a negritude no sÉculo xxi nas hq’s da turma da mÔnica*

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Revista Mosaico, v. 13, p. 147-166, 2020. e-ISSN 1983-7801 147 Artigo DOI 10.18224/mos.v13i1.8020 A NEGRITUDE NO SÉCULO XXI NAS HQ’S DA TURMA DA MÔNICA* Tatianne Silva Santos** Eduardo José Reinato** Resumo: o objetivo deste artigo é discutir a contribuição das HQ’s produzidas por Mau- rício de Souza enquanto objeto de pesquisa que possibilita desvelar e analisar aspectos do real acerca da negritude na sociedade brasileira no início do século XXI. Por meio de pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico e caráter interdisciplinar, foram analisadas de forma dialógica 95 histórias de gibis produzidos por Maurício de Sousa Produções publicados entre os anos de 2000 e 2005, período considerado como marco na luta contra a discriminação étnico-racial no país. Como aporte teórico foram utilizados os estudos decoloniais, iconográficos e das performances culturais. A investigação ressalta a importância dos quadrinhos, enquanto fonte não-arquival, para compreender valores e comportamentos impostos pelo contexto histórico cultural, além de evidenciar a in- visibilidade e silenciamento dos negros nos diversos espaços sociais e destacar a contri- buição dos gibis analisados na transmissão da memória preconceituosa, reducionista e estereotipada acerca dos afro-brasileiros. Palavras-chave: Negritude. História em quadrinhos. Memória. Preconceito. Invisibilidade. NEGRITUDE IN THE XXI CENTURY IN THE CLASSES OF THE CLASS OF MÔNICA Abstract: the purpose of this article is to discuss the contribution of HQ’s produced by Maurício de Souza as a research object that makes it possible to unveil and analyze aspects of the real about blackness in Brazilian society at the beginning of the 21st century. rough qualitative research, of bibliographic nature and interdisciplinary character, 95 comic book stories produced by Maurício de Sousa Produções published between 2000 and 2005, a period considered as a milestone in the fight against ethnic- racial discrimination in the country, were analyzed in a dialogical way. Fundamentally, this work has based on the decolonial and iconographic studies as well as the cultural * Recebido em: 30.03.2020. Aprovado em: 22.06.2020 ** Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais pela Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]. *** Professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: [email protected].

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Revista Mosaico, v. 13, p. 147-166, 2020. e-ISSN 1983-7801147

Art

igo

DOI 10.18224/mos.v13i1.8020

A NEGRITUDE NO SÉCULO XXI NAS HQ’S DA TURMA DA MÔNICA*

Tatianne Silva Santos**Eduardo José Reinato**

Resumo: o objetivo deste artigo é discutir a contribuição das HQ’s produzidas por Mau-rício de Souza enquanto objeto de pesquisa que possibilita desvelar e analisar aspectos do real acerca da negritude na sociedade brasileira no início do século XXI. Por meio de pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfi co e caráter interdisciplinar, foram analisadas de forma dialógica 95 histórias de gibis produzidos por Maurício de Sousa Produções publicados entre os anos de 2000 e 2005, período considerado como marco na luta contra a discriminação étnico-racial no país. Como aporte teórico foram utilizados os estudos decoloniais, iconográfi cos e das performances culturais. A investigação ressalta a importância dos quadrinhos, enquanto fonte não-arquival, para compreender valores e comportamentos impostos pelo contexto histórico cultural, além de evidenciar a in-visibilidade e silenciamento dos negros nos diversos espaços sociais e destacar a contri-buição dos gibis analisados na transmissão da memória preconceituosa, reducionista e estereotipada acerca dos afro-brasileiros.

Palavras-chave: Negritude. História em quadrinhos. Memória. Preconceito. Invisibilidade.

NEGRITUDE IN THE XXI CENTURY IN THE CLASSES OF THE CLASS OF MÔNICA

Abstract: the purpose of this article is to discuss the contribution of HQ’s produced by Maurício de Souza as a research object that makes it possible to unveil and analyze aspects of the real about blackness in Brazilian society at the beginning of the 21st century. Th rough qualitative research, of bibliographic nature and interdisciplinary character, 95 comic book stories produced by Maurício de Sousa Produções published between 2000 and 2005, a period considered as a milestone in the fi ght against ethnic-racial discrimination in the country, were analyzed in a dialogical way. Fundamentally, this work has based on the decolonial and iconographic studies as well as the cultural

* Recebido em: 30.03.2020. Aprovado em: 22.06.2020** Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais pela Universidade Federal de

Goiás. E-mail: [email protected].*** Professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: [email protected].

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performances. The investigation highlights the importance of comics, as a non-archival source, to understand values and behaviors imposed by the historical cultural context, in addition to highlighting the invisibility and silencing of blacks in different social spaces and highlighting the contribution of the comic books analyzed in the transmission of prejudiced memory, reductionist and stereotyped about Afro-Brazilians.

Keywords: Blackness. Comic. Memory. Prejudice.Invisibility.

Embora os desenhos tenham sido utilizados desde a pré-história, um aspecto observável na cultura contemporânea é a crescente valorização do campo visual, estimulando cada vez mais novas formas de comunicação que optam por explorar imagens. As histórias em quadrinhos (HQ’s)

“sequência de acontecimentos ilustrados” (FEIJÓ, 1997, p. 13) têm se fortalecido e popularizado por vários motivos, um deles é porque “comunicam numa ‘linguagem’ que se vale da experiência visual comum ao criador e ao público” (EISNER, 1999, p. 7), possibilitando aos leitores uma fácil compre-ensão através do hibridismo imagem-palavra. Outro motivo que convém destacar é a experiência sensorialmente estimulante promovida àquele que as lê, segundo MacCloud (1995), o desenho é uma espécie de vácuo pelo qual identidade e consciência são atraídas possibilitando ao público não somente a observação, mas adentrar em um outro mundo, e, através da identificação com os personagens da história, ver a si mesmo.

Deste modo, a arte sequencial é potencialmente capaz de funcionar como atos de transferência, difundindo memória, conhecimento e identidade social por meio do que Taylor (2013) denomina de comportamento incorporado e Schechner (2006) de comportamento reiterado. Destarte, exerce influência social, política e ideológica no seu público e, por essa razão, é marcada por tensões, críticas e conflitos de interesses.

Conforme afirma Didi-Hubermann (2012), a imagem é uma espécie de impressão e rastro do tempo que quis tocar e de outros suplementares. Outrossim, de acordo com Fairclough (2001), o dis-curso é uma prática política e ideológica, em que a primeira pode assegurar ou modificar as relações de poder e a segunda é capaz de naturalizar ou irromper visões de mundo ou posições designadas àqueles que ocupam um dado espaço nas relações de poder.

A partir dessas assertivas, depreende-se que os quadrinhos, meios que unem imagem e discurso, são capazes de fornecer pistas e indícios que contribuem com a reconstrução da representação do passado, possibilitando a pesquisadores tecer a imensa trama de compreensão da realidade no que tange à condição do negro na sociedade brasileira no início do século XXI.

Este estudo trata-se do resultado parcial da tese de doutoramento interdisciplinar intitulada “Representações da negritude nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica – interfaces entre as performances culturais e políticas públicas de cultura” e tem como objetivo discutir a contribuição das HQ’s – selecionadas para esta investigação – produzidas por Maurício de Souza enquanto objeto de pesquisa que permite desvelar aspectos e características importantes do real acerca da negritude na sociedade brasileira 132 anos após a abolição da escravidão.

Esse período, de acordo com fontes arquivais, foi considerado um marco na história brasileira em decorrência do fortalecimento da luta do Movimento Negro Unificado (MNU) e da Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2001, que impulsionaram a criação de políticas públicas nacionais voltadas para a promoção das relações étnico-raciais na ten-tativa de promover mudanças nos padrões, valores e comportamentos da sociedade.

A investigação caracteriza-se como qualitativa, de cunho bibliográfico e caráter interdisciplinar, a amostragem compreende 11 gibis, publicados entre 2000 e 2005. A coleta de dados ocorreu de for-ma aleatória, preocupando-se tão somente em reunir publicações de todos os anos dentro do recorte temporal. No total foram analisadas 95 histórias em quadrinhos. A discussão foi realizada pautando--se em teóricos de diferentes áreas do conhecimento para dar conta da completude requerida para investigar a arte sequencial. Assim, foram utilizados como base teórica os estudos da performance,

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história cultural e análise imagética, promovendo diálogos com outras áreas do conhecimento, como a antropologia, análise do discurso e iconografia.

O estudo parte da seguinte indagação: O que as HQ’s dos gibis da Turma da Mônica podem revelar além daquilo que está contido nos registros arquivais acerca da história da condição dos negros no início dos anos 2000 na sociedade brasileira e de que forma elas con-tribuem ou prejudicam a legitimação das relações de dominação étnico-racial?

O artigo está organizado em quatro partes: na primeira discute a contribuição das HQ’s en-quanto objeto científico capaz de auxiliar na compreensão acerca da construção da memória, com-portamento e identidade dos sujeitos sociais; na segunda reflete a condição do negro na sociedade brasileira no início do século XXI, de acordo com fontes arquivais, bem como a luta do movimento negro e suas conquistas; na terceira parte analisa as 95 HQ’s à luz da análise do discurso e análise do discurso imagético, dialogando com a decolonialidade e história cultural; por fim, na quarte parte tece as considerações finais.

HQ’s – DE PRODUTO DA CULTURA DE MASSA A OBJETO DE PESQUISA

Quando se trata de quadrinhos não há consenso quanto a sua origem, existe até quem os re-montam ao período Paleolítico, não obstante, não há contrassenso quanto ao fato considerado como marco determinante em relação a seu direcionamento: a invenção da imprensa. Sabe-se que a forma de arte, que outrora limitava-se às classes privilegiadas, entre os séculos XV e primeira metade do século XIX, popularizou-se a partir de então voltando-se para as camadas populares. Outro aspecto não menos relevante na história das HQ’s foi a configuração que se deu em decorrência do liberalis-mo econômico e revolução industrial formando novas classes sociais, perspectivas de vida e valores, impondo padrões de consumo e necessidades.

É nesse contexto que se percebe o potencial mercadológico que poderia ser explorado e oferecido aos menos letrados de produtos que pudessem diverti-los e entretê-los, criando, a partir dessa inten-cionalidade, o que ficou conhecido como cultura de massa. Enquanto tal, por sua vez, não poderia ser, de acordo com Bonifácio (2005, p.72), “fomentador do espírito e do desenvolvimento estético ou intelectual, mas como produto qualquer, destinado a ser consumido e descartado, na chamada indústria cultural” (grifo da autora).

A combinação entre imagem e palavra na produção de sucintas histórias ficcionais chamou atenção de grandes jornais motivados pela possibilidade de aumento na lucratividade, o que fato ocor-reu de forma exponencial. Segundo Feijó “a fórmula para fazer sucesso foi inventar coisas absurdas e engraçadas, a partir de situações típicas do cotidiano das famílias” (1997, p. 19).

Deste modo, a partir da segunda metade do século XX, a arte sequencial foi popularizando-se e penetrando cada vez mais em diferentes países, culturas e realidades, consolidando-se como produto cultural direcionado à grande massa, sendo grandemente apreciado por seu público.

Desde o início das publicações em escala industrial, elas passaram a ser consideradas, antes de tudo, artigos mercantis, que fazem parte da chamada indústria cultural, e, portanto, trata-se de um tipo específico de mercadoria. Por sua popularidade surgiu em torno dos personagens e das histórias em quadrinhos uma verdade indústria internacional cujos produtos são consumidos por crianças e jovens de todo planeta.

Assim, é preciso considerar que o propósito desses produtos produzidos pelas editoras deixa de ser somente o de entreter, informar e divertir, a função das HQ’s é, principalmente, a de manter e sustentar seus produtores e a enorme quantidade de empresários envolvidos nessa teia comercial.

Semelhante à comercialização de outros produtos, os resultados financeiros e custos sempre tiveram e terão lugar determinante na decisão de seus produtores. Desta forma, para esses importam primeiro o lucro, portanto, satisfazer às exigências das diferentes demandas sociais e, ao mesmo tempo, produzir aquilo que é atrativo à maior quantidade de pessoas é condição sine qua non para sobrevivência dessa mercadoria, que, hodiernamente, concorre com uma quantidade incalculável de outras possibilidades de entretenimento.

Diante disso, é inconcebível deixar de considerar que há uma

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forma de produção cultural organizada sobre bases industriais para conseguir atingir uma gran-de quantidade de leitores, sendo assimilado por esses como um produto de consumo habitual e também como uma referência cultural comum a milhares ou até milhões de pessoas (FEIJÓ, 1997, p. 10).

Vale ressaltar ainda que, no Brasil, as publicações em quadrinhos, de acordo com Gonçalo Junior (2004), foram consideradas fenômeno de comunicação de massa desde o início da década de 1940, nas décadas posteriores as histórias tornaram-se extremamente populares entre crianças e adolescentes, especialmente nos anos de 80, 90 e 2000. O pesquisador afirma que

não seria exagero fazer um paralelo entre a condenação das revistinhas e a do uso de drogas menos pesadas, tal era a paranoia que provocava em alguns críticos. Isto é, a meninada parecia fora de controle no hábito de ler gibis. Liam em todos os lugares e horários: durante o almoço, antes de dormir, na sala de aula, na hora de fazer o dever de casa. As bancas se entulhavam todos os meses de mais de uma centena de publicações do gênero. Novas revistas não paravam de serem lançadas. Poucas eram as feiras populares que não tinham bancas com pilhas de gibis antigos para compra, troca ou venda. Nas escolas, durante o recreio, pequenos colecionadores entusiasmados com a descoberta das incríveis aventuras abriam suas pastas para trocar com os colegas. A situação, definitivamente, fugiu ao controle dos pais e professores (GONÇALO JUNIOR, 2004, p. 295).

Nota-se que, se por um lado os quadrinhos tenham sido considerados insigne produto comercial, o mesmo não ocorreu no âmbito científico e educacional. Ramos (2006) relata que no final da década de 1960, José Marques de Melo, ao pesquisar quadrinhos, enfrentou tamanha resistência na academia que chegou a ser acusado de estar pesquisando lixo cultural. Esse exemplo resume a maneira pela qual a comunidade científica desqualificava as HQ’s enquanto objeto de estudo.

Ainda sobre esse posicionamento, Vergueiro (2005) coaduna reiterando que o meio acadêmico definitivamente não as consideravam dignas de observação. Tudo leva a crer, de acordo com Ramos (2006), que foi Cagnin quem, após ter realizado sua dissertação de mestrado utilizando os quadri-nhos como objeto de pesquisa, corroborou com a reviravolta desse preconceito acadêmico quando se tornou professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) estimulando pesquisas com a temática.

Timidamente, novos estudos foram surgindo, especialmente a partir da década de 1990, e não se sabe ao certo quais foram as motivações, ainda de acordo com Ramos (2006), supõe-se que dois fatores podem ter exercido influência: a primeira foi a presença de quadrinhos nos exames vestibulares da USP e o segundo pode ter sido a inclusão do gênero nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s).

Diante do documento elaborado pelo governo federal, uma nova polêmica surgiu, dessa vez em outro âmbito, o escolar, que indagava a pertinência de se trabalhar com HQ’s em sala de aula. Não muito tempo depois, as universidades, de certo modo, se viram compelidas a refletirem sobre diversos temas que tangenciavam e se relacionavam à utilização do gênero em sala de aula enquanto instrumento pedagógico.

Criticadas por alguns, elogiadas por outros, um fato é inegável: as HQ’s têm chamado atenção enquanto produção literária, estética, instrumento pedagógico e, não obstante, como objeto de pes-quisa de teses e dissertações em diversas áreas do conhecimento.

Ademais, convém enfatizar que os quadrinhos exercem forte influência social, política e ideo-lógicas no seu público e, por isso, são marcados por tensões, críticas e conflitos de interesses. Assim, diante do exposto, acredita-se ser profícuo discutir, correlacionar e utilizar novas lentes de estudos para observar e analisar o complexo, multifacetado e polêmico mundo dos quadrinhos.

Acredita-se que este trabalho seja um dos pioneiros a olhar para as HQ’s sob o prisma dos estu-dos da performance. Nessa lógica, convém destacar que a performance pode ser compreendida como um campo de estudos, conceito de análise ou metodologia, esta reflexão não pretende discutir essas possibilidades e sim o inquestionável fato de que ela é geradora e transmissora de conhecimento e, por conseguinte, influencia valores, comportamentos corporais, identidade e manutenção da memória.

A multiplicidade de conceitos acerca da ideia de performance é consequência de uma série de fenômenos inerentes à contemporaneidade, assim sendo, a tentativa de atribuir um conceito único

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é cooperar com a limitação e afunilamento da área, fazendo um movimento ao sentido oposto a que ela se propõe. Este estudo apropria-se de duas concepções teóricas entre as várias existentes, o que não significa que se oponha às outras, mas considera-as mais adequadas para subsidiar esta investigação.

O estudo da performance possibilita tecer reflexões acerca da relação entre prática incorpora-da e conhecimento, contribuindo com elucidações a respeito dos diversos instrumentos capazes de influenciar crianças e adolescentes no processo de formação de identidades, memórias, bem como na reprodução de crenças, valores, padrões de comportamento, preconceitos e diversos aspectos que permeiam a existência humana.

A partir dessa ótica é que se observa os quadrinhos enquanto um modo de compreender a sociedade brasileira e, portanto, desvelar informações importantes do real acerca da negritude no início do século XXI por meio de elementos, pistas e rastros deixados no imenso e variado mundo das imagens pictórias.

Deste modo, toma como ponto de partida a perspectiva defendida por Taylor (2013) de que os estudos da performance podem ser definidos como um campo interdisciplinar, multivocal e tem conquistado cada vez mais pesquisadores, artistas e ativistas contribuindo com a desestabilização de paradigmas tradicionais de pesquisas colocando cada vez mais em xeque os cânones epistemológicos e evidenciando as múltiplas possibilidades de compreensão da realidade.

De acordo com a pesquisadora, a performance pode ser pensada em termos históricos, pode desaparecer ou persistir, é transmitida por meio de um sistema não arquival conceituado como re-pertório, capaz de gerar e transmitir conhecimento, memórias, reivindicações políticas e manifestar o senso identitário de determinados grupos. “Funciona como uma episteme, um modo de conhecer” (TAYLOR, 2013, p. 17). Possibilita àquele que assiste ou ao leitor a incorporação, no sentido de trazer para dentro de seu próprio corpo aquilo que está vendo ou lendo, assumindo, por sua vez, o papel de ator social, seja enquanto partícipe ou testemunha, estabelecendo, a partir disso, uma relação de envolvimento, que o afeta.

A segunda perspectiva utilizada nesta discussão é sustentada por Zumthor (2007), que se situa no vínculo estabelecido entre performance e leitura, centrando-se na vocalidade do texto, recepção e percepção sensorial. A observação tem como foco o leitor lendo, ou seja, a relação entre leitor que lê e o texto como tal. Colocar-se no interior desse fenômeno,

é ocupar necessariamente um ponto privilegiado, a partir do qual as perspectivas contemplam a totalidade do que está nas bases das culturas, na fonte de energia que as anima, irradiando todos os aspectos de sua realidade (ZUMTHOR, 2007, p. 12).

Durante a leitura dos quadrinhos, ocorre o retorno forçado da voz possibilitando a ressurgência de energias reprimidas ao longo de muitos séculos no discurso das sociedades ocidentais pelo curso hegemônico da escrita (ZUMTHOR, 2007), ademais, no discurso há elementos que revelam tradições, valores, códigos e ideologia.

Além disso, é necessário considerar, conforme Taylor (2013, p. 17) afirma, que “aprendemos e transmitimos conhecimento por meio da ação incorporada, da agência cultural e das escolhas que se fazem”. Nessa relação estabelecida entre quadrinhos e leitor, este estudo apropria-se daquilo que Zumhtor (2007, p. 11) considera como “percepção sensorial do ‘literário’ por um ser humano”, é nesse encontro que ocorre o que ele nomeia como voz poética e esta investigação como voz quadrinística (grifo nosso).

Taylor (2013) apresenta o conceito de repertório como um movimento contrário ao do arquivo, pois preconiza a performance, e, por conseguinte a incorporação, esse conceito está associado à ideia de trazer para o corpo e, a partir dessa premissa, tenta compreender as práticas de repertório. Dessa forma, ela aponta as diversas possibilidades de análises de pesquisa, desta-cando que a cultura ocidental hegemônica privilegia o arquivo, não obstante há diversas outras possibilidades de serem utilizadas como registro político, cultural, religioso, social, histórico e econômico.

Traduzir o mundo a partir da cultura é a proposta da História Cultural, decifrando

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a realidade do passado por meio das suas representações, tentando chegar àquelas formas discur-sivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprio e o mundo” (PESAVENTO, 2003, p. 42)

Deste modo, novas possibilidades de analisar o passado surgiram, não mais priorizando a busca pela verdade única e absoluta acessada somente a partir de arquivos. Emerge a vez da incerte-za, que indaga todas as explicações de mundo, chamando atenção, especialmente, para o fato de que a cultura deve ser compreendida como um contíguo de significados construídos e compartilhados pelos homens para explicar o mundo. É nesse contexto e a partir dessa perspectiva que este estudo vislumbra o potencial informativo do multifacetado, enigmático e misterioso mundo dos quadrinhos enquanto objeto de pesquisa.

O NEGRO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XXI A PARTIR DOS ARQUIVOS

Desde a lei que aboliu a escravidão e, posteriormente, a proclamação da república, os negros tiveram que, de acordo com Munanga e Gomes (2006), empreender um extenso e fastidioso processo de construção de igualdade e acesso aos vários setores da sociedade brasileira. Ainda nos séculos XIX e XX, carregavam um passado fortemente marcado pelo trabalho escravo e como gerador de conflitos, por consequência, imersos ao novo modo de produção e organização econômica, a eles restaram os trabalhos infames como domésticos, braçais e informais, por sua vez,

mal remunerados e que não exigiam qualificação educacional. Jogados à margem da sociedade, permaneceram marginalizados da política e excluídos da organização formal dos operários (SILVA, 2004, p. 28).

Gomes, N. afirma,

a esse grupo (e outros) foi relegado ocupar, historicamente, os lugares mais baixos da escala social, uma grande massa da população negra continua fazendo parte do injusto processo de exclusão social (2000, p. 10).

Risério (2012) lamenta que não há como esquivar-se da triste constatação de que o advento da escravidão continua cruelmente vivo entre os brasileiros, humilhando e insultando a dignidade dessa parcela da população brasileira. Enfatiza o pesquisador (2012, p. 348) que “podemos afirmar, sem perigo de erro, que o abolicionismo não chegou a realizar a sua meta maior – a do futuro, que é o nosso presente”. Tendo consciência dessa complexidade, assevera que “os negromestiços sofreram e sofrem chicotadas racistas. E que, ainda hoje, encontram-se, em sua maioria, nas faixas mais baixas de nossa hierarquia social e econômica” (RISÉRIO, 2012, p. 417).

Todavia, assim como os negros escravizados nunca aceitaram passivamente a situação abusiva a que foram submetidos durante o período colonial, os afro-brasileiros também não consentiram e con-tinuam, ainda hoje, protestando, resistindo e debatendo os prejuízos advindos do regime escravocrata, que, por sua vez, geraram uma complexa desigualdade em todos as esferas que abarcam esses sujeitos.

A questão racial tem ganhado força em decorrência do ativismo negro – que encontrou apoio em diversas ciências, especialmente as sociais, e, também, de outros apoiadores como políticos, artistas e professores universitários do Brasil e de outros países, à medida que advertem e reconhecem que a desigualdade racial é oriunda de um longo processo histórico iniciado na travessia do Atlântico, no século XVI.

Notadamente, após a ditadura militar, nas décadas de 1980 e 1990, “a atuação de ONG’s inde-pendentes ganhou força e um marco do início dos anos de 1990 foi o crescimento do movimento que reivindicava reparações pelos danos da escravidão! (DUARTE, 2010, p. 17).

Indubitavelmente, a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Ra-cial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela ONU, em 2001, na África do Sul – poucos anos após o fim do apartheid (1994), repercutiu diretamente no direcionamento da questão no Brasil. Cabe mencionar que até esse momento, “o racismo e a discriminação racial,

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juridicamente proscritos, nunca haviam sido seriamente abordados em sua incidência planetária” (ALVES, 2002, p. 200).

Parte dos objetivos do evento, menciona Alves,

além daqueles mais habituais (examinar os progressos alcançados e obstáculos enfrentados para a superação dos problemas; aumentar o nível de conscientização para eles, formular recomendações; etc.) incluía-se o de rever (to review) os “fatores políticos, históricos, econômicos, sociais, culturais e de outra ordem conducentes ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e à intolerância correlata”, seguindo-se de “formular recomendações concretas de medidas eficazes (action--oriented) nacionais, regionais, internacionais” para combater os problemas (2002, p. 203).

Em razão das diversas constatações apontadas e discutidas durante o evento, alguns acordos foram firmados entre os países pertencentes à organização, por conseguinte, o referido período foi considerado de grande relevância na história das relações étnico-raciais brasileiras, pois foi durante o mandato do então presidente da república Fernando Henrique Cardoso que, pela primeira vez, foi reconhecido oficialmente a existência de preconceito e de discriminação raciais em nossa sociedade (FIGUEIREDO; GROSFOGUEL, 2006).

Observa-se que, nesse período, sorrateiramente os negros começaram a ocupar diferentes espaços, a exemplo, durante o governo de FHC, Pelé foi ministro dos Esportes, Celso Pitta foi eleito como prefeito de São Paulo (1997-2000), Abdias Nascimento assumiu a Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Rio de Janeiro (1991-1995), Benedita da Silva foi vice-governadora e governadora do Rio de Janeiro (1999-2002), Joaquim Barbosa foi nomeado como Ministro do Supremo Tribunal Federal (2002-2014), entres outros.

Outrossim, cabe mencionar que na época havia o art. 140, parágrafo 3º do Código Penal, que trata da pena para o crime de injúria discriminatória, e a Lei nº 7.716/89, que define os crimes resul-tantes de preconceito de raça ou de cor.

Contudo, não se pode obliterar que

o Brasil, país com a segunda maior população negra do mundo – atrás apenas da Nigéria –, con-seguiu ao longo de sua história produzir um quadro de extrema desigualdade entre os grupos étnico-raciais negro e branco. Até bem pouco tempo, o Estado brasileiro não incorporava as categorias racismo e discriminação racial para explicar o fato de os negros responderem pelos mais baixos índices de desenvolvimento humano, e os brancos pelos mais elevados. [...] A despeito dessa tentativa de silenciamento, a resistência negra tem se mantido e se fortalecido, a ponto de atualmente não ser mais possível, num debate lúcido, a defesa da imagem da sociedade brasileira como um exemplo de democracia racial. Por meio de pressão e atuação incessantes, o movimento negro organizado denunciou as condições de vida da população negra brasileira, evidenciando, entre outras coisas, que o acesso e a permanência dessas pessoas no sistema educacional é per-meado por uma série de entraves (CAVALLEIRO, 2005, p. 9).

É diante desse contexto que o Estado se viu obrigado a construir documentos legais para coibir o racismo, por meio de políticas públicas de combate às desigualdades sociais e educacionais: a Lei nº 10.639/03 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira e institui no calendá-rio escolar a inclusão do dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra; o Parecer do CNE/CP 03/2004, do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação aprova o projeto de resolução das diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que visa atender os propósitos expressos na indicação CNE/CP 6/2002, bem como regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; e a Resolução CNE/CP 01/2004 institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Todos esses documentos compõem um conjunto de medidas legais consideradas como induto-ras de uma política que pretende reparar as desigualdades impostas historicamente a determinados grupos étnico-raciais. No que se refere às políticas voltadas para a educação, Risério (2002, p. 383) declara que “os movimentos negros estão corretíssimos em sua ênfase”.

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No campo educacional, a Lei n° 10.639/03 tem atraído olhares de inúmeros pesquisadores que, por sua vez, têm debatido, discutido e avaliado, pois, sem dúvidas, ela simboliza uma grande conquis-ta da luta do movimento negro organizado. Ao estabelecer a obrigatoriedade, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, esperava-se que fosse possível promover mudanças substanciais no currículo escolar, uma vez que, pelo menos em tese, a escola deveria adequar-se à lei.

Essa adequação não diz respeito somente às práticas pedagógicas no âmbito escolar, muito além dos muros da escola, essa medida exigia que diferentes atores (pesquisadores, editores e editoras, ilus-tradores, professores, gestores escolares etc.) se mobilizassem para possibilitar que esse conhecimento chegasse aos alunos. Para isso, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana orienta que

a edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de ensino, abordem a pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrigindo as distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a identidade dos afrodescendentes (BRASIL, 2004, p. 25).

Prevê ainda que essa supervisão seja feita via Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e incentivada pelo Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE). Ademais, aponta a necessidade da elaboração de projetos com vistas à valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e africanos, comprometidos com a educação das relações étnico-raciais positivas.

Todavia, a existência da Lei n° 10.639/03, diretrizes e resoluções não foram e não têm sido sufi-cientes para promover a transformação de comportamentos sociais. Para Reis (2017) isso ocorre porque no Brasil há preconceitos maiores, a lei não encontra força para impor-se, pois os comportamentos sociais desafiam a determinação legal. Sendo assim, qualquer que seja a política pública, ela por si só é incapaz de reverter os profundos prejuízos advindos durante 500 anos de história. E, por mais que os conceitos de “diversidade e interculturalidade sejam utilizados por agentes de governo como matéria de seus discursos, tornando-se muitas vezes ‘fundamentos’ ou ‘princípios’” (PALADINO; ALMEIDA, 2012, p. 15) que norteiam as políticas públicas, nota-se que ainda é imenso o caminho a ser percorrido.

A NEGRITUDE NO BRASIL: UM OLHAR A PARTIR DAS HQ’s DA MÔNICA

Antes de adentrar às reflexões acerca da representação da negritude na sociedade brasileira no início do século XXI nos quadrinhos criados por Maurício de Sousa Produções, explicita-se que a coleta de dados ocorreu a partir de fontes primárias, por meio de 11 gibis publicados entre os anos 2000 e 2005 totalizando 95 HQ’s. Não houve nenhum tipo de critério específico para escolha, aleatoriamente, foram selecionadas edições que se enquadravam ao recorte temporal delimitado por esta investigação. Já para esse delineamento houve um estudo sistemático, optando por esse período devido ao fato de ser um marco fronteiriço na história das relações étnico-raciais no Brasil na pós-modernidade.

Cabe lembrar que a trajetória do grupo Maurício de Sousa Produções, inicia-se em 1960, em Mogi das Cruzes, quando foi lançada a revista Bidu, produzida por Maurício Araújo de Souza e publicada pela Editora Continental. Ainda muito insípida, impressa em preto e branco e com baixa produção, abria-se um promissor caminho para aquele que se tornaria o maior produtor e desenhista do gênero quadrinhos em território nacional.

Ao aumentar a quantidade de personagens para competir com os quadrinhos da Disney, que até então dominavam o mercado brasileiro, Maurício optou por criar um grupo de crianças que, embora tenham sido inspiradas em pessoas próximas a ele, possuíam características universais em situações cotidianas, de tal modo, em 1970, foi lançada a Revista Mônica pela Editora Abril. Conhecida como a Turma da Mônica, a partir de então, o enredo passou a ser protagonizado, quase sempre, no espaço que, desde então, é conhecido como Bairro Limoeiro. Também, nesse período, houve a substituição da nanquim e os personagens passaram a ser representados com palheta de cores diversas.

Desde sua origem, novas revistas e personagens foram criados e, também, distintas formas de inovação. Parte dessas transformações trata-se da tentativa de representar a brasilidade, assim prota-gonistas como Chico Bento e Pelezinho ganharam espaço nessas histórias, o primeiro representando

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o caipira e o segundo o afro-brasileiro, ambos alvos de críticas e elogios.Especialmente no que tange à representação da negritude, o personagem Jeremias é, indubita-

velmente, o que mais sofreu adaptações e reconstruções ao longo dessas seis décadas. Sua primeira aparição ocorreu na revista Bidu nº 1, publicada em 1960, antes mesmo da criação da Turma da Mônica. O personagem negro “oscilou entre posições de coadjuvante, figurante, e protagonista temporário, sem assumir uma posição explícita e efetiva de denúncia do racismo e da promoção da igualdade racial” (AGOSTINHO, 2018, p. 1).

O pesquisador fez essa constatação após análises de quatro exemplares produzidos cada um deles em 1960, 1970, 1987 e 2009. Chinen (2013, p. 148) denuncia que, durante muito tempo, “Jeremias pôde ser considerado um personagem menos que secundário, ele é terciário”.

Ao longo dos anos, observa-se que há uma correlação entre o processo de reconstrução e grau de importância dado a Jeremias e a intensificação das lutas do movimento negro. Maurício, astu-ciosamente, capta essas demandas sociais e de diferentes formas tenta representar esses temas nos quadrinhos. Por exemplo, a edição nº 5, da Revista da Turma da Mônica, publicada em 1987, Jeremias, de personagem coadjuvante e secundário, passa a protagonizar a história “O príncipe que veio da África” (AGOSTINHO, 2018).

Anos mais tarde, em 2009, período da campanha eleitoral de Barack Obama, houve uma ocasião em que o candidato citou como referência o líder africano Luther King e

num lance de oportunismo, a equipe do estúdio Maurício de Sousa, criou uma história, publicada na edição 30 de Cebolinha [...] na qual o clube dos meninos da Vila Limoeiro promove uma elei-ção para escolher quem irá dirigi-lo numa disputa entre Cebolinha, atual presidente, e Jeremias, que se oferece como postulante ao cargo. À semelhança do candidato americano, Jeremias cita as palavras do famoso discurso de Martin Luther King: ‘eu tenho um sonho”. No fim ele vence a eleição por 11 votos a 2” (CHINEN, 2013, p. 149).

Diante disso, observa-se uma relação dialógica entre a (re)criação de personagens negros à medida que novas demandas sociais, políticas, educacionais e culturais emergiram no Brasil. Ou-trossim, é nitidamente observável o interesse mercadológico da indústria cultural e, por isso, sua atenção aos acontecimentos mundiais e nacionais, não obstante, a simples presença da figura negra não é o bastante. De acordo com Chinen (2013, p. 227), Maurício toca em questões delicadas, como “a da autoimagem e da valorização de um padrão de beleza em detrimento de outro”. Agostinho complexifica a crítica afirmando que nos quadrinhos há “nuances racistas, representações que podem ser parcialmente consideradas positivas, estereótipos e até processos de invisibilidade social do negro (AGOSTINHO, 2018, p. 13).

É a partir desse potencial informacional que esta pesquisa considera a arte sequencial enquanto objeto de pesquisa privilegiado, pois há muitos elementos a serem averiguados e desvelados, especial-mente, porque, camuflado a esse processo de (re)criação da representatividade dos afro-brasileiros, observa-se um relativo esforço por parte da Maurício de Souza Produções em publicar para atender às demandas do mercado.

À PROCURA DOS NEGROS NOS QUADRINHOS

A amostragem é formada pelos gibis abaixo relacionados:

• Chico Bento, nº 340, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em 2000;• Turma da Mônica antidrogas: uma história que precisa ter fim, publicado pela Editora Globo

e Instituto Cultural Maurício de Sousa, em 2000;• Mônica, nº 184, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em 2001;• Mônica, nº 185, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em 2001;• Magali, nº 352, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em 2002;• Magali, nº 347, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em 2002;• Magali, nº 363, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa em 2003;

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• Cebolinha, nº 209, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em 2003;• Cascão, nº 437, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em 2004;• Revista Parque da Mônica, nº 138, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em

2004;• Mônica, nº 226, publicado pelas Editoras Globo e Maurício de Sousa, em 2005;

Dessas 11 publicações, que totalizaram 95 HQ’s, optou-se por selecionar somente aquelas histórias que aparecem personagens que representam sujeitos negros. Diante desse crivo, a análise centrou-se nos títulos descritos a seguir:

Título da história Título da revista Ano Número Página

Chico Bento Chico Bento 2000 340 28

A Turma da Mônica em uma história que

precisa ter fim

A Turma da Mônica em uma história que

precisa ter fim2000 Edição espe-

cial 2-50

Magali Magali em autógrafos 2002 352 26

Magali Dudu em brincadeira de criança 2002 347 21-23

Cascão Cascão 2004 437 66

Revista Parque da Mônica - Futebolou-

co no parque

Anjinho em a campainha angelical 2004 138 55-65

Para esta análise considerou-se o fato de que há um conjunto de elementos naturalizados, que, embora não pareçam, simbolizam algo. Ao conceber os quadrinhos enquanto linguagem é necessário refletir o que eles apresentam como informação, quem os lê, a quem atinge, de que forma impacta e como o outro reage e, ainda, como e por que os personagens negros foram modificando a sua per-formatividade ao longo dos anos.

Desta forma, o primeiro aspecto observável nas 95 HQ’s é a tímida representatividade de sujei-tos negros, o que caracteriza o processo de invisibilidade desses indivíduos. Embora este estudo não utilize o método de pesquisa quantitativa, é importante mencionar que, nas histórias investigadas, os personagens negros aparecem somente em 6,31% delas.

Não foi encontrada nenhuma representação de sujeitos negros nas revistas de 2001, o que causa estranheza uma vez que o mundo todo se mobilizava nesse ano para combater o racismo, xenofobia e toda forma correlata de discriminação. Nas revistas publicadas em 2003 também não foram observados qualquer rastro ou presença negra, o que causa perplexidade uma vez que foi nesse ano que ocorreu a promulgação da Lei nº 10.639. O mesmo ocorreu com a revista publicada em 2005.

Brighenti apud MORAES explica que a “visibilidade e a invisibilidade também possuem o po-tencial de silenciamento de falas pois se não é visto, se não possui uma história, consequentemente, não é reconhecido e não existe” (2013, p. 24-25).

Contudo, o simples fato de estar presente também não é suficiente, se é possível pensar em algo que seja pior do que a invisibilidade, talvez seja a visibilidade a serviço da ideologia dominante em seu excludente processo de dominação étnico-racial.

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Na edição nº 340 da revista Chico Bento, publicada em 2000, a HQ intitulada com o mesmo nome trata-se de uma sequência ilustrada de uma página, o eu quadrinístico sugere que Chico Bento está assoviando ao andar pelo campo com uma enxada nas costas quando, no sentido oposto ao seu, surge uma personagem com uma trança, ele a corteja com um sorriso e retirada do chapéu, gesto comum realizado por homens do campo, ao continuar a caminhada aparece também em sentido contrário uma outra menina, dessa vez com duas tranças, com o mesmo gesto, dessa vez ele para e a cumprimenta.

Com a sugestão de que Chico está seguindo a mesma rota, aparece a terceira, o eu-quadrinístico insinua que ele até acena com o chapéu, mas estranha o penteado dela: três tranças – uma para direita, outra para esquerda e a terceira perpendicular à cabeça. Em continuação à caminhada, surge a quarta garota e causa tamanho espanto que ele se assusta, essa tinha cinco tranças bem armadas, formando um semicírculo de um lado a outro da cabeça, ela, por sua vez, parece não notar o estranhamento de Chico, pois passa toda presunçosa por ele. No último quadrinho, o caipira se depara com uma placa indicativa escrito “fazem-se tranças”, é aí que se pressupõe o motivo de tal proeza nos cabelos das garotas: o feitor das tranças era Saci Pererê.

Representado como um moleque negro de uma só perna, trajado de capuz e short vermelhos além de um cachimbo na boca, Saci é um personagem pertencente ao folclore brasileiro. Entre suas características destacam-se a peraltice, trapaça, zombaria, malícia e esperteza, assim, diante de tais atributos, por onde ele passa deixa vestígios de suas travessuras. Na arte sequencial em análise não foi diferente, ao indicar na placa que fazia tranças, inicialmente, ele realiza as duas primeiras de acordo com o padrão dominante hegemônico, o humor se dá a partir do momento em que ele começa a ousar na quantidade de tranças e forma como elas são dispostas nas cabeças das personagens.

Por não haver espelho no local, as meninas não se dão conta de como estão, e, como a primeira e a segunda estavam conforme os padrões pré-estabelecidos de possibilidades de trançar o cabelo, provavelmente, as últimas acreditam que estão com belos penteados. O humor sugerido pelo eu--quadrinístico se dá no último quadrinho – quando Saci engana também Chico Bento – quando ele chega ao local onde Saci está trançando mais um cabelo, com sua perspicácia ele volta a seguir o padrão de uma só trança, transparecendo que nada fez e Chico, então, fica sem entender aqueles penteados que o causou estranhamento, demonstrando a esperteza do personagem folclórico.

Ainda no que concerne a análise das imagens, cabe salientar que todas as garotas, incluindo as ‘vítimas’ do trapaceiro, bem como o caipira são pintados com paleta de cor bege, representando, por conseguinte, sujeitos de pele de tons claros. Em contrapartida, a paleta utilizada para pintar personagens que representam sujeitos negros, a de cor marrom, é utilizada para pintar o persona-gem folclórico.

Saci era um personagem mítico que foi difundido no meio rural durante décadas, sua popu-laridade se deu no meio urbano em grande medida por causa de Monteiro Lobato, que o inseriu em suas obras enquanto herói. Não obstante, a tentativa de trazer à tona a representação de uma figura do campesinato originalmente brasileiro foi alvo de críticas severas profundamente fundamentadas. De acordo com Queiroz (1995),

o herói apresentava ainda uma origem anormal, alternava boas e más ações, era simultaneamen-te astuto e tolo e dispunha de poderes mágicos, além disso o escritor não o livrou de todos os traços estigmatizantes, uma vez que o pequeno herói exalava um forte odor de enxofre, temia os símbolos cristãos e não estava imune ao cativeiro (QUEIROZ, 1995, p. 146).

É necessário considerar que a utilização de uma figura carregada de adjetivos negativos associado à representação do negro foi uma opção desacertada de Maurício, pois reforça a ideia pré-concebida acerca desses sujeitos, reforçando os estereótipos criados desde a colonização.

Ora, se a aparição de personagens que representam os afro-brasileiros é insólita e quando ocorre é carregada de atributos negativos há que se consentir com o fato de que, possivelmente, a criança e/ou adolescente negros leitores de Maurício vão crescer com uma imagem de representação social inequívoca, que prejudicará a construção da sua identidade e autoestima.

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Outro aspecto fundante na compreensão da sociedade brasileira pode ser observável a partir do quarto quadrinho, momento em que o eu quadrinístico leva o leitor a observar Chico Bento, que demonstra um olhar de estranheza ao passar pela menina com três tranças e se assustar, e no quinto quadrinho, quando aparece outra com cinco tranças. O mesmo não ocorre com o segundo e terceiro quadrinho, onde as garotas seguem o padrão hegemônico de beleza no que se refere à forma de se trançar os cabelos, conforme figura 1.

Figura 1: Chico Bento nº 340 publicada em 2000

Nitidamente, esses quadrinhos revelam que há um padrão a ser seguido e tudo aquilo que foge disso é considerado como estranho ou esquisito e, consequentemente, feio. Fato é que Chico deixa de cortejá-las, o que não ocorreu com as garotas que apresentavam tranças de acordo com o padrão hegemônico de beleza imposto pela ideologia dominante.

Por meio de indícios e pistas deixadas em diferentes fontes ou lugares, como nesse caso, é que se reconstrói a representação do passado, tecendo a imensa trama de compreensão da realidade. De acordo com estudos decoloniais, o neoliberalismo

é debatido e combatido como uma teoria econômica, quando na realidade deve ser compreen-dido como o discurso hegemônico de um modelo civilizatório, isto é, como uma extraordinária síntese dos pressupostos e dos valores básicos da sociedade liberal moderna no que diz respeito ao ser humano, à riqueza, à natureza, à história, ao progresso, ao conhecimento e à boa vida (LANDER, 2005, p. 8).

Nessa perspectiva, defende-se a ideia de que a sociedade liberal impõe o único ordenamento social possível. Assim, Lander explica que

essa força hegemônica do pensamento liberal, sua capacidade de apresentar sua própria narrativa histórica como conhecimento objetivo, científico e universal e a visão da sociedade moderna como a forma mais avançada – e, no entanto, a mais normal – da experiência humana, está apoiada em condições histórico-culturais específicas. O neoliberalismo é um excepcional extrato purificado e, portanto, despojado de tensões e contradições, de tendências e opções civilizatórias que têm uma longa história na sociedade ocidental. Isso lhe dá a capacidade de constituir-se no senso co-mum da sociedade moderna. A eficácia hegemônica atual desta síntese sustenta-se nas tectônicas transformações nas relações de poder ocorridas no mundo nas últimas décadas. O desapareci-mento ou derrota das principais oposições políticas que historicamente se confrontavam com a sociedade liberal (o socialismo real e as organizações e lutas populares anticapitalistas em todas as partes do mundo), bem como a riqueza e o poderio militar sem rivais das sociedades industriais do Norte, contribuem para imagem de sociedade liberal como a forma mais avançada e normal de existência humana não é uma construção recente que possa ser atribuída ao pensamento neoliberal, nem à atual conjuntura política; pelo contrário, trata-se de uma ideia com uma longa história no pensamento social ocidental dos últimos séculos (2005, p. 22).

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Com o início do colonialismo na América iniciou-se não apenas a organização colonial do mundo, mas, simultaneamente, a constituição colonial dos saberes, das linguagens, da memória (MIGNOLO, 2005) e do imaginário (QUIJANO, 2005).

Na medida em que se constrói a ideia de universalidade utilizando a experiência europeia é ins-tituída uma realidade totalmente excludente a todos os povos e culturas do planeta que se distanciem e se contrapõem aos padrões europeus. A imposição de uma universalidade, que não é universal, nada mais é do que uma falácia e a negação dos direitos daqueles que foram colonizados. É a negação de um direito coletivo por um direito individual, de acordo com Clavero (apud LANDER, 2005, p. 27).

O caráter universal da experiência histórica europeia, as formas do conhecimento desenvolvidas para a compreensão dessa sociedade se converteram nas únicas formas válidas, objetivas e universais de conhecimento (Lander, 2005, p. 15). A partir da comparação com o universalismo eurocêntrico excludente passam-se a analisar e identificar os atrasos, as deficiências e o primitivo. Os padrões euro-peus, dessa forma, passam a ser considerados como superior, normal, belo, correto, moderno e ideal.

Para conseguir esse caráter de padrão civilizatório e hegemonia foi fundamental o processo de submissão e conquista de outros territórios por parte das potências europeias, que se apropriaram da falácia do discurso civilizatório em prol da modernidade. De acordo com Mignolo (2003, p. 30), a colonialidade se reproduz em uma tripla dimensão: a do poder, a do saber e a do ser.

A colonialidade do poder é invisível. É o eixo que organizou e continua organizando a diferença colonial, a periferia como natureza (MIGNOLO, 2005, p. 74). A configuração da modernidade na Europa e na colonialidade do poder torna difícil pensar que não pode haver modernidade sem colo-nialidade que esta é constitutiva da modernidade e não derivativa (MIGNOLO, 2005, p. 78). Dentro desta lógica apresentada pelo movimento decolonial, a ideia de raça adquire um tipo de classificação social próspera para a empresa colonial.

A reflexão da próxima história elucida muito bem uma das formas pela qual essa relação de poder do branco sobre o negro é legitimada formando ideias preconceituosas acerca dos afro-brasileiros no imaginário coletivo. A Turma da Mônica: uma história que precisa ter fim apresenta como temática central o perigo e prejuízos advindos do uso das drogas, bem como o alerta sobre a forma como pode ser apresentada às crianças e adolescentes. Formada por duas histórias, uma principal e uma final, constata-se a presença negra somente em dois quadrinhos da primeira história.

No primeiro, como demonstra a figura 2, Maurício representa o sujeito negro como uma criança viciada em cola sentada na porta de uma sapataria. A criança negra está sentada de pernas cruzadas, em uma posição de estabilidade, sugerida pelo eu quadrinístico, é ela quem oferece a cola ao que parece ter chegado a pouco, uma vez que está com joelhos semi-flexionados, indicativo desse movimento. Ou seja, o negro é quem oferece a cola ao branco loiro, analogamente o negro viciado e morador de rua é quem oferece a droga ao branco, loiro, de cabelos lisos, de regatinha e short branco sem qualquer risco indicativo de sujeira, ao passo que há alguns na camiseta do negrinho.

Figura 2: Turma da Mônica: essa história precisa ter um fim (2000)

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No segundo quadrinho que se constata a presença negra, conforme figura 3, há a sugestão de duas ações: o leitor, inicialmente, é conduzido à cena em que Zélio chega oferecendo um envelope, que provavelmente contém droga, a Jeremias e Xaveco, que nada falam e não há nenhum tipo de ação sugerida pelo eu quadrinístico; depois, o leitor é levado a um segundo momento em que Xaveco é surpreendido por Zé Luís, Dona Alzira e Cebolinha, que evitam o pior – o oferecimento da droga.

Figura 3: Turma da Mônica: essa história precisa ter um fim (2000)

Silenciados, à margem e como uma ameaça à sociedade são as formas como os negros foram representados nesses quadrinhos e também tem sido por diversos mecanismos desde a colonização. A noção hegemônica estabelecida e legitimada de que ser branco é uma norma foi imposta à sociedade. É justamente essa branquitude, geradora de conflitos raciais, que “demarca concepções ideológicas, práticas sociais e formação cultural, que são identificadas com e para brancos como de ordem “branca” e, por consequência, socialmente hegemônicas” (ROSSATO; GESSER, 2001, p. 11).

Também, não se pode deixar de relatar e considerar que de fato essa era a condição de muitos afro-brasileiros no início do século XXI, entretanto, representá-los unicamente dessa forma é reforçar ainda mais os preconceitos e estereótipos. Como se observa, os quadrinhos são intensamente capazes de favorecer a ideologia dominante com a manutenção da forma como a sociedade brasileira mantém e estrutura as suas relações de dominação.

Isso porque, de acordo com Didi-Huberman (2012, p. 208), “não há imagem sem imaginação”. Essa perspectiva nos remete às possibilidades imaginárias proporcionadas por meio da leitura de uma história em quadrinhos. Na arte sequencial, não há um significado fixo e absoluto, eles vão sendo construídos na sarjeta pelo leitor, na medida em que as imagens e palavras vão levando o indivíduo a uma fluidez de quadrinho a quadrinho. O leitor sem se dar conta dá vida à orquestra regida pelo eu quadrinístico, assim, atraído para uma outra dimensão, se percebe num verdadeiro espetáculo envolvendo não somente seu corpo por meio dos cinco sentidos, mas também todo processo criativo.

É nesse atravessamento que ideias e conceitos são construídos, bem como identidade e autocons-ciência, especialmente por se tratar de um público infantil, infanto-juvenil e juvenil. Zumthor (2007) explica que o corpo é o peso sentido na experiência, é ele quem reage, vibra e é ele quem determina a relação de um indivíduo com o mundo. Numa experiência em que ser negro implica não ter voz ou ser uma ameaça à sociedade, não é possível esperar nada além do que uma infinidade de consequências negativas na construção do “eu” e determinados comportamentos em relação ao outro.

Como nota-se, hodiernamente, a imagem tem contribuído muito com a ciência em relação à compreensão da humanidade em seus mais diferentes aspectos. Ao desvelar tantas verdades, observa-se que

nunca, sem dúvidas, nos mentiu tanto solicitando nossa credulidade; nunca sofreu tanta censura e destruição, [...] nunca, portanto, a imagem sofreu tantos dilaceramentos, tantas reivindicações contraditórias e tantas rejeições cruzadas, manipulações imorais e execrações moralizantes” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 209).

Assim, é legítima a luta do movimento negro que mesmo diante de tantas constatações ainda hoje enfrenta críticas e perseguições. Em 2002, na edição da revista Magali de nº 352, na página 26, na história limitada a duas páginas intitulada Magali em autógrafos, a narrativa apresenta Magali

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chegando a um hotel, onde há um fila de outras crianças querendo pegar autógrafos. O humor se dá devido ao fato de que enquanto todos que ali estão buscam um autógrafo do lutador Van Dame, Magali vai em busca do autógrafo do chefe de cozinha do Restaurante Pierre. A presença menos que secundária de Jeremias no primeiro quadrinho, restringe-se tão somente em estar na fila aguardando um autógrafo, conforme figura 3.

Figura 4: Magali nº 352 (2000)

Em uma participação ainda mais insípida o afro-brasileiro é representado na história Dudu em brincadeira de criança, na revista Magali de nº 347, também publicada em 2002. Nas duas páginas da arte sequencial, o eu-quadrinístico sugere que os pais de Dudu estão presos a um engarrafamento e ficam surpresos com a imaginação da criança ao brincar com seus carrinhos retratando a mesma situação.

Figura 5: Revista Magali nº 347 (2002)

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Segundo MacCloud (1995, p. 28), “todo criador sabe que um indicador infalível de envolvimento do público é o grau em que este se identifica com os personagens”. Até então silenciado e praticamente invisibilizado, observa-se uma nova forma de representar o negro. Entra em cena um personagem com importância menor do que a de coadjuvante – a de figurante, se é que é possível fazer essa ana-logia, através do desenho o eu quadrinístico indica um gingado e uma performance diferente da que observamos até aqui, conforme figura 4. De porte alto, cabelo com corte moicano fade, colete sobre a camiseta branca, o eu quadrinístico conduz o leitor a completar a cena imaginando que esteja de calças largas, acrescido de um gingado ao andar.

Na edição de nº 437, publicada em 2004, em uma história de uma página, silenciado continua o negro representado apenas como coadjuvante dentro de um elevador cheio, que se esvazia após a entrada de Cascão, conforme figura 5.

O negro que até então era representado somente do lado externo, passa a ocupar novos espaços, já que o eu quadrinístico induz a pressuposição de que a presença do senhor retratado na cena possui uma profissão de prestígio devido a suas vestes.

A memória inconsciente pulsa com seus sintomas evocando os valores cristalizados na sociedade brasileira no início do século XXI, mesmo em um período de efervescência na luta pela igualdade de oportunidades entre todos os brasileiros, independente de cor.

Figura 6: Cascão nº 437 (2004)

A revista de nº 138, também publicada em 2004, intitulada Parque da Mônica: futebolouco no parque apresenta uma performatividade distinta das observadas até então na história Anjinho em a campainha angelical. Anjinho, o personagem principal dessa narrativa, convoca a turma do Bairro Limoeiro para uma reunião a fim de esclarecer que está cansado e precisa de descanso. A pequena participação de Jeremias nessa reunião restringe-se a três quadrinhos, embora apareça mais vezes em outros de forma silenciada.

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O personagem, conforme demonstra figura 7, revela uma performance completamente distinta dos demais quadrinhos analisados, à frente da turma é o primeiro a fazer uma piadinha a respeito da convocação e arrancar risos do restante da garotada.

Figura 7: Revista nº 138 Parque da Mônica: futebolouco no parque (2004)

Posteriormente, ele é repreendido por Anjinho pela brincadeira e, constrangido, fica em silêncio até o final. Fairclough (2001) alerta que as práticas discursivas contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder na medida em que incorporam significações.

Nesse quadrinho, nota-se a relação de dominação do branco sobre o negro. O primeiro aspecto observável são as características do anjo protetor: branco, loiro e de olhos azuis. Ele representa o sagra-do que, por sua vez, chama atenção da representação do profano – mortal, negro e inoportuno – pela brincadeira inconveniente, ou seja, a criança negra é advertida por não se comportar da forma como espera-se diante de tal situação e por isso permanece calada até o fim da HQ. Jeremias é reprimido porque fugiu de uma dada regra, que está posta sem que o mesmo a perceba, logo, de acordo com o modelo da ideologia dominante, justifica-se a repreensão, e, constrangido, permanece até a reunião acabar. Ninguém questiona a forma como Anjinho o repreende, tampouco o porquê somente Jeremias é chamado atenção, uma vez que todos deram risada, note que é como se o profano fosse o único culpado pelo comportamento dos demais.

O símbolo de bondade na HQ é branco, de padrão estético e normativo também, a história narrada na escola também é branca, a inteligência e beleza mostrada pela mídia também são. Os fatos são apresentados por todos na sociedade como se houvesse uma preponderância absoluta, uma supremacia definitiva dos brancos sobre os negros” (SANTOS, 2001, p. 27). E além de tudo isso, o racismo presente na sociedade é tão intenso que está expresso de múltiplas formas, seja na negação de um determinado comportamento ou silenciamento dos afro-brasileiras.

Assim, foi e é incutido no imaginário coletivo, de forma despercebida, a ideia de que, segundo Santos, (2001), o lado bom da vida não é e nem pode ser negro. A noção hegemônica estabelecida e legitimada de que ser branco é uma norma foi imposta à sociedade. É justamente essa branquitude, geradora de conflitos raciais, que “demarcam concepções ideológicas, práticas sociais e formação cultural, que são identificadas com e para brancos como de ordem “branca” e, por consequência, socialmente hegemônicas” (ROSSATO; GESSER, 2001, p. 11).

Considerações Finais

Depreende-se, a partir da pesquisa, que tanto os sistemas não arquivais quanto repertório contribuem para ampliarmos o conhecimento acerca do outro e das relações que se estabelecem na sociedade brasileira, bem como os padrões de comportamentos impostos. As HQ’s produzidas por Maurício de Souza podem ser consideradas como objeto de pesquisa que possibilita desvelar e analisar aspectos do real acerca da negritude na sociedade brasileira no início do século XXI.

Por meio da retomada de acontecimentos históricos, explicação de como ocorreu e ainda ocorre o processo de dominação étnico-racial, além das análises dos quadrinhos que demonstram o silenciamento, invisibilidade e grau de importância dada a esses sujeitos fica muito mais fácil compreender o porquê as inúmeras tentativas de implementação de medidas reparadoras não

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ganham força para romper de fato com a exclusão do negro nos diversos setores da sociedade brasileira.

Observou-se que, desde 2001, há uma forte mobilização de diferentes segmentos sociais, políti-cos, científicos e educacionais na articulação em prol do fim da discriminação racial, contudo, a análise dos quadrinhos não deixa dúvidas, apesar de todas conquistas, “a massa negromestiça está muito longe de viver bem, hoje, no Brasil. A desigualdade sociorracial é um fato” (RISÉRIO, 2012, p. 383).

Percebe-se que é recorrente vincular à imagem do negro papéis sociais de menor prestígio, o que dificulta muito legitimá-lo como um cidadão com igualdade de direitos e deveres. Da forma como o negro foi abordado por Maurício de Sousa Produções nos gibis analisados, possivelmente, a criança e/ou adolescente negros vão crescer com uma imagem de representação social deturpada, que prejudicará a construção da sua identidade e autoestima. Ainda há muito a ser feito e por isso é fundamental atentar-se a tudo que envolva a negritude, pois “o negro foi recuperado no plano do pensar brasileiro. Mas não no plano da prática. Enquanto tais planos não se corresponderem” (RISÉRIO, 2012, p. 387) existirão inúmeros motivos, parte deles apontados neste artigo, para mo-bilizar, lutar e reivindicar os prejuízos advindos da travessia do Atlântico.

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