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A NATUREZA E A OSSEOINTEGRAÇÃO - 2005 Autor Adolfo Embacher Filho Sinopse A partir de observações nas alterações ósseas em um crânio seco implantado em vida, com vinte e sete pinos autopenetrantes, que o levou a recorrer a microscopia eletrônica de varredura, o autor faz uma retrospectiva histórica das duas correntes existentes na implantologia, lança mão de trabalhos da literatura e conclui pela supremacia da osseointegração em detrimento da osseofibrointegração como resposta biológica desejável na implantologia. Unitermos Implantes dentais - interface - osseofibrointegração - osseointegraçâo. Indtrodução A implantodontia se encontra no momento dividida em duas escolas. A primeira, que preconiza a necessidade da existência de um tecido conjuntivo fibroso denso entre osso e implante, que faria as vezes do periodonto na amortização das cargas mastigatórias, e a segunda, fundamentada na descoberta da osseointegração por Per-Ingvar Branemark no começo dos anos cinqüenta, que busca um contato direto entre osso e implante, sem a interposição de nenhum outro tipo de tecido. Os implantes agulhados, laminados e parafusos, também chamados convencionais, pertencem à primeira escola. São implantes intra-ósseos de corpo único, executados em um tempo cirúrgico e sobre os quais é admitida a instalação de uma prótese fixa imediata, provisória ou não. Já os chamados implantes osseointegrados, se caracterizam basicamente pelo formato cilíndrico, por possuírem dois corpos, instalados em tempos cirúrgicos distintos e por entrarem em função somente após a regeneração do osso. Ambas as escolas buscam o mesmo resultado clínico: Um pilar protético estável e duradouro. Histórico A idéia de um implante ser envolvido por tecido conjuntivo fibroso deve-se a Salvatore Formiggini que, segundo Ceschin3 (1984), nos idos de 1940 extraiu um canino superior infectado, curetou seu alvéolo e o protegeu com gaze iodoformada. Meses após, observou o envolvimento quase por completo da gaze por tecido cicatricial, cuja remoção ofereceu grande dificuldade cirúrgica. Ocorreu-lhe então a idéia de criar um dispositivo com um material biocompatível, que instalado em alvéolo fresco resultaria, tão logo cicatrizado, num pilar intra-bucal para suporte de prótese fixa (Implante Espiral de Formiggini). Era sua crença que o implante seria retido por tecido conjuntivo, à semelhança da gaze, bem como, o tecido ósseo se neoformaria entre as espirais. Por sua vez a descoberta da osseointegração adveio dos estudos de Branemark' (1987) em perônio de coelho, sobre microcirculação na medula óssea. Câmaras de titânio eram implantadas

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Page 1: A NATUREZA E A OSSEOINTEGRAÇÃO - 2005 · seu alvéolo e o protegeu com gaze iodoformada. Meses após, observou o envolvimento quase por completo da gaze por tecido cicatricial,

A NATUREZA E A OSSEOINTEGRAÇÃO - 2005

Autor

Adolfo Embacher Filho

Sinopse

A partir de observações nas alterações ósseas em um crânio seco implantado em vida, com vinte e sete pinos autopenetrantes, que o levou a recorrer a microscopia eletrônica de varredura, o autor faz uma retrospectiva histórica das duas correntes existentes na implantologia, lança mão de trabalhos da literatura e conclui pela supremacia da osseointegração em detrimento da osseofibrointegração como resposta biológica desejável na implantologia.

Unitermos

Implantes dentais - interface - osseofibrointegração - osseointegraçâo.

Indtrodução

A implantodontia se encontra no momento dividida em duas escolas. A primeira, que preconiza a necessidade da existência de um tecido conjuntivo fibroso denso entre osso e implante, que faria as vezes do periodonto na amortização das cargas mastigatórias, e a segunda, fundamentada na descoberta da osseointegração por Per-Ingvar Branemark no começo dos anos cinqüenta, que busca um contato direto entre osso e implante, sem a interposição de nenhum outro tipo de tecido.

Os implantes agulhados, laminados e parafusos, também chamados convencionais, pertencem à primeira escola. São implantes intra-ósseos de corpo único, executados em um tempo cirúrgico e sobre os quais é admitida a instalação de uma prótese fixa imediata, provisória ou não. Já os chamados implantes osseointegrados, se caracterizam basicamente pelo formato cilíndrico, por possuírem dois corpos, instalados em tempos cirúrgicos distintos e por entrarem em função somente após a regeneração do osso.

Ambas as escolas buscam o mesmo resultado clínico: Um pilar protético estável e duradouro.

Histórico

A idéia de um implante ser envolvido por tecido conjuntivo fibroso deve-se a Salvatore Formiggini que, segundo Ceschin3 (1984), nos idos de 1940 extraiu um canino superior infectado, curetou seu alvéolo e o protegeu com gaze iodoformada. Meses após, observou o envolvimento quase por completo da gaze por tecido cicatricial, cuja remoção ofereceu grande dificuldade cirúrgica. Ocorreu-lhe então a idéia de criar um dispositivo com um material biocompatível, que instalado em alvéolo fresco resultaria, tão logo cicatrizado, num pilar intra-bucal para suporte de prótese fixa (Implante Espiral de Formiggini). Era sua crença que o implante seria retido por tecido conjuntivo, à semelhança da gaze, bem como, o tecido ósseo se neoformaria entre as espirais.

Por sua vez a descoberta da osseointegração adveio dos estudos de Branemark' (1987) em perônio de coelho, sobre microcirculação na medula óssea. Câmaras de titânio eram implantadas

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com uma cirurgia extremamente controlada, com a finalidade de observar "in vivu" e "in situ" o osso e a medula óssea, sem tensões mediante transiluminação através de microscopía óptica.

Esses estudos indicaram, entre outras coisas, e esta por mero acaso, a possibilidade de se obter uma íntima conexão entre o tecido ósseo e o titânio.

Estudando a reparação e estabilidade mecânica de elementos protéticos ancorados ao osso, foi verificado que um implante de titânio inserido no espaço medular, sob determinadas condições, e mantido imóvel sem receber nenhuma carga durante o período de reparação, acabava rodeado por osso compacto sem a interposição de outro tecido.

Com o despontar da osseointegração nos meios científicos, os adeptos dos implantes convencionais voltaram sua atenção para o que estava sendo denominado interface (espaço compreendido entre osso e implante). Até então os trabalhos de histologia apresentavam sistematicamente, salvo raras exceções, tecido conjuntivo fibroso ao redor do implante e concentravam suas atenções em constatar a aceitação biológica dos mesmos pelos tecidos circunvizinhos. E por acreditarem no funcionamento adequado dos seus implantes apesar da, ou justamente pela presença de tecido conjuntivo, passaram a denominá-los osseofibrointegrados, numa alusão à perfeita integração osso-fibra-implante.

Essa divergência entre ambas as escolas gerou uma polêmica observável na literatura e em encontros científicos. Por um lado, os implantologistas convencionais se esforçando no convencimento da viabilidade da sua filosofia implantológica, apresentando inclusive casos clínicos de longa data; alguns chegando a afirmar ser a implantologia osseointegrada apenas mais um tipo de implante no arsenal terapêutico (certamente, confundindo tipos de implantes com respostas teciduais desejáveis), e por outro, defensores da osseointegração afirmando que aquela implantologia jamais poderia ser bem sucedida, chegando, por vezes, a propor a substituição de trabalhos convencionais independentemente das suas condições clínico-radiográficas.

Ronaldo de Carvalho Miguel6 (1989), por ocasião da sua participação no 7o Congresso de Cirurgia e Implantologia da Itália, em 1989, teve a oportunidade de participar da discussão de problemas inerentes à implantologia, dentre os quais o da forma de fixação dos implantes. Segundo relata, "ficou estabelecido que nos implantes agulhados, de parafusos e lâminas, existe um tecido conjuntivo fibroso ao redor do implante, o qual é fisiológico e bioativo. Quando ocorre contato direto em toda extensão - entre o metal e o osso (osseointegração) - isto é anquilose, que até a presente data é estudada em livro de patologia e não de fisiologia", possivelmente se referindo aos chamados implantes osseointegrados.

Até os anos 70, de acordo com Albrektsson e cols.' (1990), os cortes histológicos eram observados em espécimes dos quais os implantes haviam sido removidos. Isto impedia avaliar a interface sem a possibilidade de atribuir ao artifício da técnica um resultado duvidoso. Somente a partir do início da década de 80, tornou-se viável a avaliação integral da íntima congruência entre a superfície do metal e do osso, e muitas autoridades, que até então hesitavam sobre a possibilidade desse contado direto, ficaram convencidas não se tratar de um artifício.

Nos últimos anos, com a possibilidade de avaliar cortes histológicos que incluem o implante, diversos autores têm observado ancoragem óssea direta em implantes considerados, até então, possuidores de, exclusivamente, tecido conjuntivo fibroso denso perimplantar.

Piero Passi e cols.7 (1989), avaliando dois parafusos convencionais de titânio fraturados em humanos, um utilizado como suporte de sobre-dentadura inferior e o outro como pilar posterior de prótese fixa superior, instaladas 10 e 15 dias após as implantações, observaram osseointegração ao longo das espirais de ambos os parafusos, atribuindo o fato à boa estabilidade imediata oferecida pelos mesmos, bem como, por terem tido a capacidade de suportar as cargas oclusais distribuídas convenientemente pelas largas espirais que os caracterizavam.

Fumitaka Takeshita e cols.9 (1989), implantaram em mandíbula de cão duas lâminas convencionais de titânio bilateralmente, uma dois milímetros abaixo, e a outra no nível da crista

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óssea. Ambas foram mantidas em semi-função (somente eram solicitadas mecanicamente por ocasião da alimentação do animal). Cinco anos após, os estudos histológicos mostraram em diferentes regiões das lâminas, índices de zero a SO % de osso em contato direto com os implantes. Os autores concluem que a quantidade de ancoragem óssea direta possa ser utilizada como parâmetro para a avaliação qualitativa do prognóstico de um implante.

Alfred Feigel e Miro Makek5 (1989), relatam contato direto entre osso e implante no exame histopatológico de uma maxila edêntula reabilitada através de uma prótese fixa de doze elementos suportados por quatro implantes de lâminas convencionais de liga de titânio, instalados pelo primeiro autor, dois anos e sete meses antes da morte da paciente. Segundo os autores, o estudo deste caso prova que a estabilização final do implante laminado ocorre como um resultado da adaptação dinâmica do osso em bases tanto biológicas como funcionais.

Adolfo Embacher Filho4 (1991), trabalhando com um crânio seco, implantado em vida, com treze implantes agulhados de tântalo na maxila e quatorze na mandíbula, sobre os quais se encontravam assentadas duas próteses fixas de doze elementos cada, em resina acrílica, instaladas imediatamente após as implantações e mantidas em função durante três anos, constatou osseointegração na quase totalidade da agulha que submeteu à microscopia eletrônica de varredura, concluindo pela oportunidade de reavaliação das respostas teciduais nos implantes convencionais, particularmente naqueles onde os fatores traumatogênicos estiveram controlados.

Discussão

Toda implantação tem de "per si" o potencial maior de ser mal sucedida. Implantar no osso um material aloplástico que emita para a cavidade oral, um pilar para suporte de uma prótese fixa, e contar com a possibilidade de que faça as vezes do órgão dental durante décadas de função clínica, requer um detalhado conhecimento da fisiologia frente aos traumas térmico, mecânico, químico, elétrico e radioativo. A história da implantologia nos tem mostrado uma viabilização dos implantes cada vez maior com índices de sucessos e longevidade crescentes numa relação direta a compreensão e respeito a biologia.

O primeiro registro de patente de um implante de que se tem notícia, data de 1901, feito por Greenfield. Embora engenhoso, não possuía a menor chance de sucesso, pois somente em 1937, com o trabalho de Venable e cols.10 (1937), entendeu-se o que passou a ser chamado de biocompatibilidade.

A descoberta casual da osseointegração deveu-se primariamente à cirurgia extremamente cuidadosa para a instalação das câmaras de titânio. Os estudos posteriores para observar o fenômeno, estabelecer suas leis e reproduzi-lo experimentalmente (princípios da atividade científica), fizeram ver a importância em se adequar o artificialismo do implante à fisiologia tecidual. Dentre outras precauções, a ênfase dada ao controle dos fatores traumatogênicos chegou a ponto de ser desaconselhada uma tomada radiográfica após uma implantação no intuito de se evitar um prejuízo adicional radioativo ao inevitável trauma cirúrgico.

Um implante será envolvido por tecido conjuntivo fibroso, quando o somatório das agressões imprimida ao osso exceder seu limiar regenerativo e ou remodelador.

Robbins8 (1969) menciona que a proliferação fibroblástica e a formação de cicatriz são as características mais comuns a todo processo de reparação. A maioria das lesões são seguidas por cicatrização, com exceção das muito poucas em que são lesadas somente células estáveis ou lábeis, permanecendo intato o estroma conjuntivo. Neste caso a regeneração perfeita exclui a necessidade da proliferação fibroblástica. Como uma cicatriz conjuntiva é constituída por tecido mais primitivo, mais simples do que os tecidos que ela substitui, a cicatrização implica a perda permanente da função especializada da região comprometida .

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Conforme Branemark' (1987), não é difícil estabelecer uma interface de tecido fibroso ao redor do implante. A arte é como evitá-lo e como manter uma ancoragem óssea direta durante décadas de função clínica.

Conclusão

O maior ou menor controle dos fatores traumatogênicos determinará uma resposta reparadora regenerativa ou cicatricial. Implantologistas da escola convencional, hábeis o suficiente para instalar implantes biocompatíveis com um mínimo de trauma, que os mantenham imediatamente estáveis e que instalem sobre os mesmos, próteses biomecanicamente adequadas, certamente obterão nas suas interfaces maior ou menor quantidade de ancoragem óssea direta, independentemente de suas convicções. A satisfação maior de um implantologista chamado convencional se prende ao fato de observar imobilidade e rigidez absoluta de seus implantes, embora o consenso de Harvard (1979) admita uma mobilidade do mesmo de até 1mm em qualquer direção. Coincidentemente a escola osseointegrada espera observar seus implantes após o período de regeneração óssea absolutamente imóveis e sem imagem perimplantar radiolúcida quando avaliados radiograficamente, uma vez mais, coincidindo com a expectativa da escola oposicionista.

É crença deste autor, que a escola convencional sempre esteve em busca de uma ancoragem direta de seus implantes por osso, embora não se tenha dado conta deste fato.

O momento não é para polêmica. A implantologia desponta como especialidade, há que se ter bom senso para a unificação de sua interpretação biológica. Os fatos estão à mostra.

A natureza, da qual faz parte a biologia, só é dualista na sua interpretação pelo ser humano. Suprema, encerra leis claras e precisas. Compete ao homem observá-las, compreendê-las e respeitá-las. Maneira única de viabilizarmos, sob sua égide, trabalhos restauradores artificiais.

Summary

The aufhor does a hisroric retrospective of the two existant flowings in implantology sets free literature work and concludes though the superiority ofosseointegration, in detriment to osseo-fibrointegration.

Uniterms

Dental Implants - Interface - Fibro-osteal integration - Osseointegration.

Bibliografia

1 - Albrektsson, T. e Sennerby L. - Direct Bone Anchorage of Oral Implants: Clinical and Experimental Considerations of the Concept of Osseointegration. The international Journal of Prosthodontics, vol. 3, n° 1, 1990, pag. 30-41.

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2 - Branemark, P. - Protesis tejido-integradas. La osseointegração en la odontologia clínica. Alemania, Berlin, 1987.

3 - Ceschin, J.R. - O implante na Reaóilitação Bucal. 1 á ed., São Paulo, 1984, pag. 68 e 69. 4 - Embacher Filho, A. - Osseointegração em implante agulhado de Scialon. Entregue para publicação à Revista da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas em fevereiro de 1992.

5- Feilgel, A. e Makek, M. -The significance of Sínus Elevation for Blade Implantology- Report of an Autopsy Case. Journal of Oral Implantology, vol. 15, n° 4, 1989, pag. 237-248.

6 - Miguel, R. C. - Cuidado com os implantes. Odonto Notícias, set/out/nov, ano XI II, n° 47/89. 7-Passi, P.; Wiel, Marin T. V. e Miotti, A. -Histologic investigation on two titanium screw dental implants in humans. Ouintessence International, vol. 20, n° 6, 1989, pag. 429-434.

8 - Robbins, S. L. - Patologia. 3~ ed., Rio de Janeiro, 1969.

9-Takeshita, F.; Akedo, H.; Morimoto K. e Suetsugu T. -A Ouantitative Study on the Interface between Bone Tissue and Blade-vent Implants using the Image Processing System. Journal of Oral Implantology, vol. 15, n" 3, ls8s, pag. 154-15s.

10 - Venable, C. S.; Stuck, G. S. e Beach, A. -The Effects on 8one of the Presence of Metals; Based Upon Eletrolyses. Annais of Surgery, vol. 105, n° 6, 1937, pag. 917-937. TRABALHO PUBLICADO NA REVISTA

IMPLANTARE, ANO I, NÚMERO 1, 1993