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371 A MÚSICA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO NEPPD Axon Moreira Miranda Universidade Federal do Amazonas Maria Almerinda de Souza de Matos Universidade Federal do Amazonas Raimunda Maria Moreira da Silva Universidade Federal do Amazonas Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral Introdução A música é um fenômeno universal e sua influência sobre a mente humana é enorme, é uma linguagem capaz de despertar diversos sentimentos e emoções no ser humano. Todos nascem com capacidade musical, a própria natureza é que nos dá a música, o que dela fazemos varia, conforme a educação, o povo e a época. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 53) afirmam que “a música sempre esteve associado às tradições e às culturas de cada época”. Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.45) “a música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc.”, ou seja, faz parte da educação desde há muito tempo, como podemos notar que, já na Grécia antiga, era considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos, ao lado de outras disciplinas. Para a psicopedagoga musical Gainza (1988, p.22-23) “a música e o som, enquanto energia, estimulam o movimento interno e externo no homem; impulsionam-no à ação e promovem nele uma multiplicidade de condutas de diferente qualidade e grau”, isto é, a música é capaz de agir sobre nossas emoções influenciando de maneira positiva contribuindo para o desenvolvimento de determinada atividade através de suas qualidades sonoras.

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A MÚSICA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM

NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO NEPPD

Axon Moreira Miranda

Universidade Federal do Amazonas Maria Almerinda de Souza de Matos Universidade Federal do Amazonas Raimunda Maria Moreira da Silva

Universidade Federal do Amazonas Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação

Categoria: Comunicação Oral

Introdução

A música é um fenômeno universal e sua influência sobre a mente humana é enorme, é

uma linguagem capaz de despertar diversos sentimentos e emoções no ser humano. Todos

nascem com capacidade musical, a própria natureza é que nos dá a música, o que dela

fazemos varia, conforme a educação, o povo e a época. Nesse sentido, os Parâmetros

Curriculares Nacionais (1997, p. 53) afirmam que “a música sempre esteve associado às

tradições e às culturas de cada época”.

Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.45) “a

música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e

comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc.”, ou seja, faz parte

da educação desde há muito tempo, como podemos notar que, já na Grécia antiga, era

considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos, ao lado de outras

disciplinas.

Para a psicopedagoga musical Gainza (1988, p.22-23) “a música e o som, enquanto

energia, estimulam o movimento interno e externo no homem; impulsionam-no à ação e

promovem nele uma multiplicidade de condutas de diferente qualidade e grau”, isto é, a

música é capaz de agir sobre nossas emoções influenciando de maneira positiva

contribuindo para o desenvolvimento de determinada atividade através de suas qualidades

sonoras.

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Levando em consideração a importância da música na sociedade, discorreremos sobre um

projeto de música envolvendo crianças com necessidades educacionais especiais que teve

como objetivo conhecer possibilidades da prática musical com essas crianças,

caracterizadas como espectro do autismo, que foram encaminhadas pela comunidade e

escolas públicas da cidade de Manaus.

Os atendimentos aconteceram no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicopedagogia

Diferencial na Universidade Federal do Amazonas, tendo como foco o desenvolvimento

das habilidades dos educandos através da prática musical levando em consideração a

relevância social e a importância da música no contexto da educação especial.

Referencial teórico

Para Gainza (1988, p.87) “a educação musical constitui uma contribuição significativa e

sistemática ao processo integral do desenvolvimento humano”, entendemos que a criança

precisa saber muito mais do que ler e escrever, é necessário que ela tenha a oportunidade

de conhecer o universo musical e os benefícios que a música pode oferecer para seu

desenvolvimento como ser social pensante.

Destarte, as atividades musicais desenvolvidas neste projeto tiveram como referência o

método de Jaques-Dalcroze cujo fundamento baseia-se na Rítmica, que Rodrigues (2011,

p.28), destaca como “um método ativo de educação musical mediante o qual o sentido e o

conhecimento de música se desenvolvem através da participação corporal no ritmo

musical”, isto é, a criança precisa sentir a música para representá-la no corpo.

Assim sendo, desde pequeno não se ensina teoricamente contando tempos e completando

compassos, mas sim vivenciando, cantando melodias e explorando ritmos, pois para a

criança a música e o movimento são um todo indivisível, que está em íntima conexão, com

isso, a repetição de palavras dispostas convenientemente permite compreender qualquer

combinação sem nenhuma dificuldade, fazendo com que as crianças aprendam com

naturalidade a estrutura rítmica e melódica.

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É nesse contexto que a música permite à criança a manifestação de diferentes habilidades,

através das atividades envolvendo o corpo ela tem a possibilidade de sentir os ritmos de

modo que cada ritmo provoca sensações ou sentimentos diferentes que poderão ser

representados no corpo por meio de movimentos, como: andar, pular, agachar, bater

palmas, ou seja, representando-os corporalmente.

A melodia desenvolve a capacidade da fala, onde a criança trabalha com canções

pedagógicas, cantigas de ninar, parlendas, músicas regionais, entre outras, desenvolvendo

sua percepção com a repetição de intervalos simples e sílabas que permite a criação de

improvisos, além da divisão de frases seguindo um padrão organizado conforme o

desenvolvimento de cada criança.

Sobre isso, Orff (1983) citando Keller diz que a capacidade de realizar atividade criativa

elementar não só está dada a cada ser humano, mas também pode libertar pessoas com

necessidades especiais. É nesse contexto que La Taille (1992, p.38) “entende que o ato

mental se desenvolve a partir do ato motor”, ou seja, o trabalho com ritmo permite a

exploração do corpo e da mente envolvendo os sentimentos e as emoções e dessa maneira

possibilita o pleno desenvolvimento da criança com necessidades educacionais especiais.

Nesse aspecto, a utilização da música como agente promotor da inclusão permitiu o

desenvolvimento de habilidades das crianças com necessidades educacionais especiais,

denominado como espectro do autismo, atendidas no NEPPD, possibilitando ao acadêmico

de música a vivência através da observação, registro e análise do processo de formação e

desenvolvimento dessas crianças.

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa configura-se como um projeto de extensão desenvolvido no Núcleo de Estudos

e Pesquisas em Psicopedagogia Diferencial – NEPPD localizado na Faculdade de

Educação da Universidade Federal do Amazonas no período de agosto de 2011 a julho de

2012, cujos participantes foram cinco crianças com necessidades educacionais especiais

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diagnosticadas com o espectro do autismo, atendidas duas vezes por semana com duração

de cinquenta minutos cada sessão.

As atividades obedeceram a um cronograma para melhor organização e planejamento,

sendo que, na primeira etapa foi realizada a entrevista com as famílias para falar sobre a

importância do projeto além de coletar dados e informações relevantes sobre a criança.

Oliveira (2008) enfatiza a importância da coleta de dados para os pesquisadores, o qual

pode ser um diferencial significativo, evitando possíveis equívocos de entrevistadores

inexperientes ou de informações tendenciosas, nos possibilitando conhecer o histórico

social e comportamental das crianças que seriam atendidas.

No que diz respeito à música, foram realizadas oficinas de música, construção de bandinha

rítmica, confecção de instrumentos pedagógico-musicais através de materiais recicláveis e

principalmente a exploração do corpo em atividades rítmico-melódicas, possibilitando um

processo de maior interação entre as dimensões afetiva, cognitiva, motora e social.

No primeiro momento foi realizada a oficina de música onde os educandos puderam

explorar os espaços através dos movimentos corporais ouvindo canções pedagógicas e

folclóricas com diferentes ritmos e andamentos, a fim de perceber as mudanças e

reproduzi-las corporalmente. Na medida em que os ritmos ficavam mais rápidos as

crianças se agitavam, do mesmo modo que ritmos lentos as deixavam mais tranquilas.

No segundo momento ocorreu a oficina para construção dos instrumentos da bandinha

rítmica para a qual foram coletados os seguintes materiais: tubos de PVC, caixas de

fósforo, ligas, copos descartáveis, pedaços de madeira, tampinhas e latas de refrigerante,

leite e Nescau, serrote, martelo, pregos, faca e tesoura, potes de iogurte, galão de água 20

litros, fios de náilon, grãos e sementes, além de tintas, durex coloridos e outros materiais

necessários para o acabamento e decoração dos instrumentos.

Os materiais coletados foram separados e higienizados para a construção dos instrumentos

que compõem a bandinha rítmica como reco-reco, tambores, ganzás, flautas, chocalhos

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entre outros, além de instrumentos típicos da região amazônica que também foram

utilizados nas atividades musicais envolvendo ritmos.

Por último foram construídos os instrumentos pedagógico-musicais através de materiais

recicláveis como o dominó musical e o jogo da memória os quais servem para trabalhar a

memória, raciocínio e concentração, o que possibilitou momentos de alegria e maior

interação entre os educandos promovendo a inclusão.

Durante as atividades foram incluídos os instrumentos musicais da bandinha rítmica, de

acordo com o desenvolvimento de habilidades de cada criança. Nas atividades de

exploração corporal tivemos como base o método do pedagogo musical Emile Jaques-

Dalcroze no qual a música e o movimento são pensados juntos.

A mente e o corpo trabalham em profunda harmonia, ou seja, antes de iniciar na bandinha

rítmica a criança vivenciou primeiramente os movimentos no corpo, explorando a mão

direita e esquerda, preparando-se para posteriormente entrar em contato com o

instrumento.

Deste modo, o corpo vivencia as sensações nervosas emitidas pela mente, ele é um

representante em movimentos de todo o estímulo que a música é capaz de produzir através

de sensações, movimentos e sentimentos, pois para Rodrigues (2011, p.29) “a música

reforça a sensação de movimento por suas qualidades dinâmicas. Pelo poder imediato que

exerce nas sensações nervosas e motrizes faz-se iniciadora das ações, um canalizador ou

modulador do movimento corporal”.

O processo de registro e acompanhamento foi realizado por meio de fotos dos

atendimentos, vídeo das oficinas e de atividades com os instrumentos de materiais

recicláveis. A avaliação foi contínua no processo de acompanhamento, configurando-se

como uma atitude crítica e reflexiva sobre o trabalho que estava sendo executado, por meio

da observação sistemática no processo das intervenções pedagógico-musicais, objetivando

potencializar o comportamento da criança, facilitando desenvolver etapas não adquiridas

ou fases não vencidas.

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Resultados

Quanto aos resultados o projeto possibilitou às crianças com necessidades educacionais

especiais o contato com a atividade musical com destaque para o desenvolvimento de suas

habilidades através das atividades utilizando a bandinha rítmica com a percepção de

diferentes ritmos e timbres instrumentais possibilitando um processo de maior socialização

durante as atividades em grupos.

Nas atividades com a participação do corpo percebemos um melhor desempenho em

relação ao inicio do projeto em que algumas crianças não conseguiam prestar atenção as

atividades e com o tempo percebemos que conseguiam se concentrar melhor e representar

os ritmos da música corporalmente ou acompanhando com algum instrumento da bandinha

rítmica.

Deste modo as crianças tiveram acesso a um novo contexto musical onde expressaram seus

sentimentos através das músicas escutadas, demonstrando maior atenção e concentração

conforme o andamento das atividades melhorando dessa forma o desenvolvimento das

mesmas.

Nas atividades de exploração corporal houve o contato íntimo entre as crianças que foram

atendidas promovendo a inclusão e maior socialização dentro deste universo, cada um

respeitando a diferença do outro o que contribuiu também para a inclusão de todos nas

atividades com a bandinha rítmica.

Neste contexto A. Meur e Staes (1989, p. 20) ressaltam que “os exercícios motores,

executados todos em conjunto, habituam a criança a se respeitarem mutuamente: devem

guardar as distâncias necessárias para que cada uma pessoa possa executar o exercício

dispondo do espaço necessário”, com isso foram realizadas atividades em conjunto,

contribuindo para que cada criança respeitasse a vez e o momento do outro.

O projeto possibilitou às crianças o desenvolvimento global de suas habilidades,

melhorando os comportamentos, aumentando a autoestima, a concentração e

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principalmente as habilidades motoras e cognitivas através da prática musical com ritmos e

melodias de fácil assimilação possibilitando as crianças o contato com universo musical

mostrando na prática os benefícios que a música dispõe para quem tem acesso a esta

ferramenta que deveria ser para todos.

Conclusões

O projeto de música com crianças com necessidades educacionais especiais foi muito

importante tanto para o desenvolvimento das habilidades das crianças quanto para os

acadêmicos no processo de acompanhamento e observação configurando-se como uma

experiência única para o processo de formação acadêmica.

Um dos fatores relevantes do projeto foi pelo fato de trabalhar a música na educação

especial, tendo em vista as poucas pesquisas realizadas nesta área, principalmente nesta

região, e a contribuição que a música traz para o desenvolvimento dessas crianças que

nunca tiveram a oportunidade de estar em contato com a atividade musical, por serem

vistas como incapazes ou sem condições de tocar algum instrumento.

Nosso esforço incidiu justamente em para mostrar na prática que crianças com

necessidades educacionais especiais são capazes de tocar, de sentir e fazer música como

qualquer outro ser humano, basta que tenham acesso a esta ferramenta fundamental para o

desenvolvimento de suas habilidades.

Nossa intenção consistiu não em formar crianças especiais virtuosas inclusive porque não

seria possível por suas limitações, mas de dispor ao alcance dessas crianças atividades

musicais de modo que pudesse contribuir para o desenvolvimento de suas habilidades

psicomotoras, cognitiva, além de melhorar comportamentos sociais, concentração,

autoestima, equilíbrio, e conhecimento de si para crescerem pessoas educadas e

socializadas para a convivência em uma sociedade com diferenças.

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Referências Bibliográficas

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Vol. 3.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Secretaria de Educação Fundamental. MEC/SEF, 1997.

GAINZA, Violeta Hemsy. Estudos de Psicopedagogia Musical. São Paulo: Ed. Summus 1988.

LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vigotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Ed. Summus, 1992.

MEUR, A. de; STAES, L. Psicomotricidade: Educação e Reeducação: níveis maternal e infantil. São Paulo: Manole, 1989.

OLIVEIRA, Alvin Antônio. Metodologia da Pesquisa Científica: guia prático para apresentação de trabalhos acadêmicos. Florianópolis: Visual Book, 2008.

ORFF, Carl. Guia para La práctica de música para niños. S.A.E.C. Buenos Aires, 1983. RODRIGUES, Iramar. A Rítmica de Emile Jaques Dalcroze: uma educação por e para a música. Instituto Jaques Dalcroze, Genebra Suíça. In: I Curso Internacional da Pedagogia Dalcroze. Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2011..