a nova face do texto jurídico no processo eletrônico

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Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 103 Disponível em: <http://seer1.fapa.com.br/index.php/arquivos> Reexos das mudanças socioculturais nas relações entre texto, leitor e escritor: a nova face do texto jurídico no processo eletrônico (e-proc) Arlinda Maria Caetano Fontes* Clarice Teresinha Arenhart Menegat** Luiz Gonzaga da Silva Adolfo*** Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. (Fernando Pessoa) 1 Resumo Este artigo busca reetir sobre as mudanças socioculturais que vêm acontecendo na atualida- de, ressalta as implicações que elas produzem nas relações humanas, sobretudo as referen- tes à linguagem, e, de modo especial, avalia os seus reexos na linguagem jurídica. Faz um sucinto apanhado histórico acerca dessas mudanças, mostrando os seus efeitos e as neces- sidades que produzem, contribuindo, dessa forma, para se encontrarem os procedimentos que possam ser adotados a m de possibilitar a manutenção da ordem social e de sua esta- bilidade, garantindo, ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos. Tratando da comunicação, o artigo abrange o conjunto de problemas que ela envolve e tenta explicitar as relações que se dão entre texto, leitor e escritor. Faz um recorte especíco do processo jurídico, focando-o em sua atual conguração eletrônica – o e-proc – e tentando ensaiar algumas orientações para os seus primeiros passos. Tenta mostrar os problemas mais visíveis que afetam o trabalho dos operadores jurídicos e sugere estratégias que poderão ter utilidade na restauração do equilíbrio laboral a esta categoria de prossionais sempre tão atarefada. Palavras-chave: Texto. Escrita digital. Leitura digital. Processo eletrônico. * Mestre em Comunicação (Semiótica) pela Unisinos. Coordenadora e docente dos Cursos de Graduação e Especialização Lato Sensu em Letras da Fatipuc (Canoas/RS). Ministrante de cur- sos de extensão na Escola de Magistratura do TRF4 – Emagis. (E-mail: [email protected]). ** Doutora em Linguística Aplicada pela PUC-RS. Docente de Língua Portuguesa e de Leitu- ra e Produção Textual no Unilasalle (Canoas/RS), onde também é acadêmica do Curso de Direito. Ministrante de cursos de extensão na Escola de Magistratura do TRF4 – Emagis. (E-mail: [email protected]). ***Advogado, Doutor em Direito pela Unisinos. Presidente da Comissão Especial de Pro- priedade Intelectual da OAB/RS na gestão 2010/2012. Membro da Associação Portugue- sa de Direito Intelectual – APDI. Professor do PPG em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc. Professor dos Cursos de Direito da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra (Gravataí/RS) e do Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios – IBGEN (Porto Alegre/RS). Idealizador e Coordenador do Curso de Especialização Lato Sensu em Direito da Propriedade Intelectual pela Esade – Laureate Iternational Universities (Porto Alegre/ RS). (E-mail: [email protected]). 1 Antepenúltimo e penúltimo versos do poema “Nevoeiro”, de Fernando Pessoa, escrito em 10/12/1928.

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A nova face do texto jurídico no processo eletrônico

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  • Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 103 Disponvel em:

    Refl exos das mudanas socioculturais nas relaes entre texto, leitor e escritor:

    a nova face do texto jurdico no processo eletrnico (e-proc)

    Arlinda Maria Caetano Fontes*Clarice Teresinha Arenhart Menegat**

    Luiz Gonzaga da Silva Adolfo***

    Tudo incerto e derradeiro. Tudo disperso, nada inteiro. (Fernando Pessoa)1

    ResumoEste artigo busca refl etir sobre as mudanas socioculturais que vm acontecendo na atualida-de, ressalta as implicaes que elas produzem nas relaes humanas, sobretudo as referen-tes linguagem, e, de modo especial, avalia os seus refl exos na linguagem jurdica. Faz um sucinto apanhado histrico acerca dessas mudanas, mostrando os seus efeitos e as neces-sidades que produzem, contribuindo, dessa forma, para se encontrarem os procedimentos que possam ser adotados a fi m de possibilitar a manuteno da ordem social e de sua esta-bilidade, garantindo, ao mesmo tempo, os avanos tecnolgicos. Tratando da comunicao, o artigo abrange o conjunto de problemas que ela envolve e tenta explicitar as relaes que se do entre texto, leitor e escritor. Faz um recorte especfi co do processo jurdico, focando-o em sua atual confi gurao eletrnica o e-proc e tentando ensaiar algumas orientaes para os seus primeiros passos. Tenta mostrar os problemas mais visveis que afetam o trabalho dos operadores jurdicos e sugere estratgias que podero ter utilidade na restaurao do equilbrio laboral a esta categoria de profi ssionais sempre to atarefada.

    Palavras-chave: Texto. Escrita digital. Leitura digital. Processo eletrnico.

    * Mestre em Comunicao (Semitica) pela Unisinos. Coordenadora e docente dos Cursos de Graduao e Especializao Lato Sensu em Letras da Fatipuc (Canoas/RS). Ministrante de cur-sos de extenso na Escola de Magistratura do TRF4 Emagis. (E-mail: [email protected]).

    ** Doutora em Lingustica Aplicada pela PUC-RS. Docente de Lngua Portuguesa e de Leitu-ra e Produo Textual no Unilasalle (Canoas/RS), onde tambm acadmica do Curso de Direito. Ministrante de cursos de extenso na Escola de Magistratura do TRF4 Emagis. (E-mail: [email protected]).

    ***Advogado, Doutor em Direito pela Unisinos. Presidente da Comisso Especial de Pro-priedade Intelectual da OAB/RS na gesto 2010/2012. Membro da Associao Portugue-sa de Direito Intelectual APDI. Professor do PPG em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul Unisc. Professor dos Cursos de Direito da Universidade Luterana do Brasil Ulbra (Gravata/RS) e do Instituto Brasileiro de Gesto de Negcios IBGEN (Porto Alegre/RS). Idealizador e Coordenador do Curso de Especializao Lato Sensu em Direito da Propriedade Intelectual pela Esade Laureate Iternational Universities (Porto Alegre/RS). (E-mail: [email protected]).

    1 Antepenltimo e penltimo versos do poema Nevoeiro, de Fernando Pessoa, escrito em 10/12/1928.

  • 104 Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 Disponvel em:

    Introduo

    O uso das novas tecnologias, cada vez mais difundido na socieda-de, est impulsionando medidas de adaptao nas mais variadas ativida-des humanas. De modo especial, a questo afeta quem possui uma rotina de trabalho baseada no ler e no escrever, como o caso dos magistrados e de todos os demais operadores do Direito. O formato eletrnico do texto judicirio j realidade, e muitos profi ssionais esto expondo a sua angstia, enredados nos liames desta nova situao. H os que no entendem de informtica, habilidade que, at h bem pouco tempo, no lhes era exigida. Assim, deparam-se com difi culdades ao manusearem um processo eletrnico e, mais ainda, ao terem de comp-lo. Tentando contornar as difi culdades, muitos desses profi ssionais exercem dupla ati-vidade: cumprem a ordem de apresentar o texto na tela do computador, mas ainda o imprimem em papel para manuse-lo e entend-lo com mais facilidade, por no se acostumarem ao uso do novo suporte.

    O desafi o grande, sabe-se, e impe nova forma de trabalho, nova cultura. A leitura em uma tela reclama novas atitudes e posturas, cuja prtica poder necessitar de alguma ajuda tcnica. Por isso, certas insti-tuies como o Judicirio promovem cursos com o objetivo bsico de auxiliar seus operadores, especialmente, os magistrados, a minimizarem o impacto dessa revoluo tecnolgica que os atinge.

    A informatizao da justia e a adoo do processo eletrnico via-bilizada pela Lei n 11.419, de 19 de dezembro de 2006, provocaram uma verdadeira revoluo nas unidades judicirias dos tribunais. A extino do papel impe a criao de novos procedimentos para a tramitao dos processos, mas no se limita a isso: a inovao requer modifi caes na estrutura dos textos, enfatizando os aspectos visuais e, ainda, o desen-volvimento de novas habilidades de leitura.

    1 Mudanas socioculturais

    O mundo muda, as relaes entre as pessoas mudam, os modos de operar as aes corriqueiras ou no tambm mudam. O mundo contemporneo confi gura-se fortemente marcado pelo fenmeno da mu-dana que resulta de transformaes contnuas nas culturas poltica, eco-nmica, tecnolgica, fi losfi ca, etc., afetando todos os setores da socieda-de. Muito se tem discutido sobre a viabilidade, abrangncia, segurana jurdica e, principalmente, a reunio de mecanismos que possam estar sempre atualizados face s constantes inovaes tecnolgicas que diaria-mente se apresentam.

  • Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 105 Disponvel em:

    Aqui interessa, de modo especial, a evoluo tecnolgica que, com o advento da Internet, atinge muito diretamente a rea da comunicao, alterando os modos de escrever e ler. Em consequncia, profi ssionais que se servem da escrita e da leitura para o desenvolvimento de suas ativida-des veem, de uma hora para outra, suas rotinas de trabalho totalmente modifi cadas, precisando at, muitas vezes, recorrerem a cursos para se adaptarem s exigncias do novo modelo laboral.

    o caso, por exemplo, dos operadores do Judicirio que, com a aprovao da Lei n 11.419/2006, que dispe sobre a informatizao do processo judicial, tiveram seu trabalho amplamente modifi cado. L-se, no artigo 1 de seu captulo introdutrio, o seguinte:

    Art. 1 O uso de meio eletrnico na tramitao de processos judiciais, comunicao de atos e transmisso de peas pro-cessuais ser admitido nos termos desta Lei. 1 Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdio.2

    Esse regramento, conforme j dito, faculta (no obriga) a utilizao de meios eletrnicos na tramitao de processos judiciais. Assim, apesar de no existir uma imposio, os tribunais esto procurando incorporar a mudana, pois reconhecem a um caminho sem volta, que lhes trar mui-tos benefcios, como a necessria celeridade, a transparncia e a economia de custos com a reduo de espaos fsicos e eliminao de papel.

    A partir dessa novidade jurdica, o processo eletrnico foi-se cons-tituindo e hoje j realidade em muitos tribunais brasileiros, destacan-do-se a atuao do Tribunal Regional Federal da 4 Regio TRF4 , que tem desenvolvido aes, como cursos de capacitao a seus juzes, a fi m de implement-lo, minimizando as difi culdades do percurso. O juiz federal de Porto Alegre Cndido Alfredo Silva Leal Jnior faz o seguinte registro da situao:

    O Judicirio est chegando era digital. Primeiro foi a Lei n 11.419/2006, que permitiu o processo eletrnico. Depois foi a Meta 10 do CNJ, que programou essa novidade para as varas do Pas. Agora a Justia Federal, que pretende acabar com o papel. A partir de 2010, os novos processos sero eletrnicos. O e-proc2 est a caminho. [...] Muito tem que ser feito. O primeiro passo perceber que a escrita fo-rense usada desde os tempos da mquina de escrever no mais efi ciente. O prximo passo perceber que o e-proc2 nos d oportunidade para descobrir novos caminhos.3

    2 Lei n. 11.419/2006. Disponvel em: . Acesso em: 10 out. 2011.

    3 LEAL JR., Cndido Alfredo Silva. Bem-vindos ao novo processo: pacto por uma nova es-crita forense. Artigo escrito em 2 dez. 2009. Disponvel em: . Acesso em: 19 jan. 2011.

  • 106 Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 Disponvel em:

    Esse magistrado prev mudanas profundas no trabalho do Judi-cirio. Segundo ele, a implantao do processo eletrnico transforma a maneira de pensar e o jeito de trabalhar. Ele fala em revoluo a ser feita pelos operrios do processo, que vo escrever textos e praticar atos pro-cessuais no meio eletrnico. Mostra-se otimista, mencionando ter dispo-sio ferramenta promissora, que pode melhorar a relao com o processo e acelerar a prestao jurisdicional, avaliando que o momento precisa ser aproveitado para adaptar a escrita e ter o processo eletrnico como aliado.4 Sobre a questo, assevera:

    Mas apenas boa vontade no ser sufi ciente. Precisa-remos tambm nos ajustar tela do computador. Afi -nal, estamos acostumados a ler e escrever em papel. Se no adaptarmos nossos textos, ser difcil trabalhar com autos digitais. Se no mudarmos nossos hbitos de escrita e leitura, pagaremos um preo caro: alm de ultrapassa-dos (subaproveitamento da nova ferramenta), fi caremos doentes (movimentos repetitivos e problemas de viso). Se no nos ajustarmos tela do computador, sobrevive-remos como escravos do processo eletrnico: trabalhando mais e produzindo menos.Para evitar isso, precisamos descobrir uma nova forma de escrita, diferente daquela usada na comunicao forense tradicional. No importa quem produza o texto: juzes, advogados, servidores, precisamos todos pactuar pela melhoria da escrita. Precisamos todos escrever pensando em poupar tempo e diminuir o esforo do leitor frente tela.5

    Preocupado, Leal Jnior enumera uma srie de estratgias que, em sua viso, tero de ser adotadas na nova escrita: ajustar peties e decises para leitura na tela do computador; buscar estratgias que facilitem a leitu-ra e a compreenso dos textos forenses; empregar recursos grfi cos como imagens, ttulos, tabelas, sumrios, tpicos frasais, que orientem a leitura no computador; trabalhar a estrutura e os argumentos do texto; escrever com economia e simplicidade. Em suma, ele sugere escrever pensando no leitor que estar indefeso diante da tela do computador.6

    Assim, importante destacar que, ao lado da implantao, regulamentao e operacionalizao da Lei n 11.419, est a necessi-dade de adaptao dos operadores do Direito com o apoio de rgos do Judicirio e das instituies de classe, que devem facilitar-lhes o acesso a cursos e/ou treinamentos, para que aprendam a lidar com a tecno-logia.

    4 LEAL JR., op. cit.5 Ibid.6 Ibid.

  • Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 107 Disponvel em:

    2 O uso das novas tecnologias e as relaes que se estabelecem entre texto, leitor e escritor

    Atualmente, as tecnologias da informao e comunicao (TICs) esto causando nas sociedades humanas efeitos semelhantes ao que acon-teceu no passado com o surgimento da escrita, quando as sociedades orais passaram por modifi cao radical. Inicialmente, a escrita era processada em tbuas feitas de argila ou madeira, ou na superfcie polida de uma pe-dra. Depois, adotou-se a superfcie de um rolo de papiro ou pergaminho, evoluindo-se at chegar ocupao da superfcie da folha de papel.

    Naqueles suportes mais antigos, as tbuas, s era possvel escrever textos curtos. Com a utilizao do papel, houve um grande avano, tor-nando-se fcil escrever textos de qualquer tamanho, manuse-los, rel-los e retom-los a qualquer momento. A inveno da imprensa por Gutenberg impulsiona a atividade que no para mais de crescer, alastrando seus dom-nios por todos os recantos da sociedade. O passo seguinte a evoluo das tcnicas de imprimir, o que faz aumentar a rapidez na circulao das infor-maes. Estabelece-se uma relao com o texto impresso diferente da que ocorria com o manuscrito. Aparecem os livros que podem ser transportados com facilidade, prossibilitando uma leitura individual e silenciosa.

    Hoje, o fenmeno se repete, dando lugar a um novo espao de escri-ta: desta vez, a tela do computador. Viabilizou-se a produo de um texto diferente daquele que era lido no papel. Surgiu o hipertexto, caracterizado pela multilinearidade e pela multissequencialidade, produto de inmeros ns e links que povoam o texto sem uma ordem pr-estabelecida, permi-tindo a interao do leitor, que acessar o que quiser, na sequncia de suas necessidades ou preferncias. Tanto a imprensa como o processamento eletrnico do texto, cada um nas condies de sua poca, inovaram, tra-zendo, sobretudo, muita agilidade s atividades de escrita e leitura. Assim, pode-se dizer que os avanos promovidos pelas TICs guardam muitas se-melhanas com a revoluo, na escrita, protagonizada por Gutenberg, no sculo XV.

    O leitor da tela executa atividade semelhante do leitor acostuma-do aos mtodos tradicionais: ambos veem o texto lido correr diante de seus olhos. Mas existem algumas diferenas que merecem considerao: no texto eletrnico, edio e distribuio tornam-se uma coisa s, fazendo com que a difuso dos textos seja imediata, o que , inegavelmente, um grande avano; o texto eletrnico apresentado na tela do computador no permite que o leitor o manuseie diretamente, possui caractersticas que indicam estar havendo uma revoluo nas estruturas do suporte do escrito e nas maneiras de ler, tais como a continuidade que dada a seu fl uxo na tela, o fato de as fronteiras no serem to visveis quanto no texto impres-so (delimitado pela encadernao) e a possibilidade de entrecruzar textos reunidos na memria eletrnica.

  • 108 Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 Disponvel em:

    Todas essas mudanas de suporte acarretam alteraes na maneira de ler e de escrever. O suporte digital carece de alguma adaptao que permita novos tipos de leitura e escrita no s mais efi cazes como tambm mais atraentes. A leitura no mais linear, os hipertextos autorizam vrias possibilidades de ao, escritor e leitor precisam empreender esforos para tirarem o mximo proveito de tudo o que a tecnologia oferece.

    Sendo assim, em se tratando do processo jurdico que se quer pensar aqui, no possvel deixar de adequ-lo s prticas de leitura e de escrita digitais da cibercultura, diferentes daquelas da cultura do papel ou das t-buas. Para se chegar ao texto eletrnico, percorreu-se um longo caminho de desenvolvimento das tecnologias de leitura e escrita. E, se algum pensar que tudo j foi inventado, logo perceber seu engano, pois a evoluo conti-nua em ritmo cada vez mais acelerado, fazendo surgir, em espaos de tempo cada vez mais breves, equipamentos cada vez mais sofi sticados, facilitando a comunicao e mostrando que a capacidade engenhosa do ser humano no tem limites.

    3 O processo jurdico em formato eletrnico

    Os textos jurdicos e administrativos estabelecem, com frequncia, uma distncia muito acentuada entre o receptor e o transmissor, gerando di-fi culdades na comunicao, fazendo com que os objetivos, muitas vezes, no sejam alcanados. Para minimizar o problema, preciso pensar em estratgias para adequar o texto s diversas situaes, lembrando sempre as necessidades do interlocutor. Considerar o destinatrio da mensagem, a sua identidade es-pecfi ca, um dos pr-requisitos para haver xito na comunicao.

    Em se tratando do texto jurdico no novo formato eletrnico, muitos cuidados so necessrios. O novo modelo de texto processual busca o apri-moramento da comunicao, mas tambm a economia e a celeridade na tra-mitao dos processos. Assim, tornou-se necessrio pensar em alternativas para favorecer o cumprimento dessas metas.

    Em 2010, o Rio Grande do Sul, mais uma vez alavancando a hist-ria brasileira, engajou-se num projeto inusitado, aproximando o Judicirio e o meio ambiente. Inspirados no slogan Celeridade processual. Natureza preservada, o Programa de Educao e Proteo Ambiental e de Responsa-bilidade Social do Tribunal de Justia ECOJUS e o Ncleo de Inovao e Administrao Judiciria da Escola Superior da Magistratura NIAJ idea-lizaram o Projeto Petio 10, Sentena 10 com a fi nalidade de limitar a extenso das peties e sentenas a 10 pginas. O objetivo fazer com que os servidores do Judicirio adiram espontaneamente a esse critrio, cons-cientes da importncia da iniciativa, sem que haja uma obrigao formal.7

    7 Conforme notcia veiculada no stio eletrnico do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul. Disponvel em: . Acesso em: 19 jan. 2011.

  • Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 109 Disponvel em:

    Aos que quiserem participar do projeto, a sugesto observar estas regras:

    (a) evitar ultrapassar o limite de dez pginas (cinco folhas frente e verso) na redao de peties e sentenas;

    (b) adotar uma ecofont tamanho doze como padro para todos os documentos;

    (c) respeitar a medida de trs centmetros para as margens direi-ta, esquerda e superior e um centmetro e meio para a inferior, utilizando entrelinha simples;

    (d) se imprimir o documento, faz-lo no modo frente-verso.8

    O projeto prev o esforo de todos para reduzir o tamanho desses textos que, muitas vezes, apresentam pginas e pginas com consideraes desnecessrias que em nada contribuem na argumentao para o desfecho do caso em estudo. O juiz Carlos Eduardo Richinitti refl ete:

    Hoje, com a larga utilizao dos recursos da infor-mtica, em especial das ferramentas do tipo recorta e cola, constata-se a lamentvel realidade dos longos ar-razoados. No raramente, verifica-se peas com mais de 50 laudas, recheadas de citaes jurisprudenciais e dou-trinrias, a maioria desnecessrias, perdendo-se o foco naquilo que mais importante, ou seja, o direito contro-vertido.Esse fenmeno enseja uma srie de prejuzos, que vo desde o desperdcio de importantes recursos materiais, com reflexo direto no meio ambiente, at a imposio de prescindvel dificuldade s j to complexas atividades jurdicas, pois praticamente impossvel aos operado-res do Direito em um pas que j conta com mais de 80 milhes de processos ler em sua totalidade longos arrazoados.Com a conciso ganham todos, independente da posio que ocupam em um processo judicial, pois a exposio ob-jetiva dos fatos controvertidos e das razes jurdicas que nos levam a um determinado entendimento, alm de faci-litar, qualifi cam as atividades dos profi ssionais do direito, seja no momento de pedir, contestar ou de decidir.Ganha, com isso, tambm a natureza, pois para a pro-duo de uma tonelada de papel, alm da utilizao de uma grande quantidade de produtos qumicos, so necessrias de duas a trs toneladas de madeira e, para apenas um quilo de papel, consome-se 540 litros de gua. Pretende-se trabalhar, ainda, com a sugesto de impres-so frente e verso, bem como com a utilizao de fontes de letras ecologicamente recomendveis e que permitem uma economia de at 20% na tinta de impresso.9

    8 De acordo com notcia veiculada no stio eletrnico do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul: . Acesso em: 19 jan. 2011.

    9 RICHINITTI, Carlos Eduardo. Projeto petio 10, sentena 10. Escola Superior da Magistra-tura. Ncleo de Inovao e Administrao Judiciria. Disponvel em: . Acesso em: 19 jan. 2011.

  • 110 Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 Disponvel em:

    Havendo necessidade, obviamente, a pea processual poder apre-sentar um desenvolvimento maior, mas isso ser considerado a exceo; pela regra, busca-se manter o padro de 10 pginas, no mximo, para pe-ties e sentenas.10

    Outra questo importante a ateno s partes que compem o alvo do texto processual: o leitor, seja ele juiz, advogado, representante do Mi-nistrio Pblico, autor ou ru. Pensar no destinatrio da mensagem, na sua identidade especfi ca, pr-requisito indispensvel para garantir xito na comunicao.

    Ao escrever, ento, o autor dever, sempre, levar em considerao o leitor a quem o texto se destina, a fi m de adequar a linguagem utilizada a sua capacidade de entendimento. O fi m a que o texto se prope e o nvel de compreenso dos leitores so fatores determinantes do formato da sua redao. fundamental, por isso, que o produtor do texto use uma lingua-gem culta, sem grias, sem lugares-comuns, sem coloquialismos, impessoal. Os textos grandiloquentes, carregados de preciosismos lingusticos (arcas-mos, latinismos), hoje so ultrapassados. Moreno e Martins afi rmam que, ao contrrio do que muitos pensam, o leitor se sentir valorizado com textos objetivos e de leitura agradvel, e no com peas confusas e rebuscadas.11 E dizem mais:

    Um vocabulrio antiquado e em desuso torna difcil a leitura do texto, impreciso e dispersa a ateno do leitor. As pes-soas que detm o verdadeiro conhecimento escrevem com clareza e simplicidade, utilizando um vocabulrio variado mas atual, adequado ao contexto e perfeitamente compreen-svel [...]. Voc escreve para convencer e persuadir, no para mostrar erudio. Sua cultura e seu saber jurdicos se prova-ro por bons resultados no processo e no pelo nmero de vezes que voc remeter o leitor aos dicionrios.12

    Conforme Augusto C. Belluscio, h uma gama de temas lingus-ticos intimamente relacionados com a prtica diria da escrita em relao boa gesto da lngua como instrumento de comunicao legal.13 Esse autor acredita que

    o rigor gramatical e sinttico com que a linguagem deve ser usada, e tudo o que leva mais clara expresso do pensa-mento, so particularmente importantes no discurso jur-dico, dada a relevncia da atividade de advogados, juristas e funcionrios do Judicirio, em termos de interesses que

    10 Ainda segundo notcia veiculada no stio eletrnico do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul: . Acesso em: 19 jan. 2011.

    11 MORENO, Cludio; MARTINS, Tlio. Portugus para convencer. So Paulo: tica, 2006. p. 62.12 Ibid., p. 210-211.13 BELLUSCIO, Augusto C. Tcnica jurdica para la redaccin de escritos y sentencias: re-

    glas gramaticales. Buenos Aires: La Ley, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 10 fev. 2011. Traduo livre.

  • Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 111 Disponvel em:

    esto em jogo quando se trata de fazer cumprir a lei, quer no mbito civil, comercial, administrativo, econmico, la-boral ou fi scal, tanto em nvel nacional como internacional. importante a observncia das regras de ortografi a, de morfologia e de sintaxe, o uso adequado da palavra certa em cada caso, o cuidado constante para evitar os vcios que comprometem a lngua, a atitude defensiva sem preju-zo da fl exibilidade razovel diante de estrangeirismos des-necessrios, o cuidado por manter o estilo no acompanha-mento da tcnica jurdica e as exigncias gramaticais bsicas.14

    No deve ser olvidado, alm disso, que a estrutura de uma lngua est em constante evoluo. Tambm o lxico ofi cial, no raro, sofre alte-raes profundas. Algumas palavras perdem a sua fora, saem de moda, tornando-se meros anacronismos. Outras irrompem na lngua e logram su-cesso: neologismos tcnicos e cientfi cos, estrangeirismos, regionalismos. No caso do processo em formato eletrnico, alm de tudo isso, importa refl etir sobre a aparncia do texto. Como o suporte outro deixa-se de ler no papel para fazer a leitura numa tela de computador , a recepo do texto tambm se modifi ca, oferecendo facilidades ao leitor, mas tambm, sob certos aspectos, algumas difi culdades. Assim, as regras de confi gura-o do texto precisam ser alteradas.

    Belluscio sugere no ser necessrio dar ao leitor um manual de lngua portuguesa sistematicamente estruturado, com defi nies, regras, tabelas, paradigmas verbais, como feito com a maioria dos livros dispo-nveis no mercado. Mas ele mostra preocupao em apresentar algumas orientaes sobre a linguagem, direcionadas a sua utilizao e refl etindo sobre aspectos tericos relevantes para a elaborao dos textos. O objetivo no desenvolver regras de gramtica, mas discutir certos equvocos fre-quentes com o fi m de evit-los. Prope a conscientizao sobre a necessi-dade do cuidado com a lngua para profi ssionais cujo trabalho de produ-o de textos corretos e compreensveis de importncia fundamental.15 Defende que a clareza e a funcionalidade, incluindo a leveza, so caracte-rsticas indispensveis a esses textos.16

    A comunicao fi ca prejudicada quando o receptor de uma men-sagem no a compreende integralmente. Por esse motivo, no trabalho com o texto, para se obter a comunicao desejada e evitar desperdcio de tem-po, Belluscio recomenda

    escolher cuidadosamente as palavras que podem servir ao propsito que se tem, nas circunstncias em que o ato co-municativo ocorre, e evitar o uso de sinais que no tenham signifi cado: certos termos obsoletos devem ser substitudos por outros que melhor atendam s necessidades e/ou cir-cunstncias da comunicao.17

    14 BELLUSCIO, op. cit. Traduo livre.15 Ibid. Traduo livre.16 Ibid. Traduo livre.17 Ibid. Traduo livre.

  • 112 Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 50, p. 103-118, jul./dez. 2011 Disponvel em:

    Acrescenta-se a isso a relevncia de cuidar do aspecto visual do texto, procurando-se suavizar o trabalho da leitura. Renem-se, ento, algumas recomendaes importantes para a tecitura dos textos, as quais, a seguir, se expem.

    3.1 Regras gerais

    de grande utilidade a observncia das mximas relacionadas com as categorias lgicas de quantidade, qualidade, relevncia e modo, conhe-cidas como mximas de Grice.18

    Para atender mxima da quantidade, o texto dever fornecer in-formaes em quantidade sufi ciente para a compreenso, no contendo nada mais que o necessrio para evitar disperso. O escritor, por razes bvias, tambm no deve emitir opinies sobre questes que no so de sua competncia. O resultado ser um texto enxuto e preciso, bem ao mol-de do que o texto jurdico necessita para alcanar os seus fi ns.

    A mxima da qualidade prev que se afi rme somente o que ver-dade, e as evidncias devem conduzir o leitor a acreditar na informao dada. Trata-se de uma regra til de que o escritor pode se valer para per-suadir o leitor a respeito do que o seu texto veicula, o que extremamente importante no texto jurdico. Desta mxima derivam-se duas submximas, ambas de grande proveito para a composio do texto jurdico: 1) no in-formar aquilo que se acredita ser falso; 2) no informar aquilo para o qual no se possam fornecer evidncias sufi cientes.

    A mxima da relevncia (ou da relao) prev que o enunciado deva ser relevante, isto , que apresente informaes relacionadas com o tema central. Uma frase desarticulada do objetivo central do texto tida por inadequada e pode causar difi culdades ao leitor na decodifi cao da mensagem. Os operadores do Direito sabem muito bem o quanto isso pode ser problemtico.

    A mxima do modo diz que o enunciado deve ser claro: a clareza de expresso uma forma evidente de cooperao com o leitor por parte do escritor, que deve evitar a obscuridade e a ambiguidade, ser breve e organizado (usar pontuao e formatao adequadas). Ao dar forma a seu texto, convm que o redator se esforce para organizar suas ideias com pa-lavras objetivas e expresses e frases bem estruturadas.

    18 Herbert Paul Grice (13/03/1913, Birmingham, England 28/08/1988, Berkeley, Califor-nia) tornou-se conhecido entre os estudiosos da lingustica, sobretudo da pragmtica, principalmente, por seu artigo Logic and Conversation, que apareceu nas confern-cias realizadas pela Universidade de Harvard, em 1967, provocando um dos maiores im-pactos tericos na histria das pesquisas sobre pragmtica (Conferir, no stio eletrnico da PUCRS, A Teoria Inferencial das Implicaturas: descrio do modelo clssico de Grice. Disponvel em: . Acesso em: 10 out. 2011).

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    H ainda o Princpio Cooperativo, utilizado como um parmetro que o redator deve considerar ao produzir um texto, visto que esse faz parte do resultado de uma situao comunicativa que envolve atitudes do escritor e do leitor. Para obter o mximo de efi ccia com o texto, o escritor precisa evitar as ambiguidades, as expresses de duplo sentido, como a contida em o funcionrio viu a moa quando saa da ofi cina (no fi ca claro quem saa da ofi cina, se o funcionrio ou a moa), e a maioria dos pleonasmos, fi gura de construo com a utilizao de palavras desne-cessrias numa orao, as quais nada acrescentam para o pleno signi-fi cado do que se quer articular, como em entrar para dentro, errio pblico, ver com os prprios olhos, etc.. s vezes, no entanto, o pleo-nasmo poder servir para enfatizar alguma ideia, caso raro que, ento, ser preservado.

    A observncia dessas regras permite que se produzam textos que levem compreenso dos leitores informaes verdadeiras, relevantes, claras e em quantidade sufi ciente.

    3.2 Observaes gramaticais

    O respeito s normas gramaticais outro fator importante para quem quer escrever bem. vital para garantir o emprego da modalidade padro da lngua ao texto em execuo. Entretanto, no se tem o objetivo de desenvolver a questo aqui. Eventuais dvidas sempre podero ser solucionadas com o auxlio de boas gramticas, dicionrios e, nestes tem-pos de atualizao ortogrfi ca, com consultas frequentes ao Vocabulrio Ortogrfi co da Lngua Portuguesa VOLP. Mas, para alcanar os efeitos de clareza desejados, preciso, ainda, dar ateno a outras inmeras for-malidades, entre as quais, a seguir, destacam-se algumas:

    (a) evitar a organizao de frases muito longas, cheias de vrgulas e sem outro sinal de pontuao;

    (b) priorizar os pargrafos breves constitudos de perodos curtos;

    (c) dispensar as oraes adjetivas explicativas, pois, por sua natu-reza, trazem contedos que, normalmente, no so relevantes;

    (d) evitar a eliminao de preposies e conjunes (muito em voga, hoje) sob pena de pecar contra a estrutura do texto, pre-judicando a clareza e, do mesmo modo, abster-se do emprego desses elementos articulatrios quando no houver necessi-dade;

    (e) cuidar para no incorrer no uso do famoso gerundismo (Ex.: Vou estar anotando o nmero.), o que no signifi ca abolio total dessa forma verbal; em geral, o gerndio serve para expressar uma ao simultnea com a do verbo princi-

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    pal da orao (Ex.: O rapaz caminha conferindo seu mate-rial e sai batendo a porta.) ou para indicar anterioridade (Ex.: O presidente, tendo constatado que no havia qurum, suspendeu a sesso.), mas ressalta-se que inadequado para indicar posterioridade (Ex.: O assaltante fugiu sendo preso horas depois. [errado] / O assaltante fugiu e foi preso horas depois. [correto]);19

    (f) empregar criteriosamente as diferentes formas verbais, consi-derando no apenas a concordncia com o sujeito, mas levando em conta as variaes de sentido ocasionadas pela (in)adequa-o no emprego de tempos, modos, vozes;20

    (g) empregar, cuidadosamente, a pontuao, pois ela responde, com muita intensidade, pela construo do sentido do texto, sobretudo, em relao a clareza e coerncia;

    (h) utilizar com preciso os conectores lgicos (de adio, causa-lidade, comparao, contraste, condicionalidade, fi nalidade, temporalidade, disjuno, concluso, etc.), contribuindo, de fato, para que as relaes entre as ideias com que o escritor tece o texto cheguem inalteradas ao leitor, possibilitando a comuni-cao efetiva.

    Importa, portanto, que o escritor esteja sempre atento em busca da harmonia e da clareza de expresso, cuidando para resguardar o estilo e no desagradar o leitor, o que passa por uma atitude continuamente refl e-xiva, em permanente disposio para aprender e aplicar os novos conhe-cimentos.

    4 A organizao visual do texto no e-proc

    Assim como a escrita saiu da tbua e chegou ao espao da folha de papel, hoje ela est migrando para a tela do computador. Os carac-teres utilizados continuam os mesmos, mas o novo modelo de suporte impe, no mnimo, uma reorganizao. A leitura j no feita da mesma forma que outrora. A difuso da mensagem ultrapassou as barreiras do espao e do tempo um texto postado na Web chega, instantaneamente, a qualquer lugar , e autor e leitor, mesmo fi sicamente afastados, tm-se aproximado, cada vez mais, envolvidos ambos com a mesma tarefa de atriburem sentido ao texto.

    19 Salienta-se que o uso do gerundismo em nada contribui para a melhoria do texto. A frase Vou estar anotando o nmero um desvio verbal que substitui, sem nenhuma vanta-gem, a construo Anotarei o nmero, mais curta, rpida, direta e apropriada.

    20 O uso equivocado dessas formas pode levar a confuses sobre o contedo do texto.

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    O hipertexto texto ou conjunto de textos, disponveis em mdia eletrnica e acessados por computador, cuja organizao permite a esco-lha de diversos caminhos de leitura por meio de remisses que os vincu-lam a outros textos ou blocos de texto multilinear e multissequencial. Possui inmeros ns e links cujo acesso dispensa a existncia de qualquer ordem pr-estabelecida. A organizao que vai sendo montada pelo leitor enquanto acessa os links que lhe permitem visualizar o contedo pode no seguir a mesma lgica de apresentao do autor. V-se, portanto, que o tex-to digital confere ao leitor maior autonomia na determinao do sentido; mas, ao mesmo tempo, exige do escritor muita ateno a sua formatao a fi m de favorecer a identifi cao de seus elementos e garantir a legibilidade.

    Tanto no papel como na tela, o leitor v o texto lido correr diante de seus olhos, mas, no computador, j no pode manuse-lo diretamente. O texto eletrnico apresenta caractersticas revolucionrias: as estruturas do suporte do escrito e as maneiras de ler mudaram drasticamente. E essas mudanas de suporte acarretam a necessidade de um novo aprendizado para ler e escrever. Impe-se que autor e leitor se submetam a um certo treinamento para usufrurem os benefcios que o meio eletrnico oferece, pois, do contrrio, a nova modalidade poderia transformar-se num com-plicador da vida de quem precisa trabalhar escrevendo e lendo.

    O suporte digital reclama por novas estratgias de produo tex-tual que permitam uma leitura rpida (no cansativa), efi caz e, se poss-vel, atraente. Quem escreve precisa ter presente que a leitura no mais linear, os hipertextos permitem vrias possibilidades de ao, devendo ser moldados para atender a essa caracterstica. Escritor e leitor, portanto, pre-cisam empreender o mximo de esforos para tirarem o mximo proveito de tudo o que a tecnologia oferece.

    Assim, percebe-se que a escrita do processo eletrnico e-proc re-quer muitos cuidados que incluem organizao visual, realces e estrutu-ra. Na formatao, escolhe-se o tipo de letra, o tamanho, o estilo, a cor, o espaamento, a posio vertical do texto e a adio de efeitos, tais como o sublinhado, o itlico, o negritado ou o sombreado. Pode-se, tambm, con-trolar espaamentos e avanos, adicionar marcas e nmeros, bem como defi nir o alinhamento. E no se deve esquecer de que a padronizao no uso desses recursos assume importncia de grande relevncia neste mode-lo de texto, pois contribuir para facilitar a leitura, agilizando o processo de construo do signifi cado. Cuida-se, pois, de manter uniformidade no projeto grfi co, corpo e fonte dos ttulos, grafi a das palavras, siglas, etc., evitando-se duplicidade nos destaques, como o uso de negrito e sublinha ao mesmo tempo.

    Convm lembrar, ainda, que a ateno s disposies gerais da Associao Brasileira de Normas Tcnicas ABNT fator que poder facilitar a organizao e a compreenso do texto digital. Mas o principal cada profi ssional se conscientizar de que precisa mudar seus hbitos. Leal Jnior entende que,

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    se no mudarmos nossos hbitos de escrita e leitura, pa-garemos um preo. Provavelmente sobreviveremos, mas a manuteno das velhas formas de escrita jurdica ter custos, seja porque no aproveitaremos as novas facilida-des da tecnologia, seja porque adoeceremos. Como a mu-dana na forma de trabalhar ter sido abrupta e os atos praticados diante do computador so repetitivos, nosso organismo provavelmente no se adaptar a tempo aos novos movimentos e ao novo ambiente, e estaremos mais suscetveis s doenas profi ssionais decorrentes dos movi-mentos repetitivos e da exposio tela do computador.21

    Consideraes fi nais

    Considerando a relevncia dos processos jurdicos na resoluo dos confl itos sociais que os geram, , pois, extremamente importante a sua simplifi cao, ou seja, preciso redigi-los com o mximo de cuidado, tanto para a obteno da clareza, para poder ser compreendido, em todas as suas partes, pelo ru e pelo pblico em geral, como para facilitar o trabalho dos magistrados que, diariamente, veem-se diante de nmero muito ele-vado de processos para despachar. Assim, para que todo esse trabalho seja efi caz, imperioso promover o equilbrio entre qualidade e quantidade das informaes, mudando-se os paradigmas, o que passa, necessariamen-te, por uma adequada preparao tcnica que inclua novos procedimentos especialmente visuais e de sntese lingustica para a apresentao dos textos, culminando em facilitar a interpretao.

    O e-proc prev economia e celeridade na tramitao dos processos, e os operadores do Direito, certamente, se esforaro para se adaptarem rapidamente a essas inovaes que no so de ordem processual, mas pro-cedimental. O desafi o grande, sabe-se, e impe nova forma de trabalho, nova cultura. Mas os resultados esperados tambm so alentadores, como a rapidez na atuao dos magistrados, a agilizao na conduo dos pro-cessos e a contnua melhoria da comunicao entre as partes.

    So necessrias muitas refl exes e desenvolvimento de estudos para a assimilao e a promoo dessa nova tendncia. H um longo caminho a percorrer, mas acredita-se que o pioneirismo que tem marcado o Judicirio brasileiro, aliado ao esforo pessoal de cada participante, valorizao do conhecimento e ao compartilhamento das informaes, far com que todos alcancem o sucesso desejado.

    Recebido em outubro de 2011.Aprovado em outubro de 2011.

    21 LEAL JR., Cndido Alfredo Silva. Texto judicirio eletrnico: decidindo e escrevendo no novo processo eletrnico. Artigo disponvel em: . Acesso em: 19 jan. 2011.

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    The Impact of Socio-cultural Changes in the relations amongst text, reader and writer: the new face of the legal text in the electronic process (e-proc)

    AbstractThis article aims at refl ecting on current sociocultural changes which are taking place at the moment, by emphasizing the infl uences they produce on human relationships, mainly in respect to language, and by particularly evaluating their refl exes on juridical language. It makes a brief historical account on such changes, showing their effects and the needs they produce, thus contributing to fi nd the procedures that can be used in order to enable the maintenance of social order and its equilibrium, ensuring, at the same time, technological advances. Being related to communication, it covers a set of problems it involves and tries to explain the relations which occur amongst text, reader, and writer. It makes a specifi c cutout of the juridical process, focusing on its current electronic confi guration the e-proc and trying to test some guidance towards its fi rst steps. It tries to show the most visible problems which affect the work of juridical operators and suggests strategies that might be useful in restructuring labor balance of this professional group who are usually extremely busy.

    Keywords: Text. Digital writing. Digital reading. Electronic process.

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