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Maria Lucília Barbosa Seixas A Natureza Brasileira nas Fontes Portuguesas do Século XVI Para uma tipologia das grandezas do Brasil passagem editores

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Maria Lucília Barbosa Seixas

A Natureza Brasileira nas Fontes

Portuguesas do Século XVI

Para uma tipologia das grandezas do Brasil

passagem editores

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O ponto de vista que fundamenta a ideia de A Natureza Brasileira nas Fontes Portuguesas do Século XVI – Para uma tipologia das grandezas do Brasil, é o de traçar em três unidades temáticas um quadro das primeiras imagens do Brasil, retratadas pelos nautas, missionários, colonos e viajantes lusos, tentando, assim, caracterizar aquelas que foram vistas pelos autores portugueses de Quinhentos como as maiores grandezas da terra brasileira. Maria Lucília Barbosa Seixas licenciou-se em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Obteve o grau de Mestre em História da Época dos Descobrimentos Portugueses na Faculdade de Letras da Universidade Católica Portuguesa com o presente trabalho. Actualmente lecciona em Torre de Moncorvo na Escola Secundária Dr. Ramiro Salgado.

Edição patrocinada pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo passagem editores

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Título: A Natureza Brasileira nas Fontes Portuguesas do Século XVI. Para uma tipologia das grandezas do Brasil

Autora: Maria Lucília Barbosa Seixas © 2003 passagem editores

Cx. Postal 102 - Esculca - 3500 Viseu - Portugal [email protected]

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor Impressão e acabamento na U.E.

1.ª edição: Março de 2003 ISBN: 972-98770-4-1

Depósito legal: 192229/03

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Prefácio 7

Nota prévia 11

Introdução 13

I - Do Paraíso Terreal ao Paraíso Quinhentista 21

1. “Deus Plantou um Jardim no Éden ao Oriente” 23

2. Em Busca do Paraíso 27

3. O Paraíso no Brasil ou do Maravilhoso e Extraordinário Novo Mundo

31

3.1. Das Regiões e Lugares Naturais 38

3.2. Dos Seres Humanos e Antropomorfos 43

3.3. O Reencontro da Fénix e do Unicórnio 49

3.4. Reminiscências do Tempo em que os Animais Falavam

52

II - Das Grandezas Naturais do Brasil 61

1. Da Novidade e Estranheza desta Terra 64

2. Da Abundância e Variedade do Novo Mundo 72

3. Da Excelência da Mãe-Natureza e da Botica Natural

76

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4. Do Mantimento do Brasil a um Novo Portugal em Terras Brasileiras

89

5. Da Beleza e Exotismo do Novo Mundo 100

5.1. Do Colorido Harmonioso das Paisagens Brasileiras

103

5.2. A Festa das Frutas 108

III - Das Grandezas e Riquezas do Brasil 119

1. Verdadeiras Minas do Brasil: Pau de Tinta e Açúcar

119

1.1. Do Pau-Brasil 127

1.2. Do Ouro Branco 139

2. De outras Riquezas Complementares do Novo Mundo

151

2.1. De Erva-Santa ao Lucrativo Tabaco 152

2.2. Do Algodão 158

2.3. Da Criação de Gado nas Terras do Novo Mundo

164

3. Na Esperança de Encontrar Ouro e Pedras Preciosas

168

Conclusão 175

Bibliografia 183

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Prefácio Um dos grandes temas da Literatura Portuguesa de Viagens na Época dos Descobrimentos é, sem dúvida, a descoberta da natureza. E no caso da descrição da Terra de Vera Cruz, esta irá tornar-se o tema por excelência. Se ao aflorarem terras ignotas, os nautas portugueses prenderam o olhar na frondosa e colorida natureza, sentindo-se protegidos pelos ares temperados que assim faziam desta "pousada" um agradável e acolhedor jardim apto a amenizar os ventos agrestes e imprevistos do Atlântico, o assíduo e regular contacto confirmar-lhes-ia as prodigiosas qualidades desta terra. Este será, concludentemente, um dos motivos incondicionais para o nascimento de uma escrita consagrada à realidade física do Brasil.

Ao descobrir a terra, os portugueses não deixaram certamente de descobrir as suas gentes, mormente o índio brasileiro, também este motivo de grande espanto e curiosidade. Na verdade, também a ele serão consagradas muitas e longas páginas nos escritos dedicados a esta parte do mundo. Mas o grande e indelével contributo da terra brasileira para uma nova cosmovisão do orbe terráqueo será o da sua natureza que, prodigiosa e capaz de oferecer contínua e generosamente novidades e maravilhas, não deixará de solicitar hinos de louvor e engrandecimento. Este será, séculos após séculos, o símbolo da sua singularidade. Tal como afirma Sérgio Buarque de Holanda, na sua Visão do Paraíso, a terra-mãe brasileira irá ser a impulsionadora de uma "procissão dos milagres" até à actualidade.

Já nos primeiros escritos, relatos de viagens, monografias histórico-geográficas, tratados, cartas, entre outros, os seus

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autores falam-nos do deslumbramento ocasionado por uma outra realidade física, tão surpreendente e prolífera. O espanto e a admiração traduzem-se no cotejo que os autores desde logo estabelecem com o paraíso, enunciado que lhes permite compreender e classificar a prosa deste mundo. Daí que inicialmente a descritiva denote a busca dos diferentes sinais que assemelhem este espaço geográfico ao tão demandado éden.

De obra em obra, de autor em autor, os atributos naturais e as potenciais qualidades de uma natureza fértil determinam o olhar dos portugueses. Este novo lar, já um "outro Portugal", permitiu aos que nele aportaram serem os obreiros de uma outra realidade, em tudo semelhante à da sua terra natal, mas também, invulgarmente, em tudo superior. Mostrando-se harmoniosa e acolhedora, a natureza brasileira abrigou o trabalho dos novos criadores.

Estas características irão depois espraiar-se por outros textos, mormente literários. Não será assim pura coincidência que a fertilidade e a beleza da terra de Vera Cruz se tornem o leitmotiv da literatura brasileira, como já vários estudos o testemunharam.

Demonstrar como a natureza brasileira se assumiu como um atributo particular e singular da imagem do Brasil nas fontes portuguesas do século XVI foi o desafio proposto a Maria Lucília Barbosa Seixas no ano lectivo de 1998-1999, quando frequentou o mestrado da História da Época dos Descobrimentos, realizado na Faculdade de Letras da Universi-dade Católica Portuguesa, em Viseu.

Partindo das ideias e perspectivas dos homens de Quinhentos, a autora demonstrou como a ideia do paraíso determinou substancialmente a primeira visão dos autores que assim consideravam ter aflorado a um jardim das delícias em terras brasileiras, enquanto o contacto mais prolongado lhes inspirará admiração e encantamento pela novidade, a estranheza, a abundância, a excelência, a beleza e o exotismo desta prodi-giosa natureza.

Em A Natureza Brasileira nas Fontes Portuguesas do Século XVI. Para uma Tipologia das Grandezas do Brasil, procedeu assim a uma

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análise atenta e profunda de cada um dos textos redigidos entre 1500 e 1618, data da obra de Ambrósio Fernandes Brandão intitulada Diálogos das Grandezas do Brasil, que constituiu o limite cronológico do presente trabalho, uma vez que esta obra - cuja titulação esteve na origem do título do presente estudo -, testemunha a consagração de uma ideia e imagem forjada nas obras precedentes: a de uma natureza promissora que não cessa de maravilhar. E não se esgotando em surpresas, a terra brasileira vai dar lugar a novos eldorados, acolhendo no seu seio experiências inovadoras: o açúcar, o tabaco, o algodão ou outros géneros agrícolas.

No cuidado e afã que deu à sua investigação, a Mestre em História, Maria Lucília Seixas, soube bem tecer o fio da meada que se propôs desfiar.

Para a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, que em boa hora decidiu apoiar a publicação desta obra, a palavra é de agradecimento e felicitação. A divulgação de trabalhos científi-cos constitui um dos pilares de desenvolvimento cultural.

Pela nossa parte, mais não podemos que dirigir um convite amigo à leitura da obra. Estamos em crer que encontrará leitores não só entre estudiosos da História da Expansão Portuguesa ou do Brasil, mas também entre interessados pela história e cultura lusófonas.

Marília dos Santos Lopes

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Nota prévia A Natureza Brasileira nas Fontes Portuguesas do Século XVI constitui o tema da minha tese de Mestrado realizada no período de 1999/2001, sob a orientação da Professora Doutora Marília dos Santos Lopes, na Faculdade de Letras da Universidade Católica Portuguesa em Viseu.

A elaboração desta investigação revelou-se um desafio deveras aliciante e enriquecedor, até pelo fascínio que desde logo em mim exerceram os extraordinários relatos que os nossos autores redigiram acerca das surpreendentes novidades com que se depararam neste “Novo Mundo”.

Este projecto contou com o apoio da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo. Uma palavra de sincero agradecimento ao seu Presidente, Engenheiro Aires Ferreira, pelo interesso manifestado quanto à publicação deste trabalho.

À Professora Doutora Marília dos Santos Lopes gostaria de exprimir o meu reconhecimento pelo incentivo dado à elaboração e publicação do trabalho. Revelou-se sempre uma interlocutora instigante, indicando bibliografia, fazendo sugestões, solidarizando-se com o meu projecto, ao acrescentar constantemente algo de novo com as suas preciosas observações. É igualmente, para mim, um privilégio que, amavelmente, tenha acedido escrever a apresentação deste livro.

Aos meus pais Maria do Rosário e José Seixas, dedico este livro com a profunda tristeza de saber que o meu pai não poderá já ler estas páginas.

Torre de Moncorvo, Dezembro de 2002

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Introdução

A carta de Pêro Vaz de Caminha, que dava conta ao rei D.

Manuel do achamento de uma nova terra, à qual deram o nome de Vera Cruz, transmite-nos a primeira imagem de um território prodigiosamente belo e com inúmeras promessas de riquezas. A partir daí, surgem ao longo de todo o século XVI numerosos autores a redigirem esplendorosas e minuciosas descrições acerca das extraordinárias novidades com que se depararam nas terras portuguesas do Novo Mundo.

Os navegadores, missionários, colonos e viajantes lusos foram, com certeza, os mais importantes retratistas de um Brasil que se lhes manifestou desde o início como uma terra verdadeiramente paradisíaca, pois as realidades do Novo Mundo revelavam-se, a cada momento, completamente preenchidas de todos os símbolos paradisíacos, símbolos esses que eles tão bem conheciam dos inúmeros relatos medievais que descreviam o Jardim das Delícias, constituindo por isso, aos seus olhos, um verdadeiro acervo de prodígios e maravilhas.

Este maravilhoso território estava igualmente repleto de deslumbrantes riquezas naturais, com uma variedade e abundância inauditas que o mostraram desde o início completamente auto-suficiente. Para além do mais, a sua assombrosa fertilidade revelou-o, com o decorrer dos anos, como extraordinariamente propício à exploração e desenvolvimento de cada vez mais «novas fortunas».

É assim que o entusiástico desejo de dar a conhecer as espantosas e exóticas grandezas da Terra de Vera Cruz levou os cronistas portugueses de Quinhentos a redigirem fascinantes e

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pormenorizados textos acerca desta nova e estupenda natureza com que se depararam. É, pois, na análise destes textos que entronca o principal fundamento deste estudo.

Este trabalho visa, fundamentalmente, traçar uma tipologia das principais grandezas entrevistas no Brasil pelos autores de Quinhentos. Grandezas incomparavelmente maiores, e completamente diversas das imaginadas e observadas no Oriente. Enquanto na Índia se procuraram e encontraram as sumptuosidades das sedas e dos veludos, no Brasil os portugueses depararam-se com uma paisagem verdadeiramente edénica, repleta de símbolos conhecidos, porque característicos da Idade de Ouro, a par das «novas fortunas», todas elas obtidas do aproveitamento e exploração de uma natureza extraordinariamente formosa e ubérrima. Este não era, portanto, o Novo, nem o Outro, mas sim o Mundo Previsto, desde sempre ambicionado e incessantemente procurado.

Na nossa análise socorremo-nos de uma metodologia de comparação entre alguns documentos escritos no século XVI por cronistas portugueses de diversas condições e formações. Elaborámos para esse fim grelhas comparativas das temáticas mais representativas, relativas ao tratamento dado à natureza brasílica nas diferentes obras que constituíram o objecto da nossa análise.

Na Carta ao rei D. Manuel, de Pêro Vaz de Caminha, o autor dá desde logo a imagem de uma terra paradisíaca e, por esse motivo, também extraordinariamente rica.

Nas Cartas Jesuíticas I – Cartas do Brasil, do padre Manuel da Nóbrega, o missionário, apesar de dedicar a maior parte da sua atenção à missionação dos índios brasileiros, alude também à extraordinária riqueza e fertilidade do território.

Nas Cartas Jesuíticas III, CARTAS, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do padre José de Anchieta, o inaciano

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transmite a imagem de um território extremamente formoso e aprazível, ao dizer que: «Todo o Brasil é um jardim».1

Na História da Província de Santa Cruz, de Pêro de Magalhães de Gândavo, o autor insiste na fertilidade e riqueza do território brasílico. Esta obra constitui, na opinião de Luís de Matos, um verdadeiro: «hino de louvor ao Brasil».2

Tratados da Terra e Gente do Brasil, do padre Fernão Cardim. A sua prolongada e profunda experiência da realidade brasileira levou este missionário a redigir uma vasta obra geográfica e etnológica, onde se mostra deslumbrado e entusiasmado com a rica e prodigiosa natureza da imensa colónia portuguesa da América.

Notícia do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa. No Brasil, ao mesmo tempo que desenvolvia a sua actividade de senhor de engenho, ia, como observador atento que era, anotando com minúcia o que se passava à sua volta nesse novo país, de que resultou a Notícia do Brasil.

Coisas Notáveis do Brasil, do padre Francisco Soares. O texto deste inaciano está dividido em duas partes. Uma histórica, onde faz um esboço da história administrativa e religiosa do Brasil, bem como uma descrição dos mais importantes centros urbanos brasileiros, aludindo também às guerras entre colonos e índios. A outra é uma riquíssima descrição da natureza brasílica, sobre flora e fauna exóticas e sobre geografia física do Brasil. O relato do padre Francisco Soares é o resultado de alguns anos de residência no Novo Mundo e de uma constante itinerância por todo o território brasileiro.

Alargámos a nossa análise a uma outra obra, esta dos inícios do século XVII, Diálogos das Grandezas do Brasil, escrita ao que se sabe por Ambrósio Fernandes Brandão. A escolha desta obra 1 Cartas Jesuíticas III, Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do padre Joseph de Anchieta, S. J. (1554 – 1594), Civilização Brasileira S. A., Rio de Janeiro, 1933, pp. 438-439. 2 Cf. Luís de Matos, Pêro de Magalhães de Gândavo e o Tratado da Província do Brasil, in: Boletim Internacional de Bibliografia Luso Brasileira, Vol. III, Lisboa, 1962, p. 633.

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um pouco mais tardia teve como objectivo fundamental a finalização da nossa reflexão e análise relativa aos inícios da caracterização da natureza brasílica, pois reflecte todo o primeiro período de descrição e caracterização das maravilhas, riquezas e grandezas da colónia portuguesa do Novo Mundo. E igualmente, porque esta obra evidencia claramente o manifesto espírito ufanista transmitido por todos os nossos autores, que se foi desenvolvendo e enraizando ao longo dos tempos, nas terras brasílicas. De tal modo que as características que os nossos cronistas modelaram sobre a natureza brasileira virão a perdurar nas representações e concepções posteriores do Brasil, nomeadamente na literatura brasileira. Maria Aparecida Ribeiro fornece-nos alguns exemplos de como o espírito ufanista dos primeiros cronistas do Brasil se manteve nos escritores brasileiros das diferentes épocas até aos nossos dias, aludindo aos escritores Frei António do Rosário, Manuel Botelho de Oliveira, Frei Manuel de Santa Maria de Itaparica, Nuno Marques Pereira, Gonçalves Dias e Chico Buarque. Os três primeiros fazem a apologia da abundância dos excelentes frutos brasileiros, enquanto os três últimos exaltam nos seus textos o maravilhoso canto das aves brasílicas.3

O recurso aos textos coevos tem como finalidade a contextualização da mensagem. Relato a relato, intentámos descodificar o contributo destes tradutores das maravilhosas realidades da natureza brasileira. Assim, esta pesquisa baseia-se fundamentalmente nas fontes já anteriormente referenciadas.

Importa frisar que com o vivo intuito de realizar um trabalho específico, com vista a traçar uma tipologia das primeiras grandezas do Brasil entrevistas pelos primeiros cronistas portugueses, não descurámos a consulta e análise de uma imensa bibliografia complementar. É este o caso de Sérgio Buarque de Holanda, na sua obra Visão do Paraíso, e também o de Jean

3 Cf. Maria Aparecida Ribeiro, Tupis, surucucus, Maracujás, Contribuições Brasileiras para o Barroco, in: Revista de Estudos Barrocos, Claro/Escuro, n.º 6-7, Quimera, Lisboa, Maio/Novembro 1991, pp. 110-111.

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Delumeau em Uma História do Paraíso – O Jardim das Delícias, obras que analisámos detidamente. Apesar de estes autores terem tratado unicamente a visão paradisíaca, não deixaram de nos fornecer um contributo importante para a nossa análise. Para a elaboração da segunda parte do nosso trabalho, deparámo-nos com algumas dificuldades, dado o número exíguo de obras que tratem este tema de forma específica e pormenorizada. Socorremo-nos, no entanto, de algumas obras, que igualmente nos forneceram um contributo precioso. É o caso de Marília dos Santos Lopes, em Coisas maravilhosas e até agora nunca vistas – Para uma iconografia dos Descobrimentos, Mariana Bethencourt, A Fauna Brasileira, e Alfredo Margarido em As Plantas inesperadas da América. No entanto, privilegiámos fundamentalmente a análise exaustiva das fontes do nosso estudo. Finalmente, e no que diz respeito ao último tema do nosso trabalho, consultámos a bibliografia de renomados historiadores como João Lúcio de Azevedo, Frédéric Mauro e Vitorino Magalhães Godinho.

O ponto de vista que fundamenta a ideia de A Natureza Brasileira nas Fontes Portuguesas do Século XVI – Para uma tipologia das grandezas do Brasil, é o de traçar em três unidades temáticas um quadro das primeiras imagens do Brasil, retratadas pelos nautas, missionários, colonos e viajantes lusos, tentando, assim, caracterizar aquelas que foram vistas pelos autores portugueses de Quinhentos como as maiores grandezas da Terra Brasileira. Para esse fim, dividimos o presente trabalho em três unidades temáticas.

Na primeira unidade, Do Paraíso Terreal ao Paraíso Quinhentista, acompanhamos a evolução da crença do homem ocidental acerca da existência e localização de um Paraíso Terrestre. Visamos essencialmente demonstrar que os nautas, missionários, colonos e viajantes lusos, fizeram no Brasil o reconhecimento de uma paisagem já conhecida através das inúmeras descrições medievais, que tratavam dos cenários do sonhado Jardim das Delícias. Ao reencontrarem notas edénicas, julgaram mesmo ver concretizado no Brasil o mito da Idade de Ouro: serão estas as

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primeiras riquezas entrevistas nesta nova Terra. Foi esta a primeira imagem do Brasil.

A segunda unidade, intitulada Das Grandezas Naturais do Brasil, tem por fim anotar e descrever as principais características de uma natureza extraordinariamente dadivosa, constatando a existência no Brasil de uma natureza abundante, generosa e belíssima, recriando-se assim a imagem de uma terra verdadeiramente paradisíaca, que proporcionava sem trabalho a subsistência e alegria daqueles que a habitavam. A esta unidade dedicámos um espaço mais vasto de análise, precisamente porque os cronistas em estudo dedicaram também a este assunto mais atenção. Teremos novamente a oportunidade de constatar o facto de os portugueses transmitirem nos primeiros relatos sobre a terra brasileira a imagem de um território com imensas potencialidades, que embora baseada nas visões verdadeiramente paradisíacas, ultrapassam mesmo as expectativas dos seus visitantes. É assim que ao longo das suas obras procuram fornecer-nos provas inequívocas de que estão realmente convencidos de que se não aportaram no Jardim do Éden, estarão, pelo menos, muito próximos dele. Estas grandezas são as que, tal como no Jardim das Delícias, proporcionam a subsistência dos humanos, sem que para isso seja necessário trabalhar. Para além disso, os seus ares são de tal modo salutares, que permitem aos seus habitantes uma longevidade comparável à dos patriarcas bíblicos. Numa leitura cuidada dos textos, detectámos alguns conceitos explicativos e representativos da natureza agora descrita. Em cada um dos subcapítulos de Grandezas Naturais intentamos caracterizá-los e apresentá-los: a novidade e estranheza, a abundância e variedade, a excelência, o mantimento e a beleza e exotismo, sugerindo um perfeito crescendo tal como se pode encontrar na escrita descritiva dos nossos autores.

A terceira unidade, à qual demos o título Das Grandezas e Riquezas do Brasil, procura precisamente identificar as «novas fortunas», analisando o papel que os produtos que se revelaram economicamente mais rentáveis desempenharam na economia

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do reino, tanto na época em análise, como em épocas posteriores. Embora sendo também grandezas naturais, estes produtos proporcionaram maiores rendimentos económicos do que as riquezas analisadas na segunda unidade. Estas grandezas e riquezas eram não só aquelas que os europeus encontraram como naturais do Brasil, mas igualmente as que para lá transplantadas produziam mais do que nos seus locais de origem.

Assim, tal como entusiasmados coleccionadores, também os cronistas portugueses de Quinhentos reuniram e compilaram valiosos dados sobre as novas realidades, que constituíram verdadeiramente as reais riquezas e grandezas do Brasil. Estas riquezas revelaram-se, como a seguir constataremos, realmente incomensuráveis.

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I. Do Paraíso Terreal ao Paraíso Quinhentista

O novo conhecimento do mundo que resultou das grandes descobertas fez com que se abandonassem as localizações mais fantasistas da Idade Média, que colocavam o Paraíso nas proximidades da lua ou para além do Oceano Circular.

Mas a hipótese equatorial, já proposta na Idade Média, nomeadamente por São Tomás de Aquino, ganhou novamente consistência nesta época, tendo surgido entre alguns ilustres do século XVI a tese de que o Paraíso Terreal se localizava no Novo Mundo, e mais precisamente no Brasil, pelas suas imensas grandezas e maravilhas verdadeiramente prodigiosas. Já numa carta apócrifa, supostamente escrita pelo Preste João e que circulou na Europa desde 1165, reluziam miragens de riquezas sem fim e uma fauna e flora extraordinariamente diversificadas.4 Ora, os portugueses que tinham procurado o Império do Preste João já em África, ou seja, abaixo da linha equatorial, como o demonstra a sua localização no mapa de Cantino (1502), vão julgar, ao depararem com o acervo de prodígios e maravilhas que constituíam as realidades do Novo Mundo, que tinham aportado senão no Paraíso, pelo menos muito próximo dele.

Os navegantes, evangelizadores, colonos e aventureiros portugueses julgaram ver concretizado no Brasil o mito da Idade de Ouro. Era o regresso à primeira Idade da Humanidade, a um

4 Cf. Vitorino Magalhães Godinho, in: Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar – Séculos XIII-XVII, Difel, Difusão Editorial, Lda, Lisboa, 1990, p. 155.

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22 A NATUREZA BRASILEIRA

mundo onde não existia propriedade nem autoridade, e onde também se usufruía da abundância. A nudez dos Índios fez com que os navegadores, missionários e colonos portugueses remontassem à Idade do Ouro, ao pretenderem transportar para o futuro a idade edénica. Este era um Mundo do fantástico, onde nem sequer faltavam a Fénix, os Unicórnios e as Amazonas. E as celebradas montanhas resplandecentes, tão amplamente descritas pelos nossos cronistas como realidade do maravilhoso território brasílico que os nautas tinham recentemente descoberto no ocidente do globo terrestre, constituíam igualmente testemunho seguro de que, se não fosse este o verdadeiro Paraíso Terreal, a sua localização não estaria muito longe. Embora situado a ocidente, este local mantinha intactos todos os indícios das descrições medievais do Paraíso. Uma das criações do Ocidente medieval no âmbito do maravilhoso foi precisamente a do país de Cocanha, que surgiu no século XIII. Era um mundo ao contrário. É a ideia do Paraíso Terrestre e da Idade de Ouro, era como que um regresso às origens.5

Eram agora encontradas, nos autores portugueses de Quinhentos, descrições como a famosa Viagem de São Brandão em que o autor nos fala das paisagens viridentes, com bosques frondosos, árvores belíssimas, carregadas de saborosos e odoríferos frutos, prados férteis, eternamente verdes, cortados de copiosas águas, possuindo uma extrema abundância e culminando finalmente com uma belíssima montanha resplandecente e repleta de pedras preciosas. Veja-se como o «Jardim das Delícias é descrito na famosa Viagem de São Brandão: «O donzel vai à frente, em cuja companhia entram no Paraíso.

Vêem aquela terra cheia de formosos bosques e rios. Os prados são verdadeiros jardins, floridos com formosura perene – como em moradas santas, as flores exalam doces odores – com árvores esplêndidas, preciosas flores e frutas de deliciosos perfumes. Nem cardos, nem silvas, nem ortigas podem 5 Cf. Jacques Le Goff, O Imaginário Medieval, Editorial Estampa, 1994, p. 52.

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MARIA LUCÍLIA BARBOSA SEIXAS 23

prosperar. Entre árvores e plantas não há nada que não difunda doçura.

Árvores e flores crescem e dão os seus frutos todos os dias sem que as estações se atrasem; ali, cada dia, reina um verão suave, cada dia, florescem as árvores e se carregam de fruta, cada dia, os bosques estão cheios de veados, e todos os rios de peixe saboroso. Correm rios de leite, e tudo derrama abundância. [...]. Como se fosse um imenso tesouro, levanta-se uma montanha, toda ela esbanjando ouro e pedras preciosas. Ali o sol brilha com esplendor eterno [...].»6

Estavam reunidas nas terras brasílicas todas as virtudes que completavam o panorama edénico. Condensavam-se no território brasileiro todas as características próprias das visões paradisíacas. O Brasil mantinha todas as misteriosas e inegáveis possibilidades, como se estivesse verdadeiramente restituído à glória dos dias da criação.

1. “Deus Plantou um Jardim no Éden ao Oriente”

O Paraíso foi durante muito tempo o Paraíso Terrestre. Durante séculos, judeus e depois os cristãos, com poucas excepções, não puseram em dúvida o carácter histórico da narrativa do Génesis (2, 8-17) relativo ao jardim maravilhoso que Deus tinha feito surgir no Éden: «Depois, o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, ao Oriente, e nele colocou o homem que havia formado. O Senhor Deus fez desabrochar da terra toda a espécie de árvores agradáveis à vista e de saborosos frutos para comer; a árvore da vida, ao meio do jardim; e a árvore da ciência do bem e do mal.

Um rio nascia no Éden e ia regar o jardim, dividindo-se, a seguir, em quatro braços. O nome do primeiro é Pison, rio que

6 Viagens de São Brandão, in: Do Imaginário do Atlântico ao Atlântico Imaginado, Volume I da «Colecção O Atlântico: A Memória de um Oceano», Banco Português do Atlântico, Venda Nova – Amadora, 1993, p. 76.

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24 A NATUREZA BRASILEIRA

rodeia toda a região de Évilat, onde se encontra oiro, oiro puro, sem misturas e também se encontra lá bdélio e ónix. O nome do segundo rio é Gheon, o qual rodeia toda a terra de Cus. O nome do terceiro é Tigre, e corre ao oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates.

O Senhor levou o homem e colocou-o no jardim do Éden para o cultivar e, também, para o guardar.»7

Desde a época da antiga aliança, a evocação paradisíaca proposta pelo Génesis foi confirmada e enriquecida por muitos e diversos textos. A imaginação poética elaborará sem limites sobre estes temas. Idade de Ouro inicial, natureza clemente, água generosa, doce luz, primavera perpétua, suaves perfumes, música celestial serão habitualmente associados à noção de recinto paradisíaco, será frequentemente situado numa alta montanha ou num algures longínquo. Estabeleceram-se até paralelos e ligações entre o jardim sagrado da Bíblia e os das outras religiões e civilizações do Oriente de outros tempos.

Até muito tarde, numerosas civilizações acreditaram num Paraíso inicial onde haviam reinado a perfeição, a liberdade, a paz, a felicidade, a abundância, a ausência de coacção, de tensões e de conflitos. Ali, os homens entendiam-se e viviam em harmonia com os animais, e comunicavam sem esforço com o mundo divino. Daí resultou uma profunda nostalgia na consciência colectiva – a do Paraíso perdido mas não esquecido – e o poderoso desejo de o encontrar.

Nas mentalidades de outrora, um elo quase estrutural unia felicidade e jardim: é visível, neste domínio, a influência das tradições greco-romanas com as quais se fundiram, pelo menos parcialmente, a partir da era cristã, as evocações bíblicas do pomar do Éden.

7 Bíblia Sagrada, Nova Edição Papal, Traduzida das Línguas Originais com uso Crítico de Todas as Fontes Antigas pelos Missionários Capuchinhos, Lisboa, C. D. Stampley Enterprises, Inc. Charlotte, North Carolina, U. S. A., 1974.

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Os primeiros escritores cristãos puseram de lado os mitos da Idade do Ouro e das Ilhas Afortunadas. No entanto, a partir do século II, esses mesmos mitos foram progressivamente cristianizados, defendendo até que o que os poetas da cultura pagã escreveram sobre os Campos Elísios advém realmente do Paraíso Terrestre do Génesis.8

No século VI, um numeroso grupo de poetas latinos e cristãos evoca o Paraíso Terrestre associando com êxito os dados do Génesis e a tradição greco-romana.

Todos os escritos medievais reactualizaram de geração em geração o anseio do paraíso perdido, misturando de maneira indissociável Bíblia e cultura pagã.

Por muito tempo, manteve-se a crença de que o Jardim do Éden não tinha desaparecido da terra, mas se tornara, contudo, inacessível. A esta crença acrescia uma outra que incitou às grandes descobertas: se o Paraíso Terrestre se achava a partir daí inacessível, perduravam, mais ou menos próximas dele ou algures ao longe, regiões ditosas e maravilhosas que podiam ser alcançadas por homens audaciosos e que lhes trariam riquezas fabulosas.9

No século XII, numerosos autores partilham e exprimem a convicção de que o Paraíso Terrestre subsiste no Oriente. Foi poupado pelo Dilúvio embelezado pela lonjura e preservado pelo isolamento. Contudo, passou a estar fora do alcance por causa da sua altitude e devido às terras e mares que se interpõem entre ele e nós.

Não é de espantar que os viajantes medievais tenham localizado frequentemente o Paraíso Terreal numa ou em várias ilhas. Esta tradição foi herdada da Antiguidade Clássica, com base na crença de que para lá do mar desconhecido, existiam ilhas com uma fecundidade maravilhosa e de clima paradisíaco. Colocavam-nas geralmente no Oriente onde situavam o Paraíso

8 Cf. Jean Delumeau, Uma História do Paraíso – O Jardim das Delícias, Terramar-Editores, Lisboa, 1994, p. 18. 9 Cf. Vitorino Magalhães Godinho, op. cit., p. 78.

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26 A NATUREZA BRASILEIRA

Terreal.10 Assim, na Vida de Merlim, a ilha Taprobana é descrita do seguinte modo: «A ilha de Taprobana verdeja amavelmente com fecundo solo, pois duas colheitas produz num ano, num ano tem dois verões e duas primaveras, duas vezes uvas e outros frutos e é agradabilíssima pelas suas brilhantes gemas.»11

As cartas e planisférios dos séculos XIV e XV não deram acolhimento apenas aos mitos geográficos e zoológicos transmitidos pelos textos de Mela, de Solino e outros escritores antigos, ou vindos oralmente por tradições com várias origens; outras lendas, nascidas ao longo da Idade Média, concretizaram-se também nestas representações e legendas. Este é o caso, por exemplo, da forma do Paraíso Terrestre. Nota-se também a mesma origem relativamente a certas ilhas lendárias que os cartógrafos delineavam pelo Atlântico de modo incerto.

Entre os lugares encantados do imaginário medieval, as Ilhas Afortunadas, a de São Brandão e a do Brasil, foram as que maior atenção e interesse despertaram nos marinheiros dos dois séculos que antecederam o Renascimento, até mesmo depois de ter começado a época dos Descobrimentos Portugueses no Atlântico.12

10 Cf. José Mattoso, Antecedentes Medievais da Expansão Portuguesa, in: História da Expansão Portuguesa, Volume I, Temas e Debates, Espanha, 1998, p. 23. 11 Vida de Merlim, in: Do Imaginário do Atlântico ao Atlântico Imaginado, As Fontes de uma Memória, Volume I da Colecção «O Atlântico: A Memória de um Oceano», José Adriano F. de Carvalho e Luís Adão da Fonseca, Banco Português do Atlântico, Porto, 1993, p. 56. 12 Cf. Luís de Albuquerque, Introdução à História dos Descobrimentos Portugueses, Publicações Europa-América-Biblioteca Universitária, s.d., p. 152.

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2. Em Busca do Paraíso Segundo antigas descrições, as Ilhas Afortunadas ligadas a

uma tradição poética greco-romana, baseada nos textos de Homero, Hesíodo e Plutarco, que situava, além do gigantesco Atlas, algumas ilhas de jardins maravilhosos e clima sempre ameno, com brisas odoríferas e onde os homens não precisavam de trabalhar, estavam perdidas entre as águas do Oceano, quase inacessíveis aos simples mortais. Ora, isso mesmo seria dizer do Éden que, fechado desde o pecado original, e perenemente vigiadas as suas portas, só poderia ser posto num local muito secreto e apartado de todo e qualquer contacto com os homens.

Na época cristã, Santo Isidoro de Sevilha13 deu um novo ímpeto a esta crença, dando-lhe um lugar na sua geografia que influenciou de maneira duradoura a cultura do Ocidente.

A tal respeito são unânimes os juízos mais abalizados. Todos afiançam que, situado no Oriente, talvez na Índia – é essa a versão mais usual sobre o seu sítio exacto – acha-se afastado do resto do mundo por um imenso espaço de terra e mar. Dessa opinião é o próprio Santo Agostinho e São Beda. Sérgio Buarque de Holanda dá ainda o exemplo de Edoardo Coli que cita e exibe alguns mapas no seu estudo sobre o Paraíso Terrestre de Dante, em que este assume claramente uma forma insular: ilha solitária no centro de um enorme oceano.14

Territórios isolados, as ilhas mantinham-se longe e, como toda a memória que se fecha, a ideia corrente era de que estariam perdidas, pelo que para reencontrar o início, havia que as descobrir, ou re-descobrir.

Há, no entanto, outros que, dado o mar não constituir barreira impermeável para os humanos, exageram a insularidade 13 Santo Isidoro de Sevilha, foi Bispo de Sevilha (570-636). Trabalhou na conversão dos Visigodos. Os elementos geográficos encontram-se nas suas Etimologias ou Origens, em 20 livros. 14 Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso, Editora Brasiliense, São Paulo, 1994, p. 160. No presente trabalho utiliza-se esta edição, que nas notas subsequentes é identificada apenas com a menção Visão do Paraíso.

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28 A NATUREZA BRASILEIRA

do Paraíso. No itinerário atribuído a John de Mandeville, aparece-nos o Paraíso Terreal, situado na mais alta montanha da Terra, tão alta que tocava a Lua; confessando que não o visitou, por não ser homem bastante digno para merecer tal honra, adianta que descreve o que lá foi observado por outros homens com virtudes bastantes para gozarem essa felicidade que lhe foi negada. Assim, afirma que: «Do Paraíso por certo não conseguiria falar, pois não estive lá, do que não estou contente por não ser digno. Mas o que ouvi dizer aos mais sábios daquela terra, eu o direi. O Paraíso terreal dizem que é a mais alta terra do mundo e é tão alto que quase toca no círculo da lua, isto é, o círculo por onde faz a lua o seu curso. Não pôde chegar lá o dilúvio e, assim, não cobriu a terra do Paraíso terreal.»15

A crença de que se encontraria num sítio íngreme era favorecida por razões poderosas, a começar pela própria eminência espiritual da sua condição, que não encontraria melhor meio de se materializar. Outro motivo seriam os seus ares puros e amenos, como naturalmente o são os que se respiram em lugar elevado. Finalmente havia ainda a ideia de que o horto dos inocentes, não podia ficar num sítio baixo, exposto às águas do dilúvio universal, que se destinara a castigar a malícia dos homens.

Por estes motivos, teve uma grande aceitação a ideia de que o impedimento mais compatível com o carácter do Paraíso se apresentaria melhor sob o aspecto de uma elevadíssima e invencível montanha. Esta seria de tal modo alta que muitos a elevavam até ao círculo por onde a Lua faz o seu trajecto. São Tomás de Aquino pensava, no entanto, esta localização só em sentido figurado, enquanto outros a recusaram por a considerarem cientificamente inviável.16

15 Livro das Maravilhas do Mundo de João de Mandeville,- A Memória da Viagem Imaginária – in: Do Imaginário do Atlântico ao Atlântico Imaginado, Banco Português do Atlântico, Porto, 1993, op. cit., p. 93. 16 Cf. Visão do Paraíso, p. 160.

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É possível que, com a divulgação de que gozou, Mandeville também tivesse chegado a Portugal. Duarte Leite defende que o Infante D. Henrique nunca o teria lido, devido talvez ao facto de não aparecer citado nem pelo nome do autor, nem pelo título mais vulgarizado, em qualquer das livrarias portuguesas do século XV de que se possuem os inventários. No entanto, aparece na livraria de D. Duarte um livro não identificado, com o título Conquista d’oultre mer, nome que muito provavelmente terá sido tirado das palavras com que termina a versão francesa. Poderia dar-se o caso de aquele volume, embora com o título modificado na tradução, conter o texto de Mandeville. É muito possível que uma parte do Livro das Maravilhas do Mundo de Mandeville tivesse circulado em Portugal de forma indirecta ou oral. No entanto, a influência que este texto pode ter trazido aos descobrimentos portugueses, dado o seu género e os países de que trata, foi com certeza muito pouca, ou mesmo nenhuma.17

Surge também nesta época a ideia alvitrada por São Tomás de Aquino de que o Paraíso sonhado poderia encontrar-se no interior da própria zona tórrida, e exactamente debaixo da equinocial.

O quase nada que daqueles lugares se sabia dava asas, naturalmente, às mais variadas e surpreendentes conjecturas. Não foi por isso necessário esperar pelas grandes navegações que organizará o génio do glorioso Infante D. Henrique, para que certas especulações autorizadas, na falta de uma experiência ainda difícil ou inexequível, concluíssem, ao arrepio da corrente, que tais lugares, apesar de tão infamados, eram perfeitamente compatíveis com a vida humana. Não apenas compatíveis: eram salutares, também, e ameníssimos, mais do que as partes do globo já conhecidas. Podia-se aliás, para essa, como para quaisquer outras opiniões, por surpreendentes que parecessem, invocar o apoio ilustre e sempre bem-vindo de autores da Antiguidade.

17 Cf. Luís de Albuquerque, op. cit., p. 138.

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30 A NATUREZA BRASILEIRA

Nas livrarias medievais, encontramos frequentemente representados os autores clássicos com obras de geografia ou contendo capítulos que descrevem o Mundo ou algumas das suas regiões. Plínio e Estrabão entram nesta lista; ao seu lado Paulo Orósio,18 Macróbio e os escritores dos primeiros séculos da Idade Média, mas, acima de todos, pela importância da influência exercida, Caio Júlio Solino e Pompónio Mela.19

Invocava-se Eratóstenes, principalmente. E ainda Políbio que, cento e cinquenta anos antes da nossa era, participara de uma viagem de descobrimento entre as águas que bordejam o noroeste do continente africano, em que foi ultrapassado o monte Atlas e alcançada a região das cerradas florestas e dos crocodilos.20

Nas suas Etimologias, Santo Isidoro de Sevilha, descreve o Paraíso como um Jardim de Delícias, abundante em árvores e frutos de todas as espécies, com uma eterna primavera, pois ali não se conhece nem frio nem calor, mas uma constante temperança do ar.

Assim, a mesma paisagem amena e viridente, a mesma eterna primavera que já tinham empolgado os primeiros autores medievais, será o que os descobridores renascentistas irão buscar nas terras incógnitas do outro lado do Oceano.

18 Paulo Orósio nasceu em Braga na Lusitânia, as obras deste escritor eram muito estimadas entre os sábios da Idade Média. 19 Cf. Luís de Albuquerque, op. cit., p. 120. 20 Cf. Visão do Paraíso, p. 164.

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3. O Paraíso no Brasil ou do Maravilhoso e Extraordiná-rio Novo Mundo A sedução do tema paradisíaco influenciou os portugueses e

os outros povos cristãos de toda a Europa, como vimos, durante a Idade Média, e continuará a exercer a sua influência na era dos grandes descobrimentos marítimos. Tal sedução explica muitas das reacções a que deu lugar, entre os lusos, o contacto de terras ignoradas do Ultramar. O encontro de paisagens idílicas e populações simples lembrava-lhes o Paraíso Terreal.21

Nos últimos séculos da Idade Média havia entre os eruditos algumas discordâncias no que diz respeito à localização do Paraíso Terreal, mas nenhum punha em dúvida a sua existência.22 Este mito sobre a localização do Paraíso encontramo-lo na Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné, de Azurara.23 quando o capitão Gomes Pires apela aos seus companheiros para que o sigam na viagem que pretende prosseguir ao longo do litoral africano, lembrando «a vontade do senhor Infante como é por grande de saber parte da terra dos Negros, especialmente do rio do Nilo [...]»24, Álvaro de Freitas responde que está disposto a segui-lo até ao «Paraíso Terreal». Também Cadamosto situava geograficamente o Paraíso Terrestre, quando afirmava que o Senegal era um dos braços do sagrado rio Gion.25 Embora bastante mais tarde, também Colombo localizou geograficamente o Jardim das Delícias,

21 Cf. Marília dos Santos Lopes, Coisas maravilhosas e até agora nunca vistas, Livros Quetzal, Lisboa, 1998, p. 98. 22 Cf. Luís de Albuquerque, Introdução à História dos Descobrimentos Portugueses, 3ª edição revista, Publicações Europa-América, s.d., p. 111. 23 Introdução, Actualização de Texto e Notas de Reis Brasil, Publicações Europa- América, pp. 162-163. 24 Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné, Gomes Eanes de Azurara, Introdução, Actualização de Texto e notas de Reis Brasil, Publicações Europa-América, op. cit., p. 162. 25 Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra, Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1948, p. 116.

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32 A NATUREZA BRASILEIRA

situando-o agora na América, quando julga que o rio Orenoco terá a sua origem no Paraíso Terreal.26

A ilha do Brasil aparece pela primeira vez na carta de Dulcert (1339) e daí passou por cópia ao atlas Mediceu e às cartas de Solleri, de Pinelli, de Bianco, entre outros, até ao planisfério de Mercator (1559). Na carta Pizzigani (1367) e no mapa de Pareto há duas ilhas com o nome de Brasil: uma no arquipélago dos Açores e outra, com forma circular, situada a Oeste da Irlanda. A localização desta ilha variou, e o nome aplicou-se à Maída ou à Ilha Terceira açoreana. No mapa catalão de 1375, aparece como um conjunto de pequenas ilhas cercadas por um corpo circular de água, o que poderia ser uma maneira de sugerir formalmente a sua identificação com a Ilha das Sete Cidades.

Esta Ilha do Brasil persistirá nas cartas para além da descoberta do Brasil, e ainda em 1560 e 1566 Nicolai e Zaltieri a assinalavam nos respectivos mapas.27

Marco Polo fala «do grão brasil», fornecendo mesmo algumas informações sobre a maneira como a planta era cultivada em Samatra: terá nascido aí a ideia de que no Atlântico se encontraria uma terra que produzia a famosa planta? Ou será que a palavra Brasil terá origem no vocabulário celta, com o significado de ilha encantada, espécie de terra de deleites, que alguns mareantes afirmavam ter vislumbrado de relance por entre a neblina?28

Neste contexto, a análise da carta escrita por Pêro Vaz de Caminha, ao rei D. Manuel, em Abril de 1500, dando conta do achamento de uma nova terra, a Terra de Vera-Cruz, leva-nos a concluir que desde o início os portugueses consideraram a hipótese de estarem ou perante o Paraíso Terreal ou muito próximo dele, pois descrevem-na como sendo uma ilha e com 26 Cf. Luís de Albuquerque, op. cit., p. 112. Carta de Cristóvão Colombo ao rei sobre a terceira viagem, in: Los Cuatro Viajes del Almirante y su Testamento, ed. Espasa-Calpe, Buenos Aires, 1946, p. 191. 27 Cf. José Adriano F. de Carvalho, Do Imaginário do Atlântico ao Atlântico Imaginado, Banco Português do Atlântico, Porto, 1993, pp. 178-179. 28 Cf. Luís de Albuquerque, op. cit., p. 154.

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uma vegetação luxuriante: «E assim seguimos nosso caminho por este mar de longo até terça-feira de oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de Abril, que topámos alguns sinais de terra, sendo da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas [...].

Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; [...] e de terra chã, com grandes arvoredos [...]».29 A imagem de Caminha de uma terra verde e de bons ares, assim frios e temperados, de águas infindas e vegetação luxuriante pejada de graciosos frutos, aponta claramente quatro dos símbolos típicos que sugerem a identificação desta terra com o Jardim das Delícias.30 Eis o que dissera Santo Isidoro de Sevilha sobre as Ilhas Afortunadas: «[...] felizes e ditosas pela abundância dos seus frutos da maneira mais espontânea, em que o topo das colinas se cobre de vides sem necessidade de serem plantadas; em vez de ervas, crescem por todo o lado cereais e legumes»,31 é retomado e reiterado pelos cronistas portugueses do século XVI, no que diz respeito ao Brasil, transladando para o Atlântico os miríficos cenários, já prenunciados com as tradições pagãs das Ilhas Afortunadas ou do Jardim das Hespérides. É assim que todos os cronistas, cujos textos nos propusemos analisar, descrevem unanimemente a paisagem de Vera Cruz repleta de muitos e grandes arvoredos, sempre verdes, onde a terra é muito formosa e fertilíssima, regada com abundantes águas repletas de muito, variado e saboroso pescado, com um clima ameno, sempre primaveril, bafejada de bons e salutíferos ares e abundante em aves belíssimas, de finas e alegres cores.

29 A Carta de Pêro Vaz de Caminha – Adaptação à linguagem actual, in: Jaime Cortesão, Obras Completas 7, INCM, Lisboa, 1994, p. 157. 30 Cf. Alberto Carvalho, Caminhos Literários da carta de Pêro Vaz de Caminha, in: Mare liberum, n.º 11-12, 1996, pp. 7-28. 31 Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha, in: Do Imaginário do Atlântico ao Atlântico Imaginado, As Fontes de uma Memória, Volume I da Colecção « O Atlântico: A Memória de um Oceano », José Adriano F. de Carvalho e Luís Adão da Fonseca, Banco Português do Atlântico, Porto, 1993, p. 56.

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34 A NATUREZA BRASILEIRA

Logo na viagem inaugural, Caminha dá desta nova terra descoberta uma imagem paradisíaca, salientando que os seus habitantes vivem do que esta natureza prodigiosa lhes dá: «Eles não lavram nem criam nem há aqui boi nem vaca nem cabra nem ovelha nem galinha nem outra nenhuma alimária que costumada seja ao viver dos homens, nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos que a terra e as árvores de si lançam; e com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto com quanto trigo e legumes comemos.»32 Era a alusão de semelhança a uma terra sem mal, verdadeiro Jardim de Delícias, onde os seus habitantes não tinham necessidade de trabalhar para poderem viver muito melhor e mais saudáveis do que aqueles, que com muito esforço a cultivavam em todos os outros lugares conhecidos, nomeadamente os europeus.

Foi com deslumbramento, curiosidade e espanto que os nautas portugueses encararam a natureza do Novo Mundo. Nada os tinha preparado para o exotismo, a beleza, a novidade, a abundância e a variedade da flora e fauna dessas paisagens ignotas. E as anteriores representações reflectem-se agora nesta terra recentemente descoberta, pelo que as descrições vão sendo cada vez mais belas, completas e gráficas, à medida que se evolui no tempo. Era a consciência de estar num mundo como nunca se vira tal, era o corte com o passado, abrindo perspectivas de porvir de felicidade na terra.

É assim que na década de 1540 o fundador da Companhia de Jesus no Brasil, padre Manuel da Nóbrega, se revela maravilhado com a natureza brasílica, afirmando que é «muito salubre e de bons ares [...]; tem muitos fructos e de diversas qualidades e mui saborosos; no mar egualmente muito peixe e bom. Similham os montes grandes jardins e pomares, que não me lembra ter visto panno de raz tão belo. Nos ditos montes há animaes de muitas

32 Pêro Vaz de Caminha, Carta ao Rei D. Manuel, in: O Reconhecimento do Brasil, com Direcção, Texto modernizado e comentário final de Luís de Albuquerque, Publicações Alfa, S. A., Lisboa, 1989, p. 23.

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diversas feituras, quaes nunca conheceu Plinio [...]».33 Esta era claramente uma visão paradisíaca, semelhante àquela que uns anos mais tarde, nos anos cinquenta, nos transmite, também completamente rendido aos encantos da maravilhosa terra brasileira, o padre José de Anchieta, descrevendo-a como um jardim verdadeiramente edénico: «Todo o Brasil é um jardim em frescura e bosque e não se vê em todo o ano árvore nem erva seca. Os arvoredos se vão às nuvens de admirável altura e grossura e variedade de espécies. Muitos dão bons frutos e o que lhes dá graça é que há neles muitos passarinhos de grande formosura e variedade e em seu canto não dão vantagem aos rouxinóis, pintassilgos, colorinos, e canários de Portugal e fazem uma harmonia quando um homem vai por este caminho, que é para louvar ao Senhor [...]».34

Um pouco mais tarde, já na década de setenta, o humanista Gândavo também não foi imune aos encantos das paisagens brasílicas. A imagem que nos transmite da realidade física do Brasil é também a do deslumbramento do olhar e do sentir pela beleza e variedade da natureza. Assim, regressa aos temas edénicos para descrever uma natureza pródiga, belíssima e luxuriante: «Esta província é à vista mui deliciosa e fresca em grão maneira: toda está vestida de bastante alto e espesso arvoredo, regada com as águas de muitas e mui preciosas ribeiras de que abundantemente participa toda a terra: onde permanece sempre a verdura com aquela temperança da Primavera que cá nos oferece Abril e Maio. E isto causa não haver lá frios nem ruínas de Inverno que ofendam as suas plantas, como cá ofendem as nossas. Enfim, que assim se houve a natureza com todas as coisas desta província, e de tal maneira se comediu na temperança dos ares que nunca nelas se sente frio nem quentura excessiva».35 33 Padre Manuel da Nóbrega, Cartas Jesuíticas I, Cartas do Brasil, Editora Itatiaia Limitada, Editora da Universidade de São Paulo, Belo Horizonte, 1988, p. 89. 34 Padre Joseph de Anchieta, op. cit., p. 438-439. 35 Pêro de Magalhães de Gândavo, História da Província de Santa Cruz, in: O Reconhecimento do Brasil, Direcção de Luís de Albuquerque, com texto

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36 A NATUREZA BRASILEIRA

Nota-se nos seus depoimentos a presença dos mesmos elementos que, durante toda a Idade Média, se tinham apresentado como distintivos da paisagem do Éden, ou que pareciam denunciar a sua proximidade imediata: primavera perene ou temperatura sempre igual, sem a variedade das estações que se encontra no clima europeu, bosques frondosos de saborosos frutos e prados férteis, eternamente verdes, cortados de copiosas águas.

Desses elementos, muitos viriam a encontrá-los os navegantes quando aportassem às terras mais chegadas à linha equinocial, em particular o das folhas sempre verdes. E não lhes pareceria de má filosofia concluir que, existindo nelas algumas dessas virtudes, não haveriam de faltar todas as outras, para completar o panorama edénico.

Presos como se encontravam em geral aqueles homens a concepções nitidamente medievais, pode supor-se que, perante as terras recém-descobertas, pensassem reconhecer, com os seus olhos, o que na sua memória se pintara das paisagens de sonho descritas tanto em livros como em mapas e que, pela constante reiteração dos mesmos pormenores, já deveriam pertencer a uma fantasia colectiva. Os navegadores convenceram-se que, nas suas viagens reais, tinham realmente deparado com o mundo dos mitos, que acreditaram fosse verdadeiro.36

Ao descortinarem o espectáculo de além-mar, não faltavam certamente os que julgassem ver enfim realizadas visões tais como as que oferece a narrativa de Gândavo, quando pinta a Terra de Vera Cruz: «[...] é esta província sem contradição a melhor para a vida do homem que cada uma das outras da América, por ser comumente de bons ares e fertilíssima, e em grão maneira deleitosa e aprazível à vista humana».37 modernizado por Maria da Graça Pericão e comentário de Jorge Couto, Publicações Alfa, S. A., Lisboa, p. 75. No presente trabalho utiliza-se esta edição que nas notas subsequentes é identificada apenas com a menção História. 36 Cf. Vitorino Magalhães Godinho, op. cit., p. 64. 37 História, op. cit., p. 74.

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Nóbrega, Anchieta, Gândavo e todos os nossos cronistas reencontraram no Brasil o Paraíso.

A ideia de que do outro lado do mar se encontraria, se não o verdadeiro Paraíso Terreal, sem dúvida uma terra de tal maneira bela e prodigiosa, que em tudo seria digna dele, perseguia, com pequenas diferenças, os espíritos dos coevos. A imagem daquele jardim, fixada através dos tempos de formas rígidas, quase invariáveis, num compêndio de concepções bíblicas e idealizações pagãs, não se poderia separar da suspeita de que essa miragem devesse ganhar corpo num hemisfério ainda inexplorado, que os navegantes costumavam pintar da cor do sonho. E a suspeita conseguia impor-se mesmo àqueles cujo espírito não se formara no convívio continuado com os autores da Antiguidade.

Ainda que confusamente, uma nostalgia do mundo desaparecido parece ter acompanhado os navegadores e cronistas portugueses, quando à esperança de magníficos tesouros acrescentavam a de aparições hostis ou fabulosas.

O universo simbólico dos seres monstruosos era herança da mitologia pagã. A água, um dos quatro elementos da natureza, que possui as virtudes maravilhosas de dar fecundidade à terra e a de lavar os pecados dos homens no baptismo, transforma-se, quando acumulada em quantidade excessiva e separada dos outros elementos, encrespando-se com as tempestades, formando ondas como montanhas, e apresentando a estranha particularidade de não crescer, pese embora todos os rios do mundo desaguem no Oceano. O Oceano é então o lugar onde o homem não sobrevive.38 A este terror do mar, juntava-se ainda a conotação negativa que se atribuía ao lugar do pôr do Sol (Ocidente), ao qual se associava a ideia de que seria o reino dos mortos. Navegar para Ocidente era, por isso, tentar ir para além da morte. Por contraste, o lugar onde o astro rei nasce (Oriente),

38 Cf. José Mattoso, Antecedentes Medievais da Expansão Portuguesa, in: História da Expansão Portuguesa, Direcção de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, Volume I, Temas e Debates, Navarra, Espanha, 1998, p. 15.

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era onde era necessário voltar para recuperar a pureza dos primeiros tempos. Face a todos estes perigos, a viagem de Colombo e as navegações portuguesas rumo ao Ocidente podem considerar-se temerárias, e representam uma enorme vitória face às crenças medievais dominantes acerca do mar Oceano.39

Assim, a ideia de Plínio de que: «A água dos oceanos é a mãe de todos os monstros», que do mar se levantavam seres monstruosos que engoliam navios e navegantes, ou que nas águas apareceriam serpentes gigantescas, não demoveu os viajantes de se aventurarem nas águas do Oceano, agora para as Índias ocidentais, em busca de novos Jardins das Delícias, muito próximos da terra das Amazonas, junto às lagoas douradas e de «mirabilia».40

3.1. Das Regiões e Lugares Naturais Um maravilhoso e extraordinário Novo Mundo seria

obviamente associado a uma terra prodigiosa. Assim, na mesma linha, os cronistas portugueses ocuparam-se também da peculiaridade da abundância das águas do rio São Francisco no período do Verão, contrastando com o que acontece com os demais rios que no Brasil correm para o Atlântico. Tanto mais peculiar quanto o seu caudal no Verão é tão volumoso que as suas águas continuam doces várias milhas dentro do mar. Os motivos paradisíacos ganhavam consistência com o paralelo, tentado por alguns autores, entre o rio São Francisco e o Nilo, cujas águas teriam, segundo uma velha tradição, a sua origem no Éden.

39 Cf. José Mattoso, Antecedentes Medievais da Expansão Portuguesa, op. cit., p. 16. 40 Cf. Maria Adelina Amorim, Monstros, Espantos e Prodígios, in: Condicionantes culturais da Literatura de Viagens – Viagem e mirabilia, Edições Cosmos e Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa da Universidade de Lisboa, Março de 1999, p. 154.

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Tal como as do São Francisco, as águas do Nilo mostravam-se calmas e comedidas no Inverno e com a chegada do calor encrespavam-se e enfureciam-se. Um facto como esse, tão dissonante da ordem natural, só poderia ser um penhor seguro de assombrosos mistérios. A convicção que se tinha desenvolvido com o Cristianismo e ganhara crédito durante a Idade Média de que o Nilo era um dos rios procedentes do Paraíso Terreal, fornecia, talvez, a chave de tamanho prodígio. Além do fenómeno das enchentes do Verão, outras peculiaridades comuns poderiam, a propósito do São Francisco, trazer à lembrança o Nilo. Não só haveria aqui uma réplica notável das famosas cataratas, como o sumidouro seria uma reprodução do trajecto subterrâneo que faria o Gion ao sair do Horto das Delícias.

Estas aproximações entre os dois rios, o São Francisco e o Nilo, provocaram com certeza as sugestões edénicas que tendiam a situar o Dourado na nascente do São Francisco.

O humanista Gândavo é dos cronistas estudados o primeiro a referir a cachoeira, o sumidouro e a nascente do São Francisco nos seguintes termos: «Outro mui notável sai pela banda do oriente ao mesmo oceano, a que chamam de São Francisco: [...] E daí por diante se não pode passar por respeito de uma cachoeira mui grande que há neste passo, onde cai o peso da água de mui alto. E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua; e quando há cheias arrebenta por cima e arrasa toda a terra. Este rio procede de um lago mui grande que está no íntimo da terra, onde afirmam que há muitas povoações, cujos moradores (segundo fama) possuem grandes haveres de ouro e pedraria».41 Verificamos ainda que a prodigiosa quantidade de água será, por certo, um sinal de riquezas, e daí advindo a alusão ao ouro e às pedrarias. Assim, não é de admirar que nos escritos dos nossos cronistas surja um outro motivo edénico: as esmeraldas. É de certo modo espantoso o fascínio que as esmeraldas despertaram nos 41 História, op. cit., p. 76.

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viajantes e colonizadores portugueses do Brasil. Estas gemas verdes converteram-se no alvo de todas as atenções, o que só era explicável pela abundância, no Brasil, de pedras verdes e verdoengas, ou pela atracção particular que pareciam exercer sobre os naturais da terra, informantes e guias dos aventureiros.

Não só se iludiam os que, ao descobri-las, cuidavam que seriam esmeraldas autênticas, como os próprios ensaiadores do reino que, examinando as amostras mandadas do Brasil, raras vezes desenganavam os que as tivessem por tais. Na pior hipótese chegariam a admitir que eram pedras de superfície, tostadas pela acção do sol ou do fogo: as de melhor jaez continuavam escondidas nas entranhas da terra e haveriam de surgir quando se aprofundassem as escavações. O fascínio provocado pelas esmeraldas entroncaria numa tradição imemorial, de que ficaram traços em toda a literatura da Idade Média e que será conservada na era quinhentista. Elas desempenham um papel considerável nas alegorias e visões paradisíacas, que lhes costumam atribuir virtudes sobrenaturais.

Essa pedra era não só considerada um símbolo de castidade, como também da vida eterna. Brandónio confirma essa mesma ideia nos Diálogos das Grandezas do Brasil. Na sua conversa com Alviano reage à provocação deste quanto ao facto de não se terem, até essa altura, encontrado no Brasil significativas amostras de ouro e pedras preciosas, segundo eles mais proveitosas do que aquelas grandezas provenientes da fertilidade da terra. Brandónio responde-lhe que tem alguma razão, pois realmente as pedras preciosas alegram o coração. No que diz respeito à esmeralda afirma ter «por verdadeiro que, se a pessoa que a trouxer cometer algum ato sensual, que se quebra por si, tanto ama a castidade.»42

42 Diálogos das Grandezas do Brasil, por José António Gonsalves de Mello, 1ª edição integral, segundo o apógrafo de Leiden, Imprensa Universitária, Recife, 1962, p. 5. No presente trabalho utiliza-se esta edição que nas notas subsequentes é identificada apenas com a menção Diálogos.

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A esmeralda gozava, pois, de um prestígio misterioso que lhe conferia aquela sua correspondência com o sobrenatural, tão propalada nos velhos lapidários. Como quer que seja, uma espécie de auréola difusa, promessa de outras e maiores maravilhas, estaria associada à sua presença, o que explica o afã com que, no Brasil, os seus moradores não se cansavam em procurá-la.

Os nossos cronistas não ficaram imunes ao apelo do ouro e pedras preciosas do Brasil, especialmente ao das pedras verdes, como a elas se referem o humanista Gândavo, o naturalista agricultor Gabriel Soares de Sousa e o padre Francisco Soares.

O humanista bracarense Pêro de Magalhães de Gândavo dá-nos notícia dos relatos feitos por índios que, aventurando-se pelo sertão com o intento de, na sua opinião, «buscar sempre terras novas, a fim de lhes parecer que acharam nelas imortalidade e descanso perpétuo»,43encontraram povoações muito ricas com ruas muito compridas, onde os moradores não faziam mais que «lavrar peças de ouro e pedraria. [...], então lhes deram certas rodelas todas chapadas de ouro e esmaltadas de esmeraldas [...]».44

O senhor de engenho, Gabriel Soares de Sousa, refere-se a uma serra quase toda de cristal e que, segundo a sua opinião, cria muitas esmeraldas e outras pedras azuis, dizendo: «Desta serra a banda do leste pouco mais de uma légua está uma serra que é quase toda de cristal muito fino, a qual cria em si muitas esmeraldas e outras pedras azuis. [...] e em muitas partes achou esta gente pedras desacostumadas de grande peso, que afirmam terem ouro e prata [...]».45 E acrescenta ainda sobre as pedras preciosas, o ouro e a prata, em que é rica a região da Baía, baseando-se no testemunho do gentio: «Em algumas partes do sertão da Baía se acham esmeraldas dentro no cristal solto onde elas nascem [...] e ao pé da mesma serra da banda do poente se

43 História, op. cit., p. 117. 44 Ibid., op. cit., p. 117. 45 Notícia, op. cit., p. 45.

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acham outras pedras muito escuras que também nascem do cristal, as quais mostram um roxo cor de púrpura muito fino e tem-se grande presunção de estas pedras poderem ser muito finas e de muita estima; e perto desta serra está outra de quem o gentio conta que cria umas pedras muito vermelhas, pequenas e de grande resplendor. [...] Dos metais de que o mundo faz mais conta é o ouro e prata, fazemos aqui tão pouca que os guardamos para o remate e fim desta história, havendo-se de dizer deles primeiro, pois esta terra da Baía tem dele tanta parte quanto se pode imaginar [...]».46 A intenção de Soares de Sousa é claramente a de louvar e elogiar a região da Baía.

As pedras preciosas não passaram despercebidas à atenção do inaciano Francisco Soares, que faz referência às minas de metal, alabastro, salitre, cristal e, como salienta, de outra pedraria, pelo que é com bastante acuidade e encanto que descreve a grandeza do sertão e as suas minas: «Tem grande sertão, onde dizem há grandes minas, assim de metal como de alabastro, muito salitre, cristal e outra pedraria [...]».47 Os cristãos consideraram sempre estes territórios, que continham as maiores riquezas do Universo, como lugares verdadeiramente paradisíacos. Assim, quando Santo Isidoro de Sevilha alude nas suas Etimologias aos rios que têm a sua origem no Paraíso, diz a propósito do Eufrates que: «Também o Eufrates é um rio da Mesopotâmia que igualmente nasce no Paraíso; é abundantíssimo em pedras preciosas e atravessa a babilónia».48 As celebradas montanhas resplandecentes, tão amplamente

46 Ibid., op. cit., p. p. 258-259. 47 Padre Francisco Soares, Coisas Notáveis do Brasil, in: O Reconhecimento do Brasil, Direcção de Luís de Albuquerque, com texto modernizado por Maria da Graça Pericão e comentário final da autoria de Luísa Black, Publicações Alfa, S. A., Lisboa, 1989, p. 135. No presente trabalho utiliza-se esta edição que nas notas subsequentes é identificada apenas com a menção Coisas Notáveis do Brasil. 48 Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha, in: Do Imaginário do Atlântico ao Atlântico Imaginado, Volume I da «Colecção O Atlântico: A Memória de um Oceano», Banco Português do Atlântico, Venda Nova-Amadora, 1993, p. 52.

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descritas pelos nossos cronistas como realidade do maravilhoso território brasílico que os nautas tinham recentemente descoberto no ocidente do globo terrestre, constituíam testemunho seguro de que, se não fosse este o verdadeiro Paraíso Terreal, encontravam-se, pelo menos, muito próximos dele. De facto, embora localizado a ocidente, este local mantinha intactos todos os indícios das descrições medievais do Paraíso.49

No Brasil, encontraram os portugueses aquelas que consideraram as mais notáveis maravilhas existentes em toda a superfície da esfera terrestre. Tratando-se ainda apenas de uma simples esperança para alguns, as minas das terras brasílicas nunca constituíram um problema, pois a enorme grandeza e riqueza do Brasil não consentiam impossibilidades.

Nesta terra de eleição uma verdadeira procissão de maravilhas de lagoas douradas e serras reluzentes geraram o pensamento de tesouros encobertos e encantados do sertão.

3.2. Dos Seres Humanos e Antropomorfos Não causa surpresa, na referência pelos cronistas aos

habitantes das terras descobertas, a detecção de um outro motivo edénico, nomeadamente o da sua longevidade, atributo dos patriarcas bíblicos e sucedâneo plausível da imortalidade própria do estado de inocência em que foram postos os nossos primeiros pais no Paraíso Terrestre. Assim acontece com o jesuíta José de Anchieta, com o humanista Gândavo e com o

49 Nas histórias da Viagem de São Brandão contam-se também as inúmeras riquezas com que os peregrinos se vão deparando, à medida que se encaminham para o paraíso terreal: «Depois de percorrer um longo caminho vêem de repente onde são conduzidos: – Uma formosíssima e riquíssima abadia, como não há outra tão santa sob o céu. O prior daquele lugar manda mostrar os tesouros e as relíquias; cruzes, relicários e livros; missais ornados com ametistas, com pedras preciosas de Arábia há – , com rubis e ágatas enormes e todas de uma só peça, com os seus broches, rutilantes com jaspes e topázios.»

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padre Fernão Cardim, quando reputam como verídica a longevidade do índio brasileiro.

Para o padre José de Anchieta, o facto de o clima do Brasil ser tão sadio e temperado leva a que os homens vivam tanto que a terra está cheia de velhos, e reforça a ideia afirmando que os padres da Companhia de Jesus são mais saudáveis no Brasil do que em Portugal.50

Na opinião de Gândavo, o facto de, em geral, a terra ser «tão salutífera e livre de enfermidades procede dos ventos que geralmente cursam nela: os quais são nordestes e suestes, e algumas vezes lestes e lés-suestes. E como todos estes procedam da parte do mar, vêm tão puros e coados que não somente não danam, mas recreiam e acrescentam a vida do homem.»51 No entanto, à semelhança de Anchieta, também Gândavo evita qualquer referência a números.

Tal como o padre José de Anchieta, na década de cinquenta, e o humanista Gândavo, na de setenta, também o missionário Fernão Cardim, que foi para o Brasil cerca de dez anos mais tarde que este último, alude à longevidade do índio. Na sua narrativa epistolar da viagem que realizou em companhia do padre Cristóvão de Gouveia, dirá, registando as primeiras impressões de Piratininga, que era terra «muito sadia, há nela grandes frios e geadas e boas calmas, é cheia de velhos mais que centenários, porque em quatro juntos e vivos se acharam quinhentos anos.»52 Este clima, verdadeiramente paradisíaco, tornava a existência das pessoas que viviam nesta terra quase tão longa como a dos antigos patriarcas. A obsessão da paisagem verdejante, de tão bons céus e ares que, se não liberta os seus moradores da lei da morte, imuniza-os, ou quase, de mortais pestilências e outros danos cruéis, capazes de fazer definhar e padecer os homens em muitos lugares – com o que atingem

50 Padre Joseph de Anchieta, Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J.(1554-1594), op. cit., p. 433. 51 História, op. cit., p. 74. 52 Tratados, op. cit., p. 274.

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esses moradores excessiva longevidade, enlaça-se estreitamente com os motivos edénicos, tão populares durante a época das grandes descobertas.

Os autores quinhentistas revelam um pendor comum para apresentar os mundos novos em termos que recordem os esquemas já usados nos tempos medievais para a descrição do Paraíso Terrestre. Mas se se encontram nestes relatos reminiscências de um tempo feliz e belo, também se irá encontrar a referência a seres fantásticos e monstruosos, tão do imaginário medieval.

É assim que, a partir do missionário José de Anchieta, todos os cronistas portugueses se vão referir com maior ou menor ênfase à existência no Brasil de um «monstro marinho». Tal como Luís Adão da Fonseca alude, há um maravilhoso monstruoso, que é manifestação diversa; diversa porque indeterminada, pois, de contrário, seria simplesmente animal e perderia quase toda a sua monstruosidade.53 Este maravilhoso monstruoso, enraizado na cultura europeia, só muito lentamente deixará de estar presente no imaginário renascentista.54 Jacques Le Goff, na sua obra O Imaginário Medieval, refere que a metamorfose é o «verdadeiro» maravilhoso, pois não se contenta com ir além da natureza, mas está mesmo contra a natureza. Aos olhos do Cristianismo a metamorfose é mesmo escandalosa, pois transforma o ser humano, «feito à imagem de Deus», num animal.55

Foi Gândavo quem primeiro descreveu minuciosamente este ser fantástico, relatando um episódio que terá acontecido na capitania de São Vicente em 1564: «Na capitania de S. Vicente, sendo já alta noite, a horas em que todos começavam de se entregar ao sono, acertou de sair fora de casa uma índia escrava 53 Cf. Luís Adão da Fonseca, Os Descobrimentos e a Formação do Oceano Atlântico Século XIV-Século XVI, C.N.C.D.P., Lisboa, 1999, p. 26. 54 Veja-se, a propósito da curiosa presença do monstro no imaginário Renascentista, «Os monstros no Imaginário Quinhentista», in: Oceanos, n.º 13 (1993), pp. 72-79. 55 Cf. Jacques Le Goff, O Imaginário Medieval, op. cit., p. 62.

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do capitão; a qual, lançando os olhos a uma várzea que está pegada com o mar e com a povoação da mesma capitania, viu andar nela este monstro, movendo-se de uma para outra, com passos e meneios desusados, e dando alguns urros de quando em quando tão feios, que, como pasmada e quase fora de si, se veio ao filho do mesmo capitão, cujo nome era Baltazar Ferreira, e lhe deu conta do que vira, parecendo-lhe que era alguma visão diabólica. Mas como ele fosse homem não menos sisudo que esforçado e esta gente da terra seja digna de pouco crédito, não lho deu logo muito a suas palavras, e deixando-se estar na cama, a tornou outra vez a mandar fora, dizendo-lhe que se afirma-se bem no que era. E, obedecendo, a índia a seu mandado foi: e tornou mais espantada, afirmando-lhe e repetindo-lhe uma vez e outra que andava ali uma coisa tão feia que não podia ser senão o Demónio.

Então se levantou ele mui depressa e laçou mão a uma espada que tinha junto de si, com a qual botou somente em camisa pela porta fora, tendo para si (quando muito) que seria algum tigre ou outro animal da terra conhecido, com a vista do qual se desenganasse do que a índia lhe queria persuadir. E pondo os olhos naquela parte que ela assinalou, viu confusamente o vulto do monstro ao longo da praia, sem poder divisar o que era, por causa da noite lho impedir, e o monstro também ser coisa não vista e fora do parecer de todos os outros animais. E chegando-se um pouco mais a ele para que melhor se pudesse ajudar da vista, foi sentido do mesmo monstro: o qual, em levantando a cabeça, tanto que o viu, começou de caminhar para o mar donde viera. Nisto conheceu o mancebo que era aquilo coisa do mar e, antes que nele se metesse, acudiu com muita presteza a tomar-lhe a dianteira. E vendo o monstro que ele lhe embargava o caminho, levantou-se direito para cima como um homem, fincado sobre as barbatanas do rabo, e, estando assim a par com ele, deu-lhe uma estocada pela barriga, e dando-lhe no mesmo instante se desviou para uma parte com tanta velocidade que não pode o monstro levá-lo debaixo de si: porém, não pouco afrontado, porque o grande torno de sangue

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que saiu da ferida que lhe deu no rosto com tanta força que quase ficou sem nenhuma vista. E tanto que o monstro se lançou em terra deixou o caminho que levava, e assim ferido, urrando com a boca aberta sem nenhum medo, remeteu a ele, e, indo para o tragar a unhas e dentes, deu-lhe na cabeça uma cutilada muito grande: com a qual ficou já mui débil, e, deixando sua vã porfia, tornou então a caminhar outra vez para o mar. [...] O retrato deste monstro é este que no fim do presente capítulo se mostra, tirado pelo natural. Era quinze palmos de comprido e semeado de cabelos pelo corpo e no focinho tinha umas sedas mui grandes como bigodes. Os índios da terra lhe chamam em sua língua hipupeara, que quer dizer demónio da água.»56

Este monstro suscita o medo. Além disso, recorda a diversidade da natureza do ser humano, frente à criação maravilhosa e diversa do seu Criador.

Também alguns anos mais tarde o padre Fernão Cardim se refere ao monstro marinho, o ipupiara, descrevendo-o no masculino e no feminino: estas criaturas parecem-se com homens de estatura considerável, mas com olhos encovados, enquanto as fêmeas parecem mulheres de cabelos compridos e formosos. Cardim alude também à sua forma peculiar de matar os humanos: «[...]abraçam-se com a pessoa tão fortemente beijando-a, e apertando-a consigo que a deixam feita toda em pedaços, ficando inteira, e como a sentem morta dão alguns gemidos como de sentimento, e largando-a fogem».57

Um pouco mais tarde, tanto Gabriel Soares de Sousa como o padre Francisco Soares repetem a informação de que estes monstros marinhos assombravam de tal modo os seres humanos que disso chegavam a morrer.

56 História, op. cit., p. 101. 57 Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil, Transcrição do texto, introdução e notas por Ana Maria de Azevedo, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1997, p. 142. No presente trabalho utiliza-se esta edição que nas notas subsequentes é identificada apenas com a menção Tratados.

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Nesta terra parcialmente mítica, tudo é possível: o extraordinário torna-se real e o melhor surge ao lado do pior. E o monstruoso realça certamente o difícil acesso ao Paraíso. Gabriel Soares de Sousa lembra, assim, a propósito do pior: «Como não há ouro sem fezes, nem tudo é à vontade dos homens, ordenou Deus que entre tais coisas proveitosas para o serviço dele como fez na Baía, houvesse algumas imundícies que os enfadasse muito para que não cuidassem que estavam em outro paraíso terreal [...]».58 De tal modo que Gabriel Soares de Sousa dirá a respeito da reconstituição das gibóias: «Como se sente pesada, lança-se ao sol como morta, até que lhe apodrece o que tem na barriga, do que dá o faro logo a uns pássaros que se chamam urubus e dão sobre ela comendo-lhe a barriga com o que tem dentro e tudo o mais por estar podre e não lhe deixam senão o espinhaço que está pegado na cabeça e na ponta do rabo e é muito duro e com isto fica limpa da carne toda. Vão-se os pássaros e torna-lhe a crescer a carne nova até que ficam e assim como lhe vai crescendo a carne, começa a bulir com o rabo e torna a reviver ficando como dantes».59

O cenário brasileiro mantinha para os numerosos viajantes e cronistas as suas misteriosas e inegáveis possibilidades. Ali o milagre parecia novamente incorporado à natureza: uma natureza ainda cheia de graça matinal, em perfeita harmonia e correspondência com o Criador.

Ainda a propósito das misteriosas e inegáveis possibilidades que mantinha o cenário brasileiro, o missionário José de Anchieta alude à existência de um extraordinário passarinho, o guainumbî, que se alimentará unicamente de orvalho.60 E Gabriel

58 Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil, Direcção de Luís de Albuquerque, com transcrição em português actual por Maria da Graça Pericão e comentário de Luís de Albuquerque, Publicações Alfa, S. A., Lisboa, 1989, p. 188. No presente trabalho utiliza-se esta edição que nas notas subsequentes é identificada apenas com a menção Notícia. 59 Notícia, op. cit., p. 182. 60 Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J., op. cit., p. 134.

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Soares de Sousa refere o milagre de reconstituição e ressurreição de um bichinho a que os índios chamavam buijeja: «Tem este bicho uma natureza tão estranha que parece encantamento e tomando-o na mão parece um rubi mui resplandecente e se o fazem em pedaços se torna logo a juntar e a andar como dantes e sobre acinte se viu por vezes em diferentes partes cortar-se um destes bichos com uma faca em muitos pedaços e se tornaram logo a juntar e depois o embrulharam em um papel durante oito dias e cada dia o despedaçavam em migalhas e tornava-se logo a juntar e reviver até que enfadava e o largavam.»61 A alusão ao fantástico e diferente só será entendida como efeito de uma mão invisível, que lançou os seus poderes sobrenaturais na formação e transformação desta natureza.

Ganha assim pleno significado a expressão Novo Mundo, no que se refere à América, em geral, e à terra brasileira em particular. Novo, não só porque ignorado, até então, das gentes da Europa e ausente da geografia de Ptolomeu, fora “novamente“ encontrado, mas porque parecia o mundo renovar-se ali, e regenerar-se, vestido de verde imutável, banhado numa constante primavera, alheio à variedade e aos rigores das estações, como se estivesse verdadeiramente restituído à glória dos dias da criação.

3.3. O Reencontro da Fénix e do Unicórnio Tal como no maravilhoso medieval, encontramos aqui neste

Novo Mundo animais fantásticos ou imaginários. A propósito da conversão das borboletas em colibris ou

beija-flor, o inaciano Fernão Cardim revela-se verdadeiramente maravilhado. O milagre da Fénix parecia reproduzido a seu modo, nesta espécie animal própria do Novo Mundo. E a observação pessoal parece deduzir-se implicitamente do texto de Cardim: «[...] e é cousa para ver, uma borboleta começar-se a 61 Notícia, op. cit., p. 189.

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converter neste passarinho, porque juntamente é borboleta e pássaro, e assim se vai convertendo até ficar neste formosíssimo passarinho».62

Se a teoria da conversão das borboletas em colibris surgiu no Brasil, transmitida talvez aos portugueses pelos antigos naturais da terra, da outra, a da morte e ressurreição destes, que reproduziria o milagre da Fénix, há indícios que a dão como vinda das Índias de Castela. A tal origem faz alusão o padre Fernão Cardim, notando: «[...] nas Antilhas lhe chamam o pássaro ressuscitado, e dizem que seis meses dorme e seis meses vive».63

Está de acordo com a mentalidade do tempo que os encantos do beija-flor levassem facilmente os seus admiradores a adorná-lo de um halo de lenda. Na graça aérea e fugitiva dessa criaturinha onde parecem reunir-se todos os mimos da natureza, não se humilhava a realidade ante a fantasia, que tinha embelezado muitos dos velhos bestiários.

Mas não foram com certeza os dotes de beleza da anhigma que provocaram a extraordinária procura que durante muito tempo tiveram essas aves. Embora haja quem encontre principalmente nas crenças indígenas a fama das virtudes terapêuticas do chifre que lhe sai do alto da cabeça, é difícil dissociá-lo da figura do fabuloso unicórnio, que tanto seduzira, e por tanto tempo, as imaginações dos europeus. A associação era tanto mais fácil quanto pôde surgir noutros lugares, a propósito de todos ou quase todos os cornígeros, a começar pelo rinoceronte.

O corno da anhigma, e os esporões que lhe saem das asas, ou mesmo os ossos, passaram a ser no Brasil remédio para todo o tipo de maleitas. As suas raspas, bebidas em água ou vinho, curavam até as mordeduras das cobras. Esse chifre daria o dom da palavra aos mudos, tal como aconteceu a um menino que começou a falar, conta o padre Fernão Cardim, quando lhe

62 Tratados, op. cit., p. 88. 63 Ibid., op. cit., p. 88.

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ataram ao pescoço o poderoso talismã: «[...] dizem os naturais que este corno é grande medicina para os que se lhe tolhem a fala como já aconteceu que pondo ao pescoço de um menino que não falava, falou logo»64.

À imagem do Unicórnio, apresentado nos bestiários, tanto quanto a Fénix, como símbolo de Jesus, não se associaria a da anhigma apenas pela circunstância de ambos terem chifres, mas pelo notável volume desta e também pelo seu estridente grito, que Cardim diz escutar-se à distância de meia légua e mais. Também o padre Francisco Soares diz dela, a esse propósito, que dá brados, que se ouvem a uma légua de distância. A mesma estridência, sugerindo idênticas comparações, atribui-se ao brado que alguns autores dão como próprio do Unicórnio.

Da anhigma, apesar da impressão de fereza que poderiam dar as suas dimensões, as suas armas naturais e a força do seu grito, constava que ia a tais extremos a sua ternura pelo companheiro que, morto este, não se apartava do seu corpo, deixando-se ficar à mercê dos caçadores. Não haverá também nisto semelhança com o terrível Unicórnio, capaz de se abrandar de tal modo diante da mulher virgem, que desse engodo se valiam muitos para o capturar e abater, só assim sendo possível abrandá-lo?

Tanto o padre José de Anchieta, como o humanista Gândavo e, mais tarde, os missionários Fernão Cardim e Francisco Soares se lhe referem. Anchieta alude à corpulência desta ave, dizendo que o seu grito é semelhante ao zurrar de um asno. Gândavo, à semelhança do missionário Anchieta, não faz qualquer referência às suas qualidades medicinais, não lhe atribuindo também qualquer nome descreve-a apenas como sendo uma ave que existe na capitania de Pernambuco, e aludindo à sua corpulência compara-lhe o tamanho ao de dois galos do Peru.

O padre Francisco Soares faz uma interessante e pormenorizada descrição desta ave, dizendo que: «É pássaro de admiração, assim em seu comer como em feição; tem uns brados que se ouvem uma légua; é tamanho como um grou, mas 64 Tratados, op. cit., p. 92.

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tem menos carne; é preto, os olhos formosos, o bico pouco maior que de galo, tem um corpo junto com as ventas de um palmo [...] é como corno, mas brando, e não quebra; tem muitas penas em si, mas grossas; tem nos encontros das asas dois ferros cruéis de um dedo polegar de um homem de grossura, quadrados, muito duros na ponta [...] junta, tem outros dois com os quais peleja com as outras aves; os três dedos dos pés são mui descompassados de comprido; andam nos alagadiços, comem erva; o corno dizem é bom para restituir a fala».65

Tal como afirma Marília dos Santos Lopes: «A América, entendida como prolongamento das Índias, era o espaço ideal para o ressurgimento da geografia mítica. O renascimento do unicórnio estabelecia, deste modo, a ligação entre uma paisagem nova, estranha e habitada por criaturas desconhecidas, e o conhecimento de seres fantásticos comprovados na tradição clássica e medieval».66 A presença de animais fantásticos ou imaginários constituía penhor seguro de que esta era, sem qualquer sombra de dúvida, uma terra verdadeiramente paradisíaca.

3.4. Reminiscências do Tempo em que os Animais Falavam

Há, desde os primeiros contactos dos portugueses com a

terra brasileira, referências escritas aos papagaios. Na sua missiva ao rei D. Manuel, dando conta do achamento de uma nova terra, a que o capitão da armada pôs o nome de Terra de Vera Cruz, Pêro Vaz de Caminha informa, como vimos, da existência de um monte muito alto e de uma terra chã cheia de arvoredos. Mais adiante, ao dar conta dos presentes trocados com os indígenas, faz saber que estes ofereceram aos portugueses «um

65 Coisas Notáveis do Brasil, op. cit., p. 164. 66 Marília dos Santos Lopes, Coisas maravilhosas e até agora nunca vistas – Para uma iconografia dos Descobrimentos, op. cit., p. 65.

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sombreiro de penas de aves compridas com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio».67 Caminha conta o episódio de quando os navegadores portugueses, já familiarizados com esta ave e demonstrando o interesse que a mesma lhe suscita, mostraram vários objectos e animais aos indígenas, com o intuito de se certificarem quanto às riquezas existentes na nova terra descoberta. No que concerne aos papagaios diz: «[...]mostraram-lhes um papagaio, que aqui o capitão traz, tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como que os havia aí».68 Ainda confirma a sua existência e importância ao afirmar que «resgataram lá, por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor que levavam, papagaios vermelhos muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos [...]».69 Refere ainda: «Enquanto andávamos nesta mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá nesta terra muitos, mas eu não veria mais que até nove ou dez».70

O interesse dos portugueses por esta ave foi aumentando, à medida que aumentavam os conhecimentos sobre a terra brasílica. Este interesse teria a ver não só com o valor material deste psitacídeo no velho continente, mas também com o seu significado simbólico.

Para o apreço que lhe davam, não só contribuía o saberem imitar a voz humana, ou a formosura da plumagem, como também a sua procedência de países remotos, da Índia sobretudo, que lhes comunicaria algum do seu mistério. Possuíam, além disso, uma auréola mística, que nos livros de devoção e aventura parecia cingir constantemente as aves falantes. Não admira a associação do papagaio ao Paraíso, quando se conhece a crença de que todos os animais falavam no

67 Carta ao Rei D. Manuel, op. cit., p. 10. 68 Ibid., op. cit., p. 12. 69 Carta ao Rei D. Manuel, op. cit., p. 20. 70 Ibid., op. cit., p. 21.

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começo do mundo, e perderam a fala em consequência do pecado. Conservando por especial graça divina essa faculdade que o irmana aos homens, o papagaio parece assim guardar algum vestígio daqueles ditosos tempos e, ao menos por essa virtude, poderia presumir-se ser verdadeiramente uma ave do Paraíso. A noção corrente na Antiguidade, e em grande parte da Idade Média, de que o papagaio pertencia eminentemente à fauna da Índia, onde alguns situavam o Éden Bíblico, contribuía naturalmente para a sua inclusão entre as aves paradisíacas.

Já na viagem de São Brandão há notícia de uma ilha milagrosa, povoada só de papagaios. Referindo-se ao Concerto no Paraíso dos Pássaros, diz o seguinte: «Nas fontes daquele rio havia uma árvore, tão branca como o mármore, com folhas amplíssimas, salpicadas de vermelho e branco. [...] em toda a sua folhagem, estão pássaros [...].» De tão maravilhado, São Brandão terá rogado a Deus para que o esclarecesse quanto à natureza dos pássaros. No final da oração, um deles voou e pousou no barco e foi então que o frade se lhe dirigiu desta maneira: «Se tu és criatura divina, rogo-te que cuides dos meus dias. Diz-me primeiro quem és, e que fazeis neste lugar, tu e todos aqueles pássaros de tão extraordinária beleza.» Ao que o pássaro respondeu: «Somos anjos, e outrora habitávamos no céu. De uma tão alta morada caímos tão baixo, juntamente com o orgulhoso, [...] não padecemos outro sofrimento a não ser a perda da glória de magestade, a ausência de alegria divina. O nome deste lugar, pelo qual perguntaste, é o de Paraíso dos Pássaros»71. Eis um exemplo do que, segundo Mário Martins, é: «o gosto de interpretar as criaturas que enchem o mundo como símbolos das realidades sobrenaturais».72 Qualidade que faz parte dos quadros mentais do homem medieval. Os animais

71 Viagem de São Brandão, – A Memória da Viagem Imaginária – in: Do Imaginário do Atlântico ao Atlântico Imaginado, Antologia de Textos, José Adriano F. de Carvalho e Luís Adão da Fonseca, Banco Português do Atlântico, Porto,1993, op. cit., p. 66. 72 Mário Martins, Estudos de Cultura Medieval, Verbo, Lisboa, 1969, p. 47.

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surgem, pois, quer como função simbólica, quer como guardiões geniais, dotados de força mágica.

Nas viagens de Mandeville, há notícia de que no Império do Preste João, num deserto existente a pouca distância de um rio procedente do Paraíso Terreal, onde não corriam águas, mas grande quantidade de pedras preciosas – sem dúvida uma variante do Fison do Génesis, identificado geralmente com o Ganges –, havia muitíssimos papagaios faladores. Costumavam interpelar e saudar os que atravessavam o deserto e falavam exactamente como homens. O autor adverte para o facto de estes terem em cada pata cinco dedos, ao passo que outros, os de três dedos na pata, não falavam, ou falavam pouco, e sendo na verdade mais gritadores do que palradores. Esta distribuição entre os cinco e três dedos, com as respectivas qualidades, fora recebida de autores clássicos, provavelmente através de Vincent Beauvais.

Na Idade Média portuguesa encontramos sinais desta sua simbologia de personagem mágica na cantiga de amigo de D. Dinis: O papagaio e a Pastora. O rei português tinha com certeza conhecimento de que o papagaio era para os orientais uma personagem mágica.73

No livro que narra as viagens imaginárias do Infante D. Pedro, consta que pelas águas do Fison, um dos quatro rios do Paraíso, descem os papagaios nos seus ninhos, como revelando a sua origem no jardim maravilhoso.

Assim, como não podia deixar de ser, o papagaio figura desde logo nas representações portuguesas, como no mapa de Cantino74 (1502), no Atlas de Lopo Homem Reinéis (1519), assim como nas gravuras do Atlas Miller. 73 Cf. Luciana Stegagno Picchio, A Lição do Texto, Filologia e Literatura, I – Idade Média, Tradução de Alberto Pimenta, Edições 70, Lisboa, 1979, p. 57. 74 O planisfério português anónimo, concluído em Lisboa em 1502 no armazém da Guiné e das Índias, é uma das obras mais importantes relacionadas com o descobrimento do Brasil. Considerado como a obra mais importante da História da cartografia portuguesa, é vulgarmente conhecido pelo nome de «mapa de Cantino», pelo facto de ter sido encomendado e

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Mas igualmente nas representações da América, realizadas por alguns autores europeus, surgem com bastante frequência os papagaios. Assim, no mapa desenhado pelo genovês Nicolau Canério, de 1505, está representado o mundo de que à época havia notícias, inspirado em modelos portugueses, tendo o seu autor desenhado dois papagaios.75 E dois anos mais tarde, em 1507, na representação cartográfica «O Brasil no Mapa Mundo de Waldseemüller», está desenhado um papagaio.76 Alguns anos depois, em 1516, em: «O Brasil na Carta Marina de Waldseemüller», o Brasil é designado como «Brasilia SVE Terra Papagalli».77 E também se observam papagaios num denso arvoredo representado no mapa anónimo de Turim (1523).78 Bastantes anos mais tarde, no desenho da sequência das quatro partes do Mundo, realizado, em 1581, pelo famoso gravador flamengo Jan Sadeler, o Velho (1550-1600), a América personificada descansa à sombra de uma árvore adornada com

comprado pelo italiano Alberto Cantino. Era destinado a ser enviado a Hercule de Este, duque de Ferrara, e Cantino, ao remetê-lo escreveu na parte superior direita do verso da carta: «Carta da navegar per le isole novamente trovate in la parte del’ Índia: dono Alberto Cantino al S. Duca Hercole». Há imensa bibliografia sobre este mapa, pelo que nos limitamos aqui a referir, entre os trabalhos mais importantes que o analisaram: Duarte Leite, História dos Descobrimentos, vol. II, Lisboa, 1962, pp. 11-122; Armando Cortesão, Cartografia e cartógrafos portugueses, vol. I, Lisboa, 1935, pp. 142-151; Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota, Portugaliae monumenta cartographica, vol. I, Lisboa, 1960, pp. 7-13. 75 Cf. Duarte Leite, A Exploração do Litoral do Brasil na Cartografia da Primeira Década do século XVI, In: História da Colonização Portuguesa do Brasil, Edição Monumental Comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, Direcção e Coordenação Literária de Carlos Malheiro Dias, Direcção Cartográfica do Conselheiro Ernesto de Vasconcelos, Direcção Artística de Roque Gameiro, Litografia Nacional, Porto, MCMXXIII, Volume II, p. 427. Nesta obra encontra-se também extra-texto, uma reprodução do mapa de Nicolau Canério, p. 426. 76 Ibid., op. cit., extra-texto, p. 400. 77 Ibid., op. cit., extra-texto, p. 401. 78 Ibid., op. cit., extra-texto, «extraído de Maps illustrating early discoveries and exploration in América, de Ed. Luth Setevenson», p. 422.

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dois papagaios; a América e o vistoso psitacídeo observam-se mutuamente.79 E ainda cerca de cinquenta anos depois, em 1630, Claes Visscher, na sua Aetas aurea, gravura representativa da paisagem do Éden, adornada de uma enorme variedade de animais e plantas, embeleza a paisagem com um papagaio empoleirado num tronco.80 Também um pouco mais tarde, em 1646, o importante gravador Matthaeus Merian, ao representar a América, na sua Neue Archontologia cósmica, coloca poisado sobre um ramo, aos pés de uma índia de formas barrocas, um papagaio.81

Estas aves tiveram um papel importantíssimo nas transacções comerciais do Novo com o Velho Mundo. Tiveram por isso parte obrigatória e às vezes mesmo considerável nas cargas dos navios que vinham das terras brasílicas ao Velho Continente. Tanto assim era que durante algum tempo o nome definitivo desta parte da América, proveniente da designação da famosa madeira tintureira que abundava nessas paragens, competiu durante algum tempo com outro, que o precedeu, originário dos seus vistosos psitacídeos, o de “Terra dos Papagaios.“

Na sua carta dirigida ao doge Agostinho Barbarigo datada de 27 de Junho de 1501, Giovanni Matteo, que em 1500 foi enviado pelo senado de Veneza a Portugal, refere insistentemente os papagaios: «Acima do Cabo da Boa Esperança, para ocidente, descobriram uma terra nova. Chamam-na dos Papagaios, por terem o comprimento de um braço e meio, de várias cores, dos quais vimos dois.» A carta é conhecida por várias cópias, sendo publicada em 1507 na colectânea Paesi novamente retrovati.82

79 Cf. Marília dos Santos Lopes, Coisas maravilhosas e até agora nunca vistas – Para uma iconografia dos Descobrimentos, op. cit., p. 231. 80 Ibid., op. cit., p. 98. 81 Ibid., p. 258. 82 Cf. William B. Greenlee, A viagem de Pedro Álvares Cabral, Porto, 1951, pp. 221-226, in: O Descobrimento do Brasil nos textos de 1500 a 1571, Organização de José Manuel Garcia, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2000, p. 40.

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Domenico Pisano Núncio de Veneza em Portugal, na sua carta enviada à Senhoria de Veneza, em 27 de Junho de 1501, refere a propósito da nova terra descoberta pelos portugueses: «Acima do Capo de Bona Speranza em direcção a Ocidente descobriram uma terra nova a qual chamaram dos Papagaios».83 Também Pietro Pasqualigo, nomeado embaixador de Veneza em Lisboa, que assistiu ao regresso da frota de Pedro Álvares Cabral, alude, numa carta datada de 18 de Outubro de 1501 àquela “terra delli Papagá“: «Também acreditam estar ligada (credeno conjugersi) com as Antilhas que foram descobertas pelos reis de Espanha, e com a terra dos papagaios, novamente encontrada (noviter trovata) pelos navios deste rei (de Portugal) que foram a Calecut [...]»84 e daí ou de outra fonte passaria esse nome, devidamente latinizado, para as cartas geográficas. Só mais tarde começaria a prevalecer, generalizando-se, o de terra do Brasil.

Do apreço que chegam a ter os papagaios americanos na Europa dará ideia o que consta do libelo segundo do barão de Saint Blanchard, datado de 1583; enquanto os toros de pau-brasil transportados na nau Pélérine, apresada por uma armada portuguesa, se avaliam em oito ducados o quintal, o preço de cada um dos papagaios orçou-se em seis ducados. E seriam no mínimo seiscentos, os papagaios que a nau francesa transportava.85

Esta ave adquiriu um tal interesse na Europa em geral e particularmente em Portugal, que o humanista e latinista Gândavo, no capítulo da sua História da Província de Santa Cruz,

83 Cópia de um Capítulo das Cartas de D. Cretico, Núncio da Ilustríssima Senhoria de Veneza em Portugal, Dada em 27 de Junho de 1501, in: Carmen Radulet, Terra Brasil – 1500 – A Viagem de Pedro Álvares Cabral – Testemunhos e comentários, Chaves Ferreira-Publicações, S. A., Edição exclusiva, comemorativa do 5º Centenário da descoberta do Brasil, p. 111. 84 Cf. Ernesto do Canto, Os Corte-Reais: memória histórica, Arquivo dos Açores, vol. IV, 1882 (1884?), pp. 587-588, in: O Descobrimento do Brasil nos textos de 1500 a 1571, op. cit., p. 40. 85 Cf. Visão do Paraíso, op. cit., p. 21.

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destinado às aves, chama a atenção para o facto de estas serem de tantas variedades e em tanta quantidade que tratará somente daquelas que têm mais valor para os portugueses e índios, referindo seis espécies. Assinala-lhes o belo e variado colorido das penas e a sua mansidão, mas também e sobretudo a facilidade que alguns têm em falar, o que encantava muita gente que os adoptava como animais de estimação.

Gândavo dá destaque especial ao valor comercial destas aves. E para o comprovar refere que a venda destes papagaios aos portugueses era de tal modo lucrativa para os índios, que estes apanhavam outra espécie de papagaios, mais abundantes no Brasil, mas que falavam com mais dificuldade e só à custa de muito treino, sendo para além disso prejudiciais aos milharais. Depois de capturados, os índios transformavam-nos, depenando-os e pintando-os com o sangue de uma espécie de rãs, vendendo-os posteriormente como se de papagaios verdadeiros se tratasse.86

Também Fernão Cardim e Gabriel Soares de Sousa não deixam de assinalar a grande diversidade de papagaios. Ambos destacam a sua formosura e o facto de falarem se os ensinarem.87A presença nas terras brasílicas destas formosas aves, que tinham mantido, por graça divina especial a faculdade de falar que as irmanava aos homens, era mais um sinal de que estes lugares constituíam verdadeiramente o Jardim do Éden.

O Paraíso Quinhentista mantinha como válidos os mesmos símbolos edénicos tão comuns nas descrições medievais do

86 Diz o humanista Gândavo que «Os índios da terra costumam depenar alguns enquanto são novos e tingi-los com o sangue de umas certas rãs, com outras misturas que lhes ajuntam: e depois que se tornam a cobrir de pena ficam nem mais nem menos da cor dos verdadeiros: e assim acontece muitas vezes enganarem com eles a algumas pessoas vendendo-lhos por tais.» História, op. cit. pp. 94-95. 87 Cardim diz deles com graciosidade: «Os papagaios nesta terra são infinitos, mais que gralhas, zorzais, estorninhos, nem pardais de Espanha, [...] são de ordinário muito formosos e de muito várias cores, e várias espécies, e quasi todos falam, se os ensinam.» Tratados, op. cit., p. 84.

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Jardim das Delícias. E embora se colocassem dúvidas acerca da sua localização, o que é certo é que no século XVI já não se pôs em dúvida a sua existência.

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II – Das Grandezas Naturais do Brasil Se nas primeiras viagens ao Brasil se reencontram notas

edénicas, a enumeração das grandezas e riquezas desta terra não se esgota nesse reconhecimento de uma paisagem já conhecida. Paralelamente ao deslumbramento de uma terra quase paradisíaca, vão surgindo impressões e anotações de uma terra, cujas qualidades surpreendem os seus primeiros visitantes.

Pêro Vaz de Caminha, o primeiro a descrever a natureza brasílica que vagamente observa no curto espaço de tempo que permanece na terra de Vera Cruz, afirma: «Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos, até a outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa; trás ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas e delas brancas, e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia parma (sic), muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu do mar muito grande, porque a estender os olhos não podíamos ver senão terra e arvoredos, que nos parecia muito longa terra.»88 Este é um relato de certo modo geral, mas que constitui um exemplo de precisão científica e objectividade, pois o cronista afirma simplesmente e com um rigor pouco comum para a época, que a terra lhe parece muito grande. Isto significa que ainda não tem a certeza acerca das suas potencialidades, pelas quais, porém, revela já muito interesse: «[...] mas a terra em si é de muito bons ares, assim frios e 88 Carta ao Rei D. Manuel, op. cit., p. 25.

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temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora assim os achávamos como os de lá; águas são muitas infindas; em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem».89 A temperança dos ares, a abundância de águas, a graciosidade, mas principalmente o facto de nela se poder dar tudo, são qualidades entrevistas desde o início por Caminha. Era a antevisão de uma terra fértil, amena e abundante.

O Brasil surge, aliás, numa bela descrição do humanista bracarense Pêro de Magalhães de Gândavo, como um verdadeiro jardim das delícias: «Esta província é à vista mui deliciosa e fresca em grão maneira: toda está vestida de mui alto e espesso arvoredo, regada com as águas de muitas e mui preciosas ribeiras de que abundantemente participa toda a terra: onde permanece sempre a verdura com aquela temperança da Primavera que cá nos oferece Abril e Maio.»90

Esta natureza exuberante, abundante e prodigiosa inspirou de tal modo o nosso cronista que, ao pretender escrever uma obra que fundamentalmente servisse para atrair colonos portugueses ao Brasil, acabou por redigir um verdadeiro e belo hino de louvor à magnificência da terra brasileira. Quando intenta descrever as diferenças espécies brasílicas no seu texto organizado, segundo moldes conhecidos e praticados das histórias naturais e morais, acaba por tratar: «[...] principalmente daquelas de cuja virtude e frutos participam os portugueses.»91

É também uma natureza sublime e belíssima, que alguns anos mais tarde maravilha o missionário Cardim. Assim, ao descrever a cidade do Rio de Janeiro, afirma: «A cidade está situada em um monte de boa vista para o mar, e dentro da barra tem uma baía que bem parece que a pintou o supremo pintor e arquitecto do mundo Deus Nosso Senhor, e assim é cousa formosíssima e a mais aprazível que há em todo o Brasil [...]». O pintor e

89 Ibid., op. cit., p. 25. 90 História, op. cit., p. 75. 91 Ibid., op. cit., p. 82.

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arquitecto do mundo esmerou-se na sua obra e criou uma natureza formosa, bela, em uníssono com a sua imagem.

Para reforçar este seu testemunho, Cardim acrescenta «que nem lhe chega a vista do Mondego e Tejo»,92 estuários que o autor por certo bem conhecia da sua terra natal. Revela-se, pois, uma constante deste nosso autor a comparação entre aquilo que vê no Brasil e o que já conhece do reino. Curiosamente o que observa e experimenta surge sempre melhor no Brasil que na Metrópole. Aqui evidencia-se desde já um dos tópicos fundamentais da apresentação e descrição desta natureza que supera o conhecido.

Da constatação de uma nova e bela natureza surge imperiosamente o desejo de a anotar, de a descrever. Assim foi com Gabriel Soares de Sousa, que redigiu a sua Notícia do Brasil em 1587 (com o subtítulo de Descrição Verdadeira da Costa Daquele Estado Que Pertence à Coroa do Reino de Portugal, Sítio da Baía de Todos-os-Santos). Este texto tem circulado também sob a designação de Tratado Descritivo do Brasil e é, na acepção de Luís de Albuquerque, o texto quinhentista mais completo sobre a fauna e a flora da área do actual estado da Baía.93

O processo descritivo apura-se e alarga-se em Gabriel Soares de Sousa, assinala um maior conhecimento. A maneira como organiza o conhecimento permite não só identificar mas também começar a classificar as espécies, fazendo um inventário mais sistemático. Neste inventário, os autores como Cardim, e Soares de Sousa designam as espécies pelos nomes indígenas, preservando a identidade local das mesmas – difícil de traduzir – a que juntam igualmente as suas qualidades e benefícios. Perante a variedade e a novidade, Brandónio um dos interlocutores de os Diálogos das Grandezas do Brasil, adverte: «E se quereis ouvir das naturezas e qualidades das alimárias que havia na terra, 92 Tratados, op. cit., pp. 267-268. 93 Cf. Luís de Albuquerque, “Comentário“, in: Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil, direcção e comentários de Luís de Albuquerque e texto modernizado por Maria da Graça Pericão, Publicações Alfa, S. A. , Lisboa, 1989, p. 260.

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natural dela, dai-me atenção e pode ser que vos faça arcar as sobrancelhas de espantado.»94 A exuberância da vegetação brasileira, a abundância das várias e diferentes espécies, animais e vegetais, as suas estranhezas, que fazem delas verdadeiros prodígios da criação e as suas imensas qualidades nutritivas, irão com toda a certeza espantar o outro interlocutor de os Diálogos das Grandezas do Brasil, Alviano, que chegado recentemente da Europa estava habituado a uma natureza mais comedida. Vejamos com Alviano como se apresentou e descreveu esta natureza nas primeiras fontes portuguesas.

1. Da Novidade e Estranheza desta Terra Um dos primeiros fenómenos que caracterizam a descrição

desta natureza é a sua novidade. É a descoberta de inúmeras espécies, sobre as quais nunca se ouvira falar. Este facto incute, assim, fascínio e também curiosidade por uma natureza que ficou tantos séculos escondida dos homens. Assim, muitas destas espécies, pela sua novidade, beleza e estranhezas, foram vistas como verdadeiros prodígios da criação.

Vejamos alguns exemplos. No que respeita à Anta, que é o maior animal terrestre da fauna brasileira, todos os nossos autores a descrevem, face à circunstância de se encontrarem perante uma espécie desconhecida, como sendo um animal grande, encontrando-lhe semelhanças com o boi ou a vaca, e ainda com a mula. Alimentando-se de frutos silvestres e erva, a sua carne é, no entanto, saborosa e parecida com a de vaca.95

Este animal tem ainda, segundo Soares de Sousa, a particularidade de mudar de cor com a idade, sendo quando

94 Diálogos, op. cit., p.174. 95 Gabriel Soares de Sousa alude ao facto de a pele ser consumida pelos índios, cozida juntamente com a carne, servindo ainda para os portugueses fazerem «muito boas couras que não as passa estocada». Notícia, op. cit., p. 170.

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pequenas, muito formosas, com o corpo listado de preto e amarelo torrado e tornam-se pardas com a idade.

Destes autores, aquele que talvez melhor a descreve é Gabriel Soares de Sousa que, depois de afirmar que são os maiores animais que se criam naquela terra acrescenta que «[...] são pardas com o cabelo assentado, do tamanho de uma mula mas mais baixas de pernas e têm as unhas fendidas como vaca e o rabo muito curto sem mais cabelo que nas ancas e têm o focinho como mula e o beiço de cima mais comprido que o de baixo em que têm muita força.»96 Foram com certeza, a corpulência, a robustez, bem como a sua utilidade, as características que mais chamaram a atenção dos autores portugueses de Quinhentos.

O conhecimento da novidade sugere muitas vezes estranheza. O que não se conhece é, em primeiro lugar, diferente e estranho. Os nossos autores serão assim muitas vezes confrontados com espécies que nunca viram, e que naturalmente lhes incutem um misto de curiosidade e espanto.

A aparência do tatu despertou a atenção e admiração dos nossos cronistas que por o acharem um animal deveras estranho, utilizaram mais uma vez a analogia, prática corrente na época, para o descreverem, de modo a possibilitar aos que estavam longe uma melhor visualização daquilo que estava tão afastado do seu conhecimento. Os nossos autores são unânimes na opinião de que existiam variadas espécies de tatu e em grande quantidade. Estes animais têm o corpo semelhante ao de um leitão e abrem com as suas grandes unhas covas no chão, onde parem e criam os filhos. Este estranho animal a que chamam cavalo armado, alimenta-se de frutas e minhocas, desloca-se devagar, e se cai de costas, custa-lhe muito virar-se. A sua carne é saborosa, comendo-se cozida e assada, com um gosto semelhante ao de leitão e galinha. A pele é também útil para confeccionar bolsas. Gabriel Soares de Sousa descreve quatro variedades deste animal. «[...] as pernas curtas cheias de escamas, 96 Ibid., op. cit., p. 170.

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o focinho comprido cheio de conchas, as orelhas pequenas e a cabeça toda cheia de conchinhas, os olhos pequeninos, o rabo comprido cheio de lâminas em redondo que cavalga uma sobre outra e tem o corpo todo coberto de conchas feitas em lâminas que atravessam o corpo todo, de que tem armado uma formosa coberta; e quando este animal teme de outro, mete-se todo debaixo destas armas sem lhe ficar nada de fora, as quais são muito fortes; têm as unhas grandes [...]».97

Ainda a propósito do tatu, o autor de os Diálogos das Grandezas do Brasil salienta que aparece pintado em mapas por ser estranho, porque anda armado de couraças, agasalhando o corpo pequeno debaixo das armaduras. Conta ainda que tentou levar um para Portugal e que este lhe terá morrido na viagem. Este episódio recorda-nos a tentativa que sempre houve de trazer estas espécies para a Europa, servindo como objectos de exposição, representativos da nova realidade além-mar. Não será então por acaso que a novidade e estranheza deste animal o transformaram no símbolo não só do Brasil, mas também da América, pelo que aparece pintado com muita frequência em mapas.98 Só uma natureza prodigiosa poderia criar animais tão singularmente fantásticos e diferentes.

97 Notícia, op. cit., p. 176. 98 Um exemplo da frequência da representação do tatu como símbolo da América, é a que nos surge num pormenor de Americae/Pars/Meridionalis: aí aparece-nos um tatu, encimando um escudo da América, ladeado por um macaco e um papagaio; completam a decoração do escudo alguns íncolas, um formoso passarinho de vivas cores, assim como alguns frutos. Cartografia Impressa, gravura, América do Sul, c. 1656, Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino, in: Carmen Radulet, Terra Brasil 1500, A viagem de Pedro Álvares Cabral, Testemunhos e comentários, Chaves Ferreira-Publicações, S.A., Edição exclusiva, comemorativa do 5º Centenário da descoberta do Brasil, Lisboa, 2000, p. 143. O tatu surge-nos igualmente no painel cujo título é Paraíba no Brasil (1666), de Jan van Kessel, no qual, entre os vários animais que rodeiam os dois índios aí representados, se reconhece o tatu. Jan van Kessel: Allegorie der vier Erdteile (America), 1666; Alte Pinakothek Munchen, in: Marília dos Santos Lopes, Coisas maravilhosas e até agora nunca vistas – Para uma iconografia dos Descobrimentos, op. cit., p. 256.

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Este animal nunca antes vislumbrado e muito abundante no Brasil, revelava-se curiosamente de grande utilidade para a alimentação da população, e sua pele servia como matéria prima na confecção de bolsas. Este facto suscita ainda mais surpresa: trata-se de um mundo estranho, mas de grande aproveitamento.

A diferença caracteriza muitas vezes a novidade. Assim, se encontram porcos monteses, estes são descritos com interesse pelos autores de Quinhentos, não só por serem muito abundantes, e de várias espécies, mas também pelo seu curioso aspecto, pois possuem uma glândula dorsal que segrega um líquido com cheiro desagradável, glândula essa que desde logo foi identificada pelos observadores quinhentistas como sendo o umbigo do referido animal.

Muito parecidos com os porcos e de cor parda, alimentam-se essencialmente de frutos. E como existem várias castas, são também, por isso, de vários tamanhos. Têm todos uma carne gostosa, que serve de alimento aos naturais da terra e a toda a outra população. Afirmam ainda que o umbigo que têm nas costas, por expelir mau cheiro, facilita o trabalho de cães e caçadores, pois é através dele que os cães o seguem e encontram. Como se deslocam em bandos pelo mato, os mais bravos tornam-se extremamente perigosos.

O padre Fernão Cardim diz a seu respeito: «Estes acometem os cães, e os homens, e tomando-os, os comem, e são tão bravos que é necessário subirem-se os homens nas árvores para lhes escapar, e alguns esperam ao pé das árvores alguns dias até que o homem se desça, e por que lhes sabem esta manha, sobem-se logo com os arcos e frechas às árvores e de lá os matam.»99

Mas esta terra que todos descreveram como ditosa, tinha também a capacidade de criar espécies tão extraordinariamente novas e estranhas, que foram vistas como verdadeiros prodígios da criação. Assim, os bugios despertaram interesse, essencialmente pelas semelhanças físicas e comportamentais que 99 Tratados, op. cit., p. 67.

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lhe encontraram com o homem. Bugio é o nome vulgar dado em Portugal a várias espécies de macacos. Estes animais mereceram especial atenção de Pêro de Magalhães de Gândavo, que se mostrou deveras encantado e maravilhado com algumas das suas particularidades, como sejam a cor e o cheiro agradável que alguns exalam. O nosso autor não se afasta, no entanto, do objectivo a que se propôs, e faz por isso uma descrição simples e breve de algumas espécies de bugios. Apesar disso, nota-se-lhe certa admiração e encantamento com algumas características destes animais, que chega a comparar aos homens.

Os aquigquig são uma espécie de bugio que, de certo modo, encantaram Cardim, que os descreveu com rigor científico, nomeadamente no que diz respeito ao aparelho ressonante que possuem, um órgão anexo à laringe que reforça os sons emitidos por ela: «[...]têm uma cousa muito para notar, e é, que se põem em uma árvore, e fazem tamanho ruído que se ouve muito longe, no qual atura muito sem descansar, e para isto tem particular instrumento esta casta, o instrumento é certa cousa côncava como feita de pergaminho muito rijo, e tão rija que serve para brunir, do tamanho de um ovo de pata e começa do princípio da goela até junto da campainha, entre ambos os queixos e é este instrumento tão ligeiro que em lhe tocando se move como a tecla de um cravo».100 O comportamento destes animais revelava-se, na opinião de Cardim, muito semelhante ao dos homens, pois enquanto estes pregavam, deitavam muita espuma pela boca, que ia sendo limpa por um pequeno que lhe sucederia.

O padre Francisco Soares compara fisicamente os bugios aquiqui a rapazes louros de dezoito ou vinte anos, e acrescenta que se não tivessem rabo comprido podiam chamar-lhes gente assim: «se não tiveram rabo comprido como têm, melhor lhe chamaram gente, porque lhe não falta senão falar; têm os braços, pés, corpo, como homem.»101 A terra brasileira revela-se

100 Tratados, op. cit., p. 75. 101 Coisas Notáveis do Brasil, op. cit., p.155.

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tão surpreendente nas suas potencialidades, que até surgem animais semelhantes ao homem.

As castas de bugios são muitas, na opinião dos nossos autores. Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, diz ao seu interlocutor que, por haver tanto que contar, tem receio que o tome por «fabuloso».

O marsupial também intrigou os autores portugueses desta época e ainda de outras posteriores, por ser diferente, um verdadeiro prodígio da criação. Designado pelo nome indígena, o sarigué, é descrito como sendo um animal do tamanho de um gato, sem pêlos, parecido com raposas, e com a particularidade estranha de possuir uma bolsa na barriga onde transporta os filhos. A diversidade da natureza está patente neste animal. Gabriel Soares diz que «parem quatro e cinco e têm as tetas junto do bolso onde os filhos mamam e quando emprenham, geram neste bolso que está fechado e se abre quando parem onde trazem os filhos até que podem andar com a mãe, que se lhe fecha o bolso.»102 Esta confusão, foi comum a todos os cronistas por nós estudados. Este animal intrigou os observadores europeus pelas suas estranhas características físicas.

Um outro animal estranho e com uma técnica peculiar de defesa foi designado pelos nossos autores com diferentes nomes, o missionário Cardim, chamou-lhe biarataca; Soares de Sousa, jaguarecaqua; e o padre Francisco Soares, maratacaca. Este prodigioso animal terá chamado a atenção, não pelo seu aspecto físico mas sim por usar uma técnica de defesa que a todos espantava, e era a de como diz Gabriel Soares de Sousa lançar «tanta ventosidade e tão peçonhenta que perfuma desta maneira a quem lhe fica perto [...]».103 Brandónio chamou-lhe nos Diálogos das Grandezas do Brasil, jaratacaca, designando-o como o animal mais estranho do mundo, pois quando é atacada larga um cheiro de tal modo terrível, que todos os seres vivos são derrubados

102 Notícia, op. cit., p. 173. 103 Ibid., op. cit., p. 174.

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por ele. A este propósito conta a sua experiência: «E a mim me sucedeu, estando um dia vendo pesar açúcar, entrar na casa um homem ao qual havia mais de sete dias que havia ticado a ventosidade do animal, e com vir já lavado muitas vezes, cabelo e barba feita, e outro vestido, foi tanto o mau cheiro que de si lançou, que nos obrigou, aos que ali estávamos, a desamparar a casa e sair fugindo para fora, com ignorarmos o caso, até que ele próprio contou o que lhe havia sucedido.»104

Um outro animal, que devido ao seu estranho hábito em se alimentar de formigas causou a admiração dos nossos cronistas, que o descreveram minuciosamente, foi sem dúvida o tamanduá. Dele dizem geralmente que tem o tamanho de um cão, ou de uma raposa, com um rabo que terá o dobro do comprimento do corpo, de tal modo que permite ao animal abrigar-se debaixo dele.

Cardim compara-lhe o formato da boca ao de uma almotolia. E terá uma forma peculiar de se alimentar, que consiste em deitar-se ao longo de um formigueiro com a língua de fora, recolhendo-a depois de bem cheia de formigas, e repetirá a mesma operação, até sentir-se completamente cheio: «e deitando a língua de fora pegam-se nela as formigas, e assim a sorve porque não tem boca para mais que quanto lhe cabe a língua cheia delas.»105

A preguiça, nome que lhe será atribuído pela forma extremamente lenta de se movimentar, associada a um estranho aspecto físico, foi outro animal que causou espanto aos observadores quinhentistas.

Cardim será talvez aquele que a descreve de forma mais engraçada, pois compara-lhe o rosto ao de uma mulher toucada. No seu dizer, este é um animal feio, compara-o a um cão perdigueiro felpudo. Ainda segundo ele, alimenta-se de folhas de uma espécie de figueiras que não existem em Portugal, por tal facto, não pode ir para o reino, porque logo morre.

104 Diálogos, op. cit., p. 177. 105 Tratados, op. cit., p. 70.

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Gabriel Soares de Sousa, descreve-a como tendo o pêlo e o tamanho de um cão de água, de cor cinzenta, com braços e pernas compridos mas magros, com olhos e dentes como os de um gato. A sua forma peculiar de locomover-se despertou a atenção dos nossos autores. Descreveram-na como extremamente vagarosa no andar, de tal modo que os índios a agarram com grande facilidade.

Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, descreve-a como sendo um animal «de um estranho rosto e feições».106

Todos os nossos cronistas falam ainda do peixe-boi, que embora sendo um cetáceo é considerado por eles um peixe, que descrevem como extremamente corpulento, possuindo dois cotos semelhantes a braços e com umas mãos sem dedos.

O missionário Cardim faz dele uma descrição minuciosa: «Este peixe nas feições parece animal terrestre, e principalmente boi com couro, e cabelos, orelhas, olhos e língua; os olhos são muito pequenos em extremo para o corpo que tem; fecha-os, e abre-os, quando quer, o que não têm os outros peixes; sobre as ventas tem dois courinhos com que as fecha, e por elas resfolega; e não pode estar muito tempo debaixo de água sem resfolegar; não tem mais barbatana que o rabo, o qual é todo redondo e fechado; o corpo é de grande grandura, todo cheio de cabelos ruivos; tem dois braços de comprimento de um côvado com suas mãos redondas como pás, e nelas tem cinco dedos pegados todos uns com os outros, e cada um tem sua unha como humana; debaixo destes braços têm as fêmeas duas mamas com que criam seus filhos, e não parem mais que um; o interior deste peixe, e intestinos são propriamente como de boi, com fígados, bofes, etc. Na cabeça sobre os olhos junto aos miolos tem duas pedras de bom tamanho, alvas e pesadas».107 Apesar do seu bizarro aspecto, os autores estudados consideram-no muito saboroso, com um gosto semelhante ao de carne de vaca, podendo ingerir-se salgado ou fresco.

106 Diálogos, op. cit. , p. 181. 107 Tratados, op. cit., p. 130.

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Brandónio considera-o um peixe estranho, pois: «é conhecido por peixe-boi, nome que lhe foi pôsto por se semelhar no rosto quase com o mesmo animal, pôsto que é maior dois tantos, não em ser alevantado, mas na largura e compridão, porque em alguns desta espécie se acha mais pêso do que têm dois bois.»108 A própria denominação espelha a dificuldade em caracterizar estes seres até então completamente desconhecidos.109

Estas são as qualidades de uma terra paradisíaca, onde o estranho e prodigioso se associam de tal modo, que até algumas espécies se podem assemelhar e confundir com os seres humanos.

2. Da Abundância e Variedade do Novo Mundo

Outra das qualidades que os autores portugueses descobrem nesta natureza é a sua abundância. Assim, não só aparecem várias e estranhas espécies, como estas existem em grande quantidade. Por isso, quase todos os nossos cronistas, exceptuando Gândavo, fazem referência por exemplo à inumerável abundância de coelhos e ratos, que existindo no sertão brasileiro serviam de alimento a todos sem distinção e seriam, no seu dizer, muito saborosos. Esta é, de certo modo, uma informação que nos elucida sobre a progressiva adaptação dos sabores e dos hábitos alimentares das populações europeias residentes no território brasileiro.

108 Diálogos, op. cit., p. 160. 109 Um outro exemplo são os Meros, designados cunapu pelos índios, que, na opinião de Soares de Sousa, são tão grandes, que depois de mortos lhes caberá na boca um leitão grande de seis meses. A esse propósito conta até uma engraçada história: «e por façanha se meteu já um negrinho de três anos dentro da boca de um destes peixes, os quais têm tamanhos fígados como um carneiro..., e têm o bucho tamanho como uma grande cidra...; o couro deste peixe é tão grosso como um dedo e muito gordo.» Notícia, op. cit., p. 200.

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E porque eram igualmente abundantes e variadas, também as plantas tintureiras despertaram desde o início a atenção dos nautas portugueses, de tal modo que a primeira planta a que Pêro Vaz de Caminha faz referência tem a ver com as pinturas corporais dos índios: «Este, que assim os andava afastando, trazia seu arco e setas, e andava tinto de tintura vermelha pelos peitos e espáduas e pelos quadris, coxas e pernas até abaixo, e os vazios, com a barriga e estômago, era de sua própria cor; e a tintura era assim vermelha que a água não lha comia nem desfazia, antes quando saía da água era mais vermelho.» 110

A cor vai atrair os nautas portugueses, que procuravam constantemente pigmentos para a tecelagem. A planta é o anatu ou urucu. A esta planta tintureira se refere também Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, ao dizer que a terra do Brasil tem muitas tintas, para além do pau-brasil: «E sem tratar do pau chamado do Brasil, por ser bem conhecido, há outra tinta tão bôa como a que ele dá, quando não seja de vantagem, a qual é a que chamam urucu, que dá uma tinta vermelha, maravilhosa; e assim uns cachos que tem uma fruta semelhante a ameixas, que se produzem de umas pacoveiras pequenas, a qual faz uma excelente tinta, de mais transformações que um camaleão, porque se aplica para diferentes côres, e depois de sêca dura muito tempo, com conservar a sua tinta perfeita; outro pau pardo a que não sei o nome, que em tudo faz o efeito da galha, porque lançado dentro na água em rachas se, se lhe ajunta uma pequena de caparrosa, incontinenti se tornam o pau e a água tão negros como a tinta. Êste pau fiz experimentar no Reino, e acharam os tintureiros ser bom para com êle se dar a primeira tinta, sôbre que se assentam as outras; Também se faz tinta amarela muito boa de um pau chamado tatajuba. E da fruta de uma árvore por nome genipapo se forma uma tinta preta, o qual fruto, com dar o sumo branco, se qualquer pessoa se untasse com êle, ficaria na parte untada negra, e não lhe tirará a negridão

110 Carta ao Rei D. Manuel, op. cit., p. 15.

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por espaço de alguns dias, ainda que se lave muitas vezes.» 111 Daqui se depreende da abundância da terra brasileira em plantas que serviam para tingir.

A planta tintureira mais famosa deste território, foi sem dúvida o pau-brasil, de tal modo que a possessão portuguesa do Novo mundo, viria a adoptar definitivamente o seu nome. A importância do pau-brasil, atingiu uma proporção de tal modo acentuada na economia portuguesa e europeia, juntamente com o açúcar, que a estes dois produtos dedicaremos atenção especial e particular, no último capítulo deste trabalho.

O missionário Cardim refere com entusiasmo e fascínio a abundância do ananás, e descreve esta odorífera e saborosa fruta das terras brasílicas, afirmando: «Há tanta abundância desta fruta que se cevam os porcos com ela, e não se faz tanto caso pela muita abundância: e também se fazem em conserva, e cruas desenjoam muito no mar [...]».112 Só uma terra cuja natureza fértil e próspera faz lembrar o Jardim das Delícias poderia produzir em tal abundância uma fruta que mesmo em épocas posteriores foi considerada como «o rei dos frutos».

Mas também o mar e as suas imensas riquezas, os extensos e caudalosos rios, as inúmeras lagoas e riachos são parte integrante desta paisagem brasileira e, por isso, determinantes da sua vasta grandeza.

Os nossos autores referem a abundância de peixes e mariscos, e também todas as inumeráveis riquezas que advinham da imensidão das águas brasílicas.

Logo com a carta de Pêro Vaz de Caminha ao Rei D. Manuel, somos informados da abundância de águas nas terras do Novo Mundo: «[...] e passaram um rio (que por aí corre água doce) de muita água, que lhes dava pela braga, e outros muitos com eles».113 Mais adiante confirma: «E então o capitão passou o rio com todos nós outros, e fomos pela praia de longo, indo os

111 Diálogos, op. cit., p. 137. 112 Tratados, op. cit., p. 115. 113 Carta ao Rei D. Manuel, op. cit., p. 13.

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batéis assim a carão da terra, e fomos até uma lagoa grande de água doce que está junto com a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima, e sai a água por muitos lugares».114 Acrescenta ainda que as «águas são muitas infindas.»115

Gândavo diz a propósito dos peixes existentes nas águas do Brasil, que são muito abundantes, saborosos e sadios, e acrescenta que se não houvesse outro tipo de caça, ele só seria suficiente para alimentar em abundância os moradores.

Gabriel Soares de Sousa, na sua Notícia do Brasil, descreve mais de cem rios, designando-os não só pelos nomes atribuídos pelos europeus, mas também pelos nomes indígenas. Na sua descrição minuciosa e sistemática da costa brasileira, o naturalista agricultor fala abundantemente das enormes potencialidades das águas brasílicas. Assim, faz referência à navegabilidade dos diferentes cursos de água; ao seu caudal e respectivo aproveitamento para o funcionamento dos engenhos de açúcar; à fertilidade das terras que por eles são banhadas; à abundância de pescado e marisco; à quantidade e qualidade do âmbar que o mar lança fora no Inverno, e que tanto intrigou os observadores de Quinhentos.

As águas do Brasil eram também povoadas de camarões, lagostins, caranguejos, ostras, tartarugas, tubarões. A beleza invulgar das espécies brasileiras encantou o missionário Fernão Cardim, de tal modo que chega a comparar a beleza dos peixes voadores a pedras preciosas. Só uma natureza excepcional e prodigiosa poderia criar tamanhas maravilhas.

Na sua descrição, o nosso autor alude também a diferentes espécies de caranguejos, mexilhões, berbigões, búzios, coral branco. Acerca deste último, diz Cardim que existe em grande quantidade, embora seja difícil de obter, acrescentando ainda que este coral branco é utilizado para fazer cal.

No que diz respeito aos rios, o padre Fernão Cardim fala da abundância, formosura, claridade e salubridade das águas e ainda

114 Ibid., op. cit., p. 18. 115 Ibid., op. cit., p. 25.

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da utilidade e abundância dos peixes de água doce, que se dão, tal como a maior parte dos outros, como remédio aos doentes. Dá especial atenção a um, a que os indígenas chamam jaú, que é parecido no sabor ao solho de Espanha. Este peixe mede entre catorze a quinze palmos, é muito gordo e saboroso, e serve também para fazer manteiga. Cardim mostra-se maravilhado com a abundância de peixes, nos rios do Brasil, e diz que às vezes são tantos que se utilizam na engorda dos porcos.

Conclui dizendo que até os regatos têm camarões: «Em os regatos pequenos há muitos camarões, e alguns de palmo e mais de comprimento, e de muito bom gosto e sabor.»116 Mais uma vez nos deparamos com a abundância, neste caso de espécies das águas brasílicas, característica que reforça o carácter paradisíaco deste Mundo Novo, repleto de recursos inimagináveis.

É bem visível mais uma vez, o deslumbramento perante a exuberância de uma natureza abundante e variada.

3. Da Excelência da Mãe-Natureza e da Botica Natural Esta natureza, diferente e rica em variadas espécies,

caracteriza-se ainda pela excelência das suas potencialidades. Assim, os veados eram muitos e de várias espécies, e o jesuíta Fernão Cardim compara-os a formosos cavalos. Só uma natureza com uma excepcional prodigalidade e excelência podia criar seres tão excepcionais, pois é-nos extremamente difícil imaginar veados com o tamanho de cavalos.

Gabriel Soares de Sousa descreve três espécies: uns têm chifres, tal como os de Espanha, outros não os têm, sendo uns brancos e outros ruivos. O que é certo é que todos eles são bons para comer, pois a sua carne, apesar de dura, é muito saborosa. As suas peles são também proveitosas, uma vez que, depois de curtidas com a casca dos mangues, ficam mais macias que as dos veados de Espanha, e utilizam-se para confeccionar botas. 116 Tratados, op. cit., p. 152.

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Cardim aponta-lhes ainda uma outra utilidade, que é a de os seus chifres e nervos servirem aos Carijós, para fazerem os bicos das suas flechas e bolas de arremesso.

O padre Francisco Soares descreve os mais pequenos, citando Nicolau Monardes, médico e naturalista espanhol, que nasceu em Sevilha em 1493, aí falecendo em 1588. Apesar de não ter estado na América, dedicou-se ao estudo das produções naturais desse continente e através dos testemunhos de viajantes, conseguiu formar em 1554 um pequeno Museu de História Natural, que foi um dos mais antigos da Europa. Na sua descrição, Francisco Soares, afirma que estes pequenos animais são tal qual Monardes os descreve: «Há outros mais pequenos, suaçupiranga; não têm cornos e nadam muito, [...] e um que não tem cornos é como o pinta Monardes. Deve de ter pedras bazares.»117 O missionário revela aqui claramente ter conhecimento dos seus contemporâneos como Nicolau Monardes, que, como já referimos, foi um médico e naturalista espanhol, autor de várias obras sobre os produtos vindos da América.

Os mangarazes serão parecidos com nozes e avelãs, arrancando-se da terra do mesmo modo que a junça: cada pé terá entre 200 a 300 mangarazes e tem as folhas como as dos espinafres, mas maiores. Mais uma vez se nota a utilização dos superlativos, que é uma constante nas descrições que os nossos autores fazem das espécies do Novo Mundo, com certeza com o objectivo de exaltar a excelência dos produtos brasílicos.

Do milho, diz Soares de Sousa ser produto natural do Brasil, indicando o nome pelo qual é conhecido entre os Índios (ubatim). Descreve-o como tendo espigas de mais de um palmo, sendo a árvore mais alta que um homem, com a grossura das «canas da roça» e dando em cada vara três, quatro e mais espigas. Os índios comem-no assado, e fazem vinho com ele cozido, com o qual, na opinião do nosso autor, se embebedam eles, os mestiços e os brancos que têm contacto com eles. As 117 Coisas Notáveis do Brasil, op. cit., p. 152.

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potencialidades medicinais do milho são também apontadas por Soares de Sousa, e delas falaremos mais adiante.

Quanto às pimentas, Gabriel Soares descreve seis variedades, dizendo que umas são do tamanho de cerejas, outras são grandes e compridas e tornam-se vermelhas quando maduras, outra têm um bico semelhante ao dos ervanços, ainda outras que sendo também compridas e finas quando maduras queimam mais do que verdes, outras, finalmente, parecidas com a abóbora, quando verdes têm uma cor azulada e depois de maduras ficam vermelhas.

Estas especiarias do Brasil são sempre, na opinião dos nossos autores, iguais ou superiores às da Índia.

Ainda a propósito da pimenta, diz Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, que há pimentas de muitas sortes e castas, como por exemplo o gengibre, que segundo ele é no Brasil muito abundante e em tudo melhor do que o da Índia; a invira, que no seu dizer «usurpa para si o efeito que faz a pimenta, cravo e canela, com tingir como açafrão, cousa que o não crerá senão quem o experimentar, e tem muito bom cheiro.»118 Verificamos como na opinião destes autores as diferentes especiarias do Brasil têm qualidades superiores às da Índia, tanto que no dizer de Brandónio uma só, a invira, acumulará as qualidades da pimenta, cravo, canela e do açafrão.

No que respeita ao anil, afirma Brandónio ser tão abundante no Brasil, que não se desinça da sua planta a terra, mas, ao contrário do que acontece na Índia, onde «se planta e granjeia com muito cuidado e diligência» não lhe dão qualquer importância no Brasil, onde: «nasce sem nenhuma indústria, e a pouco trabalho se poderá dela fazer cópia grande de anil [...]».119

Gabriel Soares, ao referir-se às palmeiras que dão os cocos, diz que se dão melhor na Baía, do que na Índia, e exemplifica, afirmando que, metendo-se um coco na terra, a árvore que dele

118 Diálogos, op. cit., p. 136-137. 119 Ibid., op. cit., p. 137.

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nasce, na Baía, dá cocos no prazo de cinco a seis anos, enquanto que na Índia nem em vinte anos os dá.

Brandónio, um dos interlocutores dos Diálogos das Grandezas do Brasil, dá mais uma vez testemunho da fertilidade e abundância da terra brasileira que, quando comparada com a da Índia, revela uma incalculável superioridade. No Brasil, a maior parte dos produtos naturais são em tudo melhores do que na Índia, tanto pela sua superior qualidade, como também porque no seu cultivo e colheita não é necessário grande trabalho, tornando-se por isso mais rentáveis.

A este respeito, também Brandónio se manifesta, afirmando a excelência das terras brasílicas para o cultivo de todas as espécies idas de qualquer dos territórios conhecidos dos portugueses, e aponta, como único senão, o pouco interesse que terão os habitantes do Brasil nesse mesmo cultivo.

Qualquer um destes autores, refere: os pepinos que, no seu dizer, se darão melhor no Brasil que em Lisboa, pois não precisam de ser regados nem estrumados; as abóboras de conserva são maiores e melhores que as das ortas de Alvalade; as melancias são também maiores e melhores que as de Espanha, delas se fazendo uma conserva muito substancial; a mostarda semeia-se à volta das casas nas fazendas e dá muita mostarda e saborosa.

Quando se refere ao Brasil, também o missionário Cardim encontra que quase tudo é melhor do que no reino, quer seja o clima que é mais ameno, e onde por isso os homens vivem muito mais e com menos doenças, o mar com mais abundância de peixe sadio, ou ainda as coisas que Deus criou na terra. O nosso autor fala também das espécies levadas para o Brasil pelos portugueses, referindo que se dão melhor nestas terras do Novo Mundo que nos seus locais de origem. Assim, os cavalos, vacas e porcos eram já muito abundantes, sendo os cavalos já em número suficiente para fornecer Angola, enquanto a carne de vaca e a de porco é por ele considerada muito saborosa. Das ovelhas diz que são também já muitas, e refere com graça que algumas engordam de tal modo, que acabam por rebentar. As

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galinhas e adens (gansos) são muitos, maiores e mais bonitos que os de Portugal.

Verificámos que as espécies não originárias do território brasileiro se adaptaram tão bem ou melhor a esta natureza generosa do que nas regiões de onde procediam, tornando-se geralmente, na opinião dos nossos autores, muito superiores, pois produziam mais e com maior qualidade, dando a maior parte das vezes várias colheitas no ano. As diferentes espécies eram aqui maiores e mais saborosas que nos locais donde provinham.

Só o padre Fernão Cardim e Gabriel Soares de Sousa se referem ao beijupirá, considerando-o um peixe parecido com a solha; de cor parda, terá a cabeça grande e tão gorda como o toucinho. E, segundo opinião de Gabriel Soares, os ossos da cabeça serão tão tenros que se desfazem na boca. O autor faz também o inventário da quantidade de ovas que cada fêmea pode fornecer: cada uma dará um prato grande de ovas amarelas e gostosas. Acrescenta que, como este peixe se movimenta nos baixios, é tarefa fácil apanhá-los com o arpão ou à linha.

As baleias mereceram também atenção especial dos nossos cronistas. Este grande cetáceo foi tratado por todos no capítulo dos peixes, e a atenção que lhe dedicaram deve-se não só ao facto de ser um animal muito corpulento, mas também à ideia que quase todos, embora revelando algumas dúvidas, referiram de ser ela a origem do formoso e valioso âmbar. Todos estão de acordo quanto a este ser um animal de arribação, afirmando o missionário Cardim que a principal razão para acudirem à costa brasileira se deve a esta ser cheia de baías, enseadas e esteiros.

A origem e o modo como aparecia o âmbar cinzento nas praias do Brasil provocaram grande controvérsia entre os autores quinhentistas.

Segundo Gândavo, para uns é esterco de baleia e para outros o esperma da mesma baleia. Mas ele tem uma interpretação mais interessante e até possivelmente um pouco lírica do fenómeno, pois na sua opinião o âmbar será um licor que nasce em alguns

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sítios do mar e constitui um manjar para as baleias, que o comem até à embriaguez, lançando os restos para as praias.

Cardim não emite sobre o mesmo assunto qualquer opinião, limitando-se a referir as opiniões de outros: «querem dizer que elas deitam o âmbar que acham no mar, e de que também se sustentam, e por isso se acha algum nesta costa; outros dizem que o mesmo mar o deita nas praias com as grandes tempestades e comumente se acha depois de alguma grande.»120

As baleias eram consideradas valiosas não só por produzirem, na opinião de alguns cronistas de Quinhentos, o precioso âmbar, mas ainda porque delas se fazia muito azeite.

Brandónio revela grandes incertezas ao tratar da proveniência do âmbar nos Diálogos das grandezas do Brasil, afirmando inicialmente ser um completo engano pensar-se que as baleias produzem o âmbar. Em sua opinião, este nascerá no fundo do mar, em recifes, e depois de partido pelas baleias e outros peixes, o mar lança-o fora. Mais adiante faz uma ressalva ao que acabara de dizer, afirmando que «pôsto que há poucos dias me certificaram uma cousa que sucedeu nos limites do Rio Grande, assaz verdadeira a qual desbarata tudo o que acima digo, acêrca da criação do âmbar. [...] Afirmaram-me dois homens dignos de fé e crédito, pelo haverem visto com o ôlho, que nas praias do Rio Grande, no Cabo Negro, um morador da mesma capitania, por nome Diogo de Almeida, [...] achara nela um pau do comprimento de um braço e quase da mesma grossura, que o mar lançara à costa, [...] e por este pau vinha pegado (ao modo que o faz a resina pelas árvores) três ou quatro onças de âmbar-gris, muito bom, que parece que no fundo das águas se criam também árvores da sorte daquele pau, que dão o âmbar por resina. E se assim é, enganaram-se os que entenderam até agora que nascia como arrecifes, e deram no alvo os que queriam que fosse resina, porque o pau achado dá disso bastante prova.»121

120 Tratados, op. cit., p. 133. 121 Diálogos, op. cit., p. 166.

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As águas constituíram, de facto, para o Brasil de Quinhentos um dos factores propiciadores de algumas das suas imensas grandezas. Por um lado, pela abundância de peixes e crustáceos, que habitando a água doce ou salgada eram um importante recurso na alimentação humana, sobretudo se tivermos em conta o facto de a religião dominante, o Cristianismo, impor aos seus habitantes, em determinadas épocas do ano, uma dieta alimentar baseada essencialmente no consumo de peixe. Mas ainda também porque tornavam a terra extremamente fértil, propícia ao desenvolvimento da agricultura. Os prados sempre verdejantes eram favoráveis a uma criação de gado também muito valiosa. Mas as águas eram importadas sobretudo porque constituíam factor fundamental da existência das verdadeiras unidades industriais que eram os engenhos de açúcar. A água era a principal força motriz dos engenhos, sendo também fundamental para o transporte das caixas de açúcar, no escoamento deste produto para o litoral. A abundância de água era também um factor paradisíaco e, como vimos, constituiu tema comum, largamente tratado por todos os cronistas que são objecto do nosso estudo.

Além disso, todos os nossos autores, sem excepção, louvam a excelência das saborosas, odoríferas, sumarentas, coloridas, exóticas e utilitárias frutas deste maravilhoso e extraordinário Mundo Novo.

Esta terra será de tal modo excelente que, na opinião de Brandónio, superará de certo modo o Paraíso sonhado pelos poetas. Os frutos brasileiros serão em tudo superiores aos que os poetas imaginaram e celebraram como pertencentes aos campos Elísios, como afirma o autor: «Mas já que imos tratando dos frutos que os campos produzem, quero vos mostrar que são tais estes brasilenses, que lhes ficam muito atrás os Elísios, tão celebrados dos poetas em seus fingimentos [...]».122 Só um território extraordinariamente fértil poderia produzir com tal abundância e excelência, que levava os cronistas de Quinhentos 122 Diálogos, op. cit., p. 130.

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a compará-lo ou a elevá-lo, mesmo bastas vezes, a um nível superior ao do Jardim das Delícias, numa tentativa de retorno aos tempos ditosos da primeira Idade de Ouro.

A excelência das terras brasílicas revelava-se também no vasto e excelente aproveitamento medicinal de grande parte da sua grandiosa natureza. O território brasileiro mostrava-se cada vez mais também como um grande fornecedor de matéria médica exótica. Muitas das abundantes plantas, árvores e animais, serviam de antídoto contra as várias doenças que na época pululavam no território.

E a maioria dos cronistas portugueses da época, particularmente os Jesuítas, deram atenção especial ao tratamento das diferentes qualidades terapêuticas das várias espécies brasílicas, mostrando possuir a esse respeito vastos conhecimentos e revelando-se frequentemente maravilhados com a grande utilidade médica das espécies brasileiras.

O padre Francisco Soares dá ao capítulo V da sua obra Coisas Notáveis do Brasil, o seguinte título: Das ervas que Dioscórides123 não teve conhecimento nem fez menção, nem outros autores. O missionário revela não só o seu deslumbramento com a quantidade, variedade e potencialidades das ervas medicinais existentes nas terras brasílicas, como manifesta também um perfeito conhecimento dos clássicos mais eminentes.

No presente estudo trataremos em primeiro lugar das espécies que os nossos autores referem como medicamentos para várias enfermidades, nomeadamente o tratamento de feridas, boubas, postemas, sinais e resfriados.

123 Dioscorides nasceu em Tarsos e estudou em Alexandria, foi ele o médico do exército romano no tempo do imperador Nero. Foi um grande nome da medicina na sua época, descreveu cerca de seiscentas plantas, tendo também estudado a sua acção terapêutica, quer usadas simples, quer misturadas. Foi um nome muito divulgado e comentado no período da Renascença. Cf. J. Caria Mendes, O Livro Commentarii de Varia Rei Medicae (Antuérpia, 1564) de Garcia Lopes, in: A Universidade e os Descobrimentos, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, INCM, Lisboa, 2000, p. 277.

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Neste rol de espécies com vastas qualidades curativas está a árvore apelidada Copaíba, a cujo óleo o padre Cardim, Gabriel Soares e o missionário Francisco Soares atribuem propriedades verdadeiramente milagrosas, referindo a propósito que se revela excelente na cura de feridas, para retirar sinais, frialdades e dores de barriga. Todos eles afiançam também que até os animais feridos se esfregam no tronco desta árvore para sararem as suas feridas.

O padre Francisco Soares conta a propósito das virtudes terapêuticas do óleo desta árvore a sua experiência pessoal afirmando o seguinte: «testemunha sou eu que me cortaram uma cabeça de um dedo num navio, e foi ao mar, e pus-lhe um pequeno (bocado) deste óleo e logo sarou e fiquei são, só escassamente se enxergava um branquinho como linha delgada por onde foi o golpe, e não cria matéria».124 Semelhantes maravilhas só se tornavam possíveis numa região cujas riquezas naturais se revelavam cada vez mais extraordinárias.

A cura das boubas125 é com certeza uma preocupação dos habitantes das terras brasílicas. A maioria dos nossos autores refere-se com frequência às qualidades medicinais de diversas espécies para o tratamento desta enfermidade. Ainda no que concerne a espécies com diversas virtudes terapêuticas, diz-nos o padre Fernão Cardim que a árvore Caarobmoçorandigba, à qual o missionário Francisco Soares chama Caroba, tem o pau parecido com o da China, e possui, na opinião dos dois, qualidades medicinais para corrimentos, boubas e resfriados.

Uma árvore que o missionário Cardim descreve como tendo a folha semelhante à dos pessegueiros de Portugal, mas que deita um leite semelhante ao das figueiras de Espanha, é a Curupicaígba, que tem óptimas virtudes curativas para feridas 124 Coisas Notáveis do Brasil, op. cit., p. 173. 125 As boubas, uma doença muito comum entre os indígenas do Brasil, provocava lesões cutâneas e ósseas. Do contacto com os Ameríndios, esta doença, a par da sífilis, acabou por ser introduzida na Europa. Cf. Jorge Couto, A Construção do Brasil, Ameríndios, Portugueses e Africanos, Do início do povoamento a finais de Quinhentos, Lisboa, Ed. Cosmos, 1995, pp. 326-330.

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velhas e novas, tirando até o sinal que deixam, servindo igualmente para curar boubas. O padre Francisco Soares aconselha-a para os mesmos fins.

As folhas do Maracujá são igualmente, na opinião de Cardim, excelente remédio na cura de chagas velhas e boubas, acrescentando-lhe Gabriel Soares a virtude de o fruto ser também excelente para os doentes de febres.

São também notórias as virtudes medicinais da árvore que Cardim apelida de Ambaigba e que, numa breve descrição, identifica como sendo uma figueira não muito grande. Gabriel Soares designa-a pelo nome de Embaíba. Na sua opinião são de tal modo extraordinárias as qualidades curativas do olho desta árvore e do óleo da Copaíba, espécie a que fizemos já referência, que, diz o autor da Notícia do Brasil, na Baía não é necessário ocupar os cirurgiões, porque cada um é em sua casa o seu próprio cirurgião, graças a estas duas espécies. São exemplos das imensas potencialidades de uma natureza extraordinariamente dadivosa.

As espécies proveitosas na cura de feridas, bostelas, boubas, postemas, fogagem seca, sinais, sarna ou inchaços são extensamente tratadas por Fernão Cardim, Gabriel Soares de Sousa e pelo padre Francisco Soares. Os autores referem o Camará, que o jesuíta Cardim afirma ser parecido com as silvas de Portugal, com uma flor muito formosa parecida com um cravo amarelo almiscarado. A água de cozer esta planta tem, na opinião dos autores Fernão Cardim e Gabriel Soares, virtudes medicinais na cura das doenças atrás mencionadas.

As potencialidades do Jenipapo são mais uma vez postas em evidência, quando os nossos cronistas lhe atribuem igualmente excelentes virtudes terapêuticas. Tanto o naturalista Gabriel Soares, como o missionário Cardim referem que é utilizado pelo gentio na cura das bostelas das bubas.

O fruto mais formoso, excelente e exótico das terras brasílicas era com toda a certeza o Ananás possuía também, na opinião dos cronistas portugueses de Quinhentos, excelentes e vastas virtudes terapêuticas. Assim, estaria indicado, nas

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opiniões de Gabriel Soares e do missionário Francisco Soares, para curar feridas, pois no seu dizer “come a carne podre.” O padre Cardim indica-o ainda como excelente remédio para doentes de pedra, e também para resolver problemas de enjoos no mar. Serviria ainda, segundo o missionário Francisco Soares, na cura das mordeduras de cobra, pois para além de fazer deitar a peçonha, tinha também a virtude de curar a ferida. A natureza excelente e diversa desta terra verdadeiramente prodigiosa era de um aproveitamento extraordinário.

Para além das virtudes medicinais do ananás, na cura da dor de pedra, os nossos autores indicam também com as mesmas qualidades, para alívio da referida dor, o chamado peixe-boi. Este animal possui uma assinalável importância no campo medicinal, pois as duas pedras que tem junto aos miolos, são, como diz o padre Fernão Cardim, «único remédio para dor de pedra, porque feita em pó e bebida em vinho, ou água, faz deitar a pedra, como aconteceu que dando-a a uma pessoa, deixando muitas outras experiências, antes de uma hora botou uma pedra como uma amêndoa e ficou sã estando dantes para morrer.»126

A natureza brasílica revela-se constantemente pela sua prodigalidade. Os autores portugueses de Quinhentos falam-nos igualmente de muitas outras espécies existentes nas terras brasílicas e que possuem excelentes qualidades curativas para o fígado, dores de dentes, estômago, chagas da boca, dores de cabeça e câmaras de sangue.

O missionário Fernão Cardim refere, maravilhado, as virtudes de uma árvore a que chama Iabigrandi, que na sua opinião teria sido descoberta há muito pouco tempo e da qual os estudiosos dos assuntos da Índia dizem ser o betele (planta existente na Índia). As suas folhas são, na opinião do nosso missionário, «o único remédio para as doenças de fígado, e muitos neste Brasil sararam já de mui graves enfermidades do fígado, comendo delas.»127 A raiz de uma segunda variedade de

126 Tratados, op. cit., p. 130. 127 Ibid., op. cit., p. 104.

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betele, mais pequena, servirá, na opinião do mesmo autor, para curar dores de dentes: «metendo-a na cova deles queima como gengibre.»128 Uma natureza tão extraordinariamente excelente era verdadeiramente característica dos maravilhosos cenários que os autores medievais tanto tinham exaltado.

Ainda no que concerne às espécies com qualidades curativas para o fígado e dores de dentes o naturalista agricultor Gabriel Soares de Sousa fala-nos da Jaborandiba, que tudo leva a crer seja a mesma que o missionário Fernão Cardim descreve como Iabigrandi, pois a descrição e qualidades medicinais são muito semelhantes. Gabriel Soares afirma que quem esteve na Índia lhe chama betele, sendo a água das folhas cozidas medicinal para o fígado. O autor acrescenta ainda que: «Quem se lava com estas cozidas nas partes eivadas do fígado, lhas cura em poucos dias.»129 As suas folhas mastigadas são também boas para as dores de dentes.

O padre Francisco Soares fala também das qualidades medicinais da espécie que designa por Bétele-da-Índia – Jaborandi, afirmando que existe no Brasil em tal quantidade «que se podem carregar navios nos brejos e onde há água».130 Adianta ainda que é óptimo remédio para o fígado, câmaras de sangue e dores de dentes.

Uma outra espécie que possuirá virtudes para curar doenças do fígado é a fruta que o naturalista Soares de Sousa designa por Curuanha, afirmando que tanto se ingere crua como assada, sendo de qualquer forma excelente farmacopeia para o fígado.

Para alívio das doenças de estômago, os nossos autores indicam também algumas excelentes espécies, nomeadamente a Ambaigtinga, o Caju e a Erva Santa ou Tabaco. O missionário Fernão Cardim identifica a Ambaigtinga como figueira do inferno, afirmando que se encontra nas aldeias ou casas abandonadas. E ao referir-se ao seu aproveitamento medicinal diz que, segundo

128 Ibid., op. cit., p. 104. 129 Notícia, op. cit., p. 140. 130 Coisas Notáveis, op. cit., p. 177.

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o médico e naturalista espanhol Monardes, têm grande virtude, sendo as folhas boas para cólicas do estômago.

Uma fruteira que para além do seu exotismo e excelente sabor possui igualmente, na opinião abalizada de Gabriel Soares de Sousa, amplas virtudes medicinais é o Caju. Afirma o cronista, que para além de ser óptimo remédio para o estômago, é igualmente excelente medicina para o fastio, hálito e digestão.

A chamada erva santa ou tabaco foi amplamente descrita pelos autores portugueses de Quinhentos, que a designaram deste modo pelas enormes virtudes medicinais que lhe atribuíram. Assim, o missionário Manuel da Nóbrega foi o primeiro a elogiar-lhe as virtudes terapêuticas, e o padre Fernão Cardim refere-a em termos francamente elogiosos, sendo na sua opinião remédio para várias doenças, tais como feridas ou catarros, mas principalmente para as doenças do estômago, para a asma e dores de cabeça. Cardim afirma que beber o fumo da erva santa constitui uma das delícias e mimos das terras brasílicas, pelo que é utilizada por índios e portugueses, como acrescenta: «são todos os naturais, e ainda os Portugueses perdidos por ela, e têm por grande vicio estar todo o dia e noite deitados nas redes a beber fumo, e assim se embebedam dela, como se fora vinho.»131 Alguns anos mais tarde, também um dos interlocutores de os Diálogos das Grandezas do Brasil, Brandónio, louva as virtudes medicinais do tabaco ou erva santa.

No que concerne a medicinas para o alívio das dores de cabeça, os nossos autores indicam também uma fruta que designam por pino, à qual atribuem excelentes qualidades terapêuticas para o referido mal.

As câmaras de sangue incomodaram com certeza os habitantes do Brasil de Quinhentos, de tal modo que todos os nossos autores referem cuidadosa e longamente várias das medicinas que consideram úteis para o alívio do referido mal. Assim a fruta igbacamuci, semelhante aos marmelos, com a forma de uma panela ou pote, tem dentro umas pequenas sementes 131 Tratados, op. cit., p. 124.

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que, na opinião do padre Fernão Cardim, são excelente remédio para câmaras de sangue.

Um outro remédio excelente para a mesma doença será, na opinião do mesmo autor, a raiz da igpecacóaya. O nosso autor descreve da seguinte forma a maneira de preparar a mezinha: «esta raíz moída botada em um pouco de água se põe a serenar uma noite toda, e pela manhã se aguenta a água com a mesma raiz moída, e coada se bebe somente a água, e logo se faz purgar de maneira que cessam as câmaras.»132 O peixe sapo é também indicado pelo missionário Fernão Cardim para a cura da mesma enfermidade.

Finalizamos este assunto com a referência às importantes virtudes terapêuticas que o padre Fernão Cardim atribui ao esterco do jacaré, afirmando o autor que é bom especialmente: «para belidas», que Ana Maria Azevedo traduz para «manchas na córnea do olho.»133

Esta é a excelência de uma natureza prodigiosa e com aproveitamento verdadeiramente extraordinário, para benefício da qualidade de vida dos habitantes da imensa terra brasileira.

4. Do Mantimento do Brasil a um Novo Portugal em Terras Brasileiras As grandezas naturais da terra brasileira são evidentes na

abundância das várias e diferentes espécies com excelentes qualidades nutritivas; na excelente adaptação ao solo brasílico, daquelas que os portugueses, na boa tradição de transplante das espécies, levaram de Portugal, das Ilhas e mesmo da longínqua Ásia, para o ambiente novo e único das terras de Vera-Cruz; e

132 Ibid., op. cit., p. 120. 133 Cf. Ana Maria Azevedo, in: Tratados da terra e Gente do Brasil, Fernão Cardim, Transcrição do texto, introdução e notas por Ana Maria Azevedo, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1997, p. 154.

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nos imensos prodígios da criação, notórios nas novidades e estranhezas desta natureza prodigiosa e belíssima de espécies originárias do Brasil e até aí nunca observadas, nem sequer imaginadas. A terra fértil, os bons ares, os imensos arvoredos e águas cristalinas e abundantes geram uma infinidade de espécies autóctones e fazem com que as de outros mundos se desenvolvam de tal modo que são a maior parte das vezes mais abundantes e excelentes no Brasil do que nas suas terras de origem.

Esta natureza grandiosa, diversa e exótica foi tratada pelos autores que se integram no âmbito do nosso estudo, com maior ou menor especificidade, minuciosidade e rigor, conforme as épocas em que o fizeram e as finalidades e interesses que os moveram. Mas a motivação prática constituía um dos anseios da época, um dos interesses inerentes aos Descobrimentos e à sua motivação económica e era por isso natural que, ao descreverem os seres vivos os cronistas os apreciassem não só pela sua beleza ou exotismo mas também pelo seu valor como recursos.134 Todos os autores por nós analisados vão interessar-se, por isso, também pelas diferentes espécies brasílicas e analisar o seu valor como recursos alimentares e outros.

A mandioca é considerada pelos cronistas portugueses de Quinhentos como o mantimento do Brasil, dedicando-lhe todos eles, a partir de Gândavo, extensas descrições. Chamam a atenção para as suas qualidades nutritivas, mas também para o perigo que pode constituir se preparada e consumida sem se terem em conta os devidos cuidados na sua preparação.

Magalhães de Gândavo faz, no seu texto, uma descrição pormenorizada da mandioca e chama a atenção para as suas funções alimentares, dizendo que, porque não semeiam nem se dá outro mantimento no Brasil, come-se, em lugar do pão, a farinha de pau. Descreve com cuidado esta planta desconhecida e põe em evidência os elementos tóxicos contidos na sua raiz.

134 Cf. Carlos Almaça, «Os Portugueses do Brasil e a Zoologia Pré-Lineana», in: A Universidade e os Descobrimentos, INCM, Lisboa, 1993, p. 192.

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Gabriel Soares de Sousa, dedica-lhe seis capítulos, considera-a o principal mantimento do Brasil e o mais substancial. O nosso autor descreve-a pormenorizadamente, afirmando, que enquanto uma casta é parecida com inhames e batatas, outra terá a rama estreita como a do sabugueiro, e uma outra como a da parra, mas com um verde mais escuro, com os pés compridos e vermelhos como os das parreiras. De seguida, dá uma informação sobre as diferentes maneiras de a plantar, e sobre as suas diferentes castas. Explica a utilidade da mandioca e o modo de a tornar comestível: «[...] e para se aproveitarem os Índios e mais gentes destas raízes depois de arrancadas, rapam-nas muito bem até ficarem alvíssimas, o que fazem com cascas de ostras e depois de lavadas, ralam-nas em uma pedra ou ralo que para isso têm depois de bem raladas espremem esta massa em um engenho de palma a que chamam tupitim, que lhe faz lançar a água que tem toda fora e fica toda esta massa toda enxuta muito bem, da qual se faz a farinha que se come, que cozem em um alguidar para isso feito em o qual deitam esta massa e a enxugam sobre o fogo onde uma índia a mexe com um meio cabaço como quem faz confeitos, até que fica enxuta e sem nenhuma humidade e fica como cuscuz, mas mais branda e desta maneira se come e é muito saborosa.»135

De seguida, o autor refere o facto de as mulheres portuguesas terem inventado uma receita de filhós ou beijus com esta massa obtida da raiz da mandioca, os quais acha muito saborosos e de fácil digestão, acrescentando que são alimento de «gente de primor». A adaptação a esta nova e excelente natureza é bem real por parte dos portugueses. O desconhecimento das plantas leva-os à observação dos exemplos dos gentios e a seguir o seu aproveitamento da natureza.

Gabriel Soares de Sousa adianta também outra utilidade da massa que serve igualmente para fazer tapioca, mas informa que não é de tão fácil digestão como os beijus e acrescenta a melhor

135 Notícia, op. cit., p. 112.

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maneira de a ingerir: «quentes e com leite têm muita graça e com açúcar clarificado também.»136

Na sua exaltação por esta natureza, os autores não escondem, por exemplo, a nocividade e utilidade da água da mandioca, considerando-a a mais terrível peçonha que há no Brasil. Essa água bebida por qualquer animal ou ser humano é mortal. Numa natureza prodigiosa, a excelência e a beleza podem ter também lados nocivos.137

Soares de Sousa informa ainda da existência de três tipos de farinha de mandioca – a fresca, o carimá e a de guerra –, indicando também os diferentes modos de obtenção dessas farinhas. O cronista tece rasgados elogios às suas qualidades, sendo este, no seu dizer, o melhor mantimento que se conhecia no Brasil, exclusão feita ao trigo.

Outras plantas despertaram nos autores quinhentistas considerados na nossa análise, especial atenção, tanto pelo exotismo e novidade, como pelas suas potencialidades alimentares, pois acabaram por dar origem, em épocas subsequentes, a verdadeiras revoluções nos hábitos alimentares dos Europeus. É o caso da vulgarização, embora tardia, do milho e da batata, o que acabou por provocar profundas alterações na demografia do Velho Continente.

Assim, não podiam faltar neste breve apontamento os carazes, mangarazes, milho, feijões, amendoins, pimenta e azeites, produtos com qualidades alimentares excepcionais e de que falam mais pormenorizadamente Gabriel Soares de Sousa na sua Notícia do Brasil e Brandónio nos Diálogos das Grandezas do Brasil.

136 Ibid., op. cit., p.112. 137 O autor reforça a ideia de que é coisa muito nociva, apontando mais um exemplo dessa mesma nocividade, que é o de comer a ferrugem a qualquer objecto metálico, facto que a pode tornar útil para certas coisas, nomeadamente, para tirar a ferrugem de algumas armas. Gabriel Soares, acrescenta-lhe ainda uma particularidade interessante que é a de criarem uns bichos muito peçonhentos, que, segundo ele, serão utilizados pelas mulheres brancas e índias quando se querem livrar dos maridos.

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Dos carazes, diz Soares de Sousa serem umas raízes maiores que batatas, que se plantam do mesmo modo. Comem-se cozidas e assadas tal como os inhames, mas serão mais saborosos que estes. É a abundância e excelência das espécies brasílicas.

Afirma também que os portugueses fazem da sua massa manjares doces, acrescentando que se comem cozidos com carne. A adaptação do gosto dos portugueses aos novos sabores dos produtos que descobriram no Novo Mundo é evidente, chegando ao ponto de descobrirem novas receitas para um melhor aproveitamento das enormes potencialidades com que se depararam.

Os mangarazes comem-se de esparregado e cozidos com peixe, as mulheres farão com eles muitos manjares com açúcar.138

Os feijões serão também naturais das terras brasílicas, e as fontes descrevem-nos como sendo de várias cores, mais compridos que os de Espanha e com a folha e a flor como as das ervilhas. Os cronistas descrevem-nos como muito saborosos e apontam aquelas que consideram ser as melhores maneiras de os consumir: cozidos, secos e verdes.

Os amendoins são descritos pormenorizadamente, mas com alguma imprecisão, pois ao contrário do que afirmam, não nascem «nas pontas das raízes». A de Gabriel Soares é talvez a melhor descrição quinhentista desta planta e revela que o naturalista agricultor vê bem, mesmo faltando-lhe o rigor que lhe pode acrescentar o especialista dos nossos dias. Quanto às suas diferentes utilizações, o nosso autor diz que servem para comer, acrescentando os diferentes modos de os consumir. Com a casca, diz que sabem a «ervanços», mas quando assados e cozidos com essa mesma casca serão muito saborosos, sendo-o ainda mais se torrados com a casca. Indica ainda as diferentes formas de preparação que lhe darão as mulheres portuguesas.

138 Notícia, op. cit., p. 118. Constata-se que a imaginação culinária das mulheres portuguesas de Quinhentos tem um papel fulcral no aproveitamento alimentar das espécies brasileiras.

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94 A NATUREZA BRASILEIRA

Revelando estar bem informado quanto às práticas culinárias da terra brasileira, refere mais uma vez a boa adaptação das mulheres portuguesas aos novos produtos encontrados no Brasil, afirmando que fazem dos amendoins toda a variedade de doces que costumam fazer com amêndoas, cortando-os, cobrindo-os com açúcar e misturando-os com os confeitos e fazendo também pinhocas com eles.

A adaptação do paladar europeu aos sabores do Novo Mundo é uma realidade cada vez mais evidente à medida que se avança no tempo. Concluímos, pelo estudo das fontes coevas, que os portugueses souberam aproveitar bem os imensos recursos destas paragens, e facilmente adaptaram o paladar aos exóticos produtos que encontraram. Esta abundância e variedade de produtos alimentares era completamente nova para o europeu, habituado desde sempre a dificuldades na obtenção de alimentos em quantidades suficientes que lhes permitissem uma subsistência sem sobressaltos de escassez de víveres.

Mas acerca desta terra, cujo solo fecundo e com uma vegetação tão generosa que muitas vezes produzia sem ser cultivada, não podiam faltar descrições sobre as mais diversas especiarias, que na opinião dos nossos autores excediam sempre as da Índia, quer em produtividade, quer em qualidade, nem sequer sobre a abundância de plantas tintureiras que também existiam em grandes quantidades, e desde o início interessaram Caminha.

Se se referem ao valor económico e comercial das aves brasílicas, os autores por nós analisados aludem manifestamente ao valor alimentar da imensa variedade de aves com que depararam nessa terra de inigualáveis riquezas.

Gabriel Soares de Sousa diz, a propósito do rio Real, que «para cima dez ou doze léguas se pode também navegar com barquinhos pequenos e por aqui acima é terra muito boa para se poder povoar, porque dá muito bem todos os mantimentos que lhe plantam e dará muito bons canaviais de açúcar, [...] pelo que povoando-se este rio, se podem fazer nele engenhos de açúcar porque tem ribeiras que se nele metem muito acomodadas para

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isso».139 O autor dá especial importância à hidrografia brasileira, não só pela imensa quantidade de peixes que habitavam as suas águas e pela fertilidade que proporcionavam, mas ainda porque as águas dos rios eram vitais para o funcionamento dos engenhos de açúcar, sendo os cursos de água necessários como força motriz para o funcionamento dos engenhos. As águas eram ainda fundamentais para a circulação dos barcos que transportavam as matérias primas e as caixas de açúcar para os navios.

As riquezas que nas terras brasílicas provinham tanto do mar e dos rios, como das lagoas, riachos e baías, um assunto que mereceu o interesse do padre Fernão Cardim, que dedicou particular atenção às diferentes qualidades de peixes e ao precioso âmbar.

Dos peixes, distinguiu os que habitavam em água salgada dos que viviam na água doce e falou também dos peçonhentos e de outras espécies da fauna marinha, como os caranguejos, lagartos de água e lobos do mar. O seu gosto pelos peixes é evidente, devido talvez à dieta alimentar, que permitia maior consumo deste alimento do que de carne. Quando faz a comparação entre os peixes de Portugal e os das terras brasílicas, afirma ser sua a opinião de que estes são sempre mais sadios e saborosos.

O valor alimentar dos peixes das águas do Novo Mundo é imenso, facto pelo qual todos os nossos autores, exceptuando Pêro Vaz de Caminha, fazem descrições pormenorizadas das várias espécies de pescados que abundavam nas águas brasílicas.

O naturalista agricultor Soares de Sousa chega ao ponto de sugerir algumas indicações culinárias para tornar a carne do peixe-boi mais saborosa: «feita toda em fêveras com sua gordura misturada e em fresco e salpresa, de vinha-d’alhos assada parece lombo de porco e faz-lhe vantagem no sabor; as mãos cozidas deste peixe são como as de porco, mas têm mais que comer [...]».140 O mesmo autor refere igualmente a melhor maneira de

139 Notícia, op. cit., p. 28. 140 Notícia, op. cit., p. 199.

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ingerir os meros, dizendo que o «bucho» é muito saboroso recheado de fígados do mesmo peixe, que «salpreso» é muito saboroso.

Os nossos cronistas indicam ainda algumas qualidades de peixes, úteis não só para serem consumidos frescos, secos e salpresos, mas também para fabricar manteiga, banha e azeites, com diferentes aproveitamentos culinários. Assim, o olho-de-boi, que é parecido no tamanho e aspecto interior e exterior com os atuns de Espanha, embora tenha os olhos semelhantes aos de boi, é muito saboroso e dele se faz manteiga e banha como a de porco.

O camurupig, que ocorre pela primeira vez num texto português na História da Província de Santa Cruz de Pêro de Magalhães de Gândavo,141 para além de ser utilizado na alimentação, serve também para fazer manteiga. Cardim não aconselha, no entanto, que se ingira este peixe, pois tem muitas espinhas, tornando-se perigoso para quem o consome.

No que diz respeito aos peixes identificados como semelhantes aos europeus, a opinião comum aos nossos cronistas, era que os das águas brasílicas os excediam geralmente em sabor, qualidade e excelência.

Os tubarões, embora descritos como extremamente perigosos, são também assinalados por Cardim pelas suas utilidades, quer pelo azeite que dão, quer pelos dentes, utilizados pelos Índios na elaboração de flechas, de modo a torná-las mais eficazes nas suas funções.

No rol das frutas naturais do Brasil não podiam faltar aquelas que, na tradição da fácil adaptação dos portugueses aos novos sabores, eles utilizaram para confeccionar uma especialidade grata ao seu paladar, a marmelada. Neste grupo incluímos o guti, o qual se come cru, sendo ainda mais saboroso se, na opinião de Gabriel Soares, for comida misturada com vinho. O autor

141 Cf. Ana Maria de Azevedo, in: Tratados da Terra e Gente do Brasil, op. cit., p. 131.

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acrescenta que também se come em marmelada, que será muito saborosa.

Mas não podia faltar na descrição das frutas inéditas, com excepcional sabor e variado aproveitamento, aquela que era designada por curuanha. Gabriel Soares começa por descrever a fruteira que será semelhante a vides, trepa pelas outras árvores e tem pouca folha. A fruta come-se crua ou assada, tendo quer de uma maneira, quer de outra o sabor e o aroma das maçãs camoesas. Serve também para fazer marmelada muito saborosa, com cheiro agradável a almíscar, afirmando Gabriel Soares que quem não a conhece a confunde com «perada»142.

Decorrente da fertilidade da terra, bondade dos ares e abundância das águas, desenvolviam-se fácil e abundantemente no território todas as espécies idas de fora do Brasil e Gabriel Soares de Sousa na descrição que faz do litoral brasileiro, dedica atenção especial aos campos sempre cobertos de erva verdejante e aos imensos cursos de água, propícios à criação de gado: «por onde estas aldeias estão é a terra boa, aonde se dão todos os mantimentos da terra mui bem por ser muito fresca com muitas ribeiras de água»143

Os mantimentos da terra de que todos beneficiavam eram, como acabámos de ver, muitos e variados, mas a terra é de tal modo fértil e o clima do Brasil tão aprazível, que ultrapassa em seu entender tudo o que de bom se encontra no reino. Por isso, todos os nossos autores referem largamente a abundância de recursos, derivados dessa mesma fertilidade da terra e amenidade do clima, que fazia com que tudo o que era levado de fora do Brasil se adaptasse de tal modo que se tornava melhor do que era nos seus lugares de origem. Gabriel Soares faz, contudo, no nosso entender, uma análise mais pormenorizada, detendo-se com mais atenção naquilo que diz respeito à região da Baía.

142 Notícia, op. cit., p. 130. 143 História, op. cit., p. 30.

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O exemplo da Baía é significativo da extraordinária abundância que caracterizava a terra brasileira, pois, no dizer de Gabriel Soares, tudo o que foi levado para a Baía produzia mais que nos seus sítios de origem. A exuberância da terra brasileira é de tal ordem que as frutas brasílicas são sempre melhores que as da Europa, mesmo quando dela são originárias.144

Assim, as uvas amadurecem durante todo o ano, sendo muito gostosas e doces; as figueiras dão figos todo o ano, que são grandes e saborosos; as romeiras, produzem passados dois anos depois de se plantar um raminho e dão fruto todo o ano; as romãs são grandes e têm um sabor maravilhoso; as laranjeiras passados três anos de se semear a pevide, transformam-se em árvores mais altas que homens e começam a dar laranjas, que no dizer de Soares de Sousa «têm mui suave sabor e seu doce mui agradável é tanto, que a camisa branca com que as vestem os gomos, é também muito doce».145

Da flor da laranjeira faz-se no Brasil uma água muito fina e com cheiro mais suave que a de Portugal. As limas dão-se da mesma maneira que as laranjas, as doces são muito grandes, formosas e saborosas, muito superiores às de Portugal, quer no tamanho, quer no sabor. As cidreiras plantam-se de estaca, embora dêem melhor de pevide, e dão fruto todo o ano, cidras maiores e mais saborosas que as de Portugal. Os limões franceses são tão grandes como as cidras de Portugal, fazem-se árvores formosas rapidamente e dão muito fruto.

Ao mencionar as sementes de Espanha que se dão na Baía, Gabriel Soares, nomeia uma infinidade, considerando que produzem em muito maior quantidade sem precisarem de tantos cuidados, sendo muito mais saborosas, maiores e de melhor qualidade. É o louvor constante da terra brasileira, de tal modo excelente que

144 Cf. Maria Aparecida Ribeiro, Literatura Brasileira, Lisboa, Universidade Aberta, 1994, p. 34. 145 Notícia, op. cit., p. 107.

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além de produzir os deliciosos frutos nativos, torna mais delicioso o sabor dos trazidos de fora.146

Dos peixes, distinguiu o missionário Fernão Cardim, como já tivemos oportunidade de referir, os que habitavam em água salgada dos que viviam na água doce. As águas da Baía mereceram-lhe especial atenção, tanto pela beleza, como pela variedade de espécies que mais satisfaziam o seu paladar, afirmando que «Folgara de saber descrever a formosura de toda esta Bahia e recôncavo, as enseadas e esteiros que o mar bota três, quatro léguas pela terra dentro, os muito frescos e grandes rios caudais que a terra deita ao mar, todos cheios de muita fartura de pescados, lagostins, polvos, ostras de muitas castas, caranguejos e outros mariscos.»147 Quando estabelece o cotejo entre os peixes de Portugal e os das terras brasílicas, na sua opinião estes são sempre mais sadios e saborosos.

A comparação dos peixes do Brasil com os de Portugal é uma constante, e estas descrições da fauna marinha são tão marcadamente rigorosas que podemos considerá-las quase científicas, pois permitem-nos, graças aos pormenores, identificar perfeitamente as espécies descritas e até visualizá-las e confrontá-las com as que ainda hoje existem no actual território brasileiro.148

O humanista e missionário Fernão Cardim afirma por diversas vezes nos seus textos que o Brasil é «um novo Portugal»: «dão-se pelos matos amoras de silva, pretas e brancas, e pelos campos bredos, beldroegas, almeirões bravos e mentrastos, não falo nos fetos, que são muitos, e de altura de uma lança se os deixam crescer. Em fim esta terra parece um novo Portugal.»149 O Brasil era assim para o padre Cardim, assim 146 Cf. Maria Aparecida Ribeiro, Qual Barroco? Qual Brasil, in: Claro-Escuro 4&5, Lisboa, 1991, p. 17. 147 Tratados, op. cit., p. 243. 148 Cf. Ana Maria de Azevedo, Tratados da Terra e Gente do Brasil, Transcrição do texto, introdução e notas por Ana Maria de Azevedo, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, op. cit., p. 29. 149 Tratados, op. cit., p. 275.

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como para todos os nossos autores, «um novo Portugal». Os colonos, missionários e administradores tentavam assemelhá-lo o mais possível ao território pátrio, baptizando lugares, rios, lagos, enseadas, montes, vales, e cidades com os nomes portugueses, imbuídos talvez no início de um certo sentimento de nostalgia. Porém, o que é certo é que a terra brasílica se tinha revelado, na opinião dos coevos, como um território em tudo muito melhor que o solo pátrio. Assim, numa atitude maravilhada, exaltavam constantemente a extrema fertilidade e abundância de uma terra, que por isso mesmo era, no seu dizer, um Portugal novo: Portugal, porque as designações eram portuguesas, mas novo por ser verdadeiramente melhor, pois revelara-se muito superior ao primeiro, suplantando-o em todos os aspectos.

5. Da Beleza e Exotismo do Novo Mundo A natureza brasileira criou, como temos vindo a salientar,

espécies abundantes, excelentes e por isso, aos olhos dos descobridores portugueses, belas: a admiração e o espanto por esta natureza, leva a defini-la como bela. Recordemos o padre Cardim quando, ao exaltar a formosura da Baía do Rio de Janeiro, diz que «A cidade está situada em um monte de boa vista para o mar, e dentro da barra tem uma baía que bem parece que a pintou o supremo pintor e arquitecto do mundo Deus Nosso Senhor, e assim é cousa formosíssima e a mais aprazível que há em todo o Brasil, nem lhe chega a vista do Mondego e Tejo; é tão capaz que terá 20 léguas em roda cheia pelo meio de muitas ilhas frescas de grandes arvoredos, e não impedem a vista umas às outras que é o que lhe dá graça».150 Cardim revela, pois, sinais claros de adoração por esta terra,

150 Tratados, op. cit., p. 267-268.

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onde até os rios são alegres: «e o rio mui alegre , cheio de muitas flores e frutas [...]».151

Ora, esta constante admiração e reconhecimento levam os nossos autores a exaltarem como belo o que nem sempre é assim definido. Vejamos. A excelência da terra é tal que até as cobras podem ser vistas como seres formosos, tal como o faz o missionário Cardim, que a propósito da igbigboboca (cobra coral) afirma: «Esta cobra é muito formosa, a cabeça tem vermelha, branca e preta, e assim todo o corpo manchado destas três cores.»152 Curiosamente, salienta igualmente o bom e suave cheiro das jararacas.

Uma outra cobra é descrita por Cardim como sendo muito formosa, a caninana, que no seu dizer será comprida e grossa, de cor verde e «muito formosa». A propósito da cobra sucurijuba diz: «Esta cobra é a mor, ou das maiores que há no Brasil, assim na grandeza como na formosura; [...] Tem uma cadeia pelo lombo de notável pintura e formosa [...]».153 O amor por esta terra é de tal forma grande que o leva a admirar e respeitar tudo o que a natureza tenha criado, procurando explicação para a anormalidade e os perigos das espécies existentes.

Deste modo, e embora as cobras despertem medo e respeito em Cardim, como na maioria dos nossos autores, o nosso missionário procura tecer uma interessante analogia entre a quantidade de ofídios e o tipo de clima do Brasil, justificando assim a existência de espécies nocivas e perigosas: «Parece que este clima influi peçonha, assim pelas infinitas cobras que há, como pelos muitos Alacrás (lacraus), aranhas e outros animais imundos, e as lagartixas são tantas que cobrem as paredes das casas, e agulheiros delas.»154

151 Ibid., op. cit., p. 272. 152 Ibid., op. cit., p. 83. 153 Ibid., op. cit., pp. 152-153. 154 Ibid., op. cit., p. 84. Cardim, como observador e um amante e estudioso da natureza, chama ainda a atenção para os perigos que representam as cobras, e dá indicações sobre o que deve ser feito no caso de se ser atacado e

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Entre outros, Cardim refere ainda o peixe voador. Descrevendo primorosamente porque se revela encantado com a sua beleza, indica que terá mais ou menos cerca de um palmo a palmo e meio de comprimento, com os olhos muito bonitos e o corpo todo pintado, de tal modo que «parecem pedras preciosas; a cabeça também é muito formosa. Têm asas como de morcegos, mas muito prateadas [...]. Também são bons para comer, e quando voam alegram os mareantes, e muitas vezes caem dentro das naus, e entram pelas janelas dos camarotes.»155 A beleza invulgar das espécies brasileiras encantou o nosso missionário, de tal modo que chega a comparar a beleza dos peixes voadores a pedras preciosas, só uma natureza excepcional e prodigiosa poderia criar tamanhas maravilhas.

Assim, se o clima e a terra do Brasil eram por um lado, geradores de «peçonha», o que justifica a infinidade de cobras e de outros animais «imundos», por outro são o mesmo clima e a mesma terra os responsáveis pela beleza das aves: «Assim como este clima influi peçonha, assim parece influir formosuras nos pássaros, e assim como toda a terra é cheia de bosques, e arvoredos, assim o é de formosíssimos pássaros de todo o género de cores.»156

A beleza e exotismo das espécies brasileiras eram tais, que extasiaram os nossos cronistas. Mas é certamente o missionário Fernão Cardim aquele que revela maior sensibilidade na descrição da formosa e exótica natureza brasílica. O Brasil continuava a possuir, nas abalizadas opiniões dos nossos autores, as maiores maravilhas do Universo. E é ao observarem as aves dotadas de belas cores e harmoniosos sons, bem como as lindas e coloridas plumagens, que os autores mais reforçam a sua admiração e espanto por uma natureza perfeita e bela.

mordido por alguma. Divide-as, tal como os outros autores, em duas espécies fundamentais: as que não têm peçonha, e as que a têm. 155 Ibid., op. cit., p. 136. 156 Tratados, op. cit., p. 84.

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5.1. Do Colorido Harmonioso das Paisagens Brasileiras

O Brasil é, para todos os nossos autores, muito rico também

pela beleza das cores e pelos sons maravilhosos da sua natureza luxuriante e dotada de uma beleza às vezes quase excessiva e exótica. Um dos aspectos retratados onde mais se evidencia esta característica é nas sonoridades e variado colorido das aves brasílicas.

Já Pêro Vaz de Caminha, no seu depoimento sobre a nova terra descoberta, faz alusão às aves, que ele imagina existirem em quantidade considerável nas terras de Vera Cruz, como resultado da existência de enorme quantidade de arvoredos: «[...] mas segundo os arvoredos são mui muitos e grandes e de infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves.»157

A beleza das cores e a sonoridade do canto das aves brasílicas seduziram todos os autores quinhentistas que são objecto do nosso estudo. Todos sem excepção se mostraram maravilhados com as aves deste Mundo Novo, nos testemunhos escritos que nos deixaram sobre as apaixonantes experiências que constituíram a sua passagem e permanência nas terras brasileiras.

O humanista Gândavo inicia o tratamento das aves, referindo que, de todos os assuntos a que se pode fazer referência na sua história, este é o mais aprazível e formoso. Revela-se maravilhado com «[...] a grande variedade das finas e alegres cores das muitas aves que nesta província se criam [...]».158 Estas cores e sons das aves brasílicas revelam a perfeição, a proporção e o esplendor das belezas da natureza brasileira que são, sem sombra de dúvidas, qualidades verdadeiramente paradisíacas.

Os papagaios mereceram a atenção e o apreço de todos os autores por nós estudados, não só pela beleza da sua plumagem, mas também pelo seu significado simbólico, pois para além de

157 Carta ao Rei D. Manuel, op. cit., p. 21. 158 História, op. cit., p. 93.

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saberem imitar a voz humana, procediam de países remotos, da Índia essencialmente, o que lhes emprestava, como vimos, algum do seu mistério.159

Também Gabriel Soares de Sousa estabelece a relação entre a grande quantidade de arvoredos existentes no Brasil e as aves que se criam nesses mesmos arvoredos, atribuindo-lhes nomes indígenas tal como Cardim, e comparando-as com as de Espanha, Alemanha ou mesmo África. Revela-se completamente seduzido com a beleza do canto das aves brasílicas, de tal modo que dedica um capítulo aos «passarinhos que cantam». Termina sempre a descrição de cada um deles afirmando que «cantam muito bem», e no que diz respeito aos muiepererus acrescenta que: «[...] cantam como rouxinóis mas não dobram tanto como eles.»160 Símbolo de harmonia e felicidade, a música do canto dos passarinhos era o eco da alegria celestial. Nesta natureza tudo parecia assim estar em ordem e em harmonia com o Deus Criador.

Do mesmo modo, Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, depois de alertar o seu interlocutor para a grande quantidade de aves do Brasil, afirma: «Nesse particular lhe sobrepuja sumamente toda esta província, que, se me derdes atenção, e a mim me ocorrer à memória o nome e natureza delas, vos causará espanto; pôsto que, por muito que diga, sempre devo de ficar curto.»161

Revela a mesma opinião acerca do rouxinol do Brasil, que não cantará tão bem como o de Portugal: «rouxinol, pôsto que não tão músicos como os da nossa terra, por carecerem daquele doce dobrar e requebros, que os outros têm, porque todos os pássaros do Brasil são faltos de semelhante suavidade [...]».162

O padre Fernão Cardim foi talvez aquele que se revelou mais sensível aos encantos das aves brasílicas, chegando ao pormenor

159 Veja-se o subcapítulo 3.4. 160 Notícia, op. cit., p. 165. 161 Diálogos, op. cit., p. 150. 162 Ibid., op. cit., p. 152.

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de lhes apontar a cor dos olhos, ou mesmo aquilo que ele considerou os hábitos estranhos de algumas.

Assim, os guigrajúba são, na sua opinião, «um pássaro melancólico», pois não falam, nem brincam. Revela serem contudo muito valiosos para os índios, de tal modo que chegam a dar por cada um deles duas pessoas.

O iapú é descrito por Cardim como sendo do tamanho de uma pega, com o corpo preto, o rabo amarelo e gracioso, possuindo na cabeça dois pequenos penachos semelhantes a uns cornitos, sendo, na sua opinião, muito bonito, pois tem os olhos azuis e o bico amarelo. Para além disto, aponta-lhe uma estranha e interessante particularidade, que é a de ter um cheiro muito intenso quando se zanga.

O colorido das penas do canindé encantou os autores de Quinhentos. Soares de Sousa descreve-o com muita beleza, e de uma forma atenta e minuciosa. Diz que é do tamanho de um grande galo: «[...] tem as penas das pernas, barriga e colo amarelas, de cor muito fina e as costas acatasoladas de azul e verde e nas asas e rabo azul, o qual tem muito comprido e a cabeça por cima azul e o redor do bico amarelo; tem o bico preto, grande e grosso e as penas do rabo e das asas são vermelhas pela banda de baixo.»163

Acrescenta que estas aves falam e gritam muito alto e grosso. Mordem muito e alimentam-se de frutos. Os índios comem-lhe a carne, apesar de ser dura, e utilizam-lhes as penas amarelas para confecção de carapuças, e as do rabo, que têm entre três a quatro palmos, servem-lhes «para as embagadeiras das suas espadas.»164

Vestindo-se com as plumagens das aves, os índios brasileiros recordam a sua estreita relação com a natureza, tornando a presença humana colorida e bela para quem os observa. Colorindo-se com a própria natureza, eles faziam assim parte da mesma.

163 Notícia, op. cit., p. 157. 164 Ibid., op. cit., p. 157.

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O guigranheéngetá cujo termo tupi significa «pássaro que fala ou canta muito»165 é, na opinião de Cardim, uma ave muito bela, do tamanho de um pintassilgo, com as costas e as asas azuis e o peito e a barriga amarelos, e uma particularidade que o torna realmente maravilhoso: um diadema amarelo que tem na testa. No dizer do nosso autor, canta e fala muito bem, imitando os outros pássaros. Cardim admira-lhe não só a beleza das cores, como a sua capacidade de falar de muitas maneiras, assim como a bela sonoridade do seu canto.

Os hábitos do tangará impressionaram vivamente Cardim, que depois de o descrever como sendo mais ou menos do tamanho de um pardal, de cor preta, excepto a cabeça que é de um amarelo alaranjado muito suave, acrescenta: «[...] não canta, mas tem uma cousa maravilhosa que tem acidentes como de gota coral, e por esta razão o não comem os índios por não terem a doença; tem um género de baile gracioso, um deles se faz de morto, e os outros o cercam ao redor, saltando, e fazendo um cantar de gritos estranhos que se ouve muito longe, e como acabam esta festa, grita, e então todos se vão, e acabam sua festa, e nela estão tão embebidos quando a fazem que ainda que sejam vistos, e os espreitem não fogem».166

Cardim inicia a descrição do quereiuá afirmando que as cores formosas da plumagem fazem estes pássaros muito estimados, e os índios chegam por isso a dar três pessoas por uma destas aves, utilizando as suas belas penas em adornos de várias espécies. O autor diz que são metade azuis claros, metade azuis escuros, tendo o peito roxo e as asas quase pretas.

165 Cf. Ana Maria de Azevedo, in: Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil, Transcrição do texto, introdução e notas por Ana Maria de Azevedo, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, op. cit., p. 89. 166 Tratados, op. cit., p. 89.

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O guigrapónga ou pássaro «ferreiro»,167 chamou a atenção de Cardim pela estranheza do seu canto, semelhante ao toque de um sino.

O padre Francisco Soares descreveu também maravilhado algumas das que ele considerou as mais belas aves brasílicas. O colorido das suas penas e o som maravilhoso do seu canto encantaram-no e seduziram-no, captando tanto a sua atenção como a de todos os nossos autores de Quinhentos.

Tal como Cardim, também este missionário foi ao pormenor de fornecer informação sobre as cores dos olhos das diferentes aves que observou, revelando claramente um projecto de conhecer a natureza, um exemplo de ambição de realização de saber enciclopédico. Assim, comparando o tamanho do tucano, ao de uma perdiz, descreve-o como sendo «[...] preto por fora e amarelo pelo meio e por dentro vermelho; alguns têm os olhos azuis; toda a cor é boa desta pena; os papos são amarelos e já vi mais de quatro mil papos juntos nos Carijós; é vestido dos naturais, alguns quando se querem vestir de festa, scilicet suas carapuças e outras coisas; há outros mais pequenos, têm o peito vermelho, os olhos verdes e os pés.»168

Uma particularidade que não deixa de ser de certo modo estranha é o facto de tanto o padre Francisco Soares, como Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, serem os únicos, daqueles autores por nós analisados, que não fazem qualquer referência ao longo e caricatural bico desta estranha ave sul americana. Brandónio diz a seu respeito: «tucano, ave formosíssima, emplumada de várias côres, de sorte que alegra a vista a contemplação delas».169

Concluímos pelas expressões maravilhadas de todos os autores analisados que esta natureza é de tal modo esplendorosa e bela que gera felicidade e alegria em quem a observa.

167 Cf. Ana Maria de Azevedo, in: Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente do Brasil, op. cit., p. 90. 168 Coisas Notáveis do Brasil, op. cit., p. 162. 169 Diálogos, op. cit., p. 152.

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5.2. A Festa das Frutas Os frutos que os portugueses viram no Brasil também os

encontraram verdadeiramente paradisíacos, mas o que mais os surpreendeu e deslumbrou foi igualmente a já referenciada enorme quantidade de frutas com que se depararam e que não conheciam de nenhum dos outros continentes. Assim, também neste aspecto a terra brasileira constituía um autêntico viveiro de maravilhas.

As saborosas, sumarentas, odoríferas e coloridas frutas brasílicas constituíram para os europeus que aportavam às terras do Novo Mundo uma verdadeira festa para os sentidos. Nas suas deslumbrantes e minuciosas descrições, quase todos os autores portugueses de Quinhentos distinguem normalmente as frutas derivadas das ervas que são fruto e se comem, daquelas provenientes das árvores de fruto.

Os nossos autores, sem excepção, louvam a excelência das saborosas, odoríferas, sumarentas, coloridas, exóticas e utilitárias frutas deste maravilhoso e extraordinário Mundo Novo.

Todos eles dão destaque particular ao ananás, que descrevem com entusiasmo, surpresa e minúcia, recorrendo mais uma vez à analogia para uma melhor visualização desta extraordinária fruteira originária da América.

Os cronistas que se enquadram no âmbito do nosso estudo, incluem o ananás no agrupamento das ervas que são fruto e se comem. Todos lhe louvam e registam o bom e suave odor, o excelente sabor, a abundância de sumo e a formosura.

O humanista Gândavo revela-se um verdadeiro apreciador desta fruta, que considera a melhor do reino: «Outra fruta há nesta terra muito melhor, e mais prezada dos moradores de todas, que se cria em uma planta humilde junto do chão: a qual planta tem umas pencas como de erva babosa. A esta fruta chamam ananases e nascem como alcachofras, os quais parecem naturalmente pinhas, e são do mesmo tamanho e alguns

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maiores. Depois que são maduros, têm um cheiro mui suave, e comem-se aparados feitos em talhadas. São tão saborosos que, a juízo de todos, não há fruta neste reino que no gosto lhes faça vantagem.»170

Gabriel Soares de Sousa dedica um capítulo inteiro ao ananás e ao justificar a razão porque o descreveu em último lugar relativamente às outras frutas, diz que tal aconteceu, porque em sua opinião se lhe tivesse dado o primeiro lugar, ninguém repararia nas restantes, e para além disso tinha que o tratar isoladamente, pois no seu dizer «[...] se lhe não podia dar companhia que convém a seus merecimentos.»171 O autor louva-lhe entusiasticamente a beleza, o sabor, o aroma, e chega até a inventariar a quantidade de sumo que cada um produzirá: «Para se comerem os ananases hão-de-se aparar muito bem, lançando-lhe a casca toda fora e a ponta de junto do olho por não ser tão doce e depois de aparado este fruto, o cortam em talhadas redondas como de laranja ou ao comprido ficando-lhe o grelo que vai correndo do pé e até ao olho e quando se corta, fica o prato cheio de sumo que dele sai como é de cor dos gomos da laranja e alguns há de cor mais amarela e desfaz-se todo o sumo na boca como o gomo de laranja, mas é muito mais sumarento».172 Eis uma fruta tão excepcional,173 que serve de excelente alimento não só ao corpo, mas também aos sentidos.174

Gabriel Soares revela a sua predilecção pela conserva de ananás em detrimento do fruto fresco, afirmando que esta não é nem tão quente, nem tão húmida. A conserva de ananás servia

170 História, op. cit., p. 84. 171 Notícia, op. cit., p. 133. 172 Ibid., op. cit., p. 134. 173 Todos os nossos cronistas que descreveram o ananás lhe louvam também as qualidades de tirar a ferrugem das espadas e facas, assim como as nódoas da roupa, servindo igualmente para fazer conserva muito boa e saborosa, e ainda vinhos igualmente gostosos, mas não só para as populações indígenas, mas igualmente apreciados por todos. 174 Este fruto não só é belo, como igualmente muito utilitário.

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talvez para colmatar o facto de esta planta não se ter aclimatado no reino, ao contrário do que tinha acontecido na Índia, onde por estas alturas já tinha chegado, segundo a opinião de Cristóvão da Costa.175

Só uma terra cuja natureza fértil e próspera faz lembrar o Jardim das Delícias, poderia produzir em tal abundância uma fruta que mesmo em épocas posteriores foi considerada como «o rei dos frutos». Tanto assim é que, bastante mais tarde, já nos inícios do século XVIII, também Frei António do Rosário, na sua obra Frutas do Brasil,176 bem elucidativa do que significava a festa das frutas para os coevos, considera o ananás como o «Rey dos pomos», pois a casca assemelha-se a um brocado como a opa real, e tem formosa e grande estatura, ao que se acrescenta um sabor delicioso.177

Ainda neste grupo Das ervas que são fruto e se comem, referiremos uma outra igualmente apreciada pelos seus maravilhosos e suculentos frutos: o maracujá. Este é geralmente descrito tal como todos os outros desconhecidos até então, com recurso à analogia relativamente ao que é já conhecido. Os maracujás são frequentemente comparados a laranjas. Gabriel Soares descreve-o dizendo: «dá uma flor branca muito formosa e grande que cheira muito bem, donde nascem umas frutas como laranjas pequenas, muito lisas por fora, a casca é da grossura da das laranjas de cor verde clara; o que tem dentro se come, que além de ter bom cheiro tem suave sabor [...]».178 O maracujá é, no dizer dos autores de Quinhentos, fruta de maravilhoso aroma e sabor, podendo não só apenas comer-se

175 Cit. in: Alfredo Margarido, As surpresas da flora no tempo dos Descobrimentos, As Plantas inesperadas da América, Lisboa, Ed. Elo, 1994, p. 108. 176 O franciscano Frei António do Rosário redigiu uma imensa alegoria, constituída por uma vistosa relação de frutos tropicais, em honra de Nossa Senhora. 177 Frei António do Rosário, Frutas do Brasil Numa Nova, e Ascetica Monarquia, Consagrada à Santíssima Senhora do Rosário, Lisboa, na officina de António Pedrozo Galram, Ano de 1702, p. 1. 178 Notícia, op. cit., p. 132.

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fresca, mas servindo igualmente para fazer conserva. Só um solo maravilhosamente generoso e um território com uma perene primavera dava de si espontaneamente tão saborosos e extraordinários frutos. O maracujá com sabor e aroma tão excepcionais era também muito abundante nas terras brasileiras.

Uma outra fruteira que os autores portugueses, residentes no Brasil descreveram foi a pacobeira.179 Cardim considera esta planta verdadeiramente formosa, de tal modo que faz uma analogia interessante entre as suas folhas e o veludo de Bragança,180 afirmando que: «[...] as folhas que deita são formosíssimas e algumas de comprimento de uma braça, e mais, todas rachadas como veludo de Bragança, tão finas que se escreve nelas, tão verdes, e frias, e frescas que deitando-se um doente de febres sobre elas fica a febre temperada com sua frialdade, são muito frescas para enramar as casas e igrejas».181

Mas neste rol de frutas exóticas, odoríferas, sumarentas e extraordinariamente gostosas, incluiremos também algumas daquelas que os nossos autores, a partir de Gândavo, descreveram no capítulo das árvores de fruto. 179 A Pacoba ou bananeira, é constituída por cachos de vários tamanhos, nutritiva e saborosa. No território brasileiro existem várias espécies de bananeiras. A bananeira terá sido levada pelos portugueses de São Tomé para o Brasil no início do século XVI. Gabriel Soares de Sousa distingue a pacoba brasileira da banana importada de São Tomé. 180 Esta referência à indústria da seda e dos veludos de Bragança dá-nos uma ideia de como era já próspera esta actividade que teve um importante desenvolvimento no Nordeste Transmontano. No capítulo referente à seda, o autor de Memórias Arqueológico–Históricas do Distrito de Bragança atesta a antiguidade da indústria da seda no referido distrito afirmando que «Em 1475 o duque de Guimarães representou a el-rei que tendo feito contrato com Ruy Gonçalves de Portilho e Gabriel Pinello, genovez, para lavramento da seda em Bragança [...]» e acrescentando ainda que: «Em 1531 pedia-se ás côrtes que as sedas que se creassem e obrassem em velludos, tafetás, retrozes e outras obras, assim na cidade (de Bragança) como na terra, podessem ir livremente pelo reino vender-se, [...].», in: Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, por Francisco Manuel Alves, Reitor de Baçal, Tomo II, Tipografia Académica, Bragança, 1982, p. 452. 181 Tratados, op. cit., p. 116.

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112 A NATUREZA BRASILEIRA

Neste capítulo aquela que pelo seu extraordinário exotismo constituía um verdadeiro milagre da criação era o cajueiro. Tornava-se verdadeiramente complicada a sua descrição para o entendimento das mentalidades europeias, que não estavam minimamente preparadas para a explicação da prodigiosa evolução das fases de crescimento do caju. Não havia na Europa a mais pequena notícia desta inédita planta, pelo que ninguém podia imaginar que a prodigiosa natureza americana levasse tão longe a fantasia na produção de frutos. Mas neste mundo fantástico e prodigioso tudo parecia possível, porque verdadeiramente paradisíaco. É assim que todos os autores que a descreveram, se revelaram encantados e surpresos com tamanho exotismo.

Gabriel Soares de Sousa descreve a árvore e o fruto apelando mais uma vez à analogia: «Estas árvores são como figueiras grandes, têm a casca da mesma cor e a madeira branca e mole como figueira, cujas folhas são da feição das da cidreira e mais macias. As folhas dos olhos novos são vermelhas e muito brandas e frescas, a flor é como a do sabugueiro de bom cheiro mas muito breve. [...], o fruto é formosíssimo, algumas árvores dão fruto vermelho e comprido, outras o dão da mesma cor e da mesma feição, mas há partes vermelhas, há outras de cor almecegada e há outras árvores que dão o fruto amarelo e comprido como peros-de-el-rei, mas são em tudo maiores que peros e da mesma cor. Há outras árvores que dão este fruto redondo e um e outro são muito gostosos e sumarentos e de suave cheiro, os quais se desfazem todos em água.»182

O naturalista agricultor revela-nos na sua atenta e pormenorizada descrição o enorme apreço que tem por esta planta singular, que na sua abundância e diversidade não se limita a produzir, como todas as conhecidas da Europa, uma só espécie de fruta: «É para notar que no olho deste pomo tão formoso cria a natureza outra fruta parda a que chamamos castanha, que é da feição e tamanho de um rim de cabrito, a qual 182 Notícia, op. cit., p. 122.

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castanha tem a casca muito dura e de natureza calidíssima como o miolo que tem dentro [...]. Tem esta castanha o miolo branco tamanho como o de uma amêndoa grande, o qual é muito saboroso e quer arremedar no sabor aos pinhões, mas é de muita vantagem.»183 Esta terra parcialmente mítica mantinha para a generalidade dos nossos cronistas, em particular para Gabriel Soares, misteriosas e inegáveis possibilidades, de tal modo que, na sua opinião, tudo no Brasil, especialmente na região da Baía, é melhor do que o já conhecido.

Outra fruteira que chamou a atenção dos cronistas portugueses de Quinhentos, por produzir fruto de excelente sabor, e de tal modo leve e saudável que as pessoas não se fartavam dele, foi a mangabeira.

Cardim revela-se encantado com a beleza da árvore, que descreve da seguinte forma: «[...] na feição se parece com macieira de anafega, e na folha com a de freixo; são árvores graciosas, e sempre têm folhas verdes. Dão duas vezes fruto no ano: a primeira de botão, porque não deitam então flor, mas o mesmo botão é a fruta; acabada esta camada que dura dous ou três meses, dá outra, tomando primeiro flor, a qual é toda como de jasmim, e de tão bom cheiro, mas mais esperto».184 É mais uma vez a visão de uma terra prodigiosamente formosa e fertilíssima. Esta árvore era extraordinariamente abundante na região da Baía e produzia frutos duas vezes no ano, que seriam de cor amarelo avermelhados, semelhantes algumas vezes a pêssegos carecas, outras a ameixas. A mangaba, fruta que não amadurece na árvore, é extremamente aromática, saborosa e sadia, quer verde quer em conserva, e era, na opinião de Gabriel Soares: «de boa digestão e faz bom estômago ainda que comam

183 Ibid., op. cit., p. 122. Esta planta é de tal modo extraordinária nas suas potencialidades que Cardim afirma, a propósito da goma que se lhe retira do tronco: «A madeira desta árvore serve pouco ainda para o fogo, deita de si goma boa para pintar, e escrever em muita abundância.» 184 Tratados, op. cit., p. 94.

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muitas, cuja natureza é fria, pelo que é muito boa para os doentes de febres por ser muito leve.»185

O missionário Cardim acrescenta ainda que os Índios se aproveitam desta fruta para fazerem vinhos.

E o deslumbramento e surpresa é tal perante esta natureza, que são exemplos como o da espécie designada ombu que poderão equilibrar o hino de louvor. Esta espécie chamou a atenção dos europeus pelos seus estranhos efeitos. A fruta seria, na opinião do jesuíta Fernão Cardim, semelhante a ameixas alvares, de formato redondo e cor amarela, e apesar de serem frios e saudáveis, tanto que se utilizavam para curar os doentes de febres, tinham no entanto uma particularidade que os tornava de certo modo perigosos: «[...] faz perder os dentes e os Índios que as comem os perdem facilmente».186 Mais uma vez, o enunciado de frutos tão prodigiosos que serão simultaneamente excelentes e nocivos, revela o ineditismo de uma natureza esplendorosa e excepcional, onde o exótico é a regra.

Os cronistas portugueses ficaram também de certo modo deslumbrados com uma outra fruteira que apelidaram com a designação indígena de jaçapucaya.187 A árvore que os produzia era uma das maiores e mais formosas da terra brasileira e tinha, de acordo com Cardim: «[...] uma fruta como panela, do tamanho de uma grande bola de grossura de dois dedos, com uma cobertura por cima, e dentro está cheia de umas castanhas como mirabolanos [...]».188 Mas a particularidade mais estranha do fruto estaria no facto de fazer cair todos os pelos do corpo, no caso de se comer muita quando verde. Cardim afirma a propósito disso que «Quando estão já de vez se abre aquela sapadoura, e cai a fruta; se comem muita dela verde, pela uma

185 Notícia, op. cit., p. 125. 186 Tratados, op. cit., p. 97. 187 Jaçapucaya ou sapucaia – é o nome de uma planta com frutos lenhosos, em geral de forma cilíndrica quando abertos, e que apresentam a forma de uma cuia. 188 Tratados, op. cit., p. 97.

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pessoa quantos cabelos tem em seu corpo; assadas é boa fruta».189

Uma outra fruta de certo modo exótica e também com excelente sabor, por ter um interior tão doce como o mel, é aquela que Gabriel Soares de Sousa denomina por piquiá. Tendo mais ou menos o tamanho de marmelos, com a casca dura e grossa como a de uma cabaça, era por fora «[...] de cor parda»190 e tinha o interior cheio de uma substância branca com umas sementes misturadas semelhantes às das maçãs, e tão doce como o mel. Sobre esta substância extremamente doce e saborosa, diz o autor que se «sorve»,191 ajudando a refrescar no Verão. Alguns anos mais tarde também Brandónio a refere nos Diálogos das Grandezas do Brasil, compara-a a uma laranja que: «dentro do qual se tira mel maravilhoso, como clarificado, que se come com colher.»192

Só uma terra prodigiosa, com características paradisíacas podia produzir tão naturalmente frutos de tal maneira extraordinários, cuja doçura era comparada pelos nossos autores à do mel.

Outra árvore de fruto tratada por todos os nossos autores, a partir de Pêro de Magalhães de Gândavo, foi aquela que produzia um fruto com a designação tupi de jenipapo, e se revelou, nas descrições pormenorizadas e atentas dos nossos cronistas, uma fruteira com características excepcionais, pelo vasto aproveitamento que deram aos seus frutos não só os colonos, como os indígenas naturais da terra. Esta árvore, que o missionário Fernão Cardim descreve primorosamente, e imbuído até de um certo encantamento, era na sua opinião «[...] muito formosa, de um verde alegre, todos os meses muda a folha que se parece com folha de nogueira; as árvores são grandes, e a madeira muito boa, e doce de lavrar».193 O motivo 189 Ibid., op. cit., p. 97. 190 Notícia, op. cit., p. 129. 191 Ibid., op. cit., p. 129. 192 Diálogos, op. cit., p. 130. 193 Tratados, op. cit., p. 106.

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116 A NATUREZA BRASILEIRA

edénico do verde imutável e perene das folhas está constantemente presente nas belas descrições que os autores portugueses de Quinhentos fazem da inédita e prodigiosa natureza brasileira.

Gabriel Soares descreve os jenipapos como sendo do tamanho e formato de limões, de cor esverdeada quando verdes, e pardos e moles quando maduros. Em sua opinião «têm honesto sabor e muito que comer com algumas pevides».194 Já para o jesuíta Fernão Cardim, serão semelhantes no tamanho a laranjas grandes e parecidos com marmelos ou pêras pardas. Entre as várias utilizações, esta fruta pequena servirá para fazer conserva, depois de grande e madura, e os gentios utilizam-lhe o sumo para as suas pinturas corporais, como afirma Gabriel Soares: «[...] com a qual tinta se tinge toda a nação do gentio no Brasil em lavores pelo corpo e quando põe esta tinta em branca como em água e como se enxuga, se faz preta como azeviche e quanto mais a lavam mais preta se faz e dura nove dias, no cabo dos quais se vai tirando.»195 O colorido da fruta embeleza também o corpo dos seus autóctones, misturando-se, e tornando-se parte integrante desta maravilhosa e extraordinária natureza.

Mas é o missionário Cardim que, na nossa opinião, faz a mais interessante descrição sobre estas pinturas corporais feitas pelo gentio brasileiro com a tinta do jenipapo, afirmando com certo humor e admiração: «é dos Índios muito estimada, e com esta fazem em seu corpo imperiais gibões, e dão certos riscos pelo rosto, orelhas, narizes, barba, pernas e braços, e o mesmo fazem as mulheres, e ficam muito galantes, e este é o seu vestido assim de semana, como de festa, ajuntando-lhe algumas penas com que se ornam, e outras jóias de osso».196

Esta terra será de tal modo excelente que, na opinião de Brandónio, superará de certo modo o Paraíso sonhado pelos poetas. Os frutos brasileiros serão em tudo superiores aos que

194 Notícia, op. cit., p. 129. 195 Ibid., op. cit., p. 129. 196 Tratados, op. cit., p. 107.

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os poetas de outrora imaginaram e celebraram como pertencentes aos Campos Elísios. Uma larga lista de frutos que festejam a obra do Criador e que enternecem o olhar de quem os saboreia gostosamente. Não admira que bastantes anos mais tarde, já nos inícios do século XVIII, Frei António do Rosário inclua neste rol de frutas brasileiras, a cana-de-açúcar, que considera a «rainha das frutas do Brasil».197

Por tudo o que atrás fica dito, podemos concluir que as grandezas do Brasil, serão: a abundância, a variedade e a excelência de mantimentos, derivados da inumerável quantidade e variedade de espécies autóctones existentes; a existência de uma enorme variedade de espécies vegetais e animais trazidas das diferentes regiões já conhecidas dos portugueses, que se adaptaram primorosamente à terra brasileira, adaptação só possível num território tão extraordinariamente fértil, abundante e generoso que produzia mesmo sem ser cultivado e gerava espécies maiores, melhores e mais abundantes que as de qualquer outro lugar do mundo; também porque esta natureza abundante, variada, excelente e belíssima tinha ainda a particularidade de criar seres extraordinários, inofensivos, desconhecidos, úteis e belos, que pelas suas particularidades, eram verdadeiros prodígios da criação.

As verdadeiras grandezas do Brasil eram então aquelas que advinham de uma excepcional natureza abundante, generosa e belíssima, que assim não passou despercebida aos nossos autores.

197 Frutas do Brasil, op. cit., pp. 46-47.

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118 A NATUREZA BRASILEIRA

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III – Das Grandezas e Riquezas do Brasil Vimos no capítulo anterior como a natureza brasileira era

fértil e produtiva. Vamos agora verificar como os portugueses tiraram partido dessa mesma natureza, alterando-a e tirando dela muito proveito.

A primeira imagem do Brasil que desperta a atenção dos nautas lusos são os seus imensos arvoredos, e por essa razão serão sem dúvida as madeiras a primeira grande fonte de rendimentos desta terra recentemente descoberta. Mas outros se seguirão, tal como o açúcar, o tabaco, o algodão, a criação de gado, e o mais ansiado de todos, o ouro e as pedras preciosas. Embora o gosto e desejo de aventura, e a sede de evangelização estivessem presentes nos espíritos dos navegantes portugueses, também era notória a ambição de alcançar um rápido enriquecimento. Sérgio Buarque de Holanda diz a esse propósito que «O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza».198 Vejamos.

1. Verdadeiras Minas do Brasil de Quinhentos: Pau de Tinta e Açúcar

O deslumbramento perante uma paisagem repleta de infindos

arvoredos, com todas as espécies de árvores que pareciam tocar o céu e nunca perdiam a folhagem, é comum a todos os nossos cronistas. Logo na viagem inaugural, Pêro Vaz de Caminha confessa a sua dificuldade em descrever a exuberante e variada vegetação com que se depara nas Terras de Vera Cruz, dizendo a esse respeito: «o arvoredo que é tanto e tamanho e tão basto e de tantas plumagens que não pode homem dar conta.»199

198 Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, José Olímpio Editora, Rio de Janeiro, 1986, pp. 19-21. 199 Carta ao Rei D. Manuel, op. cit., p. 22.

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120 A NATUREZA BRASILEIRA

Mas bastante mais tarde, também Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, se revela completamente estupefacto com a exuberância da vegetação brasílica, pois considera que as árvores brasileiras são tantas e de tantas variedades que «se embaraçam os olhos na contemplação delas, e somente se satisfazem com dar graças a Deus de as haver criado daquela sorte.»200 Tamanho deslumbramento só era possível com a visão destas grandezas e excelências próprias de uma terra verdadeiramente paradisíaca e abençoada.

Perante tão vasto arvoredo, próprio do Jardim do Éden, a quantidade, a variedade, a excelência e a beleza das madeiras brasílicas é uma realidade e constitui também tema abundantemente tratado por alguns dos cronistas portugueses de Quinhentos. O missionário Fernão Cardim fala maravilhado das qualidades das madeiras brasílicas. Aludindo à sua incorruptibilidade, afirma que a maior parte delas mesmo que enterradas na terra não apodrecem, e outras depois de metidas na água não só não apodrecem, como acabam por ficar mais verdes.

A excelência das madeiras do Novo Mundo, e mais propriamente do Brasil, advinha também das suas múltiplas utilizações. Assim, encontramos, nas belas descrições das obras dos autores por nós analisados, madeiras que eram utilizadas para obras dos engenhos, na construção das casas e mobiliário (as chamadas obras de primor), também no fabrico de embarcações e remos para as mesmas, para extracção de tintas, e finalmente aquelas que eram apreciadas pelo maravilhoso odor que de si expeliam quando queimadas.

O naturalista agricultor Gabriel Soares de Sousa chama «árvores reais»201 àquelas que servem para madeira, por, como explica, delas se fazerem os engenhos de açúcar e muitas outras obras grandiosas.

200 Diálogos, op. cit., p. 105. 201 Notícia, p. 142.

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A Sabigejuva ou Vinhático202 é aquela que o autor descreve em primeiro lugar, dizendo que é uma madeira de cor amarela, que não se corrompe e é fácil de trabalhar, e por estas razões, será utilizada no fabrico de rodas de engenhos, casas e outras obras de primor. Os paus maiores e ocos eram usados para fazer canoas muito compridas, utilizando-se os maciços para fazer tábuas de três ou quatro palmos de largura. Esta excelente madeira só podia existir numa terra tão extraordinariamente abençoada que não a corrompia.

Gabriel Soares viveu na Baía, por esse facto vai preferencialmente falar das madeiras que ele considera as mais excelentes desta região, que tão bem conheceu e amou. Assim descreve os Cedros da Baía que o gentio apelida de Acajacatinga, dizendo que a árvore é parecida com os Cedros das Ilhas, embora apresentasse, quer na aparência das folhas, quer na qualidade da madeira, significativas diferenças. A madeira é excelente porque não se corrompe e é fácil de trabalhar. Esta é preferencialmente usada para tábuas que se utilizam nos forros das casas e em barcos, assim como em caixas para guardar a roupa. Nesta última aplicação suplanta em muito a madeira de Cedro das Ilhas, pois ao contrário daquela a madeira de Cedro da Baía perde o cheiro, o que é excelente porque a roupa não fica com o odor do cedro e conserva-se melhor. Às excepcionais qualidades da madeira de cedro, refere-se também o Jesuíta Francisco Soares, afirmando que: «um pau destes veio entre o Camumu e os Ilhéus, donde se não sabe, acharam-no no mar, de que se fez a Misericórdia dos Ilhéus toda, que é uma formosa casa, sem se meter outro pau senão este e sobejou. Eu vi uma raíz que tinha 30 palmos de diâmetro.»203 Mais uma vez está evidente a certeza 202 Em Vinhático, eram realizadas algumas obras de mobiliário, sendo exemplo disso uma mesa e um banco de ourives, pertencentes à Colecção Beatriz e Mário Pimenta Camargo, São Paulo, in: A Construção do Brasil 1500-1825, Brasil/brasis, cousas notáveis e espantosas, Exposição Palácio Nacional da Ajuda, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2000, pp. 192-193. 203 Coisas Notáveis do Brasil, op. cit., p. 174.

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122 A NATUREZA BRASILEIRA

de ser esta terra tão especial e excelente, no que diz respeito às suas grandezas naturais, que suplanta mesmo neste pormenor de conferir qualidades especiais às suas madeiras todas as outras. O Brasil mantinha assim as suas misteriosas e inegáveis possibilidades.

Ainda no que concerne às madeiras reais, Gabriel Soares de Sousa descreve as qualidades e excelências do Pequií. Começa por dizer que a árvore é grande, e descreve a madeira como sendo: «parda estopenta, muito pesada».204 Esta madeira também é incorruptível, sendo utilizada para diferentes obras dos engenhos, pois não apodrece, ainda que esteja ao sol e à chuva sobre a terra. Tem ainda uma particularidade deveras interessante, pois quando trabalhada cheira a vinagre e está sempre molhada, ainda que tenha sido cortada há cem anos. A este propósito Gabriel Soares de Sousa conta que «já se viu meter um prego por uma gangorra que havia dezasseis anos que estava debaixo da telha em um engenho e tanto que o prego começou a entrar para dentro, começou a rebentar pelo mesmo furo um torno de água em fio que correu até ao chão, o qual cheirava a vinagre».205 O Jesuíta Francisco Soares diz sobre as excelências e formosuras desta madeira que é excelente para fabricar leitos, acrescentando que: «tem um amarelo gracioso e com ele se esmaltam muitas obras.»206Tamanhas maravilhas, onde até das árvores escorre vinagre, só se tornam possíveis numa terra tão extraordinariamente repleta de prodígios.

Muitas outras madeiras utilizadas fundamentalmente nos engenhos são descritas por Gabriel Soares, sendo todas elas incorruptíveis. Provêm de árvores muito grandes, fáceis de trabalhar, e o autor chama-as geralmente pelos nomes indígenas: a Quoaparaiva, cuja madeira é de cor vermelha e as árvores são tão altas que dão vigas com oitenta a cem palmos de comprimento; a Jutaipeba é também vermelha e fácil de trabalhar;

204 Notícia, op. cit., p. 143. 205 Notícia, op. cit., p. 143. 206 Coisas Notáveis do Brasil, op. cit., p. 175.

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Sabucai são igualmente árvores grandes cuja madeira é também vermelha, tendo, no entanto, uma particularidade que a torna algo diferente das outras: é de tal modo dura que quando se corta os machados soam como se batessem em ferro, chegando mesmo a partir-se; a Maçarandiba é uma árvore muito alta e direita, cuja madeira é da cor da carne do presunto e é também muito dura, pelo que tal como as outras serve para fazer as obras dos engenhos; Jataimandé, uma árvore de tamanho mediano, com a madeira amarela e muito bonita, dura, mas fácil de trabalhar, é também utilizada nas obras dos engenhos, e tal como as anteriores também não se corrompe; Curuá, semelhante no formato, na folha e na cor da madeira aos carvalhos, é utilizada nas mesmas obras que as anteriores.

No que concerne às madeiras utilizadas em obras para o fabrico das casas, elas são igualmente variadas. Assim temos a de Ubirapiroca que é muito pesada e dura de trabalhar, e que segundo o naturalista Gabriel Soares de Sousa era utilizada para fabricar: «tirantes e frechais de casas».207 A Sereíba que usavam na construção de casas, mais especificamente nas do mato e nas dos engenhos, bem como a de Ubirarema, apesar de cheirar muito mal. Gabriel Soares alude ao seu mau cheiro com uma descrição que pode considerar-se quase gráfica, assim diz: «a madeira por fora é almecegada e o âmago por dentro mui preto, mas quando a lavram não há quem lhe sofra o fedor, porque é pior que o de umas necessárias e chegar os cavacos ao nariz é morrer, que tão terrível fedor têm e metendo-as no fogo se refina mais o fedor; a estas árvores chamam os índios ubirarema que quer dizer madeira que fede muito.»208

Gabriel Soares fala também com admiração daquelas madeiras brasílicas que eram utilizadas para produzir «obras delicadas», como é ocaso da árvore que apelida de conduru, que descreve como tendo um tronco bastante grosso, branco por fora e vermelho por dentro. A parte vermelha, embora pequena,

207 Notícia, op. cit., p. 147. 208 Notícia, op. cit., p. 151.

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tem a particularidade de não se corromper, fazendo-se dela mobiliário diverso, como: «leitos, cadeiras e outras obras delicadas.»209 A madeira dos condurus novos serve para fazer espeques para os engenhos, pois não partem.

A árvore Jacarandá é descrita pelo autor como sendo bastante grande, cuja madeira é de cor preta «com algumas águas».210 É muito dura mas fácil de trabalhar, dela se fabricando igualmente obras primas. Nunca apodrece, ainda que esteja na terra ao sol e à chuva, e tem também a particularidade de cheirar muito bem. À preciosidade e importância desta madeira para os Europeus alude igualmente Brandónio nos Diálogos das Grandezas do Brasil, afirmando que é uma madeira muito apreciada em Espanha, para confeccionar leitos e outras obras. Nesta terra maravilhosa eram possíveis todos os prodígios da natureza, mesmo aquele de possuir algumas castas de madeiras que se revelavam incorruptíveis, ainda que em condições climatéricas muito adversas.

A Jucuriaçu é, na opinião do naturalista Gabriel Soares de Sousa, uma madeira muito formosa, que sendo de duas espécies, têm ambas a particularidade de possuírem um bom e suave odor, afirmando o autor a esse respeito que «na casa onde se lavra sai o cheiro por toda a rua e os seus cavacos no fogo cheiram muito bem, a qual madeira é muito estimada em toda a parte pelo cheiro e formosura».211 Esta formosa e odorífera madeira será igualmente utilizada para fabricar obras de primor.

Uma outra madeira brasílica apontada por Gabriel Soares como servindo para fabricar obras de valor é a Mocetaíba ou o famoso e conhecido Pau-Santo. Afirma este nosso autor que a árvore não é muito grande, sendo a madeira bastante grossa, dura e pesada, mas boa de trabalhar e tornear, possuindo ainda a particularidade de exalar um muito bom e suave odor. A

209 Ibid., op. cit., p. 147. 210 Ibid., op. cit., p. 150. 211 Ibid., op. cit., p. 150.

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propósito do pau-santo diz também Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, que é apreciado e conhecido em todo o lado.

Não é pois de admirar, mais tarde, a grande importação de madeiras do Brasil para realização de mobiliário, como o comprovam os palácios europeus, assim como os Museus, e Igrejas portugueses.212 Também a cidade de Angra terá recebido avidamente as preciosas madeiras do Brasil que, no século XVIII, se dirigiam para Lisboa. Estas madeiras, depois de trabalhadas pelas hábeis mãos dos artífices, embelezaram os interiores dos edifícios civis e religiosos desta cidade açoreana. Assim aparecem-nos, realizados em preciosas madeiras brasílicas, retábulos, grades de capelas, tectos em caixotões, imagens, peças de mobiliário, sendo igualmente utilizadas em maravilhosas soluções arquitectónico-escultóricas.213

Continuando a falar das excelências das madeiras brasílicas, Brandónio refere um pau a que dá o nome de quiri, afirmando ser mais duro que o ferro. Diz também com admiração que a sua parte branca, por ser tão formosa e parecida com o marfim, pode substituí-lo em qualquer trabalho. Ainda na opinião de Brandónio, o interior desta madeira é também de uma formosura inaudita: «o âmago de dentro demonstra as águas e

212 Para comprovar a importância que teve a madeira de pau-santo na realização dos móveis mais ricos da Metrópole a partir do séc. XVII, veja-se a obra de Fernanda Castro Freire, 50 Dos Melhores Móveis Portugueses, Chaves Ferreira, Publicações S.A., Lisboa, 1995. Esta obra fornece-nos a informação de que 30 desses móveis são realizados em pau-santo. Assim, temos toda uma parafernália de belos móveis, executados em pau-santo, ou ainda outros em pau-santo misturado com outras formosas madeiras exóticas, como por exemplo o vinhático ou o pau rosa. No entanto, a obra que pela sua raridade e beleza, nos merece menção especial, é uma Arca dos Santos Óleos, realizada em pau-santo entalhado e adornada com ferragens de bronze dourado. Data do séc. XVIII e pertence ao Museu do Abade de Baçal, Bragança, Inv: 1121, op. cit., p. 88. 213 Cf. Teresa Bettencourt da Câmara, De Angra ao Brasil, (Séculos XVI-XVIII), In: Revista de Estudos Barrocos, Claro/Escuro Nº 6 & 7, Quimera Editores, Lisboa, Maio/Novembro 1991, pp. 117-121.

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cores de um jaspe muito formoso».214 Madeiras tão formosas, utilitárias e odoríferas eram com certeza encontradas somente nestes lugares verdadeiramente excelentes.

Mas numa terra tão prodigiosa e abundantemente regada por copiosas águas, seria de esperar que fosse também povoada de variadas espécies de árvores que dessem a madeira indicada para o fabrico das mais diversas embarcações. O naturalista Gabriel Soares de Sousa descreve algumas das madeiras especialmente indicadas para este fim. Assim, diz que a Paparaíba é uma árvore comprida e grossa com a casca esbranquiçada que vista de longe parece, quer pelo tamanho, quer pela cor um álamo. Tem uma folha parecida com a da figueira, a madeira mole e oca por dentro serve para fazer «bombas aos caravelões da costa [...]» 215

A Apeíba é uma espécie alta e direita, com a casca muito verde e lisa e tem uma madeira muito mole, que é utilizada pelos índios para fazer jangadas para pescar.

Uma árvore cuja madeira leve e da cor do pinheiro será utilizada para fazer os mastros e vergas das embarcações é a Penaíba.

Tal como no Paraíso, também nas terras brasílicas, verdadeiras terras de eleição, se encontravam madeiras possuidoras de odores maravilhosos. Assim, para além das já referidas utilidades, possuíam igualmente outras virtudes, existindo mesmo algumas, que eram unicamente admiradas pelo excelente odor que delas se desprendia quando queimadas. O Carunje teria um odor semelhante ao do loureiro e servia unicamente para alimentar o fogo dos engenhos.

A Anhaibaatãa é uma árvore do tamanho e formato do loureiro cuja madeira é mole e tem cor, cheiro e sabor a canela. Mas, no dizer de Gabriel Soares de Sousa, «tem a quentura mais branda e sem dúvida que parece canela e parece que se a

214 Diálogos, op. cit., p. 110. 215 Notícia, op. cit., p. 149.

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beneficiarem, que será muito fina porque o entrecasco dos ramos queima mais do que o tronco da árvore.»216

Uma outra madeira brasílica que, para além de ter uma formosa cor parda, possuía também muito bom cheiro, era a que provinha de uma árvore pequena, a Ubirataía. Esta madeira servia unicamente para o fogo, pois, no dizer de Soares de Sousa «na casa onde se queima rescende o cheiro por toda a rua.»217

O bom odor era igualmente a característica fundamental da madeira que provinha da árvore que era conhecida pelo nome indígena de Entagapena.

Em conclusão, as madeiras brasílicas eram abundantes e variadas pela sua quantidade e profusão de castas existentes, excelentes nas suas diversas utilidades e características, mas igualmente formosas na diversidade das suas cores. Existiam no Brasil madeiras de praticamente todas as cores: amarelas, vermelhas, negras, brancas, cor de marfim, de jaspe e de canela.

1.1. Do Pau-Brasil Os cronistas portugueses utilizaram para a descrição da

natureza brasileira todos os lugares comuns da literatura paradisíaca, evocando sempre nesta terra fertilíssima de clima ameno um variado e infindável número de altíssimas árvores, que na sua excelência nunca chegavam a perder as folhas, e que, como Brandónio considerou nos Diálogos das Grandezas do Brasil, produziam as mais variadas e excelentes castas de madeiras do mundo. O autor considera-as, de tal modo abundantes e preciosas, que as descreve da seguinte forma: «muitas e excelentes, as melhores que há no mundo. E há tanta quantidade das tais que não haverá homem que as possa conhecer, nem saber-lhes o nome para as haver de nomear, de vinte partes a uma, ainda que o tal fôsse carpinteiro, cujo ofício não seja outro

216 Ibid., op. cit., p. 150. 217 Ibid., op. cit., p. 150.

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que cortá-las nas matas.»218 A economia brasileira foi inicialmente dominada pelo pau-brasil, e só mais tarde o açúcar se tornou ainda mais importante que a madeira corante.219

Sabia-se da existência de pau-brasil no Ocidente desde a segunda viagem de Cristóvão Colombo.220 Mas o pau de tinta, ou brasil era uma espécie já conhecida dos europeus pois também existia na Índia. Quando em 1501, a seguir à expedição de Pedro Álvares Cabral que tinha levado à descoberta das novas terras da América, os portugueses realizaram uma viagem de reconhecimento do litoral brasílico, Américo Vespúcio, que acompanhou esta expedição, faz um relatório daquilo que vê nas matas da costa brasileira, referindo a abundância de pau-brasil, do seguinte modo: «e nesta costa não vimos coisa de proveito, senão infinitas árvores de brasil [...]».221 Esta expedição trouxe para o reino de Portugal as primeiras amostras da madeira que iria dar o nome definitivo à Terra de Vera Cruz e, porque se trazia com muita mais facilidade do Brasil do que da Índia, iria tornar-se numa razão económica de peso para a futura exploração destas terras recentemente descobertas.

Como acabamos de ver na descrição de Vespúcio, encontrava-se pela mata do litoral brasílico enorme quantidade de pau-brasil, sendo este também de muitas e variadas espécies. No entanto, aquela que revelou ser de qualidade superior foi o ibirapitanga, que tinha a altura semelhante à do carvalho e flores brancas.222 Tanto os portugueses como os Índios preferiam-no 218 Diálogos, op. cit., p. 109. 219 Cf. Frédéric Mauro, Portugal, o Brasil e o Atlântico, Tradução de Manuela Barreto, Imprensa Universitária, Editorial Estampa, Lisboa, 1989, p. 163. 220 O Comércio do pau-brasil, In: História da Colonização Portuguesa do Brasil, Edição Monumental Comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, Direcção e Coordenação Literária de Carlos Malheiro Dias, Direcção Cartográfica do Conselheiro Ernesto de Vasconcelos, Direcção Artística de Roque Gameiro, Litografia Nacional, Porto MCMXXIII, Volume II, p. 320. 221 Amérigo Vespuci, Cartas de Viaje, ed. Luciano Formisano, Madrid, 1986, p. 131. 222 Cf. Frédéric Mauro, Portugal, o Brasil e o Atlântico, op. cit., p. 167.

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por ter o tronco mais largo e o interior mais vermelho.223 Muito mais tarde, Lamarck224 descreve o pau-brasil no Dictionnaire Encyclopédic de Botanique da seguinte forma: «BRASILETE, Caesalpinia, género de planta com flores polipétalas, da família das leguminosas, que tem relação com as poncianas e as canafístulas e que compreende árvores ou arbustos exóticos, geralmente com espinhos e cujas folhas são duplamente alargadas... É uma árvore que se torna muito grande e muito grossa e cuja casca é castanha e armada de espinhos curtos e dispersos. Os ramos são longos e curvados para terra; as folhas são semelhantes, duplamente aladas e têm folíolos ovais, obtusas e comparáveis às do buxo. As bagas formam cachos simples, são matizadas de amarelo e vermelho e têm um perfume agradável. Produzem vagens oblongas, achatadas, castanhas escuras, exteriormente eriçadas de pequenos espinhos, que contêm algumas sementes lisas e dum vermelho acastanhado [...]. A madeira do tronco é vermelha, mas encontra-se coberta por um alburno muito espesso. Esta madeira é muito pesada, muito seca e arde com uma chama brilhante, quase sem fumo devido à sua secura. Trabalha-se bem ao torno e recebe bem o polimento.»225

O humanista Pêro de Magalhães de Gândavo faz algumas referências ao pau-brasil, mas essencialmente quando pretende admoestar os portugueses para o facto de terem vulgarizado de tal modo este nome que, embora não sendo aquele com que os seus descobridores «baptizaram» as terras recentemente descobertas, ter-se-ia tornado na sua designação mais corrente, afirmando o humanista a este propósito que «Pedro Álvares Cabral, [...] mandou alçar uma cruz no mais alto lugar de uma

223 Cf. O Império Luso-Brasileiro 1500-1620, coordenação de Harold Johnson e Maria Beatriz Nizza da Silva, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, Dezembro de 1992, Lisboa, p. 208. 224 João Baptista Pedro António de Monet, cavaleiro de Lamarck, foi um notável naturalista francês, nascido em 1744, publicou muitos trabalhos sobre História Natural. In: Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia, Limitada, Lisboa-Rio de Janeiro, Volume XIV, p. 595. 225 Cit. in: Frédéric Mauro, Portugal, o Brasil e o Atlântico, op. cit., p. 167.

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árvore, [...] dando à terra este nome de Santa Cruz: cuja festa celebrava naquele mesmo dia a Santa Madre Igreja (que era aos 3 de Maio). [...]. Por onde não parece razão que lhe neguemos este nome, nem que nos esqueçamos dele tão indevidamente por outro que lhe deu o vulgo mal considerado, depois que o pau-da-tinta começou de vir a estes reinos. Ao qual chamaram brasil por ser vermelho e ter semelhança de brasa, e daqui ficou a terra com este nome de Brasil».226

A madeira cor de brasa revelou-se de tal modo importante para a economia do reino que o rei D. Manuel a declarou desde o início monopólio da coroa, arrendando o Brasil a Fernão de Loronha pelo prazo de três anos, em contrato renovável, comprometendo-se o rei a suspender as importações do pau-brasil asiático. O arrendatário, obrigado a pagar um imposto sobre a quantidade de madeira transportada, deveria ainda descobrir 300 léguas da costa brasileira por cada ano, bem como construir fortalezas no litoral.

A qualidade do pau vermelho aprimora-se com a proximidade do Equador, sendo por isso mais fino no Paraíba. Alguns autores tentam justificar a melhor qualidade do pau de tinta de Sul para Norte. Pêro de Magalhães de Gândavo diz a esse propósito que «o qual pau se mostra claro, ser produzido da quentura do Sol e criado com a influência dos seus raios, porque não se acha senão debaixo da tórrida zona: e assim, quanto mais perto está da linha equinocial, tanto é mais fino e de melhor tinta.»227

O pau-brasil constituiu o primeiro comércio de vulto entre o reino e as terras brasílicas. Segundo Cá Messer, agente de Veneza em Lisboa, viriam em cada ano para a Europa grandes quantidades desta madeira.228 O regime de exploração do pau-brasil, após ter acabado a concessão de arrendamento por dez

226 História, op. cit., p. 73. 227 Ibid., op. cit., p. 85. 228 Cit. in: Dicionário de História de Portugal, (direcção de Joel Serrão), op. cit., Vol. II, pp. 108-110.

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anos (1506-1516), foi o de monopólio régio, posto em prática pelo rei com recurso a agentes assalariados, assim como através de licenças concedidas a diversos candidatos que podiam, deste modo, colher e transportar a madeira para Lisboa, a expensas próprias.

O negócio e importância do pau de tinta são primorosamente descritos por Brandónio nos seus Diálogos das Grandezas do Brasil: «O pau do Brasil é droga sua e, como tal, defeso, de modo que ninguém pode tratar nele senão o mesmo Rei ou os que tiverem licença sua por contrato. Antigamente era lícito negociarem todos nêle, como pagarem á fazenda de Sua Majestade um cruzado por quintal de saída; mas por se entender que se usava mal desta ordem que estava dada, se revogou, para que corresse o negócio por contrato, como hoje em dia corre, e se paga de arrendamento por ele no Reino à fazenda de Sua Majestade quarenta mil cruzados, pouco mais ou menos, com declaração que os contratadores não poderão tirar em cada um ano dêste Estado, especialmente das três capitanias que tenho apontado, mais de dez mil quintais de pau, e quanto um ano tirassem menos, o poderão perfazer no outro.»229

O pau-brasil revelou-se de tal modo útil e rentável que, desde muito cedo, outros europeus começam a interessar-se pelas terras brasileiras, fazendo-lhe visitas regulares. Os que mais persistiram nesta fase inicial foram, sem dúvida, os franceses que fizeram várias viagens ao Brasil, onde acabavam por carregar o pau de tinta em quantidades consideráveis. Temos dados sobre a primeira viagem de um barco francês, o Espoir, que terá aportado no Brasil, em 1504. Esta viagem foi organizada por empresários da cidade de Honfleur, uma cidade normanda, donde partiriam futuramente muitos comerciantes com destino ao Brasil.

Os empresários do Espoir, não tinham inicialmente como destino a terra brasileira e sim a Ásia, cujas riquezas os tinham maravilhado aquando de uma visita que terão efectuado a 229 Diálogos, op. cit., p. 98.

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Lisboa. Mas as dificuldades da viagem levaram-nos a escolher o Brasil onde trocaram os diferentes produtos que levavam por uma considerável quantidade de pau-brasil e outras mercadorias como papagaios, macacos, penas de pássaros exóticos, enfim, todas elas produtos extremamente valiosos em França.

O interesse que os franceses revelavam pela Terra de Santa Cruz devia-se fundamentalmente ao pau-brasil, pois tinha importância primordial para a industria têxtil francesa que se centrava na época em Rouen, não muito longe dos portos normandos de Honfleur e Dieppe. Os ataques dos franceses eram tão prejudiciais e causavam tanta preocupação aos portugueses que, Abreu de Brito230 propôs ao rei, em 1591, que fosse criado o ofício de Guarda-Mor e se construíssem cinco fortalezas, de modo a proteger a costa brasílica dos «luteranos».231

A indústria têxtil europeia utilizava nesta época, e na fase da tinturaria, produtos naturais. O pau de tinta utilizava-se então na obtenção da cor vermelha, ou de brasa. A procura crescente deste produto devia-se essencialmente ao desenvolvimento que na época vivia a indústria têxtil europeia.

Mas os franceses não se limitavam, quando regressavam dos territórios lusitanos do Novo Mundo, a trazer mercadorias que o rei português considerava monopólio seu, mas atacavam também os navios que eram utilizados pelo monarca de Portugal no seu comércio.232

230 Domingos de Abreu de Brito foi um alto funcionário ao serviço da coroa que realizou em 1590-1591 uma viagem a Angola, com a finalidade de levar a cabo um inquérito sobre a administração do falecido Governador Geral, Paulo Dias de Novais. Publicou, como resultado, um relatório intitulado Sumário e Descrição do reino de Angola e o descobrimento da ilha de Luanda, e da Grandeza das capitanias do Estado do Brasil. In: Dicionário de História de Portugal, vol. I, op. cit., p. 386. 231 Cf. Frédéric Mauro, in: Portugal, o Brasil e o Atlântico, op. cit., p. 193. 232 Cf. O Império Luso-Brasileiro 1500-1620, coordenação de Harold Johnson e Maria Beatriz Nizza da Silva, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, Lisboa, 1992, pp. 213-219.

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Os súbditos do rei de França constituíam, pois, uma ameaça séria às pretensões portuguesas neste território sul americano. Era necessário colonizar a costa brasileira de modo a evitar que os franceses se instalassem definitivamente no território, pelo que foram para isso criadas as capitanias donatárias, à semelhança do que tinha sido já feito nos territórios da Madeira e dos Açores.

De entre os autores portugueses de Quinhentos por nós analisados, aqueles que maior atenção dedicaram ao pau «cor de brasa» foram o naturalista e próspero senhor de engenho nas terras da Baía, Gabriel Soares de Sousa, na sua Notícia do Brasil, e o autor de Os Diálogos das Grandezas do Brasil, Ambrósio Fernandes Brandão. No seu relato cuidado e minucioso, Gabriel Soares dá-nos conta das principais regiões brasílicas onde abundava o pau de tinta, assim como do facto de os franceses se interessarem por esta madeira com propriedades corantes, indicando com precisão as regiões que seriam por eles mais procuradas para a realização deste tráfico, sem esquecer de apontar algumas soluções para a resolução deste grave problema. No seu dizer, o pau-brasil abundaria próximo do rio Pequeno; também existiria em grande quantidade junto ao rio Grande, ou seja, perto do porto de Búzios; e ainda, na baía da Traição, onde os franceses fariam muito bons carregamentos deste pau corante, que eles tanto apreciavam e necessitavam para a sua indústria têxtil. A esse propósito diz Gabriel Soares: «Nesta baía fazem cada ano os franceses muito pau de tinta e carregam dele muitas naus».233

Mas, segundo este nosso autor, era na região da vila de Olinda, ou seja na capitania de Pernambuco, que se encontrava o pau-brasil mais fino deste território da América do Sul, à custa do qual, e também do açúcar, terá enriquecido muita gente: «desta terra saíram muitos homens ricos para estes reinos que foram a eles muito pobres, em os quais entram cada ano desta capitania quarenta e cinco navios carregados de açúcar e pau- 233 Notícia, op. cit., p. 14.

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brasil, o qual é o mais fino que se acha em toda a costa; importa tanto este pau a Sua Majestade, que o tem agora novamente arrendado por tempo de dez anos por vinte mil cruzados cada ano e parece que será tão rica e tão poderosa donde saem tantos provimentos para estes reinos que se devia ter mais conta com a fortificação dela e não consentir que esteja arriscada a um corsário a saquear e destruir, o que se pode atalhar com pouca despesa e menos trabalho.»234 O pau-brasil abundará também junto do rio Cururupe, onde se encontram os recifes de Dom Francisco, também apelidados de porto dos franceses por, no dizer de Gabriel Soares, «se eles costumarem acolher aqui com suas naus à abrigada».235 Há também, na opinião do autor, muito pau-brasil junto à cachoeira do rio São Francisco. Também no sertão do rio Cotinguiba há grandes matas desta madeira corante, bem como pelo sertão do rio Real. Aqui Gabriel Soares permite-se também dar alguns conselhos para que, com pouco esforço, se possa carregar e trazer para o reino o também designado pau cor de brasa: «Pelo sertão deste rio há muito pau-brasil que com pouco trabalho todo pode vir ao mar para se poder carregar para estes reinos; e, para que esta costa esteja segura do gentio, e os franceses desenganados de não poderem vir resgatar com o gentio entre a Baía e Pernambuco, convém ao serviço de Sua Majestade que mande povoar e fortificar este rio, o que se pode fazer com pouca despesa de sua fazenda [...]».236 Uma terra tão abundante de produtos naturais, tão extraordinariamente ricos e proveitosos e geradores de tantas cobiças, deveria, na opinião de Gabriel Soares de Sousa, ser alvo de maior atenção e protecção por parte da coroa.

Ainda alguns anos mais tarde, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, os dois interlocutores dedicam também especial atenção ao famoso pau corante, tanto que quando Brandónio resolve enumerar as seis daquelas que, na sua opinião, constituirão as

234 Ibid., op. cit., p. 19. 235 Ibid., op. cit., p. 21. 236 Ibid., op. cit., p. 27.

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maiores riquezas do Brasil, coloca o pau de tinta em terceiro lugar. As Terras de Vera Cruz serão, na opinião de Brandónio, mais ricas e proveitosas que toda a Índia, pois em somente três capitanias, Pernambuco, Tamaracá e Paraíba, produzia-se açúcar suficiente para carregar todos os anos entre cento e trinta a cento e quarenta naus, e o pau-brasil, que se levava também todos os anos destas mesmas capitanias renderia, no seu dizer, «mais de quarenta mil cruzados por ano, que os ministros de Sua Majestade cobram no reino dos contratadores dele, e assim o rendimento das alfândegas do Estado».237

Ao referir as qualidades do pau-brasil diz o mesmo Brandónio que deste se extrai uma tinta de cor vermelha que servirá para «tingir panos de lã e seda, e se fazer dela outras pinturas e curiosidades».238 Lamark virá mais tarde a explicitar no Dictionnaire Enciclopédique de Botanique as utilidades do pau-brasil: «A madeira do Brasil é boa para as obras de torno e recebe bem o polimento; no entanto a sua principal aplicação é na tinturaria, onde serve para tingir de vermelho, mas é uma falsa cor que se evapora facilmente e que não se pode empregar sem alúmen e tártaro. É com esta madeira que se tingem de vermelho os ovos de Páscoa, as raízes de alteia para limpar os dentes e várias outras coisas. Do pau-brasil de Pernambuco tira-se uma espécie de carmim por meio de ácidos; faz-se também laca líquida para as miniaturas. E com a tinta desta madeira compõe-se um giz avermelhado que se chama vermelhão e que serve para a pintura».239 Lamark acrescenta sobre a qualidade da tinta do pau-brasil: «A cor natural do pau-brasil, e aquela pela qual ele é mais empregado, é o falso escarlate que não deixa de ser bela e de ter brilho, mas um brilho muito inferior ao do escarlate de cochinilha ou de goma laca [...]».240

237 Diálogos, op. cit., p. 80. 238 Ibid., op. cit., p. 97. 239 Cit. in: Frédéric Mauro, Portugal, o Brasil e o Atlântico, Tradução de Manuela Barreto, Imprensa Universitária, Editorial Estampa, Lisboa, 1989, p. 198. 240 Ibid., op. cit., p. 198.

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O pau-brasil era, nesta terra de eleição, onde quase tudo nascia e crescia naturalmente, um dos produtos mais rendíveis para o reino, tanto que no dizer de Bradónio existiria muita gente no Brasil que vivia unicamente da extracção e comércio deste produto, tendo muitos feito mesmo grandes fortunas.

O autor de os Diálogos das Grandezas do Brasil não se escusa a dar uma explicação precisa sobre qual é a região onde o pau-brasil se encontra com maior abundância, acrescentando também alguns pormenores sobre a forma de o extrair assim: «O modo é este: vão-no buscar doze, quinze e ainda vinte léguas distante da Capitania de Pernambuco, aonde há o maior concurso dêle, porque se não pode achar mais perto pelo muito que é buscado, e ali, entre grandes matas o acham, o qual tem uma fôlha miúda e alguns espinhos pelo tronco, e êstes homens ocupados neste exercício levam consigo para a feitura do pau muitos escravos da Guiné e da terra, que, a golpes de machados, derribam a árvore, à qual, depois de estar no chão, lhe tiram todo o branco, porque no âmago dêle está o brasil; e por êste modo uma árvore de muita grossura vem a dar o pau que a não tem maior de uma perna, o qual, depois de limpo, se ajunta em rumas, donde o vão acarretando em carros por pousas, até o porem nos passos para que os batéis o possam vir a tomar.»241

O negócio do pau de tinta dava grande proveito, tendo sido sem sombra de dúvidas o produto mais exportado do Brasil na primeira fase da colonização. Manteve-se, até meados do século XVI, como a principal fonte de rendimentos brasileira, quer para o monarca, quer para os colonos e comerciantes. E mesmo nos começos do século XVII, Diogo de Meneses, nono governador-geral, considerou o famoso pau corante e o açúcar como os produtos mais valiosos do Brasil, referindo numa carta ao rei de Portugal que «as verdadeiras minas do Brasil são açúcar e pau-brasil».242

241 Diálogos, op. cit., p. 99. 242 Cit., in: Nova História da Expansão – O Império Luso-Brasileiro 1500-1620, coordenação de Harold Johnson e Maria Beatriz Nizza da Silva, direcção de

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Brandónio considerou o pau de tinta como a principal exportação do Brasil, a seguir ao açúcar, acrescentando que esta foi e é uma mercadoria com a qual «se têm feito muitos homens ricos».243

E, ou porque os ataques dos franceses ao litoral brasílico se intensificavam com o passar do tempo, sendo necessário expulsá-los, ou pela diminuição dos lucros do comércio asiático e do consequente desejo de expandir a produção de açúcar no Atlântico, o rei D. João III vai desenvolver, cada vez mais políticas para uma melhor e mais eficaz ocupação da terra brasileira. Essa ocupação passava, necessariamente, pela valorização dos solos a nível agrícola, impondo-se a mudança de uma actividade unicamente recolectora, como era a do corte do pau-brasil, para uma actividade produtora como por exemplo a do cultivo da cana-de-açúcar.

O historiador João Lúcio de Azevedo considerou a história económica portuguesa dividida em ciclos, conforme o papel fundamental que ele considera ter tido determinado produto em determinada época.244 Ao falarmos da história económico-social do Brasil, falamos do ciclo do pau-brasil, do ciclo do açúcar e do ciclo do ouro, não querendo contudo dizer que foram estes os únicos produtos que tiveram interesse fundamental na economia desses períodos. Entre 1500 até cerca de 1530, decorre aquele que se designa habitualmente como «ciclo do pau-brasil», durante o qual o Brasil forneceu a Portugal pau-brasil, papagaios, macacos, escravos e algum algodão.

Numa segunda fase, aquela a que vulgarmente se chama de «ciclo do açúcar», as terras brasílicas continuarão a fornecer ao reino o pau de tinta, para além do açúcar, que nesta fase é o produto dominante, algumas especiarias (como o gengibre), assim como alguns produtos do sertão (mel e cera), e o tabaco e Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, Dezembro de 1992, Lisboa, p. 224. 243 Diálogos, op. cit., p. 99. 244 Cf. João Lúcio de Azevedo, Épocas de Portugal Económico, Livraria Clássica Editora, Porto, 1978.

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a aguardente transportados para a África para trocar por escravos. Esta ideia dos ciclos dá, na opinião de Vitorino Magalhães Godinho, uma imagem muito simplista da realidade, pois para além do açúcar o Brasil fornece na mesma época outros produtos, cuja importância não é, de modo algum, menor que a daquele.245

Como acabámos de concluir, a passagem de um ciclo para outro não implica que o produto que no anterior ciclo dominava as actividades económicas desapareça do mercado, significando apenas que a sua importância passa a ser secundária relativamente a outro produto que entretanto se tornou dominante. É assim que durante o «ciclo do açúcar», ou seja, na segunda metade do século XVI, o corte e comércio do pau-brasil não abrandaram, antes terão mesmo aumentado. E este aumento deveu-se a factores vários, todos eles relacionados com a produção do açúcar. Para a expansão do cultivo da cana-de-açúcar era fundamental desbravarem-se cada vez maiores áreas de terra. Por outro lado, e porque o Índio não era rendível, chegavam às terras brasílicas, para trabalharem nas plantações de cana-de-açúcar, cada vez maior número de escravos africanos, que eram também utilizados no corte do pau-brasil. Um outro factor que terá contribuído também para aumentar o abastecimento do mercado no que diz respeito ao pau corante foi com certeza a utilização dos animais de tiro no transporte, desde o local do corte até ao rio por onde era expedido. O aumento no corte da madeira foi de tal ordem que o monarca temeu a desarborização, factor que o terá levado a regulamentar esse mesmo corte.

Brandónio alude ainda ao facto de o pau-brasil ser monopólio da coroa, acrescentando também uma informação sobre a necessidade que o monarca terá tido de regulamentar a extracção desta madeira, perante o excessivo abate de árvores desta espécie: «Antigamente era lícito negociarem todos nêle,

245 Cf. Vitorino Magalhães Godinho, Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar – Séculos XIII – XVIII, Difel, Lisboa, p. 482.

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com pagarem à fazenda de Sua Majestade um cruzado por quintal de saída; mas por se entender que se usava mal desta ordem que estava dada, se revogou, para que corresse o negócio por contrato, como hoje em dia corre, e se paga de arrendamento por ele no reino à fazenda de Sua Majestade quarenta mil cruzados, pouco mais ou menos, com declaração que os contratadores não poderão tirar em cada um ano dêste estado especialmente das capitanias que tenho apontado, mais de dez mil quintais de pau, e quanto um ano o não tirassem o poderão perfazer no outro.»246

Concluímos, então, que o comércio do pau de tinta foi em todas as épocas, e logo a partir da descoberta das terras de Vera Cruz, extremamente lucrativo quer para a coroa, quer para os particulares. A indústria açucareira não limitou o comércio do pau-brasil, mas antes terá fornecido as razões e os elementos propiciadores ao aumento do corte desta valiosa e lucrativa madeira corante, que se irá tornar um elemento bem presente na decoração dos interiores dos palácios e casas nobres portugueses.

1.2. Do Ouro Branco O açúcar era inicialmente, muito antes de a cana ser cultivada

na Madeira e mais tarde no Brasil, uma especiaria rara e por isso cara, sendo utilizada apenas pelos mais ricos como remédio. Constituía mesmo presente de luxo enviado quer aos chefes de Estado, quer aos grandes dignitários da Igreja.

A cana-de-açúcar terá, ao que parece, a sua origem na Índia, tendo sido levada pelos árabes para o Mediterrâneo no século VII. E existiriam já plantações de cana no Algarve, mesmo antes de ter sido descoberta a Madeira, como afirma João Lúcio de Azevedo: «Em 1404 foram coutadas por D. João I umas terras no Algarve, em favor de João de Palma, genovês de nação, para 246 Diálogos, op. cit., p. 98.

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nelas plantar cana de açúcar».247 Do território continental português, a cana de açúcar foi levada para as ilhas Atlânticas, tendo-se revelado especialmente rentável na Ilha da Madeira, embora a produção aqui tenha sido largamente ultrapassada pela do território brasileiro, a partir da segunda metade do século XVI.

E porque a experiência trouxera desilusão quanto às riquezas que se esperavam do Oriente, endividando-se a coroa cada vez mais para manter um Império tão vasto, era imperioso procurar fontes de rendimento mais seguras noutras latitudes, sobretudo porque os estrangeiros se mostravam cada vez mais interessados em fixar-se no Brasil. Não é por isso de admirar que a coroa tenha conferido desde o início alguns incentivos à produção açucareira no Brasil. A carta régia de 18 de Junho de 1541 estabelecia alguns privilégios à refinação do açúcar; o alvará de 20 de Julho de 1551 isentava do pagamento de impostos, por um período de dez anos, os engenhos mais recentes, medida que foi renovada sucessivamente ao longo dos anos. Ainda na década de 1580, o inaciano Fernão Cardim refere essa isenção quando menciona os vultuosos gastos dos senhores de engenho, quer para a manutenção da laboração nos mesmos, quer nos luxos de que se rodeiam: «Ainda que estes gastos são mui grandes, os rendimentos não são menores, antes mui avantajados, porque um engenho lavra no ano quatro ou cinco mil arrobas, que pelo menos valem em Pernambuco cinco mil cruzados, e postas no Reino por conta dos mesmos senhores dos engenhos (que não pagam direitos por dez anos de açúcar que mandam por sua conta, e estes dez acabados não pagam mais que meios direitos) valem três em dobro.»248

Ainda no que concerne à lavoura dos açúcares, quando alude aos excessos e vaidades a que se entregam os mais ricos senhores de engenhos de Pernambuco, o padre Fernão Cardim

247 Carta Régia de 16 de Janeiro de 1404, cit. in: Épocas de Portugal Económico, João Lúcio de Azevedo, Livraria Clássica Editora, 1978, Porto, p. 218. 248 Tratados, op. cit., p. 245.

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fornece-nos a importante informação de que eram os Vianenses que dominavam a vida económica e social da referida capitania, referindo-se-lhe nos seguintes termos: «Enfim em Pernambuco se acha mais vaidade que em Lisboa. Os vianezes são senhores de Pernambuco, e quando se faz algum arruido contra algum vianez dizem em lugar de: ai que d´ el-rei, ai que de Viana, etc.»249

De facto, apesar de terem participado na colonização do Brasil, ao longo da centúria de Quinhentos, povoadores vindos de todas as regiões metropolitanas, assim como dos arquipélagos dos Açores e Madeira e ainda alguns estrangeiros, fundamentalmente Italianos e Flamengos, era originária de Viana do Castelo, a maior parte dos colonos do Nordeste brasileiro. A sua importância era tão significativa, que quando Duarte de Albuquerque Coelho, herdeiro do primeiro donatário de Pernambuco, instituiu as primeiras bandeiras de desbravamento do sertão, teve o cuidado de organizar a companhia dos vianenses.250

Mas os incentivos à produção açucareira mantiveram-se, e aperfeiçoaram-se mesmo, ao longo dos anos como o comprovam os alvarás de 13 de Julho de 1555 e 16 de Março de 1560, que concederam benefícios fiscais ao açúcar, ou o de 29 de Março de 1559, que reduziu as taxas relativas à importação de escravos negros que se destinavam aos engenhos.251

Foi a expedição de Martim Afonso de Sousa que assinalou o grande arranque do cultivo da cana-de-açúcar no Brasil. No entanto, durante o século XIX tomou-se conhecimento da existência de registos que comprovariam que já em 1526 seria recebido nos armazéns da Casa da Índia açúcar proveniente das

249 Ibid., op. cit., p. 256. 250 Cf. Carlos Xavier Paes Barreto, Os Primitivos Colonizadores Nordestinos e seus Descendentes, Rio de Janeiro, Melso, 1960, pp. 150-151 e Jorge Couto, op. cit., pp. 280-295. 251 Cf. Vera Lúcia Amaral Ferlini, A Civilização do Açúcar, In: A Construção do Brasil – Ameríndios, Portugueses e Africanos, do início do povoamento a finais de Quinhentos, Jorge Couto, Edições Cosmos, Lisboa, 1995, p. 291.

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terras de Vera Cruz.252 Este açúcar teria provavelmente origem num pequeno engenho fundado possivelmente por Pero Capico, no ano de 1516, junto da feitoria de Igaraçu.253

Na missão pastoral que realizou a Pernambuco, o Jesuíta Fernão Cardim fornece na década de 1580 as seguintes informações sobre aquela que era à data a mais importante capitania açucareira das terras de Vera Cruz: «A terra é toda muito chã; o serviço das fazendas é por terra e em carros; a fertilidade dos canaviais não se pode contar; tem 66 engenhos, que cada um é uma boa povoação; lavram-se alguns anos 200 mil arrobas de açúcar, e os engenhos não podem esgotar a cana, porque em um ano se faz de vez para moer, e por esta causa a podem vencer, pelo que mói cana de três, quatro anos; e com virem cada ano quarenta navios ou mais a Pernambuco, não podem levar todo o açúcar [...]».254

No Brasil, a cana-de-açúcar encontrou de facto condições excelentes para se expandir, um território vasto e extraordinariamente rico, cujo clima era tão propício que as plantações não necessitavam sequer de ser adubadas nem irrigadas. A este propósito, Gabriel Soares de Sousa revela-se bem informado e autenticamente maravilhado com as potencialidades do território brasílico, dizendo que as «canas-de-açúcar, cuja planta levaram à capitania dos Ilhéus da Madeira e de Cabo Verde, as recebeu esta terra de maneira em si que as dá maiores e melhores que nas ilhas e partes donde vieram a ela e em nenhuma outra parte se sabe que se criem canas-de-açúcar, porque na ilha da Madeira, Cabo Verde, São Tomé, Trudente, Canárias, Valência e na Índia não se dão as canas se não regam os canaviais como as hortas e se lhe não estercam as terras e na Baía plantam-se pelos altos e pelos baixos sem se estercar a terra

252 Cf. M. de Oliveira Lima, Pernambuco. Seu Desenvolvimento Histórico, 2ª ed., Recife, 1975, pp.3-4. 253 Cf. Roberto C. Simonsen, História Económica do Brasil (1500-1820), 8ª ed., São Paulo, 1978, p. 96. 254 Tratados, op. cit., p. 255.

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e nem se regar; e como as canas são de seis meses, logo acamam e é necessário cortá-las para as plantar em outra parte, porque assim se dão tão compridas como lanças; e na terra baixa não se faz açúcar da primeira novidade que preste para nada, porque acamam as canas e estão tão viçosas que não coalha o sumo delas se as não misturam com canas velhas e como são de quinze meses, logo dão novidade as canas de pranta; e as de soca, que são as que rebentam e brotam das primeiras cortadas, como são de ano, logo se cortam; e na ilha da Madeira e em as mais partes onde se faz açúcar, cortam as canas de pranta de dois anos por diante e as de soca de três anos e ainda assim são canas muito curtas, onde a terra não dá mais que duas novidades. Na Baía há muitos canaviais que há trinta anos que dão canas e ordinariamente as terras baixas nunca cansam e as altas dão quatro e cinco novidades e mais.»255

A extraordinária fertilidade e abundância da terra brasileira torna-a superior a todas as outras até então observadas pelos portugueses nas suas inúmeras viagens, fazendo com que frequentemente seja de novo entrevisto, como foi referido anteriormente, um verdadeiro jardim de delícias neste território do Novo Mundo, recentemente descoberto. Esta admiração não se verificou só inicialmente. Como afirma Gabriel Soares, deslumbrado com a fertilidade da Baía, estas terras são extraordinariamente ricas: as terras baixas cultivavam-se ininterruptamente sem se esgotarem e as altas chegavam a produzir cinco e mais colheitas seguidas. No final da centúria, as terras eram cultivadas havia já cerca de trinta anos, sem interrupção. Tudo era propício no Brasil a abundantes produções: neste solo ainda inexplorado não existiam doenças e houve desde início abundância de mão-de-obra, inicialmente índia e depois negra, sendo o clima ameno e por isso saudável.

Alguns anos mais tarde, ao descrever as riquezas, fertilidade e abundância do Novo Mundo, Brandónio revela algumas dificuldades em começar a falar delas, por serem tão vastas. Mas 255 Notícia, op. cit., p. 106.

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na sua opinião são seis aquelas com as quais os colonos das terras brasílicas enriqueceram, colocando o cultivo da cana-de-açúcar em primeiro lugar, ou seja, como a maior riqueza do Brasil: «o principal nervo e sustância da riqueza da terra é a lavoura dos açúcares.»256 Acrescenta ainda que o açúcar brasileiro dá mais rendimento ao rei do que «tôdas essas Índias Orientais.»257 No seu dizer, irão todos os anos para o reino quantidades verdadeiramente espantosas de açúcar, pois unicamente as capitanias de Pernambuco, Tamaracá e Paraíba, mandarão para a Metrópole cerca de quinhentas mil arrobas deste precioso produto, que darão um extraordinário rendimento à coroa, uma vez que «pagam de direitos na alfândega de Lisboa, o branco e mascavado a 250 réis a arrôba, e os panelas a 150 réis a arrôba, isto afora o consulado, do que feito soma vem a importar à fazenda de Sua Majestade mais de trezentos mil cruzados, sem êle gastar nem despender na sustentação do Estado um só real de sua casa, porquanto o rendimento dos dízimos que se colhem na própria terra, basta para sua sustentação».258 Mais adiante, e para explicar melhor a sua teoria quanto ao facto de as riquezas do Brasil excederem em muito as de toda a Índia, o autor alude às imensas despesas que o rei faz em cada ano para sustentar a Índia e o seu comércio, acabando por concluir o seguinte: «notai bem o que houver de avanço para o igualardes com o rendimento que colhe do Brasil, das três capitanias referidas tão somente, e vereis com quanto excesso sobrepuja ao da Índia [...]».259 Tanto assim é, que um número cada vez maior de emigrantes portugueses procurava as terras brasílicas, que se lhes afiguravam cada vez mais como a verdadeira terra prometida, preferindo-a à Goa «dourada» assim como a todo o Oriente.260 256 Diálogos, op. cit., p. 75. 257 Ibid., op. cit., p. 76. 258 Ibid., op. cit., p. 80. 259 Ibid., op. cit., p. 80. 260 Cf. C. R. Boxer, O Império Marítimo Português 1415-1825, Edições 70, Lisboa, 1977, p. 101.

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Como diz A. H. de Oliveira Marques, os lucros do açúcar terão durante muitos anos excedido mesmo os do ouro e diamantes em conjunto: «Na realidade, porém, o açúcar situou-se acima do ouro e dos diamantes combinados durante muitíssimos anos.»261 O açúcar foi, sem sombra de dúvida, a alma e o coração do comércio brasileiro, de tal modo que, em 1618, Brandão afirmava que as três capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba produziam açúcar suficiente para carregar 130 a 140 barcos com cerca de 500.000 arrobas (400.000 branco e amarelo; e 100.000 do inferior ou «panelas)».262

A complementaridade financeira existente entre o pau-brasil e o açúcar era uma realidade. O pau-brasil constituiu uma ajuda preciosa, pois os colonos que tivessem pau-brasil na sua sesmaria podiam explorá-lo, possibilitando-lhes fundos monetários para investir nos engenhos de açúcar.

Mas o comércio do açúcar estimulou ainda outras actividades económicas complementares e também rentáveis. Aquela que terá sido a mais importante e lucrativa foi a que consistiu no tráfico de escravos da África para o Brasil. Na opinião de Duarte Gomes Solis «Sem Angola não haverá escravos, e sem escravos não haverá açúcar nem Brasil».263

O Brasil era, sem sombra de dúvidas, um território com potencialidades prodigiosas, e Gabriel Soares de Sousa, na sua Notícia do Brasil, redigiu um verdadeiro hino à extraordinária abundância das terras brasílicas. Revelando-se um agricultor e naturalista extremamente atento, mostrou ser fundamentalmente um interessado e próspero senhor de engenho, dedicando especial atenção à actividade do cultivo dos canaviais e à produção do açúcar. Assim, faz uma análise cuidada e minuciosa 261 A. H. de Oliveira Marques, in: História de Portugal, Palas Editores, Lisboa, 1978, p. 594. 262 Diálogos, op. cit., p. 80. 263 Cf. Nova História da Expansão, O Império Luso-Brasileiro 1500-1620, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, coordenação de Harold Johnson e Maria Beatriz Nizza da Silva, Volume VI, Editorial Estampa, Dezembro de 1992, p. 279.

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das potencialidades da terra brasileira para a cultura da cana-de-açúcar. Na opinião de Soares de Sousa, são muitos os locais onde é viável a construção de engenhos, não só pela fertilidade da terra para a cultura dos canaviais, mas ainda pela imensa quantidade de ribeiras que lhe passam perto, fundamentais como força motriz para mover os engenhos e para o transporte das caixas de açúcar dos locais de produção para os portos do litoral. Aponta duas razões fundamentais para o facto de estas terras não estarem ainda aproveitadas com prósperos engenhos. Os impedimentos devem-se sobretudo aos constantes ataques do gentio, bem como ainda às frequentes contendas entre colonos pela posse das águas de algumas ribeiras.

Gabriel Soares de Sousa faz um levantamento minucioso e pormenorizado daquelas que na sua opinião serão as terras mais férteis e próprias para o cultivo dos canaviais, mas que não estarão ainda a ser convenientemente aproveitadas. No seu dizer, estas terras estendem-se pelo rio Grande, da Costa do Cabo de São Roque até ao Porto dos Búzios, passando pelas terras férteis da Paraíba e pelas do rio São Francisco até à cachoeira. As terras do rio Real até ao Itapocum merecem especial atenção do autor: «é terra muito boa para se poder povoar, porque dá muito bem todos os mantimentos que lhe plantam e dará muito bons canaviais de açúcar, porque quando Luís de Brito foi dar guerra ao gentio do rio Real, se acharam pelas roças destes índios que viviam ao longo deste rio, mui grossas e mui formosas canas de açúcar porque tem ribeiras que nele se metem muito acomodadas para isso». 264 Mas existem ainda neste cuidadoso e entusiasmado relato outras regiões que o autor considera propícias ao cultivo da cana de açúcar pela sua extrema fertilidade, e favoráveis à construção de engenhos pela abundância de águas das suas inúmeras ribeiras: da ponta do Padrão até ao rio Camamu, deste aos Ilhéus, do rio das Caravelas até Cricaré, na terra junto ao rio Doce, deste até ao Espírito Santo, no Rio de Janeiro, e deste a São Vicente. 264 Notícia, op. cit., p. 28.

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O naturalista agricultor faz referências pormenorizadas e deslumbradas quanto à existência de um grande número de engenhos de açúcar nas terras brasílicas, enumerando cerca de cento e treze, chegando mesmo ao pormenor de indicar a maior parte dos nomes dos seus proprietários. Revela-se maravilhado com a prosperidade e esplendor de alguns, que descreve em termos francamente elogiosos. São, no entanto, os engenhos da Baía aqueles que descreve com maior admiração e deslumbramento.

Gabriel Soares de Sousa começa por referir que as razões fundamentais para a riqueza e grandeza da região baiana são, sem dúvida, o cultivo da cana-de-açúcar e o comércio do mesmo, elucidando-nos do facto de chegarem a estar no porto da cidade de Salvador da Baía a carregar açúcar e algodão, entre quinze a vinte naus.265

Na região baiana merecem-lhe especial atenção alguns engenhos, quer pelo seu extraordinário rendimento, quer ainda pelo esplendor e magnificência das construções que exibiam. Assim, faz a descrição precisa de um engenho que no seu dizer é pertença do rei e está arrendado por uma soma considerável de açúcar, pagando o arrendatário anualmente ao monarca seiscentas e cinquenta arrobas do precioso produto, que com bastante frequência foi mesmo apelidado de «ouro branco».266

Outros engenhos que merecem também rasgados elogios do autor são os dois de Sebastião de Faria, situados na região do rio Matoim. Sobre o primeiro afirma: «Sebastião de Faria tem feito um soberbo engenho de água com grandes edifícios de casas de purgar e de vivenda e uma igreja de São Jerónimo, tudo de pedra e cal, no que gastou mais de doze mil cruzados.»267 Acerca do segundo refere também a sua magnificência e beleza, dizendo a propósito que é um engenho movido a bois e possui: «grandes edifícios, assim de engenho, casas de purgar e de vivenda como

265 Notícia, op. cit., p. 86. 266 Ibid., op. cit., p. 90. 267 Ibid., op. cit., p. 92.

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de outras oficinas e tem uma formosa igreja de Nossa Senhora da Piedade, [...], a qual fazenda mostra tanto aparato da vista do mar que parece uma vila».268

No rol daqueles que considera os mais prósperos e maravilhosos engenhos de açúcar situados na região da Baía, Gabriel Soares faz uma referência muito especial a um de que é proprietário, descrevendo-o com orgulho da seguinte forma: «E tornando abaixo ao esteiro da mão direita que se chama Caípe, indo por ele acima está um soberbo engenho com grandes casas de purgar e de vivenda e muitas outras oficinas, com uma grande e formosa igreja de São Loureço, onde vivem muitos vizinhos e uma povoação que se diz a Graciosa. Esta terra é muito fértil e abastada de todos os mantimentos e de muitos canaviais de açúcar, a qual é de Gabriel Soares de Sousa».269 Aqueles engenhos, que o autor considera como os mais prósperos, descreve-os geralmente como possuindo uma terra semeada de formosos canaviais, com um grande número de escravos, grande profusão de edifícios de casa de purgar, de vivenda e como sendo comum a todos uma formosa igreja dedicada sempre a um padroeiro específico, tudo isto construído em pedra e cal.

Mas a abundância e excelência das canas-de-açúcar do território brasílico levaram também à construção de algumas «casas de méis»,270 das quais o autor fala com bastante pormenor, pois indica o nome dos proprietários da quase totalidade das oito que diz existirem no território baiano, apontando o nome de seis. Assim, falando das «casas de méis» que diz existirem à época na circunscrição da Baía, afirma que são muito rendosas e pertencem a António Martins Reimão,

268 Ibid., op. cit., p. 93. 269 Ibid., op. cit., p. 100. 270 Frédéric Mauro diz que estas «casas de meles» são engenhos sem refinaria. Cf. Portugal, o Brasil e o Atlântico, Imprensa Universitária, Editorial Estampa, Tradução de Manuela Barreto, Lisboa, 1989, nota 81, p. 259.

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Marcos da Costa, João Adrião, António Penela, António Rodrigues e finalmente a Gaspar de Freitas.

Ao concluir sobre o poder, as grandezas e as riquezas da Baía, Gabriel Soares de Sousa afirma que elas passam fundamentalmente pelo número de engenhos desta terra, contabilizando-os em trinta e seis: «se particularmente disséssemos de cada um seu pouco, havendo que dizer deles e de sua máquina, muito diríamos e não diríamos tudo, os quais são moentes e correntes trinta e seis, convém a saber: vinte e um que moem com bois e quatro que se andam fazendo; tem de mais oito casas de fazer méis de muita fábrica e muito proveitosas.»271

O naturalista agricultor sublinha mais uma vez a fertilidade e abundância desta terra que considera verdadeiramente extraordinária, confirmando a grande riqueza da Baía em açúcares, ao revelar que por ano saem dos engenhos baianos mais de cento e vinte mil arrobas do precioso «ouro branco».

Alguns anos mais tarde, Brandónio, nos Diálogos das Grandezas do Brasil, considera a «lavoura dos açúcares» como a maior riqueza destas terras do Novo Mundo, pois, na sua opinião, o açúcar é o produto que mais enobrece e enriquece todo o Brasil. E quando o seu interlocutor Alviano lhe responde afirmando que os engenhos de Potosi, que ao moerem a terra tiram prata, devem ter maior rendimento que os de fazer açúcares, responde-lhe Brandónio que os rendimentos dos açúcares são bem maiores que os da prata, e acrescenta: «E é bastante prova desta verdade o vermos muitos senhores deles riquíssimos e os que têm engenhos para a prata os mais dêles pobríssimos e endividados.»272 Brandónio insiste na riqueza que proporciona o açúcar aos senhores de engenho, os quais vivem com grande fausto, fazendo também grandes obras de caridade, e descreve o seu nível de vida da seguinte forma: «E eu vi já afirmar a homens mui experimentados na côrte de Madrid, que se não

271 Notícia, op. cit., p. 103. 272 Diálogos, op. cit., p.91.

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traja melhor nela do que se trajam no Brasil os senhores de engenhos, suas mulheres e filhas, e outros homens afazendados, e mercadores. E para prova disto quero dar sómente uma assaz bastante, qual é que na capitania de Pernambuco há uma casa de Misericórdia, a qual faz de despesa em cada um ano, na obrigação dela, treze e catorze mil cruzados, [...], e estes são todos dados de esmolas pelos moradores da mesma capitania, [...]. E é tanto isto assim que os provedores que sucedem para serviço dela em cada um ano, gastam de sua bolsa mais de três mil cruzados [...]».273

A importância do açúcar foi tão grande para a economia da América Portuguesa que, tal como afirma o historiador brasileiro Evaldo Cabral de Mello, «De meados de Quinhentos até à descoberta das minas em finais de Seiscentos e começos de Setecentos, o açúcar foi o outro nome do Brasil».274 O denominado «ouro branco» foi de tal modo fundamental para a economia do reino, que tornou possível a Restauração de 1640, constituindo um dos seus mais significativos motivos. De tal forma que em Pernambuco a senha da revolta era a palavra «açúcar». A revolução de 1640 foi não só sustentada financeiramente pelo açúcar, como teve ainda a finalidade de recuperar o antigo monopólio de Portugal sobre o produto, através do controle de todas as regiões do Brasil que o produziam e também de Angola, da qual dependia a mão-de-obra escrava necessária à indústria do açúcar.275

Foi a concorrência do açúcar das Antilhas que fez baixar os preços do precioso produto nos mercados europeus, a partir da segunda metade do século XVII. A descoberta e exploração das minas brasileiras trouxe algumas consequências negativas às tradicionais zonas de produção de açúcar do Nordeste, 273 Ibid., op. cit., p. 92. 274 Cf. Evaldo Cabral de Mello, O Açúcar, in: Brasil brasis – cousa notáveis e espantosas – A Construção do Brasil – 1500-1825, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2000, op. cit., p. 25. 275 Ibid., p. 26.

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disputando-lhe a mão-de-obra africana e deslocando para o Centro e Sul a dinâmica da economia do Brasil. Mesmo assim, a lavoura dos açúcares foi a principal actividade económica desenvolvida nas terras de Vera Cruz desde meados de Quinhentos até meio do século XIX. De tal forma que nos inícios do século XVIII Frei António do Rosário, na sua obra Frutas do Brasil, exalta a excelência da cana-de-açúcar, ao considerá-la mesmo «a rainha das frutas do Brasil», afirmando com ênfase que «Se o Ananás he rey dos pomos da América pelas prendas com que a natureza o coroou, & qualidades de que o dotou a cana de assucar, por mercê da mesma natureza, & parecer do mundo todo, he dignamente a Rainha deste vasto e doce Império do Brasil [...]».276

Mesmo quando a exploração aurífera estava no seu apogeu, o açúcar manteve sempre o primeiro lugar na lista de exportações. A superioridade das exportações do açúcar manteve-se, por isso, uma realidade, mesmo depois das descobertas das minas de ouro e dos diamantes, que tendo embora o mérito de promoverem um novo impulso expansionista, tanto a nível económico, como geográfico, nos territórios portugueses do Novo Mundo, nunca ultrapassaram o denominado «ouro branco».277

2. De Outras Riquezas Complementares do Novo Mundo As culturas de tabaco, do algodão e a criação de gado foram

também importantes actividades económicas do Brasil no século XVI, embora se destinassem essencialmente ao consumo interno. Só nos séculos seguintes o tabaco, o algodão e os couros foram ganhando um peso cada vez maior e bastante significativo nas exportações. O tabaco assumiu até a partir de

276 Frutas do Brasil, op. cit., pp. 46-47. 277 Cf. Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 28. e Jorge Couto, op. cit., pp. 286-287.

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1620 um papel preponderante como meio de pagamento na compra de escravos em África.

De início, o algodão serviu essencialmente para fabricar tecidos para os Índios que frequentavam a catequese, pois um dos objectivos dos Jesuítas era a irradicação da nudez, pelo menos parcial nos aldeamentos que dirigiam. No entanto, no final da década de 1560, o humanista de Braga Pêro de Magalhães de Gândavo afirmava já que o algodão era a segunda actividade económica mais rentável do Brasil, a seguir ao açúcar e antes do pau-brasil: «[...] há outras de que os moradores fazem suas fazendas, convém a saber, muitas canas-de-açúcar e algodoais, que é a principal fazenda que há nestas partes, de que todos se ajudam e fazem muito proveito em cada uma destas capitanias, especialmente na de Pernambuco [...], e se dá infinito algodão, e mais sem comparação que em nenhuma das outras».278

Paralelamente, assistimos a um grande investimento na criação de gado, que evoluiu favoravelmente nas terras brasileiras, de tal modo que o missionário Fernão Cardim, testemunhando a sua abundância, refere que havia currais onde se encontravam 500 a 1000 cabeças de bovinos, especialmente nos campos de Piratininga, devido aos excelentes pastos.

2.1. De Erva-Santa ao Lucrativo Tabaco

Como referimos já no capítulo destinado ao estudo das virtudes terapêuticas de algumas espécies brasileiras, também o petum, erva-santa ou tabaco foi tal como o açúcar, inicialmente usado para fins medicinais, sendo utilizado pelos portugueses e silvícolas para a cura de uma infinidade de maleitas.

É controversa a origem da planta e da palavra, embora algumas teses a indiquem como originária da Ásia e dos Andes. É uma planta tropical, adaptável a regiões de diferentes latitudes, 278 História, op. cit., p. 85.

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exigindo, no entanto, solo fértil, calor e humidade.279 A planta do tabaco foi, com certeza, conhecida mais cedo em Portugal do que no resto da Europa, havendo mesmo quem afirme que, em finais do século XV, já era conhecida. No entanto, a sua divulgação só acontece verdadeiramente a partir da segunda metade do século XVI. O que se sabe é que antes do ano de 1559, Luís de Góis280 terá trazido esta planta do Brasil, onde já era utilizada pelos colonos portugueses.281 O crescimento da produção tabaqueira está directamente ligado ao aumento do consumo e ao tráfico de escravos. Assim, o tabaco ocupou durante o século XVI o segundo lugar nas exportações da terra brasileira.282

No Brasil, os Jesuítas exaltaram o seu valor medicinal. Já em 1550, o padre Manuel da Nóbrega, fundador da Companhia de Jesus no Brasil, considerava o tabaco uma erva-santa, tendo sido o primeiro a atribuir-lhe virtudes terapêuticas, cujo fumo, na sua abalizada opinião, ajudava «muito à digestão e a outros males corporaes e a purgar a fleuma do estomago».283

Também o padre Fernão Cardim lhe louva as virtudes medicinais, sendo aliás esta qualidade que leva a que o produto passe a ser conhecido, e mais tarde bastante apreciado pela 279 Cf. José Roberto do Amaral Lapa, Cultura e Comércio de tabaco brasileiro, in: Portugal no Mundo, Direcção de Luís de Albuquerque, Selecções do Reader’s Digest, S.A., Lisboa, 1989, p. 291. 280 Quem deu a informação de que as primeiras plantas do tabaco foram trazidas para Portugal por Luís de Góis, foi Damião de Góis, que embora tendo o mesmo sobrenome, não era seu familiar. Cf. Eduardo Bueno, in: Capitães do Brasil – A Saga dos Primeiros Colonizadores, Colecção Terra Brasilis, Vol. III, Rio de Janeiro, 1999, p. 136. 281 Cf. Dicionário de História de Portugal, VI Volume, Direcção de Joel Serrão, Livraria Figueirinhas/Porto, 1985, p. 105. 282 Cf. Frédéric Mauro, Nova História da Expansão Portuguesa, Volume VIII, O Império Luso-Brasileiro – 1620 –1750, Direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Coordenação de Frédéric Mauro, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, p. 65. 283 Cartas Jesuíticas I, Cartas do Brasil, Manuel da Nóbrega, Editora Itatiaia Limitada, Editora da Universidade de São Paulo, Belo Horizonte, 1988, op. cit., p. 112.

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generalidade dos Europeus. O embaixador francês na corte de Lisboa, João Nicot, tomando conhecimento das virtudes terapêuticas do tabaco, enviou, por volta de 1559, umas folhas da preciosa planta à rainha de França, Catarina de Médicis, a qual terá curado de uma terrível enxaqueca que a afligia. O mesmo resultado terá tido o cardeal da Lorena, a quem o embaixador Nicot terá igualmente enviado algumas folhas de tabaco. O sucesso desta diligência ligou para sempre o nome do referido embaixador ao do tabaco.284

Mas, durante a maior parte do século XVI, o tabaco foi somente considerado como uma planta de jardim e os colonos da Baía, tal como os gentios, cultivaram-no nas hortas e quintais, tal como afirma o naturalista agricultor, Gabriel Soares de Sousa: «Petume é a erva a que em Portugal chamam santa e há muita dela pelas hortas e quintais, pelas mostras que tem dado da sua virtude, com a qual se têm feito curas estranhas [...]».285

É só no fim de Quinhentos que o tabaco adquire importância económica, expandindo-se gradualmente, e os solos arenosos do Recôncavo Baiano constituíram o local ideal para a sua cultura que era feita em tabuleiros.286

A produção do tabaco foi-se convertendo gradualmente em indústria colateral do açúcar. O tabaco passou a servir cada vez mais de moeda de troca na aquisição de escravos africanos na Costa da Mina, sem os quais os engenhos não funcionavam. Como referimos já, os motivos do desenvolvimento da cultura do tabaco terão sido, por um lado, a necessidade de o utilizar como moeda de troca no comércio negreiro e, por outro, o vício europeu.287 No primeiro quartel do século XVIII, época áurea da

284 Cf. Dicionário de História de Portugal, VI Volume, Direcção de Joel Serrão, op. cit., p. 105. 285 Notícia, op. cit., p. 139. 286 Cf. Jorge Couto, A Construção do Brasil, Edições Cosmos, Lisboa, 1995, p. 297. 287 Cf. J. Lúcio de Azevedo, Épocas de Portugal Económico, op. cit., p. 275.

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indústria do tabaco, eram utilizados por ano no tráfico negreiro cinco mil rolos, de 13 a 15 mil arrobas.288

Mas o tabaco brasileiro revelava-se também cada vez mais importante para o sucesso das trocas comerciais entre a Metrópole e o Extremo Oriente. Aquilo que se procurou, a partir de Seiscentos, foi a sua utilização como moeda de troca neste comércio oriental, a fim de reduzir o envio de moeda metálica, situação que já se verificava em África na aquisição de escravos.289 O vício de fumar propagou-se de tal forma, que por todo o país todas as classes sociais tinham adquirido o hábito, levando a que se experimentasse a cultura da planta do tabaco na Metrópole. E essa cultura revelou-se um verdadeiro sucesso. De tal modo se generalizou o cultivo do vicioso produto na Metrópole, que as autoridades, com receio de verem diminuídas as receitas do Estado, se viram obrigadas a proibir a sua cultura, alegando que as terras consagradas ao tabaco faziam falta para semear o pão.290 O comércio português deste produto tornou-se realmente vultuoso, o que levou o governo a elaborar leis para disciplinar o sector que cada vez tinha maior importância para a Fazenda Real.291

No século XVII, João Antonil descreveu pormenorizada-mente as diferentes etapas da transformação do tabaco, referindo com ênfase a excelência do tabaco brasileiro. O melhor tabaco do Brasil era, no entanto, produzido na região do recôncavo baiano, especialmente na Cachoeira, nos campos de Santo Amaro de Pitanga, Maragojipe e Sergipe do Conde.292

288 Ibid., op. cit., p. 275. 289 Sabemos que por exemplo, de 1776 até 1799 cerca de 22 navios num total de 29 que viajavam para o Extremo-Oriente fizeram escala no Brasil para carregar tabaco. Cf. Vitorino Magalhães Godinho, Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar, op. cit., p. 455. 290 Ibid., p. 277. 291 Cf. José Roberto do Amaral Lapa, Cultura e Comércio de tabaco brasileiro, in: Portugal no Mundo, Direcção de Luís de Albuquerque, Selecções do Reader’s Digest, S.A., Lisboa, 1989, p. 297. 292 Ibid., op. cit., p. 305.

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156 A NATUREZA BRASILEIRA

A produção do tabaco no Novo Mundo português era de tal ordem, que as suas exportações satisfaziam plenamente as necessidades da Metrópole, sendo igualmente um produto muito procurado, fundamentalmente para o comércio com a costa africana, como referimos já anteriormente. Este género tornou-se tão precioso, que negreiros franceses de La Rochelle faziam com frequência escala no porto de Lisboa, com o objectivo de o adquirirem, pois ao largo da Costa de África os negreiros brasileiros vendiam-lho ao preço do ouro.293

A cultura tabaqueira alternava com a pecuária, recorrendo aos denominados «currais portáteis» ou «currais itinerantes»: os colonos verificaram que o terreno estercado pelos animais dava plantas mais viçosas e resistentes e o produto final era de qualidade superior. Dessa forma, foi-se adoptando de maneira espontânea a solução de compatibilizar a cultura do tabaco com a criação de gado. Os bois vivos ou abatidos eram extremamente úteis na produção do tabaco. Era do seu couro que se fabricavam as «capas» para acondicionar os rolos que se destinavam à exportação. Para além disso, o carro de bois era um excelente meio de transporte para o tabaco. E se tivermos em consideração as enormes quantidades de rolos de tabaco que se enviavam para África, Europa e Ásia, concluímos que os rebanhos a abater eram em elevado número, considerando o processo de acondicionamento atrás referido. Há pois uma dependência entre a lavoura do tabaco e a actividade da criação de gado.294 Concluímos assim que a produção de açúcar, do tabaco, e a criação de gado eram actividades estreitamente dependentes entre si.

Na opinião de Frédéric Mauro, as riquezas da terra brasileira mostraram-se, desde o início, demasiado importantes para o

293 Cf. Frédéric Mauro, in: Nova História da Expansão Portuguesa – O Império Luso-Brasileiro, 1620-1750, Direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Coordenação de Frédéric Mauro, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, p. 65. 294 Cf. José Roberto do Amaral Lapa, op. cit., p. 292.

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mercado português. O tabaco constituía um caso exemplar, pois o duque de Cadaval, presidente do Conselho Ultramarino, aconselha num relatório de 1698 a que se limite a produção brasileira do tabaco para 30000 arrobas, alegando que a Metrópole consumia pouco mais de 2400, enquanto que o resto da Europa absorvia dez vezes mais.295

Os rendimentos do tabaco evoluíram de tal modo, que, em 1659, dava à coroa o dobro dos rendimentos dos quintos do ouro, constituindo mesmo renda de grande importância na fazenda do Estado.296 O produto era de tal modo precioso, que em 1699 uma decisão régia, que tornava livre o tráfico negreiro directo, autorizava a que as cargas de produtos vindos do Brasil, nomeadamente o tabaco, fossem trocadas por ouro, marfim, cera e negros.297 O produto constituiu-se como produto colateral da indústria açucareira, tendo-se transformado assim num dos recursos mais ricos e lucrativos do imenso território da América portuguesa.298

295 Cf. A. J. Antonil, cit. in: Nova História da Expansão Portuguesa – O Império Luso-Brasileiro – 1620-1750, Direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Coordenação de Frédéric Mauro, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, p. 78. 296 Cf. J. Lúcio de Azevedo, Épocas de Portugal Económico – Esboços de História, op. cit., p. 280. 297 Cf. Frédéric Mauro, in: Nova História da Expansão Portuguesa – O Império Luso-Brasileiro – 1620-1750, op. cit., p. 210. 298 A importância do tabaco era de tal ordem, que, em 1674, por se verificar um agravamento da crise do tesouro, decide-se em Cortes uma autorização da subida de imposto sobre o seu consumo. Dá-se então o agravamento sobre o imposto do consumo do tabaco, ao mesmo nível que aquele dos produtos de uso corrente. Sendo inicialmente decidida por um período de seis anos, a concessão deste imposto tornou-se definitiva, tendo-se restabelecido para o efeito o monopólio do Estado sobre o tabaco. Nesta mesma altura foi instituída a Junta Nacional do Tabaco pelo regente D. Pedro II. A Junta viria a revelar-se o órgão mais importante na administração dos negócios referentes àquele produto, tendo como primeiro presidente o duque de Cadaval. Tendo permitido uma carga tributária pesada, o crescimento da produção e comércio do tabaco propiciaram também o contrabando, o que acarretou

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158 A NATUREZA BRASILEIRA

Aquela que inicialmente havia sido designada de erva-santa tornou-se verdadeiramente milagrosa, no que concerne aos imensos lucros económicos que acabou por proporcionar à maioria dos estados Europeus. Devendo-se a sua divulgação inicialmente ao facto de ser considerada como medicina eficaz para maleitas várias, foi, no entanto, a sua comercialização que se revelou verdadeiramente atractiva para os mercadores Europeus. Concluímos pois, que tal como os do «ouro branco», também os lucros do tabaco brasileiro terão ultrapassado em muito os proventos auferidos com as minas de ouro e diamantes da colónia portuguesa do Novo Mundo.

2.2. Do Algodão

Os portugueses sabiam do valor económico do algodoeiro, que possivelmente foi introduzido nas hortas do Algarve e nos campos do Mondego na mesma altura que a cana-de-açúcar, após ensaios feitos por Sicilianos e Andaluzes. Tanto uma como a outra eram plantas que se davam bem quer em terras quentes e húmidas, quer em regiões semi-áridas, desde que fossem regadas. Ambas desempenharam um papel importante no desenvolvimento do Brasil. Os arroteamentos orientados pelo

prejuízos consideráveis ao Estado e aos contratadores. Houve por isso a necessidade de actualizar periodicamente a legislação sobre o tabaco. Na administração do Marquês de Pombal, elaboraram-se respectivamente o Novo Regimento da Alfândega do Tabaco (1751) e o Regimento das Casas de Inspecção do Açúcar e Tabaco (1751), assim como os alvarás de 30 de Abril de 1774 e 15 de Julho de 1775, que acabaram por reorganizar e estimular a produção e o comércio deste valioso produto. Na opinião de João Lúcio de Azevedo, ao findar o absolutismo, em 1820, o tabaco, era depois das Alfândegas, a mais importante receita do Estado, pois o montante anual do seu arrendamento era 1351 contos, quantia que nunca as minas de ouro e diamantes do Brasil renderam à coroa lusitana. Para este assunto consulte-se João Lúcio de Azevedo em Épocas de Portugal Económico, op. cit., pp. 281 e 287, e José Roberto do Amaral Lapa, Cultura e Comércio do tabaco brasileiro, in: Portugal no Mundo, op. cit., pp. 297 e 298.

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donatário de Pernambuco Duarte Coelho começaram pela plantação de campos de algodão e cana-de-açúcar.299 Não se pode, no entanto, comparar a importância do algodão à do açúcar. Os caminhos de expansão do algodão foram mais pequenos que os do denominado «ouro branco».300

O primeiro Provincial da Companhia de Jesus no Brasil (padre Manuel da Nóbrega), considerou, desde o início, que a capitania de São Vicente era a mais preparada para se fazer a conversão do gentio. A acção dos Jesuítas no Brasil iniciou-se por esse motivo, sob a acção do seu primeiro provincial, a partir de 1554, com a fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, no planalto onde hoje se situa a cidade de São Paulo. Nesse planalto empreenderem arroteamentos e plantaram campos de algodão.301 A produção indígena de algodão na Baía era tão importante no século XVI, que já na década de quarenta o mesmo padre Manuel da Nóbrega assinalava a sua abundância nos seguintes termos: «[...] e para vestir farão um algodoal, que há cá muito.»302

Nas primeiras décadas de colonização, a maior parte da produção servia essencialmente, como já tivemos oportunidade de mencionar, para fabricar tecidos para os índios que frequentavam a catequese, pois um dos objectivos dos Jesuítas era a irradicação da nudez, pelo menos parcialmente nos aldeamentos que dirigiam. 303 E o fundador da Companhia de Jesus no Brasil, ao referir-se ao facto de precisarem de roupa para os indígenas, que vão à missa ao domingo completamente nus, alude mais uma vez à abundância do valioso produto: «e

299 Cf. Bartolomé Bennassar e Richard Marin, História do Brasil, tradução de Serafim Ferreira, Teorema, Lisboa, 2000, p. 38. 300 Cf. Dicionário de História de Portugal, Direcção de Joel Serrão, Volume I, op. cit., pp. 100-101. 301 Cf. Bartolomé Bennassar e Richard Marin, História do Brasil, Tradução de Serafim Ferreira, Teorema, Lisboa, 2000, p. 45. 302 Cartas Jesuíticas I, Cartas do Brasil, Manuel da Nóbrega, op. cit., p. 84. 303 Cf. Jorge Couto, A Construção do Brasil, Edições Cosmos, Lisboa, 1995, p. 296.

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isto agora sómente no começo, que elles farão algodão para se vestirem ao deante».304

Poucos anos mais tarde, também o inaciano José de Anchieta refere a abundância de algodão nas terras brasílicas, afirmando: «Para vestir há muito algodão que se encontra em umas árvores frescas como sabugueiros e todos os anos dão uns folhelhos ou capuchos cheios de algodão.»305 O missionário assinala também o facto de serem os índios a vestir de algodão, acrescentando, no entanto, que vulgarmente andam nus, ou então estranhamente ataviados: «nisto usam de primores a seu modo, porque um dia saem com gorro, carapuça ou chapéu na cabeça e o mais nu; outros dias com seus sapatos ou botas e o mais nu, outras vezes trazem uma roupa curta até á cintura sem mais outra cousa.», acrescenta ainda a propósito da maneira de vestir das mulheres, e confirmando a utilização do algodão nas vestes dos silvícolas que: «trazem suas camisas de algodão sôltas até o calcanhar sem outra roupa [...]».306

É provável que os carregamentos regulares de algodão para a Metrópole tenham começado em 1565 em Pernambuco.307 E já no final da década de 1560, o humanista de Braga, Pêro de Magalhães de Gândavo, afirmava que o algodão era a segunda actividade económica mais rentável do Brasil, a seguir ao açúcar e antes do pau-brasil. A propósito das grandezas e potencialidades das terras de Santa Cruz, afirma: «[...] há outras de que os moradores fazem suas fazendas, convém a saber, muitas canas-de-açúcar e algodoais, que é a principal fazenda que há nestas partes, de que todos se ajudam e fazem muito proveito em cada uma destas capitanias, especialmente na de

304 Cartas Jesuíticas I, Cartas do Brasil, Manuel da Nóbrega, op. cit., p. 85. 305 Cartas Jesuíticas III, Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, op. cit., p. 434. 306 Cartas Jesuíticas III, Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J. (1554-1594), op. cit., p. 434. 307 Cf. Alexander Marchant, in: Do Escambo à Escravidão. As Relações Económicas de Portugueses e Índios na Colonização do Brasil (1500-1580), tradução portuguesa, São Paulo, 1980, pp. 74-76-

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Pernambuco [...], e se dá infinito algodão, e mais sem comparação que em nenhuma das outras. Também há muito pau-brasil nestas capitanias, de que os mesmos moradores alcançam grande proveito».308

Alguns anos mais tarde, o missionário Fernão Cardim dá preciosos esclarecimentos acerca das primitivas utilizações dadas pelo silvícola ao fio de algodão. Assim, afirma acerca “do modo que têm em dormir” que os gentios utilizam como camas redes de algodão,309 acrescentando que também utilizam fios de algodão para cobrir os mortos.310

Sobre as regiões mais favoráveis à cultura de algodão, aponta as capitanias de Ilhéus e a de Porto Seguro, afirmando que esta última, apesar de ter tido abundância deste produto em época anterior, se encontra quase despovoada, devido aos ataques dos Guaimurés. A capitania de Espírito Santo será também, na opinião deste missionário, rica em algodão.311

É contudo o naturalista agricultor Gabriel Soares de Sousa que, já na década de oitenta, dá o maior número de informações acerca do aspecto da planta do algodão e do seu aproveitamento. Assim, refere que os índios chamam ao algodoeiro maniim, e descreve-o com minúcia e deslumbramento, dizendo que as «árvores parecem marmeleiros arruados em pomares, mas a madeira dele é como sabugueiro mole mas oca por dentro; a folha parece de parreira com o pé comprido e vermelho [...]. A flor do algodão é uma campainha amarela muito formosa donde nasce um capulho que ao longe parece noz verde, o qual se fecha com três folhas grossas e duras da feição das com que se fecham as dos botões das rosas e como o algodão está de vez, que é de Agosto por diante, abrem-se estas folhas com que se fecham estes capulhos e vão-se secando e mostrando o algodão que tem dentro muito alvo e se

308 História, op. cit., p. 85. 309 Tratados, op. cit., p. 169. 310 Ibid., op. cit., p. 179. 311 Ibid., op. cit., pp. 225,229 e 263.

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não se apanham logo, cai no chão; e em cada capulho destes estão quatro de algodão, cada um do tamanho de um capulho de seda e cada capulho destes tem dentro um caroço preto com quatro ordens de carocinhos pretos e cada carocinho é do tamanho e da feição do feitio dos ratos, que é a semente de que o algodão nasce, o qual no mesmo ano que se semeia dá novidade.»312

Quanto ao aproveitamento do valioso produto, refere Gabriel Soares de Sousa que as velas das armadas se podem fazer de algodão, acrescentando que todos os anos se fazem grandes carregamentos deste produto, o que faz pressupor que já na década de oitenta do século dezasseis o algodão seria produto muito rentável e largamente comercializado para a Europa. O Velho Continente necessitaria dele para modernizar a indústria têxtil, que nesta época pretendia substituir o fabrico dos pesados tecidos de lã pelos leves e coloridos panos de algodão, semelhantes aos que chegavam do Oriente. O naturalista agricultor da região baiana refere, contudo, o destino mais frequente que se dava nesta época ao algodão brasileiro, afirmando que servia para confeccionar pano grosso: «muito bom para velas, de muita dura e muito leves, de que andam veleados os navios e barcos da costa e dentro na Baía trazem muitos barcos vela de pano de algodão que se fia na terra, para o que há muitas tecedeiras que se ocupam em tecer teias de algodão que se gastam em vestidos dos índios e escravos da Guiné e outra muita gente branca de trabalho.»313

Das informações fornecidas por Gabriel Soares de Sousa se conclui que, assim como a do tabaco, também a cultura do algodão é cultura subsidiária e complementar à indústria açucareira, pois ao possibilitar a confecção das velas dos barcos, facilitava o transporte do açúcar até aos seus pontos de escoamento. O algodão era ainda importante para fabrico das vestes dos trabalhadores de engenhos, e a sua exportação

312 Notícia, op. cit., p. 139. 313 Ibid., op. cit., p. 225.

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forneceu complemento de capitais, sempre bem vindos e necessários ao trabalho dos engenhos.

Mas os cronistas portugueses de Quinhentos por nós analisados assinalaram também a importância que a cultura do algodão terá adquirido no «imenso país continente», não só para os portugueses, como para a generalidade dos Europeus. Assim, o padre Francisco Soares informa-nos dos verdadeiros motivos que aguçariam o apetite dos restantes europeus pelo imenso território português do Novo Mundo: «Por causa do muito pau e pimenta e algodão, veio Mr. de Villegaignon, grão capitão, por mandado, segundo dizem, do rei; secretamente, fez uma grã-fortaleza no Rio de Janeiro, esteve ali quatro ou cinco anos, e cada ano mandava vinte e duas, vinte e quatro naus carregadas; mandou el-rei de Portugal fazer queixume a França [...]».314

Mas o algodão só revelou as suas plenas potencialidades a partir da segunda metade do século XVIII, quando devido à política do Marquês de Pombal se verificou um grande desenvolvimento algodoeiro no Brasil, prelúdio da Revolução Industrial. Nesta altura chegam ao porto de Lisboa, vindas do Norte, do Grão Pará e do Maranhão as «frotas de algodão», que até então tinham trazido predominantemente cacau.315

A cultura do algodão foi-se assim revelando, a partir do século XVI, um dos mais importantes produtos para a economia nacional, vindo a atingir o seu apogeu a partir da segunda metade do século XVIII, coincidindo com o arranque da Revolução Industrial. Exactamente quando na Inglaterra se tornava cada vez mais premente a necessidade de abundância de fio de algodão para o avanço da indústria têxtil.

314 Coisas Notáveis do Brasil, op. cit., p. 140. 315 Cf. Vitorino Magalhães Godinho, Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar séculos XIII-XVIII, op. cit., p. 490.

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2.3. Da Criação de Gado nas Terras do Novo Mundo O desenvolvimento da criação de gado verificou-se nas terras

portuguesas do Novo Mundo como actividade ancilar da economia açucareira, mas foi posteriormente afastada dos canaviais, pela necessidade de os proteger. Os bois foram desviados para o interior para regiões cada vez mais distanciadas das zonas agrícolas, desbravando as terras do sertão. Nas terras da capitania de Pernambuco, que não eram favoráveis à cultura da cana-de-açúcar (zonas agrestes e do sertão), foram instaladas fazendas de gado.316

Gabriel Soares de Sousa faz, na sua Notícia do Brasil, um minucioso inventário de todas as regiões que ele considera mais propícias à criação de gado, no imenso território brasileiro. Assim concluímos, a partir das informações do cronista, que as terras mais utilizadas para este fim eram aquelas que, por serem mais alagadiças, não serviam para o cultivo da cana-de-açúcar, mas eram óptimas para a criação de gado, pois estavam permanentemente cobertas de viçosos pastos. O autor assinala as regiões que terão essas qualidades, referindo a costa de Tatuapara até ao rio Joane, que diz estar povoada de currais de vacas, propriedade não só de Garcia de Ávila (criado do governador Tomé de Sousa) e de pessoas próximas dele, mas igualmente de outras diversas pessoas. Outras regiões também indicadas pelo autor como sendo aquelas mais propícias à criação de gado nas terras portuguesas do Novo Mundo são a região da costa do rio Joane à Baía, de Porto Seguro ao rio das Caravelas, e na capitania de São Vicente onde segundo o cronista: «se criam muitos porcos, cujo couro os moradores utilizam para fazerem botas e couros de cadeiras. As vacas dão-se aqui melhor do que em Espanha, e por isso há-as em grande quantidade, cuja carne é gorda e saborosa, melhor que a das outras capitanias, pois a terra é mais fria.»317 Gabriel Soares de

316 Cf. Jorge Couto, A Construção do Brasil, op. cit., p. 299. 317 Notícia, op. cit., p. 66.

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Sousa assinala igualmente as maravilhosas qualidades que possui para a criação de gado a terra que compreende a costa do rio dos Patos até ao da Alagoa, uma vez que «está vestida de erva verde como a de Espanha [...]».318 Outras terras são ainda assinaladas pelo autor como muito fracas para o cultivo da cana e por tal facto só indicadas para a criação de vacas, como é o caso das do rio Paraguaçu ao longo do mar da Baía até à boca do rio Jaguaripe e por ele acima, da barra deste rio até ao rio de Una e deste até Tinharé.

A indústria açucareira exigia uma grande produção de gado bovino, que servia para assegurar no local a tracção animal necessária ao transporte do produto e à produção dos recursos energéticos do engenho. Assim, a criação de gado dos sertões da Baía e Pernambuco tornou-se o complemento ideal do Brasil costeiro da cana. Para além do mais, as peles eram exportadas.319 O rio São Francisco atraiu para as suas margens grandes rebanhos de bovinos, que um pouco mais tarde se encaminharam para o Piauí e Maranhão.320 A região do Piauí era uma zona de pecuária, de tal forma que, em 1697, teria, segundo o relato de um sacerdote, 129 fazendas de gado.321

A criação de gado foi iniciada nas terras brasílicas por Martim Afonso de Sousa, que promoveu a criação de bovinos, equídeos e ovinos. Nos começos do seu governo, Tomé de Sousa (1º governador geral), mandou ir para o Brasil animais de Cabo Verde, trocando-os por madeira do Brasil. Jorge Couto alude ao assunto, dizendo que o criado de Tomé de Sousa, Garcia de Ávila, foi o primeiro grande criador de gado conhecido no Brasil, tendo-se especializado em actividades pecuárias, nas terras que recebeu em Sesmaria, e acabando por se expandir 318 Ibid., op. cit., p. 70. 319 Cf. Frédéric Mauro, in: Nova História da Expansão Portuguesa, Volume VII, op. cit., p. 218. 320 Dicionário de História de Portugal, Volume I, Direcção de Joel Serrão, Livraria Figueirinhas, Porto, 1985, p. 378. 321 Cf. Frédéric Mauro, in: Nova História da Expansão Portuguesa, Volume VII, op. cit., p. 282.

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depois até ao vale médio do rio São Francisco e, no sertão, até ao Piauí.322 Aliás, já Gabriel Soares de Sousa nos dá conta da origem dos primeiros animais que foram levados para a região do Brasil onde reside, informando que as primeiras vacas que foram para a Baía foram levadas de Cabo Verde, as quais se deram tão bem que parem todos os anos, mesmo depois de velhas. E, acentuando a abundância de gado na região da Baía, acrescenta: «as novilhas, como são de ano esperam ao touro e aos dois anos vêm paridas, pelo que acontece muitas vezes mamar o bezerro na novilha e a novilha na vaca, o que se também vê nas éguas, cabras, ovelhas e porcas [...], as vacas são muito gordas e dão muito leite, de que se faz muita manteiga e as mais coisas de leite que se fazem em Espanha [...]». Assinalando a qualidade das peles, afirma: «têm o couro de fora como o couro da banda do carnaz; as peles das mais velhas são pretas e lisas que parecem vidradas no resplendor e brandura e umas e outras são muito leves e duras e dizem que têm virtude».323

É também o naturalista agricultor que nos dá conta de que Garcia de Ávila se transformou num dos principais e mais ricos moradores da cidade de Salvador, e isto porque tem «toda a sua fazenda em criações de vacas e éguas e terá alguns dez currais por esta terra e ao diante».324

A criação de gado para tracção nos engenhos e fazendas cresceu de uma forma tão rápida que, na década de 1580, o padre Fernão Cardim testemunhava já a abundância de bovinos em todo o Brasil, dizendo que havia currais onde se encontravam entre 500 a 1000 cabeças, especialmente nos campos de Piratininga, o que se devia aos excelentes pastos. O Jesuíta referia ainda, com ênfase, a importância da criação de cavalos em grande quantidade e qualidade, de tal modo que já se começavam a vender para Angola. Além destas espécies de

322 Cf. Jorge Couto, A Construção do Brasil, op. cit., p. 298. 323 Notícia, op. cit., p. 104. 324 Ibid., op. cit., p. 29.

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grande porte, o inaciano alude também ao cada vez maior desenvolvimento da criação de animais levados de Portugal, tais como ovelhas, porcos, galinhas e uma outra de origem americana: o perú.325

Alguns anos mais tarde, também o naturalista agricultor Gabriel Soares de Sousa testemunha a crescente prosperidade da criação de bovinos nas terras portuguesas da América, e assinala a riqueza dos Jesuítas em gado vacum na região de São Salvador da Baía: «da vantagem importar-lhe-á outra renda que tem na terra outro tanto; porque tem muitos currais de gado onde se afirma que trazem mais de duas mil vacas de monte que naquela terra parem todos os anos [...]».326

No século XVII, o Brasil exportava peles, quer em bruto, quer curtidas, e também gado vivo, cujo destino era a África portuguesa e a Metrópole. Os verdes e vastos prados da região do rio São Francisco permitiam grande criação de gado, o que levava a Baía a exportar, no ano de 1722, cerca de 133.000 peles curtidas.327

Concluímos, portanto, que a criação de gado nas terras brasileiras se iniciou desde muito cedo, não só para suprir as necessidades alimentares dos colonos, mas fundamentalmente para complemento da indústria açucareira, sendo igualmente importante, como vimos já, na cultura do tabaco, assim como no transporte do pau-brasil, e acabando por atingir já durante o século XVIII a sua máxima prosperidade, como resultado de uma cada vez maior exportação de gado e peles.

325 Tratados, op. cit., p. 158. 326 Notícia, op. cit., p. 82. 327 Cf. Frédéric Mauro, Nova História da Expansão Portuguesa, Volume VII, op. cit., p. 66.

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3. Na Esperança de Encontrar Ouro e Pedras Preciosas Os descobridores, colonos e missionários europeus tinham a

esperança de encontrar no Novo Mundo um território repleto de riquezas em ouro e gemas extraordinariamente valiosas, que se lhes ofereceriam sem grandes canseiras, como um dom gratuito.

Assim, a esperança de encontrar metais e pedras preciosas agitou, desde início, o pensamento dos navegadores portugueses que aportaram na imensidão das terras de Vera Cruz. Foi essa a razão fundamental que levou à proliferação de lendas relacionadas com a abundância de ouro e pedras preciosas no interior do sertão brasílico.

Gabriel Soares de Sousa revela-se preocupado com a cobiça dos estrangeiros pela terra brasileira, mostrando que já no século XVI o interesse dos europeus pelas lendárias riquezas minerais do Brasil era uma realidade. Pois se este era o Paraíso Terreal, não deveria possuir cobiçados tesouros em ouro, prata e pedras preciosas? As inúmeras descrições do Paraíso feitas pelos autores da época medieval referem-nas abundantemente. No Brasil encontraram os portugueses aquelas que eles consideraram as mais notáveis maravilhas existentes em toda a superfície da esfera terrestre.

Tratando-se ainda apenas de uma simples esperança para alguns, as minas das terras brasílicas nunca se imaginaram como algo de inatingível, pois a evidente grandeza e opulência do Brasil não consentiam impossibilidades. Nesta terra de eleição, uma verdadeira procissão de maravilhas de lagoas douradas e serras reluzentes geraram o pensamento de tesouros encobertos e encantados do sertão.

Assim, para além dos bons e temperados ares, das abundantes, doces, aprazíveis e salutíferas águas, do jardim natural que constituía a exuberante vegetação do rio São Francisco, encontravam-se também sinais de abundantíssimas riquezas minerais. Gabriel Soares de Sousa diz a esse propósito que «Ao longo deste rio vivem agora alguns caetês, [...] e além

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delas vive outro gentio, não tratando dos que comunicam com os portugueses que se ataviam com jóias de ouro de que há certas informações». Afirma ainda o autor que «Depois que este estado se descobriu por ordem dos reis passados, se trabalhou muito para se acabar de descobrir este rio por todo o gentio que nele viveu e por ele andou e afirmar que pelo seu sertão havia serras de ouro e prata, à conta da qual informação se fizeram muitas entradas de todas as capitanias sem poder ninguém chegar ao cabo».328

E já Pêro Vaz de Caminha registava na sua missiva, que dava conta ao rei D. Manuel do achamento da Terra de Vera Cruz, a curiosa maneira como os portugueses, no seu desejo sempre confessado de encontrar ouro, terão interpretado os sinais do gentio que prontamente apontaram para terra quando depararam com o colar de ouro do capitão: «acenderam tochas e entraram e não fizeram nenhuma menção de cortesia nem de falar ao capitão nem a ninguém; mas um deles pôs olho no colar do capitão e começou a acenar com a mão para terra e depois para o colar, como que nos dizia que havia em terra ouro; e também viu um castiçal de prata, e assim mesmo acenava para a terra e então para o castiçal, como que havia também prata».329

Verificamos, assim, que o desejo de encontrar o cobiçado ouro nas possessões portuguesas da América moveu desde o início as vontades de todos. Já em 1514, a «Nova Gazeta da Terra do Brasil»330 informa que a carga de um navio, enviado por D. Nuno Manuel, Cristóvão de Haro e outros, seria constituída por enormes quantidades de pau-brasil, escravos, peles de boa qualidade, referindo ainda a existência de

328 Notícia, op. cit., p. 24. 329 Carta ao Rei D. Manuel, op. cit., p. 12. 330 O autor da «Nova Gazeta da Terra do Brasil» era Clemente Brandenburger, agente comercial ao serviço de uma casa de Antuérpia, que na época se encontrava estabelecido na ilha da Madeira. Cf. Jorge Couto, A Construção do Brasil, op. cit., p. 283.

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canafístula, mel e cera, e informava da existência de enormes quantidades de ouro e prata no interior montanhoso do Brasil.331

Em 1529, perante a necessidade evidente de afastar franceses e espanhóis do território brasílico, o monarca português D. João III vai recusar as duas propostas para criação de núcleos populacionais ao longo da costa, feitas pelos particulares João de Melo da Câmara e Cristóvão Jaques. Jorge Couto aventa a hipótese de que o monarca português terá recusado estas propostas, com base em fundadas informações acerca da existência na região platina de jazidas importantes de metais preciosos. D. João III decidia assim guardar para a coroa um território que tudo indicava ser riquíssimo em ouro e prata.332

Ainda na década de 1530, foram dadas a Martim Afonso de Sousa, para além de outras tarefas, as de assentar padrões em sítios estratégicos da «Costa do Ouro e da Prata», que se estendia desde São Vicente até ao rio de Santa Maria, e descobrir metais preciosos.333

O humanista Gândavo refere também as notícias do muito ouro que existirá no sertão brasílico. Estas notícias eram dadas pelo gentio, homens que ele considera de pouca fé e verdade, a quem, contudo, dava crédito, por a maior parte deles serem conformes nesse ponto e falarem disso do mesmo modo em diferentes sítios: «Esta província, além de ser tão fértil como digo e abastada de todos os mantimentos necessários para a vida do homem, é certo ser também mui rica e haver nela muito ouro e pedraria, de que se tem grandes esperanças».334 O autor assinala também as maravilhosas riquezas que os índios encontraram no seu constante deambular à procura de uma terra onde pudessem ter descanso eterno. Diz o autor que «pelo trabalho e má vida que neste caminho passaram, morreram muitos deles: e os que escaparam foram dar a uma terra onde

331 Ibid., op. cit., p. 283. 332 Cf. Jorge Couto, A Construção do Brasil, op. cit., p. 210. 333 Ibid., op. cit., p. 211. 334 História, op. cit., p. 117.

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havia algumas povoações mui grandes e de muitos vizinhos, os quais possuíam tanta riqueza que afirmaram haver ruas mui compridas entre eles: nas quais se não fazia outra coisa senão lavrar peças de ouro e pedraria».335

A paisagem mágica do Brasil ataviara-se de uma grande lagoa fabulosamente rica que Gabriel Soares de Sousa procurou afanosamente e que se vestiu para o cronista de cores deslumbrantes e auréola paradisíaca: «Este gentio se afirma viver à vista da alagoa Grande, afamada e desejada de se descobrir [...]».336 Os sinais de abundantíssimas riquezas eram igualmente evidentes em notícias de certos discos ornamentais dos gentios de que falam o humanista Gândavo e o naturalista Gabriel Soares. Afirma Gândavo: «[...] então lhes deram certas rodelas todas chapadas de ouro e esmaltadas de esmeraldas: e lhes pediram que as levassem, para que, se acaso fossem ter com eles a suas terras, lhes dissessem que, se a troco daquelas peças e outras semelhantes lhes queriam levar ferramentas e ter comunicação com eles, o fizessem, que estavam prestes para os receberem com muito boa vontade».337

Gabriel Soares de Sousa dá-nos conta, na sua Notícia do Brasil, do afã dos portugueses na busca constante de ouro, prata e pedras preciosas, relatando algumas das maravilhas vistas ou ouvidas pelos expedicionários de pedras verdoengas: pedras azuis e semelhantes a turquesas, pedreiras de esmeraldas e safiras, montanhas de cristais verdes e vermelhos, compridos como os dedos das mãos e ouro em quantidade, são algumas das maravilhas por eles observadas. O autor afirma que «[...] mais acima quatro ou cinco léguas da banda do sul está outra serra em que afirma o gentio haver pedras verdes e vermelhas tão compridas como dedos e outras azuis todas mui resplandecentes».338

335 Ibid., op. cit., p. 117. 336 Notícia, op. cit., p. 24. 337 História, op. cit., p. 117. 338 Notícia, op. cit., p. 45.

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Atestando o facto de as incursões dos portugueses no sertão serem já uma realidade durante o século XVI, Gabriel Soares faz referência à expedição do mameluco António Dias Adorno, neto do Caramuru, nesta jornada, na qual, diz o autor, também foram vistas esmeraldas e safiras, de que tiraram amostras. Encontraram também pedras de tamanho invulgar e muito pesadas. Dessas não levaram nada, pois não podiam carregar mais do que as primeiras, julgando no entanto que deviam conter ouro.339

O autor alude também ao modo que na época utilizavam para extrair as pedras preciosas. Dizendo que ao encontrarem algumas no meio do cristal, trataram de o aquecer ao fogo, com o qual rebentava soltando assim as gemas. O resultado era que estas pedras, mesmo limpas e de razoável tamanho, perdiam a cor e brilho natural. Soares de Sousa justifica tal facto, argumentando que isso se devia a estas constituírem a escória das boas, ainda escondidas na terra, não sendo por isso de admirar que os entendidos não lhes atribuíssem grande valor. A solução por ele apontada era que se deviam procurar a maior profundidade, onde acreditava se achavam as mais valiosas.340

Gabriel Soares de Sousa terá encontrado sinais de ouro e prata na sua expedição ao sertão no lugar de Pedra Furada. As minas de Potosi situavam-se muito perto do local, produzindo fabulosas quantidades desse precioso metal desde 1542, o que levou à divulgação de uma lenda sobre a existência de minas de prata nesse local. Proliferou até a lenda de que existiria uma cidade encantada (Manoa) que tinha a particularidade de brilhar de tal modo que se assemelhava à Via Láctea.341

339 Ibid., op. cit., p. 45. 340 Ibid., op. cit., p. 45. 341 Cf. Laura de Mello e Souza, in: Brasil/Brasis Cousas Notáveis e espantosas – A Construção do Brasil – 1500-1825, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2000, p. 42.

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A grande riqueza aurífera do Brasil iria ser encontrada pelos paulistas.342 No entanto, foi só cerca de 1693 e 1700 que se encontraram as grandes minas de ouro da América portuguesa. A miragem de adquirir riqueza fácil atraiu então milhares de pessoas, verificando-se na época o maior movimento migratório de sempre no espaço do Império Português.343

Depois das grandezas decorrentes e resultantes da prodigiosa e fertilíssima natureza brasileira, importava analisar aquelas que o homem soube introduzir nesta terra. Com o seu saber, engenho, vontade, estes homens souberam tornar as enormes potencialidades do Brasil lucrativas do ponto de vista económico. Eram assim o resultado quer da extracção directa, como por exemplo as madeiras, quer da transformação da natureza, pelo cultivo, como é o caso do açúcar, aquela que foi considerada a produção mais rentável das terras portuguesas da América. As culturas e exploração do tabaco e algodão, assim como a pecuária, revelaram-se igualmente rentáveis, e em estreita dependência quer entre si, quer com as anteriormente referidas. Finalmente, a descoberta das minas de ouro e pedras preciosas, concretizada já em período posterior àquele sobre o qual incide o nosso estudo, viria a concretizar o sonho maior,

342 Inicialmente, as incursões dos paulistas, realizadas ao interior do sertão e a partir do planalto de Piratininga, tinham como finalidade principal a escravização do íncola, para os utilizar como mão de obra e afastar os grupos mais aguerridos. Posteriormente, as bandeiras tornaram-se mais ambiciosas e com um raio mais vasto. Em 1655 organizou-se, por ordem do rei D. João IV, e com o objectivo de resolver, deste modo, as dificuldades financeiras que se viviam no reino, uma expedição à região do Pará, que procurava ouro. Esta expedição foi dirigida por André Vidal de Negreiros, na altura governador do Maranhão, e acabou por não dar os resultados pretendidos. Também sem resultados e por ordem do monarca se realizou uma outra pelo rio Tocantins em 1678. Em 1683 descobriram-se duas minas de ouro e prata, uma no rio Urubu e outra no Jutumã. Cf. História da Expansão Portuguesa, Volume 2, op. cit., pp. 48 e 64. 343 Cf. Laura de Melo e Sousa, in: Brasil/Brasis – Cousas Notáveis e espantosas – A Construção do Brasil – 1500-1825, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2000, p. 42.

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aquele que desde o início, tinha alimentado todas as esperanças de enriquecimento nas terras do Novo Mundo.

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Conclusão No encontro com as terras do Novo Mundo, os portugueses

depararam-se com uma natureza que julgaram como verdadeiramente paradisíaca. Verificámos como já Pêro Vaz de Caminha, na sua missiva ao rei D. Manuel, dá conta de uma terra magnífica, pejada de infindos arvoredos, abundante de água, com um clima de tal modo ameno, que as folhas se mantinham sempre verdes, em claro contraste com os rigores dos invernos europeus. A visão do Paraíso Terrestre é, desde o início, o que se pretende divulgar sobre essa terra verdadeiramente extraordinária, onde se reconhecem quase todos os símbolos característicos do Jardim das Delícias, sendo os que não se vêem deixados à imaginação.

Todos os textos por nós analisados descrevem unanimemente a paisagem brasileira, repleta de muitos e grandes arvoredos, sempre verdes, com uma terra muito formosa, fertilíssima, regada de abundantíssimas águas, repletas de muito, variado e saboroso pescado, e com um clima ameno e primaveril, bafejada de bons e salutares ares, abundante de aves belíssimas vestidas de finas e alegres cores, que alegravam a vida dos habitantes com os seus cantos celestiais.

Todos os nossos cronistas procuram transmitir a ideia de que a Terra de Vera Cruz se assemelha a uma terra sem mal, onde os seus habitantes não têm necessidade de trabalhar para poderem viver muito melhor e mais saudáveis do que aqueles, que com muito esforço a cultivam em todos os lugares já conhecidos.

É o exotismo, a beleza, a novidade, a abundância e a variedade da flora e fauna destas paisagens ignotas que levam os nautas, missionários, colonos e viajantes lusos a descreverem a

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natureza brasílica como sendo verdadeiramente a do Jardim do Éden. As anteriores representações do Jardim das Delícias reflectem-se agora nesta terra recentemente descoberta. Tal como o demonstram as fontes, nenhum dos coevos ficou imune aos encantos do Brasil. Por esse motivo, nota-se nos seus depoimentos a presença dos mesmos elementos que, durante toda a Idade Média, se tinham apresentado como distintivos da paisagem do Éden.

Sendo os motivos edénicos muito populares na época das descobertas, era natural que perante as terras recém-descobertas os navegadores pensassem reconhecer as paisagens de sonho que tinham visto descritas, tanto em livros como em mapas. De tal modo que julgaram ter deparado, nas suas viagens reais, com o mundo dos mitos, que acreditaram fosse verdadeiro.

Os nossos cronistas demonstraram pois que, embora localizado a Ocidente, o Brasil mantinha intactos todos os indícios das descrições medievais do Paraíso Terrestre. Os nossos autores do século XVI reencontraram no Brasil o Paraíso Terreal. Este era, verdadeiramente, um maravilhoso e extraordinário Novo Mundo associado a uma terra prodigiosa, onde os motivos edénicos ganham cada vez mais consistência, nomeadamente quando tentam um paralelo entre as correntes do rio São Francisco e o Nilo, cujas águas teriam, segundo uma velha tradição medieval, a sua origem no Éden. Também as prodigiosas quantidades de água que encontraram no Brasil são sinal de riquezas, tendo daí surgido a crença que, se ela existia em abundância no Brasil, existiriam também o ouro e as pedras preciosas, a que os cronistas fazem constantes alusões, sem que nunca tenham perdido a esperança de as encontrar.

A longevidade era um outro motivo edénico, e também este foi supostamente encontrado nas terras portuguesas do Novo Mundo, sendo disso exemplo a alegada longevidade do índio brasileiro, dada como verídica e confirmada por alguns dos nossos autores.

Nem sequer falta, nestes textos por nós analisados e relacionados com o Brasil, o maravilhoso monstruoso, factor

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que comprova, mais uma vez, como esta terra foi considerada parcialmente mítica, uma vez que o extraordinário se tornava real e o melhor surgia ao lado do pior, realçando o monstro o difícil acesso ao Paraíso.

Os animais fantásticos ou imaginários, tal como no maravilhoso medieval, são igualmente uma constante nestes relatos sobre a natureza do Novo Mundo. Surgem alusões, quer à Fénix, identificada na figura do Guainumbig (ou beija-flor), quer ao Unicórnio, na figura da Anhigma. O Unicórnio fazia a ligação desta paisagem nova, estranha e habitada por criaturas desconhecidas e fantásticas, com os seres imaginários que se conheciam das tradições pagã e medieval. Ora, a existência destes seres era para os coevos penhor seguro de que esta era uma terra verdadeiramente paradisíaca, de tal forma que até o missionário Fernão Cardim faz referência ao milagre do processo de metamorfose e ressurreição do passarinho (Guainumbig). Assim, a alusão ao fantástico e diferente só será entendida como efeito de uma mão invisível, que lançou os seus poderes sobrenaturais na formação e transformação desta natureza. Era o deslumbramento perante uma natureza grandiosa, ainda cheia de graça matinal, em perfeita harmonia e correspondência com o Criador.

As grandezas do Brasil são, assim, aquelas que derivam da sua natureza plena de novidade e estranhezas, é certo, mas igualmente da abundância, que se traduz na variedade e excelência das espécies autóctones, que proporcionam remédio para todos os males e mantimento à imensa variedade daqueles que a habitam. A excelência é de tal ordem, que o padre Fernão Cardim chega mesmo ao ponto de chamar ao Brasil Um Novo Portugal. Portugal, certamente porque as gentes chegadas do reino foram baptizando com nomes portugueses: montes, rios, riachos, baías, enseadas, lugares, cidades, ruas, instituições, pessoas, peixes, pássaros, plantas, árvores, enfim, certamente tudo o que foram encontrando e criando. Mas novo, porque muito melhor, pois produzia mais e melhor tudo, o seu e o que vinha do reino. Como é evidente, a intenção do nosso

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missionário não seria de modo algum a de transmitir a ideia, de que o Brasil era a cópia recém criada de Portugal, pois embora baptizado com nomes portugueses, o território brasileiro era em tudo superior.

Desde o início, todos os nossos cronistas acentuam a beleza e exotismo das coloridas e harmoniosas paisagens brasileiras, cujo exemplo mais significativo se encontra na bela descrição do padre Fernão Cardim, que ao querer exaltar a formosura da Baía do Rio de Janeiro, afirma que «parece que a pintou o supremo pintor e arquitecto do mundo Deus Nosso Senhor».344 A admiração e o reconhecimento por esta natureza são uma constante, de tal modo que os cronistas chegam a considerar como belo, aquilo que nem sempre é assim definido. Assim, a terra é tão excelente que o inaciano Cardim chega a considerar como formosas e odoríferas certas espécies de cobras.

As grandezas do Brasil manifestavam-se igualmente, para todos os nossos cronistas, nas maravilhosas e diversas sonoridades e no variado e formoso colorido das aves brasílicas. As cores e sons das imensas e variadas aves brasileiras revelavam, sem dúvida, a perfeição, a proporção e o esplendor das belezas da natureza que caracterizava o território português da América. De tal forma que, ao utilizarem as formosas plumagens das aves brasileiras para vestirem o corpo, os íncolas nos recordam a sua estreita relação com a natureza, transformando a presença humana numa imagem colorida e bela para aqueles que a observam.

As grandezas do Brasil serão igualmente relacionadas com a prodigiosa fertilidade da terra, decorrente de um clima ameno e da extraordinária abundância de águas. Mas as suas grandezas ultrapassavam a semelhança do território brasileiro com o Paraíso, de que conta a presença de quase todos os seus símbolos. A excelência do Brasil concretizava-se na abundância, na variedade, na beleza e no exotismo, que proporcionavam a subsistência dos autóctones, sem que para tal fosse necessário 344 Tratados, op. cit., p. 272.

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demasiado esforço, que transmitia, sem qualquer sombra de dúvida, a ideia da proporção, perfeição e esplendor da natureza brasileira.

As grandezas, primeiro vislumbradas no território brasileiro, vieram a transformar-se com o tempo e a acção dos colonizadores em fontes de rendimentos extraordinariamente vultuosos. Neste caso, podemos, desde logo, referir as abundantes, variadas e preciosas madeiras do Brasil, extraídas das espessas e extensas matas brasílicas. As madeiras transformaram-se facilmente, na primeira grande fonte de rendimentos das terras de Vera Cruz. E se bem que inicialmente a única que se revelou verdadeiramente rentável, foi a do pau-brasil, devido às suas qualidades corantes que a tornavam, desde logo, apetecível à próspera indústria têxtil europeia, o que é certo é que com o tempo há uma imensa variedade de madeiras brasileiras que se revelam, quer pelas suas características estéticas, quer pelas suas várias utilidades, extremamente valiosas.

A cana-de-açúcar, que veio alterar as paisagens brasílicas, revelou-se o produto mais rentável do território brasileiro, de tal modo que o seu comércio se manteve próspero até meados do século XIX. A cultura da cana revelou a extrema fertilidade e abundância da terra brasileira. Era a confirmação de que as verdadeiras grandezas do Brasil se deviam realmente à surpreendente fertilidade do seu solo, à amenidade do clima e à abundância de águas. A maior grandeza e riqueza do território brasileiro era a sua natureza, que sendo ubérrima, era geradora de muitas outras grandezas, todas elas relacionadas com as suas características naturais. No Brasil reuniram-se todas as condições que levaram a que, pela primeira vez, se iniciasse em grande escala a ocupação e colonização da terra, fora do espaço metropolitano. Era a primeira vez que entrava no circuito ultramarino um sector agrícola. É a primeira vez que se assiste também à implantação de um sistema industrial, em volta da transformação da cana. Tudo isto leva a que um vasto leque da

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população metropolitana se sinta atraída para integrar o número dos colonizadores desta terra.

Mas na activação da economia brasileira entram ainda outros sectores e culturas igualmente relevantes. Sendo a terra de Vera Cruz também extremamente propícia à criação de gado, a pecuária transformou-se igualmente num grande agente de ocupação da terra, tendo proporcionado também rendimentos consistentes. E não podemos ignorar as culturas do tabaco e algodão, também relevantes, porque significativamente lucrativas.

No entanto, as grandezas naturais do Brasil só se completaram, quando em finais do século XVII e princípios do XVIII se descobriram as grandes minas de ouro e pedras preciosas da América portuguesa. Era a concretização do sonho maior, que desde o início da descoberta do Novo Mundo tinha agitado as mentes de todos aqueles que sucessivamente foram aportando às terras de Vera Cruz.

Progrediu de tal forma a riqueza no Brasil, que já em 1610 um forasteiro, Francisco Pyrard de Laval, retratou a prosperidade brasileira do seguinte modo: «A riqueza desta terra é principalmente em açúcares dos quais os portugueses carregam seus navios (principalmente em Pernambuco que é o lugar onde se faz maior tráfico de açúcares e onde se produz maior quantidade de pau do Brasil), porque não julgo que haja em todo o mundo, onde se crie açúcar em tanta abundância como ali. Não se fala em França senão do açúcar da Madeira e da Ilha de S. Tomé mas este é uma bagatela em comparação do, do Brasil, porque na Ilha da Madeira não há mais de sete ou oito engenhos a fazer açúcar, e quatro ou cinco na de S. Tomé. [...].

O que os portugueses extraem deste país é dinheiro, açúcar, conservas, bálsamo e tabaco, mas não pau-brasil que El-Rei reserva para si. Nunca vi terra onde o dinheiro seja tão comum, como é nesta do Brasil, [...]. Nesta terra do Brasil os portugueses não têm gente bastante para a povoar e ocupam toda a costa onde têm quantidade de cidades, fortalezas e belas casas nobres, até vinte e trinta léguas pelo sertão. Há senhores que possuem

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grandes territórios e neles muitos engenhos de açúcar. E estes senhores dão terras a quem quer ir morar nelas e plantar canas de açúcar, com a condição de mandarem moer estas aos moinhos e engenhos dos mesmos senhores. Estes colonos edificam ali casas, com jardins e plantações de toda a sorte de frutos, criam muito gado, aves e outros comestíveis. [...]. Desta maneira, o rendimento do Brasil é mais que suficiente para sua sustentação sem necessidade de enviar dinheiro de Portugal e ainda por cima de tudo, El-Rei tira dali outros muitos proveitos em cada ano assim em pau-brasil, como nos açúcares e outras mercadorias [...].

Os que do Brasil tornam para Portugal carregam seus navios de açúcares e conservas, assim secas como liquidas, tais como laranjas, limões, e outras frutas e principalmente gengibre verde, do qual há nestas paragens maravilhosa abundância ... e além de tudo isto, levam grande quantidade de dinheiro. Depois de estarem nove ou dez anos nestas terras recolhem mui ricos [...]».345

Em suma o que melhor caracterizou o território brasileiro foram a novidade, a estranheza, a abundância, a variedade, a excelência, a beleza e o exotismo da sua natureza. Por fim, as grandezas naturais do seu solo e subsolo transformaram-se em abundantes e extraordinárias riquezas, as quais estiveram, certamente, na base da criação e formação da imagem de um extraordinário «País Continente»: o Brasil.

Todas estas qualidades apareceram, desde cedo, descritas e caracterizadas pelos nossos autores, atentos a este maravilhoso Novo Mundo.

345 Cit. in: História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa – Linhas e Rumos da Colonização Portuguesa, Aurélio de Oliveira, Universidade Aberta, Lisboa, 1990, pp. 301-302.

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