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A MULTICATEGORIAL FORM KE Dep LIDADE DO ONDE NA ESCRITA DE US MAÇÃO BÁSICA EM PORTUGUÊS por EYLLA C. MANFILI FIORAVANTE partamento de Linguística e Filologia Tese de Doutorado apresent de Letras da Universidade de Janeiro – UFRJ, co requisitos necessários à ob de Doutora em Linguística. Orientador: Dr. Mário Ed Martelotta. Coorientador: Dr. Júlio C Oliveira. UFRJ, Faculdade de Letras Fevereiro de 2011 SUÁRIOS COM tada à Faculdade Federal do Rio omo parte dos btenção do título duardo Toscano César Souza de

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A MULTICATEGORIALIDADE DO

FORMAÇÃO BÁSICA EM PORTUGUÊS

KEYLLA C. MANFILI FIORAVANTE

Departamento de Linguística e Filologia

A MULTICATEGORIALIDADE DO ONDE NA ESCRITA DE USUÁRIOS COM

FORMAÇÃO BÁSICA EM PORTUGUÊS

por

KEYLLA C. MANFILI FIORAVANTE

Departamento de Linguística e Filologia

Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Linguística.

Orientador: Dr. Mário Eduardo Toscano Martelotta.

Coorientador: Dr. Júlio César Souza de Oliveira.

UFRJ, Faculdade de Letras

Fevereiro de 2011

NA ESCRITA DE USUÁRIOS COM

Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio

UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título

Orientador: Dr. Mário Eduardo Toscano

Coorientador: Dr. Júlio César Souza de

2

Manfili Fioravante, Keylla C.

A multicategorialidade do onde na escrita de usuários com formação básica em português./ Manfili Fioravante, Keylla C. – Rio de Janeiro, 2011.

209f.

Orientador: Prof. Dr. Mário Eduardo Toscano Martelotta.

Coorientador: Prof. Dr. Júlio César Souza de Oliveira

Tese de Doutorado (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Letras/Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

1. Onde. 2. Pronome relativo 3. Conjunção. 4. Inferência Sugerida 5. Gramaticalização I A multicategorialidade do onde na escrita de usuários com formação básica em português.

3

DEFESA DE TESE

MANFILI FIORAVANTE, Keylla C. A multicategorialidade do onde na escrita de usuários com formação básica em português. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011.

Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística e Filologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutora em Linguística e Filologia.

Banca Examinadora:

___________________________________________

Profº Dr. Mário Eduardo Toscano Martelotta

(UFRJ) – ORIENTADOR

___________________________________________

Profº Dr. Júlio César Souza de Oliveira

(UFJF) – COORIENTADOR

___________________________________________

Profª Drª Mariângela Rios de Oliveira – (UFF)

___________________________________________

Profª Drª Roza Maria Palomanes Ribeiro – (UFRRJ)

___________________________________________

Profª Drª Sandra Pereira Bernardo – (UERJ)

___________________________________________

Profª Drª Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva – (UFRJ)

Defendida a tese,

Em: 28 /02/2011

4

Agradecimentos

Ao meu orientador, Mário Eduardo Toscano Martelotta, pelo inestimável aprendizado,

pelo prestimoso auxílio no descortinar do meu trabalho, pela amizade, confiança e

incentivo.

Ao meu coorientador, Júlio Cesar Souza de Oliveira, pela coorientação precisa e,

principalmente, pela amizade sincera e sólida.

À Drª Maria Luiza Braga, precursora deste trabalho comigo, com cuja generosa amizade

e sabedoria sempre pude contar. Mais que uma orientadora, trata-se de um modelo a ser

seguido.

À minha banca de qualificação, pelas sugestões valorosas acerca do meu trabalho.

À coordenação do Programa de pós-graduação em Linguística da UFRJ, pela atenção

durante a realização deste trabalho.

Aos funcionários da secretaria de pós-graduação, pela gentileza e competência com que

sempre me atenderam.

Ao meu marido, Marco Antônio, pelo apoio, pela força e, principalmente, pela

admiração e confiança que sempre manteve por mim, mesmo nos momentos mais

difíceis e complicados de nossa vida.

Ao Lucca, meu real doutoramento, minha tese maior, pelo amor incondicional que

ilumina a minha vida.

À Chica e ao Serginho, pela inestimável ajuda, apoio, carinho e incentivo, bem como o

extremado amor pelo meu filho.

Ao meu sobrinho, Gabriel, pelo carinho, pelo ombro amigo, pelo carinho com meu filho

(sempre presente) e por me ajudar no recolhimento dos dados.

5

Às professoras Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva, Mariângela Rios de Oliveira, Roza

Maria Palomanes Ribeiro e Sandra Pereira Bernardo, por me honrarem com suas

presenças na banca de defesa desta tese.

A Luciana Mendes, pela ajuda com a língua inglesa e pela confecção do abstract.

A Maria Alicia Manzoni Rossi, pela gentileza de confeccionar o resumen.

A Ana Paula Castellani, pela gentileza de confeccionar o résumé.

Ao CNPq, pelo auxílio da bolsa de pesquisa, possibilitando-me realizar este trabalho.

A Deus, que me ensinou a enxergar além das aparências.

A todos que partilham da minha vida (amigos e professores) cujos nomes omiti para não

cometer injustiças.

Muito Obrigada!

6

Sinopse

Estudo das construções com onde, de acordo com os fundamentos da Linguística Cognitivo-funcional. Identificação das propriedades gramaticais associadas ao seu uso como elemento anafórico em retomada de entidades locativas e não locativas, com valor de pronome relativo, e o seu emprego com valor de conjunção.

7

SUMÁRIO

RESUMO 11

ABSTRACT 12

RÉSUMÉ 13

RESUMEN 14

INTRODUÇÃO 15

1. Fundamentação Teórica 19

1.1 O Processo de gramaticalização

1.2 A Linguística Cognitivo-funcional

1.2.1 A inferência Sugerida

1.2.2 Mecanismos da mudança linguística

1.2.3 A Metáfora – a contribuição de Lakoff e Johnson (2002

[1980])

1.2.4 Metáfora e Metonímia – a contribuição de Traugott &

Dasher (2005)

1.2.5 A Polissemia – a contribuição de Martins (1999)

1.2.6 A metáfora do “container” – a contribuição de Salomão

(1996)

1.3 Gêneros e tipologias textuais na gramaticalização do onde

1.3.1 A função do Gênero Textual

1.4 Conjunções: relações lógico-semânticas intersentenciais

1.4.1 A contribuição de Mari (1986)

1.4.2 A contribuição de Neves (2000)

1.4.2.1 Conjunções e construções temporais

1.4.2.2 Conjunções e construções causais

1.4.2.3 Conjunções e construções condicionais

1.4.3 A contribuição de Azeredo (2008)

1.4.3.1 Conjunções (e adjuntos conjuntivos) de

conclusão e explicação

20

31

32

39

39

45

47

50

52

56

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59

64

64

68

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71

74

8

1.4.3.2 Orações adverbiais

1.4.3.3 As relações de causalidade

1.4.3.3.1 As relações de Condição

1.4.3.3.2 As relações de consequência

1.4.3.4 As relações de temporalidade

76

77

78

81

81

2. Revisão Bibliográfica

2.1 O estatuto categorial do onde

2.1.1 O onde nas gramáticas normativas

2.1.2 O onde nas gramáticas descritivas

2.2 Estudos linguísticos sobre o onde

83

83

84

93

97

3. Hipóteses, apresentação do corpus e metodologia 110

4. Análise dos dados

4.1 O onde como pronome relativo recuperador de espaço

4.2 O onde como pronome relativo recuperador de sintagmas não

locativos

4.2.1 Outras especificidades do pronome relativo onde

4.3 O onde como pronome relativo recuperador de tópico

4.4 O onde como conjunção

4.4.1 O onde como conjunção de causa

4.4.2 O onde como conjunção de causa/tempo

4.4.3 O onde como operador discursivo

115

124

129

132

137

140

143

149

152

5. Conclusões 157

6. Bibliografia 161

7. Anexos

Anexo 1 – Prova do PISM I/2010 de História

Anexo 2 – Prova do PISM I/2010 de Língua Portuguesa

Anexo 3 – Prova do PISM II/2010 de História

Anexo 4 – Prova do PISM II/2010 de Literatura

Anexo 5 – Prova do PISM II/2010 de Língua Portuguesa

Anexo 6 – Prova do Vestibular/2010 de História

Anexo 7 – Prova do Vestibular/2010 de Literatura

Anexo 8 – Prova do Vestibular/2010 de Língua Portuguesa

168

169

173

178

182

187

191

198

203

9

ÍNDICE DE TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS

TABELAS

Tabela 1: Usos pronominais do onde em retomada anafórica a entidades locativas e não locativas.

119

Tabela 2: Ocorrências do onde conjuncional por segmento, em comparaçãp com o emprego do onde pronominal.

122

Tabela 3: Pronomes relativos locativos e não locativos por prova (PISM I). 128

Tabela4: Usos do onde como conjunção e pronome. 141

GRÁFICOS

Gráfico 1: utilização do elemento onde pronominal locativo e não locativo. 119

Gráfico 2: usos do onde como conjunção e pronome 123

Gráfico 3: usos pronominais de onde como pronome relativo locativo por segmento 127

Gráfico 4: usos de onde como pronome relativo locativo e não locativo no PISM I. 128

Gráfico 5: distribuição de usos pronominais não locativos de onde por segmento. 132

Gráfico 6: usos de onde como conjunção e pronome relativo por segmento. 142

FIGURAS

Figura 1: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010. 22

Figura 2: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 23

Figura 3: Questão 2 da prova de literatura do Vestibular/2010. 23

Figura 4: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010. 115

Figura 5: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 116

10

Figura 6: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 117

Figura 7: Questão 2 da prova de história do PISM II/2010. 117

Figura 8: Questão 3 da prova de história do Vestibular/2010. 118

Figura 9: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 120

Figura 10: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 121

Figura 11: Questão 1da prova de história do PISM I/2010. 125

Figura 12: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 125

Figura 13: Questão 2 da prova de história do Vestibular/2010. 126

Figura 14: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 129

Figura 15: Questão 2 da prova de história do PISM II/2010. 130

Figura 16: Questão 3 da prova de história do Vestibular/2010. 131

Figura 17: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010. 133

Figura 18: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 134

Figura 19: Questão 1 da prova de língua portuguesa do Vestibular/2010 136

Figura 20: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010. 138

Figura 21: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 138

Figura 22: Questão 4 da prova de história do Vestibular/2010. 139

Figura 23: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 144

Figura 24: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010. 145

Figura 25: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 145

Figura 26: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010. 146

Figura 27: Questão 5 da prova de língua portuguesa do Vestibular/2010. 147

Figura 28: Questão 2 da prova de literatura do Vestibular/2010. 147

Figura 29: Questão 1 da prova de língua portuguesa do PISM II/2010. 150

Figura 30: Questão 2 da prova de língua portuguesa do PISM II/2010. 151

Figura 31: Questão 5 da prova de história do Vestibular/2010. 155

11

RESUMO

Esta tese propõe uma análise das construções com onde, na modalidade escrita do português do Brasil produzida por usuários com formação básica ou em vias de obtê-la. Nossa análise baseia-se em dados reais, retirados de redações feitas por alunos que participaram do Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM I e PISM II) e do Vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, no ano de 2010. Foram observadas 5599 provas, de três diferentes disciplinas (Língua Portuguesa, Literatura e História), dentre as quais coletamos 979 dados. Buscamos identificar as propriedades gramaticais associadas ao uso do onde como elemento anafórico em retomada de entidades locativas e não locativas, com valor de pronome relativo. Da mesma maneira, identificamos o uso do elemento com valor de conjunção, conectando duas orações, sem retomada a um SN na oração anterior. Elegemos como fundamentação teórica a hipótese da gramaticalização sob uma perspectiva cognitivo-funcional (Traugott e Dasher: 2005), apresentando argumentos em favor da utilização do elemento, através de uma escala unidirecional – concreto > abstrato (Heine et al (1991) e Martelotta (2010)). Utilizando a ideia de que o uso da língua reflete tendências em competição, propomos a existência de uma força de mudança que leva um determinado item a perder referencialidade, passando a assumir funções gramaticais (ou mais gramaticais), motivadas pela polissemia, pela metáfora e pela metonímia, elementos favorecedores de seu caráter multissêmico, multicategorial e multifuncional, que atuam no processo de gramaticalização.

Palavras-chave: onde, pronome relativo, conjunção, inferência sugerida, gramaticalização.

12

ABSTRACT

This dissertation proposes an analysis of the constructions with onde (which can be translated into English as where), in the written mode of Brazilian Portuguese produced by users with basic education or about to get one. Our analysis is based on real data, taken from essays written by students who took the university’s entrance examinations, Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM I and PISM II) and Vestibular, conducted by the Federal University of Juiz de Fora (UFJF) in 2010. From a total of 5599 exams of three different disciplines (Portuguese, Literature, and History), 979 data were collected. We aimed to identify grammatical properties associated with the use of onde as an anaphoric element referring to locative and non-locative entities, with the value of relative pronoun. Likewise, we identified the use of the element with a conjunction value, connecting two sentences, without referring to the NP in the previous one. We chose to use the grammaticalization hypothesis as our theoretical foundation under the cognitive-functional perspective (Traugott and Dasher: 2005), presenting arguments in favor of the use of the element, using a unidirectional scale – concrete > abstract (Heine et al. (1991) and Martelotta (2010)). Employing the idea that language use reflects tendencies in competition, we propose the existence of a change force that leads a specific item to lose referentiality, thus undertaking grammatical (or more grammatical) functions, motivated by polysemy, metaphor, and metonym, elements which favor its multisemic, multicategorical, and multifunctional character, which act in the grammaticalization process.

Key-words: onde, relative pronoun, conjunction, invited inference, grammaticalization.

13

RÉSUMÉ

Cette thèse propose une analyse des constructions avec onde, dans la modalité écrite du portugais brésilien produite par des utilisateurs qui ont déjà une formation de base ou qui sont en train de l’obtenir. Notre analyse se fonde sur des données réelles, tirées des rédactions d’étudiants qui ont concouru au Programa de Ingresso Seletivo Misto* (PISM I et PISM II) et à l’examen d’accès de l’Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, en 2010. En conséquence, 5599 épreuves ont été observées, de trois différentes disciplines (Langue Portugaise, Littérature et Histoire); de ces épreuves, 979 données ont été recueillies. On a cherché à identifier les propriétés grammaticales associées à l’usage de onde comme élément anaphorique dans des rappels d’entités locatives et non locatives, à valeur de pronom relatif . De même, on a identifié l’usage de l’élément à valeur de conjonction, qui connecte deux oraisons, sans rappel à un syntagme nominal (SN) dans l’oraison antérieure. On a retenu comme fondement théorique l’hypothèse de la grammaticalisation sous une perspective cognitive-fonctionnelle (Traugott & Dasher: 2005), en argumentant en faveur de l’utilisation de l’élément, par l’intermédiaire d’une gradualisation unidirectionnelle – concret > abstrait (Heine et al., 1991, et Martelotta, 2010). Selon l’idée que l’usage de la langue reflète des tendances en compétition, nous proposons l’existence d’une force de changement qui conduit un item particulier à perdre référentialité, et qui passe à prendre des fonctions grammaticales (ou plus grammaticales), motivées par la polysémie, par la métaphore et par la métonymie, favorisant ainsi son caractère multisémique, multicatégoriel et multifonctionnel, qui jouent un rôle dans le processus de grammaticalisation.

Mots-clés: onde, pronom relatif, conjonction, inférence suggérée, grammaticalisation.

* Programa de Ingresso Seletivo Misto: représente l’une des manières d’avoir accès à l’Universidade Federal de Juiz de Fora.

14

RESUMEN

Esta tesis se propone un análisis de las construcciones con onde, en la modalidad escrita del portugués de Brasil producida por hablantes con formación básica o en vías de obtenerla. Nuestro análisis se basa en datos reales, retirados de redacciones realizadas por alumnos que participaron del Programa de Ingreso Selectivo Mixto (PISM I y PISM II) y del Examen de Ingreso a la Universidad Federal de Juiz de Fora (UFJF), en el año 2010. Se analizaron 5599 pruebas, de tres diferentes asignaturas (Lengua Portuguesa, Literatura e Historia), entre las cuales colectamos 979 datos. Buscamos identificar las propiedades gramaticales asociadas al uso de onde como elemento anafórico como referencia de lugar y referencia diferente de lugar, con valor de pronombre relativo. De la misma manera, identificamos el uso del término con valor de conjunción, conectando dos oraciones, sin hacer referencia a un sintagma nominal de la oración anterior. Elegimos como fundamentación teórica la hipótesis de la gramaticalización bajo una perspectiva cognitivo-funcional (Traugott y Dasher: 2005), presentando argumentos en favor de la utilización del término, a través de una escala unidireccional concreto > abstracto (Heine et al (1991) y Martelotta (2010)). Utilizando la idea de que el uso de la lengua refleja tendencias en competencias, proponemos la existencia de una fuerza de cambio que lleva un determinado ítem a perder la referencialidad, pasando a asumir funciones gramaticales (o más gramaticales), motivadas por la polisemia, la metáfora y la metonimia, elementos favorecedores de su carácter multisémico, multicategorial y multifuncional, que actúan en el proceso de gramaticalización.

Palabras clave: onde, pronombre relativo, conjunción, inferencia sugerida, gramaticalización.

15

INTRODUÇÃO

O onde é um fenômeno que vem sendo investigado, há pelo menos uma década,

por estudiosos das mais variadas áreas da linguística. Como as gramáticas normativas e,

até mesmo, as descritivas revelam dificuldades de classificar esse elemento

(classificam-no ora como um advérbio, ora como pronome relativo), aumenta o

interesse por tal investigação. A dificuldade de classificação do onde por parte das

gramáticas do português se deve ao fato de elementos como esse apresentarem uma

acentuada instabilidade categorial, resultado de seu caráter multissêmico e

multifuncional, que pode ser observado na língua em uso. Devido ao dinamismo e às

necessidades comunicativas dos usuários da língua, o sistema linguístico, em todos os

níveis (gramatical, semântico e pragmático), mostra-se em constante flutuação, sob o

efeito do uso efetivo da língua, dentro das mais diversas situações de interação

comunicativa.

Esta tese tem como objetivo analisar e descrever o uso das construções com

onde, no Português brasileiro contemporâneo escrito, produzidas por indivíduos

possuidores de escolaridade básica (Ensino Médio) ou a caminho de obtenção da

mesma, em retomada a entidades locativas e não-locativas, ambas as manifestações

efetuadas pelo relativo onde. Também identificamos e analisamos seu uso como

conector de orações, sem função sintática e sem valor referencial, como elemento

conjuncional, emprego ignorado em abordagens normativas da Língua Portuguesa.

O material de análise desta tese consta de um corpus na modalidade escrita, de

redações feitas por candidatos a uma vaga na Universidade Federal de Juiz de Fora –

UFJF (PISM I, PISM II e VESTIBULAR). A base teórica que subsidia a análise e

interpretação do onde é a Linguística Cognitivo-funcional, constituindo um trabalho de

caráter linguístico baseado no uso.

Partimos da concepção de língua como instrumento para a competência

comunicativa. A língua se atualiza no uso, e é sensível e responsiva ao uso. Com isso,

justifica-se o objetivo de verificar que ambientes sintático-discursivos são favorecedores

16

dos usos do onde, e que fatores cognitivos, linguísticos e sociointeracionais são

motivadores desses usos, conforme Traugott e Dasher (2005).

O estudo de fatos da língua, na perspectiva da Gramaticalização (Heine et al

(1991)), tem em vista verificar os processos de mudança pelos quais os itens passam.

Numa perspectiva sincrônica, observa-se a mudança como um fenômeno semântico,

sintático-discursivo e pragmático do ponto de vista do “fluxo básico de mudança

motivado pelo uso” (Martelotta: 2010) (ou ambivalência) que constitui um processo

eminentemente gradual, o qual aponta para a unidirecionalidade da gramaticalização.

Assim, apresentamos uma análise dos usos de onde, em textos escritos, na

produção dos quais se espera o emprego de um registro formal, haja vista a criação dos

mesmos em situação de formalidade, devido ao contexto em que as estruturas

linguísticas são produzidas (Prova de Vestibular e Vestibular Seriado), por candidatos

que estão, ainda, em processo de formação acadêmica ou já são possuidores desta

formação (Ensino Médio).

Para analisar as manifestações do onde, nosso corpus é composto de produções

discursivas, inseridas no gênero “prova aberta” , em que o participante do processo de

seleção deve elaborar respostas a perguntas que, geralmente, usam como ponto de

partida uma imagem ou texto referente ao conteúdo da questão proposta. Foram lidas

5599 provas, de diferentes disciplinas (Língua Portuguesa, Literatura e História), a

partir das quais coletamos 979 dados.

Abrimos nosso trabalho (capítulo 1) apresentando a fundamentação teórica que

embasa o estudo. A teoria da Gramaticalização, nos moldes de Heine et al (1991),

postula que itens como onde (um elemento multicategorial e de múltiplas funções,

comutável com as mais variadas formas conforme as necessidades do falante/escritor e

as possibilidades do discurso), tendo enfraquecida sua capacidade de referenciação,

assumem funções gramaticais, convertendo-se em itens gramaticais. Como sua carga

semântica já se encontra alterada, pode perder alguns de seus semas para se tornar uma

categoria funcional, assumindo funções mais gramaticais.

Apresentamos também a fundamentação teórica de Traugott e Dasher (2005),

acerca da inferência sugerida, que trata da variação e mudança linguística, fornecendo-

nos fatores de influência como a polissemia, a metáfora e a metonímia, mecanismos que

participam do processo de gramaticalização do onde.

17

Todos os processos descritos necessitam de um contexto para acontecerem. Para

identificar os contextos discursivos mais favorecedores dos usos de onde, recorremos

aos gêneros textuais e às tipologias, através das bases teóricas de Marcuschi (2002) e

Bonini (2008).

Como identificamos, em nossos dados, manifestações do onde como

conjunções, recorremos a gramáticas normativas e descritivas, para a descrição dos

valores conjuncionais subjacentes ao onde. Incluímos, nessa parte da pesquisa, alguns

trabalhos dedicados ao aperfeiçoamento descritivo das articulações intersentenciais:

Mari (1986), Neves (2000) e Azeredo (2008).

No capítulo 2, dedicado à revisão bibliográfica, apresentamos, inicialmente, as

observações sobre o onde extraídas das gramáticas (normativas e descritivas) do

português. Embora limitadas no tratamento do onde, tais obras já permitem confirmar

estarmos diante de uma categoria bastante complexa, para a qual é difícil propor uma

descrição unificada e coerente.

Para a investigação sobre o onde, selecionamos as gramáticas normativas de

Rocha Lima (1999/2010), Cunha & Cintra (1985/2008), Bechara (2000/2010) e Cipro

Neto & Infante (1997) e as gramáticas descritivas de Perini (1998) e de Neves (2000).

Essas obras, vistas em conjunto, evidenciam as complexidades que cercam a descrição

do item que é objeto de nossa pesquisa: em geral, os autores consultados atribuem ao

onde mais de um rótulo classificatório (advérbio, advérbio relativo, pronome relativo),

revelando-se as dificuldades de um tratamento unificado para os usos daquele elemento.

Também fizemos um levantamento de estudos linguísticos dedicados ao onde.

Assim, alguns estudos em diacronia, acerca desse fenômeno, foram estudados, como

Mattos e Silva (1989), Bomfim (1993) e Siqueira (2009). Da mesma forma, utilizamos

trabalhos sobre o onde voltados para o estudo do funcionamento sincrônico desse item,

como Portella (2003) – este um estudo diacrônico e sincrônico –, Manfili (2007),

Marinho (2002) e Lima (2007).

Em seguida, no capítulo 3, apresentamos nossas hipóteses acerca dos vários usos

do elemento estudado, o corpus e a metodologia utilizados na pesquisa.

O capítulo 4 é dedicado à análise dos dados. Nesta seção apresentaremos as

variadas manifestações do onde, a saber: o onde como pronome relativo recuperador de

espaço, este já balizado pelas gramáticas tradicionais; o onde como pronome relativo

recuperador de sintagmas abstratos; outras especificidades do pronome relativo onde; o

18

onde como pronome relativo recuperador de tópico; o onde como conjunção de causa; o

onde como conjunção de causa/tempo. Também destacamos exemplos que sugerem a

possibilidade de manifestação do onde como um operador discursivo – caso em que o

elemento simplesmente liga partes do texto sem o reconhecimento de conexões lógico-

semânticas entre as mesmas, o que sugere estarmos diante de um nível ainda mais

elevado de enfraquecimento da articulação intersentencial.

No capítulo 5 apresentaremos as conclusões a que chegamos após as análises

realizadas.

No capítulo 6 procederemos à apresentação da bibliografia utilizada no presente

estudo.

No capítulo 7 encontram-se os anexos. Nesta seção estão as provas avaliadas

(Língua Portuguesa, História e Literatura), na íntegra, por segmento (PISM I, PISM II e

VESTIBULAR), para conferência do leitor.

19

1. Fundamentação Teórica

Nosso trabalho tem como proposta analisar e descrever o uso das construções

com onde, na modalidade escrita do português brasileiro, em retomada de elementos

não locativos, bem como seu uso como elemento conjuncional. Para engendrarmos essa

difícil tarefa (afinal estamos diante de um elemento multicategorial e de múltiplas

funções, comutável com as mais variadas formas conforme as necessidades do

falante/escritor e as possibilidades do discurso), buscamos o modelo funcionalista, na

linha da gramaticalização (Heine et al (1991). Esse modelo estabelece-se como a base

teórica principal do trabalho, suporte para à análise dos dados e sua interpretação.

Por estar, como outros itens, em constante flutuação, o onde obrigou-nos a

buscar fundamentos teóricos que tratassem da variação e mudança linguística –

polissemia, metáfora e metonímia, mecanismos que participam do processo de

gramaticalização. Para a composição de uma moldura teórica que levasse em

consideração vários níveis do sistema linguístico (o gramatical, o semântico e o

pragmático), em contextos linguísticos específicos, optamos pela proposta teórica da

Inferência Sugerida (Traugott e Dasher: 2005), que contempla todos os níveis

mencionados.

Como o contexto é altamente relevante para a interpretação de nossos dados,

recorremos aos estudos dos gêneros textuais (visando ao tratamento do gênero prova

aberta) e das tipologias textuais (favorecedoras, cremos, de alguns usos do onde), com

origem em Bakhtin [1953] (1992), através dos Trabalhos de Marcuschi (2002) e Bonini

(2007).

Por estarmos diante de um elemento imbricado em orações complexas,

comportando-se ora como um pronome relativo, ora como uma conjunção, revisitamos

as gramáticas normativas e descritivas, bem como trabalhos de viés funcionalista, para a

configuração morfossintática e semântica das diversas manifestações do onde e dos

contextos nos quais as mesmas assomam. Para a descrição semântica do onde,

especificamente, recorremos a Mari (1986), Neves (2000) e Azeredo (2008), obras que

possibilitam dar às relações lógico-semânticas que acompanham o onde um tratamento

20

mais flexível que o das gramáticas tradicionais, decerto mais condizente com a

maleabilidade encontrada no discurso.

Ao procedermos à intersecção destas molduras teóricas, procuramos analisar e

descrever os usos polissêmicos de onde, encontrados em nosso corpus. Apresentamos, a

seguir, os fundamentos teóricos que embasam nossa pesquisa, mencionados acima.

1.1 O processo da gramaticalização

A gramaticalização é o processo de mudança linguística, que, há alguns anos,

figura no centro dos estudos linguísticos funcionalistas.

Este processo leva itens lexicais e construções sintáticas a assumir funções

referentes à organização interna do discurso ou a estratégias comunicativas.

O primeiro estágio da gramaticalização se dá quando um item lexical, tendo

enfraquecida sua capacidade de referenciação, assume funções gramaticais, tornando-se,

assim, um item gramatical. Contudo, sua carga semântica já se encontra alterada, e pode

perder alguns de seus semas para se tornar uma categoria funcional. Em decorrência da

abstração, o item pode, também, incorporar outros semas, tornando-se, dessa forma,

mais polissêmico.

Segundo Hopper (1991), a gramaticalização é sempre uma questão de gradação

que não atende a critérios específicos dos fenômenos considerados, mas, sim, aos

critérios de mudança linguística. Os itens e construções lexicais, ao se tornarem mais

gramaticais, perdem algumas das propriedades formais e semânticas do item-fonte

enquanto outras persistem nas formas gramaticalizadas. Mesmo nos processos de

gramaticalização considerados “concluídos” ou “avançados”, sempre é possível

identificar vestígios de estágios anteriores. Veremos isto adiante, com o elemento onde,

de valor locativo, funcionando como um advérbio, passando a pronome relativo,

recuperador de lugar e de entidades mais abstratas, e, finalmente, passando a funcionar,

na organização interna do discurso, como uma conjunção (cf. escala de abstração formal

e semântica do onde).

21

Por outro lado, a gramaticalização também pode levar determinados itens a

assumir função de marcador discursivo, modalizando ou reorganizando a produção da

fala, quando a linearidade é momentaneamente perdida, ou servindo para preencher o

vazio causado por essa perda da linearidade.

Como resultado da ação da gramaticalização, um elemento pode se tornar mais

gramatical, assumindo posições mais fixas em determinadas cláusulas e apresentando

maior previsibilidade no que concerne ao seu uso. Dependendo da natureza do item

gramaticalizado (né?, sabe?, entendeu?, então, etc.) este pode tornar-se menos

gramatical, assumindo funções relacionadas ao processamento do discurso, perdendo as

suas restrições gramaticais originais e ampliando seu leque de possibilidades de

colocação na cláusula.

Em nosso trabalho, iremos nos ater, exclusivamente, ao processo de

gramaticalização, que leva determinados itens a atuarem na organização interna do

discurso, por ser este o mecanismo de mudança que melhor explica os múltiplos

empregos do onde na modalidade escrita do português, no universo pesquisado por nós

(indivíduos possuidores de escolaridade básica ou a caminho de obtê-la).

Conforme apontam Vitral et al (2010), gramaticalização é um termo que tem

sido usado com vários sentidos e com inovações acerca de sua utilização. Para a nossa

pesquisa, interessa-nos o sentido cunhado por Heine et al (1991), bem como por

Martelotta et al (1996) e, também, Martelotta (2010): itens lexicais e construções

sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais e, uma vez

gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais. Nesta acepção, o

elemento linguístico, já gramaticalizado, tende a se tornar mais regular e mais previsível

em outro estágio do processo de gramaticalização, saindo do nível da criatividade

eventual do discurso para penetrar nas restrições da gramática.

As restrições gramaticais se caracterizam, basicamente, conforme apontam

Martelotta et al (1996), por regularidades que se manifestam nas relações de ordenação

vocabular e de regência, nas relações de concordância de gênero e número para os

pronomes, substantivos e adjetivos e nas relações de número e pessoa e atribuição de

modo, tempo, aspecto e voz para os verbos.

Itens lexicais, em termos prototípicos, são elementos que fazem referência a

dados do universo biossocial, pois designam entidades, ações e qualidades. Os

22

elementos gramaticais, por sua vez, organizam os itens do léxico no discurso,

executando funções exclusivamente linguísticas: ligar partes do texto, identificar partes

do texto já mencionadas (ou ainda por mencionar), marcar estratégias interativas,

expressar noções gramaticais (como, por exemplo, tempo, aspecto e modo). O

surgimento de elementos gramaticais como uma extensão dos usos de itens lexicais

configura-se como resultado de processos naturais de gramaticalização (Martelotta:

2010), conforme demonstram os exemplos (2) e (3), confrontados com (1):

(1)

Figura 1: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 1b: No caso do primeiro mapa, Roma começou a dominar várias

áreas da Europa, já que o mapa 1 mostra a grande área Romana, no segundo mapa,

houve a expansão marítima, onde os países europeus conheceram novos territórios,

onde encontraram especiarias, das quais muitos ficaram “dependentes” delas e foram

explorar tudo. (PISM I/2010)

(2)

23

Figura 2: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.

Resposta à questão 1b: Nessa mesma época, na tentativa de fazer do Brasil mais que

apenas “agroexportador” e com o incentivo do capital gerado pela venda do café

começou o surto industrial, onde algumas fábricas foram instaladas. Mas a concorrência

desleal com produtos estrangeiros de melhor qualidade e baixo preço acabou com a

tentativa de industrialização. (PISM II/2010)

(3)

Figura 3: Questão 2 da prova de literatura do Vestibular/2010.

Resposta à questão 2: Os dois poemas consistem em demonstrar a percepção de morte

das personagens, onde deixam expostos que quando a morte chega, explendorosas

alegrias devem surgir no lugar de lágrimas e tristezas. (VESTIBULAR/2010)

No exemplo (1), o onde (em negrito) faz remissão a novos territórios,

constituinte de natureza locativa/espacial. No exemplo (2), igualmente a (1), o elemento

tem caráter remissivo, mas a entidade retomada (“o surto industrial”) não é, em sua

natureza (semântica), locativa. Já no exemplo (3), o onde apresenta valor sequencial e

24

funciona como conectivo, um juntor intersentencial, sem função sintática –

diferentemente de (1) e (2) –, o que nos autoriza a classificá-lo como uma conjunção.

Quando há uma aparente quebra da linearidade sintática, como em (3) – aparente porque

não sabemos se a quebra efetivamente se deu –, consideramos a possibilidade, bastante

plausível, de funcionamento do onde como um mero sequenciador, equivalente, no

caso, a “deixando expostos que, que quando a morte chega, explendorosas alegrias

devem surgir no lugar de lágrimas e tristezas.” O fato é que o terceiro uso de onde é

derivado, historicamente, conforme veremos na revisão bibliográfica, do primeiro (item

+ lexical), mostrando que este elemento começa a participar de um processo de

gramaticalização, através do qual os itens lexicais vão se convertendo em itens mais

gramaticais.

Martelotta et al (1996), partindo dessa concepção de gramaticalização,

relacionam esse processo a algumas manifestações da mudança linguística:

1. A trajetória de elemento linguístico do léxico à gramática como, por

exemplo, a passagem de verbos plenos a verbos auxiliares, como ocorre com

o verbo de movimento ir (de perto para longe do falante), que passa a

designar futuro como auxiliar.

2. A trajetória de um vocábulo a um morfema, que ocorre, por exemplo, com a

passagem amar + hei > amarei e tranquila + mente > tranquilamente.

3. A trajetória de elemento linguístico da condição de menos gramatical (ou

menos regular) para mais gramatical (ou mais regular), como acontece, por

exemplo, com seja > seje e menos > menas, por forte influência da analogia.

4. A trajetória de elemento linguístico de mais referencial a menos referencial,

caracterizada pela perda de significação de referentes extralinguísticos e

aquisição de significados baseados em dados pragmáticos, relativos a

estratégias comunicativas dos participantes, e em dados textuais, relativos à

organização interna dos argumentos no texto, como ocorre com o operador

argumentativo logo, inicialmente de valor de advérbio espacial (do latim

locu-), passando, posteriormente, a assumir função argumentativa como

conjunção conclusiva.

25

Da mesma forma, esse último processo ocorre com onde, inicialmente também

com valor de advérbio espacial (+ lexical), passando a pronome relativo (elemento

gramatical) e esvaziando-se completamente de suas funções primeiras, passando a

assumir uma função mais argumentativa no discurso, como uma conjunção.

Conforme apontam Martelotta et al (1996):

A gramaticalização é uma manifestação do aspecto não-estático da gramática, uma vez que ela demonstra que as línguas estão em constante mudança em consequência de uma incessante busca de novas expressões e que, portanto, nunca estão definitivamente estruturadas.

A gramaticalização está totalmente imbricada aos processos cognitivos, que

produzimos em situações comunicativas.

De acordo com Johnson (1987) e Lakoff & Johnson (2002), o pensamento

inicialmente trabalha com conceitos adquiridos pelo contato com o mundo concreto. O

sistema conceptual que emerge da experiência serve de base para a compreensão de

uma realidade mais abstrata que constitui o mundo das ideias. O que permite que o

homem compreenda o mundo das ideias em função do mundo concreto é, segundo

aqueles autores, a metáfora.

As línguas, portanto, possuem um sistema semântico cognitivo de base

experiencial, que opera e determina as regularidades que caracterizam a derivação dos

sentidos através da transferência metafórica do mundo real para os domínios do mundo

abstrato.

O processo metafórico tende a obedecer unilateralmente a uma trajetória do mais

concreto para o menos concreto, pois palavras que designam fatos do mundo concreto

são utilizadas, por analogia, para designar conceitos mais abstratos e mais difíceis de

serem conceptualizados. Vejamos alguns exemplos:

(4)

Peguei a lógica de seu raciocínio.

(5)

Você levantou muitas hipóteses, mas destruirei quase todas.

(6)

Essa é a questão onde eu quero chegar.

26

Nos três exemplos acima as expressões peguei, levantou e chegar são típicas do

mundo físico (+concreto), mas estão sendo empregadas metaforicamente para expressar

noções mais abstratas ligadas a raciocínio, a hipótese e a argumentos.

O processo metafórico é unidirecional e se faz de acordo com as seguintes

escalas de abstração crescente, propostas por estudiosos da gramaticalização, como

Heine et al (1991), Traugott e Heine (1991), Traugott e König (1991), Castilho (2003),

respectivamente apresentadas a seguir:

PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE

ESPAÇO > (TEMPO) > TEXTO

TEMPO > CAUSA > CONCESSÃO

ESPAÇO > TEMPO > CAUSA

Essas escalas expressam uma unidirecionalidade, princípio que se apoia no

postulado de que dados mais concretos e mais fáceis de conceptualizar são utilizados

para expressar noções mais abstratas. A ideia, por exemplo, de que itens lexicais

indicadores de partes do corpo podem gramaticalizar-se, convertendo-se em termos

indicadores de objetos e noções espaciais, temporais (e não o contrário), demonstra que

o processo de gramaticalização tende a se processar numa crescente abstratização.

Desta maneira, os elementos da escala de Heine et al (1991) constituem

domínios de conceptualização importantes para estruturar a experiência em termos

cognitivos. A relação entre eles é metafórica, o que significa que qualquer um deles

pode ser usado para conceptualizar qualquer elemento à sua direita. Assim, palavras que

designam partes do corpo (como braço) passam a designar objetos (braço da cadeira)

ou qualificações (ele é meu braço direito), ou palavras referentes a noções espaciais

(passar pela rua) passam a expressar noções temporais (o tempo passou) ou

qualificações (ele está ultrapassado).

Traugott e Heine (1991: 8) afirmam que estudos feitos em várias línguas

demonstram que apenas certas classes de palavras são recrutadas para serem

gramaticalizadas, pois existem fatores que podem incentivar ou restringir o processo. O

grau de adequação semântica e a frequência são os principais dentre esses fatores.

Adequação semântica diz respeito ao seguinte: se o conteúdo semântico de uma

forma linguística, ou as inferências que desse conteúdo podem ser retiradas, pode servir

27

a propósitos metalinguísticos referentes à organização do texto de modo relativamente

natural, essa forma linguística tem potencial para sofrer gramaticalização. Em caso

contrário, a gramaticalização tem chances muito remotas de ocorrer.

Quanto à questão da frequência, o que podemos observar é que, quanto mais

frequente é a forma linguística, mais probabilidade ela tem de se gramaticalizar.

De um modo geral, o processo de gramaticalização tende a resultar em noções

mais abstratas (noção temporal ou aspectual) e elementos relativos à organização

interna do texto (conectivos). Do ponto de vista formal, a tendência é que esses

resultados passem a constituir elementos mais presos, ou de características gramaticais

mais restritas, como, por exemplo, auxiliares, morfemas e clíticos, ou, também, menos

referenciais, como ocorre com itens como o onde.

Há, ainda, na literatura, muitos apontamentos sobre os possíveis mecanismos

que favorecem o processo de gramaticalização. Heine et al (1991), por exemplo, falam

em transferência metafórica e Lehmann (1991) aponta a importância da analogia (cf.

adiante) no processo, sobretudo, como influenciadora do modo como os novos

empregos vão se alastrando na língua.

Traugott e König (1991) apontam que o tipo de mecanismo que efetuará a

gramaticalização dependerá da natureza particular da função envolvida no processo.

Eles afirmam que a inferência metafórica ocorrerá principalmente no surgimento de

marcas de tempo, aspecto, caso, enquanto que a inferência por pressão de

informatividade, mecanismo de natureza metonímica, predomina no surgimento de

conectivos.

Hopper e Traugott (2003) discorrem sobre a tendência de se considerar a

transferência metonímica, e não a metafórica, e a reanálise, e não a analogia, como

mecanismos que predominam na mudança por gramaticalização. Da mesma forma,

Givón (1995), ao analisar o grau de integração entre cláusulas, cita o processo de

reanálise.

As observações dos diferentes autores mencionados neste capítulo caracterizam

a gramaticalização como um fenômeno que envolve vários níveis na comunicação

verbal: o nível cognitivo; o nível pragmático; o nível semântico e o nível sintático.

No nível cognitivo, a gramaticalização (pelo menos no que se refere à

morfologia) segue (como parece ocorrer com os processos de mudança metafórica em

geral) a tendência, já mencionada, de usar elementos do mundo concreto para o mundo

28

abstrato. O elemento do léxico é mais concreto que o da gramática, ou seja, é mais fácil

conceptualizar substantivos do que relações textuais.

No nível pragmático, a gramaticalização envolve uma intenção genérica do

falante de usar algo conhecido pelo ouvinte para fazê-lo compreender melhor o sentido

novo que ele quer expressar. Há, na passagem do concreto para o abstrato, uma intenção

comunicativa de facilitar a compreensão do ouvinte, a partir do aproveitamento de

conceitos mais concretos e mais conhecidos para a expressão de ideias novas que

surgem no decorrer, na negociação do processo comunicativo.

No nível semântico, a gramaticalização, como processo de mudança ocorrida no

léxico, envolve o conhecimento por parte dos interlocutores dos significados de origem

das palavras envolvidas. De outro modo, o sentido novo correria o risco de não ser

detectado pelo ouvinte.

No nível sintático, a gramaticalização ocorre basicamente em contextos que a

estimulem, o que significa que não só existem aspectos sintáticos que propiciam a

gramaticalização, mas, principalmente, que esses aspectos são responsáveis pelo fato de

a mudança tomar efetivamente um dado caminho e não outro.

Com base nessas considerações podemos dizer que a gramaticalização ocorre

por mecanismos de natureza metafórica e de natureza metonímica. A metáfora constitui

um processo de abstratização crescente, através do qual os conceitos que estão mais

próximos da experiência humana (+ concretos) são utilizados para expressar aquilo que

é mais abstrato e, consequentemente, mais difícil de ser definido. A metonímia diz

respeito aos processos de mudança por contiguidade, no sentido de que são gerados no

contexto sintático, num processo que, mais tarde Traugott e Dasher (2005) vão chamar

de inferência sugerida (cf. subseção 1.2.1).

Segundo Heine et al (1991: 179), o processo metafórico se dá na trajetória

espaço > discurso, através da qual conceitos espaciais são utilizados, por processos

analógicos, para designar pontos do texto já mencionados ou por mencionar. O

elemento espacial é, nesses casos, o dado mais concreto, servindo de base para o

surgimento de novos usos de valor menos concreto, os quais funcionam como

elementos de organização interna do texto. É o que ilustramos, no exemplo seguinte,

acerca do onde:

29

(7)

Com todo aquele dualismo houve inúmeras revoltas, onde até políticos se envolveram,

ocorreu a revolução política, os revoltosos não ficaram satisfeitos e ocorreu a revolução

no qual se recuou. Com os políticos longe a Revolução Industrial avançou, surgindo

assim, várias indústrias e fábricas. (PISM II/2010)

No exemplo, o elemento em negrito, originariamente um advérbio (um pronome

advérbio) retomador de lugar concreto, naquele contexto, é empregado anaforicamente,

fazendo retomada de algo anteriormente mencionado. O onde refere-se a inúmeras

revoltas. Como o antecedente evoca um espaço e um tempo historicamente delimitados,

usa-se um termo locativo, o onde, para recuperar a entidade expressa na oração anterior.

Já a metonímia é o termo utilizado, tradicionalmente, para caracterizar mudanças

por contiguidade no mundo extralinguístico. Nesta acepção, conforme apontam Du Bois

et al (1979), metonímia constitui um processo que ocorre quando:

uma noção é designada por um termo diferente do que seria necessário, sendo as duas noções ligadas por uma relação de causa a efeito (a colheita pode designar o produto da colheita e não apenas a própria ação de colher), por uma relação de matéria a objeto ou de continente a conteúdo (beber um copo), por uma relação da parte ao todo (uma vela no horizonte).

Essa interpretação, quase tradicional, adotada por Du Bois, não é aquela sobre a

qual pensamos o processo metonímico, enquanto mecanismo favorecedor da

gramaticalização. Nesta concepção, o termo metonímia designa a mudança que sofre

uma determinada forma em função do contexto linguístico (e pragmático) no qual está

sendo utilizado. Um dos mecanismos ligados ao processo cognitivo da metonímia é a

reanálise, que atua no eixo sintagmático, caracterizando-se por uma reorganização da

estrutura do enunciado, e uma reinterpretação dos elementos que o compõem, conforme

podemos ver no exemplo a seguir, retirado de nosso corpus:

(8)

Questão 1: Bullying seria a repetição, sem motivo consistente, de derivados da violência

como ofender, sacanear, ou mesmo causar dor a algum aluno de maneira a o deixar

30

ofendido e desequilibrado em termos de poder. No ambiente escolar, o aluno que sofre

bullying, assim como as pessoas que convivem com ele, estão propensas a sentir medo

de tal comportamento, levando a um baixo rendimento escolar, ou até a consequências

mais sérias, onde pode haver uma súbita reação do aluno que sofre de bullying, numa

tentativa de igualar a relação de poder. (PISM II/2010)

O exemplo acima ilustra o processo em que fatores pragmáticos associam-se a

fatores linguísticos, como favorecedores de mudanças categoriais – em (8), algumas

características típicas das conjunções (juntor intersentencial sem qualquer função

sintática) permitem afirmar que o onde destacado utilizado pelo candidato-autor não

poderia ser classificado como pronome ou advérbio. Sua natureza de conector,

provavelmente causal (cf. capítulo dedicado à análise dos dados), é reforçada

extralinguisticamente, quando se considera o onde inserido na totalidade do discurso:

(8) é resposta a uma pergunta que, na própria formulação (“descreva, de maneira

sucinta, os efeitos do bullying no ambiente escolar”), suscita a produção de um texto

argumentativo (7 linhas), favorecedor da emergência de valores causais/explicativos

para o onde.

Hopper e Traugott (2003: 57) afirmam que apenas a reanálise é um fenômeno

ligado ao processo cognitivo da metonímia, que pode criar novas formas gramaticais,

embora não se deva subestimar o papel da analogia na gramaticalização.

Traugott e König (1991: 194) utilizam outro rótulo para explicar a inferência

metonímica: inferência por pressão de informatividade. Para eles, trata-se de um

mecanismo que predomina na gramaticalização de operadores argumentativos,

constituindo um processo em que, por convencionalização de implicaturas

conversacionais, um dado elemento linguístico passa a assumir um valor novo, que

emerge de determinados contextos em que esse sentido novo pode ser inferido do

sentido primeiro, independentemente do valor textual das cláusulas envolvidas no

processo. É o que ocorre, ainda de acordo com Traugott e König (1991: 194), na

transformação de since (com valor temporal) para since (com valor causal):

(9)

I have done quite a bit of writing since we last meet. (Eu escrevi pouco desde o nosso

ultimo encontro – temporal)

31

(10)

Since Susan left him, John has been very miserable. (Desde que Susan o abandonou,

John tornou-se um miserável – temporal/causal)

(11)

Since you are no coming with me, I will have to go alone. (Uma vez que você não virá

comigo, eu irei sozinho – causal)

Nessa sequência de exemplos vimos que há uma possibilidade de leitura causal

em alguns contextos nos quais ocorre since (inicialmente temporal) e, com a

convencionalização dessa nova leitura, surge o since causal. O que ocorre em casos

desse tipo é que o elemento é pressionado pelo contexto a admitir um sentido novo.

Na trajetória da gramaticalização pode ocorrer, em alguns casos, o fato de que

um elemento não passe do léxico/discurso para a gramática, mas passe de um item já

gramatical para um estágio ainda mais gramatical, como veremos, a posteriori, com o

elemento onde, que já se apresenta, mesmo no escopo canônico (remetendo a lugar

físico), com um estatuto gramatical (de valor pronominal). As trajetórias propostas para

o onde poderiam ser explicadas a partir das seguintes escalas:

item gramatical > item + gramatical

pronome > conjunção > ∅∅∅∅

1.2 A Linguística Cognitivo-funcional

Na situação comunicativa os sentidos são negociados de maneira interativa

(subjetiva e intersubjetivamente), numa díade, falante/escritor e ouvinte/leitor, os quais

são responsivos ao contexto, gerando novos contextos, a partir de recursos como a

metáfora e a metonímia, produzindo, assim, a mudança semântica. O falante/escritor,

então, convida o ouvinte/leitor a fazer inferências e a participar daquela negociação de

sentidos, e, a partir daí, este passa a fazer novas inferências, através dos novos usos

empregados naquele contexto específico.

32

1.2.1 A Inferência Sugerida

Traugott e Dasher (2005) têm como objetivo demonstrar que existem caminhos

previsíveis para as mudanças de ordem semântica, através de diferentes estruturas

conceptuais e de domínios de função linguística (ou domínios funcionais, como

modalidade, caso, referenciação, etc.), e argumentam que existem evidências

translinguísticas de que as referidas mudanças são unidirecionais. Segundo eles, ao

traçarmos as histórias de lexemas translinguisticamente encontramos, repetidamente,

mudança unidirecional, o que evidencia a existência de regularidade na mudança

linguística. Essas regularidades constituem-se em mudanças de um sentido

linguisticamente codificado para outro, como, por exemplo, o valor de obrigação

deôntico para o valor epistêmico. Traugott e Dasher afirmam que, quando um item tem

sentidos deôntico e epistêmico, o deôntico vem antes na história da língua em questão,

como, por exemplo, o verbo must do inglês, o qual, segundo os autores, pode apresentar

sentido de obrigação, deôntico (12) ou de conclusão, epistêmico (13), tornando-se

ambíguo quando fora do contexto.

(12)

They must be/get married, I demand it. (Eles devem se casar, eu exijo.)

(13)

They must be married, I am sure of it. (Eles são casados, tenho certeza disso.)

Essas regularidades são tipos prototípicos de mudança que se repetem através

dos tempos e em línguas diferentes. Diferentemente do que postulam os neogramáticos

no que concerne à mudança sonora, as regularidades na mudança semântica são

tendências possíveis (e até prováveis), e não mudanças que se repetem para qualquer

item significativo possível em um ponto no tempo específico e em uma língua

específica. São universais ligados ao uso.

Como ocorrem de maneira frequente e em línguas não relacionadas às

mudanças, estão associadas a processos cognitivos e comunicativos, através dos quais

os sentidos pragmáticos se tornam convencionalizados e reanalisados como polissemias

semânticas. Esses processos estão associados a mecanismos que os autores chamam de

33

inferência sugerida (termo traduzido pelos funcionalistas para invited inference) e de

subjetivação e intersubjetivação.

Pode-se ainda perguntar se a mudança de sentido de obrigação (deôntico) para

de conclusão (epistêmico) pode ter algo a ver com o status gramatical das formas em

questão. Entretanto, há muitos casos envolvendo verbos lexicais, que sugerem que

qualquer ligação entre suscetibilidade à mudança semântica e status gramatical da

forma é apenas uma coincidência. O exemplo, tratado por Traugott e Dasher, é o verbo

tikau, em japonês, no qual o sentido de obrigação já aparecia em estágios antigos da

evolução da língua, enquanto que com o sentido de jurar (que algo é verdade) só

aparece em estágios posteriores. Desta maneira, podemos concluir que a mudança

semântica (no nível lexical, pelo menos) prevê essa possibilidade, ou seja, não é

somente o fato do fenômeno estar associado à passagem do nível lexical para o

gramatical ou que somente se dê no campo gramatical.

Mudanças similares podem ocorrer em línguas diferentes e não relacionadas.

Isso nos sugere que deve haver alguns princípios abrangentes (overarching) do uso da

língua que dão conta da reprodução (replication1) de mudanças de sentido através das

línguas e das categorias.

A tradição reconhece que a mudança fonológica é regular no sentido de que,

probabilisticamente, se pode esperar que certas mudanças recorram através das línguas,

dependendo das propriedades fonéticas que estão envolvidas: vogais periféricas se

tornam mais abertas e vogais não periféricas se tornam mais fechadas, por exemplo. Da

mesma maneira, trabalhos em gramaticalização têm demonstrado que a mudança

morfossintática é regular em um sentido semelhante: adposições podem fazer surgir

marcas de caso morfológico, mas não vice-versa. Ainda, no domínio semântico, há

evidências da existência de padrões previsíveis de mudança sofridos por lexemas

individuais translinguisticamente.

Assim, seja em que nível for, a linguagem é restringida por propriedades

estruturais da forma em questão e pelos objetivos cognitivos e comunicativos para os

quais a língua é usada. (grifo nosso)

1 Esse termo foi traduzido dessa forma, para diferenciarmos do termo empregado por Heine e Kuteva (2005), para quem o referido termo possui o valor de cópia.

34

Segundo os autores, os maiores graus de regularidade semântica têm sido

encontrados em estruturas conceptuais relacionadas a lexemas envolvidos em processos

de gramaticalização, como dêixis, aspecto e modalidade. Entretanto, análises mais

atentas têm demonstrado que elementos lexicais (sobretudo verbais, adjetivais e

adverbiais) também exibem padrões regulares de mudança semântica. Traugott e Dasher

querem demonstrar que mudança semântica se mostra recorrente através de um grande

conjunto de estruturas conceptuais, qualquer que seja o status gramatical do lexema em

questão. Podemos, então, inferir que eles consideram que os processos de mudança por

gramaticalização se mostram regulares e que a mudança semântica se prende menos aos

aspectos gramaticais relacionados ao item envolvido.

Em todos os casos de mudança linguística, as regularidades não são absolutas,

ou seja, algumas mudanças possíveis não ocorrem e exceções são encontradas. Isto é

particularmente válido para o domínio semântico, dada a natureza do léxico, que está

sujeito à referência e, portanto, a mudanças sociais e ideológicas. Nesse sentido,

mudanças semânticas irregulares são mais comuns no domínio nominal, que é

particularmente suscetível a fatores extralinguísticos, como a construção social de um

referente.

No nível micro, cada exemplo de mudança semântica tem suas próprias

características particulares. Isso pode ser consequência das propriedades específicas do

lexema que sofre a mudança; dos sistemas gramaticais sincrônicos da língua para

expressar a estrutura conceptual em questão e das circunstâncias que rodeiam a atuação

da mudança na comunidade de fala, em um momento particular. Falando de outro

modo, cada lexema tem sua própria história individual, podendo ou não ser recrutado à

mudança semântica.

Entretanto, no nível macro, a direção da mudança semântica é frequentemente

previsível, não apenas dentro de uma língua determinada, mas, também,

translinguisticamente. Assim, tentam explicar as micro-mudanças individuais dentro de

uma estrutura teórica de macroprocessos.

Para tanto, os autores defendem a ideia de uma Teoria de Inferência Sugerida

da Mudança Semântica (TICMS). O termo utilizado pelos linguistas (Inferência

Sugerida) não se restringe a implicaturas generalizadas; engloba as complexidades da

35

comunicação, através das quais o falante/escritor evoca implicaturas e convida o

ouvinte/leitor a inferi-las. Assim, como há a preocupação, por parte dos autores, com

questões cognitivas e funcionais, baseiam-se em várias concepções teóricas, as quais se

coadunam da seguinte maneira: os estudos cognitivos da estruturação de domínios

semânticos; a pragmática, especialmente a pragmática acerca da convencionalização das

implicaturas (inferências sugeridas/convidadas), que surgem no uso da língua e a análise

do discurso concebida como a interação da gramática e do uso, porém, adaptada ao

estudo de textos escritos, uma vez que esses são os dados primários para estudos de

mudança com uma profundidade de tempo longa.

Traugott e Dasher preferem o termo inferência sugerida ao termo inferência

contextualmente induzida proposto por Heine et al (1991), porque este sugere que o

foco está no ouvinte/leitor como um intérprete e diminui o papel ativo do

falante/escritor na estratégia retórica, indexando e coreografando o ato comunicativo.

Através de vários domínios semânticos e da investigação em várias línguas, os

autores encontraram várias linhas unificadas em recorrentes padrões de mudança

semântica. Uma delas é a tendência geral de os sentidos caminharem na direção de uma

subjetificação (sua expressividade passa a estar centrada na perspectiva do

falante/escritor explicitamente) e de uma intersubjetificação (sua expressividade passa a

estar centrada na relação entre falante/escritor e ouvinte/leitor explicitamente), e, assim,

é negociável a interpretação de sentidos (inferência convidada/sugerida).

Como as discussões são acerca da mudança, mais especificamente, os

processos discursivos envolvidos na mudança, os autores precisam não somente de

uma teoria, mas, também, de uma teoria do uso linguístico e de relação mútua entre esse

uso e a gramática. Entretanto, nenhum modelo específico de gramática é adotado por

eles, mas a abordagem é, em princípio, consistente com a variedade de teorias

associadas com a gramática das construções e a linguística cognitiva. A proposta dos

autores é que os aspectos estruturais e comunicativos configuram a forma da gramática.

Para eles a gramática é sistema linguístico e código, o elo entre gramática e uso e a

díade falante/escritor – ouvinte/leitor negociam o sentido de maneira interativa, tanto

respondendo ao contexto quanto criando contextos.

36

Essa díade pode parecer simétrica, mas não é, pois o falante/escritor possui

estados mentais e produz sentidos que podem ou não ser entendidos pelo ouvinte/leitor,

embora ambos os membros da díade sejam participantes assumidos no contexto

particular de comunicação. Quando o falante/escritor assume seu turno, tem o papel

central no contexto. Assim, o papel central do falante/escritor leva a uma visão de

mudança linguística orientada para a produção e indica o processo mais importante de

mudança semântica: a subjetificação.

O falante/escritor é o principal negociador (com o ouvinte/leitor) da referência e

do sentido geral, usando elementos de valor contextual e alternantes dêiticos,

permitindo, assim, o acesso às variáveis para o falante e o ouvinte – tempo, espaço,

relevância comunicativa e status social.

A função básica da linguagem é veicular significados, neste caso, significados

no sentido cognitivo e comunicativo. Os autores têm como foco o léxico e os padrões de

uso de itens lexicais em construções possíveis da língua. Vale lembrar, que em

linguística sociocognitiva, costuma-se usar, em lugar de significados, o termo

significação, ou processo de significação, o qual indica que, na concepção cognitivista,

não há significados prontos, mas mecanismos de construção de sentidos a partir de

dados contextuais essencialmente ricos e dinâmicos. Em outras palavras, os significados

são elementos mentais únicos e estáveis, mas resultam de processos complexos de

integração entre diferentes domínios do conhecimento. Esta perspectiva acerca do

significado se coaduna com a proposta de Traugott e Dasher.

Segundo os autores, os lexemas são representações particulares em línguas

específicas de estruturas conceptuais de nível macro, que constituem estruturas

altamente abstratas, como movimento, localização, condição, grau, ser humano,

atitude epistêmica, e podem incluir sentidos não linguísticos, como os construídos pela

visão. Estas estruturas conceptuais são relativamente estáveis na espécie humana, mas

sofrem influência da cultura. Elas são conectadas a sentidos linguísticos que, por

natureza, são mais particulares e mais dependentes da cultura, embora ainda altamente

abstratos, e que estão sujeitos a restrições relacionadas a como eles são combinados.

Desta maneira, estruturas conceptuais (macros) de localização são conectadas a

sentidos linguísticos como in, out, around (exemplos dos autores). Do mesmo modo,

37

as de ser humano são conectadas a sentidos linguísticos como male, female, parent of,

etc. As de atitude epistêmica são conectados a estruturas linguísticas como alta

possibilidade, possibilidade, baixa possibilidade, etc. Esses sentidos linguísticos são

representações linguísticas abstratas de tipos de situações (processos, atividades e

estados), que envolvem seus participantes (agente, experienciador, instrumento, etc.),

seus tipos de crença (modalidades) e as situações comunicativas (atos de fala).

Vale dizer que os tipos de situações não são categorias rígidas, mas protótipos,

nos quais a semelhança por familiaridade caracteriza os membros que são mais ou

menos representativos da categoria (assim a diferença entre os sentidos linguísticos é

gradual e não totalmente determinada).

Retomando o preâmbulo que abriu esta seção, na situação comunicativa os

sentidos são negociados de maneira interativa (subjetiva e intersubjetivamente), numa

díade falante/escritor e ouvinte/leitor, os quais são responsivos ao contexto, gerando

novos contextos, a partir de recursos vários como a metáfora, a metonímia, produzindo,

assim, a mudança semântica. O falante/escritor, então, convida o ouvinte/leitor a fazer

inferências e a participar daquela negociação de sentidos, e, a partir daí, este passa a

fazer novas inferências, através dos novos usos empregados naquele contexto

específico.

A subjetividade “envolve a expressão do self e a representação da perspectiva

de um falante ou ponto de vista no discurso – o que foi chamado de marca do falante”

(Finegan, 1995:1). Como Stubbs (1986:1) apud Traugott e Dasher (2005) afirma:

Sempre que falantes (ou escritores) dizem algo, codificam seu ponto de vista para o mesmo: quer achem que seja uma coisa razoável a dizer quer seja óbvio, irrelevante, não-polido, ou seja o que for. A expressão de tais atitudes é difusa em todos os usos da língua. Todas as sentenças codificam tal ponto de vista... e a descrição de tais marcadores do ponto de vista de seus sentidos deve, portanto, ser um ponto central para a linguística.

A citação de Stubbs, acima, refere-se à perspectiva de que, sempre que um

falante diz algo, ele codifica seu ponto de vista, aquilo que acha razoável, óbvio,

38

irrelevante, entre outras coisas. A expressão dessas atitudes é recorrente em todas as

línguas e, desta maneira, todas as sentenças codificam esse ponto de vista. O ponto

central para a linguística é a descrição dos marcadores desse ponto de vista e seu

significado.

Sincronicamente, o falante/escritor seleciona não só o conteúdo, mas também a

expressão de tal conteúdo – qual entidade é escolhida como sujeito sintático, se a

topicalização é usada, tempo presente ou pretérito, etc. Na produção dinâmica do

discurso ou da escrita, o material linguístico pode ser usado em novas maneiras para

expressar aquela subjetividade. A seleção do repertório gramatical pode ser consciente

ou não. Escritores criativos e retóricos tendem a ser muito conscientes com suas

seleções, outros não. As escolhas são correlacionadas com o registro (ex. espera-se que

a escrita científica neste século seja a mais “objetiva” possível) e com grau de atenção a

uma plateia, na qual haja ouvintes/leitores individuais ou múltiplos (aqui a questão é de

“intersubjetividade”). Em todos os casos, as escolhas são altamente correlacionadas com

a intenção estratégica e a codificação explícita da mesma.

Então, na subjetividade o foco está no falante/escritor e na intersubjetividade o

foco volta-se para o ouvinte/leitor, numa eterna negociação de sentidos, para a mudança

semântica.

A mudança semântica não pode ser estudada sem que se leve em conta uma

teoria da polissemia, por causa da própria natureza da mudança. Toda mudança, em

qualquer nível da gramática, envolve não A > B (ou seja, a simples substituição de um

item por outro), mas A > A ~ B e só então às vezes > B sozinho. É importante para a

mudança de sentido e de polissemia em especial que um sentido seja entendido como

esquemático e parcialmente não subdeterminado. É um centro magnético estabilizado,

institucionalizado e prototípico que pode ser contextualmente interpretado de maneira

restrita. A polissemia surge de processos de inferência sugerida.

A inferência sugerida (inveted inferencing) é o processo de mudança que

engloba as complexidades da comunicação que o falante utiliza para evocar

implicaturas e convidar o ouvinte a inferi-las. O falante, valendo-se de dados

contextuais, convida o ouvinte a atribuir ao enunciado um valor diferente do seu sentido

literal (via metáfora/metonímia). Como o que está em jogo nesse processo são as

39

impressões e os sentimentos dos participantes, a forte tendência é a mudança caminhar

para a intersubjetivação.

1.2.2 Mecanismos da mudança linguística

Na mudança semântica há mecanismos que são reconhecidos como veiculadores

da mudança linguística, como a metáfora e a metonímia, e outros que são considerados

resultados destes, como a polissemia. Esses processos são compreendidos como

fenômenos conceptuais, que contribuem para o processo de variação, mudança

semântica e gramaticalização. Desta maneira, apresentamos alguns suportes teóricos

acerca destes mecanismos na próxima subseção.

1.2.3 A Metáfora - a contribuição de Lakoff & Johnson (2002 [1980])

Segundo Lakoff e Johnson (2002 [1980]), para a maioria dos teóricos, a

metáfora é um mero recurso da imaginação poética ou uma ornamentação da retórica,

algo que se refere à linguagem “extra-ordinária”, e não à linguagem comum ou

corriqueira. Além disso, a metáfora é vista, por alguns estudiosos, ao longo do tempo,

como algo tipicamente (e exclusivamente) da linguagem ornamental, nada tendo a ver

com o pensamento (racional) ou com a ação. Segundo Aristóteles (Poética 21.1457b. 6-

7): “A metáfora consiste em dar à coisa um nome que pertence a outra coisa”. Em

Locke (Ensaio sobre o entendimento humano, Livro III, cap. 10), encontramos uma

posição de rejeição ao emprego da metáfora claramente explícita:

Já que o engenho e a fantasia encontram maior receptividade no mundo do que a verdade árida e o conhecimento real, as falas figuradas e alusões na linguagem dificilmente são reconhecidas como uma imperfeição ou abuso da linguagem. Reconheço que, nos discursos em que buscamos antes prazer e

40

deleite do que informação e aprimoramento, tais ornamentos não poderiam ser considerados defeitos. Contudo, se formos falar das coisas tal como são, devemos reconhecer que toda a arte retórica, salvo a ordem e a clareza, todas as aplicações artificiais e figurativas das palavras que a eloquência já inventou nada mais fazem do que insinuar ideias erradas, mover paixões e induzir o julgamento em erro, sendo assim consumadas fraudes.

Para Lakoff e Johnson, o predomínio da visão retórica da metáfora como algo

periférico e sem nenhum valor cognitivo se justifica pelo mito do objetivismo,

dominante na cultura ocidental, que “assume ser possível o acesso a verdades absolutas

e incondicionais sobre o mundo objetivo e entende a linguagem como mero espelho da

realidade objetiva” (2002: 11). Nesses termos, a metáfora deveria ser sempre evitada

quando se pretendesse falar objetivamente.

Em contraposição a essa visão, Lakoff e Johnson descobriram que, ao contrário

do que se pensava, a metáfora é algo onipresente na vida cotidiana das pessoas e que

nosso sistema conceptual, com base no que pensamos e agimos, tem uma natureza

fundamentalmente metafórica. Vivemos guiados por metáforas, que estão

intrinsecamente ligadas à nossa cultura (modelo em função do qual pensamos e agimos)

e reproduzem nossas atividades cotidianas. Exemplo dessa presença da metáfora em

nosso pensamento e em nossa linguagem cotidiana são as metáforas “Discussão é

guerra” (Ele atacou todos os pontos fracos da minha argumentação); “Ideias são

plantas” (Está brotando uma nova ideia); “Tempo é dinheiro” (Você está

desperdiçando meu tempo); “Teorias são construções” (Precisamos construir um

argumento forte para isso); “Estados físicos ou emocionais são entidades dentro de uma

pessoa” (Ele tem dor no ombro/Tenho que chacoalhar essa depressão que não me

larga), etc.

Essa mudança paradigmática implica, portanto, em rejeitar aquele pressuposto

objetivista e suas implicações, recusando a possibilidade de qualquer acesso verdadeiro

à realidade do ponto de vista epistemológico, levando a uma reformulação profunda na

maneira de conceber a objetividade, a compreensão, a verdade, o sentido e,

principalmente, a metáfora. Dessa forma, no novo paradigma, empreendido por Lakoff

e Johnson, a metáfora passa a ter seu valor cognitivo reconhecido, mudando do status de

41

uma simples e sem importância figura de retórica para o de uma operação cognitiva

fundamental.

Os autores, ao tratarem essas questões relativas à metáfora, traçam um paralelo

entre a concepção tradicional e a concepção cognitiva. Na primeira concepção, a

metáfora é tratada apenas como um fenômeno linguístico restrito a circunstâncias

linguísticas específicas como a literatura, completamente imprevisível e

necessariamente óbvia e transparente (desvio ordinário). Na segunda, a metáfora é

concebida como um fenômeno cognitivo refletido na linguagem, que não é restrito a

circunstâncias linguísticas específicas (retórica, ornamentação), mas sim um fenômeno

linguístico geral e abrangente, parcialmente previsível, nem sempre óbvio, mas muitas

vezes opaco, porque cotidiano, automático e inconsciente. As citações abaixo ilustram o

pensamento dos autores:

(...) a metáfora não é somente uma questão de linguagem, isto é, de meras palavras. Argumentamos que, pelo contrário, os processos do pensamento são em grande parte metafóricos. Isso é o que queremos dizer quando afirmamos que o sistema conceptual humano é metaforicamente estruturado e definido. As metáforas como expressões linguísticas são possíveis precisamente por existirem metáforas no sistema conceptual de cada um de nós. (Lakoff e Johnson, 2002: 48) (...) Quando dizemos “Tudo está contra nós” ou “Temos que aproveitar a oportunidade”, todos entenderão que não estamos usando metáforas, mas que simplesmente estamos usando a linguagem normal do dia-a-dia para uma determinada situação, mas a maneira de falar, de conceber e até mesmo de experienciar a situação seria estruturada metaforicamente. (Lakoff e Johnson, 2002: 119)

Lakoff e Johnson, cujos estudos sobre a metáfora, na década de 80, tiveram um

grande impacto na Linguística Cognitiva, reconhecem um precursor no trato dessa

questão. Trata-se de Reddy (1979 apud Lakoff e Johnson, 2002), e de sua teoria da

metáfora do canal ou metáfora do conduto (“The conduit metaphor”). Essa teoria diz

que concebemos ideias (ou significados) como objetos que, colocados dentro de

recipientes (palavras), são enviados através de um canal para um ouvinte/leitor, que

retira as ideias-objetos das palavras-recipientes. A partir dessa visão metafórica da

linguagem, que vigora em nosso senso-comum e nas teorias objetivistas, algumas

questões emergem: se expressões linguísticas são recipientes de significados, implica

42

que palavras e sentenças tenham significados em si mesmas, independentemente de

qualquer contexto ou falante; e se significados são objetos, os significados têm uma

existência independente de pessoas e contextos. Lakoff e Johnson provam que o que

Reddy chamou de metáfora do canal são manifestações linguísticas das seguintes

metáforas conceptuais:

_ A MENTE É UM RECIPIENTE: “Não consigo tirar essa música da

minha cabeça” / “Será que vou conseguir enfiar essas estatísticas na tua

cabeça?”

_ IDÉIAS (OU SENTIDOS) SÃO OBJETOS: “Quem te deu essa ideia?” /

“Você encontrará ideias melhores que essa na biblioteca.”

Como nossas expressões metafóricas reproduzem nossas atividades cotidianas e,

portanto, são sistemáticas, esses autores avançaram na investigação dos processos que

envolvem a metáfora e chegaram a uma tipologia que envolve três categorias: metáforas

estruturais, metáforas orientacionais e metáforas ontológicas.

As metáforas estruturais (ou conceptuais) consistem em compreender e

experimentar uma coisa em termos de outra (Lakoff e Johnson, 2002: 48). Esta metáfora

não se baseia nas palavras que usamos, mas no conceito, nos processos do nosso

pensamento. Por exemplo, discussão e guerra são coisas distintas (discussão verbal e

conflito armado) e as ações correspondentes também o são, mas discussão é

parcialmente estruturada, compreendida, realizada e tratada em termos de guerra, do

conceito de guerra (atacar, defender, etc.) e esse conceito é sistemático; a linguagem que

usamos para falar sobre dado conceito (como guerra – ou discussão é guerra) é

sistemática. Há, por exemplo, palavras e expressões que usamos no momento da

discussão, como atacar, defender, vencer, indefensável que expressam os atos bélicos do

ato de discutir. São, portanto, metáforas que vivenciamos no nosso cotidiano.

O segundo tipo de metáfora postulado por Lakoff e Johnson é a metáfora de

espacialização ou metáfora orientacional. São metáforas que organizam todo um

sistema de conceitos em relação a outro conceito. A maioria tem a ver com a orientação

espacial, como para cima, para baixo, no centro, dentro, fora, periférico, etc.

43

Surgem do fato de termos o corpo que temos e da interação dele com o nosso

ambiente físico (partem de uma base corpórea, física, mais concreta, para algo mais

abstrato. Por exemplo, quando estamos deprimidos [estado mental], nosso corpo tende a

arquear-se, a curvar-se em direção ao chão, assim como, quando estamos felizes,

elevamos nosso corpo de maneira “altiva”). Essas metáforas dão a um conceito uma

orientação espacial, como:

_ FELIZ É PARA CIMA: “Estou me sentindo para cima hoje”

_ TRISTE É PARA BAIXO: “Estou deprimido”

Vale lembrar que os valores fundamentais de uma cultura serão coerentes com a

estrutura metafórica dos conceitos fundamentais dessa cultura (estarão intimamente

ligados, pois não há linguagem sem contexto cultural). Na nossa cultura, temos alguns

valores que são coerentes com as metáforas de espacialização (ou orientacionais) PARA

CIMA – PARA BAIXO, e cujos opostos não seriam coerentes. Por exemplo, “Mais é

melhor” é coerente com MAIS É PARA CIMA2; já “Menos é melhor” não seria

coerente com essas metáforas. Assim, nossos valores, nossos modelos culturais não são

independentes, mas devem formar um sistema coerente com os conceitos metafóricos

que orientam nossa vida cotidiana.

A terceira categoria de metáfora é denominada de metáfora ontológica. As

experiências que temos com objetos físicos (especialmente com o nosso corpo)

fornecem a base para uma variedade ampla de metáforas ontológicas, ou seja, somos

capazes de conceber eventos, ideias como entidades e substâncias. Esse tipo de metáfora

é necessário para tentarmos lidar racionalmente com nossas experiências. Pensemos a

experiência de um aumento de preços. Trata-se de um evento que aqui será visto

metaforicamente como uma entidade por meio da palavra inflação. Assim, teremos a

metáfora ontológica, também chamada de personificação:

_ INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE: “A inflação está abaixando o

nosso padrão de vida”. / “Precisamos combater a inflação”

2 Tal coerência parece comprometida atualmente devido a certos modelos culturais de economia em que menos pode ser melhor: um carro menor e mais econômico, por exemplo.

44

Nas metáforas de personificação, objetos físicos são concebidos como pessoas.

É uma categoria geral que cobre uma enorme gama de metáforas, cada uma

selecionando aspectos diferentes de uma pessoa ou modos diferentes de considerá-la. O

que todas têm em comum é o fato de serem extensões de metáforas ontológicas,

permitindo-nos dar sentido a fenômenos do mundo em termos humanos, termos esses

que podemos entender com base em nossas próprias motivações, objetivos, ações e

características. Em expressões como “A inflação atacou o alicerce de nossa economia”

percebemos que a inflação não é somente personificada, como, também, é um

adversário que devemos combater, o que nos remete, novamente, à primeira metáfora

descoberta por Lakoff e Johnson: a metáfora estrutural ou conceptual.

Vimos, através desta revolucionária obra, que a dicotomia linguagem

literária/linguagem cotidiana cai por terra, assim como o conceito de metáfora como

figura de linguagem que a sustentava. A partir desses estudos empreendidos pelos

autores, a metáfora deixa de ser considerada como algo desviante, marginal ou

periférico, e passa a ser vista como um fenômeno central da linguagem humana e do

pensamento, onipresente em todos os tipos de linguagem – na cotidiana e, também, na

científica.

É de suma importância perceber que a base da teoria cognitivista da metáfora

coloca em evidência a importância do corpo humano nas teorias que envolvem os

estudos da linguagem e do sentido. Seres humanos reais (encarnados), em situações de

comunicações sociais reais (e não utópicas ou idealizadas), interagem com outros seres

humanos reais, em situações reais de uso da língua. Esse paradigma epistemológico,

também chamado de realismo corporificado3 por Lakoff e Johnson (2002), defende a

necessidade de pesquisar e postular, empiricamente, as estruturas pré-conceptuais da

experiência humana, ou seja, estudar padrões e gestalts advindos da experiência direta

que nossos corpos possuem no (e com o) mundo.

Percebemos, então, que quase tudo o que experimentamos no mundo se dá por

meio de metáforas e, sendo assim, a metáfora “é parte tão importante da nossa vida

como o toque, e tão preciosa quanto.” (Lakoff e Johnson, 2002: 358).

3 Embodied realism.

45

1.2.4 Metáfora e Metonímia- a contribuição de Traugott e Dasher (2005)

Na mudança semântica, dois mecanismos são usualmente reconhecidos, a

metáfora e a metonímia. Nerlich e Clarke (1992: 137) apud Traugott e Dasher

argumentaram que, “para ser inovador e ao mesmo tempo compreensível, deve-se usar

palavras em uma maneira nova, o sentido é auto-evidente” (uma asserção

semasiológica) e que, na essência, “há somente duas maneiras principais de se fazer

isso: usar palavras para os vizinhos próximos das coisas que você pretende

(metonímia) ou usar palavras para os que se parecem com o que você pretende

(metáfora)”. Para evitar confusão entre a visão estática, sintática desses dois termos e a

visão de sua função processual como mecanismos, vamos nos referir a elas em sua

dimensão dinâmica como metaforização e metonimização. Como no caso da analogia e

da reanálise, a importância relativa desses mecanismos tem sido construída de forma

diferente ao longo do tempo. Na a maior parte do século XX, a metafor(ização) foi

considerada o grande fator na mudança semântica.

A metaforização é primariamente um princípio analógico e envolve a

conceptualização de um elemento de uma estrutura conceitual (Ca) em termos de um

elemento de outra estrutura conceitual (Cb). Uma vez que operam “entre domínios”

(Sweetser, 1990:19), os processos ditos motivados pela metaforização são

conceptualizados primariamente em termos de comparação e de “fontes” e “alvos” em

domínios conceituais diferentes (e descontínuos), embora sejam restritos pelas relações

paradigmáticas de iguais e diferentes. Assim, é possível conceptualizar o

desenvolvimento do while temporal “durante o tempo em que” > do concessivo

“embora”, ou do item grasp no sentido de “tomar” > “compreender” em termos de uma

projeção ou salto entre domínios. Uma questão, contudo, gira em torno do que é

pretendido por “domínio”. O termo é usado em vários sentidos. Por exemplo, no livro

de Sweetser (1990), assim como para Traugott e Dasher (2005), a semântica, a sintaxe e

a fonologia são consideradas domínios de larga escala de organização linguística e de

estudo; assim como as categorias de larga escala como a modalidade e a

performatividade e os domínios que “modelam nossa compreensão do mundo social e

físico”, do “mundo do raciocínio” e do ato de descrever o mundo (“atuação discursiva”)

46

(Sweetser, 1990:21). Mas o termo também é muitas vezes usado para o(s) “campo(s)

representacional(is) primitivo(s)” irreduzível(is) (Langacker, 1987/91: capítulo 4) como

espaço, tempo, modalidade deôntica, modalidade epistêmica, concessão. Se os

primitivos irreduzíveis desse tipo são chamados de “domínios”, como o são

frequentemente nos trabalhos sobre metáfora, ex. Lakoff (1987), Heine et al (1991),

então a questão do quão grande um salto tem que ser para contar como uma metáfora se

torna uma questão importante. Traugott e Dasher usam o termo “estruturas conceituais”

para esses domínios de larga escala na tentativa de não pré-julgar o que está em

“domínios diferentes” (permitindo a metaforização) ou o “mesmo domínio”

(permitindo a metonímia).

Nem a metaforização conceitual nem a metonimização conceitual a princípio se

excluem: metáforas facilmente compreendidas são consistentes com associações típicas;

ambas exploram o sentido pragmático; ambas enriquecem o sentido. De fato,

concordamos com a afirmação de que o alvo e/ou a fonte de uma metáfora potencial

“deva ser compreendido ou perspectivado metonimicamente para a metáfora ser

possível” (Barcelona, 2000b:31). Uma vez que o foco principal de Traugott e Dasher

(2005) em relação aos processos de mudança está na Teoria da Inferência Sugerida da

Mudança Semântica e nas inferências sugeridas, também está no mecanismo de

metonimização conceitual e discursiva e seu papel na mudança semântica (p. 29).

Para os autores, não se trata apenas de metonímia conceptual, mas, sobretudo, de

metonímia composicional. Enquanto a primeira trata da contiguidade no plano

semântico (parte pelo todo: no rio uma vela passava; conteúdo pelo continente: beber

uma garrafa; etc.), que se aproxima mais do processo de metaforização, a segunda trata

da contiguidade no discurso, é um termo que ocorre contiguo a outros em um contexto

morfossintático.

A inferência sugerida surge de implicaturas que são regularmente associadas ao

material linguístico no espaço sintagmático, junto com a operação das heurísticas de R

(heurística de relevância, inspirada na Máxima da Quantidade 2 de Grice (1989

[1975]): “Diga/escreva nada além do que você deve e, assim signifique mais”) e M

(heurística de modo – a qual se aproxima da Máxima de Modo de Grice: “evite a

prolixidade” ou expressões especialmente marcadas e complexas) no material

47

linguístico subespecificado que dá saliência aos aspectos específicos do raciocínio e das

estratégias retóricas em contextos específicos. A metaforização é vista não só como uma

restrição, mas também como o resultado da mudança metonímica, que ocorrerá na

contiguidade do discurso, em contexto morfossintático.

Desta maneira, através de uma expansão polissêmica, pode dar-se a metáfora

(que é uma estrutura conceptual de larga escala em domínios diferentes) e, depois, por

passar a pertencer ao mesmo domínio (quando concebemos os referentes como espaço),

passamos a ter a metonímia. Assim, o fenômeno que investigamos se dá primeiro

metaforicamente e manifesta-se no discurso, no contexto comunicativo, por

contiguidade, através da metonímia.

1.2.5 A Polissemia – A contribuição de Martins (1999)

Martins (1999) propõe um modelo que articula os fenômenos da polissemia e da

metáfora nas línguas humanas. Em abordagens anteriores, nas quais havia a

identificação do significado ou de seu núcleo como significado literal, a conexão entre

os fenômenos da metáfora e da polissemia (assim como os próprios fenômenos em si)

recebia pouca ou nenhuma atenção. Havia, pois, a garantia da manutenção do

compromisso com a visão literalista da linguagem.

Nessa visão, segundo a autora, o que acontecia era uma compreensão do

significado de uma palavra como um conjunto de propriedades intrínsecas subjacentes

aos seus diversos usos. Para exemplificar essa visão, é citado o trabalho de Katz e Fodor

(1963 apud Martins, 1999), que propunha um modelo de decomposição do significado

de itens lexicais em conjuntos de traços distintivos. Por outro lado, nos estudos de

Kempson (1995 apud Martins, 1999), havia a crença na primazia do significado

sentencial sobre o lexical. Este autor sustentava que o significado de uma palavra seria o

conjunto de suas atribuições sistemáticas para as condições de verdade das sentenças em

que ocorria.

48

Nos dois trabalhos citados por Martins, acreditava-se que, ao se utilizar uma

dada palavra, haveria nela todas as propriedades (traços e contribuições) que a

definiriam essencialmente. Essa visão caiu por terra quando se levou em consideração a

enorme variação no significado das palavras, em seus usos mais corriqueiros, com

inúmeras e reconhecidas dificuldades para isolar aqueles conjuntos de propriedades

essenciais citados pelos autores.

Para tentar solucionar essas dificuldades, duas estratégias analíticas são

comumente usadas por linguistas formalistas ou mesmo funcionalistas: “reduzir o

escopo da análise de modo a tentar excluir a variação polissêmica”; “converter casos de

polissemia em casos de homonímia”. (Martins, 1999: 85)

Entretanto, se considerarmos os exemplos, citados pela autora (p. 85), do verbo

cair nas seguintes sentenças: (a) José caiu na rua., (b) José caiu em depressão., (c) José

caiu de posto. e (d) Os jornais caíram em cima do plano econômico., verificaremos que

um analista teria a dificuldade de estabelecer um único conjunto de propriedades nesses

casos. Um literalista, porém, tenderia a excluir (d) da sua análise, devido ao fato de o

mesmo não constituir um uso literal do referido verbo (trata-se de uma expressão

idiomática da Língua Portuguesa). Do ponto de vista semântico, para um literalista, essa

sentença seria anômala ou contraditória4. Porém, reconheceria que sentenças anômalas

como aquelas poderiam tornar-se significativas, dependendo do contexto em que seriam

utilizadas, e atribuiria à Pragmática a responsabilidade pelo exame de casos como esses.

Excluída a sentença (d), a semântica linguística passaria a analisar as demais (a,

b e c) e acharia uma solução (contraintuitiva e problemática) para os usos do verbo cair:

classificá-los como verbos homônimos (ou seja, mesma grafia, mesma pronúncia, mas

significados diferentes, como “manga de camisa” e “manga fruta”), por possuírem a

mesma composição fonológica. Trata-se, portanto, de uma solução no mínimo

equivocada, pois não seria o caso das sentenças acima. Para a Linguística Cognitiva, o

que estaria ocorrendo nessas sentenças seria uma variação polissêmica. Nesse modelo

cognitivista sobre o fenômeno da polissemia, uma palavra deixa de ser concebida nos

4 Contraditória porque jornais não podem literalmente cair sobre algo abstrato como um plano econômico. Cabe lembrar ao leitor que se trata de uma expressão idiomática da Língua Portuguesa largamente usada no Brasil.

49

moldes de uma categoria clássica internamente “composta” de certas propriedades

necessárias e suficientes (traços de significado) e passa a ser vista como uma categoria

que relaciona diferentes modelos cognitivos, os quais, embora possam vincular-se de

forma indireta, pelo fato de constituírem “extensões motivadas” 5 de um “modelo

central”, configuram maneiras distintas de compreender certo domínio conceitual

(Martins, 1999: 87).

Segundo Martins (1999), sob essa ótica, boa parte do significado lexical

“migra”, por assim dizer, de “dentro” da palavra para o sistema mental de representação

de nossa experiência6. Assim por um lado, uma palavra continua representando, nesse

modelo, “um conjunto de instruções”, e, por outro, continua possuindo um “potencial de

significado”.

A partir dos pressupostos acima mencionados, no que concerne à polissemia de

determinados itens, é que existe um nódulo central que catalisa um determinado

significado lexical (no nosso estudo, espaço físico [+espacial]), e projeta extensões

motivadas, através de um conjunto de instruções (princípio da conservação) daquele

significado primário para um domínio mais abstrato [+abstrato] (as categorias

cognitivas não locativas conceptualizadas como espaço). Esse tipo de tratamento dado a

itens lexicais, como a polissemia, lança uma nova luz sobre o problema da expansão

semântico-pragmática dos sentidos, contribuindo para o tratamento metafórico e

metonímico no que tange ao nosso fenômeno.

5 Precisamos, segundo Sweetser (1990) de “uma explicação motivada para as relações entre os sentidos de um único morfema ou palavra”, e esse tipo de explicação pode ser encontrado em grande parte nas construções metafóricas.

6 Sobre esse assunto ver Lakoff e Johnson (2002).

50

1.2.6 A metáfora do “container” – a contribuição de Salomão (1996)

Segundo Salomão (1996), a hipótese da radialidade, motivada por uma

construção básica, permite que se enxerguem redes polissêmicas na multiplicidade das

acepções funcionais de classes de palavras, como preposições e advérbios.

A verificação sincrônica dessa radialidade é fundamental para a demonstração

do processo diacrônico da gramaticalização. Nos termos mais clássicos da abordagem

desse fenômeno, requer-se, para que uma forma se gramaticalize, que ela tenha

participado de um processo de expansão polissêmica. A análise sincrônica e diacrônica

da produção das formas gramaticais revela a relevância de um centro categorial

motivador, conforme observado anteriormente, tanto da expansão polissêmica como da

evolução histórica.

Para Salomão (1996) no caso específico das preposições e advérbios, a projeção

metafórica de ESPAÇO (físico) em TEMPO alimenta um processo subsequente de

transferência metafórica, quando se passa a representar o tempo do fluxo discursivo em

termos de categorias espaciais (ESPAÇO DO DISCURSO). Análises feitas por Ferrari

e Almeida (apud Salomão: 1996) mostram, por exemplo, que a acepção espacial de ante,

visível em: “A casa posiciona-se diretamente ante a praça”, precede cronologicamente

o uso temporal da forma em “Cheguei antes das nove”. Por sua vez, o uso temporal é

historicamente anterior ao uso argumentativo percebido em: “Antes eu tivesse votado no

Lula”.

Da maneira como foi descrito acima acerca do uso da palavra ante, acreditamos

não se tratar de uma radialidade, mas, sim, de um processo unidirecional, através do

qual teríamos a seguinte escala de projeção metafórica do item “ante”:

espaço > tempo > discurso

Cabe ressaltar, que não estamos tratando de um processo radial para o onde,

mas, sim, de um processo unidirecional que vai do concreto para o abstrato. Entretanto,

a idéia da expansão polissêmica de itens lexicais, via metáfora, muito nos interessa para

procedermos nossas análises. Desta maneira, para explicar por que determinadas

categorias clássicas podem ser compreendidas metaforicamente como contêineres, nos

51

moldes de Salomão (1996), podemos fazer a seguinte ilustração: quando colocamos um

objeto, que, aqui, chamaremos de (A), dentro de um recipiente (container) (B), e o

referido container está dentro de outro recipiente (C), podemos dizer que (A) está dentro

do container (C). Esta formulação não é tão simples quanto aparenta. Trata-se de uma

elaboração importante para a teoria que estamos discutindo, não somente pela sua base

de dedução lógica dos fatos, mas porque explica as propriedades topológicas dos

contêineres. Quando falamos de estruturas metafóricas, baseadas na metáfora do

container, estamos estabelecendo uma relação linguística/inferencial entre aqueles

contêineres e as categorias clássicas, já mencionadas por Lakoff (1993), para quem a

linguagem e as propriedades lógicas das categorias clássicas são extensões da

linguagem e das propriedades lógicas dos contêineres (p. 213).

Segundo Salomão (1996: 9), tais redes metafóricas, ou, em nosso caso, apenas a

base metafórica, se estruturam preservando-se o Princípio da Invariância (condição

sine qua non de preservação entre domínios distintos), através do qual se postula que:

(a) As projeções metafóricas preservam a estrutura imagética do domínio-fonte; (b) A

preservação da estrutura imagética original deve ser absolutamente consistente com a

estrutura inerente do domínio-alvo e (c) A estrutura imagética inerente do domínio-alvo

não pode ser violada.

A motivação figurativa das formas gramaticalizadas opera através de processos

sintáticos de recategorização e reanálise. O projeto de Salomão apresenta uma evidência

favorável às abordagens funcionalistas do processo de gramaticalização: “a gênese das

formas gramaticais procede pela crescente opacificação da sua original motivação

(cognitiva e comunicativa)” (Salomão, 1996: 13). Assim, a autora faz algumas

generalizações teóricas, a saber:

(1) As formas gramaticalizadas relacionam-se radialmente com as construções

básicas de que procedem;

(2) A irradiação produzida é figurativa por natureza e, por essa razão,

cognitivamente motivada;

(3) A extensão figurativa de que se trata projeta a estrutura imagética do

domínio-fonte no domínio-alvo, sendo preservada a integridade conceptual desse último

- Princípio da Invariância. (1996: 14).

52

Segundo Lakoff (1993: 215), os mapeamentos metafóricos preservam a

topologia cognitiva (isto é, a estrutura do esquema imagético) do domínio fonte, de

modo consistente com a estrutura inerente do domínio alvo. Ainda, segundo o autor, o

Princípio da Invariância sustenta a hipótese de que grande parte das inferências

abstratas são versões metafóricas de inferências espaciais, inerentes às estruturas

topológicas de esquemas imagéticos. (p. 216)

1.3 Gêneros e tipologias textuais na gramaticalização do onde

Nesta seção, apresentamos o trabalho de Bakhtin [1953] (1992), precursor dos

estudos sobre os Gêneros do Discurso, que, mais tarde, através da Escola de Genebra,

ganhariam o rótulo de Gêneros Textuais. Também recuperamos os estudos posteriores

de Marcuschi (2002) e Koch (2003), os quais, a partir dos pressupostos de Bakhtin,

retomam o referido tema, dele se servindo como ferramenta para o ensino da Língua

Materna, em sala-de-aula. Esses autores ressaltam a importância de outra categoria

como ferramenta para análise da natureza mais linguística dos gêneros: o tipo (ou

tipologia) textual, retomado por Bonini (2007), com outra rotulação (sequência textual),

anteriormente apresentada por Adam (1980) apud Bonini (2007), em seus trabalhos de

Linguística Textual dedicados ao Francês da Suíça.

Em nosso trabalho, as duas categorias (gênero textual e tipologia textual)

representam dois importantes instrumentos para o tratamento dos diversos empregos do

onde nos contextos discursivos e linguísticos nos quais se manifestam, possibilitando a

avaliação da pertinência de nossa hipótese geral (a existência de uma relação entre os

contextos – linguísticos, discursivo-pragmáticos – de emprego daquela partícula e as

suas diferentes manifestações – pronome relativo com antecedente locativo, pronome

relativo com antecedente não-locativo, conjunção).

Bakhtin (1992), precursor dos estudos sobre os gêneros textuais, formula, em

1953, uma proposta para análise linguística e discursiva de textos que, hoje, juntamente

com outras propostas, representa uma das abordagens do que se costuma rotular (um

tanto indefinidamente) como “teorias dos gêneros”.

53

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas, porque são

inesgotáveis as possibilidades da multiforme capacidade e atividade humanas.

Nas palavras de Bakhtin (1992: 179):

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de se surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana (...). O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. (grifo nosso)

A maleabilidade que permeia a grande maioria dos gêneros discursivos (em

oposição à estaticidade de alguns poucos gêneros, como os da esfera jurídica) foi

ressaltada por Bakhtin. Os gêneros estão sujeitos a mudanças decorrentes não só das

transformações sociais a que somos expostos, oriundas de novos procedimentos de

organização e acabamento da arquitetura verbal (Koch, 2003: 54), mas, também, de

modificações do lugar atribuído ao ouvinte.

Segundo Koch (2003), em termos backhtinianos, os gêneros podem ser

caracterizados como tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada

esfera de troca comunicativa. Marcuschi (2002) prefere utilizar o termo domínio

discursivo, entendido como as práticas de rotinas comunicativas institucionalizadas,

como o discurso jurídico, o discurso jornalístico, o discurso religioso etc.

Cada gênero possui uma função específica, um plano composicional, um dado

conteúdo temático e um estilo peculiar. Tais componentes são definidos, tendo em vista

as esferas de troca comunicativa, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa

ou intenção do locutor.

Marcuschi (2002) define os gêneros textuais como práticas sócio-históricas,

caracterizando-os como fenômenos profundamente vinculados à vida cultural e social.

Ele observa que os gêneros são eventos altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos, que

surgem pelas necessidades impostas pelas atividades socioculturais.

54

O autor menciona que culturas essencialmente orais desenvolveram um conjunto

limitado de gêneros. Isso explica por que, no século VII a.C., com a invenção da escrita

alfabética, multiplicam-se os gêneros, surgindo aqueles típicos da escrita. Igualmente, a

partir do século XV, com o florescimento da cultura impressa, produz-se uma

considerável expansão, com a criação de novos gêneros de texto.

Marcuschi ressalta que os “novos gêneros” possuem velhas bases. As inovações

tecnológicas, intrínsecas ao nosso tempo, propiciaram, e ainda propiciam, o surgimento

de novos gêneros – a intensidade do uso das tecnologias ligadas às atividades comuns.

Assim, com a tecnologia, surgem gêneros inovadores, mas não absolutamente novos. O

que se verifica é que há a assimilação de um gênero por outro, gerando novos gêneros

textuais – formas híbridas, como o email, por exemplo, que aproveita traços funcionais

e tipológicos de gêneros preexistentes.

O adjetivo “tipológicos”, mencionado acima, chama a atenção para outra

categoria de grande relevância para o estudo dos gêneros textuais: trata-se do tipo

textual, que Marcuschi (2002) considera como uma espécie de constituição linguística

inerente aos gêneros nos quais figuram.

O tipo é uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de

sua composição (itens lexicais, construções sintáticas, tempos verbais, relações lógicas).

Podemos, então, considerar como tipos textuais um conjunto limitado de formas, tais

como narração, argumentação, exposição, descrição e injunção (segundo a proposta

classificatória de Marcuschi).

A descrição dos tipos textuais (sequências tipológicas) é de suma importância

como instrumento de investigação, para o tratamento dos diversos empregos do onde

nos contextos discursivos e linguísticos nos quais se manifestam, possibilitando a

avaliação da pertinência de nossa hipótese geral, mencionada anteriormente: a análise

preliminar dos dados, nas etapas iniciais da pesquisa, chamou a atenção para a possível

existência de uma relação entre as ocorrências do onde e as diferentes tipologias que lhe

fornecem um contexto linguístico para as manifestações polissêmicas.

A despeito de haver certa correspondência entre gênero textual e tipo textual,

nos usos menos técnicos e de senso comum, quando nomeamos certo texto como

“narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo” não estamos nomeando o gênero e sim o

55

predomínio de um tipo de sequência de base. Entre as características básicas dos tipos

textuais está o fato de eles serem definidos por seus traços linguísticos predominantes.

Segundo Marcuschi (2002), um tipo textual é dado por um conjunto de traços

que formam uma sequência e não um texto. O autor observa que a coesão textual se faz

através da habilidade em fazer essa “costura” ou tessitura das sequências tipológicas

como uma armação de base.

Werlich (1973) apud Marcuschi (2002) propõe alguns critérios para a

identificação das diferentes tipologias textuais, partindo da estrutura linguística típica

de enunciados que formam a base do texto. Assim são desenvolvidas cinco bases

temáticas textuais típicas que darão origem aos tipos textuais, a saber: (1) base temática

descritiva; (2) base temática narrativa; (3) base temática expositiva; (4) base temática

argumentativa e (5) base temática injuntiva.

No que concerne à base temática descritiva, verificamos, conforme Werlich,

que esse tipo de enunciado textual tem uma estrutura simples, com um verbo estático no

presente ou no imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de lugar.

Na base temática narrativa , há um verbo de mudança no passado, um

circunstancial de tempo e lugar. Por ter uma referência temporal e local, este tipo de

enunciado é designado como indicativo de ação.

No que se refere à base temática expositiva, aparece um sujeito, um predicado

(no presente) e um complemento com um grupo nominal. Pode, também, apresentar

uma estrutura com um sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou verbos como

conter, consistir, compreender) e um complemento que estabelece com o sujeito uma

relação parte-todo.

A base temática argumentativa trata-se de uma tipologia cuja marca é a

oposição de ideias, atribuições de conceitos e visões de mundo, apresentadas,

geralmente, através de formas verbais no presente, acompanhadas de complementos.

Já a base temática injuntiva vem representada por verbos no imperativo,

característica dos enunciados incitadores de ação.

56

Para Bonini (2007: 210), o conhecimento relativo aos tipos textuais encerra um

modo de produção. A base temática do texto (a qual já pode ser observada na estrutura

da frase) corresponde a uma unidade temático-formal, a partir da qual o texto tem

início e se expande na direção de um daqueles cinco tipos mencionados.

Para Bonini (2007: 220-225) as sequências de tipológicas (sequências de base)

além de conterem as características formais expostas acima, apresentam algumas

particularidades. A sequência descritiva tem como foco fazer com que o destinatário

compreenda maiores detalhes sobre um determinado objeto de discurso, através do

“olhar”, da análise, do produtor do texto. Segundo o autor, essa sequência é a menos

autônoma em relação às outras. Dificilmente, é predominante em um texto, porque

aparece, normalmente, aliada à narrativa com a função de introduzir o espaço

(ambiente) e os personagens no que será narrado. A sequência narrativa é

predominantemente a sucessão temporal, localizando os eventos num tempo e espaço

definidos. A sequência explicativa (também chamada de expositiva) tem como objetivo

fazer com que o destinatário compreenda um determinado tema visto pelo enunciador

como algo indiscutível e de difícil compreensão para o receptor. A sequência

argumentativa tem como objetivo expor argumentos com a finalidade de convencer o

interlocutor, elaborando-se o discurso de forma a modificar a opinião do mesmo acerca

de um determinado assunto. Essa sequência sustenta-se através de operadores

argumentativos que promovem o direcionamento a determinada conclusão. Por fim, a

sequência injuntiva (também chamada sequência de instrução) tem por objetivo levar o

interlocutor a praticar determinada ação. A caracterização formal desta sequência, por

Bonini, segue a proposta de Werlich (1973) – verbos no imperativo –, mas, as ordens

e/ou pedidos podem manifestar-se de forma modalizada, a depender do discurso em que

aparecem e do registro (formal/informal).

13.1 A função do Gênero Textual

O conceito de Gênero textual remete aos aspectos funcionais e interativos que

constituem a base de qualquer descrição linguística funcionalista. Tal conceito evoca a

57

materialidade dos textos encontrados no cotidiano, ou em situações de comunicação

planejada, que apresentam características sociocomunicativas específicas. Alguns

exemplos de gêneros textuais são os seguintes: o telefonema, o sermão, a carta pessoal,

a carta comercial, o bilhete, a carta eletrônica, a notícia jornalística, etc. Esse tipo de

abordagem tem como pressuposto a natureza sociointerativa da linguagem verbal.

Desta maneira, podemos tecer algumas generalizações acerca dos gêneros:

(1) são eventos linguísticos, mas não se definem por características linguísticas;

(2) não constituem uma lista fechada;

(3) são fenômenos sócio-históricos e culturalmente sensíveis;

(4) são realizações linguísticas com objetivos específicos em situações sociais

particulares;

(5) não são entidades naturais, e, sim, artefatos culturais construídos

historicamente pelo ser humano;

(6) não podem ser definidos apenas mediante certas propriedades formais, tidas

como necessárias e suficientes – uma publicidade, por exemplo, pode ter o

formato de um poema ou de uma lista de produtos em oferta, desde que divulgue

os produtos e estimule a compra por parte dos clientes ou usuários daquele

produto;

(7) apresentam plasticidade e dinamicidade genérica, características

evidenciadas pela intertextualidade intergêneros – hibridação ou mescla de

gêneros em que a função de um dado gênero coexiste com a forma tipológica de

outro gênero;

(8) heterogeneidade tipológica – realização de várias sequências de tipos textuais

em um único gênero;

(9) representam ações sociais – deve-se observar sua intenção e sua função.

No que tange ao conjunto de participantes envolvidos, para o escritor e o leitor, a

opção pelo uso das formas com onde pode dar-se por razões de inteligibilidade textual.

Seria muito mais simples, menos complexo, cognitivamente, utilizar um onde, em lugar

58

de estruturas mais complexas devido ao desconhecimento da operacionalização dos

relativos e conjuntores (e suas flexões), conforme já apontara Bernardo (1995).

Acreditamos que a influência das tipologias, no gênero avaliado (provas de

vestibular), pode ser um elemento que favoreça (e, possivelmente, ajude a explicar) os

diferentes usos de onde. Sequências argumentativas e enquadres comunicativos

específicos da modalidade escrita (as questões das provas), requerem do candidato a

produção de períodos mais extensos, o que parece favorecer os usos conjuncionais do

onde.

Já sequências mais narrativas devem favorecer o aparecimento de usos

pronominais (locativos e não locativos – temporais), pois, em alguns casos, como as

provas de história (cf. anexo), os fatos históricos estão localizados no tempo e no

espaço, e a remissão a esses elementos (elementos não locativos – temporais) se faz

através do uso do pronome onde, embora não locativo. O tipo de pergunta e o pré-texto,

como no caso da prova de português do PISM I (cf. anexo), em que os pré-textos e as

questões das provas estão voltados para estruturas totalmente locativas, devem

contribuir para o favorecimento de estruturas pronominais locativas (onde locativo).

Nossa análise busca investigar, dentro do gênero proposto (prova aberta), as

sequências tipológicas que favorecem a manifestação daqueles usos, e, assim, o seu

processo de gramaticalização (em curso). Esse macrocontexto, que são as tipologias

envolvidas na prova e nas respostas dos candidatos, essa negociação da díade

escritor/leitor, serão tratadas de maneira mais pormenorizada no capítulo dedicado à

análise dos dados.

1.4 Conjunções: relações lógico-semânticas intersentenciais

Os critérios para distinção entre orações coordenadas e subordinadas adverbiais

advindos da tradição gramatical se revelam cada vez menos explicativos e explícitos

como ferramentas para descrição efetiva das articulações intersentenciais. Essa

59

indesejável ausência de clareza resulta, certamente, da proximidade de comportamentos

estruturais e semânticos presentes em alguns processos de articulação entre orações, o

que tem levado linguistas (das mais variadas áreas) a procurar novas alternativas para o

tratamento das orações adverbiais (as que recebem descrições menos satisfatórias). As

propostas de nova abordagem da questão geralmente procuram solucionar a dificuldade

de estabelecimento de fronteiras semânticas claras para as coordenadas e subordinadas

adverbiais, dentre as quais identificam-se convergências que as descrições tradicionais

costumam ignorar.

A questão interessa de modo especial a nossa investigação sobre a natureza do

onde, uma vez que diversos enunciados que contêm a partícula revelam equivalências

com aqueles processos de articulação intersentencial – coordenação, subordinação

adverbial –, o que remete a um método de investigação do onde apoiado na

identificação de correspondências funcionais. Há que se considerar, ainda, a

emergência de enunciados nos quais, como resultado de processos de gramaticalização,

o onde apresenta a configuração gramatical das conjunções, o que nos leva a investigar

a natureza conjuntiva de algumas ocorrências da partícula (que confrontam com a

natureza de relativo, advérbio e advérbio relativo que muitos autores apontam em

relação ao onde).

Entre os trabalhos dedicados ao aperfeiçoamento descritivo das articulações

intersentenciais destacam-se Mari (1986), Neves (2000) e Azeredo (2008), cujas

principais ideias resenhamos a seguir.

1.4.1 A contribuição de Mari (1986)

Mari (1986) avalia a oposição semântica entre um subconjunto de orações

coordenadas e adverbiais que compartilham os mesmos “compromissos de sentido” no

interior de um período. Segundo o autor, os conteúdos semânticos contidos nas orações,

além de passarem por um processamento linguístico no interior da proposição, podem

ser submetidos a correlações mais genéricas que obedecem a princípios de organização

60

lógica. Assim, dois conteúdos podem agrupar-se numa relação de implicação, por

necessidade (natural) ou conveniência (social/pessoal). Dado um termo, podemos

chegar a algum outro que mantém com o primeiro uma relação de dependência

semântica. Segundo Mari, o ponto inicial para uma análise das relações semânticas entre

orações é a natureza da flutuação entre os diversos conteúdos implicativos e não a

estabilidade de sentido (muitas vezes inadequada) assegurada pelas conjunções.

Em alguns casos, os conectivos têm um importante papel na avaliação global das

relações entre orações; entretanto, há outros em que, segundo Mari, o seu papel assume

apenas um caráter modalizador na relação. Isto pode ser verificado nas sequências que

se seguem:

(14)

Se a madeira é menos densa, ela flutua na água.

(15)

Quando a madeira é menos densa, ela flutua na água. Em (14) temos uma relação de dependência, representada pela formulação

conhecida como relação condicional, cujo efeito argumentativo, num discurso mais

próximo do referencial, é o de avaliar aquela correlação específica: “se X, então Y”.

Essa formulação condicional pode ser expressa, no uso comum da língua, de outras

formas, como em (15), em que a característica da hipótese ainda permanece na relação,

embora modalizada temporalmente, perdendo parte da generalização que mantinha na

forma condicional “se X então Y”, o que atesta as fronteiras tênues existentes entre

essas relações lógico-semânticas. A sentença, agora, pode significar algo em particular,

como, por exemplo, um tipo/pedaço de madeira específico e, também, em relação a uma

quantidade de água, muito diferente do caráter geral que sustentava anteriormente.

Desta maneira, a conjunção quando, neste exemplo, pode avaliar a relação de

implicação, tomando-a de modo restrito e particular (Mari: 1986, 2).

As implicações são formuladas a partir do conteúdo, das proposições e os

conectivos têm num certo estágio da formulação linguística, um papel importante (mas

não total) na avaliação global dessa relação, mas há momentos em que seu papel assume

apenas um caráter modalizador da relação, como apresentado acima. Segundo o autor,

não é só a presença da conjunção que imprime um caráter nocional à relação, o

61

conteúdo das proposições é fundamental na sua determinação. A função avaliativa

(implicativa) é a que melhor conjuga com uma abordagem sobre a relação entre orações,

e não os conectivos.

Para Mari (1986: 2), antes de reconhecer uma função modalizadora particular

dos conteúdos, é importante apontar uma função mais geral de “jogar” com conteúdos

de uma relação implicativa em três aspectos: a possibilidade de se duvidar dessa

relação, negá-la ou confirmá-la.

Uma relação implicativa pode ser questionada se sobre ela se apresentarem

dúvidas e o registro linguístico de uma única hipótese possível (provável), como nos

exemplos a seguir, retirados da obra do autor:

(16)

Se a madeira é menos densa, ela flutua na água.

(17)

Se a madeira flutuar na água, ela é menos densa.

(18)

Se você corresse, chegaria a tempo.

(19)

Se for feriado, eu não trabalho.

Nos exemplos acima, há implicações formuladas (e questionadas) por razões

convencionais (exemplos 16 e 17), naturais (exemplo 18) e culturais (exemplo 19), para

um dado mundo possível. Por isso, pode-se ter o seu estatuto de passagem de um termo

antecedente “X” para o consequente “Y” expresso de forma hipotética, o que configura

uma espécie de questionamento da implicação entre as orações do período. Essa

passagem de se “X”, então “Y”, é formulada em termos de dependência da realização de

“X”, conhecida como formulação condicional, a qual possui um efeito avaliativo

daquelas correlações específicas.

Da mesma forma, as mesmas relações implicativas, mencionadas nos exemplos

anteriores podem comportar outro aspecto de formulação linguística, ou seja, a

possibilidade de serem negadas. Assim, dois conteúdos proposicionais que se implicam

62

(por diversas razões) podem ser expressos de maneira a negar tal implicação. Vejamos

alguns exemplos:

(20)

Embora a madeira seja menos densa, não flutua na água.

(21)

A madeira é menos densa, mas não flutua na água.

(22)

Embora fosse hoje feriado, eu ∅∅∅∅ trabalhei.

(23)

Hoje foi feriado, mas eu ∅∅∅∅ trabalhei.

De (20) a (23) temos estruturas que negam as implicações naturais entre a

madeira ser menos densa e flutuar na água – em (20) e (21) – e ser feriado e não

trabalhar – em (22) e (23).

Mari (1986) observa, ainda, a possibilidade de usarmos arranjos linguísticos

específicos para assegurar (confirmar ) a relação implicativa admitida entre dois

conteúdos proposicionais. A implicação é um compromisso em potencial que pode ser

confirmado, mediante o uso de expressões linguísticas que asseguram explicitamente a

relação consecutiva entre “X” e “Y”. Seguem alguns exemplos do autor, acompanhados

dos rótulos que a tradição gramatical costuma atribuir aos processos de articulação entre

orações que, na concepção de Hugo Mari, correspondem ao macroprocesso de

confirmação da implicação existente entre as orações do período.

(24)

Ele estudou. Ele aprendeu muito. (coordenação assindética)

(25)

Ele estudou e aprendeu muito. (coordenação sindética aditiva)

(26)

Ele estudou, logo aprendeu muito. (coordenação sindética conclusiva)

63

(27)

Estuda, que você aprenderá. (coordenação sindética explicativa)

(28)

Ele aprendeu muito, porque estudou. (subordinação adverbial causal)

(29)

Ele estudou para aprender. (subordinação adverbial final)

(30)

Ele estudou tanto, que aprendeu. (subordinação adverbial consecutiva)

(31)

Ele estudou de sorte que aprendeu. (subordinação adverbial consecutiva)

(32)

Enquanto ele estudou, aprendeu. (subordinação adverbial temporal)

(33)

À proporção que estuda, aprende. (subordinação adverbial proporcional)

Nos exemplos de (24) a (33), a confirmação da relação implicativa apresenta

diversos arranjos linguísticos, que sustentam uma forma básica de organização de dois

conteúdos, um antecedente “X” (estudar) e um consequente “Y” (aprender). Todos

aqueles arranjos linguísticos podem implicar particularidades não apenas na seleção dos

conectivos, mas, também, de ajustamento de tempo/modo verbal, conforme destacado

por Neves (2000), e a inserção de um quantificador em um dos termos, etc. Mesmo com

toda essa diversidade modalizadora que os conectivos e os demais aspectos do arranjo

formal podem introduzir, a relação semântica básica – a de confirmar a relação

implicativa de causa-efeito – mantém-se no conjunto dos exemplos acima, garantindo

uma afinidade semântica na relação entre dois conteúdos contidos em expressões

linguísticas distintas.

64

1.4.2 A contribuição de Neves (2000)

Nesta subseção apresentaremos as contribuições acerca do período composto e

as relações lógico-semânticas intersentenciais de tempo, condição e causa

(manifestações do onde conjuncional encontradas em nosso corpus – cf. análise dos

dados), na perspectiva de Neves (2000).

1.4.2.1 Conjunções e construções temporais

Segundo Neves (2000) as correlações temporais, mais precisamente com a

conjunção quando, estão no indicativo, podendo ser antepostas ou pospostas à oração

principal, como nas seguintes orações, extraídas da obra da autora:

(34)

A música de Bach cede quando a mãe começa a cantar.

(35)

Quando os moradores chegarem levarão um susto.

Entretanto, outras acepções podem ser observadas no uso linguístico.

Quando a correlação se dá no presente com o presente, caracteriza uma

dimensão global imperfectiva de estados de coisas simultâneos (total ou parcial),

licenciando, segundo Neves, a indicação de habitualidade. Esse complexo oracional,

com tais características favorece uma interpretação da oração como condicional,

conforme exemplos da autora:

(36)

Eles recuperam a saúde quando voltam à terra.

(37)

65

Sempre demoro e sempre estou cansado quando chego aqui.

Em (36) e (37) podemos perceber a leitura condicional a que a autora se refere

ao permutarmos (36) por: Eles recuperam a saúde se voltam à terra e (37) por: Sempre

demoro e sempre estou casando se chego aqui.

Se a correlação é feita de pretérito perfeito com pretérito perfeito, dá-se a

telicidade (aspecto perfectivo) do conjunto de dada construção, podendo os dois eventos

ser percebidos, no geral, como pontuais (em que não há duração) e simultâneos (total ou

parcial) no passado, favorecendo, desta maneira uma interpretação causal. Como na

seguinte ocorrência:

(38)

Kage começou a trabalhar na lavoura em trinta e seis, quando veio do Japão com a

família

Neves (2000: 795), ao dissertar acerca das relações expressas nas orações

temporais, observa que sobre expressões que fazem remissão a tempo sempre figuram

dentro de relações muito complexas. Principalmente quando a relação temporal envolve

dois estados de coisas (duas predicações), como comumente se faz quando das

construções com uma oração principal e uma oração temporal.

Ainda, as orações com conjunções temporais expressam o tempo em que

ocorre o estado de coisas mencionado, ou seja, expressam o tempo da predicação da

oração principal. Essa relação temporal entre estados de coisas pode envolver dois

aspectos, a simultaneidade e a não-simultaneidade, como em (39) e (40), extraídos da

obra da autora:

(39)

Enquanto fala, vai fazendo as graças ingênuas de palhaço.

(40)

Nando ainda lutava com o fim da carta quando entrou Fontoura e mais os curumins

serviçais do Posto, Cajabi e Pionim.

No que concerne à simultaneidade, a autora frisa que a mesma pode não

caracterizar concomitância absoluta. A simultaneidade pode ser parcial, porque pode

66

envolver extensões de tempo não coincidentes (precedentes ou subsequentes) associadas

a zonas de intersecção (simultaneidade). Isso se dá devido à dependência do conectivo e

do tempo verbal empregados. Vejamos o exemplo:

(41)

A renúncia pegou-o quando estava servindo em Campo Grande: apoiou a posse de

Jango.

Da mesma maneira, Neves (2000: 797) afirma que há existência de outras

relações de tipo lógico-semântico, associadas à relação temporal que se estabelece entre

orações. Esse tipo de associação é licenciado por um conectivo de valor neutro, no caso

o quando, e pela natureza do complexo temporal que se estabelece em dependência do

tempo e do modo verbal empregado em cada uma das orações. As relações

mencionadas são do tipo causal, condicional e concessiva, relações essas presentes em

nossos corpora.

Na relação temporal com sentido causal há combinações de predicações com

relação temporal efetuadas por quando que propiciam uma leitura causal, com

diferentes nuanças. São construções que contêm o traço télico (aspecto perfectivo), as

quais possuem as seguintes características: (1) na oração principal e na temporal ocorre

pretérito perfeito; (2) cronologicamente, o estado de coisas da oração temporal

antecede o da principal, podendo ser entendido como causa dele (numa relação causa-

efeito). Vejamos alguns exemplos:

(42)

Ontem, acho que foi ontem, eu tive um susto quando vi em você um lábio... (apontando

para a sua própria boca) como esse meu.

(43)

Mudou de conversa quando alguém perguntou pelas dicas

Nos exemplos acima, numa leitura causal, conforme aponta a autora, se

substituirmos a conjunção quando pela conjunção porque/pois teremos a seguinte

estrutura: em (42) “Ontem, acho que foi ontem, eu tive um susto pois vi em você um

67

lábio... (apontando para a sua própria boca) como esse meu.” e em (43) “Mudou de

conversa porque alguém perguntou pelas dicas”.

Com relação às orações temporais com sentido condicional, Neves (2000: 797)

aponta que algumas combinações de predicações com relação temporal efetuadas pela

conjunção quando propiciam uma leitura condicional, também, com diferentes

nuanças. Essas construções envolvem simultaneidade e abrigam o traço não-télico

(imperfectivo). Elas podem ter o que a autora chamou de sentido condicional eventual

e sentido condicional factual.

As construções de sentido condicional eventual possuem as seguintes

características: (1) na oração principal e na temporal ocorre o presente ou pretérito

imperfeito; (2) o estado de coisas da oração temporal e o da principal são simultâneos;

(3) o não-perfectivo pode implicar iteração (quando = “todas as vezes que”); (4) essa

habitualidade se dá dentro das condições estabelecidas na oração adverbial (condição

preenchível). Passemos aos exemplos:

(44)

Vamos mudar de assunto que o Fontoura se irrita quando a gente fala dele.

(45)

Tenho um antigo cliente superneurótico que implora que eu venha ao Xingu, quando

nota que a minha paciência está encurtando.

(46)

Essa é a história de um soldado que se sentia em casa somente quando vadiava pelas

cidades.

Quando a temporalidade pode associar-se a uma condição preenchível, mesmo

que havendo uma indicação de habitualidade, o sentido temporal torna-se genérico,

conforme o exemplo a seguir:

(47)

Torna-se, pois, evidente que tais noções só ganham seu verdadeiro sentido quando

apreendidas como uma resultante do próprio funcionamento da vida coletiva.

68

As relações intersentenciais de sentido condicional factual são assim

classificadas por envolverem factualidade e possuírem as seguintes características: (1)

na oração principal e na temporal ocorre o presente ou o pretérito imperfeito; (2) a

relação temporal entre os dois estados de coisas (simultaneidade) é tênue; (3) tem

relevância a factualidade contida na oração adverbial (condição preenchida); (4) o fato

expresso na oração principal pode ser entendido como justificativa para o que se afirma

na oração principal (= já que, uma vez que), conforme demonstram os exemplos abaixo:

(48)

Não lhe ficava bem observar os outros quando ele próprio bebia limonada.

(49)

Isto pode parecer estranho, quando se sabe que a SBPC, pela primeira vez em muitos

anos, pode reunir-se livremente.

(50)

Como é possível dizer tal coisa quando se sabe universalmente que as drogas são

depressivas, viciantes e causam distúrbios físicos e mentais?

Conforme podemos observar, as relações lógico-semânticas associadas à relação

temporal são bastante complexas. Porém, esse tipo de associação que se dá entre a

temporalidade, a causa e a condição é licenciado, geralmente, por um conectivo de valor

neutro, como a conjunção quando, bem como pela natureza do complexo temporal que

se estabelece em dependência do contexto em que estão envolvidas. Conforme dito

anteriormente, essas relações foram encontradas em nosso corpus, no que concerne ao

emprego do onde funcionando, tanto como uma relação temporal, como uma relação de

causa, em orações complexas, nas quais eram possíveis as duas leituras.

1.4.2.2 Conjunções e construções causais

Segundo Neves (2000: 801), em português as construções causais podem ser

representadas por orações iniciadas pela conjunção “porque”. Entretanto, outras

69

conjunções expressam a mesma relação básica de causa entre duas orações: como, pois,

porquanto, que (= porque).

De acordo com a autora (p. 804), em sentido estrito, a relação causal diz respeito

à conexão causa consequência, ou causa efeito, entre dois eventos. Essa relações

podem se dar entre predicações (estados de coisas), que podem indicar “causa real”, ou

causa eficiente, ou “causa efetiva”. A relação causal, stricto sensu, implica

subsequência temporal do efeito em relação à causa, conforme demonstram os

exemplos retirados da obra da autora:

(51)

Tratava-me como criança. Uma vez me passou um pito porque joguei fora o remédio.

Outra vez se zangou porque me encontrou fora da cama.

(52)

Nossa conversa não foi adiante porque, infelizmente, a confissão terminada, o reitor

saiu do quarto e o ambiente logo mudou.

Nos exemplos acima, temos o efeito temporalmente posterior à causa: em (51) o

efeito “me passou um pito” é posterior à causa “porque joguei fora o remédio”.

Também em (52), verificamos a mesma relação estabelecida pela autora: o efeito

”Nossa conversa não foi adiante” é posterior à causa “porque, infelizmente, a confissão

terminada, o reitor saiu do quarto e o ambiente logo mudou”.

Segundo Neves, a relação causal entre conteúdos, o que ela denomina de causa

efetiva, não necessariamente envolve tempo. A relação pode ser dar entre estados de

coisas não dinâmicos, conforme o exemplo a seguir:

(53)

Mas o caso americano é sui-generis porque não há partidos políticos no país.

A autora frisa que as expressões linguísticas de ligação causal, marcadas pelo

conector porque ou seus equivalentes semânticos, não se restringem a esse tipo de

causalidade efetiva entre conteúdos. A relação causal, na verdade, raramente se refere a

simples acontecimentos ou situações de um mundo.

70

Segundo a linguista, faz-se necessário considerar que as relações causais

também podem estar marcadas por um acontecimento, julgamento ou crença do falante,

isto é, existentes no domínio epistêmico. Essas relações não se dão simplesmente por

predicações (estados de coisas), mas entre proposições (fatos possíveis), passando,

desta maneira, pela avaliação do falante. A esse tipo de relação que é marcada pelo

julgamento, crença ou avaliação do falante, a autora chamou de causa formal.

Vejamos o exemplo oferecido pela autora:

(54)

Não deve ter havido nada porque seria a primeira pessoa a tomar conhecimento disso.

Para Neves (2000) as relações de causa não estão, necessariamente, presas aos

conetivos, às relações entre proposições, entre conteúdos, que devem ser avaliados de

acordo com o contexto em que aparecem. Para o nosso trabalho em relação ao

funcionamento do onde como uma conjunção causal, optamos pelas observações da

autora acerca da causa efetiva, em que há a necessidade da relação básica de causa e

efeito, bem como da causa formal, dentro da qual se encontram a avaliação, o

julgamento ou a crença do falante (no nosso caso, do escritor).

1.4.2.3 Conjunções e construções condicionais

A análise das construções condicionais complexas, em português, pode ser

representada na análise das orações iniciadas pela conjunção se. Conforme demonstram

os exemplos de Neves (2000: 830):

(55)

Se eu faço isso, estou faltando a minha promessa.

(56)

Naturalmente esta lista poderia ser aumentada consideravelmente se quiséssemos.

71

A autora ressalta (p. 830) que a noção de condicionalidade pode mesclar-se a

outra noção expressa por um determinado conectivo. É o que ocorre, como já

mencionado, com construções temporais que, em determinados tempos verbais,

possuem matiz condicional, conforme exemplo (57), retomado a seguir:

(57)

Vamos mudar de assunto que o Fontoura se irrita quando a gente fala dele.

Nesse exemplo, ao permutarmos a conjunção temporal quando pela conjunção

condicional se não haverá nenhum comprometimento quanto à inteligibilidade da

oração: Vamos mudar de assunto que o Fontoura se irrita se a gente fala dele. Isto

comprova que temos, na verdade, uma macroestrutura de relações de sentidos possíveis

quando se trata de relações lógico-semânticas entre orações.

1.4.3 A contribuição de Azeredo (2008)

Azeredo (2008: 293), ao tratar das relações de sentido entre segmentos do texto,

define conjunção como sendo um elo através do qual duas orações se articulam no

texto. Desta maneira, podemos afirmar que há sempre uma intenção de sentido na

origem de qualquer articulação de duas unidades de informação no discurso. Seguindo

as afirmações do autor, algumas vezes essa intenção transparece como um valor lógico

inerente aos conteúdos combinados, através de conjunções que explicitem essa intenção,

como adição, tempo, causa, contraste e consequência.

A esses processos de conexão oracional damos o nome de coordenação e

subordinação. Coordenação (ou parataxe) e subordinação (hipotaxe) são, portanto, dois

processos de construção, através dos quais podemos unir partes do texto, como palavras,

sintagmas ou orações, formal e funcionalmente equivalentes, através do processo de

coordenação, ou unir partes do texto formal e funcionalmente distintas (subordinação).

Temos, então, implícita a noção de hierarquia, pois, ao combinarmos, numa

72

determinada construção, as unidades gramaticais (palavras, sintagmas e orações),

fazemo-lo através de dois processos básicos distintos: ou colocamo-las situadas no

mesmo nível de modo que a presença de uma independa da presença da outra

(coordenação ou parataxe), ou situamo-las em níveis distintos, imediatos ou não, de

modo que uma delas é a base e a outra servirá de complemento ou de termo adjacente

(hipotaxe ou subordinação) (p.294).

Azeredo (p. 294) observa que a subordinação (ou hipotaxe) significa

“dependência” (hipo-/sub-, “abaixo de”) e implica uma diferença hierárquica entre as

unidades relacionadas. A unidade subordinada sempre vem contida numa unidade

maior, que lhe é superior na hierarquia gramatical interna da oração.

Segundo Azeredo (2008: 295/296), subordinantes são indicadores de funções

novas. O principal efeito da subordinação é que a unidade subordinada adquire uma

função sintática.

A estrutura padrão da oração em português consiste na combinação de um

constituinte nominal (N) na função de sujeito e um constituinte verbal (V) na função de

predicado. Sujeito e predicado são as funções destes dois constituintes imediatamente

subordinados à oração. Determinantes, adjetivos e advérbios são constituintes de

segundo grau na hierarquia oracional, pois o papel deles é sempre o de ‘acompanhante’

de outro constituinte. A presença de qualquer um destes na estrutura oracional implica

necessariamente a ocorrência de outro constituinte – a base da construção – que o rege e

com o qual partilha, conforme o caso, certos traços morfossintáticos mediante o

mecanismo da concordância (de gênero, de número, de pessoa).

Segundo Azeredo (2008: 296), no processo de composição do período

composto, temos a transposição, que é o processo pelo qual se formam sintagmas

derivados de outras unidades, as quais podem ser sintagmas básicos ou orações. Trata-

se de uma mudança categorial realizada por meio de unidades pertencentes a uma lista

finita, chamadas transpositores. É por meio da transposição que obtemos um número

infinito de construções a serviço da expressão dos conteúdos que o ser humano é capaz

de comunicar e de compreender.

A transposição constitui um mecanismo que permite expandir infinitamente os enunciados, mediante a utilização de um

73

número limitado de meios – os transpositores – e de um número limitado de relações semânticas fundamentais. Os transpositores são elencados a seguir: preposições; conjunções adverbiais; conjunções integrantes; pronomes relativos; advérbios interrogativos, pronomes indefinidos e desinências aspectuais. (p.296)

A oração é a unidade máxima da estrutura gramatical; os sintagmas, seus

constituintes, desempenham funções sintáticas (sujeito, complemento, adjunto) em

virtude das posições que ocupam dentro dos limites da oração. A estrutura de uma

oração não a habilita a desempenhar uma função sintática; para ocupar o lugar de

sujeito, complemento ou adjunto, uma oração tem de ser convertida em constituinte de

outra oração. Para tanto, uma oração precisa “se tornar” um sintagma. Este sintagma

criado pela combinação de um transpositor e uma matriz proposicional é o que

tradicionalmente chamamos oração subordinada.

Uma oração é, portanto, segundo o autor (p. 298), um sintagma derivado, capaz

de ocupar a posição de um substantivo, de um adjetivo ou de um advérbio em outra

oração, que chamamos oração superordenada ou principal. Através de um transpositor

podemos conferir uma classe à construção por ele introduzida, a saber: substantiva, se

o transpositor é uma conjunção integrante; adjetiva, se o transpositor é um pronome

relativo; e adverbial, se o transpositor é uma conjunção adverbial.

Duas orações podem estar coordenadas sem que qualquer conectivo as una.

Trata-se de coordenação assindética, pois o conteúdo de cada oração pode ser

simplesmente adicionado ao da oração anterior como no exemplo a seguir, retirado da

obra do autor:

(58)

“Uma chuva de pedras cortou-lhe a palavra; alguém lhe passou uma rasteira; seus

óculos voaram.” (Braga, 1964: 94)

Do mesmo modo, o conteúdo da segunda oração pode contrastar com a da

primeira, conforme exemplo:

(59)

74

“O telegrama chama-lhe mania, eu digo convicção.” (Assis, 1962: 742)

Da mesma forma, o conteúdo da segunda oração pode ser um efeito do

conteúdo da primeira, ainda sem o síndeto, de acordo com o exemplo abaixo:

(60)

“Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.” (Ramos,

1981a: 9)

E, ainda, o conteúdo da segunda oração pode justificar o conteúdo da primeira,

de acordo com o exemplo que se segue:

(61)

“... hoje não há passageiro que não esteja lutando contra o relógio: todos querem estar

em casa à meia-noite.” (Gabeira, 1981b: 142)

Para Azeredo, a relação de sentido pretendida pelo enunciador pode, porém, vir

explícita em um conectivo: de adição (conjunção aditiva); de contraste (conjunção

adversativa); de opção ou alternância (conjunção alternativa); de esclarecimento

(conjunção explicativa) e de conclusão.

Para melhor compreensão de funcionamento desses conectivos, o autor os

distribuiu em três grupos:

Grupo 1 – conjunções aditivas e alternativas;

Grupo 2 – conjunções adversativas;

Grupo 3 – conjunções conclusivas e explicativas.

1.4.3.1 Conjunções (e adjuntos conjuntivos) de conclusão e explicação

Segundo Azeredo (2008: 308), os adjuntos conjuntivos portanto e logo

expressam uma relação diversa de mas, já que introduzem uma oração que exprime a

continuação lógica do raciocínio iniciado com a oração anterior:

75

(62)

“As águas baixaram um pouco; logo (ou portanto), já podemos atravessar”.

Se invertermos agora a ordem das orações, o raciocínio formulado no primeiro

exemplo será expresso pelo conectivo pois ou porque, que são conjunções explicativas:

(63)

“Já podemos atravessar, pois (ou porque) as águas baixaram um pouco”.

Portanto (ou logo) introduz a conclusão que se tira de um fato ou ideia;

pois/porque inicia um argumento para uma tese/opinião ou uma atitude expressa na

oração anterior:

(64)

“Tínhamos obrigação de ganhar o jogo (opinião/tese), pois nossa equipe estava mais

preparada.” (argumento)

(65)

“Levem agasalhos (atitude), porque no alto da serra a temperatura é muito baixa.”

(argumento)

Se começarmos o período pelo argumento, a oração seguinte – que contém a

tese/opinião ou expressa a atitude – virá introduzida pelo advérbio conjuntivo de

conclusão:

(66)

“Nossa equipe estava mais preparada (argumento); logo, devíamos ganhar o jogo.”

(opinião)

(67)

“No alto da serra a temperatura é muito baixa; portanto levem agasalhos.” (atitude)

Por conseguinte, consequentemente, por isso e então são adjuntos conjuntivos

que também expressam conclusão e podem substituir portanto e logo (inclusive nos

exemplos anteriores). Para o gramático (p. 308), a diferença entre eles está no grau de

76

formalismo: por conseguinte e consequentemente só se encontram na modalidade

escrita; por sua vez, então e por isso são coloquiais.

Por isso e então são usuais no discurso narrativo, opcionalmente precedidos da

aditiva e, para a associação de fatos que se sucedem no tempo e se relacionam como

causa e efeito:

(68)

“No alto da serra fazia muito frio, (e) por isso (ou então) vestimos os agasalhos.”

Em observação (p. 309), o autor menciona que a natureza adverbial dessas

formas (tradicionalmente classificadas como conjunções) permite que a elas se junte

uma autêntica conjunção, como no seguinte exemplo:

(69)

“Se os piratas lotam o mercado de falsificações, a indústria não consegue vender muito,

não refaz seu caixa e, portanto, não pode continuar investindo em pesquisa,” (Veja,

26/11/1997)

1.4.3.2 Orações adverbiais

Ao discorrer sobre as orações adverbiais, Azeredo (p. 322), diz que:

Uma matriz proposicional pode ocorrer no texto sob a forma de um sintagma adverbial, tradicionalmente conhecido como “oração adverbial”. A respectiva transposição é efetuada por uma conjunção adverbial, uma espécie de palavra gramatical que, colocada antes de uma oração, forma com ela uma unidade apta a um posicionamento flexível em relação à oração base: “O cachorro avançou no carteiro / o cachorro estava solto. O cachorro avançou no carteiro quando estava solto ~ Quando estava solto, o cachorro avançou no carteiro ~ O cachorro, quando estava solto, avançou no carteiro.”

77

Para Azeredo (2008), as orações adverbiais típicas estão sujeitas a esse

deslocamento em relação à principal. Por serem sintaticamente acessórias, tornam-se

relevantes no discurso pela informação que acrescentam ao texto, ou seja, pela

importância que assumem na organização coerente ou lógica do raciocínio, e segundo

o gramático, é por esta razão que certas relações se expressam por meio tanto de

conjunções subordinativas adverbais quanto de conjunções coordenadas. No que

concerne ao uso das conjunções adverbiais, autor também afirma que:

Algumas conjunções estão exclusivamente a serviço da construção do raciocínio lógico, tanto que são conectivos característicos dos textos dissertativos de opinião; outras indicam basicamente relações circunstanciais próprias do discurso narrativo, mas podem assumir cumulativamente papéis relacionados à construção do discurso de opinião. (p. 323)

Os sentidos expressos pelas orações adverbiais, segundo Azeredo, podem ser

agrupados em quatro tipos gerais: (a) relação de causalidade, (b) relação de

temporalidade, (c) relação de contraste, (d) relação de modo/comparação. As

descrições desses sentidos expressos pelas orações adverbiais, com seus respectivos

exemplos, serão feitas na próxima subseção.

1.4.3.3 As relações de causalidade

Para Azeredo (p. 323), do ponto de vista estritamente lógico, dois fatos se

articulam pela relação de causalidade se a realização de um deles depende ou decorre

da realização do outro. Desse modo, a causalidade é uma macrorrelação que se

especifica por meio de quatro valores: causa, condição, consequência e finalidade.

Para o autor, fica evidenciado que a um deles se atribuirá valor de causa ou condição, e

ao outro o de consequência ou finalidade, visto que causa e efeito não são ideias

opostas, mas complementares. A associação causal entre dois dados de nosso

conhecimento é, obviamente, um ato de percepção e de compreensão, que podemos

codificar de formas variadas na linguagem.

78

Nesta exposição o interesse do autor está na codificação por meio de conectivos.

Vejamos um exemplo comentado, retirado na íntegra de Azeredo (2008: 323):

(70)

“Passando pela rua já tarde da noite, posso perceber que a luz da sala do meu vizinho

está acesa e concluir: ele ainda está acordado. Temos aí uma relação de causalidade

entre dois dados: luz acesa (causa) e a vigília de meu vizinho (efeito). Essa relação de

causalidade é uma construção do raciocínio que reflete uma compreensão da situação: a

luz acesa me leva a fazer uma inferência. Posso, então, dizer, ou simplesmente pensar:

Ele ainda está acordado, pois (já que, porque) a luz da sala está acesa, ele ainda está

acordado. Do ponto de vista do discurso, causa ou efeito não é, portanto, um valor

inerente a um fato na sua relação com o outro, mas uma possibilidade de sentido

segundo a necessidade de compreensão – e de verbalização – do evento que se está

testemunhando. O emprego do conectivo tem a função de explicar esse valor,

balizando a compreensão da respectiva oração.” (grifo nosso)

A causa é indicada correntemente pelas conjunções porque, pois, como e já

que. Porque introduz a oração causal que vem após a principal; como introduz a

oração causal que precede a principal; já que introduz a oração adverbial colocada

antes ou depois da principal.

Segundo o autor, nos registros formais, tanto orais, quanto, principalmente,

escritos, empregam-se os conectivos visto que, visto como, uma vez que, dado que, na

medida em que, porquanto.

1.4.3.3.1 As relações de Condição

Azeredo (2008: 325) aponta que a diferença entre a causa propriamente dita e a

condição baseia-se numa distinção de atitudes do enunciador em relação à ‘realidade’

da informação contida na oração adverbial:

79

(...) a atitude de certeza se expressa com os conectivos causais (porque, como, visto que, dado que) e normalmente com verbos no modo indicativo; a atitude de incerteza, de suspeita, de suposição se expressa com conectivos de condição (se, caso, desde que, contanto que, a menos que) e com verbos em geral no modo subjuntivo; o modo indicativo ocorre em uma subclasse de orações iniciadas por se.

Ao contrário do campo da certeza, que é objetivo, o campo da hipótese é

subjetivo, amplo e difuso. Por isso, há para a expressão da hipótese uma gradação de

matizes de sentido que compreendem, conforme Azeredo (2008: 325-236):

1. Dados já conhecidos ou pressupostos, expressos por meio do modo

indicativo:

(71)

“Se você sabia o caminho, por que não nos ensinou?”; “Se a casa tem três quartos, dá

para abrigar todos nós.”

2. Fatos possíveis / prováveis, expressos no futuro do subjuntivo:

(72)

“Se você souber alguma novidade, telefone-me.”

3. Fatos remotamente prováveis, expressos no pretérito imperfeito do

subjuntivo:

(73)

“Se eles chegassem agora, ainda conseguiriam pegar o ônibus.”

4. Situações irreversíveis, expressas por meio do pretérito mais-que-perfeito do

subjuntivo:

(74)

“Se eles tivessem chegado cinco minutos antes, teriam pegado o ônibus”.

O autor afirma que a conjunção condicional típica é se. Ela geralmente introduz

um fato (real ou hipotético) ou uma premissa, a que se associa uma consequência ou

80

uma inferência. Pode-se, assim, distinguir duas espécies de construção hipotéticas com

se:

1. Aquelas que expressam a típica relação entre uma causa e um efeito

hipotéticos e apresentam correlação obrigatória entre o tempo da

oração subordinada e o da principal (neste grupo, se é substituível por

caso);

2. Aquelas que representam liberdade da combinação dos tempos verbais e

cuja oração principal contém uma inferência do que se declara na

oração subordinada.

O conteúdo da oração condicional, para Azeredo, nem sempre expressa a causa

hipotética do conteúdo da oração principal, conforme podemos notar no enunciado

(75), abaixo:

(75)

“Se você mudar de ideia, aqui está meu telefone”

Nesta oração condicional, conforme aponta Azeredo (2008), projeta-se uma

situação que legitima a mensagem implícita no conteúdo da oração principal: telefone-

me.

Ainda, segundo o gramático (p. 327), a conjunção se pode ocorrer com todos os

tempos dos modos indicativos e subjuntivo, exceto o presente do subjuntivo; as demais

conjunções condicionais só ocorrem com as formas do presente e do pretérito perfeito

do subjuntivo.

Construções hipotéticas iniciadas por se servem ainda para exprimir a relação

entre dois conteúdos que se contrapõem, mas não se anulam, funcionando o segundo

como atenuação ou compensação do primeiro:

(76)

“Se são justas as reivindicações das empregadas, também é verdade que as donas de

casa não são empregadas.” (O Globo, 17/05/1998)

81

Recorrendo ao modo indicativo, o enunciador assume o conteúdo da oração

condicional como um fato.

1.4.3.3.2 As relações de Consequência

Segundo Azeredo (2008), consequência e finalidade são duas espécies de efeito.

A expressão gramatical típica da consequência se concretiza na conjunção que,

ordinariamente antecedida de uma expressão de intensidade:

(77)

“Estava tão casando, que dormiu de sapato e tudo.”

1.4.3.4 As relações de temporalidade

A temporalidade, para Azeredo (2008: 330), tem por finalidade definir a

posição, na linha do tempo, do fato expresso pela oração base. Essa linha (ou continuum

temporal) pode ser segmentada em três etapas ou intervalos (anterior, concomitante ou

posterior) aptos a serem preenchidos pelo fato ou situação expressos na oração

adverbial (p. 330). O autor exemplifica com o seguinte par de matrizes proporcionais

[Manuela, roupas, costurar] (a) e [filha, dormir/adormecer] (b). (a) corresponde à

oração base e (b) ocupa, na forma de oração adverbial, um intervalo na linha do tempo.

Assim podemos ter as seguintes proposições:

• “Manuela costurava roupas enquanto a filha dormia.”

Neste exemplo (a) e (b) são concomitantes.

• “Manuela costurava roupas depois que a filha adormecia.”

Aqui, (a) é posterior a (b).

• “Manuela costurava roupas antes que a filha adormecesse.”

82

Nesta terceira proposição, (a) é anterior a (b).

Como podemos observar em outras gramáticas, e, também, na concepção de

Azeredo (2008: 331), quando é considerada a conjunção temporal padrão. Entretanto,

o autor ressalva que esta conjunção está apta a exprimir uma variedade de valores que,

quando necessário, são especificados por outras conjunções. Quando estiver

exprimindo concomitância de dois fatos ou ideias, quando é passível de substituição

por enquanto e ao passo que, que se empregam com valor muito semelhante ao das

proporcionais. Nesta situação de simultaneidade, conforme já apontara Neves (2000),

frequentemente o que sobressai é o caráter contrastivo dos fatos e ideias, de modo que

a relação temporal se torna secundária ou mesmo se esvazia, como no exemplo a

seguir:

(78)

“Eu digo que muito veículo parece estar conduzindo passageiros apanhados ao acaso,

quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de passageiros.” (Machado,

1957: 211 – 212)

83

2. Revisão Bibliográfica

2.1 O estatuto categorial do onde

A consulta às observações sobre o onde inseridas nas gramáticas do português é

um procedimento, sob vários aspectos, justificável na tarefa de investigação do

funcionamento daquele elemento linguístico. Ainda que marcadas por uma reconhecida

limitação no tratamento dos usos da linguagem verbal, tais obras já permitem entrever

que estamos diante de uma categoria bastante complexa, para a qual é difícil propor

uma descrição unificada e coerente. Tal dificuldade, conforme já destacamos, não é

exclusiva do onde, mas cobre um conjunto significativo de classes gramaticais, o que de

antemão já justifica o esforço na busca de uma descrição satisfatória para aquele

elemento, com a qual espera-se poder lançar luz a toda a área das classificações de

palavras.

Para a investigação sobre o onde, fazemos, inicialmente, uma revisão por meio

de consulta à tradição gramatical e a obras de concepção descritiva, que tratam da

classificação, valores e empregos do onde. Para este fim, selecionamos as gramáticas

normativas de Rocha Lima (1999/2010), Cunha & Cintra (1985/2008), Bechara

(2000/2010) e Cipro Neto & Infante (1997), e as gramáticas descritivas de Perini

(1998) e de Neves (2000).

Essas obras, vistas em conjunto, evidenciam as complexidades que cercam a

descrição do item que figura como objeto de nossa pesquisa: em geral, os autores

consultados atribuem ao onde mais de um rótulo classificatório (advérbio, advérbio

relativo, pronome relativo), ressaltando as dificuldades de um tratamento unificado para

os usos daquele elemento. O trabalho de Bechara (1999/2010), principalmente,

representa um considerável esforço no reconhecimento de tais dificuldades e na

compreensão das complexidades estruturais que cercam o onde.

84

2.1.1 O onde nas gramáticas normativas

Rocha Lima (1999/2010: 175) é o único gramático que insere o onde

unicamente na classe dos advérbios, excluindo-o da classe dos pronomes, enquanto os

demais gramáticos o incluem tanto na classe dos pronomes, quanto na classe dos

advérbios.

O gramático parte da consideração de que o onde é um advérbio relativo como

quando, como, empregados com “antecedente”. Em orações adjetivas, onde, que, quem,

quanto e como, como são considerados relativos condensados, podem ser usados sem

antecedente, conforme o exemplo a seguir:

(79)

O carro enguiçou onde não havia socorro.

Para efeito de análise, o autor sugere que se deve restaurar o antecedente omitido

(p. 270). Admite, ainda, o desdobramento do onde. No que concerne às funções do

onde, diz que esse é pronome relativo, geralmente locativo, equivalente a lugar em que,

no qual (p. 333). O autor cita os “autores clássicos” (Camões, Cláudio Manoel da Costa,

entre outros), dizendo que esses não distinguiam entre onde e aonde.

Ainda segundo o mesmo autor, o onde pode ser também precedido das

preposições de, para, por. É também um advérbio, usado nas interrogativas diretas e

indiretas (p. 350).

As demais gramáticas selecionadas, sobre as quais discorremos a seguir,

registram o onde tanto na classe dos pronomes, quanto na classe dos advérbios: são as

gramáticas tradicionais de Cunha & Cintra (1985/2010) e de Bechara (1999/2010); a

gramática de Cipro Neto & Infante (1997), e as gramáticas de cunho descritivo de

Perini (1998) e de Neves (2000).

Cunha & Cintra (1985/2010) consideram o onde como pronome e como

advérbio. Como pronome, esse item pode ser empregado com antecedente e sem

antecedente. Mencionam que alguns gramáticos admitem a existência de um

antecedente interno, desenvolvendo, para efeito de análise, onde em no lugar em que.

(p. 337/365). No item referente à função sintática dos pronomes relativos, dizem que:

85

Os pronomes relativos assumem duplo papel no período com representarem um determinado antecedente e servirem de elo subordinante da oração que iniciam. Ao contrário das conjunções, que são meros conectivos, e não exercem nenhuma função interna nas orações por elas introduzidas... (p. 335/358)

Acrescentam, ainda, que os pronomes sempre desempenham uma função

sintática nas orações a que pertencem. No caso do onde, este desempenha a função de

adjunto adverbial (p. 336), em orações do tipo:

(80) Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde eu morava. (Mário Quintana)

Ao fazerem referência a valores e empregos dos relativos, os autores se

expressam da seguinte maneira: Como desempenha normalmente a função de adjunto

adverbial (= lugar em que, no qual), o onde costuma ser considerado por alguns

gramáticos como advérbio relativo (p. 342/365). Cunha & Cintra lembram, também,

que esta denominação não foi acolhida pela Nomenclatura Gramatical Brasileira

(NGB), mas é aceita pela Nomenclatura Gramatical Portuguesa (p. 532/558).

Fazem referência à oposição estabelecida por onde e aonde, ressaltando que na

linguagem coloquial essa distinção, que já não era rigorosa nos clássicos, está

praticamente anulada. (p. 342/365).

O onde como advérbio está classificado entre os que indicam lugar. As

expressões “para onde” e “por onde” constituem locuções adverbiais, que constituem o

conjunto de duas ou mais palavras, funcionando como advérbio (p. 532/558).

No que tange ao advérbio onde, usado em construções interrogativas, os autores

apenas apresentam os seguintes exemplos: “Onde está o livro?” e “ Ignoro onde está o

livro”. Não fazem qualquer observação quanto ao processo de análise da interrogativa

indireta e no capítulo referente às orações adjetivas, não há, sequer, um exemplo com o

elemento onde.

Há lacunas no tratamento do onde, na gramática de Cunha & Cintra

(1985/2008). Em alguns momentos, os autores apenas fazem referência superficial ao

86

procedimento de análise adotado por alguns gramáticos, em relação a certas estruturas, a

exemplo do onde sem antecedente.

A gramática de Bechara (1999/2010) revela-se mais explicativa em relação aos

conectores intersentenciais, e dá um tratamento mais completo aos diferentes usos do

onde. Para esse autor, o onde é um pronome e um advérbio (sempre locativo),

posicionamento semelhante ao de Cunha & Cintra (1985/2010).

Bechara (1999/2010:162) denomina os pronomes como a classe de palavras

categoremáticas, a qual denomina como “formas sem substâncias”. Não representam

nenhuma matéria extralinguística, motivo pelo qual os pronomes são substantivos,

adjetivos, advérbios e – em outras línguas que não o português – até verbos (p. 112).

Para o autor, os pronomes relativos são definidos como os que se referem a um

termo anterior chamado antecedente (p. 171), traço que será utilizado como critério

para análise do onde em nosso corpus.

No item referente aos pronomes relativos sem antecedente, Bechara (p. 172)

declara que o quem e o onde podem ser usados com emprego absoluto, sem

antecedente, em orações do tipo “Quem tudo quer tudo perde” e “Moro onde mais me

agrada”, e acrescenta: Os relativos sem antecedentes também se dizem relativos

indefinidos.

O gramático faz referência à posição de alguns autores de admitir, nesse caso,

para efeito de análise, o desdobramento dos itens, subentendendo-se um antecedente

adaptável ao contexto, entendendo-se quem como a pessoa que e onde como o lugar em

que. Entretanto, conclui dizendo que este duplo modo de encarar o problema tem

repercussões diferentes na classificação das orações subordinadas (p. 172).

Bechara (1999/2010: 465), ao tratar das orações subordinadas resultantes de

substantivação: as interrogativas e exclamativas, apresenta, como exemplo, as

seguintes orações abaixo, e observa que, nesses casos, as unidades interrogativas e

exclamativas (pronomes e advérbios) têm função sintática na oração subordinada a que

pertencem:

(81)

Ainda não sei que vou fazer hoje (Cf. Que vou fazer hoje?)

(82)

O professor pergunta qual o motivo da algazarra.

87

Para demonstrar essa análise admitindo a substantivação (p. 469), oferece

algumas estruturas construídas com pronomes e advérbios relativos, destituídos de

antecedente, em que a oração substantiva funciona como objeto direto do verbo saber

(descobrir), conforme o esquema e os exemplos a seguir:

Não sabemos

quanto

por que

como

quando

onde

que

qual

comprou

(83)

Não sabemos onde comprou.

(84)

Os garotos não descobriram onde os pais tinham posto os presentes.

Essa análise, adotada por Bechara (1999/2010: 470) – a oração com pronome

relativo sem antecedente é transposta a oração substantiva –, baseia-se na complexidade

da realidade linguística. Nas palavras do autor:

A análise que adotamos tem a vantagem de encarar uma realidade da língua, e não uma substituição que a ela realmente nem sempre equivale... Transposta a substantiva, a oração de relativo sem antecedente expresso pode exercer as funções próprias das substantivas originais.

Acerca do emprego de relativos (p. 487), no que tange ao uso do onde, o

gramático expressa-se da seguinte maneira: em lugar de em que, de que, a que, nas

referências a lugar, empregam-se, respectivamente, onde, donde, aonde (que

funcionam como adjunto adverbial ou complemento relativo), conforme exemplos a

seguir:

88

(85)

O colégio onde estudas é excelente.

(86)

A cidade donde vens tem fama de ter bom clima.

(87)

A praia aonde te diriges parece perigosa.

Diferentemente da posição de Cunha & Cintra (1985/2010), o autor estabelece,

ainda, uma distinção entre onde e aonde. Conforme podemos verificar na seguinte

passagem da gramática de Bechara (p. 487):

Modernamente os gramáticos têm tentado evitar o uso indiscriminado de onde e aonde, reservando o primeiro para a idéia de repouso e o segundo para a ideia de movimento: O lugar onde estudas... O lugar aonde vais...

Bechara (1999/2010: 290) considera os advérbios como uma classe de palavra

muito heterogênea, o que torna difícil atribuir-lhe uma classificação uniforme e

coerente. Os critérios usados para classificá-los são os valores léxicos (semânticos) das

unidades que os constituem como denotadores de lugar, tempo, quantidade, etc. e os

critérios funcionais. Segundo os critérios funcionais, os advérbios incluem os

demonstrativos (aqui, então, aí), os relativos (onde, como, quando, etc.) e os

interrogativos (quando?, onde?, como?).

Bechara (1999/2010: 293) diz que o advérbio, pela sua origem e significação,

se prende a nomes ou pronomes, havendo, por isso, advérbios nominais e pronominais.

O onde pertence aos de base pronominal, assim como os demais apresentados a seguir:

relativos onde (em que), quando (em que), como (por que); interrogativos onde?,

quando?, como?, por que? (por quê?).

Bechara (1999/2010: 294) se refere aos advérbios relativos, apresentando a

mesma conceituação dada anteriormente aos relativos, incluindo exemplos semelhantes.

Observemos a citação a seguir:

Os advérbios relativos, como os pronomes relativos, servem para referir-se a unidades que estão postas na oração anterior.

89

Nas idéias de lugar empregamos onde, em vez de em que, no qual (e flexões): A casa onde mora é excelente. Precedido de preposição a ou de, grafa-se aonde e donde: O sítio aonde vais é pequeno. É bom o colégio donde saímos. Ainda como os pronomes relativos, os advérbios relativos podem empregar-se de modo absoluto, isto é, sem referência a antecedente: Moro onde mais me agrada.

Nesta passagem percebemos uma confluência funcional na análise apresentada.

O elemento onde tem o mesmo comportamento tanto como pronome quanto como

advérbio (relativo); em termos de valor (locativo); emprego da forma (em que/no qual);

ocorrência (com ou sem antecedente); usos preposicionados. A confluência mencionada

demonstra a dificuldade de um tratamento uniforme para o onde (advérbio relativo ou

pronome relativo).

Quando analisa a oração encabeçada pelo onde sem antecedente (Moro onde

mais me agrada), Bechara classifica-a como uma oração subordinada adverbial locativa.

Ao tratar destas orações o autor apresenta outros exemplos, quando destaca as

subordinadas adverbiais locativas (p. 501), conforme verificamos abaixo:

(88) Os meninos sobejam onde estão e faltam onde não se acham. (89) Não pode haver reflexão onde tudo é distração.

Ao abordar as orações complexas de transposição adverbial, o gramático (p.

471) classifica em dois grupos as orações transpostas, que exercem funções da natureza

do advérbio, a saber:

a) as subordinadas adverbiais propriamente ditas, porque exercem

função própria de advérbio ou locução adverbial e podem ser substituídas por um destes (advérbio ou locução adverbial): estão neste caso as que exprimem as noções de tempo, lugar, modo

90

(substituíveis por advérbio), causa, concessão, condição e fim (substituíveis por locuções adverbiais formadas por substantivo e grupos nominais equivalentes introduzidos pelas respectivas preposições);

b) as subordinadas comparativas e consecutivas.

Referindo-se às orações subordinadas adverbiais propriamente ditas, observa

que, do ponto de vista constitucional, se assemelham às substantivas, já que se

identificam com essas em funções adverbiais, como ocorre com o substantivo

transposto ao papel de advérbio mediante o concurso de preposição (p. 471), em

orações do tipo:

(90)

Saiu de noite.

(91)

Estudamos com prazer.

No item denominado Outras particularidades nos transpositores das orações

adverbiais, Bechara (1999/2010: 472) faz a seguinte menção no que se refere ao onde (e

a outros transpositores): quando usados sem referência a antecedente, os advérbios

relativos onde, quando, como e quanto (este com preposição) transpõem a oração a

que pertencem, que passa a exercer papel de adjunto adverbial: Onde me espetam fico.

Bechara (1999/2010: 464), ao analisar as orações subordinadas encabeçadas

por transpositores, observa: a oração transposta, inserida na oração complexa, é

classificada conforme a categoria a que corresponde e pela qual pode ser substituída

no desempenho da mesma função. A partir desse critério a oração transposta é

classificada como substantiva, adjetiva ou adverbial, segundo a tradição gramatical,

pois desempenha função sintática normalmente constituída por substantivo, adjetivo ou

advérbio.

Ao tratar das conjunções, apresenta as conjunções coordenativas como

conectores – reúnem orações que pertencem ao mesmo nível sintático. Ressalta que há

diferenças quanto ao papel que assumem nas subordinativas (conjunção), denominadas

de transpositores. Bechara exibe a seguinte estrutura: Soubemos que vai chover, e

apresenta a seguinte análise (p. 319-320):

91

(...) a missão da conjunção subordinada é assinalar que a oração que poderia ser sozinha um anunciado: Vai chover, se insere num enunciado complexo em que ela (vai chover) perde a característica de um enunciado independente, de oração, para exercer, num nível inferior da estruturação gramatical, a função de palavra, já que vai chover é agora objeto direto do núcleo verbal soubemos.

(...) que vai chover é uma oração “degradada” ao nível da palavra, e isto se deveu ao fenômeno de hipotaxe ou subordinação. A oração degradada ou subordinada passa a exercer uma das funções sintáticas próprias do substantivo, do adjetivo e do advérbio.

Ao se referir às classes de palavras e categorias gramaticais, Bechara

(1999/2010: 110) defende que o substantivo, o adjetivo, o verbo e o advérbio são as

únicas reais “categorias gramaticais” da língua, as quais são confusamente misturadas

na gramática tradicional, porque são as únicas dotadas do significado categorial.

Segundo o autor, o significado categorial não caracteriza apenas os lexemas,

mas ainda sintagmas e orações inteiras. Também o significado categorial está sempre

implicado com certas funções específicas na estruturação gramatical; por isso o

substantivo (representado por nome, pronome, sintagma nominal, oração normalizada)

pode ser o sujeito da oração e o pronome (juntamente com o numeral) pertence às

palavras categoremáticas, como já mencionado anteriormente, formas sem substância.

Assim, o onde é, de acordo com a análise desenvolvida por Bechara, uma

palavra categoremática – identificado como pronome, como advérbio e um advérbio

relativo, podendo, em determinadas orações, se substantivar (Não sei onde guardei as

minhas chaves.) e se adverbializar (como uma oração adverbial locativa – Moro onde

mais me agrada.), o que o faz ascender ao status de categoria gramatical.

Cipro Neto & Infante (1997:294) são categóricos no que concerne ao emprego

do onde em referência a lugar físico, espacial: onde é pronome relativo quando equivale

a em que; deve ser usado, portanto, unicamente na indicação de lugar, conforme os

seguintes exemplos:

92

(92)

Você conhece uma cidade brasileira onde se possa atravessar a rua em segurança?

(93)

Quero que você veja a escola onde fiz meus primeiros garranchos.

Em nota de observação (p. 295), os autores dizem que alguns autores defendem

a existência de pronomes relativos (quem e onde) sem antecedente, equivalendo a

aquele que e no lugar em que, conforme ilustram os exemplos a seguir:

(94)

Quem não deve não teme.

(95)

Ficou quieto onde o deixaram.

Quanto aos usos e funções dos pronomes relativos, Cipro Neto & Infante (p.

435-436) chamam atenção para o fato de que o onde só poder ser empregado em

período composto, no qual atuará sintaticamente (exclusivamente) como adjunto

adverbial. Para os autores o onde é advérbio interrogativo, quando utilizado em orações

interrogativas diretas e pronome quando usado em orações subordinadas adjetivas em

indicação a lugar e atuando sintaticamente como adjunto adverbial (de lugar).

Ao tratarem dos usos de onde, os quais fogem dos que são canonicamente

estabelecidos, os autores fazem a seguinte consideração:

Há uma forte tendência, na língua portuguesa atual, em usar o onde como relativo universal, um verdadeiro cola-tudo. Esse uso curiosamente tende a ocorrer quando um falante de desempenho lingüístico pouco eficiente procura ‘falar difícil’. Surgem então frases como: Vai ser um jogo muito difícil, muito disputado, onde nós vamos tentar conseguir mais um resultado positivo. Vivemos uma época muito difícil, onde a violência gratuita é dominante, etc. Não me alimentei bem, dormi mal, onde hoje não consegui uma boa marca.

93

A economia está em franco processo de recessão, os salários estão congelados, onde a classe média não pode mais comprar como antes. Na língua culta, escrita ou falada, onde deve ser limitado aos casos em que há indicações de lugar físico, espacial. Quando não houver essa indicação, deve-se preferir em que, no qual (e suas flexões, na qual, nos quais, nas quais) e, nos casos de idéia de causa/efeito ou de conclusão, portanto. (Grifos dos autores, p. 436)

Após essa explanação, os autores retomam os exemplos considerados desvios e

fazem as devidas substituições, para o uso considerado canônico, da seguinte maneira:

(96) Vivemos uma época muito difícil, em que (na qual) a violência gratuita é dominante, etc.

(97) A economia está em franco processo de recessão, os salários estão congelados, portanto (por isso) a classe média não pode mais comprar como antes.

À semelhança de Bechara (1999/2010), Cipro Neto & Infante (1997) incluem as

interrogativas indiretas nas possibilidades de construção das orações subordinadas

substantivas, as quais podem ser introduzidas pela conjunção subordinativa integrante

se e por pronomes ou advérbios interrogativos.

2.1.2 O onde nas gramáticas descritivas

Gramáticas descritivas do português preocupam-se com a descrição dos usos

possíveis e efetivos que fazemos da língua portuguesa. Partem da observação dos usos

que realmente ocorrem no Brasil, para, refletindo sobre eles, oferecerem uma

organização que possa sistematizar esses usos. Trazem um aparato de possibilidades de

construções, as quais são aproveitadas pelos usuários para uma obtenção de sentidos

pretendidos. Ao mesmo tempo, trabalham comparativamente com a tradição gramatical,

na tentativa de informar sobre as restrições que tradicionalmente se fazem a

94

determinados usos já atestados pelos usuários, inclusive da norma culta, e que estão

vivos, em constante mudança.

Diferentemente do que se faz usualmente, na perspectiva da tradição gramatical,

as gramáticas descritivas partem da observação dos usos linguísticos efetivos, para,

refletindo sobre eles, oferecer uma organização que sistematize esses usos. Assim, no

que tange ao estudo do onde, o que se espera encontrar, nessas obras, é uma

sistematização eficiente sobre o emprego daquela partícula.

Após consulta a duas gramáticas descritivas bastante valorizadas, no estudo do

português brasileiro – Perini (1998) e Neves (2000) –, atestamos que quase nada é

acrescentado às observações acerca dos usos do onde presentes nas gramáticas

normativas. Aquelas, como estas, revelam dificuldades de análise e categorização,

sublinhando a insuficiência presente nas tentativas de análise daquela partícula.

Perini (1998: 141) considera onde como um pronome e um advérbio. Como

pronome constitui, ao lado de outros, uma marca de subordinação, encabeçando a

oração subordinada adjetiva. Estabelece a diferença entre as interrogativas indiretas e as

subordinadas adjetivas, embora se pareçam superficialmente. Nas interrogativas

indiretas o sintagma complexo é um SN ou um sintagma adverbial, conforme o exemplo

a seguir:

(98)

Não sei quantos espectadores virão ao circo.

Para o autor, essa sentença tem duas orações: a subordinada “quantos

espectadores virão ao circo.”, que funciona como objeto direto do verbo saber (marca

de oração subordinada substantiva objetiva direta) e a subordinada (uma interrogativa

indireta) marcada pelo elemento introdutor quantos, que é uma marca de interrogativas

indiretas, como, também o são os itens: o que, quem, onde, quando, quanto (s), como e

qual. Essa mesma análise também é verificada em Bechara (1999/2010).

Neves (2000: 239, 372, 386) descreve o item onde sob todas as formas em que

ele, segunda a autora, aparece com frequência. Desta maneira, ao analisar os usos de

onde, classifica-os como pronome e como advérbio. O onde é considerado um pronome

95

que nunca se refere à pessoa. É um indicador de lugar que se emprega com ou sem

antecedente.

Na oração o pronome onde é um elemento nuclear constituindo o núcleo de um

sintagma, tradicionalmente chamado de pronome substantivo (ao lado de que, quem e

como), em orações adjetivas restritivas com e sem antecedente e orações adjetivas

explicativas (essas devem vir sempre com antecedente), conforme os exemplos

relacionados, abaixo, retirados de sua obra (2000: 373-375):

(99) Onde há é nos Araújos, orgulhosos e desgraçados, onde até os filhos roubam dos pais. (100) Em Soweto, onde vivo, as pessoas nem sequer têm dinheiro para pagar eletricidade e outros serviços do governo, não dá para querer cobrar agora esses serviços.

No que se refere à função (p. 386), para a autora o pronome onde sempre

funciona como adjunto ou complemento adverbial de lugar, e, quando o pronome

relativo onde possui antecedente, este é sempre equivalente a em que.

Neves observa, ainda, que o pronome relativo onde é, muitas vezes, empregado

equivalendo a em que, mas sem valor locativo, o que, para a autora, não tem

justificativa:

(101) Na prática, a venda com caderneta funciona como um negócio onde o dinheiro também é virtual, só que sem a sofisticação dos modernos cartões magnéticos. (102) A diminuição dos empréstimos bancários que alimentam a produção cria uma situação onde não é o consumidor que para de comprar.

Para a autora (p. 239), o item onde se insere, também, na lista dos advérbios

interrogativos, na mesma perspectiva adotada por Bechara (1999/2010) e Perini (1998).

Quando em interrogativas indiretas, esse item está integrado numa oração nuclear,

funcionando como o seu complemento.

96

O advérbio interrogativo de lugar deve ser usado no sentido de “em que lugar?”.

Quando o onde vier precedido de preposições como para/a e de, a indicação passa a ser

de direção ou de origem.

Advérbios de lugar e tempo, segundo Neves (2000: 256), são categorias

dêiticas, pois fazem orientação por referência ao falante e ao aqui-agora, que

constituem o complexo modo-temporal que fixa o ponto de referência da fala. Lugar e

tempo se implicam de tal maneira, que é fácil o trânsito de uma para outra categoria,

sendo frequente encontrar advérbio de lugar indicando tempo.

Continuando a tratar os advérbios de lugar e tempo, refere-se aos fóricos e aos

não-fóricos (p. 257-258). Os advérbios fóricos remetem a algum outro elemento, dentro

ou fora do enunciado. Nas palavras da autora:

Têm natureza pronominal, comportando-se como proformas nominais, o que lhes permite, aliás, funcionar como argumentos. Esses advérbios são muitas vezes chamados de advérbios pronominais ou pronomes adverbiais. (...) referem-se a circunstâncias, mas em si não exprimem uma indicação circunstancial substancial. Essa indicação tem de ser recuperada na situação, configurando exófora. (...) no texto, configurando endófora (anáfora ou catáfora).

Segundo a autora, os advérbios não-fóricos efetuam simplesmente a expressão

da circunstância de lugar.

A reflexão da autora sobre os advérbios de lugar e tempo, como categorias

dêiticas, nas quais lugar e tempo se imbricam de tal maneira, que facilita o trânsito de

uma para outra categoria, mormente encontradas situações em que advérbios de lugar

indicam tempo, pode servir para a compreensão de usos de onde em retomadas

anafóricas a entidades não-locativas, incluindo, tempo.

A ambiguidade categorial do onde, advérbio, pronome, advérbio relativo, foi

percebida em todas as gramáticas pesquisadas, incluindo as de vertente descritiva. O

que podemos verificar em nossa pesquisa é que as fronteiras não são bem delimitadas,

tornando, assim, o elemento onde um terreno muito fértil de estudos, visto que o mesmo

já ultrapassou, inclusive, as barreiras pronominais, conforme veremos mais adiante.

97

2.2 Estudos linguísticos sobre o onde

Verificada essa tendência de onde retomar outras categorias cognitivas além de

lugar físico, esse juntor chamou a atenção de linguistas das mais variadas área,

suscitando, assim, alguns estudos em diacronia, acerca desse fenômeno, como Mattos e

Silva (1989), Bomfim (1993) e Siqueira (2009). Da mesma forma, outros trabalhos

acerca do onde, foram realizados, dedicados a estudar o funcionamento desse item

sicronicamente, como Portella (2003) – este um estudo diacrônico e sincrônico –,

Manfili (2007), Marinho (2002) e Lima (2007).

Ao fazer um estudo do item na fala de Salvador, Portella (2003) encontrou

evidências de uma possível gramaticalização desse conector.

Os fatores linguísticos estabelecidos para a análise do onde, pela autora, foram

reveladores das propriedades semânticas, sintáticas e discursivo-pragmáticas desse item

no universo estudado. Os dados demonstram que o onde, do ponto de vista semântico,

mantém, com percentuais elevados, o seu valor primário de retomador de espaço físico,

em todos os grupos de fatores analisados por ela.

Entretanto, outros valores de onde monstraram-se produtivos, em frequência de

uso, o onde noção, o valor tempo e o valor posse – esse último, mais abstrato (embora

com percentuais baixíssimos de ocorrência), segundo a autora, torna-se significativo,

pois demonstra possibilidades de uso que poderiam vir a se firmar. É o que mostram os

exemplos, abaixo, retirados da obra da autora, respectivamente, onde espaço físico,

onde noção, onde tempo e onde posse:

(103)

...pelo menos no Costa e Silva onde eu estudo, no Heloísa já é do governo também, o

colégio que eu estudei não exigia tanto, eu sei...

(104)

...atualmente está bem mais cedo, e com isso, crianças do sexo feminino, essa é a minha

marcação em relação às novelas das seis, onde você vê sexo explícito mesmo, nu,

pessoa nua mesmo, explorando...

98

(105)

Eu distingo bem a minha fase de infância onde os bondes transitavam, onde eu estudava

nos bondes.

(106)

Pois é, é um assunto complexo, muito grande, que compreende por sempre aspectos,

sobretudo da Bahia, onde a história territorial da Bahia ainda não está escrita...

A autora classifica o onde presente em (106) – onde posse –, como

correspondente de cujo, caracterizando, portanto, um uso linguístico típico da

modalidade oral, não planejada, em que o modificador de um nome é materializado

duas vezes: pelo próprio sintagma modificador – no caso, a segunda ocorrência de “da

Bahia”, em (106) – e pelo pronome relativo – onde, em (106).

Houve ocorrências, que, segundo Portella, não foram quantificadas, mas são

vistas pela autora como relevantes, por evidenciarem usos mais abstratos, e um

comportamento, do ponto de vista categorial, que confere um outro estatuto ao onde,

quando esse item assume, no contexto, características de elemento do discurso, ou

conjunção. Isto pode ser demonstrado através dos exemplos (107) – onde como

elemento discursivo – e (108) – onde com valor de conjunção (temporal):

(107)

... então com isso eu cresci com aquela... ressentimento no meu coração, porque eu

chegava, quando eu ia trabalhar, por exemplo, no Stiep, que eu via o carinho daqueles

pais com seus filhos, dentro de mim, me constrangia, eu chorava, porque eu esperava ter

um pai que cuidasse de mim, que me desse o carinho, qual o pai estava dando aquele

filho, onde desde quando eu estava encerando o pátio daquela casa, aí por dentro eu

chorava.

(108)

DOC - Você acha que essa aproximação os filhos e os pais, os filhos dizerem o que, o

que querem hoje? Como é que você vê, você acha que isso é bom? Pontos positivos e

negativos (inint).

99

INF - Olha, eu acho bom, eu acho bom quando, quando existe, eh... onde fica definido

o papel, entendeu? “Eu sou seu pai independente de qualquer coisa, sou seu amigo

também, mas sou seu pai”.

Nas análises de Portella, o onde pode ocorrer em posição intersentencial, como

um nexo coesivo. No exemplo (107) o onde é abstrato, é um elemento do discurso,

funcionando como marcador conversacional, uma vez que se segue a esse item a

expressão conjuntiva que estabelece o nexo sintático. No exemplo (108) o onde é

sintaticamente usado como uma conjunção temporal, equivalendo a quando. Segundo

a autora, cognitivamente, o onde funciona como uma extensão metafórica, entendendo-

se a definição do papel como um recipiente.

Segundo Portella, são os falantes de nível culto que, de acordo com as amostras

analisadas da fala de Salvador, desencadeiam um processo de mudança, entendida como

a convencionalização de usos potenciais. O onde é um referenciador de lugar físico, e,

através do processo de transferência metáfora, passa a designar espaços mais abstratos,

pois os conceitos se estruturam a partir de esquemas imagéticos espaciais, adquiridos

em contato com o mundo, e, segundo a autora, é a metáfora recipiente, ou seja, estar

dentro ou fora de alguma coisa - que está na base dos sentidos do onde, constituindo a

sua polissemia. Os onde mais abstratos codificam esse conceito espacial num domínio

mais abstrato, para fazer a localização de situações, de sensações, de sentimentos, de

emoções (conforme já apontara Manfili: 2007 – através da metáfora do container).

Tanto o onde espaço físico, como o onde noção, o onde tempo e o onde posse

(assim rotulados por ela) encontram-se, na estrutura do discurso, em arranjos sintáticos,

conjugados com os elementos de referenciação que determinam o seu percurso fórico.

Nos grupos linguísticos analisados, a autora identificou alguns usos “marginais”

do onde, entendendo-se esses usos como formas não-padrão, um onde de valor ainda

mais abstrato. Com esse valor, ocorreu em orações relativas não-padrão, apresentando

estatuto de complementizador, comportando-se funcionalmente como o que. No

discurso, houve ocorrências em expressões coloquiais, em contextos não previsíveis.

Em suas análises, o onde manifestou-se, também, como elemento interfrasal,

funcionando como marcador conversacional, ou como conjunção, estabelecendo o nexo.

Do ponto de vista categorial, o elemento foi definido como um pronome, segundo a

autora, pelo que esse item contém de identificação com os membros mais prototípicos

100

dessa classe. As categorias possuem limites imprecisos, havendo graus diferentes de

integração de um determinado item, numa classe. Assim é que o onde é percebido como

tendo traços, por exemplo, de conjunção, sendo possível atuar como tal em alguns

contextos.

Manfili (2007), examinando o uso com onde, focalizou a modalidade escrita e

utilizou como corpus ocorrências do elemento extraídas de textos jornalísticos – O

Globo e Folha de São Paulo. Levou em consideração a classificação por gêneros

textuais, a saber: editorial e crônica. Concebeu seu objeto de estudo como uma variável

dependente binária, analisando os dados à luz de categorias linguísticas e

extralinguísticas, as quais foram recortadas como variáveis independentes, apoiando-se

na sociolinguística laboviana.

A autora, em se tratando da categoria cognitiva a que o onde fazia remitência,

observou que esse item, além do uso primário que consiste em retomar locativos,

retomava, como um pronome relativo, categorias cognitivas que iam além de espaço

físico, como noção, tempo, objeto, discurso e entidades, formando uma rede

polissêmica, justificada através da metáfora do container, conforme podemos verificar

nos dois a seguir, retirados de Manfili (2007):

(109)

E a catadura de Mentor com sua voz fininha, e o Aldo Rebelo, tarefeiro, duro como uma

espingarda, apelidado otimamente de "boneco do carnaval de Olinda", e a peruca do

Bispo Rodrigues, e a cara do Okamoto se recusando a abrir o sigilo onde moram todas

as verdades do Lula - Okamoto mentindo diante do verdadeiro petista, legítimo, o

honrado Paulo Venceslau, que descobriu o pré-valerioduto há cinco anos em São José

do Rio Preto e foi expulso por Lula, e o Garibaldi Alves (que eu adoro) com o sorriso

do nordestino que tudo sabe, raposa zombeteira, encaracolado como uma cobra cínica,

gozando a sordidez daqueles rituais, e a maravilhosa confissão daquele Poletto que se

declarou um bêbado para defender o PT, que estava de porre quando falou dos dólares

de Cuba... (O Globo, 11/04/06)

(110)

O verdadeiro amor é impossível, logo só o amor impossível é o verdadeiro amor. Saí do

cinema onde fui ver 2046, do chinês Wong Kar Wai, pensando nisso. Saí do cinema

101

como de um sonho barroco, manchado, molhado por uma grande massa de cores e sons,

de rostos, gestos, mãos, gemidos, dores e gozos. Saí como um drogado, viajando ainda

num LSD, uma mescalina da pesada, saí de um milagre alucinado. Vi uma coisa rara:

um filme que é o que ele conta. Explico: 2046 seria, no filme, o ano futuro onde tudo

seria imutável, lembrado. E agora, quando escrevo, vejo que o tal lugar em 2046 é a

própria obra. (O Globo, 10/01/06)

Através da metáfora do container conceptualizam-se as ideias como objetos que

saem/entram na mente. A mente é, então, o recipiente. Se a mente humana é um

recipiente que possui propriedades como dentro/fora/ raso/fundo/ largo/estreito etc.,

então o onde, em uma expansão metafórica, pode ter como referente um espaço

nocional. Esse espaço nocional remete a entidades como idéias, teorias, crenças,

problemas, emoções, sentimentos, qualidade, expressões metafóricas, etc., que são

vistas metaforicamente em função da mente, como no exemplo (109), acima, em que o

onde faz remitência a sigilo, conceptualizado pela autora como um espaço nocional.

Da mesma maneira, tem-se a ampliação metafórica de espaço em tempo, como é

possível verificar no exemplo (110), no qual o onde faz remissão a tempo: “ano

futuro” . O uso das construções “onde” para se referir a tempo é uma ampliação

metafórica recorrente e corresponde a uma metáfora estruturada (tempo como espaço),

fortemente manifesta em expressões linguísticas do português e de outras línguas.

Manfili verificou, nos gêneros textuais considerados, que as referidas retomadas

eram muito produtivas, não havendo diferenças percentuais significativas quanto aos

diferentes usos do onde. Naqueles dados, constatou que não ocorriam processos de

gramaticalização, devido a não haver mudança de estatuto categorial da forma e, sim,

um processo de variação estável do item onde.

Bomfim (1993), ao examinar a variação e mudança no português arcaico, no que

tange ao emprego de hu e onde, menciona os valores temporal e discursivo instanciados

por onde, conforme podemos observar nos exemplos (111a) e (111b) a seguir:

(111a)

[...] convem que digamos doutras cousas pertencentes a nosso fallamento, segundo

aquello que prometido teemos no rreinado del-rrei dom Pedro, onde dissemos que

102

fallariamos dos iffantes dom Joham e dom Denis (CF. cap. XCVIII, p. 37, apud

Bomfim: 1993, p.115)

(111b)

De pois que el foi em terra, achou os corações tam duros e tam envoltos nos pecados

nmortaaes, que tam maaus lhe eram de tornar a si, quam maau seria a uu homem

molentar ua pedra mui grande. Onde diss el pla boca do seu profeta Davi (A Demanda

do Santo Graal, c. 224, p. 335, apud Bomfim: 1993, p. 100)

Em (111a), acima, o onde faz remitência a tempo, o que pode ser verificado na

forma verbal “prometido” (passado) e, também, rreinado Del-rrei, ou seja, aquilo que

foi prometido quando do reinado do rei. No exemplo (111b), de valor discursivo, o

onde faz referência catafórica a “diss el pla boca do seu profeta”, ou seja, aquilo que é

dito através da boca do profeta.

O trabalho de Bomfim consiste na análise do percurso dos pronomes advérbios

U (hu) e onde (mais raramente unde) na fase do português compreendida entre os

séculos XIII e XV. Utilizando-se de um corpus bastante extenso, a autora apresenta os

seguintes resultados: onde e unde equivalem a de onde, na acepção de procedência e

origem e, por extensão, equivale a causa. Também podem corresponder a de que, de

quem, do(a) qual, quando funcionam como relativos. Já o U é utilizado para localizar,

com valor de onde, por onde e para onde. Nesses últimos valores semânticos o U pode

aparecer regido ou não por preposição.

Bomfim destaca ainda usos de onde e unde discursivo. Esse valor se dá, segundo

a autora, pelo estabelecimento de ligação intra/extra-frástica entre segmentos do texto,

devido a necessidades argumentativas, conforme exemplo (111b). Da mesma maneira

foi detectado o uso de U e onde com valor temporal, conforme exemplos (111a).

Mattos e Silva (1989), por seu turno, ao investigar os dois elementos que

integravam o sistema do português trecentista − hu e onde − sustenta que onde, para ela

considerada a forma marcada, designava o ponto a partir de que, quer espacial, quer

nocional, quer temporal, quer possessivo, quer contextual. De acordo com ela, tanto hu

quanto onde, embora basicamente locativos, podiam funcionar como temporais. Os

exemplos seguintes, (112a) e (112b), coletados da obra da autora, ilustram suas

descobertas, sendo que em (112b), além da estrutura temporal (onde o fora libertino =

103

quando o fora Libertino), pode-se fazer uma leitura locativa (= naquele mosteiro onde

o fora Libertino).

(112a)

Veo a hua enfermidade onde xi lhi atou morte.

(112b)

Fiiz... que foi noutro dia preposto naquel moesteiro onde o fora Libertino, contou a

mim. (= Libertino foi abade do moesteiro) (1989: 245-247)

A autora, ao tratar dos elementos hu e onde naquela sincronia, aborda-os

primeiramente como locativos interrogativos, afirmando que se depreende do corpus

um sistema em que basicamente se pode interrogar sobre: (a) o ponto em que algo ou

alguém se encontra; (b) o ponto a que ou para que algo ou alguém se destina e (c) o

ponto de que algo ou alguém provém. Essas possibilidades semânticas são distribuídas

da seguinte maneira (p. 240):

a. “ponto em que”

b. “ponto a que” hu

c. “ponto de que” onde

Em suas análises, Mattos e Silva verificou que tanto o hu quanto o onde

ocorrem, na maioria das vezes, como um relativo e não como um interrogativo. Do

ponto de vista semântico, o onde tem um funcionamento mais amplo que o hu, podendo

assumir valores que vão além de espaço físico, como espaço abstrato ou nocional, de

posse, de tempo e de conclusão. Seguem alguns exemplos dessas manifestações,

respectivamente na ordem a que nos referimos, retirados da obra da autora (p. 244 –

246):

(113)

(...) lhi talhava aquela parte do corpo onde lhi aquele mal nascia.

104

(114)

E pera crescentar mais mha tresteza? Todas aquelas cousas onde mi door e desprazer

alguu podia nacer.

(115)

Rogo-te que mi dês todolos cativos que aqui tees da cidade onde eu sôo bispo (= eu sou

o bispo da cidade).

(116)

E era gram maravilhosa Ca onde huum avia mal, ende os outros todos aviam peior.

(117)

Onde porque o miragre que fez quando os cegos alumeou quis que jouvesse.

Esse último caso – ilustrado em (117) –, segundo a autora de valor conclusivo,

foi bastante recorrente, no corpus analisado: o onde não retoma nenhum antecedente e

caracteriza-se por expressar “uma conclusão decorrente da argumentação desenvolvida

no discurso, equivale ao atual donde, logo” (Mattos e Silva: 1989, 246).

Utilizamos as palavras da própria autora, para sintetizar suas conclusões acerca

dos diferentes empregos do onde:

Da análise desses dados se pode concluir que o sistema analisado é constituído basicamente de dois termos: hu e onde, sendo o elemento semanticamente não marcado hu, que expressa tanto o ponto em que como o ponto a que e associado à preposição per indica o ponto através de que; e onde, o elemento marcado, que tem como traço semântico básico o ponto a partir de que, quer espacial, quer nocional, quer temporal, quer possessivo, quer contextual. (...) Do ponto de vista sintático a distribuição mais comum desses elementos é a de relativo, o que é explicável pelo tipo de narrativa, da mesma forma que a marcante incidência de onde conclusivo decorre do discurso de tipo argumentativo de certas passagens da obra. (p. 247) (Grifo nosso)

Na citação acima, verificamos um comportamento de onde, que também

constatamos em nosso corpus. A autora chama a atenção para as tipologias nas quais

aparecem os usos do elemento estudado. Acreditamos que as tipologias textuais têm

105

uma forte influência sobre usos de onde. Da mesma forma que a autora, entendemos (cf.

hipóteses, no próximo capítulo) que as tipologias mais narrativas favorecem os usos

pronominais locativos e não locativos do item, enquanto as tipologias argumentativas

favorecem os usos conjuncionais de onde, pela necessidade de mais nexos na formação

dos períodos argumentativos.

Marinho (2002), após uma investigação dos usos com as construções com onde,

em textos acadêmicos, à luz da Análise Modular do Discurso, observou que o onde tem

função anafórica mais evidente, chamando-o de comentativo, quando o mesmo serve de

ponto de ancoragem imediato, ou de traço tópico, sobre o qual se apóia a informação

já ativada na mente dos interlocutores (p. 262).

Também observou que o onde tem função conectiva mais evidente, valor de

conector discursivo, quando “sua função primeira pode ser considerada a de conectar

constituintes que se ligam numa relação argumentativa, mais do que a de, como

elemento anafórico, verbalizar um ponto de ancoragem” (p. 267), apresentando-se

como uma causa ou como uma conclusão (p. 269), conforme podemos verificar nas

palavras da autora:

O onde se mostrou ainda, do ponto de vista relacional, um conector que pode funcionar na articulação de constituintes discursivos que se ligam por uma relação interpretada não como de comentário, mas como argumentativa. Nesses casos, o seu funcionamento não pode ser visto como o de um “comentativo”, já que a relação que articula o constituinte por ele introduzido e uma informação situada na memória discursiva é de natureza argumentativa. Para a interpretação de sua atuação nesses casos, aplicam-se suas instruções de nível mais profundo: retomar uma informação anterior apresentando-a como uma causa ou como uma conclusão. (Marinho: 2002, 269) (Grifo nosso).

Lima (2007), apoiado no funcionalismo, sob a ótica da sociolinguística

variacionista, da semântica cognitiva e do paradigma da gramaticalização, investigou o

impacto do vernáculo sobre o uso do onde na escrita monitorada de alunos do oitavo

período de letras, bem como de professores de língua portuguesa do ensino fundamental

e médio da rede pública e privada do Distrito Federal e de Goiás.

A partir dos dados coletados, constatou o uso do onde com oito valores

semânticos distribuídos na escala de abstratização espaço > tempo > texto, todos com

retomadas não locativas. Ainda apareceram no corpus usos com valores argumentativos

106

(conjuncionais de causa, conclusão, resultado, condição, finalidade e causa e resultado)

e de marcadores discursivos. Vejamos alguns exemplos, que ilustram o que o

pesquisador encontrou:

(118a)

A “ampliação da competência comunicativa dos alunos” está inserindo todas as

variantes linguísticas presentes, papel que a escola tem que facilitar na Educação, onde

a competência comunicativa não se refere a norma culta, padronizada pelas regras

gramaticais, mas ao modo de falar natural.

Segundo o autor podemos efetuar a substituição do onde pelos operadores de

causa pois e já que:

(118b)

A “ampliação da competência comunicativa dos alunos” está inserindo todas as

variantes linguísticas presentes, papel que a escola tem que facilitar na Educação,

pois/já que a competência comunicativa não se refere a norma culta, padronizada pelas

regras gramaticais, mas ao modo de falar natural.

(119a)

Talvez o que mais difere entre competência comunicativa e competência linguística,

seja porque para o falante se comunicar, ele não dependa de regras gramaticais tão

quanto a gramática normativa estipule. Pois a variação linguística depende de fatores

socioestruturais e de fatores sociofuncionais, onde a sua complexidade equivale à da

própria ação humana, determinada por fatores biológicos, psicológicos, sociológicos e

culturais. E esta competência comunicativa já vem sendo formada desde a infância e nos

atos de interação na sociedade, onde que é fundamental o emprego e aplicação desta

competência aos alunos em sala de aula, pois eles já estão mais familiarizados com ela.

No exemplo (119a) o onde aparece seguido do elemento que, segundo o autor,

um traço marcante da oralidade no referido texto, o qual pode ser suprimido sem

qualquer implicação semântica. Afirma que o onde pode ser substituído pelos seguintes

operadores conclusivos: portanto, por isso e pois, argumentando que tal substituição

107

não causa alteração no curso argumentativo do texto original, conforme o exemplo

(120b) a seguir:

(120b)

(...) E esta competência comunicativa já vem sendo formada desde a infância e nos atos

de interação na sociedade, pois/por isso/portanto é fundamental o emprego e aplicação

desta competência aos alunos em sala de aula, pois eles já estão mais familiarizados

com ela.

Em (121a), abaixo, o autor diz estar diante de um onde com valor condicional:

(121a)

A regulação linguística é uma tendência viável se for realizada de forma reflexível,

visando a assimilação e não padronização exclusiva de grupos sócio-econômicos de

elite e onde se apliquem regras variáveis não padronizadas por uma norma prescritiva.

Segundo o autor, o item onde, em (121a), pode ser substituído pelo operador

condicional desde que:

(121b)

A regulação linguística é uma tendência viável se for realizada de forma reflexível,

visando a assimilação e não padronização exclusiva de grupos sócio-econômicos de

elite e desde que se apliquem regras variáveis não padronizadas por uma norma

prescritiva.

Afirma, ainda, que se pode usar o operador se, mas ressalva que se faz

necessário passar o verbo da oração introduzida pelo onde para a voz passiva analítica,

conforme aparece na primeira oração condicional do segmento:

(121c)

A regulação linguística é uma tendência viável se for realizada de forma reflexível,

visando a assimilação e não padronização exclusiva de grupos sócio-econômicos de

elite e se forem aplicadas regras variáveis não padronizadas por uma norma prescritiva.

108

Lima (2007), apesar de ter encontrado, no corpus, usos de onde como operador

argumentativo (conjuncionais), apresentou elementos na defesa de uma possível

admissão do onde com valor de pronome relativo (valor mais expressivo no corpus),

incluindo a retomada de não-locativos como um uso já consagrado pelos usuários da

língua, nos compêndios da tradição gramatical. Cumpre chamar a atenção para a

pequena quantidade de dados (apenas 15 ocorrências), que ilustram o emprego do onde

como operador argumentativo.

Siqueira (2009) fez uma pesquisa de cunho qualitativo, fundamentada em

estudos tradicionais e de caráter histórico-funcional acerca dos usos variados de onde.

Utilizando, como corpus, cartas pessoais dos séculos XVI ao XX, encontrou os

seguintes valores assumidos pelo onde; o uso canônico (pronome relativo recuperador

de antecedentes espaciais), pronome relativo recuperador de antecedentes virtuais,

locução conjuntiva e operador argumentativo, conforme ilustram os exemplos que se

seguem, respectivamente:

(122)

E como acima vay apontado, podes tocar ~e camanho trato e quantas casas de feitorias

eu tenho ~e todos aqueles mares, como em partes muy proprias minhas, e que de tantos

tempos atras foram achadas, ganhadas, e pesuydas por m~y e por a coroa d´estes

Reinos; onde ha tambem muyta fazemda minha e muyta guarda asy do mar como da

terra, como he Rezã que aja, e que nam he maravilha quem d´estes lugares e guardas e

tratos teem o cuydado, nam querer consentir nenhu~ua torvaçam neles. (17/05/1531 –

sequência narrativo-descritiva – pronome relativo/uso canônico).

(123)

Porque PP. até ignorar as sem-justiças, podem dissimulá-las; mas depois de

averiguadas, assi mesmo as farão grandes quando lhes tardem com o castigo. Ora eu,

aproveitando-me da faculdade de nossa Ordem, pedi terceira instância, donde ser

julgado. (11/06/1648 – sequência narrativa – pronome relativo com antecedente virtual).

(124)

Ser-lhe já alguém achar os n. os onde quer q. haja a collecção visto q, os annos são

infallivelm.te estes q. lhe digo. Se comprar não for já alguém por p. r. q. os não haja à

109

venda (o q. me custa a acreditar) ainda q. sejam emprestados p. r. alguém pode-mos

mandar sem receio por p. r. q. os restituo pela volta do paquete. (14/02/1854 –sequência

narrativa – integrante da locução conjuntiva).

(125)

E, falando a V. M. com a verdade que professo, devo a nossa amizade, parentesco e à

confiança que V. M. faz de mi: Concluo, senhor N., com dizer a V. M. _que não são

estas as matérias tão justificadas, nem êste o tempo tão felice, em que um homem das

calidades de V. M. deseje de ter parte. E com maior certeza no que hoje vemos que se

trata; donde é impossível deixar de cair, ou na desgraça do Príncipe ou no ódio do

povo: que ambas são cousas, de que devemos pedir a Deus nos desvie sempre.

(18/09/1637 – sequência argumentativa – operador argumentativo).

Para Siqueira, o onde, ao recuperar uma espécie de “espaço virtual” (termo

cunhado pela autora), através da transferência metafórica, nos moldes de Traugott e

Heine (1991) (em que o falante utiliza um item de natureza concreta para se referir a

outro com características abstratas), assomado aos demais valores funcionais, por ela

atestados, demonstra o caráter polissêmico deste termo, já encontrado em outras

sincronias. Por esta razão, advoga a existência de um percurso unidirecional de

gramaticalização para os usos não canônicos do onde.

110

3. Hipóteses, apresentação do corpus e metodologia

Já destacamos, em outro ponto deste trabalho, as dificuldades de classificação do

onde. As gramáticas do português classificam-no ora como advérbio, ora como

pronome relativo. A dificuldade de classificação do onde, nas referidas gramáticas,

resulta do fato de que termos como esse, em processo de gramaticalização, e com um

acentuado caráter multissêmico e multifuncional, apresentam um alto grau de

instabilidade categorial. Portella (2003) e Lima (2007) fizeram observações parecidas,

ao ressaltar que as classes de palavras apresentam, às vezes, limites pouco precisos,

havendo diferentes graus de integração de um dado item em uma mesma classe.

Essa instabilidade categorial leva-nos a acreditar que o onde encontra-se em

processo de gramaticalização. Por esse motivo, optamos pela proposta teórica de Heine

et al (1991), segundo a qual itens lexicais e/ou construções sintáticas, em determinados

contextos, passam a assumir funções gramaticais, e, uma vez gramaticalizados,

continuam a desenvolver novas funções gramaticais. Dentro desta concepção, o

elemento linguístico, já gramaticalizado, tende a se tornar mais regular e mais previsível

em outro estágio do processo de gramaticalização, saindo do nível da criatividade do

discurso e penetrando nas restrições da gramática.

Como está totalmente imbricada aos processos cognitivos, comunicativos e

interacionais, a gramaticalização envolve mecanismos naturais que contribuem para a

mudança semântica e, consequentemente, para a mudança de estatuto categorial do

item. Os processos cognitivos mencionados na seção 1.2.1 desta tese (Inferência

Sugerida), como a polissemia, a metáfora e a metonímia, são alguns fatores

favorecedores da efetivação da mudança semântica.

De acordo com o conceito de inferência sugerida, na situação comunicativa, os

sentidos são negociados de maneira interativa (subjetiva e intersubjetivamente), numa

díade (falante/escritor e ouvinte/leitor), e são responsivos ao contexto, gerando novos

contextos, a partir de recursos como a metáfora e a metonímia, produzindo, assim, a

mudança semântica. O falante/escritor, então, convida o ouvinte/leitor a fazer

inferências e a participar daquela negociação de sentidos, e, a partir daí, este passa a

111

fazer novas inferências, através dos novos usos empregados naquele contexto

específico.

Como o contexto é um fator primordial para que determinadas estruturas

venham a emergir, selecionamos os gêneros (funções) e as tipologias textuais (formas),

como elementos configuradores dos cenários de manifestação dos múltiplos usos do

onde. Acreditamos (reiteramos aqui) na existência de ambientes (sequências

tipológicas) que favorecem determinadas construções com o elemento onde, no gênero

escolhido (prova).

Da mesma forma, tratamos das relações lógico-semânticas intersentenciais, uma

vez que o onde (ao que parece) assoma em orações adverbiais e adjetivas, detentoras de

um considerável repertório de nexos semânticos. Em relação ao contexto

morfossintático, acreditamos (com base em uma análise preliminar dos dados, realizada

em etapas mais remotas da investigação) que o onde assume, no discurso,

comportamentos pronominais (orações adjetivas) e conjuncionais. Isto torna relevante

uma pesquisa, nas gramáticas normativas e descritivas, bem como em trabalhos de

natureza linguística, como recurso para melhor descrição da natureza morfossintática e

semântica do onde.

Dentro da tendência à variação e à mudança, tradicionalmente chamada de

gramaticalização, encontram-se motivações como a metáfora, a metonímia, o contexto

morfossintático, o contexto discursivo (manifestado através das tipologias textuais), que

atuam no processo de gramaticalização do onde. Nesse sentido, estudamos esse item, na

modalidade escrita do português do Brasil.

Nosso corpus é constituído por dados coletados em redações feitas por alunos

que participaram do Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM I e PISM II7) e

Vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF (ano 2010). A escolha do

corpus justifica-se pelo interesse (que motivou o início deste trabalho) de flagrar as

diversas utilizações do onde na escrita de indivíduos detentores da chamada “formação

básica” em Língua Portuguesa (Vestibular) ou a caminho de sua obtenção (PISM I e

PISM II), observando-as em oposição aos usos praticados na escrita de profissionais

detentores de maior proficiência linguística – jornalistas, em Manfili (2007) – ou às

7 Não tivemos acesso às redações do PISM III, por razões de ordem burocrática.

112

manifestações presentes em situações de fala não planejada – entrevistas, em Portela

(2003).

O PISM, realizado pela Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF, é uma das

formas de ingresso nos cursos de graduação daquela universidade. Trata-se de um

programa de avaliação seriada, realizado anualmente, em módulos consecutivos de

avaliação, gradual e cumulativa, no qual a participação dos candidatos se dá em três

módulos, um ao final de cada série do Ensino Médio, caracterizando-se um triênio, a

saber: 1º ano (ao final da 1ª série), equivalendo ao módulo I; 2º ano (ao final da 2ª

série), equivalendo ao módulo II, e 3º ano (ao final da 3ª série), equivalendo ao módulo

III. Trinta por cento das vagas de cada curso são disputados pelos candidatos inscritos

no PISM e os 70% restantes das vagas são disputados pelos participantes do Concurso

Vestibular, em sua modalidade tradicional. As provas da 3ª etapa do PISM são

diferentes das provas do Vestibular, de tal modo que os candidatos devem optar, no 3º

ano, por uma das duas formas de seleção.

Nossa análise baseia-se, portanto, em dados reais, retirados de produções

discursivas, inseridas no gênero “prova aberta” (ano de 2010), em que o participante do

processo de seleção deve elaborar respostas a perguntas que, geralmente, usam como

ponto de partida uma imagem ou texto referente ao conteúdo da questão proposta.

Foram lidas 5599 provas, de diferentes disciplinas (Língua Portuguesa, Literatura e

História), a partir das quais coletamos 979 dados.

Buscamos explicações para os usos do onde como elemento anafórico em

retomada de entidades locativas e não locativas, com valor de pronome relativo. Da

mesma maneira, procuramos justificativas para o emprego do onde conectando duas

cláusulas, sem retomada a um SN na oração anterior, o que caracteriza a partícula como

conjunção. Incluímos, sob este rótulo, os onde discursivos, equivalentes a conjunções

totalmente vazias de semas, suprimíveis sem qualquer perda semântica para os

enunciados.

Utilizamos, para a descrição das manifestações polissêmicas do onde, o recurso

da comutação deste item por elementos dotados de outros possíveis estatutos

categoriais. O recurso já foi utilizado em alguns trabalhos – Portella (2003), Lima

(2007) – e, certamente, apresenta dificuldades práticas quando se deseja comutar o onde

113

com um possível correspondente, visando à identificação da natureza morfossintática e

semântica dos diversos onde. O problema não existe quando se procede à descrição do

estatuto categorial (pronome recuperador de sintagmas locativos, pronome recuperador

de sintagmas abstratos, conjunção, operador discursivo) do onde, mas assoma no

momento de caracterização semântica das conjunções. Para esse fim específico,

recorremos a “julgamentos de plausibilidade” (Mann e Thompson: 1988 apud Antonio:

2009), necessários uma vez que o analista, apesar de ter acesso ao texto, ao contexto de

produção do mesmo e às convenções culturais do informante e de seus possíveis

receptores, não tem acesso direto ao produtor do texto ou aos seus possíveis receptores.

Tal limitação não compromete a utilização do método comutativo em nosso trabalho,

haja vista que, para nós, a recorrência a julgamentos de plausibilidade representa apenas

um recurso acessório para identificação das manifestações do item onde sob o estatuto

categorial de conjunção.

Por tratar-se de um contínuo de valores e categorias com possibilidades de

aproximações e, até, sobreposições, o contexto é um fator imprescindível na

identificação do onde, nas diversas situações em que ocorre.

A hipótese básica de nossa pesquisa pode ser sintetizada como uma crença na

existência de uma relação entre os contextos (linguísticos, discursivo-pragmáticos) de

emprego do onde e suas manifestações polissêmicas (pronome relativo com antecedente

locativo, pronome relativo com antecedente não-locativo e conjunção). Tais

manifestações polissêmicas chamam a atenção para a multicategorialidade do item

estudado, o que sugere um processo crescente de gramaticalização.

Outra hipótese, subsidiária à que mencionamos acima, contempla as

especificidades lógico-semânticas das relações interoracionais mediadas pelo onde:

acreditamos que articulações semânticas “mais fortemente implicativas” (Mari, 1986),

favorecem a emergência do elemento onde mais esvaziado de seu valor locativo. Como

as articulações intersentenciais que representam “confirmação da implicação”

constituem-se como conexões semânticas menos dependentes da manifestação de

conectivos específicos, apresentam-se como contextos mais favoráveis à presença de

uma partícula caracterizada por uma certa neutralidade semântica (o onde). Essa

neutralidade parece mais condizente com contextos em que se encontram relações

114

confirmadoras da implicação (causa, tempo, condição), uma vez que estas costumam

acompanhar-se dos conectivos mais “neutros” da língua (Neves, 2000), os quais podem,

inclusive, ser dispensados, sem grande prejuízo dos valores lógico-semânticos que

ajudam a ressaltar. Parece natural, portanto, que o onde, em seus empregos mais

neutros, seja recrutado por tais ambientes.

115

4. Análise dos dados

Na análise dos dados, consideraremos a correlação entre os valores semânticos

dos termos retomados por onde, numa escala unidirecional concreto > abstrato, na

função de pronome relativo. Também observamos o seu uso na função de conector de

orações, como uma conjunção.

O critério utilizado para eleger o estatuto categorial do onde é o seguinte:

quando o onde se apresenta na função de pronome relativo, encabeça uma oração

subordinada, retomando, anaforicamente, um constituinte na oração anterior (principal).

Outro aspecto considerado é a função sintática característica de cada relativo. Quando o

item se apresenta na função de conjunção, o critério diferenciador é o seu papel de

juntor, de elo entre as orações, geralmente sem papel fórico e sem função sintática na

oração em que figura. Os exemplos a seguir demonstram o que apontamos:

(126)

Figura 4: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 1b: No caso do primeiro mapa, Roma começou a dominar várias

áreas da Europa, já que o mapa 1 mostra a grande área Romana, no segundo mapa,

houve a expansão marítima, onde os países europeus conheceram novos territórios,

116

onde encontraram especiarias, das quais muitos ficaram “dependentes” delas e foram

explorar tudo. (PISM I/2010)

(127)

Figura 5: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.

Resposta à primeira medida: As imigrações, ocupando a maior parte a região sul,

trazendo novas formas de gastronomia, técnicas de plantação, uma nova cultura, sendo a

maioria dos imigrantes da Europa, onde estava a população mais moderna, e dessa

forma teriam uma estrutura econômica mais moderna. (PISM II/2010)

(128)

117

Figura 6: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 2b: Revolução Industrial que gerou empregos com remuneração e

uma jornada de trabalho muito extensa. Guerra Santa foi uma guerra onde não foi

derramado nenhuma gota de sangue. (PISM I – HISTÒRIA/2010)

(129)

Figura 7: Questão 2 da prova de história do PISM II/2010.

118

Resposta à questão 2b: Com todo aquele dualismo houve inúmeras revoltas, onde até

políticos se envolveram, ocorreu a revolução política, os revoltosos não ficaram

satisfeitos e ocorreu a revolução no qual se recuou. Com os políticos longe a Revolução

Industrial avançou, surgindo assim, várias indústrias e fábricas. (PISM II –

HISTÓRIA/2010)

(130)

Figura 8: Questão 3 da prova de história do Vestibular/2010.

Resposta à questão 3a: O processo de abolição no Haiti envolveu uma revolução onde

apenas os negros participaram, incluindo seu líder revolucionário, L’ Ouverture, que

também era negro. Enquanto que no Brasil, os responsáveis pela abolição eram todos

brancos. (VESTIBULAR/2010)

Podemos verificar nos exemplos (126) e (127) o uso de onde, como pronome

relativo, em retomada anafórica a entidades locativas, usos esses balizados pela tradição

gramatical, o que correspondeu a (48%) do total de nossos dados que apresentam o

onde fazendo retomadas de constituintes com características espaciais/locativas. Da

mesma forma, os usos pronominais de onde, em retomadas anafóricas a sintagmas

119

abstratos, podem ser verificados nos exemplos de (128) a (130), correspondendo a

(52%) de nossos dados nesta categoria, conforme podemos verificar na tabela a seguir:

DADOS LOCATIVO NÃO-LOCATIVO

PISM I 126/193 (70%) 67/193 (30%)

PISM II 57/137 (45%) 80/137 (55%)

VESTIBULAR 105/275 (40%) 170/275 (60%)

TOTAL 288/605 (48%) 317/605 (52%)

Tabela 1: usos pronominais do onde em retomada anafórica a entidades locativas e não locativas.

Na tabela acima podemos observar que houve um uso decrescente de onde

pronominal retomador de lugar físico, por segmento, o que correspondeu a um total de

(48%) dos 605 empregos do termo. Por outro lado, podemos verificar que houve um

aumento no uso de onde pronominais não locativos, correspondendo a (52%) dos 605

empregos do elemento.

Na análise do gráfico, abaixo, veremos a distribuição destas categorias, por

segmento, no que concerne à utilização do elemento onde pronominal locativo e não

locativo:

Gráfico 1: utilização do elemento onde pronominal locativo e não locativo.

70%

45%40%

30%

55%60%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

PISM I PISM II VESTIBULAR

LOCATIVO NÃO-LOCATIVO

120

O gráfico e a tabela anteriores chamam a atenção para a expressiva porcentagem

de utilização do onde recuperador de entidades não locativas, justamente a fórmula que

constitui usos que, em textos produzidos por usuários com formação mais elevada

(terceiro grau, no mínimo), em registros igualmente formais, provavelmente seriam

avaliados negativamente quanto a sua aceitabilidade. Isso nos leva a crer que estamos

focalizando um universo de usuários (indivíduos detentores da chamada formação

básica ou em vias de alcançá-la) com grande influência sobre os processos de

gramaticalização favorecedores dos usos polissêmicos do item onde.

Quanto às ocorrências de onde com estatuto categorial de conjunção,

identificamos um percentual ainda bastante significativo (38%) em relação ao total de

ocorrências (979 casos de onde). Exemplos dessa manifestação podem ser vistos nos

exemplos a seguir:

(131)

Figura 9: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 2b: Com o capitalismo, as pessoas só visavam o lucro, onde o

Mundo era movido por capital. Outro fato é o que a população queria ter seus direitos

respeitados, criando assim vários conflitos. (PISM I/2010)

121

(132)

Figura 10: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.

Resposta à questão 1a: Foi um surto “industrial” a era Mauá que não avançou pois o

Brasil era ainda um “fazendão”. Esse surto foram as primeiras máquinas a chegarem no

Brasil, onde se precisou a mão de obra assalariada e não mais escravos. As indústrias

eram voltadas para a produção têxtil etc... Precisou também melhoria no transporte onde

houve construções de estações de trens e portos. Mas a era de Mauá não foi pra frente

por falta de interesses e investimento do governo político. (PISM II/2010)

Conforme podemos observar, nos exemplos de (131) e (132) a manifestação do

onde se deu na forma de conjunção. Não há retomada de nenhum constituinte na oração

anterior e o mesmo faz o papel de juntor entre as orações. Em (131), o elemento onde é

equivalente de conjunção causal (cf. análise detalhada, mais adiante). Em (132), o

elemento onde é comutável com “e (por isso)” 8, evidenciando-se sua natureza

8 A notação utilizada para esta conjunção – “e (por isso)” – revela a escolha da tradição gramatical como base para a descrição do onde comutável com conjunções. Trata-se, para nós, em relação a este exemplo, de uma conjunção aditiva/conclusiva, representada apenas pelo item “e” ou pelo complexo conjuncional

122

conjuncional9 (cf., adiante, análise do onde com estatuto categorial de conjunção). A

tabela que se segue demonstra em números os valores conjuncionais a que nos

referimos:

DADOS

CONJUNÇÃO PRONOME TOTAL

PISM I

21/214 (10%) 193/214 (90%) 214/979 (22%)

PISM II 96/233 (41%)

137/233 (59%) 233/979 (24%)

VESTIBULAR 257/532 (48%) 275/532 (52%) 532/979 (54%)

TOTAL 374/979 (38%) 605/979 (62%) 979/979 (100%)

Tabela 2: ocorrências do onde conjuncional por segmento, em comparação com o emprego do onde pronominal.

Ao observarmos a tabela acima, verificamos que, à medida que completa-se a

formação básica dos usuários da língua consultados, ocorre um crescimento do uso

conjuncional de onde, bem como um decréscimo do uso pronominal (este amalgamado

com pronomes relativos retomadores de entidades espaciais/locativas e de entidades

abstratas). Entretanto, ainda, verificamos que o estatuto categorial do item como

pronome relativo é mais produtivo. Por outro lado, os usos conjuncionais de onde são

bastante significativos (38%) em relação ao total das ocorrências (374/979).

Para uma melhor visualização das ocorrências pronominais e conjuncionais do

onde por segmento avaliativo (PISM I, PISM II e Vestibular), verifiquemos o gráfico a

seguir:

“e por isso”. Não levamos em consideração, na identificação dos onde conjuntivos, a descrição proposta por Perini (1998), que considera elementos do tipo de “por isso” ( logo, portanto) não como conjunções, mas, sim, advérbios, dada sua mobilidade, típica dos advérbios. 9 Na descrição semântica dos valores conjuncionais do onde não fizemos menção a acepção conclusiva dos mesmos (destacando apenas os valores causais, temporais, condicionais e discursivos) devido à diminuta representatividade (apenas duas ocorrências) de elementos onde equivalentes a conjunções conclusivas, em nossos dados. No entanto, as duas ocorrências foram computadas entre os onde conjuntivos.

123

Gráfico 2: usos do onde como conjunção e pronome

No gráfico anterior, podemos observar, claramente, como já mencionado na

observação da tabela, o decrescente uso de onde pronominal e um crescente uso do

onde conjuncional.

No PISM I houve 10% de usos conjuncionais de onde e 90% de usos

pronominais de onde. No PISM II houve 41% de usos conjuncionais de onde e 59% de

usos pronominais de onde. Vale lembrar que os usos de onde pronominais não

locativos tiveram um percentual maior que os locativos (cf. tabela 1). No Vestibular

apresentaram-se 48% de usos conjuncionais de onde e 52% de usos pronominais de

onde.

Observa-se, portanto, à medida que são contemplados os segmentos mais

elevados, o decrescente uso de onde pronominal e um crescente uso do onde

conjuncional, demonstrando uma possível estabilidade de usos do item por força do

contexto, do enquadre comunicativo (tipo de prova e questões) e da maior necessidade

de nexos, dotados de sentidos específicos (causa, tempo, condição). De qualquer forma,

análises pormenorizadas de cada manifestação do onde serão desenvolvidas no decorrer

deste capítulo.

10%

41%

48%

90%

59%

52%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

PISM I PISM II VESTIBULAR

CONJUNÇÃO PRONOME

124

4.1 O onde como pronome relativo recuperador de espaço

O onde é considerado pelas Gramáticas Tradicionais como advérbio de lugar,

indicando o local em que se situam as ações e os eventos e, ainda, como pronome

relativo (advérbio relativo), equivalendo a lugar em que. A tradição gramatical

recomenda que seja empregado apenas (e tão somente) com referência a lugar, estando

seu antecedente expresso ou latente.

A distinção entre pronome e advérbio relativo, estudada por Braga e Manfili

(2004), deixa entrever o enfoque privilegiado pelos autores de gramáticas normativas: a

denominação pronome faz ressaltar o papel juntivo da palavra onde, sua capacidade de

desempenhar uma função sintática na oração que introduz e de vincular esta oração a

outra, rotulada de principal, como podemos conferir em Cunha & Cintra (1985/2010);

Bechara (1999/2009); Faraco & Moura (1991), a título de exemplo. Da mesma maneira,

a denominação advérbio relativo parece refletir o compromisso do estudioso com as

origens diacrônicas da palavra onde, um advérbio precipuamente especializado na

referenciação a espaço. Esse tipo de reflexão pode ser vista nas gramáticas de Almeida

(1997); Cipro Neto & Infante (1997); Rocha Lima (1999/2010) e Azeredo (2008). Por

fim, o onde é considerado pronome indefinido quando seu antecedente se encontra

“latente”, no cotexto (Rocha Lima: 1999).

O uso do onde em retomada anafórica a espaço físico, concreto, é o mais

canônico e já balizado entre os manuais de língua portuguesa tradicionais, e dele, como

veremos adiante, dentro dos pressupostos da teoria da gramaticalização, originam-se

todas as outras retomadas, mais abstratas, encontradas em nosso corpus.

(133)

125

Figura 11: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 1b: Houve uma expansão territorial dos países europeus, como

Portugal, que colonisou ou Brasil e também ocorreu a expansão do comércio, já que

com as navegações se podia fazer a compra e venda de mercadorias, como pode-se

observar nas Indias onde se compravam vários produtos como temperos e etc, que não

haviam em países. (PISM I/2010)

(134)

Figura 12: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.

Resposta à questão 1a : A Lei de Eusébio de Queiroz decretava o fim do tráfico

negreiro do Brasil, com isso os cafeicultores em vez de compra escravos, estavam caros,

126

começou a modernizar a sua colheita isso foi marcado pelo Oeste Paulista onde são

mais liberais. (PISM II/2010)

(135)

Figura 13: Questão 2 da prova de história do Vestibular/2010.

Resposta à questão 2b: No primeiro contexto a relação entre homem, natureza e

trabalho é de dependência, pois o homem trabalha no campo, onde retira suas riquezas.

Já no segundo essa relação se desprende uma vez que o homem não necessita tanto da

natureza para enriquecer e seu trabalho não depende mais dela também.

(Vestibular/2010)

Os exemplos (133) a (135) demonstram o uso canônico de onde, como pronome

relativo retomador de espaço físico. Em (133), o item retoma país, “as Índias”,

propriedade espacial locativa. Em (134), o onde faz remitência a uma região de São

Paulo, “Oeste Paulista”, novamente uma entidade locativa (ponto de localização na

região paulistana). Em (135), o elemento remete, novamente, a uma entidade locativa

“campo”, localizável no espaço, com propriedades inerentes a lugar físico. Todas essas

ocorrências não trazem desconforto, pois estão de acordo com as prescrições e

descrições dos manuais de gramática tradicionais.

127

No gráfico, a seguir, mostraremos a distribuição dos usos pronominais locativos

de onde, por segmento, para uma melhor visualização:

Gráfico 3: usos pronominais de onde como pronome relativo locativo por segmento

A leitura do gráfico acima mostra que os usos de onde pronominal canônico, o

qual tem a propriedade de recuperar espaço físico/concreto, são menos frequentes à

medida que são considerados os segmentos mais elevados: PISM I (70%), PISM II

(45%) e Vestibular (40%).

O elevado percentual de usos do onde como recuperador de espaço no segmento

do PISM I parece dar-se em correspondência a características intrínsecas da prova de

português, fornecedora do grande contingente de dados locativos retomados por onde.

A referida prova possui um texto, como moldura comunicativa, especificamente

indicadora de espaço (cf. anexo), diferentemente da prova de história,

convidando/sugerindo (conforme os termos de Traugott e Dasher: 2005) o maior

emprego de retomadas locativas por meio de onde. Observemos a tabela e o gráfico, a

seguir, os quais demonstram o que afirmamos:

70%

45%40%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

PISM I PISM II VESTIBULAR

LOCATIVO

128

DADOS PORTUGUÊS HISTÓRIA

PRONOME LOCATIVO 109 (86%) 17 (26%)

PRONOME NÃO LOCATIVO

18 (14%) 49 (74%)

TOTAL 127 66

Tabela 3: Pronomes relativos locativos e não locativos por prova (PISM I)

Gráfico 4: usos de onde como pronome relativo locativo e não locativo no PISM I.

Levando-se em consideração os pressupostos teóricos de Traugott e Dasher

(2005), a díade escritor/leitor e o enquandre comunicativo (no caso a prova e as

questões) justificam o uso do elemento estudado como um uso pronominal locativo –

diferentemente da prova de história, que tratava de eventos históricos, localizados no

tempo e no espaço, suscitando maiores desdobramentos argumentativos (cf. anexo). Por

esta razão os índices mais locativos de usos do onde se manifestaram sobremaneira na

prova de língua portuguesa.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

PORTUGUÊS HISTÓRIA

PRONOME LOCATIVO PRONOME NÃO LOCATIVO

129

4.2 O onde como pronome relativo recuperador de sintagmas não locativos

O uso de onde recuperador de entidades abstratas recobriu um conjunto de usos

abundantes. Esse valor abstrato deriva de seu valor locativo/concreto, através da

metáfora, mais especificamente a metáfora do container, através da qual costumamos

conceber o mundo e tudo o que nos cerca como recipientes, em uma expansão

metafórica, como possuindo propriedades como dentro/fora/ raso/fundo/ largo/estreito

etc., manifestando-se, no discurso, via metonímia. Ao concebermos as entidades

abstratas analogicamente como espaço (cf. Lakoff & Johnson, em seção 1.2.3),

metonimicamente, por contiguidade, usamos um pronome de valor locativo para fazer

as referidas retomadas (cf. Traugott e Dasher: 2005). Vejamos os exemplos retirados de

nosso corpus:

(136)

Figura 14: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 2b: Revolução Industrial que gerou empregos com remuneração e

uma jornada de trabalho muito extensa. Guerra Santa foi uma guerra onde não foi

derramado nenhuma gota de sangue. (PISM I /2010)

130

(137)

Figura 15: Questão 2 da prova de história do PISM II/2010.

Resposta à questão 2b: Com todo aquele dualismo houve inúmeras revoltas, onde até

políticos se envolveram, ocorreu a revolução política, os revoltosos não ficaram

satisfeitos e ocorreu a revolução no qual se recuou. Com os políticos longe a Revolução

Industrial avançou, surgindo assim, várias indústrias e fábricas. (PISM II/2010)

(138)

131

Figura 16: Questão 3 da prova de história do Vestibular/2010.

Resposta à questão 3a: O processo de abolição no Haiti envolveu uma revolução onde

apenas os negros participaram, incluindo seu líder revolucionário, L’ Ouverture, que

também era negro. Enquanto que no Brasil, os responsáveis pela abolição eram todos

brancos. (VESTIBULAR/2010)

No exemplo (136), o onde pronominal exerce a função sintática de adjunto

adverbial (não é, portanto, um argumento da forma verbal) e faz remissão a uma

entidade que está fora dos domínios do concreto (uma guerra); entretanto, uma guerra

precisa de localização espacial e temporal para acontecer, razão pela qual a concepção

de guerra como um espaço, mesmo que contendo traços temporais, é plausível devido à

localização espacial (e temporal) que costuma acompanhar eventos como o mencionado

em (136) – “uma guerra”.

No exemplo (137), o onde pronominal tem a função sintática de complemento

verbal (argumento interno do verbo envolver-se). Revela, a exemplo de “uma guerra”,

em (136), a mesma possibilidade de conceptualização espacial e temporal desencadeada

pelo sintagma “inúmeras revoltas” , que requer a localização no espaço/tempo.

No exemplo (138), o onde é um pronome relativo com função sintática de

complemento verbal, a exemplo de (137), recuperador de um antecedente não-locativo

(uma revolução), localizável espacial e temporalmente.

No gráfico, a seguir, mostramos a distribuição dos usos pronominais não

locativos de onde, por segmento, para uma melhor visualização:

132

Gráfico 5: distribuição de usos pronominais não locativos de onde por segmento.

Ao observarmos o gráfico acima, verificamos que os usos de onde pronominal

não locativo sobem em cada segmento analisado: PISM I (30%), PISM II (55%) e

Vestibular (60%). Esses números apontam uma tendência de se utilizar o onde como

um pronome recuperador de entidades locativas e não locativas (característica típica dos

pronomes de maneira geral). Conforme apontado na introdução desta seção, ao

conceptualizarmos entidades abstratas como recipientes (contêineres), com propriedades

como dentro, fora, em cima, embaixo, etc., manifestamos esta conceptualização

metafórica por contiguidade metonímica. Se conceptualizamos entidades abstratas como

espaços mentais, então, metonimicamente usamos um pronome preciptuamente locativo

para recuperar tais entidades.

4.2.1 Outras especificidades do pronome relativo onde

Nosso trabalho de classificação do onde foi dificultado por alguns

comportamentos peculiares ao onde identificados entre os dados desta pesquisa.

30%

55%60%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

PISM I PISM II VESTIBULAR

NÃO-LOCATIVO

133

Deparamo-nos com essa dificuldade ao tratar dos elementos onde retomadores de

antecedentes não locativos (pronominais, portanto).

Dentre os antecedentes não locativos, identificamos muitas ocorrências de

constituintes temporais, retomados através do onde, que, nesses casos, são comutáveis

com quando, conforme ilustrado no exemplo a seguir:

(139)

Figura 17: Questão 1 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 1b: Um dos impactos desse evento sobre a Europa foi a

desconcentração política, onde nem a Europa e nem Roma conseguiram governar toda a

sua expansão; outro foi após a destruição dessas conquistas onde ambos ficaram

enfraquecidos. (PISM I/2010)

No exemplo acima, o antecedente de onde é representado por constituinte que

representa, formalmente e semanticamente, o protótipo do adjunto adverbial de tempo

(após a destruição dessas conquistas), favorecendo a identificação da correspondência

entre onde e quando e corroborando a interpretação do estatuto categorial da primeira

palavra – pronome relativo, uma vez que inicia a oração secundária e retoma um termo

antecedente.

Desejamos ressaltar, entretanto, um aspecto que nos parece peculiar, se

confrontado com interpretações advindas da tradição gramatical: não foram poucas, em

nosso corpus, as retomadas de termos antecedentes por meio do onde, que nos causaram

134

dúvidas quanto à categorização do elemento onde empregado nessas retomadas. São

casos como o do exemplo (140), no qual uma das comutações possíveis (uma das mais

prováveis, aliás) é a do onde por quando.

(140)

Figura 18: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.

Resposta à primeira medida: A primeira medida foi o “golpe da maioridade” onde

anteciparam a maioridade de Pedro de Alcântara que foi imperador do Brasil com 15

anos incompletos. (PISM II/2010)

Diferentemente de (139), em que a retomada de um adjunto adverbial de tempo,

pelo onde, auxiliava na avaliação da correspondência entre onde e quando, reforçando a

interpretação do primeiro elemento como pronome relativo, em (140), o constituinte

recuperado por onde (“golpe da maioridade”) é, na oração primária, um predicativo do

sujeito “A primeira medida”. Na oração secundária, o onde pode comutar com quando,

uma vez que o próprio discurso reforça a correspondência temporal (a questão remete a

um fato identificado a partir de sua localização em um dado momento da história do

Brasil), licenciando o emprego temporal do onde. Entretanto, pelo menos outra

135

comutação é possível: a do elemento onde por constituintes como com o qual e pois,

condizentes com uma articulação causal – também possível, considerando-se as ideias

presentes na oração complexa focalizada em (140).

O ponto que desejamos ressaltar é a natureza um tanto híbrida do onde

comutável com a palavra quando: sendo, nesse caso, além de retomador de termo

antecedente, um constituinte de valor temporal (traço semântico geralmente atribuído a

algumas conjunções), podemos destacar um aspecto das línguas naturais para o qual os

funcionalistas americanos chamam a atenção dos estudiosos da linguagem verbal há

quase 30 anos: a dificuldade de conferir um tratamento dicotômico (X ou Y; pronome

ou conjunção) às categorias linguísticas e a pertinência de se conferir um tratamento

mais adequado à gradualidade que os fatos da língua costumam revelar. Nesse sentido,

pode-se lembrar, por exemplo, da contribuição de Hopper & Thompson (1984), obra na

qual os dois autores mostram a inadequação de uma abordagem dicotômica para a

transitividade (transitivo X não transitivo), sugerindo sua substituição por uma

interpretação eneária da questão, mais condizente com os diferentes níveis de

transitividade existentes nas línguas naturais.

Da mesma forma, algumas vezes, fomos confrontados com dados que, a

exemplo de (140), impuseram algumas dificuldades à definição de seu estatuto

categorial. Em situações como estas, foi necessária a tomada de decisões para a análise

que pretendíamos realizar. Assim, classificamos o onde presente em (140) como

pronome (considerando-se a recuperação do termo antecedente), sem desconhecer, no

entanto, que as ocorrências de onde em (139) e (140) ilustram categorias que não têm

comportamento absolutamente igual, revelando, inclusive, que as fronteiras que

separam o onde pronominal do onde conjuntivo são (como era de se esperar, em se

tratando do discurso) demasiadamente tênues.

A esse respeito, gostaríamos de chamar a atenção para a ocorrência a seguir,

que, embora não tenha sido computada entre nossos dados (uma vez que o onde da

sequência não figura como articulador de orações dentro de um único período), mostra

como o discurso confere ao mesmo item lexical, o onde, um estatuto gramatical

específico (pronome ou conjunção):

136

(141)

Figura 19: Questão 1 da prova de língua portuguesa do Vestibular/2010.

Resposta à questão 1: A medicina em 1918 estava bem organizada, mas com o

surgimento da gripe espanhola, foi visto que suas tecnologias já existentes não eram

suficientes para o combate ao vírus. Foi onde passaram a pesquisar, na tentativa de

encontrar o vírus para conhecimento detalhado, pois no momento que encontrar como

esterminá-lo, será mais fácil em caso de pandemias. (VESTIBULAR/2010)

Algumas evidências justificam a classificação do onde, do exemplo (141) como

conjunção (e não pronome): a partícula é empregada sem a função típica do pronome

relativo – retomar um antecedente contíguo (os candidatos a “antecedentes temporais” –

“em 1918” e “com o surgimento da gripe espanhola” – estão muito distanciados do

onde, o qual articula-se com o conjunto das ideias antecedentes e não com um item

específico.

O exemplo (141) permite chamar a atenção para a multifuncionalidade (e, como

consequência, a multicategorialidade) de partículas como a que constitui o objeto deste

137

nosso trabalho: elementos como onde podem manifestar-se, no discurso, não apenas

como elemento pertencente a uma classe X ou Y – pronome relativo ou conjunção,

como ilustrado em (139) e (141), respectivamente, mas também como itens “em

trânsito” entre duas categorias, conforme ilustrado em (140), fato que nos obriga à

tomada de decisões para efetivação de nossa análise.

4.3 O onde como pronome relativo recuperador de “tópico”

Algumas redações, como as que veremos a seguir, causaram-nos certa

estranheza no tocante à forma de determinados antecedentes do onde. Inicialmente,

pensamos estar diante de construções do tipo tópico, mas, através da recuperação do

cotexto, verificamos a equivalência daquelas construções com estruturas oracionais. O

recurso foi sugerido por Perini (1985), quando o autor precisava descrever estruturas

como totalmente novas ou meras manifestações superficiais de estruturas já conhecidas,

cuja reconstituição era feita a partir de induções do próprio discurso. Assim, por

exemplo, em um enunciado como “Torço pelo Botafogo e meu filho pelo Flamengo.”, a

sequência sublinhada deve ser interpretada como oração dotada do mesmo verbo da

oração anterior, e não como uma estrutura desconhecida à espera de descrição. A

presença da conjunção “e”, que, em sua acepção aditiva, antecipa a repetição da

estrutura que a antecede, representa uma evidência cotextual para a decisão tomada –

considerar, no enunciado acima, a adição de duas estruturas oracionais equivalentes.

A fim de ilustrar a questão apresentamos três exemplos. Para uma compreensão

satisfatória do discurso dos candidatos, inserimos as questões que antecedem cada

resposta, remetendo para as imagens correspondentes (cf. anexo), de forma a possibilitar

uma análise mais completa do discurso utilizado em cada resposta.

(142)

138

Figura 20: questão 1 da prova de história do PISM I/2010

Resposta à questão 1a: As grande Navegações, onde foi descoberto o Brasil.10 (PISM

I/2010)

(143)

Figura 21: questão 1 da prova de história do PISM II/2010

Resposta à primeira medida: A lei dos sexagenários, onde escravos depois dos 60

anos estariam livres da servidão, esta lei foi o primeiro passo para a culminação da lei

Áurea assinada pela princesa Isabel que era filha de dom Pedro II, este por sua vez viu

as pressões inglesas que começaram em meados do século XIX darem efeito o que

culminaria na sua queda do governo sendo deposto e fugindo para Paris. (PISM II/2010)

10 Conforme Perini (1998), o sintagma destacado neste exemplo equivale a “O Principal fato histórico ocorrido foram as grandes navegações”. O mesmo deve ser observado para os exemplos (143) e (144).

139

(144)

Figura 22: Questão 4 da prova de história do Vestibular/2010.

Resposta à questão 4b: Uma época onde as pessoas eram envolvidas pelos processos

de urbanização tinham tudo de mais moderno. Mas viviam no tédio de viverem em meio

de tanto luxo e não terem amor e amigos verdadeiros. (VESTIBULAR/2010)

Os constituintes destacados de (142) a (144) aparentam ser construções de

tópico: temos um SN, posicionado no início do período e retomado a seguir por um

pronome, conforme Perini (2010: 334). A oração encabeçada pelo onde constituiria o

comentário daquele constituinte inicial.

No exemplo (142) a pergunta feita ao candidato leva-o a consultar os mapas para

uma caracterização mais precisa do fato histórico mencionado (cf. anexo 1). A

caracterização do fato histórico solicitado pela pergunta favorece (na verdade, até

suscita) sua identificação espacial (através da consulta aos mapas) e temporal,

justificando o uso de onde como recuperador daquele fato histórico (as grandes

navegações), ainda que ele não se constitua como um termo locativo.

140

A pergunta que antecede a resposta do candidato, em (143), a exemplo do que

ocorre em (139), dá acesso a localizações espaciais (sociedade brasileira) e temporais

(transformação da sociedade brasileira), novamente acompanhando a retomada de um

constituinte não locativo por meio do onde.

A questão apresentada em (144) é acompanhada por duas imagens (cf. anexo 6) :

um gráfico mostrando a queda da agricultura e a subida da indústria no período de 1950

a 1965; e outra imagem de uma mulher da década de 60 ao lado de sua máquina de lavar

roupas, com a expressão “Bossa nova em máquina de lavar”. A resposta selecionada

para ilustração em (144) refere-se à pergunta (b) - “Relacione tais mudanças ao

contexto sociocultural do Brasil no período.”. Da mesma forma que nos dois exemplos

anteriores, a questão evoca eventos (mudanças ocorridas ao longo das décadas de 1950

e 1960 no Brasil) cuja identificação suscita uma abordagem num espaço e num tempo

considerados. Tais aspectos relacionam-se à recuperação do constituinte não-locativo

(uma época) por meio do onde pronominal.

Cabe ressaltar que, como o critério de determinação do estatuto categorial de

pronome foi a capacidade do onde de encabeçar uma oração e, principalmente,

recuperar anaforicamente uma entidade em uma estrutura anterior, as manifestações de

usos do item recuperando tópico enquadraram-se no estatuto categorial de pronome.

Ao fazer uso desta estrutura (tópico), o candidato acredita que o corretor da

prova consiga recuperar, através do cotexto, toda a estrutura sintática que o mesmo

deixou de desenvolver. Isto justifica a decisão de não dar a usos como os destacados em

(142) a (144) um tratamento à parte.

4.4 O onde como conjunção

Há que se considerar a emergência de enunciados nos quais, como resultado de

processos de gramaticalização, o onde apresenta o estatuto gramatical de conjunções, o

que nos leva a investigar a natureza conjuntiva de algumas ocorrências da partícula (que

141

confrontam com a natureza de relativo, advérbio e advérbio relativo que muitos autores

apontam em relação ao onde). A questão interessa de modo especial a nossa

investigação sobre a natureza do onde, uma vez que diversos enunciados que contêm a

partícula revelam equivalências com processos de articulação intersentencial –

coordenação, subordinação adverbial –, o que remete ao método de investigação do

onde apoiado na identificação de correspondências funcionais, através das comutações.

Apresentamos, a seguir, uma tabela e um gráfico nos quais podemos verificar,

em números, as ocorrências sobre as quais falamos:

DADOS CONJUNÇÃO PRONOME TOTAL

PISM I 21/214

(10%)

193/214

(90%)

214/979

(22%)

PISM II 96/233

(41%)

137/233

(59%)

233/979

(24%)

VESTIBULAR 257/532

(48%)

275/532

(52%)

532/979

(54%)

TOTAL 374/979

(38%)

605/979

(62%)

979/979

(100%)

Tabela 4: usos do onde como conjunção e pronome.

Numa leitura geral da tabela acima, verificamos que, dos 979 dados de onde,

38% (373/979) manifestaram-se como conjunção e 62% (605/979) como pronomes

relativos. Da mesma maneira, podemos verificar, numa leitura vertical da mesma tabela,

que os percentuais conjuncionais cresceram por segmento – PISM I (10%), PISM II

(41%) e Vestibular (48%) –, enquanto os percentuais relativos aos pronomes tiveram

uma queda: PISM I (90%), PISM II (59%) e Vestibular (52%). Vejamos o gráfico

abaixo, em termos de percentuais:

142

Gráfico 6: usos de onde como conjunção e pronome relativo por segmento.

Em relação aos usos pronominais, do PISM I para o PISM II houve uma queda

de 31%, enquanto que, nos usos conjuncionais, houve um aumento proporcional (31%),

entre os mesmos segmentos. Entretanto, no Vestibular, houve quase um empate técnico

entre os dois usos do elemento onde: o aumento dos procedimentos de articulação

intersentencial mediados por conjunções faz-se acompanhar, naturalmente, de uma

diminuição dos procedimentos de articulação mediados por pronomes relativos.

Observa-se, portanto, uma “atenuação” nos processos de conexão entre as orações do

período composto – do emprego de pronomes relativos (conectores que ligam orações e

retomam constituintes da oração primária) para o emprego de conjunções (conectores

que ligam orações sem retomar qualquer constituinte da oração primária).

Ao analisar as possibilidades de comutação do onde com outros elementos,

identificamos a grande produtividade de correspondências entre essa partícula e outros

elementos que, de acordo com um dos critérios de classificação do estatuto categorial

considerados nesta pesquisa (ausência de retomada anafórica de um item da oração

primária), devem ser classificados como conjunções. Passando à análise dos valores

semânticos desses onde conjuncionais, identificamos a alta frequência de uso da palavra

no estabelecimento de relações causais. Vemos, portanto, que, além do comportamento

como pronome relativo, em retomada a antecedentes não locativos (anteriormente

mencionados), o onde também é usado recorrentemente como conjunção causal, o que

10%

41%48%

90%

59%52%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

PISM I PISM II VESTIBULAR

CONJUNÇÃO PRONOME

143

pode ser visto como evidência do processo de gramaticalização que atinge a palavra,

resultando, inclusive, na mudança de estatuto categorial (de pronome para conjunção).

Na próxima seção, abordamos a natureza conjuntiva do onde e, na sequência,

destacamos uma outra peculiaridade de algumas manifestações do item: os casos em

que o onde equivale a um conectivo sem valor semântico (rotulado, em nosso trabalho,

como operador discursivo), apenas estabelecendo a ligação entre duas orações – outro

indício das pressões metafóricas e metonímicas que, incidindo sobre o onde, reforçam a

ideia de que se trata de um item em processo de gramaticalização.

4.4.1 O onde como conjunção de causa

No nosso corpus, o onde, com grande frequência, aparece introduzindo orações

causais. Entre as orações causais, incluímos algumas sentenças que a tradição

gramatical descreve como explicativas. Seguimos a orientação de autores como

Azeredo (2010), Neves (2000) e Mari (1986), que atribuem o mesmo rótulo (orações

causais), indiferenciadamente, às sentenças causais e explicativas (separação encontrada

em todas as gramáticas tributárias da tradição gramatical). Os autores mencionados

entendem que tanto as causais quanto as explicativas apresentam um evento

desencadeador, provocador, causador do evento presente na outra oração, com a qual se

relaciona a oração causal nesta acepção mais ampla. As orações causais passam a ser

interpretadas dentro de um mesmo campo semântico, como uma macroárea de causa.

Dentro da macroárea semântica da causa, Neves (2000) diferencia dois tipos de

causa: a causa-efetiva e a causa-formal. Mari (1986), ao focalizar as articulações

intersentenciais de causa, observa que a causa corresponde a um dos diversos processos

de articulação que ligam orações que confirmam a implicação existente entre a oração

primária e a secundária.

A seguir, apresentamos alguns exemplos do PISM I – representados por (145) e

(146) –, do PISM II – representados por (147) e (148) – e do VESTIBULAR –

representados por (149) e (150) – para ilustrar a diferença, mencionada por Neves

144

(2000), entre causa-efetiva e causa-formal, respectivamente. Também ilustramos o que

Mari (1986) chama de confirmação da implicação, existente entre as orações da

articulação causal:

(145)

Figura 23: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 2b: Com a transição para o capitalismo, as cidades sofreram uma

espécie de superlotação, onde as pessoas vieram atrás de empregos, que na realidade

não eram tão bons, e o crescimento econômico, tanto das cidades, tanto da população.

(PISM I/2010)

(146)

145

Figura 24: Questão 2 da prova de história do PISM I/2010.

Resposta à questão 2b: Com o capitalismo, as pessoas só visavam o lucro, onde o

Mundo era movido por capital. Outro fato é o que a população queria ter seus direitos

respeitados, criando assim vários conflitos. (PISM I/2010)

(147)

Figura 25: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.

146

Resposta à questão 1a: Brasil passou a exportar o café, onde naquela época era o

maior produtor do café, no qual ocorreu um grande aumento na economia do país.

(PISM II/2010)

(148)

Figura 26: Questão 1 da prova de história do PISM II/2010.

Resposta à questão 1: Bullying seria a repetição, sem motivo consistente, de derivados

da violência como ofender, sacanear, ou mesmo causar dor a algum aluno de maneira a

o deixar ofendido e desequilibrado em termos de poder. No ambiente escolar, o aluno

que sofre bullying, assim como as pessoas que convivem com ele, estão propensas a

sentir medo de tal comportamento, levando a um baixo rendimento escolar, ou até a

consequências mais sérias, onde pode haver uma súbita reação do aluno que sofre de

bullying, numa tentativa de igualar a relação de poder. (PISM II/2010)

147

(149)

Figura 27: Questão 5 da prova de língua portuguesa do Vestibular/2010.

Resposta à questão 5: Os pesquisadores enfrentam obstáculos para o reconhecimento

de seus trabalhos, principalmente pelo fato de não serem doutores reconhecidos na

“sociedade da pesquisa”. Já as pesquisadoras latino-americanas enfrentam dificuldades,

sobretudo no âmbito hierárquico da pesquisa, onde envolve o poder de decisão, que

ainda se prevalece no homem. (VESTIBULAR/2010)

(150)

Figura 28: Questão 2 da prova de literatura do Vestibular/2010.

148

Resposta à questão 2: Ambos os trechos, falam de amor e morte, como se neles

tivessem aquela nostalgia, aquele bucolismo em suas linhas, onde remete um amor que

provavelmente teria como solução apenas a morte. (VESTIBULAR/2010)

No exemplo (145) temos o que Neves chamou de causa-efetiva - um tipo de

relação entre dois eventos em que um é temporalmente antecedente do outro: “as

pessoas vieram atrás de empregos” (causa) e “as cidades sofreram uma superlotação”

(efeito/consequência). Assim, justifica-se a seguinte comutação, a partir de (145): “as

cidades sofreram uma superlotação” porque “as pessoas vieram atrás de empregos”.

De acordo com Mari (1986), a causa é uma das estruturas morfossintáticas

utilizadas para representar a confirmação da implicação existente entre as duas orações

que se articulam em (145), mediadas pelo onde (“as pessoas vieram atrás de empregos”

e “as cidades sofreram uma superlotação”).

No exemplo (146) temos a chamada causa-formal, em que há relações

marcadas por um conhecimento, julgamento ou crença do falante, isto é, existentes no

domínio epistêmico (Neves: 2000, 804). Essas relações não se dão entre predicações

(estados de coisas), mas entre proposições (fatos possíveis), o que as faz passar pela

avaliação do falante. Assim, neste exemplo, há uma relação que envolve o nível

epistêmico. Não há uma relação entre conteúdos, e, sim, entre avaliações acerca do

mundo: “as pessoas só visavam o lucro” e “o mundo era movido por capital”. As

palavras em negrito (principalmente só) evidenciam o julgamento e a crença do falante

acima mencionado.

No exemplo (147), há a confirmação da implicação existente entre produzir em

larga escala e exportar (passou a exportar), a qual pode ser segmentada em dois

tempos: (1º) produção e (2º) exportação. Novamente, é o que chamamos, seguindo os

termos empregados por Neves (2000), de causa-efetiva, comutável com: “Brasil passou

a exportar o café” (consequência) “porque naquela época era o maior produtor do

café” (causa).

No exemplo (148), temos a causa-formal. Há um verbo modalizador (“pode”

em “pode haver”), que indica possibilidade; não se está tratando de conteúdo, mas da

possibilidade que contempla a crença do falante (nível epistêmico): “pois pode haver

149

uma súbita reação do aluno que sofre de bullying, numa tentativa de igualar a relação

de poder”.

No exemplo (149), causa-efetiva, há a confirmação da implicação. Podemos

segmentar o conteúdo do enunciado em dois tempos (antecedente e consequente),

característica básica da relação de causalidade: (1º) a superioridade masculina – como a

causa e (2º) a discriminação das pesquisadoras latino-americanas – como a

consequência.

No exemplo (150), temos a causa-formal, em que a articulação semântica dá-se

no nível epistêmico, evidenciada através de determinados índices linguísticos (o

advérbio provavelmente e o verbo teria, no futuro do pretérito), o que deixa claro que se

trata de uma avaliação, de uma crença, um julgamento do falante (tentativa de

explicação).

4.4.2 O onde como conjunção de causa/tempo

Com uma frequência bem menos expressiva que a dos casos em que o onde é

naturalmente comutável com conjunções de causa, identificamos, no corpus deste

trabalho, outras ocorrências que, considerando-se os critérios utilizados para a

classificação dos onde conjuncionais (encadeamento das orações do período composto,

sem remissão anafórica a um constituinte específico da oração primária), permitem

defender a ação da gramaticalização do onde, acompanhada da mudança de seu estatuto

categorial (de pronome para conjunção). A novidade, que justifica as observações desta

seção, é a natureza semântica dessas conjunções: encontramos 15 exemplos, como

(151), a seguir, em que o discurso licencia comutações do elemento onde com porque e

ou quando, conjunções adverbiais de causa e tempo, respectivamente:

150

(151)

Figura 29: Questão 1 da prova de língua portuguesa do PISM II/2010.

Resposta à questão 1: O termo Bullying é o nome denominado a todas as formas de

comportamentos agressivos que ocorrem entre estudantes sem motivo claro e as

agressões físicas ou morais são sempre executadas onde há uma relação desigual de

poder. A atitude de um estudante encarnar um outro e este se sentir humilhado é

denominado bullying. Quando essas ações não são controladas, todos os alunos da

escola sofrem com isso, pois passam a viver em um ambiente que lhes transmitem

medo, angústia e outros termos negativos. (PISM II/2010)

Exemplos como (151) – 15 ocorrências dentre o total de 979 dados (1,5%) –

servem para mostrar que, a despeito da superioridade encontrada nas equivalências entre

os usos não canônicos do onde e seu emprego como pronomes relativos e conjunções

causais (cf. seções anteriores), deve ser considerada a correspondência entre aquela

partícula e as conjunções de causa/tempo. Relações lógico-semânticas de tempo

representam, a exemplo das relações causais, acepções que Mari (1986) inclui entre as

relações de confirmação da implicação existente entre as orações articuladas no

período. Este aspecto semântico tem-se revelado como grande favorecedor na

gramaticalização do onde, no que se refere à manifestação dessa partícula sob o estatuto

gramatical de conjunção. Chama a atenção para a tendência a empregar-se o onde em

151

ambientes nos quais as articulações entre as orações do período composto mostram-se

mais implicativas. Pode-se dizer que relações dessa natureza são mais “previsíveis”,

no sentido de poderem, muitas vezes, dispensar a manifestação explícita de um

elemento conjuntivo. Diversos manuais já demonstraram que relações de causa podem

constituir-se sem a presença obrigatória da conjunção porque.

Em menor proporção, o mesmo pode ocorrer em relação ao quando, que Neves

(2000:797) classifica como conectivo neutro. Essa dita neutralidade faz com que o

quando tenha larga utilização no lugar de outros conectores (o condicional se, por

exemplo), passando a atuar com outros valores, não necessariamente temporais. Isso

pode ser conferido em (151), em que o onde é comutável com quando, atribuindo-se ao

período em que se encontra uma significação temporal ou condicional.

Essa convergência entre onde e quando pode ser conferida em (152), a seguir:

(152)

Figura 30: Questão 2 da prova de língua portuguesa do PISM II/2010.

Resposta à questão 2b: “Alguns alunos que testemunham as situações de bullying,

onde percebem que o comportamento agressivo não traz nenhuma consequência a quem

o pratica, poderão achar por bem adotá-lo.” (PISM II/2010)

152

Em (152), é perceptível a convergência de valores temporais e condicionais

sobre o quando. Solicitados, como demonstra a questão, a substituir o elemento quando

por outro, que contivesse a mesma relação sintático-semântica do elemento destacado,

os participantes do PISM II/UFJF revelaram a preferência por se e onde. Naturalmente,

revelando a postura restritiva e normativa que costuma orientar avaliações como a que

nos legou o material para análise, ambas as respostas foram avaliadas como erradas

pela banca, que acolheu apenas as (poucas) respostas que sugeriam a intercambialidade

entre quando e elementos estritamente temporais, como no momento em que.

Tudo isso leva-nos à seguinte constatação: quanto mais implicativas as relações

lógico-semânticas estabelecidas através de processos de articulação entre orações,

menor a dependência à manifestação explícita de conectivos específicos para o

estabelecimento de tais relações. Isso (e mais a neutralidade que dá ao onde uma feição

de “conectivo coringa”) parece constituir um campo mais aberto para as manifestações

multicategoriais desse elemento.

4.4.3 O onde como operador discursivo

O onde como um operador discursivo foi definido, nesta pesquisa, conforme os

pressupostos teóricos de Oliveira (2000: 205), que trata da perda de referencialidade do

elemento e seu emprego como mero articulador sem qualquer valor semântico (o onde

textual, segundo a autora), bem como a possibilidade de supressão da partícula,

substituída por alguns sinais de pontuação (ponto, ponto-e-vírgula, dois pontos). Para a

autora, em alguns casos o onde funciona como um marcador de pausas (como uma

vírgula), como um meio, ou uma estratégia, para organização e planejamento do

discurso. Assim, muitas vezes, por não ter elemento que possa ser recuperável,

apresenta-se como um conector vazio de significado, podendo, inclusive, ser excluído

da cláusula, sem qualquer prejuízo semântico, ou, às vezes, formal ao enunciado.

Marinho (1999) leva-nos a crer que o onde discursivo tem considerável

produtividade em textos escritos por alunos-autores pertencentes a segmentos de

153

escolaridade mais elevada. Em seu trabalho, a pesquisadora descreveu os diversos

empregos do onde encontrados em trabalhos acadêmicos de graduandos do curso de

Letras da UFMG. Observemos as palavras da própria autora ao descrever as funções do

elemento onde que classificamos como operador discursivo:

Percebi, ainda, em outros trechos, o onde, atuando sem um

referente, explícito ou latente, ou com um referente ambíguo, ou

seja, que não é facilmente identificável no texto, e por isso

ocasiona ao leitor/receptor uma dificuldade na leitura ou

compreensão do texto. Nesses exemplos a substituição do onde

por outro item ou por alguma expressão (locução conjuntiva ou

locução adverbial, por exemplo) não tornaria estas passagens

mais bem articuladas. (Marinho: 1999, 166)

Os exemplos a seguir ilustram as observações da autora:

(153)

Geralmente são três os entrevistados onde cada entrevista é separada pelo tempo

comercial e ao final do programa há quase sempre uma apresentação musical.

(154)

Qualquer comunicação é feita mediante regras naturais interiores dos falantes onde as

regras cultas são dispensáveis.

Em (153) e (154) não é possível proceder ao recurso da comutação do onde por

outro elemento que ajude a explicitar a relação lógico-semântica subjacente (causa,

tempo, condição etc.). Isso ocorre, principalmente, quando a oração secundária revela

uma certa independência semântica em relação à oração primária, ou seja, quando a

oração secundária não se liga à primária para a composição de uma causa/explicação, a

localização de um evento num dado tempo, entre outras possibilidades lógicas. Outra

característica que costuma acompanhar os períodos contendo o onde operador

154

discursivo é a natureza ilustradora da oração secundária, o que justifica a possível

comutação do onde com sinais de pontuação como dois pontos, ponto-e-vírgula e ponto

final . Isto se aplica, certamente, a (153). A possibilidade de utilização do ponto final

em substituição ao onde, em (153), ressalta, inclusive, o enfraquecimento do nexo

semântico entre a oração primária e a secundária, justificando a escolha de um elemento

destituído de características semânticas específicas.

O exemplo (154) também ilustra a mencionada independência semântica

característica das orações articuladas por meio do onde discursivo, justificando a

substituição da partícula por um sinal da chamada pontuação separadora, a exemplo do

que ocorre em (153). Em (154), no entanto, a substituição do onde por ponto final ou

ponto-e-vírgula revela-se mais adequada que a comutação por dois pontos. Isto se deve,

provavelmente, ao fato de a oração secundária (“as regras cultas são dispensáveis”) não

poder figurar como uma ilustração do que é declarado na oração primária (“Qualquer

comunicação é feita mediante regras naturais interiores dos falantes”).

O mesmo acontece em nossos dados, conforme se vê no exemplo (155) a seguir:

(155)

155

Figura 31: Questão 5 da prova de história do Vestibular/2010.

Resposta à questão 5b: Na crise de 1929 o mundo se recuperou mais lentamente desta

maneira muitos não se recuperaram indo a falência, já na crise de 2008 o mundo se

recupera com mais segurança, onde houve muita perda de emprego já se pode recuperar

com empréstimos milionários. (Vestibular/2010)

O exemplo acima, (155), serve como ilustração para as características que

tipificam o onde operador discursivo – função de mero articulador das orações primária

e secundária, sem qualquer valor lógico-semântico. No exemplo, destaca-se a função

do elemento de simplesmente promover o encadeamento entre as partes do discurso –

“(...) já na crise de 2008 o mundo se recupera com mais segurança (...)” e “(...) houve

muita perda de emprego já se pode recuperar com empréstimos milionários.”. Isto é

ressaltado pela função ilustradora da sequência posterior ao onde, a qual acrescenta

uma espécie de detalhamento descritivo ou desdobramento ao conteúdo da oração

primária, o que explica a naturalidade da substituição do elemento por dois pontos,

ponto-e-vírgula (pontuação continuativa) ou ponto (pontuação terminativa, que também

pode acompanhar conteúdos semanticamente relacionados).

156

Assim, a despeito das dificuldades que cercam os exercícios de comutação, no

tratamento dos dados de nossa pesquisa (dificuldades provenientes da natureza gradual

e não-categórica das articulações intersentenciais no discurso), acreditamos que as

manifestações do onde operador discursivo podem ser aferidas por meio de algumas

pistas discursivas identificáveis (função detalhadora da sequência posterior ao onde,

completude semântica da oração primária), conforme indicam os nossos dados.

No exemplo (155), verificamos que o onde pode ser suprimido da oração sem

nenhum problema semântico ou mesmo formal, para o entendimento do enunciado

como um todo. Nesse exemplo, o onde, na sentença, não tem qualquer valor referencial,

está vazio de sema, apresentando-se como um articulador na oração. Possivelmente, os

alunos-autores utilizam o onde como um elemento estabelecedor de nexos

intersentenciais na tentativa de produzir enunciados dotados das características formais

(integração sintática) que tipificam o patamar de letramento no qual encontram-se, de

tal maneira a corresponder às expectativas linguísticas que os avaliadores possuem

acerca desses textos.

Outro aspecto que chamou nossa atenção ao investigarmos, entre os dados, as

manifestações do onde operador discursivo, foi, certamente, a predominância deste

elemento em sequências tipológicas expositivas, as quais, segundo Adam (1992) apud

Bonini (2007), poderiam ser regularmente reinterpretadas como sequências descritivas.

O que parece determinante é a relação existente entre o onde operador discursivo e

sequências textuais de valor informativo, nas quais observa-se a função daquela

partícula de acrescentar novo(s) tópico(s) às suas respostas, o que explica o

enfraquecimento semântico da palavra e de sua natureza articuladora.

157

5. Conclusões

Com o objetivo de encontrar explicações para os usos do onde em retomadas

anafóricas a categorias não-locativas (procedimento recorrente na nossa língua),

estudamos a utilização dessa palavra, no português escrito por indivíduos com

escolaridade básica ou em vias de obtenção desta formação em língua portuguesa.

Para atingir tal objetivo, baseamos nossa análise, primordialmente, nas propostas

teóricas de Heine et al (1991), Traugott e Dasher (2005), Lakoff e Johnson (2002),

Bakhtin (1992), Marcuschi (2002) e Bonini (2007).

Dentro dessa tendência, tradicionalmente chamada de gramaticalização,

encontram-se motivações para a mudança, como metáfora, metonímia, atuando no

processo de gramaticalização. Utilizamos como corpus as ocorrências reais extraídas de

redações feitas por alunos que participaram do Programa de Ingresso Seletivo Misto,

PISM I e PISM II , e do Vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF,

no ano de 2010. Foram observadas 5599 provas, de diferentes disciplinas (Língua

Portuguesa, Literatura e História), dentre as quais coletamos 979 dados. Buscamos

identificar as propriedades gramaticais associadas ao seu uso como elemento anafórico

em retomada de entidades locativas e não locativas, com valor de pronome relativo.

Identificamos o uso do onde conectando duas cláusulas, sem que houvesse qualquer

retomada a um SN na oração anterior (com valor de conjunção, portanto). Dos 979

dados coletados 62% (605/979) se apresentaram como pronomes relativos e 38%

(374/979) como conjunções. Esses números chamam a atenção para a expressiva

frequência com que o elemento onde vem sendo utilizado como articulador

interoracional, sem antecedente, nas produções escritas de usuários da língua com

escolaridade média.

O onde tendeu a se manifestar como pronomes relativos plenos, ou seja,

encabeçando uma oração relativa e retomando um SN pleno ou um núcleo (SN) na

oração que o antecedia. Em se tratando da categoria cognitiva a que as construções com

onde fazem remitência, verificamos que o elemento, além dos locativos, retoma

categorias cognitivas que vão além de espaço físico, numa gradação cada vez mais

abstrata, conceptualizada via metáfora.

158

Da mesma maneira, o onde tendeu a se comportar como uma conjunção,

fazendo um nexo sintático entre duas orações, como um juntor, via metonímia

composicional.

Há, a partir da análise dos dados, a verificação da trajetória do elemento

linguístico onde, de mais referencial a menos referencial, caracterizada pela perda de

significação de referentes extralinguísticos e aquisição de significados baseados em

dados pragmáticos, relativos a estratégias comunicativas dos participantes, e em dados

textuais, relativos à organização interna dos argumentos no texto, inicialmente de valor

de advérbio espacial, passando, a pronome relativo e, posteriormente, assumindo a

função argumentativa de conjunção. Desta forma, a escala que propomos para o item

onde é a seguinte:

pronome > conjunção > ∅∅∅∅

Da mesma forma, esse processo ocorre com onde, inicialmente também com

valor de advérbio espacial (+ lexical), passando a pronome relativo (elemento

gramatical) e esvaziando-se completamente de suas funções primeiras, assumindo uma

função mais argumentativa no discurso, como uma conjunção.

O critério definidor do onde como conjunção foi o estabelecimento de nexos

entre orações, sem função sintática atribuível à partícula. Em nossas análises o onde se

comportou como conjunção de causa, causa/tempo e como operador discursivo. Tais

descobertas mostram haver uma estreita relação entre esses usos menos canônicos do

onde e um crescente enfraquecimento dos nexos oracionais. Isto é facilmente

perceptível em relação aos onde conjuncionais, que, diferentemente dos pronominais,

não fazem retomada de itens localizados na oração primária, o que já representa um

primeiro nível de enfraquecimento na conexão intersentencial. Pudemos observar,

ainda, ao investigar os valores semânticos que acompanham o emprego não pronominal

do onde, que este tende a manifestar-se em contextos que licenciam relações semânticas

(causa, tempo, condição) correspondentes ao que Mari (1986) classifica como

articulações semânticas de confirmação da implicação. Nessas relações lógico-

semânticas, identifica-se uma certa continuidade nos sentidos presentes na oração

primária e na oração secundária, o que faz com que haja uma “contiguidade lógica”

159

entre as orações, a qual, às vezes, até torna dispensável o emprego de uma conjunção, a

exemplo do que acontece com as conexões causais. Relações como essas, em que há

confirmação da implicação, são mais “óbvias”, do ponto de vista lógico, e caracterizam

contextos favoráveis a empregos do onde sem retomadas anafóricas. Podemos, com

isso, afirmar que, no escopo das articulações intersentenciais, existem contextos

semânticos que favorecem (ou “sugerem”, nos termos de Traugott e Dasher, 2005)

empregos conjuncionais para o onde (aqueles em que há confirmação da implicação) e

outros que atuam como desfavorecedores de tais usos (provavelmente, aqueles nos

quais as relações lógico-semânticas negam a implicação como, por exemplo, as

relações concessivas, em que conectivos específicos – embora, apesar de – são

indispensáveis e não intercambiáveis com onde).

Os casos em que flagramos usos da partícula onde como operador discursivo

corroboram a existência de uma relação entre usos não canônicos da palavra e o

crescente enfraquecimento de nexos intersentenciais. Este emprego do elemento

representa, pode-se dizer, um nível mais elevado de enfraquecimento da conexão entre

as orações articuladas entre si, uma vez que já não se observa conexão semântica entre

as partes articuladas. Pelo que pudemos aferir, a partir dos dados, essas manifestações

do onde costumam sobressair em contextos que oferecem, aos participantes do PISM e

do Vestibular, uma dificuldade a mais, visto que solicitam respostas mais complexas

(no que tange ao esforço cognitivo), o que é evidenciado, inclusive, pela reserva de

maior quantidade de linhas para elaboração do texto pelo candidato-autor. Com isso,

confirmam-se os postulados de Traugott e Dasher (2005), acerca da inferência sugerida,

processo de mudança que engloba as complexidades da comunicação utilizadas pelo

falante/escritor para evocar implicaturas e convidar o ouvinte/leitor a inferi-las.

Valendo-se de dados contextuais presentes na “prova aberta”, o falante/escritor (no

caso, o participante da seleção e autor da resposta à questão proposta), convida o

ouvinte/leitor (o avaliador das respostas apresentadas) a aceitar os diferentes valores,

não literais, que atribui (via metáfora/metonímia) às formas da língua.

Em se tratando do estatuto categorial do onde, observamos que o elemento está

distribuído de forma contínua e não discreta, através de duas categorias gramaticais, a

saber: pronome relativo e conjunção (aqui, incluindo-se o onde operador

argumentativo, o qua evidencia um crescente enfraquecimento dos nexos entre orações,

160

na escrita dos usuários da língua focalizados no trabalho). Esse aspecto multicategorial

do elemento é intrinsecamente dependente de seu aspecto funcional.

Entrando no sistema como um elemento não marcado, devido a sua alta

frequência, sua complexidade estrutural reduzida e pequeno esforço mental requerido

aos usuários (como pronome, conjunção ou simples operador argumentativo),

entendemos que onde, pelas ambivalências categoriais reveladas, começou,

efetivamente, a participar de um processo de gramaticalização.

161

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168

7. Anexos

Nesta seção apresentamos as provas avaliadas (Língua Portuguesa, História e

Literatura), na íntegra, por segmento (PISM I, PISM II e VESTIBULAR), para

conferência do leitor.

169

Anexo 1 – Prova do PISM I/2010 de História

170

171

172

173

Anexo 2 – Prova do PISM I/2010 de Língua Portuguesa

174

175

176

177

178

Anexo 3 – Prova do PISM II/2010 de História

179

180

181

182

Anexo 4 – Prova do PISM II/2010 de Literatura

183

184

185

186

187

Anexo 5 – Prova do PISM II/2010 de Língua Portuguesa

188

189

190

191

Anexo 6 – Prova do VESTIBULAR/2010 de História

192

193

194

195

196

197

198

Anexo 7 – Prova do VESTIBULAR/2010 de Literatura

199

200

201

202

203

Anexo 8 – Prova do VESTIBULAR/2010 de Língua Portuguesa

204

205

206

207

208

209