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  • 7/25/2019 A NOVA REDAO DO ART. 587 DO CPC E SEUS REFLEX OS SOBRE A SMULA 317 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUS

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    3. COMENTRIOS JURISPRUDNCIA

    3.1 A NOVA REDAO DO ART. 587 DO CPC E SEUS REFLEXOS SOBRE A SMULA 317 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

    MARA CARVALHO LUZAdvogada

    integrante da RENAP - Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares

    1. Introduo

    Em 20 de janeiro de 2007, entrou em vigor a nova redao do art. 587 do CPC, introduzidapela Lei n 11.382, de 6 de dezembro de 2006, que modificou substancialmente o

    processo de execuo dos ttulos extrajudiciais. A referida alterao legislativa criouuma controvrsia em torno da vigncia da Smula 317 do Superior Tribunal de Justia,que diz que toda a execuo de ttulo extrajudicial ser definitiva, pois a atual redaodo art. 587 do CPC anuncia que ser provisria a execuo de ttulo extrajudicial,enquanto pendente apelao de improcedncia dos embargos do executado, quandorecebidos com efeito suspensivo.

    A antiga redao do art. 587 do CPC, antes da publicao da Lei n 11.232/05 e da Lein 11.382/06, dispunha que a execuo era definitiva, quando fundada em sentena

    transitada em julgado ou em ttulo extrajudicial; era provisria, quando a sentenafosse impugnada mediante recurso recebido s no efeito devolutivo. Com a reformaintroduzida pela Lei n 11.232/05, a primeira parte que compunha o antigo art. 587 doCPC, relativa sentena, passou a constituir o 1 do novo art. 475-I do CPC, em quese estabeleceu que ser definitiva a execuo da sentena transitada em julgado e quea execuo ser provisria quando se tratar de sentena impugnada mediante recursoao qual no foi atribudo efeito suspensivo. O art. 587 do CPC passou a disciplinarapenas o ttulo executivo extrajudicial com a alterao trazida pela Lei n 11.232/05.

    At a edio da Lei n 11.382/06 preponderava, na doutrina e na jurisprudncia, quea execuo de ttulo extrajudicial continuava como definitiva, mesmo na pendnciade recurso contra a sentena, que julgou improcedentes os embargos do executado.Preponderava, tambm, que os embargos tinham necessariamente efeito suspensivo,conforme redao do antigo 1 do art. 739 do CPC, que foi revogado pela Lei n11.382/06. Conforme pondera Didier Jnior (2007), havia muita discusso sobre anatureza da execuo embargada de ttulo extrajudicial, pendente apelao contrasentena que julgou improcedente os embargos do executado, porque o inciso V doart. 520 do CPC retira o efeito suspensivo da apelao. Alm disso, pode-se requererao julgador que se atribua efeito suspensivo ao referido recurso de apelao, a teor doart. 558, caput e pargrafo nico, do CPC.

    De jure : revista juridica do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais,

    Belo Horizonte, n. 8 jan./jun. 2007.

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    Diante de tais circunstncias, foi consolidado o entendimento doutrinrio ejurisprudencial, a partir do enunciado da Smula 317 do Superior Tribunal deJustia, no sentido de que ser definitiva a execuo de ttulo extrajudicial, aindaque pendente apelao contra sentena que julgue improcedentes os embargos. Aalterao da redao do art. 587 do CPC, por meio da Lei n 11.382/06, ao disporque ser provisria a execuo de ttulo extrajudicial, quando pendente recurso deapelao de embargos do executado, se eles forem recebidos com efeito suspensivo. Arespeito dessa relevante mudana promovida pela Lei n 11.382/06, importa consignaro entendimento de Assis (2007, p. 305):

    A execuo fundada em ttulo extrajudicial (art. 585 doCPC) inicia definitivamente (art. 587, 1 parte, na redao daLei 11.382/06); porm, opostos embargos aos quais o rgo

    judicirio atribuiu efeito suspensivo, a teor do art. 739 A 1do CPC, no todo ou em parte, e enquanto semelhante ato nofor modificado (art. 739 2 do CPC), a pendncia de apelaocontra asentena de improcedncia autoriza o prosseguimentoda execuo provisoriamente (art. 587, 2 parte, do CPC), noque tange ao captulo objeto do efeito suspensivo.

    2. Aspectos Controvertidos

    Como dito anteriormente, a nova redao do art. 587 do CPC criou uma polmicaa respeito da vigncia da Smula 317 do Superior Tribunal de Justia, que impeque toda a execuo de ttulo extrajudicial ser definitiva, na medida em que o atualdispositivo legal anuncia uma hiptese, j mencionada, em que a referida execuode ttulo extrajudicial ser provisria. Ressalta-se que, tanto antes da Lei n 11.382/06quanto atualmente, prossegue a execuo como definitiva, em virtude de estaramparada em ttulo definitivo, que fundado em obrigao certa, lquida e exigvel(art. 586 do CPC). Dito isso, merecem destaque as palavras de Assis (2007, p. 305):

    A execuo baseada em ttulo extrajudicial s adquire acondio de provisriasecundum eventum litis, pois o sistema ope legis, no cabendo ao rgo judicirio autorizar a execuo

    provisria fora dos casos legais.[...][...] no caso do art. 587, 2 parte, do CPC, a meno a apelaocontra a sentena de improcedncia (art.520, V, do CPC) revela que, desprovido o apelo no tribunal, e, interposto recursoespecial ou extraordinrio, na respectiva pendncia, desapareceo carter provisrio da execuo de ttulo extrajudicial,

    retornando qualidade inicial de execuo definitiva.

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    Deduz-se da que tanto o ttulo executivo extrajudicial quanto a sentena transitadaem julgado so sempre ttulos executivos definitivos. Assim, ainda que os embargosdo executado sejam recebidos com efeito suspensivo, a execuo continua definitiva(fundada em ttulo definitivo), porm incompleta, j que incapaz de permitir arealizao plena do direito do exeqente.

    Para Assis (2007, p. 306), [...] trata-se, na verdade, de adiantamento da eficciaexecutiva, pois provisrio o ttulo, e no a execuo em si, que se processa damesma forma que a definitiva (art. 475, O, caput, do CPC). O efeito suspensivodos embargos apenas limita a execuo, impedindo-a at a prolao da sentenade improcedncia. A nica diferena de sentido que a execuo, antes da Lei n11.382/06, no se submetia a qualquer restrio e, agora, sujeita-se ao regime do art.475 do CPC. Compartilham da mesma interpretao Marinoni e Arenhart (2007, p.361) e Giannico (2007).

    Do ponto de vista tcnico, o legislador ptrio fez uma grande confuso ao alterar o art.587, 2 parte, do CPC, pois misturou os conceitos de provisoriedade e definitividade.A provisoriedade refere-se s situaes em que a deciso que reconheceu o crdito nose tornou definitiva, pois ainda no transitou em julgado. J a definitividade refere-seaos casos em que a execuo estiver lastreada pela sentena transitada em julgadoou em ttulo extrajudicial. Marinoni e Arenhart (2007, p. 367) observam que o que oCdigo chama de execuo provisria a execuo semiplena ou incompleta, pois, napendncia de recurso, seja este qual for, a execuo sempreprovisria, no sentido derevogvel ou desmanchvel.

    Antes da Lei n 11.382/06, a sentena de improcedncia dos embargos do executado faziadesaparecer o efeito suspensivo provocado pelo recebimento dos embargos, liberandoo prosseguimento da execuo de ttulo extrajudicial sem quaisquer restries. Apsda referida lei, a regra que os embargos tero apenas efeito devolutivo, nos termosdo art. 739, A do CPC. Excepcionalmente, quando recebidos com efeito suspensivo

    (art. 739, A, 1 do CPC), a sentena de improcedncia dos embargos tambm fazdesaparecer o referido efeito suspensivo. Porm, em razo da imposio legal do art.587, do CPC, a execuo passa a se sujeitar automaticamente ao regime do art. 475-O do CPC, que o regime da execuo provisria, at o julgamento do recurso deapelao contra a deciso de improcedncia dos embargos do executado.

    Com a alterao do art. 587, 2 parte, do CPC, passando a execuo definitiva a recebero tratamento de provisria, haver a responsabilidade objetiva do exeqente peloseventuais prejuzos causados ao executado, caso a deciso executada seja reformada

    (art. 475, O, I, do CPC e do art. 574 do CPC). Isto , vantagem produzida pelaexecuo provisria em suas expectativas processuais corresponde, simetricamente,

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    a responsabilidade objetiva do exeqente pelo dano, por ele criado, na esfera jurdicado executado. Responsabilidade essa que independente de culpa ou nimo subjetivodo exeqente, sendo decorrente apenas da reforma da deciso em que a execuo sefundou.

    Tomando emprestadas as palavras de Assis (2007, 312), o dever de indenizar surgeto somente do desfazimento do ttulo, seja qual for o meio, sendo que tais prejuzossero liquidados por arbitramento nos prprios autos, por fora do art. 475, O, II, doCPC. Haver a restituio das partes aostatus quo(art. 475, O, II, do CPC), no casode reforma do pronunciamento judicial pelo tribunal, o que significa que o exeqenteter que restituir as quantias recebidas, com correo e juros, sob pena de execuo;desconstituir o usufruto forado, com a mesma devoluo de quantias; restituir acoisa levantada (art. 623 do CPC); liberar os bens penhorados que no tenham sidoalienados, retornando-se, assim, ao estado prstino de ambas as partes.

    O art. 475, O, III, do CPC exige a cauo suficiente e idnea para a prtica dedeterminados atos, cauo essa que poder ser dispensada nas hipteses previstas noart. 475, O, 2, do CPC. Ser necessria a prestao de cauo em todas as hiptesesem que ocorrer alterao no patrimnio do executado. Com essa cautela, o exeqentepoder praticar atos de alienao de domnio ou levantamento de dinheiro, e outrosdos quais possa resultar grave dano ao executado. Theodoro Junior (2007, p. 445)assevera que [...] se o julgamento for favorvel ao executado embargante, aps aalienao judicial, esta no ser desfeita. O executado - embargante ser indenizadopelo exeqente, pelo valor dos bens expropriados, nos termos do art. 694, 2, doCPC.

    Haver dispensa da referida cauo nas hipteses de execuo de crdito alimentarou de crdito proveniente de ato ilcito, at o limite de sessenta salrios mnimos,existindo necessidade do exeqente e nas execues movidas na pendncia de agravode instrumento no STJ ou no STF (art. 544 do CPC), interposto contra a deciso que

    no admitiu, respectivamente, o recurso especial ou o recurso extraordinrio, salvoneste caso quando da dispensa puder manifestamente resultar risco de grave dano, dedifcil ou incerta reparao. Segundo lies de Assis (2007, 313), h uma terceiraexceo, implcita na meno apenas ao recurso de apelao, no art. 587, 2 parte, doCPC, que da pendncia de outro recurso (por exemplo, o recurso especial) contrao julgamento dos embargos opostos pelo executado na execuo baseada em ttuloextrajudicial.

    Posto isso, a execuo que nasce definitiva no se transforma em provisria em razo

    de eventual e superveniente oferecimento de embargos do executado. Os tribunaisbrasileiros j estabeleceram que o carter definitivo da execuo de ttulo extrajudicial

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    perdura ainda que na pendncia de apelao contra a sentena que venha a julgarimprocedentes os embargos do executado. Essa orientao visa agilizao daJustia, proporcionando meios para uma tutela jurisdicional eficaz. Atualmente, o quese busca o chamado processo civil de resultados, em que se prioriza a efetivaoconcreta dos direitos das partes.

    Giannico (2006, p. 80) aduz que os conceitos jurdicos de provisoriedade edefinitividade que so aceitos pacificamente pela maioria esmagadora da doutrinae da jurisprudncia no podem ser alterados pela lei, e, citando Barbosa Moreiraacrescenta que [...] a mudana de rtulo no influi no contedo da garrafa: colar aesta uma etiqueta de bordeuxem absoluto no transforma em vinho o refrigeranteque ela porventura contenha, e vice-versa. Marinoni e Arenhart (2007, p. 361) bemlembram que no existe execuo provisria de sentena, mas sim execuo, que podeser completa ou incompleta, de deciso provisria, sendo que provisria a decisoe no a execuo, que definitiva. Da mesma forma, Cmara (2007, p. 424) afirmaque a interpretao literal do art. 587 do CPC contraria a lgica mais elementar, demodo que o que definitivo no pode se tornar provisrio, concluindo, assim, seuraciocnio:

    O que a lei quer dizer que, nesse caso, a realizao dos atos dealienao dos bens penhorados ou que impliquem a transmissoda propriedade dependero da prestao de cauo, aplicando-

    se, no que couber, o disposto no art. 475 O do CPC. Aplicar-se-o, tambm, as regras veiculadas por este artigo de lei,referentes responsabilidade objetiva do exeqente no caso deser provido o recurso ainda pendente.

    Assim, o legislador ptrio foi infeliz ao alterar a redao do art. 587, 2 parte, do CPC,transmudando uma execuo que se iniciou como definitiva em provisria, mesmoaps o pronunciamento de uma sentena que confirmou o ttulo executivo, reforandoa presuno da existncia da dvida, pois essa mudana foi feita de forma injustificada,

    sem explicaes para tanto. Compartilham do mesmo entendimento Didier Junior,Theodoro Junior, Marinoni, Arenhart, Wambier, Tereza Arruda Wambier, Medina,Assis, Cmara, Giannico. Por todo o exposto, e tendo em vista uma interpretaolgica e sistemtica do nosso ordenamento jurdico, infere-se que a Smula 317 doSuperior Tribunal de Justia continua plenamente eficaz, produzindo todos os seusefeitos. Interessante observar, nesse contexto, o posicionamento de Almeida (2007,p. 302):

    Impe-se diante das inmeras reformas processuais pela qual

    est passando o CPC/73 a necessidade de revisitao constanteda viso instrumentalista do direito processual, enfatizando

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    que o referido direito uma instituio constitucional, e asua reforma legislativa, a sua interpretao e aplicao tmde ter como guia condutora a teoria dos direitos e garantiasconstitucionais fundamentais. [...] Caso contrrio, teremos que

    conviver com incessantes reformas das reformas do sistemaprocessual que nunca satisfazem nem atendem s exigncias doEstado Democrtico de Direito e aos anseios sociais.

    3. Nosso Posicionamento a Respeito da Interpretao da nova Redao do Art.587 do CPC

    A redao do art. 587, 2 parte, do CPC, fere os princpios constitucionais dasegurana jurdica e da proibio do retrocesso, posto que suprime uma posio

    jurdica j implementada, que a da definitividade da execuo de ttulo extrajudicial.A Constituio Federal de 1988 incluiu a segurana no elenco dos direitos inviolveisarrolados no caput de seu art. 5, alm de t-la evocado como valor fundamental emseu Prembulo. Assim, o direito segurana abrange a segurana jurdica e social, umdireito geral segurana, no sentido de um direito proteo, por meio de prestaesnormativas e materiais, contra atos do Poder Pblico. Segundo assevera Sarlet (2005,p. 90; p. 95):

    Um autntico Estado de Direito sempre tambm pelo menos

    em princpio e num certo sentido um Estado de seguranajurdica, j que, do contrrio, tambm o governo das leis (atpelo fato de serem expresso da vontade poltica de um grupo)poder resultar em despotismo e toda a sorte de iniqidades.[...]Portanto, a proteo dos direitos fundamentais, pelo menos noque concerne ao seu ncleo essencial e/ou ao seu contedo emdignidade, evidentemente apenas ser possvel onde estiverassegurado um mnimo de segurana jurdica.

    Desse modo, o princpio da segurana jurdica, alm de ser um direito fundamentalda pessoa humana, um princpio fundamental da ordem jurdica estatal, sendo umelemento estruturante do Estado de Direito. J o princpio da proibio do retrocessoimpe que a conquista dos direitos fundamentais, a exemplo do direito seguranajurdica, no pode ser objeto de um retrocesso. Esse princpio decorre implicitamentedo sistema constitucional, na medida em que o Estado Democrtico de Direito impea proteo da confiana e a manuteno de um nvel mnimo de segurana contramedidas retroativas. Os princpios constitucionais implcitos servem de parmetrodo controle de constitucionalidade, uma vez que integram o espritoda constituio

    formal. Nesse sentido, Canotilho (2000, p. 891):

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    O programa normativo-constitucional no se pode reduzir, deforma positivstica, ao texto da constituio. H que densificar,em profundidade, as normas e princpios da constituio,alargando o bloco de constitucionalidade a princpios no

    escritos desde que reconduzveis ao programa normativo-constitucional como forma de densificao ou revelaoespecfica de princpios ou regras constitucionais positivamente

    plasmadas.

    A respeito do princpio da proibio do retrocesso, Sarlet (2005, p. 114) afirma:

    Os rgos estatais, especialmente, como corolrio da seguranajurdica e da proteo da confiana, encontram-se vinculadosno apenas s imposies constitucionais no mbito da suaconcretizao no plano infraconstitucional, mas esto sujeitosa uma certa autovinculao em relao aos atos anteriores.Esta, por sua vez, alcana tanto o legislador, quanto os atos daadministrao, e, em certa medida, os rgos jurisdicionais.[...]

    Negar reconhecimento ao princpio da proibio do retrocessosignificaria, em ltima anlise, admitir que os rgos legislativos(assim como o Poder Pblico de modo geral), a despeitode estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos

    fundamentais e s normas constitucionais em geral, dispem dopoder de tomar livremente suas decises mesmo em flagrantedesrespeito vontade expressa do constituinte.

    Constata-se, assim, que o princpio da proibio do retrocesso social resulta diretamentedo princpio da maximizao da eficcia das normas de direitos fundamentais, o queimplica a proteo dessas normas contra a atuao do poder de reforma constitucional,do legislador ordinrio e dos demais rgos estatais, por fora do art.5, 1, daCF/88.

    Sarlet (apud ROCHA, 1999, p. 32) diz que [...] ao sufragar o princpio da proibiodo retrocesso, as conquistas relativas aos direitos fundamentais no podem serdestrudas, anuladas ou combalidas, por se cuidarem de avanos da humanidade, eno de ddivas estatais que pudessem ser retiradas segundo opinies do momento oueventuais maiorias parlamentares.Segundo Silva (2006, p. 32-33), [...] precisoestruturar meios adequados e eficazes de precaver-se contra a ameaa do legislador,que, servindo-se desse instrumento (lei), pode instaurar um regime de fora,transformando a fora da lei numa lei da fora.Feita essa considerao a respeito

    dos princpios constitucionais que foram violados com a nova redao do art. 587 doCPC, cumpre registrar as lies de Nery Junior (2000, p. 20):

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    Caso a lei infraconstitucional esteja em desacordo com o textoconstitucional, no deve por bvio, ser aplicada. Comprovadaa divergncia, se a norma legal tiver sido editada depois doadvento da Constituio Federal, ser inconstitucional e no

    poder ser aplicada para a soluo do caso concreto: estarsujeita declarao in concreto ou in abstracto dessa referidainconstitucionalidade.

    O art. 587 do CPC um ato normativo primrio, uma regra, possuindo um carterfrontalmente descritivo. Por ser regra, o referido artigo deveria refletir os valorescontidos nos princpios da segurana jurdica e da proibio do retrocesso, sob penade perder seu fundamento de validade, que a Constituio Federal. Diante disso,conclui-se que o legislador no teve sorte com a nova redao do art. 587 do CPC,

    na medida em que ignorou o texto da Constituio Federal, em especial, o princpioda segurana jurdica e o princpio da proibio do retrocesso social. Significa que,enquanto no for declarada a inconstitucionalidade da norma supramencionada, peloSTF, em sede de ao direta de inconstitucionalidade, a preservao da norma contidano art. 587, 2 parte, do CPC, poder ocorrer mediante uma interpretao que excluaa parte considerada inconstitucional.

    Assim, ser necessrio fazer uma interpretao ab-rogante entre os princpiosconstitucionais da segurana jurdica e da proibio do retrocesso e o preceito legal

    contido no art. 587, 2 parte, do CPC, diante da incompatibilidade absoluta entre eles,o que levar inaplicabilidade do artigo interpretado, em sua segunda parte. Trata-sede ab-rogao imprpria, pois no compete ao juiz, nem ao jurista extirpar uma normado sistema jurdico, e sim do legislador. A respeito desse tema, sbios os ensinamentosde Bobbio (1999, p. 38):

    Trata-se, na verdade, de ab-rogao em sentido imprprio,porque, se a interpretao feita pelo jurista, ele no tem opoder normativo e portanto no tem o poder ab-rogativo (o

    jurista sugere soluo aos juzes e eventualmente tambm aolegislador); se a interpretao feita pelo juiz, este em geral(nos ordenamentos estatais modernos) tem o poder de noaplicar a norma que considerar incompatvel no caso concreto,mas no o de expeli-la do sistema (ab-rog-la), mesmo porqueo juiz posterior tendo que julgar o mesmo caso, poderia dar aoconflito de normas uma soluo oposta e aplicar bem aquelanorma que o juiz precedente havia eliminado.

    vila (2006, p. 44-45; 115) assevera que:

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    [...] muitas vezes o carter absoluto da regra completamentemodificado depois da considerao de todas as circunstnciasdo caso. [...] Sendo as regras instrumentos de soluo previsvel,eficiente e geralmente equnime de conflitos, sua superao ser

    tanto mais flexvel quanto menos imprevisibilidade, ineficinciae desigualdade geral ela provocar.

    Diante disso, verifica-se uma antinomia prpria de normas entre os princpiosconstitucionais da segurana jurdica e da proibio do retrocesso e a regra processualinserida na segunda parte do art. 587 do CPC. Alm da interpretao ab-rogante,outro meio de sanar a referida antinomia dar-se- por meio da utilizao do critriohierrquico (lex superior derogat inferiori) em que prevalecer a validade dos princpiosconstitucionais em detrimento da regra processual contida na segunda parte do art.

    587 do CPC, enquanto no for proposta uma ao direta de inconstitucionalidade paradeclarar a inconstitucionalidade daquele dispositivo legal.

    Em face do princpio constitucional da supremacia formal da constituio, as normasinfraconstitucionais, como o art. 587, 2 parte, do CPC, devem se conformar aoscomandos da Lei Maior, como aqueles ditados pelos princpios da segurana jurdicae da proibio do retrocesso. Ademais, pelo princpio da compatibilidade vertical dasnormas do ordenamento jurdico, uma norma infraconstitucional s ser vlida seproduzida de acordo com a norma superior, no caso, a Constituio Federal que oseu fundamento de validade.

    4. Concluso

    Conclui-se, assim, que a norma contida no art. 587, 2 parte, do CPC, inconstitucional,e a execuo de ttulo extrajudicial continua a ser definitiva, ainda que pendenteapelao contra sentena que julgue improcedentes os embargos do executado, quandorecebidos com efeito suspensivo. Conseqncia direta dessa inconstitucionalidade que a Smula 317 do Superior Tribunal de Justia continua plenamente eficaz.

    5. Referncias Bibliogrficas

    ALMEIDA, Gregrio Assagra de. Execuo Coletiva em relao aos direitosdifusos, coletivos e individuais homogneos: algumas consideraes reflexivas. In:Mirna Cianci e Rita Quartieri. (Coord). Temas atuais da execuo civil: Estudos emhomenagem ao Professor Donaldo Armelin. So Paulo: Saraiva, 2007.

    ASSIS, Araken de. Manual da execuo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

    AVILA, Humberto. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos princpiosjurdicos.5. ed. So Paulo: Malheiros, 2006.

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    BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurdico. 10. ed. Traduo Maria CelesteC. J. Santos. Braslia: Universidade de Braslia, 1999.

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