clássica, popular e erudita, op. cit.. 76 MÚSICA erudita é atração de hoje na XI Oficina de Música. Gazeta do Povo, Curitiba, 05 jan. 1993.

Cultura G. 77 ÚLTIMOS acordes da oficina de Música. op. cit. 78 CONSERVATÓRIO DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, op. cit.

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25

música popular. Baseado nisso, foram idealizados cursos especiais de MPB [sem grifo no

original], no Circuito Cultural do Portão”.79

Em defesa da MPB vem o coordenador artístico da Oficina de MPB e do

Conservatório de MPB, Roberto Gnattali. Desmitificando que os compositores e

instrumentistas de MPB aprendem sozinhos, ele defende a formação do músico popular via

instituições. Segundo ele, nesse meio, da mesma forma que o erudito, também é necessária a

formação acadêmica80.

Em 1994, na sua décima segunda edição, a Oficina de Música de Curitiba é dividida

em duas fases81, sendo que as primeiras semanas destinam-se à música erudita e as últimas

semanas à música popular. Esta divisão denota um crescimento da parte popular dentro do

evento geral. Enquanto no ano anterior, realiza-se 12 cursos com 319 alunos, em 1994, o

número de inscritos ultrapassou o número de vagas82. Essa procura surpreendeu a organização

do evento: “A procura pela Oficina de MPB foi tão grande, que infelizmente mais de 300

alunos não puderam ser aceitos, em função do número limitado de vagas”.83 Segundo

Gnattali, além do ritmo e a harmonia musical brasileira que interessam os músicos daqui e do

exterior, há outro fator que estimulou o sucesso da primeira oficina, o recém-criado

Conservatório de MPB, uma vez que este “desperta a curiosidade dos estudantes de

música”.84 Além do Conservatório, outra inovação chamou a atenção dos músicos – uma

orquestra de MPB, criada por Gnattali. Um dos concertos de música popular brasileira

realizados foi a estréia da Orquestra do Conservatório de MPB – único do gênero85 - dentro

das programações da Oficina de Música de 1993. Era grande expectativa desta apresentação,

uma vez que esta havia sido adiada um mês antes devido a problemas estruturais da Ópera de

Arame. A peculiaridade desta orquestra está na mistura de instrumentos tradicionais de uma

sinfônica com teclados, sintetizadores, instrumentos eletrônicos, baterias e o violão popular86.

O espetáculo inovou ao apresentar os músicos com fantasias temáticas, circulando pelo palco,

79 A MÚSICA começa a tocar neste domingo. Gazeta do Povo, Curitiba, 09 jan. 1993. Cultura G, p. 22. 80 OFICINA de Música encerra 1a fase. Gazeta do Povo, Curitiba, 16 jan. 1994. Cultura G, p. 7. 81 Na primeira edição, as atividades tanto da erudita como da popular ocorreram simultaneamente. 82 Das 12 oficinas, 5 tiveram o número de vagas ultrapassado (Prática de Conjunto, Rítmica, Harmonia,

Oficina de Choro, Coral de MPB) 83 GNATTALI, R. In: OFICINA de Música encerra 1a fase, op. cit. 84 Id. 85 O maestro Roberto Gnattali criou uma outra orquestra no Rio de Janeiro, mas foi desativada devido a

dificuldades financeiras. A orquestra de MPB de Curitiba é subvencionada pelo município. In: ORQUESTRA de MPB tem a sua estréia nesta quinta-feira. Gazeta do Povo, Curitiba, 12 jan. 1993. Cultura G, p. 18.

86 ORQUESTRA de MPB tem a sua estréia nesta quinta-feira, op. cit.

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bem diferente de uma orquestra tradicional. Segundo reportagem de O Estado do Paraná, “o

público adorou”.87

O interesse do público pela MPB e o aspecto da novidade contribuíram para o

crescimento da Oficina de MPB, o que resultou em um período voltado somente a sua

realização. A presença de músicos conceituados também constituiu um fator importante ao

desatrelamento em relação ao evento erudito. O rápido desenvolvimento da fase popular pode

ser conferido na reportagem do jornal O Estado do Paraná, em 1995, na terceira edição do

evento:

O começo foi modesto: um curso de MPB ministrado pelo maestro Roberto Gnattali, em 1992, como apenas mais um curso dentro da programação erudita. Naquele ano, foi iniciada a construção do Conservatório de MPB de Curitiba. No ano seguinte, a Oficina de MPB cresceu mais ainda, e em 1994 ganhou vida própria com programação e calendário totalmente desvinculados da parte erudita. Atualmente, a Oficina de MPB é a maior do gênero do país.88

Em 1994, aumentaram-se os cursos (de 12 para 20) e as apresentações – enquanto na

primeira edição aconteceram apenas dois espetáculos, nesta o número elevou-se para 15.

Segundo as diretrizes da FCC, a ênfase está na educação e cultura, com o objetivo, segundo

pesquisa de Patrícia Teixeira, de “aumentar o número de pessoas interessadas em cultura e,

conseqüentemente, para expandir o mercado consumidor de concertos, exposições”. De

acordo com a autora, havia a finalidade de formar público, visando o consumo cultural. Em

1994, o público mais que dobrou. Com o aumento do número de eventos, a população

curitibana interessada em MPB compareceu aos concertos, que eram realizados geralmente

por professores e alunos e demonstrando que há um público consumidor deste tipo de música

na cidade. Em 1995, o público chega a quase 9 mil pessoas, enquanto o número de eventos

tem poucas oscilações – até a sexta edição há um aumento progressivo no número de

apresentações. Em 1997, houve uma diminuição considerável do público, reflexo da crise

econômica que se agravou neste ano.

No projeto da terceira edição do evento de MPB, a FCC justifica sua realização como

parte de uma política cultural iniciada com o Conservatório:

87 ÚLTIMOS acordes da Oficina de Música, op. cit. 88 ADRIANO, A. Oficina inicia amanhã com recorde. O Estado do Paraná, Curitiba, 04 jan. 1995.

Almanaque.

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A Fundação Cultural de Curitiba atenta ao processo de resgate da chamada MPB, e ao movimento musical desencadeado em Curitiba, a partir da criação do Conservatório de Música Popular Brasileira. Entende ser, este, o momento oportuno para lançamento (inter)nacional, na Oficina de Música XIII, em janeiro de 1995, de um grande projeto de cursos de música popular que venha contribuir, efetivamente, para a “retomada da linha evolutiva da música brasileira” (sic) traçado por [Heitor]Villa-Lobos, Noel [Rosa], Pixinguinha, Radamés [Gnatalli], Garoto, João Gilberto, Tom [Jobim], Vinícius [de Morais], Chico [Buarque], Caetano [Veloso], Edu [Lobo], Hermeto [Paschoal], Egberto [Gismonti], etc.·

Percebe-se a preocupação em tornar a oficina de MPB um evento de grande porte,

tendo por base um elemento caracteristicamente utilizado nos anos 1960, a “linha evolutiva”.

Segundo Marcos Napolitano, a “linha evolutiva” teve origem em 1959 com a Bossa Nova,

embora seu nome seja forjado mais tarde por Caetano Veloso, quando, no final da década de

1960, propôs a “retomada da linha evolutiva”. Para compreendermos melhor o que significa

‘resgate da MPB’ e o ‘retomada da linha evolutiva’, é necessário abordar o processo histórico-

cultural no qual surge a MPB e o debate em torno da linha evolutiva.

A chamada linha evolutiva se caracteriza pelo momento em que a canção brasileira se

moderniza e tem como objetivo reorganizar a música popular sem negar a tradição dos anos

anteriores – principalmente do samba dos anos de 1920-30.89

A eclosão da Bossa Nova constitui um momento de intensa discussão musical passava

devida às importantes transformações estruturais embutidas nesse processo. “... a crescente

importância da televisão e a consolidação do long play de rotação 33-1/3, como suporte

principal da canção, alteraram as bases criativas e os parâmetros expressivos da música

‘popular’ brasileira, então adequava-se às novas demandas e possibilidades técnicas”.90 A

partir da Bossa Nova opera-se um corte epistemológico que transforma padrões culturais e

musicais brasileiros, lançando novas bases de criação musical, como “sutileza interpretativa,

novas harmonias, funcionalidade e adensamento dos elementos estruturais da canção

(harmonia-ritmo-melodia) que deixavam de ser vistos como um mero apoio ao canto (voz)”.91

Outro elemento também se faz presente nesse momento, a emergência de uma indústria

cultural, com a ampliação do público/consumidor.

As questões sobre tradição/ruptura e sobre mercado, junto com outros elementos,

abrem intensos debates culturais, ideológicos e sociológicos que permeiam toda década de

1960. Erguem-se impasses como entre a tradição do samba e novas bases estéticas e entre a

89 NAPOLITANO, M. O conceito de “MPB” nos anos 60. In: Revista História: Questões e Debates,

Curitiba, n. 31, p.19, 1999. Editora da UFPR. 90 NAPOLITANO. “Seguindo a canção”, op. cit., p. 24. 91 NAPOLITANO. História e Música, op. cit., p. 62.

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conciliação de uma canção que atenda as demandas da indústria cultural e as expectativas do

público ouvinte.

O primeiro impasse é processado na forma de uma Bossa Nova mais politizada, por

meio do samba tradicional. Dessa forma, o samba é incorporado ao cenário musical dos anos

1960 com roupagens mais modernas, transformando-se em um samba moderno participante92.

O segundo impasse criado à Bossa Nova – a canção dentro de uma perspectiva

mercadológica. A princípio, o gênero conquista respeito dentro do estrato superior da classe

média, ampliando seu público à medida que o mercado crescia. “Na metade da década de

1960, novas parcelas de ouvintes/consumidores foram agregadas a esse novo quadro musical,

oriundos da classe média menos abastada, devido à presença marcante da televisão como

novo veículo de massa”.93

O regime militar instituído em 1964 impediu uma relação entre o artista/intelectual de

esquerda e a maioria da população – vale dizer que a canção engajada tinha como objetivo

conscientizar a nação sobre os problemas do país. A televisão surge como elo de ligação entre

a criação e a recepção da obra desses artistas, mas não sem intensas discussões em relação à

inserção da música popular em uma cultura massificada, uma vez que aquela possui uma

mensagem ideologicamente de esquerda e esta representa a alienação. “Como ocupar um

veículo de massas, levando um produto vendável que não se assumia como tal, ao lado de

canções de forte apelo comercial e de estilemas internacionalizantes (como as canções da

Jovem Guarda) e evitar a diluição das intenções críticas e nacionalistas no supermercado da

cultura”.94

A existência de um mercado consumidor que está se consolidando, a redefinição do

lugar da canção e do artista na sociedade e a discussão em torno da brasilidade criaram

terreno fértil para a institucionalização de uma moderna música brasileira. O show Opinião –

com Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale, segundo Napolitano95, faz com que a sigla MPB seja

ideologicamente reconhecível, uma vez que demarca um tipo de comportamento musical, e

arregimentar um grande público.

92 NAPOLITANO, M. A idéia de linha evolutiva na Música Popular Brasileira – 1962/1967. Simpósio

Latino-Americano de Musicologia. Curitiba: FCC, 1999. p. 295. 93 Ibid., p. 294-5. 94 NAPOLITANO. A Invenção da Música Popular Brasileira: um campo de reflexão para a História

Social. Latin American Music Review. EUA: University of Texas Press, v. 19, n.1 1998. Spring/ Summer. p. 94.

95 NAPOLITANO. A idéia de linha evolutiva na Música Popular Brasileira, op. cit., p. 300.

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Outro momento representativo para a institucionalização da sigla MPB é o programa

O Fino da Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues que alavancou a MPB dentro de um

consumo de massa. Os festivais da canção, produzidos pelas principais emissoras de TV na

segunda metade dos anos de 1960, consolidaram esse processo.

Segundo Napolitano, MPB e comercialização protagonizam uma relação bastante

tumultuada:

Uma das formas privilegiadas para entender a história da MPB renovada, produto dos anos 60, é analisar o choque das articulações possíveis destes dois vetores: um movimento instituinte que configura autonomia e outro, de reordenamento da realização comercial da canção, que enseja heteronomia. Mesmo no fim da década, quando o vetor representado pela indústria cultural adquiriu maior visibilidade, a sua atuação junto aos criadores e à audiência de MPB não pôde negligenciar o caráter institucional desta corrente. Em suma, nem sempre instituição e mercado foram convergentes, embora, em linhas gerais, os dois movimentos tenham sido concomitantes séries históricas que ora convergiram, ora divergiram.96

Na década de 1960, período em que a MPB estava redefinindo seus parâmetros,

estipula-se requisitos para caracteriza-la, tais como, a não utilização de instrumentos

eletrificados, presença de algum elemento musical da tradição do samba tradicional ou de

algum ritmo de raiz, ser canta em língua portuguesa e conter uma mensagem social e

humana.97

Além de um gênero musical, a MPB surge como uma síntese de toda tradição musical

brasileira. Incorpora nomes da Bossa Nova, que consagrara um panteão de artistas e agregado

outros. Da primeira leva, nomes como Vinícius de Morais, Sérgio Ricardo, Baden Powell,

Geraldo Vandré, Nara Leão e Edu Lobo. Outros vieram na seqüência, como Elis Regina,

Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil e Caetano Veloso.

A MPB renovada parece dar fim aos impasses desenvolvidos com o surgimento Bossa

Nova: há uma resistência cultural ao regime militar com uma canção engajada, há a

preocupação com a tradição e há um público recebendo as mensagens das canções.

Mas a moderna música popular deriva um pouco das bases estéticas erigidas pela

Bossa Nova, resgatando parâmetros do samba tradicional, como a intensidade vocal, o gestual

expressivo e os timbres mais metálicos.98 Essas características logo conquistam a massa,

causando polêmicas entre aqueles que defendem “a linha evolutiva” da música brasileira. O

96 NAPOLITANO. “Seguindo a canção”, op. cit., p. 14. 97 NAPOLITANO. A invenção da Música Popular Brasileira, op. cit., p. 99. 98 NAPOLITANO. A idéia da linha evolutiva..., op. cit., p. 294.

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artista que encabeça a discussão é Caetano Veloso, que critica o rumo da nova MPB por ela

estar regressando sem trazer nada de novo. Dessa forma, propõe a retomada da linha evolutiva

iniciada com João Gilberto, preocupando-se em não negar a tradição, mas renová-la.

De acordo com Caetano Veloso: “O samba passando a ser divulgado pelo rádio e pelo

disco (vale dizer, por e para a classe média) mostra uma linha de evolução clássica (no sentido

de estar coerente com a organicidade evolutiva de uma cultura) bastante tênue e interrompida,

perdida no emaranhado flutuante da mediocridade...”.99 O artista defende a bossa nova por

iniciar uma modernização na música brasileira e critica a corrente que defende a canção

engajada que na época diluía-se na indústria cultural, retrocedendo a aspectos anteriores ao

que pode chamar de moderno na música popular. Outras vozes ecoam em defesa da retomada

da linha evolutiva, como a do maestro Júlio Medaglia, que afirma que a nova MPB estaria

perdendo a “tradição do rigor, clareza e despojamento” do samba de rua e da Bossa Nova.100

Em 1967, a canção Alegria e Alegria, de Caetano e Domingo no Parque, de Gilberto

Gil criam novos conceitos para a música brasileira, com novas temáticas, novos timbres e

novos arranjos. “Estava preparado o terreno para o choque frontal com o paradigma de

criação nacional popular, base do conceito vigente de MPB, até então”. Em 1968, surge uma

nova vertente da música popular, o Tropicalismo, que tem como objetivo a “busca da

autoconsciência da canção”. Os principais impasses da MPB são postos à prova. Assim, “na

tentativa de se estabelecer como vanguarda, ao mesmo tempo, dentro e fora das estruturas

(leia-se da indústria cultural), o tropicalismo acabou por tocar no problema da tradição e do

caráter cada vez mais comercial do produto ‘MPB’”.101

O movimento rompe com barreiras dentro da MPB aa cantar a urbanidade e a

comunicabilidade moderna – cheia de fragmentações, a usar instrumentos eletrificados entre

outros aspectos. Trata-se de uma tentativa de reelaboração da tradição, não só restrita ao

campo musical, mas ao cultural como um todo. O tropicalismo se afasta da busca das raízes,

da música popular autêntica proposta pela corrente que defende o nacional/popular. De forma

fragmentária e esvaziada, utiliza ritmos, gêneros e sons do passado com o intuito de atualizar

a MPB, como o baião, o bolero, valsa, rock, violas, temas de esquerda, entre outros.

99 VELOSO, C. apud NAPOLITANO, A idéia da linha evolutiva..., op.cit, p. 305. 100 NAPOLITANO, A idéia da linha evolutiva..., op.cit, p. 306. 101 NAPOLITANO. A invenção da Música..., op. cit., p. 101.

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De acordo com Napolitano, a chamada ‘linha evolutiva’ vem sendo utilizada “cada vez

mais como uma referência ideológica de legitimação cultural de gêneros de mercado, mescla

de vanguardismo, pop e exotismo”.102

Ao se referir a uma retomada da ‘linha evolutiva’, Roberto Gnattali propõe que a

Oficina seja um campo de experimentações da música popular, um modo de fomentar

discussões em torno do que tem sido feita nessa área por meio do estudo de compositores que

contribuíram e contribuem à trajetória da MPB que, segundo ele, ‘precisa ser desbravada’: “[a

música popular] é uma área aberta ainda, num crescente desenvolvimento, não é uma coisa

acabada, é muito dinâmico, onde tudo está por fazer, como se fosse uma Floresta Amazônica,

que você entra e vai descobrindo coisas”.103

Embora a sigla MPB tenha sido cunhada em torno das discussões realizadas na

década de 1960, ela é vista como uma instituição que comporta diversas tradições. Ao propor

um resgate da MPB, Gnattali não se restringe ao momento de construção da sigla, mas a sua

significação. Portanto, a referência à retomada da “linha evolutiva” no projeto da Oficina de

MPB pode ser entendida como uma preocupação em resgatar a discussão sobre a música

popular empreendida nas décadas de 1960 e 1970, sem que haja uma demarcação histórica.

Tanto que o projeto da oficina não se refere apenas a compositores daquela época, mas cita

alguns nomes que contribuíram à música popular. Gnattali compreende a MPB como um

caminho aberto, com conquistas históricas memoráveis e que devem ser revisitadas, dado o

seu potencial criativo.

Nós ainda estamos boquiabertos com a interpretação e potencial criativo do Hermeto do Hermeto [Pascoal], Dominguinhos, Luís Gonzaga, a gente ainda não entendeu nada destes caras. Por exemplo, Beethoven já foi tocado de todo jeito, sua obra já foi analisada no mundo inteiro. E continuam estudando. Agora imagine pegar a obra do Hermeto que está apenas no começo. Não se fez nada ainda sobre a obra de Luiz Gonzaga, Pixinguinha, nessa área de estudo.104

Tanto o projeto do Conservatório, que objetiva a valorização da música popular e

folclórica em todos os seus gêneros, formas e estilos, como o da Oficina de MPB estão

pautados nessa finalidade de resgatar e passar a limpo as tradições musicais do Brasil.

102 NAPOLITANO, M. O conceito de “MPB” nos anos 60, op. cit., p. 19. 103 Entrevista de Roberto Gnattali ao jornal Gazeta do Povo. BROWNE, R. Desbravando a MPB.

Gazeta do Povo, Curitiba, 27 jan. 1996. Caderno G. 104 Id.

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A análise dos principais shows ocorridos nas oficinas pesquisadas – uma vez que os

músicos participantes na maioria das vezes também são professores do evento – objetiva

compreender de que forma a Oficina de MPB desenvolve o conceito de MPB. Outros dados

pesquisados serão analisados no próximo capítulo. Aqui listaremos as principais tendências

musicais apresentadas no evento.

Além de ter o aspecto didático como finalidade, o papel da oficina é ampliado no

sentido de mediar os debates sobre a música brasileira. Segundo Roberto Gnattali trata-se de

uma forma de divulgar em maior escala os problemas, as dificuldades e as direções da MPB.

“Tanto na Oficina como no Conservatório de MPB eu pretendo sempre criar linhas de

discussão para, através dos debates, apontar soluções para que a música brasileira ganhe mais

espaço na mídia”.105 Dessa forma, a oficina, que tem certo espaço nos meios de comunicação

por ser um evento de grande porte, auxilia na divulgação de músicos brasileiros. Um das

principais reclamações diz respeito ao pouco reconhecimento dado aos músicos

instrumentistas. Joel do Nascimento, bandolinista bastante conhecido no meio musical, avalia

o cenário da música instrumental no país e elenca alguns problemas, como o descaso da

mídia, fechamento de estúdios, aplicação de soluções baratas, como lasers, play backs e

outros recursos eletrônicos. “O Brasil regrediu em termos de educação. Antigamente a

geração de músicos era maior. Mais jovens se dedicavam à instrumentação. Eu peguei um

tempo em que as gravadoras investiam nos músicos”106. Para o músico Luiz Otávio Braga a

preponderância de gravadoras estrangeiras dificulta um maior conhecimento do público em

relação a vertentes musicais, como o choro. “Acaba se criando a estética do descartável,

apoiado pelos meios de comunicação. A saída para esta crise que se instalou na música

instrumental brasileira, como um todo, só pode ser feita através da educação, sob a forma de

um projeto sério para o país no que concerne à preservação da memória nacional”.107

Por ser essencialmente instrumental, o choro tem pouco espaço no mercado. Trata-se

de uma forma musical pouco divulgada. Ao reunir instrumentistas, principalmente ligados ao

choro, a Oficina passa a constituir, por meio das audições públicas, um espaço de divulgação

da música instrumental.

O choro não está arraigado em um gênero musical do passado, ele é uma forma de

tocar que possibilita a renovação em relação ao instrumento e ao repertório. É perceptível a

105 BRITO, D. Bate-papo musical. Gazeta do Povo, Curitiba, 25 jan. 1998. 106 ENCONTRO com Joel do Bandolim. Gazeta do Povo, Curitiba, 01 fev. 1995. Cultura G, p. 33. 107 SALVAÇÃO para o choro. Gazeta do Povo, Curitiba, 20 jan. 1993. p. 23.

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importância que o evento dá ao choro ao apresentar nomes conhecidos como o flautista

Altamiro Carrilho, Henrique Cazes e Joel do Nascimento (conhecido como Joel do Bandolim)

e nomes pouco conhecidos do grande público como os grupos Bem Brasil, Quarto de Louça,

entre outros. A oficina possibilita a continuidade de uma forma musical, unindo tradição e

renovação por meio do choro.

Um exemplo de que o evento valoriza as tradições musicais é a presença de Altamiro

Carrilho em duas edições da oficina. Trata-se de um flautista reconhecido internacionalmente

pela sua obra (são 700 composições, 65 discos gravados, sendo cinco no exterior – tem um LP

gravado na URSS que não chegou ao Brasil por problemas diplomáticos) que dissemina o

choro por todo o mundo. O artista é bastante otimista quanto ao rumo do choro ao ver o

interesse dentro da oficina por este tipo de música: “Com essa quantidade de jovens

interessados no choro, ele não vai morrer tão cedo. É preciso que a gente o cultue, cultive e

trate como uma criança recém-nascida. Os novos chorões (...) conservam a tradição do

choro”.108

Também com reconhecimento no exterior, Baden Powell é considerado o ‘maior

violonista brasileiro’ segundo matéria publicada na Gazeta do Povo. O artista, que esteve

presente no movimento bossa-novista, participou da abertura da terceira edição da oficina.

Sua apresentação no evento foi bastante festejada: “Quando Baden der seus primeiros acordes

na Ópera de Arame, os presentes estarão diante de uma das maiores glórias brasileiras. Com

mais de 60 discos gravados e 500 composições, o artista tem lotado há quase trinta anos casas

de espetáculo no mundo”.109

Além da preocupação com a música instrumental, os experimentalismos musicais

permeiam todo o evento nas apresentações dos multinstrumentistas Egberto Gismonti e

Hermeto Paschoal. Gismonti foi um dos primeiros a popularizar o uso de violões de mais

cordas, além de inverter a forma de tocar instrumentos harmônicos, utilizando uma maneira

contrapontística: “No violão, coloca cordas agudas entre os baixos, para expandir as

possibilidades harmônicas e de condução da melodia. O piano, aliás, é a principal influência

em seu estilo violonístico. Primeiramente, para ter no instrumento a ampla tessitura do piano,

expandiu o número de cordas para até 14 cordas”.110

108 FERNANDES, J. C. O maior flautista brasileiro. Gazeta do Povo, Curitiba, 05 fev. 1995. Cultura G. 109 ÓPERA recebe Baden. Gazeta do Povo, Curitiba, 23 jan. 1995. Cultura G. 110 ADRIANO, A. Egberto mistura violão e piano. O Estado do Paraná, Curitiba, 01 fev. 1995.

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Já Hermeto Pascoal foi considerado o “mago dos sons” pelo jornal Gazeta do Povo,

em 1995111. O músico está sempre inovando o seu rol de instrumentos com objetos capazes de

produzir alguma sonoridade, como bonecas, trenzinhos, chaleiras, entre outros. Nessa mesma

reportagem, o músico, que já fez escola no meio instrumental, classifica a sua produção: “Eu

chamo meu trabalho de música universal porque ele abrange todos os tipos de música, dede a

clássica até a popular”.

Os experimentalismos também estão presentes na vocalização com os grupos

paranaenses Vocal Brasileirão e Tao do Trio, além do grupo Garganta Profunda. O Vocal

Brasileirão, fruto do Conservatório de MPB, tem um trabalho de coral bastante diferenciado,

em que se valoriza o timbre de cada cantor. “Assim é possível observar as reais extensões das

vozes dos componentes do grupo, com apreciação dos elementos de sonoridade, acentuação e

sotaque”. Segundo a reportagem da Gazeta do Povo de 1997, o Vocal Brasileirão propõe uma

nova estética para o canto coral brasileiro. O grupo Garganta Profunda, criado pelo maestro

Marcos Leite, também inova ao ser um coral composto por quatro integrantes que reúne o

canto às artes cênicas. O Tao do Trio tem como proposta o resgate da MPB ao “cantar coisas

que as pessoas não ouvem mais” e divulgar o trabalho de músicos paranaenses.

As tradições regionais estão bastante sintetizadas na presença do violeiro Roberto

Côrrea que aproveita as edições do evento para lançar seus CDs. Ao participar dos shows, o

músico tenta desmistificar o preconceito do público em relação à música caipira. Roberto

Côrrea não apenas resgata os gêneros regionais como faz uma releitura com conceitos mais

modernos de diversos estilos da música brasileira para a viola. De acordo com entrevista

concedida ao jornal Gazeta do Povo em 1997, Côrrea fala sobre um dos seus discos.

“Temperança”:

Eu escolhi peças importantes da música caipira que começa na época do rádio com as duplas caipiras e vem até essa época da música caipira moderna chamada sertaneja (...) aproveito para mostrar esse país (...) então misturo clássicos de vários pontos do Brasil, como ‘Asa Branca’, ‘Prenda Minha’ à linguagem citadina. (...) Esse disco foi de ousadia no sentido de se ler o contexto da música brasileira fora da viola, mas com linguagem da viola.112

O artista faz parte de uma tendência de resgatar a música regional, juntamente com

Renato Andrade, Almir Sater, entre outros, a partir de uma nova linguagem que mantém a

essência da música caipira, mas em um contexto contemporâneo, com a permanência da raiz.

111 GUIMARÃES, M. Hermeto, o mago dos sons. Gazeta do Povo, Curitiba, 01 fev. 1995. 112 BROWNE, R. Sina de violeiro. Gazeta do Povo, Curitiba, 18 jan. 1997.

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A partir desse mapeamento inicial percebe-se a intenção de englobar a diversidade

musical, sem se restringir a um único gênero ou ritmo, embora alguns sejam mais freqüentes

que outros. Mas é preciso entender que esse processo de resgate da MPB realizado pela

Oficina e também pelo Conservatório tem raízes nas discussões dos anos de 1960 e 1970,

momento em que houve uma sistematização da moderna música brasileira. Muitos desses

músicos que se apresentaram e continuam se apresentando neste evento são herdeiros diretos

desses valores de modernidade. A Bossa Nova inovou ao propor um resgate das tradições da

MPB a partir de um conceito musical renovado. Tanto o Conservatório com a Oficina de

MPB permitem a ampliação dos gêneros musicais resgatados e fornecem, por meio do

encontro dessas tendências, formas reprocessadas. Assim, conforme Napolitano, ainda no

final do século XX, “a MPB continua fornecendo as balizas para o consumo da classe média,

herdando o reconhecimento cultural”113 adquirido naqueles anos.

113 NAPOLITANO. História e Música, op. cit, p. 77.

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4 ANÁLISE DE UMA POLÍTICA CULTURAL: A OFICINA DE MPB

A Oficina de música popular é fruto de uma política cultural na década de 1990,

voltada à MPB juntamente com o Conservatório. O entendimento de como essa política foi

desenvolvida será analisada neste capítulo.

Segundo a definição de Teixeira Coelho, o termo oficina cultural refere-se a um

espaço onde se efetuam cursos, palestras, conferências, seminários. “De uma obra oficina

cultural não sai necessariamente um produto ou obra cultural; seu objetivo é disseminar

informações, para um público profissional ou amador, que levem à realização de obras

culturais”.114 A finalidade da oficina é capacitar os participantes para determinados fins.

No caso da Oficina, trata-se de um ensino bastante informal, sem muita rigidez,

concentrado na troca de experiências entre músicos e interessados. Enquanto o Conservatório

é um espaço em que o ensino da MPB é mais estendido e sistematizado, a Oficina é o lugar

onde as tendências musicais se misturam. Para Roberto Gnattali, coordenador-geral, a oficina

é um grande encontro de estudantes de música do Brasil inteiro, da América Latina, de professores. Nada muito formal porque justamente o grande barato da história é que todo mundo se junta nesses 15 dias para fazer mais experimentação do que outra coisa. As formalidades deixam para o resto do ano, para as escolas de música. Durante o ano todo os músicos fazem concertos e apresentações muito formais. Na Oficina há uma tendência há informalidade.115

A Oficina, criada em 1993 inicialmente como um apêndice da Oficina erudita, ao

passar dos anos116 vai se constituindo em um grande evento, reconhecido no Brasil todo

devido a sua proposta de ensino informal de MPB. Não há a preocupação em elaborar um

produto em si, mas, na maioria das edições analisadas, os alunos se preparam para demonstrar

suas habilidades apreendidas em uma apresentação musical. De acordo com a reportagem da

Gazeta do Povo de 1997, quando um aluno se inscreve na oficina significa que ele já vai se

apresentar publicamente. “Isso possibilita que muitos músicos/alunos façam sua estréia

nacional em Curitiba, perdendo o medo do palco e dando o primeiro grande passo para uma

carreira profissional”.117 A ênfase ao didático dada à oficina, tanto por meio dos cursos como

pelas apresentações dos alunos ao público – muitas vezes pela primeira vez – faz com que o

114 COELHO, op. cit., p. 281. 115 Entrevista com Roberto Gnattali, BROWNE, R. Desbravando a MPB. Gazeta do Povo, Curitiba, 27 jan. 1996. 116 Nosso estudo abarca os sete primeiros anos da faze popular da Oficina de Música de Curitiba. 117 OFICINA de música abre inscrições. O Estado do Paraná, Curitiba, 16 jan. 1997.

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evento constitua uma experiência ao estudante e, até mesmo ao músico, diferentemente das

políticas de eventos que não se baseiam em desenvolver ou aperfeiçoar habilidades, mas

apenas entreter. Segundo a assessora musical da Oficina de Música de Curitiba, Janete

Andrade, as apresentações representam um estímulo para o aperfeiçoamento, já que há um

intercâmbio entre os alunos com troca de partituras e bibliografias, além de ter a possibilidade

de aprender com músicos renomados. “De repente, o aluno está frente a frente com seu ídolo,

tateando o mito e tocando com ele”.118

Essa preocupação com o aprendizado leva a organização da Oficina de Música de

Curitiba se preocupar com o corpo docente. “Praticamente todos os professores são músicos

de longa estrada, que não apenas aperfeiçoam os alunos nos seus instrumentos mas,

principalmente, mostram como são os caminhos da profissão”.119 Para Cecília Conde e José

Maia Neves, o ensinamento feito por meio de criadores enriquece o aprendizado.

A experimentação musical deu novo rumo à criação e muito aportou à educação musical renovada. A criação musical contemporânea foi mais longe que a pesquisa pedagógica, na descoberta da expressão musical das diferentes culturas. Na verdade, este avanço é explicável, por tratar-se da elaboração realizada por grandes criadores. A reflexão pedagógica só atinge cumes quando vivida por criadores.120

A oficina de música em sua essência não trabalha com linguagens musicais

padronizadas, dando um grande espaço à criação, que deve ser estimulada pelo professor.

Segundo Heitor Villa-Lobos, é preciso fazer com que o aluno, primeiramente, viva e

familiarize-se com os sons e suas particularidades, deixando que ele perceba a harmonia com

seu próprio ouvido. As regras musicais vão sendo gradativamente conhecidas de acordo com

seu desenvolvimento.121 Para Bernadete Zargonel, fazer com que o aluno experimente por si

próprio é fundamental. Segundo ela, o professor deve assumir uma função de orientador,

explorando as potencialidades do aluno. “A participação começa pela descoberta, isto é, o

educando não recebe as informações prontas e depuradas, mas pela experimentação,

raciocínio, análise, intuição, elabora seu pensamento”.122

118 GONÇALVES, M. F. Crescimento nos festivais. Gazeta do Povo, Curitiba, 07 ago. 2002. 119 BROWNE, R. Curitiba vai respirar música. Gazeta do Povo, Curitiba, 03 jan. 1997. 120 CONDE, C.; NEVES, J.M. Pesquisa e Música. Conservatório Brasileiro de Música, op. cit., p. 43. 121 VILLA-LOBOS, Heitor. Presença de Villa-Lobos. 2a ed. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, 1972, v.2, p. 99. 122 ZARGONEL, Bernadete. Considerações sobre a música na sociedade através dos tempos e sua importância na Educação: uma proposta metodológica. Curitiba, 1983. Dissertação. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, p. 56.

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38

Toda política cultural é direcionada a um público, seja ele específico ou massificado.

Coelho entende por público “um conjunto de pessoas que não apenas praticam uma atividade

determinada mas diante dela assumem o mesmo tipo de comportamento, sobre ela expressam

opiniões e juízos de valor consideravelmente convergentes e dela extraem sensações e

sentimentos análogos”.123 Dessa forma, é necessária uma certa homogeneidade de interesses.

O público atendido pela oficina é composto por estudantes de música, músicos amadores e

profissionais, além de especialistas e interessados em música popular brasileira. Por reunir

tantas pessoas com fins semelhantes é que o evento tem como uma de suas características

principais a troca de experiências. Mas isso só se torna possível se os interessados em

aprender já tenham um certo conhecimento sobre o assunto – considerado por Pierre Bourdieu

como ‘capital cultural’, pois a oficina parte de um nível básico de aprendizado, como

podemos perceber ao analisar as ementas dos cursos das duas primeiras edições do evento. No

mínimo, o estudante precisa ter uma certa integração com o instrumento tocado. No curso de

harmonia é preciso tocar algum instrumento de harmonia, como violão, piano, entre outros.

Na oficina de choro, dirigido a violonistas, cavaquinistas, bandolinistas e instrumentos

solistas – como flauta, clarinete – torna-se necessário boa experiência com o instrumento e

leitura de cifra popular. As oficinas de arranjo vocal e coral de MPB são dirigidas a cantores,

coralistas, vocalistas e regentes de coro. A oficina de canção-letra, em que letras são

reestruturadas, é dirigida a poetas e músicos. Afinidade musical é imprescindível para

participar dos cursos.

Por se tratar de um evento bastante conhecido, o público que participa das oficinas é

composto por músicos ou interessados do Brasil e também de outros lugares do mundo, como

Argentina, Suíça e Uruguai124. Isso demonstra o prestígio do evento e a curiosidade

despertada pela música brasileira.

Para entender esse processo cultural que já iniciou com grande procura125

possivelmente por oferecer novas possibilidades de aprendizagem musical, passamos a

analisar em que parâmetros a oficina de música popular foi estruturada em termos de

constituição e renovação do corpo docente e também dos cursos oferecidos. A Oficina de

MPB nasceu com os seguintes objetivos:

123 COELHO, op. cit., p. 323. 124 BROWNE, R. Música popular brasileña. Gazeta do Povo, Curitiba, 28 jan. 1998. 125 Já na 1a edição, mais de 300 pessoas se inscrevem nos 12 cursos oferecidos.

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39

Aprimorar o conhecimento musical do músico prático; Difundir técnicas específicas de composição, arranjo e de prática instrumental e vocal, utilizados em música popular, a partir do estudo dos traços de gênero e estilo que caracterizam a música regional; Promover o encontro nacional das diversas tendências de música popular brasileira, através das práticas de conjunto; Difundir a obra dos grandes mestres da Música Popular Brasileira do passado e do presente; Difundir novas técnicas de criação musical com o auxílio da tecnologia.126

Inicialmente, esses objetivos estão diluídos nas atividades oferecidas a partir da

primeira edição do evento. Os primeiros cursos da Oficina de MPB constituem a principal

base em que foi implantado o evento, hoje com doze edições127. São eles: Harmonia de

Teclado, Prática de Conjunto, Rítmica, Harmonia, Oficina de Choro, Oficina da Canção-

Letra, Arranjo Vocal, Coral de MPB, Arranjo Instrumental, Oficina de Música Aplicada,

Bateria de Escola de Samba (infantil/adulto).

A inclusão do choro como oficina expressa a intenção de resgatar as raízes da música

brasileira. O curso tem como ementa “o estudo e interpretação do choro; formação do

conjunto regional clássico, bem como duos, trios, quartetos e orquestra de cordas

dedilhadas”.128 Conforme o músico e professor Luz Otávio Braga, em uma reportagem em

1993, o choro, “uma das expressões mais tradicionais da música brasileira está ameaçado de

extinção”. No curso, o músico traz aos alunos grandes nomes do gênero, como Pixinguinha,

Waldir Azevedo, João Pernambuco, Paulinho da Viola, entre outros129. O choro desenvolve-se

concomitantemente com as edições da fase popular, estando presente em todos os anos. Na 1a

oficina, o número de inscritos já excedia o número de vagas (com 20 vagas e 22 inscritos),

aumentando em algumas edições e estabilizando em outras. Na 2a aumentou 22, 72%. Na 3a,

7,4%. Nas 4a, 5a e 6a, o número de procura estabilizou-se. Na sétima, cresce 56%.

Em 1995, cinco professores passam a ministrar a oficina de choro: o clarinetista Paulo

Sérgio Santos, a cavaquinista Henrique Cazes, o pianista Cristóvão Bastos, o bandolinista Joel

Nascimento e o músico Luiz Otávio Braga. A cada edição, o corpo docente deste curso é

reconfigurado. Em uma reportagem da Gazeta do Povo sobre apresentações paralelas que os

músicos fazem na cidade, há referência à importância desses músicos retomarem o choro na

atualidade. “Os músicos que agora se reúnem estão coordenando os cursos de choro

oferecidos pela oficina e despontam como experts do gênero, alcançando, inclusive êxito

internacional. Vê-los juntos é uma oportunidade única e, de certa forma, documental. Por

126 CONSERVATÓRIO DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, op. cit. 127 Esta pesquisa foi realizada entre janeiro de 2003 e janeiro de 2004. 128 CONSERVATÓRIO DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, op. cit. 129 SALVAÇÃO para o choro. Gazeta do Povo, Curitiba, 20 jan. 1993. p. 23.

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intermédio deles a tradição dos chorões e chorinhos se mantém vivas”.130 A partir desse

intercâmbio de informações, a tradição do choro permanece. Ao explicar a metodologia

utilizada em seu curso, o músico Luiz Otávio Braga explica que não existe nem um tipo de

formulação teórica, os alunos vão aprendendo por meio da obra dos grandes mestres do choro,

como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, entre outros. “Durante o curso a

gente trabalha o repertório clássico do choro e vai passando todas as nuances e características

de estilo, a questão do fraseado musical, a questão rítmica, harmônica”.131

Além do resgate de antigas tradições por meio da oficina do choro, a renovação de

ritmos também faz parte dos objetivos da fase popular. A oficina de arranjo vocal tem como

finalidade o “resgate de procedimentos de arranjo do passado e de interpretação de grupos

vocais brasileiros do passado, incorporando-os às tendências musicais da atualidade”. Na

ementa do curso de coral de MPB há referência a “técnicas renovadoras de abordagem da

linguagem Coral/Vocal”. Há a preocupação em resgatar antigas formas musicais, inserindo-as

em um contexto musical mais atual - procedimento difundido a partir da Bossa Nova em 1959

que concentra valores de modernidade.O maestro Marcos Leite foi o ministrante dos dois

cursos, sendo que o coral reuniu um número sempre acima de 40 inscritos a o longo das

edições pesquisadas.

Para justificar o objetivo de usar a tecnologia para criar novas formas musicais,

ofereceu-se o curso de música aplicada, com a finalidade de trabalhar “técnicas de

composição com a utilização do computador, dos instrumentos MIDI e das técnicas de

gravação em estúdio”.132 O curso teve como ministrante o músico Tim Rescala e apenas

ocorreu nas duas primeiras edições, embora tivesse público considerável em ambos os anos.

Novidade no cenário musical, a Orquestra de MPB, criada e regida pelo mastro

Roberto Gnattali, vira oficina na primeira edição do evento. A proposta desse grupo é

conciliar os instrumentos tradicionais de uma sinfônica com teclados, sintetizadores,

instrumentos eletrônicos, bateria, violão popular. Dessa forma, a essência de uma orquestra

permanece, mas a forma se transfigura, fazendo com que o popular flexibilize a estrutura

sinfônica marcadamente erudita.

Os cursos da primeira edição não se concentravam na prática instrumental, mas

principalmente no aspecto estrutural da música, como é o caso das oficinas de harmonia, 130 CHORANDO de verdade. Gazeta do Povo, Curitiba, 03 fev. 1996. 131 GUIMARÃES, M. Sangue novo no chorinho. Gazeta do Povo, Curitiba, 21 jan. 1997. Caderno G, p. 3. 132 CONSERVATÓRIO DE MÙSICA POPULAR BRASILEIRA. Relatório das atividades do CMPB – 10 anos. Curitiba, 2002. p. 08.

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rítmica, arranjo vocal e instrumental. O instrumento estava inserido em uma prática de

conjunto. Na segunda edição começam a despontar alguns cursos de instrumentos-solo, como

o de música caipira ministrado pelo violeiro Roberto Côrrea uma vez que a oficina de 1994

tem como proposta “enfatizar, principalmente, a Prática Coletiva de tocar e cantar (através da

formação de grupos instrumentais e vocais de música regional, urbana e rural) e a Canção,

abordada sob vários aspectos desde a análise teórica até a própria prática de compor e

interpretar”.133 Para efetivar seus objetivos, a segunda edição amplia o número de cursos de

12 para 20 (um aumento de 66%), criando oficinas de composição, história do canto no

Brasil, análise da canção brasileira, interpretação, entre outras. O número de inscritos foi

grande e, segundo Gnattali, muitos não conseguiram vagas. “A demanda de inscritos justifica-

se pelo interesse que a Música Popular Brasileira desperta tanto em músicos eruditos como

populares, inclusive nos estrangeiros, que apreciam muito o nosso ritmo musical”.134 Os

limites de vagas da maioria dos cursos tiveram que ser ampliados, como é o caso da bateria de

escola de samba e música por computador.

A prática de escola de samba, presente na edição passada vira mini-curso, ministrado

pelo sambista Odilon Costa, que traz a Curitiba a tradição musical das escolas de samba. De

acordo com Napolitano, as escolas de samba funcionaram como eixo sociocultural entre a

tradição musical carioca, erigida do samba autêntico, e a indústria musical dos anos de 1930,

dotando o samba de uma “célula rítmica reconhecível e ligada a determinados timbres

instrumentais-percussivos e vocais que lhes são típicos”.135 Trazer a tradição das escolas de

samba a uma cidade que não tem o carnaval culturalmente arraigado foi tarefa de Odilon

Costa. Tal aspecto demonstra a preocupação em refletir em Curitiba uma das produções

musicais características do Rio de janeiro, que é o samba. Ao analisar o samba paranaense, o

sambista o caracteriza como ‘ritmo de gringo’. Para ele, o carnaval curitibano pode melhorar

se houvesse interesse por parte dos integrantes das escolas de samba de Curitiba136.

Um mini-curso diz respeito à música por computador, dado pelo professor Péricles

Varella Gomes137, que dividiu sua metodologia em quatro fases: a apresentação da inserção

do computador na música; introdução do seqüenciador que permite ao músico a reprodução

133 CONSERVATÓRIO DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. 1994. 134 OFICINA de Música encerra a primeira fase. Gazeta do Povo, Curitiba, 16 jan. 1994. Cultura G. 135 NAPOLITANO. História e Música, op. cit., p. 51. 136 GUIMARÃES, M. Suingue para o Paraná. Gazeta do Povo, Curitiba, 14 fev. 1996. Caderno G. 137 Em 1994, o músico estava trabalhando no laboratório de Comunicação Tecnológica da Michigan State University.

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do que ele toca por meio do registro musical e das partituras; o uso do sampling – aparelho

que digitaliza o som e que pode ser trabalho na forma musical; e, por fim, a função da

multimídia dentro da música. Este mini-curso é complementado pela palestra realizada por

Tim Rescala, que também relaciona o computador e a música. Outra questão que foi tema de

uma das palestras trata da relação da MPB com o mercado de trabalho. Ao oferecer estas

atividades, a oficina traz as discussões e inovações tecnológicas que estão ocorrendo na

música contemporânea, reiterando seu compromisso de manter-se atualizada.

Outra novidade é a participação de professores paranaenses na segunda Oficina de

MPB. Até então, os ministrantes eram majoritariamente do Rio de Janeiro e alguns de São

Paulo. Em 1994, dois professores do Paraná e um do Distrito Federal estão presentes. Um

deles é Hélio Santana que oferece a oficina de brincadeiras ritmadas, curso voltado às

crianças. Este curso propõe o resgate de canções e brincadeiras infantis por meio da confecção

de instrumentos musicais. A inserção de uma atividade infantil amplia o público consumidor

da oficina. No ano seguinte, as crianças também poderão participar de um coral infantil,

também ministrada por uma paranaense, Maria Dulce de Primo.

Neste segundo ano a ênfase ainda é maior em relação aos aspectos estruturais da

música. A prática instrumental só terá mais espaço no terceiro ano. Em 1995, o número de

cursos aumenta 60% (de 20 para 32). A parte instrumental ganha 13 cursos, com os seguintes

instrumentos: violão, cavaquinho, bandolim, viola caipira, guitarra e contrabaixo elétricos,

flauta transversal, saxofone, clarineta, rabeca, piano, bateria, harmônica de boca e bandolim.

A diversidade instrumental requer um número maior de professores e o corpo docente

aumenta 43% (de 16 para 23), sendo constituído por músicos principalmente do Rio de

Janeiro (15), além de outros vindo de São Paulo (4), do Paraná (3) e do Distrito Federal (1).

São artistas reconhecidos no cenário musical brasileiro, como o saxofonista Carlos Malta, o

bandolinista Joel do Nascimento, o pianista Cristóvão Bastos, o pesquisador musical José

Miguel Wisnik entre muitos outros.

Em relação aos cursos oferecidos, o improviso musical ganha duas oficinas: uma para

instrumentos de cordas, com o guitarrista Nelson Faria, e outra para instrumentos de sopros,

com Carlos Malta. Nas edições seguintes elas se unem e são ministradas apenas por Nelson

Faria, tornando-se um dos cursos mais concorridos segundo o músico em entrevista ao jornal

O Estado do Paraná em 1998: “São 32 alunos interessados em conhecer as ‘ferramentas’ que

lhes permitem desenvolver a sua própria linguagem a partir de um determinado tema.

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Estamos aprendendo a desenvolver a criatividade e, de certa forma, a compor”. 138 A oficina

de prática de conjunto passa a ser composta por vários professores de diferentes instrumentos

(contrabaixo, saxofone, harmônica de boca, violão).

A terceira edição concentra o maior número de músicos renomados – como Hermeto

Pascoal, Baden Powell, Egberto Gismonti e Amilton Godoy, que foram convidados a

ministrar oficinas de criação livre (só o curso de Hermeto Pascoal reuniu 235 alunos),

palestras, como foi o caso de Egberto Gismonti e José Miguel Wisnik (que abordou a obra de

Ernesto Nazareth), além das audições públicas. O aumento de professores e a vinda de

músicos conhecidos deveram-se a um patrocínio do Banco do Brasil de R$150 mil139. Na

quarta edição, em 1996, a verba financeira foi menor – R$69 mil140. Embora o número de

professores tenha aumentado (de 23 para 28), o número de cursos continuou o mesmo. Apesar

disso, novas oficinas passaram a figurar, já que outras foram retiradas. Dois novos

instrumentos foram inseridos, o trompete e o trombone. Outra oficina foi criada, consistindo

em um grupo de danças folclóricas. Em virtude da demanda do ano anterior, foram acrescidos

mais um curso de piano e de violão.

Segundo a reportagem da Gazeta do Povo neste período, não há inovações no campo

docente da oficina. “Voltam praticamente todos os professores do ano passado”.141

Analisando a grade de professores de 1996, percebe-se uma mudança significativa nos nomes

de músicos que ministram a Oficina. Há uma renovação de 46,4% no corpo docente desta

edição.

Na quinta edição, em decorrência da crise econômica que assolou o país, houve uma

diminuição do número de professores. Paradoxalmente, houve um aumento no número de

cursos, fazendo com que professor ministrasse mais de um curso, correspondendo a uma

maximização da capacidade de ensino dos professores. A explicação está na redução

orçamentária que ocorreu em 1997: R$ 56,7 mil. Dessa forma, percebe-se que há maior

participação dos professores paranaenses, uma vez que estes têm um baixo custo por não

demandarem pagamento de diárias e passagens. O baixo orçamento fez com que as atrações

138 A ARTE do improviso. O Estado do Paraná, Curitiba, 27 jan. 1998. Almanaque. 139 ADRIANO, A. Oficina inicia amanhã com recorde. O Estado do Paraná, Curitiba, 04 jan. 1995. Almanaque. 140CONSERVATÓRIO DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA.1996. 141 BROWNE, R. Abertura clássica. Gazeta do Povo, Curitiba, 14 jan. 1996. Caderno G.

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musicais se concentrassem nas apresentações de alunos e de professores, sendo que não houve

nenhuma atração especial como ocorrida em anos anteriores142.

Apesar do orçamento reduzido, neste ano ocorre o I Simpósio de Musicologia Latino-

Americano. Segundo Ingrid Seraphim, uma das fundadoras da Oficina de Música de Curitiba,

este evento tem por objetivo estimular a pesquisa sobre música dos diversos países da

América Latina, além de divulgar conhecimentos, constituindo um terreno fértil para a troca

de informações entre pesquisadores nacionais e estrangeiros.

Apesar da Oficina de MPB não trabalhar diretamente com o tema da música latino-americana, ela possibilita aos músicos e alunos provenientes dos países do Mercosul uma maior integração com os brasileiros, podendo gerar, no futuro, uma maior aproximação e integração da música latino-americana. Esse fato pode ser conferido com a presença significativa de alunos da Argentina, Paraguai e Uruguai que freqüentam anualmente as edições da oficina de Música.143

Em relação às oficinas, o número de cursos oferecidos se mantém constante. Há uma

mudança na estrutura no programa da oficina de 1997, com a diminuição de cursos de

instrumentos-solo e a ampliação da prática de conjunto. Enfatiza-se, portanto, o aspecto

coletivo no aprendizado musical. O curso de prática de conjunto é diluído em diversas

oficinas. “O objetivo é formar com os alunos grupos musicais de samba, choro, bossa nova,

música caipira e de raízes, além de orquestra de MPB, escola de samba e corais”.144 Tal

mudança intenciona fazer com que esses grupos de música formados a partir das oficinas

preparem concertos. Além de oferecer ao estudante uma experiência com o público, também

se encaixa no orçamento, já que não se torna necessário pagar os shows musicais. Esta ênfase

no coletivo trata-se de uma proposta desde a segunda edição. Até 1998 essa tendência é

contínua, porém no ano seguinte essa tendência se dissipa, o que corresponde à volta das

oficinas de instrumentos-solo.

Em 1997, pela primeira vez em cinco anos de existência, a fase popular oferece

oficinas de bossa nova, samba e de raízes brasileiras. Esta última é ministrada pelo

musicólogo mineiro Hélio Sena. A inclusão deste curso tem por objetivo resgatar gêneros

quase desconhecidos do grande público como o rasqueado e o fandango – tipos musicais

considerados ‘de raiz’. Um dos defensores deste tipo de música conforme reportagem da

Gazeta do Povo de 1997, Sena realiza pesquisas sobre o folclore brasileiro. “A música de raiz

142 Na 3a edição, apresentaram-se nomes como Baden Powell, Altamiro Carrilho, Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal. Na 4a oficina, Leila Pinheiro e Altamiro Carrilho fazem parte dos shows deste ano. 143 BROWNE, R .Curitiba vai respirar música. Gazeta do Povo, Curitiba, 03 jan. 1997. Caderno G, p. 5. 144 COMEÇA hoje a fase MPB da oficina. O Estado do Paraná, Curitiba, 15 jan. 1997.

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sempre foi fonte e nutriente à elaboração erudita, acadêmica e de música comercializada, só

que este acervo de criação chamado folclore é tão rico e diversificado que o aproveitamento

que se faz dele, tanto na música erudita quanto na popular, é proporcionalmente menor em

relação à sua extensão”.145 Em suas pesquisas sobre ritmos pelo centro-sul do país, Sena

encontrou cerca de oitenta gêneros. De acordo com ele, é necessária uma cultura de

preservação do patrimônio musical para que a música popular brasileira não perca uma de

suas “fontes mais ricas”. Essa preocupação refletiu no curso, que “resgata gêneros de grande

interesse rítmico e melódico”, fazendo com que o aluno vivenciasse estes estilos com sua

própria voz e com o instrumento. Conforme Sena, este tipo de música rompe com a

“linguagem convencional de harmonia e ritmo que foi adotada pela cultura oficial”.146 A

preocupação com o estudo do folclore é visível na oficina de MPB, que estimula seus

estudantes a desenvolverem ritmos folclóricos. Segundo o baterista Guilherme Gonçalves,

“essa é a base que falta para os novos músicos”.147

Na oficina de bossa nova, o trabalho foi feito a partir de músicas conhecidas dos

alunos. Segundo José Namen, professor do curso, a ênfase foi na prática coletiva, até então

uma das principais características do evento. “Quando a gente toca em grupo o enfoque é

totalmente diferente. Por exemplo, um pianista tocando sozinho tem que tocar de uma forma,

tocando com um grupo, com baixo, instrumentos de solo, bateria, a maneira de arrumar os

acordes é outra. A rítmica é completamente diferente, muda tudo. Na prática de conjunto tudo

isso é abordado (...) eu tento mostrar para eles a importância de escutar”.148 No início da

oficina, o músico rearranjou a turma que continha excesso de pianistas, colocando estes em

outras oficinas e trazendo baixistas, equilibrando o grupo com pianistas, baterista, baixista,

violonistas, guitarrista, saxofonista e flautista. Dessa forma, Namen realizou uma

rearmonização com as soluções apontadas por seus alunos. “... o objetivo é pegar a matéria

que está sendo vista dentro de sala e fazer com que as modificações, feitas nas harmonias e

nas cifras destas músicas, contenham esses elementos. Depois é colocar a turma pata tocar,

dando noções de como tocar em grupo”.149 No ano seguinte, devido à grande procura, a bossa

nova permaneceu no programa, porém com outro ministrante, o pianista Haroldo Mauro Jr,

145 GUIMARÃES, M. Tesouro musical ameaçado. Gazeta do Povo, Curitiba, 22 jan. 1997. 146 Ibid. 147 UM sábado todo musical. O Estado do Paraná, Curitiba, 30 jan. 1998. 148 BROWNE, R. Rearmonizando a bossa nova. Gazeta do Povo, Curitiba, 21 jan. 1997. 149 GUIMARÃES. Tesouro musical ameaçado, op. cit.

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mostrando que “mesmo não estando na mídia a boa música sempre será prestigiada e

procurada”.150

A inserção dessas oficinas traduz a preocupação em inovar o programa da fase

popular, mas, principalmente, em realizar uma valorização de gêneros do passado que ainda

orientam a MPB atual. Apesar de serem inseridas como prática instrumental apenas na quinta

edição, estes estilos musicais permeiam o evento desde o início, já que sempre esteve presente

nos repertórios tocados pelos alunos nas audições.

Em 1998, com um orçamento geral151 de R$ 637 mil, o número de cursos aumenta (de

35 para 41). Há a inserção da oficina de violão de sete cordas, a volta do bandolim, além uma

ampliação nos cursos de prática de conjunto com flautas, saxofones e conjunto de metais.

Também novos professores estão presentes, como a cantora Fátima Guedes, com os cursos de

interpretação da canção popular e composição: letra e música; o baterista Pascoal Meireles, o

pianista Haroldo Mauro Jr, o arranjador Ian Guest, com os cursos de harmonia e arranjo

instrumental e o saxofonista Idriss Boudrioua. Outra vez estas novas participações desmentem

as afirmações publicadas de que a oficina não apresenta grandes novidades.152 No ano

seguinte, a oficina de MPB traz o baterista Gary Chaffee dentro da programação do I

Encontro de Percussão Popular – evento paralelo que apresentou quatro oficinas e seis aulas

públicas sobre bateria, baixo e percussão.

A questão sobre as novidades promovidas no evento demanda alguma análise, já uma

das premissas de oficina cultural segundo Teixeira Coelho é a sua atualização constante. “...

Os responsáveis por sua condução [da oficina] deveriam ser sempre diferentes para garantir-

se a meta da atualização ou da formação continuada...”.153 Neste sentido, as primeiras oficinas

foram as que mais renovaram tanto no corpo docente154 como na oferta de diferentes

cursos155. A partir da quinta edição, o índice de atualização abaixa, mas ainda há novos nomes

e novos cursos.

Também pode ser considerado novidade o I Encontro de Percussão Popular, que

trouxe para pauta de discussões da oficina de MPB a prática de instrumentos percussivos

como a bateria e ritmos nordestinos, já que um dos cursos ministrados nesta atividade paralela

150 BROWNE, R. Bossa nova dos alunos. Gazeta do Povo, Curitiba, 31 jan. 1998. 151 Este orçamento refere-se às duas fases da XVI Oficina de Música de Curitiba. 152 BROWNE, R. Muita música e pouca novidade. Gazeta do Povo, Curitiba, 10 jan. 1998. 153 COELHO, op. cit., p.282. 154 Na 2a edição, houve uma renovação de 50% no corpo docente; na 3a, 56,5%; na 4a, 46,4%. Na 5a edição, o índice cai para 21,7%, se mantém o mesmo na 6a e aumenta para 30,43% na 7a . 155 A 3a edição foi a que mais renovou, com mais da metade de novos cursos.

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47

foi uma oficina sobre maracatu do baque virado, pela pernambucana Maria Cristina Barbosa.

A pesquisadora também oferece o curso de apreciação de folguedos populares, dentro da

recém-criada categoria de atividades didáticas e de pesquisa, composta por outras oficinas:

didática do canto: voz/corpo/emoção, com Madalena Bernardes e introdução à pesquisa em

música brasileira, com Carlos Sandroni.

Além de enfatizar a pesquisa do folclore pernambucano e a prática da percussão

popular, esta edição também homenageou os 90 anos do compositor Cartola. Tal homenagem

permeou o repertório de algumas apresentações musicais e atividades paralelas da Oficina,

com os lançamentos do CD “O Sol Nascerá”, do selo Revivendo, e do livro “Tempos Idos”,

de Marília Barbosa da Silva e Arthur de Oliveira Filho, uma exposição sobre a vida do músico

organizada pela pesquisadora Maria Clara Wasserman e um bate-papo intitulado “Cartola,

esse desconhecido”, com a presença de D. Zica da Mangueira, esposa de Cartola.

Embora haja a novidade do professor dos Estados Unidos e o encontro de percussão

popular, o número de cursos diminui em relação ao evento anterior (de 39 para 29). Ao

analisarmos o número de inscritos nas oficinas pesquisadas, percebemos que ele é crescente,

muito embora o número de cursos não tenha acompanhado proporcionalmente esse

crescimento de alunos, já que há oscilações no número de oficinas oferecidas. Os cursos mais

procurados ao longo das edições foram: Coral de MPB, Rítmica, Interpretação da Canção

Popular, Violão (na sétima edição ganha três cursos: solo; acompanhamento e 6 e 7 cordas) e

Harmonia. Também houve intenso interesse nas oficinas de piano, choro, composição, canto,

improvisação. As oficinas de estruturação musical e de prática vocal concentram o maior

número de interessados. Outro curso bastante procurado, principalmente pelos argentinos, é o

samba156.

Há uma preocupação em manter os cursos mais procurados de uma oficina para outra,

enquanto a oferta de um número maior de cursos e atividades relacionadas à MPB depende do

orçamento destinado a cada edição. Portanto, ao analisarmos o programa das sete oficinas

pesquisadas, percebemos que na terceira edição há uma concentração maior de músicos

renomados e shows musicais de grupos e artistas que não estão participando dos cursos como

alunos ou professores.

Embora seja a partir do terceiro ano que a Oficina passe a ofertar cursos apenas de

instrumentos, a variedade possibilita uma ampliação no público interessado. São diversas as

156 BROWNE, R. Música popular brasileña, op.cit.

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opções, que vais desde violão até rabeca, sem contar que em alguns cursos há o aprendizado

ou aperfeiçoamento de instrumentos não tão conhecidos, abrindo ainda mais o leque das

possibilidades musicais. Nesse sentido há inovação constante em relação principalmente à

parte instrumental. Além de ofertar os cursos clássicos como guitarra, flauta, entre outros, a

Oficina reflete o interesse do público por novidades.

Em relação aos professores, houve pouca oscilação no número de professores, sendo

que a quarta edição foi a que mais concentrou professores. Também é perceptível que os

ministrantes são, na grande maioria, do Rio de Janeiro, sinalizando que a fase popular da

Oficina de Música de Curitiba traduz, principalmente, a produção musical daquela cidade. A

participação de músicos paranaenses foi pequena se relacionarmos com o número geral. Os

músicos cariocas representavam mais da metade do corpo docente das oficinas.

Embora haja mais professores do Rio de Janeiro, percebemos em algumas edições a

participação de grupos locais. Apesar de alguns anos - 1995 e 1996 – terem uma concentração

de músicos famosos de fora do Estado, os músicos paranaenses também marcam presença, já

que uma dos papéis da Oficina de MPB enquanto política cultural é apresentar a produção

musical, servindo como vitrine para os músicos quase desconhecidos. Dessa forma, ela é a

intermediadora entre os artistas em busca de reconhecimento e o público, que muitas vezes

quer saber as novidades da música popular. Se levarmos em conta o número de pessoas

arregimentadas neste evento, é possível constatar se esse seu papel como “vitrine musical” é

efetivo. De acordo com a coordenação do evento popular, algumas apresentações reúnem

mais de 1,5 mil pessoas. Outra característica da Oficina de MPB percebida nestes sete anos é

a divulgação do evento de forma gratuita e em espaços culturais bastante conhecidos, como

Teatro da Reitoria e Teatro Paiol, entre outros. Dessa forma, a oficina é um modo de um

músico encontrar reconhecimento pelo seu trabalho. Segundo reportagem da Gazeta

Mercantil, “o evento pode impulsionar carreiras (...). Enquanto músicos consagrados e

professores das oficinas aproveitam o evento para dar uma amostra de sua arte, enquanto

outros, ainda iniciantes, esperam a chance de subir pela primeira vez em um palco, músicos

de certa experiência buscam na Oficina de Música reconhecimento e visibilidade no cenário

nacional”.157

Grupos como Fato, Tao do Trio e Allegro ma non Presto são exemplos da pequena

parcela de paranaenses que participam dos eventos, além dos músicos do conservatório

157 JEDYN, L. Vitrine para talentos atrás de visibilidade nacional. Gazeta Mercantil, Curitiba, 08 jan. 2001. Cultura, p. 19.

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presente na Orquestra de MPB e no Vocal Brasileirão. Uma reportagem da Gazeta do Povo de

1998 reflete de maneira sutil a participação de músicos paranaenses no evento: “A Oficina de

Música Popular Brasileira está sabendo dosar perfeitamente as apresentações de músicos de

fora com grupos locais”.158 Embora a palavra “perfeitamente” seja um pouco exagerada é

certo que há uma participação dos músicos locais, principalmente na sexta edição. Um dos

grupos locais que se apresentaram foi Allegro ma non presto, que tem uma formação não-

convencional como característica; seus instrumentos são clarinete, violino, piano e guitarra,

não há baixo nem bateria para fazer a base. Segundo o coordenador de eventos da fase

popular Milton Karam, “a intenção dos shows é mostrar uma nova geração de músicos da

cidade”.159

A oficina também serve para o músico testar repertório ou lançar seus CDs, pois de

acordo com Mauro Tietz, coordenador administrativo do evento, há uma reunião de “gente

relacionada com música, formadores de opinião e descobridores de talentos”.160 O evento

também cumpre sua função de reunir a produção musical nacional. Para Gnattali , “é muito

importante que o público participe destas apresentações. O que está acontecendo em Curitiba

são encontros históricos de músicos que, ao participarem da Oficina, aproveitam para se

relacionarem musicalmente, o que é muito difícil de acontecer no dia-a-dia de suas rotinas

profissionais, considerando que vários destes músicos moram em cidades diferentes”.161

Dessa forma, a Oficina de MPB realiza seu papel de difusora da produção musical

nacional, e em menor grau, local. Mas, ao analisarmos o repertório apresentado ao público,

podemos perceber uma reiteração das vertentes da música popular consagradas no passado. O

que ocorre é um revestir de gêneros como o choro, o samba dos anos de 1930, a bossa nova, a

MPB dos anos de 1960 e a Tropicália. Em 1996, são realizados tributos ao samba, ao choro e

à tropicália.

A grande maioria dos concertos apresenta composições de Noel Rosa, Tom Jobim,

Chico Buarque, Vinícius de Morais, Caetano Veloso, Edu Lobo. Mas são os compositores de

choro - como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Waldir Azevedo, Chiquinha Gonzaga que tem

forte presença no repertório das audições públicas.

Trata-se de releituras das obras de artistas consagrados pela instituição MPB, com

novos arranjos, novos instrumentos. O que se percebe é que, apesar da fase popular da Oficina 158 BROWNE, R. Edu Lobo revisitado. Gazeta do Povo, Curitiba, 28 jan. 1998. 159 ALLEGRO para Edu Lobo. Gazeta Mercantil, Curitiba. 27 jan. 1998. 160 JEDYN, op. cit. 161 JAM de professores toca hoje na Reitoria. O Estado do Paraná, Curitiba, 01 fev. 1995.

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consolidar-se como um evento didático atualizado com as tendências estruturais da música e

se renovar a cada edição, o evento ainda carrega o peso da tradição musical do passado.

Analisando as apresentações dos alunos das oficinas, são poucas que fogem dos compositores

já analisados, como a de composição, em que os próprios estudantes fazem a música. Oficinas

como a de música caipira ou de raízes da música brasileira ou até mesmo de folguedos

nordestinos representam movimentos fora do circuito carioca, o que demonstra que a Oficina

almeja tornar efetivo seu objetivo de abarcar a música popular em toda a sua expressão, mas

ela ainda está bastante presa à essência musical carioca. Podemos dizer, portanto, a inovação

fica por conta, principalmente, da descoberta ou criação de novos instrumentos a partir de

cursos que enfatizem músicas originárias de outras regiões do país. Mas a grande maioria,

ainda faz reverencia ao choro, ao samba e a MPB dos anos 1960.

Possivelmente, essa constatação de que a trajetória da Oficina de MPB tem como

direção o resgate, embora não em toda sua forma, dos gêneros do passado explique o grande

número de professores cariocas, uma vez que se trata da produção musical realizada no Rio de

Janeiro do século passado. A concentração de músicos de lá seja explicada por uma das

propostas feitas em uma das primeiras oficinas: a retomada da linha evolutiva, que defende

uma ruptura sem negar a tradição. A oficina de MPB segue este rumo: inova em certo sentido,

ao permitir que novas formas musicais sejam difundidas, mas ao mesmo tempo, reitera a

tradição por meio do repertório. Isso explica a posição de Gnattali ao falar que a MPB ainda

precisa ser desbravada, no sentido que precisamos conhecer melhor a obra dos grandes nomes

da música popular brasileira.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dadas as características da Oficina e do Conservatório de MPB, podemos perceber que

ambas constituem uma política cultural estruturada no objetivo de tornar Curitiba um pólo

difusor de MPB. O Conservatório, por sistematizar o ensino e a preservação da música

popular, e a Oficina, por constituir uma extensão deste aprendizado, abrindo a possibilidade

de difusão em nível nacional. Esta monografia concentrou-se no estudo do evento

emepebístico por entender que este se trata de uma ação que reflete elementos de uma política

iniciada com a criação de uma instituição de ensino que teve como objetivo inicial a formação

de um pólo concentrador de MPB na cidade, a partir da década de 1990

Ao questionarmos o porquê da criação de uma academia de MPB em Curitiba e não no

Rio de Janeiro - já que é nesta cidade que a tradição musical emepebística se concentra e é

esta que o conservatório representa, emprestamos argumentos expressos na pesquisa de

Patrícia Teixeira, quando afirma a tendência da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) – órgão

responsável pela parte cultural do município, em realizar grandes projetos com relevância

nacional. Criado como inovação, já que sistematiza a produção de MPB em um único espaço

– procedimento até então nunca realizado dentro de uma instituição – podemos perceber a

efetivação do objetivo de tornar Curitiba um foco difusor de música popular. Este trabalho

não teve como finalidade analisar estas ações culturais inseridas em um contexto nacional,

mas apenas como foram implementadas estas políticas.

A análise das fontes permitiu compreender, baseado em sete edições, o conceito de

música popular que foi construído no evento. A Oficina em questão construiu seu raio de ação

tendo como pilares a didática informal, o corpo docente formado por músicos reconhecidos

em sua área de atuação e a sociabilização de informações. Tais elementos, acoplados a um

evento consolidado historicamente – a Oficina de Música de Curitiba – constituíram-na em

um grande acontecimento musical. Trata-se de uma política cultural efetivada por meio de um

evento, sem de tal modo consistir o que Teixeira Coelho define como política de eventos, pois

tem continuidade e não é uma ação de ordem imediatista.

Para resultar em evento de grande porte, reunir uma gama de professores vindo de

outros lugares do país e manter uma estrutura proporcional ao público alcançado, a oficina

conta com incentivos fiscais municipais e privados, fazendo parte do orçamento anual de cada

ano da cidade e captando recursos de várias empresas e instituições, com base na lei de

incentivo fiscal. Dessa forma, a constituição estrutural do evento depende das condições

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econômicas de cada ano, embora percebamos que há uma preocupação em manter as

proporções da oficina, com o objetivo de qualifica-la como um grande evento e dar

continuidade a uma política cultural com visibilidade nacional.

Como efetivadoras de uma política cultural, Oficina e Conservatório reúnem

características próprias na formação do músico, possibilitando menor rigidez e maior ênfase

no espírito democrático de produção, já que estimula a prática da coletividade entre os

músicos. Funcionando como um espaço que concentra discussões e a divulgação da produção

nacional, a oficina pode ser assinalada como um evento multifuncional. Além de fomentar a

criação, um dos fins da política cultural conforme Coelho, uma vez que esta “assume sua

expressão máxima na figura da ação cultural, entendida como a criação das condições para

que os indivíduos e os grupos criem seus próprios fins”,162 ela concentra aspectos de ordem

sócio-cultural ao permitir que o produto criado não permaneça fora do conhecimento do

público. A oficina tem essencialmente um fim didático, mas abre à comunidade a

possibilidade de conhecer e muitas vezes de intervir nas questões referentes à música popular.

Dessa forma, aparece como difusora, intermediadora e sociabilizadora da MPB.

A partir das fontes foi percebido que as edições analisadas têm como base a tradição

musical do samba, do choro e da ‘moderna’ MPB dos anos de 1960. Esta tendência é

compatível aos objetivos propostos para o evento, como a difusão dos grandes mestres da

música popular, tanto do passado como do presente e a retomada da discussão sobre a “linha

evolutiva” desencadeada nos anos 1960 e 1970. Porém, em seus aspectos estruturais a Oficina

tem um considerável índice de renovação conforme dados analisados no último capítulo.

Houve a preocupação em abrir as possibilidades de instrumentos oferecidos, além de ampliar

a temática dos cursos, dando continuidade aos mais procurados pelos alunos. Nesse sentido, a

oficina, apesar de ter como base os elementos tradicionais da música já referidos acima,

também possibilitou, em menor grau, a diversidade musical, englobando ritmos regionais e

folclóricos.

Com a análise da Oficina de MPB podemos ter uma idéia da política de ensino

desenvolvida pelo Conservatório, mas torna-se necessária uma pesquisa com maior amplitude

para compreender de que forma a instituição sistematiza o ensino da música popular brasileira

se comparada à metodologia de conservatórios eruditos e instituições como Unicamp e Uni-

Rio.

162 COELHO, op. cit., p.15.

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