a morte inventada

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Estudos de Psicologia I Campinas I 28(2) I 279-281 I abril - junho 2011 1 Minas, A. (Diretor) (2009). A morte inventada: alienação parental [Filme-vídeo]. Niterói, Caraminholas Produções. 2 Tribunal de Justiça de Pernambuco, Centro de Apoio Psicossocial. R. João Fernandes Vieira, 405, Boa Vista, 50710-400, Recife, PE, Brasil. E-mail: <[email protected]>. A alienação parental é um fenômeno cada vez mais reconhecido entre profissionais dos meios jurí- dicos e psicossociais. O termo foi cunhado pela primeira vez por Gardner (1985), referindo-se à situação em que um genitor faz alterar a percepção que a criança tem sobre o outro genitor, objetivando afastá-los. Isso acon- tece em geral após a separação conjugal e como forma de vingança do ex-companheiro, seja por ter sido abandonado, traído ou se frustrado em relação à vida conjugal. Diante das graves consequências de tais práticas para o pleno desenvolvimento da criança e visando esclarecer o fenômeno entre as famílias, foi lançado em 2009 o vídeo “A morte inventada”. Trata-se de um longa- metragem elaborado sob o formato de documentário, que traz depoimentos de pais, filhos e profissionais en- volvidos com o tema. O título faz referência a um crime intencional e a ideia é reiteradamente mencionada ao longo do vídeo, quando os depoentes alinham o conceito de alienação parental a “matar a imagem do outro dentro de alguém”. A denominação dada pelo diretor tem sido considerada muito adequada - tamanha a gravidade do fenômeno. Resenha A morte inventada: depoimentos e análise sobre a alienação parental e sua síndrome 1 Fading away: testimonials and analysis concerning parental alienation syndrome Ana Ludmila Freire COSTA 2 Nesse ponto, é mister diferenciar os dois termos comu- mente confundidos: segundo Darnall (1999), enquanto a alienação parental refere-se ao processo de afasta- mento empreendido pelo genitor; a síndrome de aliena- ção parental diz respeito às consequências emocionais e comportamentais apresentadas pela criança vítima do processo. O tema do documentário não poderia ser mais pertinente, já que questões envolvendo relações conju- gais e parentais têm sido recorrentes nos noticiários nacionais, como a guarda compartilhada, a Nova Lei do Divórcio e o próprio projeto de lei que objetiva regular a atuação dos genitores em relação à Síndrome da Alienação Parental. Assim, percebe-se que os conflitos familiares estão, cada vez mais, extrapolando o limite do privado e alcançando determinações judiciais. E isso porque, na grande maioria das vezes, a sociedade recorre ao Judiciário em função da inabilidade para resolver os próprios conflitos ou da impossibilidade de se chegar a arranjos consensuais. Foi a partir da vivência dessa situação que o diretor Alan Minas sentiu-se impulsionado a criar o documentário. Esse é seu primeiro longa-metragem,

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    Estudos de Psicologia I Campinas I 28(2) I 279-281 I abril - junho 2011

    11111 Minas, A. (Diretor) (2009). A morte inventada: alienao parental [Filme-vdeo]. Niteri, Caraminholas Produes.22222 Tribunal de Justia de Pernambuco, Centro de Apoio Psicossocial. R. Joo Fernandes Vieira, 405, Boa Vista, 50710-400, Recife, PE, Brasil. E-mail:

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    A alienao parental um fenmeno cada vezmais reconhecido entre profissionais dos meios jur-dicos e psicossociais. O termo foi cunhado pela primeiravez por Gardner (1985), referindo-se situao em queum genitor faz alterar a percepo que a criana temsobre o outro genitor, objetivando afast-los. Isso acon-tece em geral aps a separao conjugal e como formade vingana do ex-companheiro, seja por ter sidoabandonado, trado ou se frustrado em relao vidaconjugal.

    Diante das graves consequncias de tais prticaspara o pleno desenvolvimento da criana e visandoesclarecer o fenmeno entre as famlias, foi lanado em2009 o vdeo A morte inventada. Trata-se de um longa-metragem elaborado sob o formato de documentrio,que traz depoimentos de pais, filhos e profissionais en-volvidos com o tema.

    O ttulo faz referncia a um crime intencional ea ideia reiteradamente mencionada ao longo do vdeo,quando os depoentes alinham o conceito de alienaoparental a matar a imagem do outro dentro de algum.A denominao dada pelo diretor tem sido consideradamuito adequada - tamanha a gravidade do fenmeno.

    Resenha

    A morte inventada: depoimentos e anlise sobre aalienao parental e sua sndrome1

    Fading away: testimonials and analysis concerningparental alienation syndrome

    Ana Ludmila Freire COSTA2

    Nesse ponto, mister diferenciar os dois termos comu-mente confundidos: segundo Darnall (1999), enquantoa alienao parental refere-se ao processo de afasta-mento empreendido pelo genitor; a sndrome de aliena-o parental diz respeito s consequncias emocionaise comportamentais apresentadas pela criana vtimado processo.

    O tema do documentrio no poderia ser maispertinente, j que questes envolvendo relaes conju-gais e parentais tm sido recorrentes nos noticiriosnacionais, como a guarda compartilhada, a Nova Lei doDivrcio e o prprio projeto de lei que objetiva regulara atuao dos genitores em relao Sndrome daAlienao Parental. Assim, percebe-se que os conflitosfamiliares esto, cada vez mais, extrapolando o limitedo privado e alcanando determinaes judiciais. E issoporque, na grande maioria das vezes, a sociedade recorreao Judicirio em funo da inabilidade para resolver osprprios conflitos ou da impossibilidade de se chegar aarranjos consensuais.

    Foi a partir da vivncia dessa situao que odiretor Alan Minas sentiu-se impulsionado a criar odocumentrio. Esse seu primeiro longa-metragem,

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    tendo em seu currculo o roteiro e direo de cincocurtas-metragens, dois dos quais premiados em festivaisnacionais.

    Segundo Minas, o objetivo da produo disseminar, da forma mais ampla possvel, o assuntoentre pais e profissionais, sejam eles operadores doDireito, equipes psicossociais ou mdicos. De fato, adivulgao tem sido macia, com exibio em diversoslocais do pas, sendo sempre seguida por palestras edebates. Alm disso, junto ao lanamento do DiscoDigital Verstil (DVD), foi disponibilizado no site consideravelmente rico,que traz informaes sobre a sndrome de alienaoparental e depoimentos de pais que vivenciam o fen-meno.

    No documentrio, a articulao entre a teoriasobre a sndrome, explicada pelos profissionais, e aprtica vivenciada pelas famlias depoentes feita deforma coerente e bem estruturada. Para auxiliar essaconexo, o diretor faz uso de um recurso ficcional, emque durante a narrao do texto, redigido e realizadapor ele prprio, so apresentadas imagens de ambientesvazios, ainda que em funcionamento, como parqueinfantil, praia, jardim e labirinto de concreto, o que impri-me um tom melanclico e solitrio produo, senti-mento muito prximo daquele vivenciado pelos paisvtimas de alienao parental.

    O roteiro traz sete casos, em que pais e filhosque se identificaram com as caractersticas da sndromerelatam detalhes de suas histrias e seus dramas. Chamaateno a presena da nica mulher depoente comotendo sofrido alienao parental. De fato, de acordo comPinho (2009), significativamente mais comum depararcom casos de mulheres que praticam a sndrome dealienao parental contra seus ex-cnjuges/com-panheiros, considerando-se o percentual de mais de90% das guardas serem atribudas s genitoras.

    Dentre os casos apresentados, alguns se desta-cam, seja pela forte emoo transmitida pelos depoen-tes, seja pelos inimaginveis recursos utilizados pelosalienadores, seja ainda pelo grau de desgaste das rela-es familiares.

    Um dos casos refere-se atitude da genitora em

    relao s filhas, marcada por sentimento de posse enecessidade de controle, aspecto considerado tpicode um genitor alienador (Associao de Pais e MesSeparados, 2007; Fonseca, 2006; Magalhes, 2009).

    Destaca-se ainda o afastamento causado pelogenitor entre a ex-esposa e o filho, que conta que sconseguiu dar um beijo no rosto do filho quando estetinha 18 anos, bem como o relato de um pai, que pre-cisou recorrer a uma ao policialesca hollywoodianapara buscar as crianas, mesmo de posse do documentooficial que lhe concedia a guarda.

    Contudo, sem dvida, o relato mais comovente feito por uma jovem que passou 11 anos sem convivercom o pai, com quem retomou o contato recentemente.Ela lembra da obrigao que sentia de se aliar genitorapara agredir o pai, e ao fim do filme fica claro o impactopsicolgico sofrido. Esses sentimentos demonstradospela depoente foram debatidos por Silva (2010), queaponta que comum a criana estabelecer um pactode lealdade com o guardio, em funo da dependnciaemocional e material.

    O filme ainda apresenta dois casos de falsasdenncias de abuso sexual, talvez o sintoma mais crticoda alienao parental e cada vez mais comum entre asfamlias desfeitas. Nesses casos, a justia tem como pro-cedimento afastar o possvel abusador, imediatamente,at a concluso do inqurito. Como, em geral, a inves-tigao demorada, o vnculo entre o sujeito acusadoe o filho perdido. Percebe-se que, quanto a esta ques-to, ainda h muito no que avanar, a fim de preservar aintegridade da criana, mas tambm considerando ahiptese da falsidade da denncia.

    Deixando de lado os depoimentos das famlias,o documentrio passa a analisar a participao dosprofissionais da rea de Psicologia, Direito e ServioSocial, com comprovada experincia em conflitos fami-liares, o que lhes permite pontuar aspectos peculiares. esclarecido, por exemplo, que muitas vezes a alienaopode acontecer ainda na vigncia da relao conjugal,e que as estratgias utilizadas pelo alienador podem serbem sutis, como fazer a proposta de regulamentaode visitas no para valorizar o contato do filho com ooutro genitor, mas para manter a situao sob seucontrole.

    Alm de contribuir para esclarecer a temticaem questo, os profissionais reavaliam suas prticas,reconhecendo, por exemplo, que ainda no h um pre-paro por parte das equipes psicossociais e dos opera-dores do Direito para lidar com o fenmeno.

    Algumas crticas tecidas pelos familiares refor-am essa assertiva. Foi mencionada a realizao de pare-

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    ceres psicossociais baseados na escuta de apenas umdos lados da famlia, em geral o alienador, quando j sesabe que a escuta parcial e ingnua descabida e nefastanesse contexto. Sobre percia psicolgica no contextoda justia, a literatura vasta [Brito (2005), Cruz, Maciel eRamirez (2005), Frana (2004), Rovinsk (2007) e Shine(2005)], no devendo, portanto, ainda ser passvel deequvocos dessa natureza.

    O filme concludo com um dilema no resol-vido: quais as medidas mais apropriadas para lidar coma sndrome de alienao parental? Alguns depoentesquestionam a superficialidade com que so tratados oscasos e, principalmente, a condescendncia com que ajustia trata os alienadores. De fato, a discusso funda-mentada a esse respeito ainda incipiente no Brasil,com apenas algumas breves indicaes (Magalhes,2009; Vicentin, 2009). No entanto, no exterior, a buscapor alternativas tem sido mais enftica, a exemplo dosestudos de Gardner (2002), Lowenstein (2008) e Palmer(2002).

    Os autores citados so unnimes em aconselhara no se assegurar na palavra da criana quando estadiz que no quer conviver com o genitor ausente. Suge-rem, por outro lado, que o genitor afastado deve perse-verar no esforo de estabelecer e manter contato como filho, mesmo sentindo a rejeio constante, humilhan-te e desmoralizante.

    As alternativas arroladas so o encaminhamentodo alienador para psicoterapia e/ou a punio na formada lei (detenes e/ou multas).

    Sobre a questo da guarda e visitao, os estudosindicam, em um primeiro momento, a mediao entreas partes a fim de torn-las conscientes dos direitos edeveres concernentes aos filhos. Nos casos em que nose percebe a evoluo do alienador na colaborao parareverso do fenmeno, os autores sugerem que a crianaseja retirada da influncia do mesmo, e que a guardaseja revertida em favor do alienado. Se a sndrome jestiver instalada e a vtima apresentar alto grau de resis-tncia convivncia com o genitor alienado, indicadoque ela seja temporariamente encaminhada a um localneutro.

    O documentrio se encerra questionando assequelas que o fenmeno causa na histria de vida daspessoas, trazendo, assim, uma ampla abordagem sobrea alienao parental. No h dvida de que o filme nos ensina sobre a temtica, mas leva reflexo sobre as

    relaes familiares modernas e o que se tem feito delas.E isso da forma mais cruel possvel, porm realista, que atravs da experincia vivida, da dor sofrida e dasesperanas perdidas.

    Referncias

    Associao de Pais e Mes Separados. (2007). Sndrome daalienao parental e a tirania do guardio. Porto Alegre:Equilbrio.

    Brito, L. M. T. (2005). Temas de psicologia jurdica. Rio deJaneiro: Relume-Dumar.

    Cruz, R. M., Maciel, S. K., & Ramirez, D. C. (Orgs.). (2005). Otrabalho do psiclogo no campo jurdico. So Paulo: Casado Psiclogo.

    Darnall, D. (1999). Parental alienation conference. RetrievedMarch 2, 2010, from .

    Fonseca, P. M. P. C. (2006). Sndrome de alienao parental.Pediatria So Paulo, 28 (3), 162-168.

    Frana, F. (2004). Reflexes sobre psicologia jurdica e seupanorama no Brasil. Psicologia: Teoria e Prtica, 6 (1), 73-80.

    Gardner, R. (1985). Recent trends in divorce and custodylitigation. Academy Forum, 29 (2), 3-7.

    Gardner, R. (2002). Parental alienation syndrome vs. parentalalienation: which diagnosis should evaluators use inchild-custody disputes? American Journal of Family Therapy,30 (2), 93-115.

    Lowenstein, L. F. (2008). What can be done to reduce theimplacable hostility leading to parental alienation inparents? Justice of the Peace, 172 (12), 185-187.

    Magalhes, M. V. O. C. (2009). Alienao parental e sua sndrome:aspectos psicolgicos e jurdicos. Recife: Bagao.

    Palmer, S. E. (2002). Custody and access issues with childrenwhose parents are separated or divorced. CanadianJournal of Community Mental Health, (4 Suppl), 25-38.

    Pinho, M. A. G. (2009). Alienao parental: histrico, estatsticas,projeto de lei 4053/08 & jurisprudncia completa. Recu-perado em maro 2, 2010, disponvel em .

    Rovinski, S. L. R. (2007). Fundamentos da percia psicolgicaforense. So Paulo: Vetor.

    Shine, S. (2005). Avaliao psicolgica e lei. So Paulo: Casa doPsiclogo.

    Silva, D. M. P. (2010). Guarda compartilhada e sndrome daalienao parental: o que isso? Campinas: AutoresAssociados.

    Vicentini, M. R. C. (2009). Sndrome da alienao parental.Recuperado em maro 2, 2010, disponvel em .

    Recebido em: 6/4/2010Aprovado: 12/2/2011

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