a-morte de cristo

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  • 7/26/2019 A-morte de Cristo

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    A COMPREENSO DA MORTE DE JESUS NA IGREJA PRIM ITI VA

    runo Glaab

    A morte de Jesus, no Novo Testamento, interpretada de muitas maneiras. Osdiversos personagens, no Novo Testamento, que falam da morte de Jesus tm visesdiferentes. A interpretao diverge de acordo com o ambiente, o contexto e o tempo. Acompreenso mais comum a de que Jesus morreu pelos nossos pecados (Mc 10,45;Gl 1,4). Porm, esta uma teologia ps-pascal e bastante desenvolvida. Veremos, noentanto, que existem outras formas de entender a morte de Jesus.

    1O di lema da mor te de Jesus

    Peter Stuhlmacher julga que a teologia sobre a morte de Jesus como resgate dospecadores (Mc 10,45; Lc 22,20) venha diretamente da boca de Jesus histrico. Omesmo telogo supe que Jesus entendia sua morte luz do Antigo Testamento e queos discpulos apenas lembraram as palavras do mestre depois da ressurreio.

    Os passos dos evangelhos e das cartas que falam da morte vicria de Jesus e de sua obra ex-piatria so incontestavelmente anteriores a todo trabalho de explicao teolgica e constitu-em o critrio a respeito do qual podemos e devemos examinar em sua conformidade as ex-presses da Escritura sobre a morte de Jesus1.

    No entanto, esta teoria no parece exeqvel. R. Bultmann julga ser a teologiado resgate um trabalho das comunidades ps-pascais ou mesmo do redator final2.Os

    primeiros discpulos no entenderam a morte de Jesus. Fugiram. Sua f entra em crise.Consideraram tudo perdido. Voltaram Galilia, isto , antiga atividade (Jo 21,1-4;Lc 24,13ss). Este abandono de Jerusalm significa que tinham desistido da causa deJesus e de sua esperana. A morte provocou uma terrvel crise no discipulado. No en-tanto, esta derrota do Messias foi o desafio que reverteu a postura dos discpulos edespertou uma nova compreenso dos fatos. O judasmo no esperava a morte do seuesperado messias. No Targum, chegou-se at a apagar as referncias ao sofrimento do

    Servo de Is 53, por isto os discpulos tambm no conseguiram entender tal aconteci-mento3.

    Os discpulos de Jesus no poderiam estar preparados para esta morte a partir das tradiesreligiosas nas quais viviam, pois um messias sofredor ou at um que morresse para a salvaodo mundo no estava previsto no Antigo Testamento nem na expectativa judaica contempor-nea. Certamente havia a expectativa para um messias, mas este era um messias poltico e na-cionalista, que libertaria Israel do jugo da dominao estrangeira4.

    1

    STUHLMACEHR, Peter. Ges di Nazaret - Cristo dela fede. n.98, p.81.2BULTMANN, R.Die Geschichte der synoptischen Tradition.p.154ss.3BARTH, Gerhard.Ele morreu por ns.p.15.4BARTH, G.Ele morreu por nsp.17.

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    Devido a esta perspectiva, da qual os discpulos tambm participavam, e diantedo inevitvel e absurdo fracasso da cruz, a primeira comunidade crist fez um esforo

    para provar que o sofrimento de Jesus estava previsto nas Escrituras. Assim recorrem aIs 43,3b-4; 53,10-12, etc. para explicar o que aconteceu ao seu mestre. A experincia

    do ressuscitado trouxe aos discpulos nova luz e fora para fundamentar sua f. A res-surreio de Jesus lhes assegura: de fato ele mesmo! ele mesmo o salvador espera-do e dado por Deus, a despeito de toda rejeio e condenao e at mesmo dessa morteinjuriosa5.

    Professando a ressurreio, os discpulos interpretam a morte de seu mestre, nocomo um fracasso, mas de acordo com os desgnios de Deus. Para isto valem-se deuma cosmoviso do judasmo sobre o resgate e sobre a expiao vicria. No entanto,nem todos os discpulos tiveram a possibilidade de entender a morte de Jesus assim.Alguns apelaram para evasivas, negando a realidade material de Jesus (gnose, doce-tismo, etc.). Desta forma se evitava confrontar o escndalo da cruz com a realidade.

    Outros no apelaram para estes subterfgios, mas deixaram a morte de Jesus sem sen-tido. Muitos textos dos Atos dos Apstolos apenas vem na morte de Jesus um aconte-cimento do passado6, corrigido por Deus pela ressurreio (At 2,23-24; 3,13ss; 4,10;5,30; 10,39; 13,27ss). Tambm em Lc 24,26 a morte de Jesus apenas um estgio pas-sageiro, mas no parece ter significado para o presente. E mesmo a verso lucana deMc 10, 45 que se encontra em Lc 22,24-27 no fala da morte de Jesus como resgate.

    Chama a ateno a pouca importncia da morte de Jesus em alguns hinos cristos antigos, osquais pelo visto s estavam interessados na preexistncia, encarnao e exaltao de Cristopara a glria. No hino de seis linhas de 1Tm 3,16, que aborda desde a encarnao at a exalta-o de Cristo, a sua morte nem mesmo mencionada7.

    Os hinos cristolgicos de Fl 2,6-11 e Cl 1,15-20 a morte de Jesus no tem umpeso significativo. Apenas citada, e isto, provavelmente um acrscimo do redatorfinal. Simplesmente nestes hinos a morte de Jesus um fato constatado, mas sem mai-or importncia para a vida da comunidade de f. A morte de Jesus era um aconteci-mento sem significado especfico. O texto de Rm 10,9, visto como uma forma antiga,apenas destaca a ressurreio. Outro fato que chama a ateno que os ditos ou sen-tenas da fonte Q8, no contm a histria da paixo e da morte, nem tampouco algumainterpretao soteriolgica da morte de Jesus.

    Os adversrios de Paulo parecem tambm ter esquecido a cruz de Cristo (2Cor

    11,4s; 13,3s; Fl 3,10ss; 1Cor 1,18ss). S queriam anunciar o maravilhoso em Jesus.Talvez o mesmo se possa constatar nos cristos da comunidade de Marcos. Eles i-gualmente estavam pouco inclinados a olhar ao Jesus da cruz. Por isto mesmo o evan-gelista insiste tanto na cruz de Jesus (Mc 8,31; 9,31; 10,32-34)9. Havia, nos primeirosanos do cristianismo, cristos, para os quais, a morte de Jesus no era o centro de seu

    pensamento teolgico. Estes grupos, ao que parece, acabaram na marginalidade, oumesmo na heresia ou no cisma.

    5BARTH, G.Ele morreu por ns. p.24.6COMBLIN, J.Atos dos Apstolos.Vol. 1, p.93ss.7BARTH, G.Ele morreu por ns. p.26.8Fonte Q, ou fonte Quelle (Alemo). Suposta fonte de onde Lucas e Mateus tiraram material que no se encontraem Marcos.9 ALEGRE, Xavier.Marcos ou a correo de uma ideologia triunfalista.p.15ss.

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    Em Lucas a paixo no tem o sentido soteriolgico como em Marcos e princi-palmente em Paulo. O evangelho Lucas aponta para o tradicional chavo: necess-rio (Lc 9,22; 13,33; 17,25; 24,7.26.44-46). O mesmo se constata em At 1, 16; 3,18;4,12; 13,27; 17,3). Em At 4,12 se diz que s h salvao em Jesus, mas no se relacio-

    na esta salvao sua morte. Para Lucas h um plano histrico-salvfico, dentro doqual a morte apenas uma faceta, ao lado de tantas outras 10. Jamais em Lucas e nosAtos dos Apstolos, com exceo de Lc 22,19-20 e At 20,28 se encontra alguma refe-rncia soteriolgica sobre a morte de Jesus. A idia da expiao estranha, tanto aoevangelho quanto aos Atos dos Apstolos. Antes se valoriza a idia da ressurreio eda exaltao (At 2,33-34.36; 5,31). O exaltado, e no o morto, oferece o perdo (Lc24,47; At 2,38; 3,19ss; 5,31).

    A morte de Jesus como evento um acontecimento passado. Todavia, a ressurreio, apesarde citada como evento passado, claramente descrita em termos de seus efeitos presentes en-tre aqueles que crem11.

    Para Lucas, o que conta a ressurreio, no a morte 12. Mesmo ao descrever amorte com traos vivos, destacando a inocncia de Jesus, seu carter martirial, Lucasno lhe d o sentido soteriolgico. Se de fato Lucas um grego13, ento se pode vernisto um motivo para no apelar para a morte expiatria e vicria, pois esta era teolo-gia judaica. No contexto grego de Lucas muito mais importante ressaltar a ressurrei-o, pois a morte para os gregos loucura (1Cor 1,23).

    Da mesma forma o evangelista Joo, em alguns casos, empalidece a morte deJesus. A morte vista como a glorificao de Jesus (12,31; 13,31-32; 17,1-5) e no pa-rece que haja um sentido salvfico nesta morte. Pelo menos em alguns textos, a morte

    o retorno exitoso de Jesus ao Pai. O Jesus pintado no quarto evangelho no tanto osofredor como o de Marcos. Antes, ele majestoso at na hora da priso. Seus algozescaem por terra e mesmo diante de Ans e de Caifs Jesus parece verdadeiro soberano14.A justificao parece mais ser fruto da adeso a Jesus, de sua encarnao, do que frutode sua morte15. De fato, h, em Joo idias assim expressas: A vida eterna esta: queeles te conheam a ti, o Deus nico e verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo(Jo 17,3). Desta forma, para ter a remisso, basta conhecer o Pai e tambm o Filho,no se necessita de morte16.

    Por sua vez o redator da primeira carta de Pedro, tem forte a noo da teologiado resgate17. Ele apresenta Jesus como o cordeiro imolado (1Pd 1,18-19), que foi mor-to para expiar pecados (1Pd 3,18). Tambm 1Pd 2,22-25 se refere a este tema e se re-

    10BARTH, G.Ele morreu por ns. p.137.11BARTH, G.Ele morreu por ns. p.140.12Menos Lc 22,19-20 e At 20,28.13MAZZAROLLO, Isidoro.A Bblia em suas mos.p.125.14BARTH, G.Ele morreu por nsp. 144-145.15BROWN, Raymond.A comunidade do discpulo amado.p.121-122.16Porm, em Joo tambm h referncia ao sentido expiatrio da morte de Jesus. Joo Batista chama Jesus decordeiro que tira os pecados do mundo (Jo 1,29), Jesus diz que Deus tanto amou o mundo que deu seu Filho(3,16), ainda o prprio Jesus, no dilogo com Nicodemos, que aponta para o filho crucificado (3,14-15), prin-

    cipalmente no discurso do Bom Pastor isto se torna claro (10,11-15). O sumo sacerdote diz que melhor que mor-ra um por todos (11,50). Jesus mostra que no h maior amor do que doar a vida (13,13). Alm do mais, Jesusmorre no momento em que deveriam morrer os cordeiros (19,16.32-36).17JEREMIAS, J.A mensagem central do Novo Testamento.p.40.

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    laciona com Is 53. Cristo, no madeiro, levou os pecados da humanidade.Ele que emseu prprio corpo carregou nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que, mortos paraos nossos pecados, vivamos para a justia; ele, cujas chagas vos curaram (1Pd 2,24-25). Este tema perpassa a primeira epstola de Pedro, pois ainda em 3,19s e em 4,6 se

    alude morte de Jesus como sendo fato expiatrio. Jesus, morto, vai aos infernos pararesgatar os condenados.Do que foi visto neste item, pode-se contradizer Stuhlmacher. Se Jesus de fato

    tivesse entendido sua morte como expiatria e vicria, seria difcil imaginar que osprimeiros cristos nem sempre entenderam a morte de Jesus assim. Conclui-se aquique, devido necessidade diante de um aparente fracasso na cruz, os discpulos queexperimentaram o ressuscitado tiveram que reler a pessoa de Jesus luz do AntigoTestamento. Assim chegaram, num processo lento, que em alguns centros avanavamais, teologia do resgate e da expiao vicria.

    2As interpretaes da morte de Jesus

    Na comunidade eclesial antiga, a morte de Jesus um escndalo. Ela loucurapara gregos e maldio para os judeus (1Cor 1,22ss). Portanto, a morte de Jesus umfato vergonhoso e lamentvel para a igreja. Assim, um dos querigmas mais antigos,expresso em 1Cor 15,3 diz que Cristo morreu pelos pecados dos homens, segundo asescrituras18. Desta forma, na Igreja primitiva, entre as muitas possveis interpretaesda morte de Jesus, surge a interpretao expiatria e vicria com base em Is 43,3b-4 e53,10-12. Neste processo tem grande participao, o apstolo Paulo, bem como o reda-

    tor de Hebreus. Nestes dois autores a teologia do resgate freqente. Porm, antes dese chegar a esta teologia, muitas outras interpretaes marcaram as comunidades cris-ts, que, aos poucos se tornaram insuficientes e pediram teologias mais desenvolvi-das19.

    a) A morte de Jesus como ato necessrio de Deus: diversos textos de Atos dosApstolos, de Marcos, de Lucas e mesmo Paulo apontam para o fato de a morte e aressurreio terem sido acontecimentos necessrios diante de Deus20. Parece que tudoestava determinado (At 2,23ss; 4,10; 5,30; 10,39-40; 13,27ss.). Necessrio que o Filhodo Homem sofra (Mc 8,31; Lc 17,25). Ser entregue (Mc 9,31; 10,33; 14,21.41). necessrio (Jo3,14; 12,34; 20,8). Esta interpretao uma tradio muito antiga. Reflete uma necessi-

    dade divina e no uma necessidade tica. Tambm no se pensa num fatalismo gregode um destino predeterminado, mas a idia se move no apocaliptismo, onde se verificaum misterioso necessriodos acontecimentos como se encontra em Dn 2,28: (Mc13,7.10; Ap 1,1; 4,1; 22,6). Assim se dir que a morte de Jesus se d de acordo com asEscrituras (1Cor 15,3; Mc 14,21.49; Mt 26,54).

    b) A morte de Jesus como sofr imento do justo:se era necessrio que Jesus so-fresse a morte, cabe uma questo: por que o Pai exigiu tal sacrifcio? J no Antigo Tes-tamento existe a tradio sobre o justo que sofre. Encontra-se eco para tal tradio nosSl 2; 5; 22; 31; 34; 37; 69; 140. O piedoso confia em Deus; justamente por isto ele

    18JEREMIAS, J.A mensagem central do Novo Testamento. p.55-56.19Aqui se passar a descrever as diversas interpretaes, de acordo com Gerhard Barth, Ele morreu por ns.p.29ss.20ZIMMERLI, W. e JEREMIAS, J. The Servant of God.p.101s.

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    escarnecido pelos inimigos; aps ser reabilitado por Deus, ele oferece seu louvor21.Ao longo da histria, no judasmo, o escndalo do sofrimento do justo experimentado

    pelos piedosos desenvolveu uma mstica do sofrimento (J e no apocaliptismo tardio).Nesta espiritualidade o justo sofredor consolado e confortado por Jav. Tal tradio

    veterotestamentria influenciou as comunidades crists primitivas a elucidar o escn-dalo da cruz. Isto se constata pela presena dos salmos de sofrimento presentes no re-lato da paixo. Mc 15,24 tem como pano de fundo o Sl 22,19; J Mc 15,29 se refere aoSl 22,8; Enquanto que Mc 15,34 se reporta ao Sl 22,2, etc. Assim, Jesus, o justo, deviasofrer, pois esta a sorte dos justos.

    c) A mor te de Jesus como destino do profeta22: Alguns dos profetas no AntigoTestamento tiveram sorte pouco edificante, sendo perseguidos e at assassinados. Ha-via uma tradio deuteronomista que influenciou o cristianismo primitivo e esta diziaque Israel, desde o princpio no ouviu os profetas, os perseguiu e os matou (Mt 5,12;23,37; Lc 11,49-51). Tambm o destino de Jesus foi lido nesta perspectiva, como o

    profeta rejeitado e perseguido at a morte (Mt 12,1-12; Lc 13,33; At 7,52). Alm deapresentar Jesus como profeta, se interpreta sua morte. Ele o autntico profeta quevai at a morte.

    d) Mor te de Jesus como expiao vi cria23: a interpretao da morte de Jesuscomo expiao vicria pelos pecados uma fase teolgica das mais desenvolvidas do

    Novo Testamento e obteve alcance mais amplo e duradouro. tambm a interpretaomais difundida. No Novo Testamento aparece mais de 50 vezes. Os conceitos usados

    para expressar esta vicariedade variam, mas sempre apresentam idia semelhante. Em1Jo 2,2 e 4,10 encontram-se os termos - expiaoe - expiar. Paulousa -por(Rm 5,8; 2Cor 5,21, etc). Ou ainda - entrega por(Rm 8,32;

    Gl 1,4), bem como -por(1Cor 8,11; Rm 14,15). O evangelista Joo traz o termogrego - morrer por(Jo 11,51; 18,14). Tambm Paulo usa este termoem Rm 5,5.8. Mateus e Pedro fazem uso de -por(Mt 26,28; 1Pd 3,18), enquantoque Marcos usa- por(Mc 10,45; Mt 20,24). Porm, a preposio a maisusada no Novo Testamento para designar a morte de Jesus. Pode ter o sentido depor, em favor de, em benefcio de, em lugar de, em vez de, porque,por causa de24. H, ainda muitos textos no Novo Testamento onde no aparece uma

    palavra para designar a expiao, mas onde ela pressuposta, principalmente quandose fala do efeito salvfico do sangue de Jesus ( Rm 3,25; Hb 9,12.14; 1Pd 1,2; 1Jo 1,7,etc. Portanto, a morte de Cristo entendida aqui claramente como sacrifcio expiat -

    rio e isso ento vinculado com a idia de resgate25. Logo, os primeiros cristos en-tendem a morte de Jesus como expiao vicria, a partir de sua experincia, mas so-mente depois de um estado avanado de desenvolvimento teolgico, e isto, a partir deuma cosmoviso veterotestamentria, principalmente a partir do judasmo helenistados ltimos sculos do Antigo Testamento e do primeiro sculo do Novo Testamento.

    e) A mor te de Jesus como resgate26: em certos textos do Novo Testamento amorte de Jesus interpretada como o preo do resgate, a importncia paga ()

    21BARTH, G.Ele morreu por ns. p.34-35.22ZIMMERLI, W. e JEREMIAS, J.The Servant of God.p.101s.23JEREMIAS, J.Der Opfertod Jesu Christi.p.624BARTH, G.Ele morreu por ns. p.47.25BARTH, G.Ele morreu por ns. p.55.26LOHSE, E.Mrtirertod und Gottesknecht.p119ss

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    para adquirir a liberdade dos cativos. Os termos gregos usados neste sentido, so: - resgatar, redimir(Gl 3,13; 4,5). - comprar(1Cor 6,19-20; 7,22;Ap 5,9-10; 14,3-4). - comprar a liberdade(Tt 2,14; 1Pd 1,18-19). - resgate de escravo (Mc 10,45; Mt 20,24). - resgate (1Tm 2,6).

    - adquirir(At 20,28). Na realidade a idia de resgate confundida coma de expiao, e isto se verifica em Gl 3,13; 4,5; Tt 2,14. Porm, h uma diferena.Expiao vicria significa eliminao do pecado diante de Deus. Enquanto que resgatesignifica libertao de uma pessoa de escravido27. Resgate resulta em troca de senho-rio, ou seja, o cristo resgatado por Jesus j no mais escravo dos poderes da morte,mas pertence a Jesus. (1Cor 7,22). Esta metfora retoma uma imagem do mundo daescravido. O mrito desta interpretao consiste no fato de que aqui o fruto da mortede Cristo caracterizado claramente como libertao do ser humano da escravido dos

    poderes demonacos que dominavam a sua vida pregressa28. Isto no implica necessa-riamente entender o resgate no sentido de uma libertao da condenao do inferno.

    Resgate, neste sentido, a libertao dos poderes demonacos, ou seja, das falsas ideo-logias que dominam o ser humano quando ele est longe da verdade do evangelho.f) A morte de Jesus como morte da qual part icipam os humanos: Paulo inter-

    preta a morte de Jesus como acontecimento que marca o fim de uma etapa e o incio deoutra. Neste sentido, o cristo participa da morte de Jesus, para ressuscitar com ele eviver vida nova, ou ser nova criatura, quando ento, j no mais o prprio Pauloquem vive, mas Cristo que vive nele. O batismo seria ento a sepultura com Cristo e aressurreio para a nova vida (Rm 6,1-11). A passagem de morte com Cristo para umanova vida est atestada tambm em Rm 7,4; Gl 2,19; 5,24, etc. Esta noo mais a-

    brangente do que a morte expiatria e a vicria. Na viso da morte expiatria s a

    morte de Jesus que salva. Aqui a morte e a ressurreio que so salvficas, pois ocristo morre e ressuscita com Cristo. Na viso da morte vicria Jesus morre no lugardo ser humano. Aqui ele morre junto para com ele ressuscitar.

    g) A mor te de Jesus como vitr ia sobre os poderes da mor te:a idia de descerao Hades e lutar com a morte era uma idia bem conhecida no oriente e no ocidente.Faz parte da mitologia de muitos povos que a aplicavam aos seus heris29. Esta idia

    penetrou no judasmo tardio (Is 25,8; 4Ed 7,3130, etc.) e dali passou para o Novo Tes-tamento. Nesta mesma perspectiva, tambm Cristo tem vencido os poderes da perdio(pecado). Ele conquistou a salvao descendo ao reino dos mortos, libertando os que aestavam presos. Na literatura apcrifa tal mito bem descrito. Os Atos de Tom31re-

    presentam a ida de Jesus regio dos mortos (At Tom 156; 10,32; 48). A mesma ima-gem est nas Odes de Salomo 42. Tambm em 1Pd 3,19 e 4,6 se reproduz esta viso,

    bem como em Ap, 1,18 e 20,13-14. A concepo de que Cristo, na hora de sua mor-te, desce at o Hades e ali derrota - numa luta - os prncipes do Hades ou inferno32.

    No Novo Testamento encontram-se vestgios desta viso mtica. Em Mt 27,51-53 senarra que no momento da morte de Jesus a terra tremeu e se fendeu, muitos mortos sa-ram de suas sepulturas e entraram na cidade. Assim Jesus, pela sua morte teria ido ao

    27BARTH, G.Ele morreu por ns. p.78.28BARTH, G.Ele morreu por ns. p.81.29BARTH, G.Ele morreu por ns. p.102.304Ed livro apcrifo do judasmo tardio.31Apcrifo do tempo do Novo Testamento.32BARTH, G.Ele morreu por ns. p.93.

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    Hades e teria libertado os mortos que l estavam presos. Com esta viso mtica, perso-nifica-se o poder que age sobre a morte. O diabo, a morte e o senhor do Hades se con-fundem33. A morte de Jesus assim no vista como resgate, mas a destruio deste po-der. Pela sua morte Jesus destruiu a morte (1Cor 15,24.26; 2Ts 2,8; 2Tm 1,10; Hb

    2,14). Assim, pois, j que os filhos tm em comum o sangue e a carne, tambm eleparticipou igualmente da mesma condio, a fim de, por sua morte, reduzir impotn-cia aquele que detinha o poder da morte, isto , o diabo (Hb 2,14). Este texto tem ce r-ta base gnstica. Entende-se aqui a preexistncia das almas. Estas esto presas mat-ria e por isto, morte. Jesus entrou na matria e salvou as pessoas desta morte. Atravsde sua morte Jesus destruiu o poder da morte, deixando o ser humano livre.

    h) A mor te de Jesus como revelao do amor de Deus:no Novo Testamento seencontra tambm uma interpretao de que Jesus morreu para revelar o amor de Deusaos seres humanos: Deus demonstrou seu amor para ns no fato de que Cristo morreu

    por ns quando ainda ramos pecadores (Rm 5,8). Encontram-se diversas citaes

    desta mesma forma: Rm 8,31-39; Gl 2,20; 2Cor 5,14ss; Ef 2,5-6, Mas tudo isto ainda mais evidente nos escritos joaninos, onde se afirma que Deus manifestou seu amor,enviando seu Filho como expiao (1Jo 4,9-10), ou ainda, que Deus tanto amou omundo que deu o seu Filho (Jo 3,16).

    i ) A morte de Jesus como modelo: existe, no Novo Testamento, tambm a no-o de que os cristos devem aceitar o sofrimento, pois tambm Jesus sofreu. Se Jesussofreu, deixando um exemplo, os fiis devem seguir este caminho.

    Visto que o mesmo Cristo sofreu por vs, deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais su-as pegadas: ele que no cometeu pecado e em cuja boca no se encontrou falsidade; ele que,insultado, no retribua o insulto, em seu sofrimento, no ameaava, mas se entregava quele

    que justo Juiz; ele que em seu prprio corpo carregou nossos pecados sobre o madeiro, a fimde que, mortos para os nossos pecados vivamos para a justia; Ele, cujas chagas nos curaram(1Pd 2,21b-24).

    Como Cristo, o inocente sofreu, isto exemplo para os cristos (1Pd 3,17-18;4,1-2; Ef 5,2.25; Mc 10,45; Lc 22,21.35; 23,28ss, etc.). Esta viso tem suas razes nos

    perodos difceis dos tempos de perseguio, quando se tem que preparar os cristospara enfrentar as dores e at a morte pelo nome de Jesus. Ao iluminar o absurdo da dordo povo, apela-se para o modelo deixado por Jesus, que tambm sofreu e foi at a mor-te.

    As diversas formas de interpretar a morte de Jesus so vlidas e so expressesde uma determinada fase da igreja. Talvez nenhuma deveria ser absolutizada, ou mes-mo, ser entendida fora do seu contexto. A interpretao da morte expiatria e vicria,

    bem como o sentido de resgate suplantou todas as demais formas e atravessou a hist-ria da igreja at os dias atuais. Esta interpretao j deu mal-entendidos que hoje de-vem ser solucionados atravs de uma leitura crtica.

    3Paulo e a compreenso da morte de Jesus

    33BARTH, G.Ele morreu por ns. p.97.

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    Para Paulo, o ser humano est numa situao fracassada diante de Deus, de on-de ele, por si no pode sair (Rm 7,24). Ele est como que, inimigo de Deus (Rm 5,10;11,28)34. S Deus pode valer ao ser humano nesta sina (1Ts 5,9). Nesta libertao, oser humano necessariamente dever contar com Cristo (Rm 1,16; 5,9s; 10,9). Cristo

    despojou todos os poderes que escravizavam os humanos (Cl, 2,15). Deus nos liber-tou do imprio das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor (Cl1,13)35. Assim, toda a criao redimida da corrupo (Rm 8,21). Cristo liberta o hu-mano da Lei (Gl 3,13; 4,4s) e tambm do pecado (Rm 8,2). Cristo se tornou carne pe-caminosa, para destruir o poder que escraviza a carne (Rm 8,3). Aquele que no c o-nheceu o pecado, ele o fez pecado por ns (2Cor 5,21).

    :Se Deus, pois condenou, na carne o pecado(Rm 8,34), o pecado no mais senhor sobre acarne desde a morte e ressurreio de Cristo, e por isto possvel, a partir de ento, no andarsegundo a carne36.

    Mas, como se dar esta libertao da condio fracassada em que os humanosse encontram? Paulo tem diversas categorias para falar disto. Tudo, em Paulo se liga cruz e f. Deus props Jesus, pelo seu sangue, como propiciao, mediante a f (Rm3,25). A justificao se dar pela f e no pelas obras (Rm 3,21-30), pois se a justifca-o viesse das obras, ento toda cruz de Jesus e seu papel de expiador seria em vo. A

    justia praticada pelo homem torna incua a justificao realizada por Jesus37. Assim,em Cristo, pela f, o humano participa da justia de Deus, ou melhor, justificado porDeus. O homem recriado (2Cor 5,17.21). A justia de Deus se realiza por meio damorte de Cristo (Rm 5,6ss), isto , pela cruz. Em Paulo se confunde a reconciliao e a

    justificao38. Ele fala da justificao como reconciliao (Rm 5,9-10), do ministrioda justificao (2Cor 3,9) e de ministrio da reconciliao (2Cor 5,18). Justificao ereconciliao so conseqncias uma da outra (Rm 5,1). Na realidade, os dois concei-tos vm de esferas diferentes. -justificao um conceito forense e religi-oso. J - reconciliar vem do meio social e tem um sentido mais genri-co39. Deus reconcilia a humanidade (2Cor 5,18-21) por meio de Cristo.

    Em total concordncia o grande tema bsico da pregao de Paulo, a reconciliao em tudoisto a obra redentora de Deus em Cristo, dirigida ao mundo para fazer desaparecer a inimizade,para restabelecer a paz40.

    Esta reconciliao feita por Deus, com a humanidade, passa pelo sangue de Je-sus (Cl 1,20). A reconciliao um dom que o humano recebe pela graa (Rm 5,11),cujo fundamento se encontra na cruz de Cristo. Os inimigos foram reconciliados namorte do Filho (Rm 5,10), os que estavam longe foram aproximados (Ef 2,13-16; Cl1,20). Onde teria, Paulo se inspirado para falar desta forma?

    34RIDDERBOS, Herman.El pensamento de apstol Pablo. p.118.35Mesmo que Colossenses provavelmente no seja de Paulo, ela reflete a teologia paulina.36KMMEL Werner Georg. Sntese teolgica do Novo Testamento.p.220.37KMMEL Werner Georg. Sntese teolgica do Novo Testamento.p.223.38RIDDERBOS,El pensamento de apstol Pablo. p.195.39RIDDERBOS,El pensamento de apstol Pablop.195.40RIDDERBOS,El pensamento de apstol Pablo.p.196.

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    3.1 - As fontes:Paulo o telogo do Novo Testamento que mais apresenta a te-ologia do resgate, e da cruz. Cabe, ento a pergunta: ela um trabalho de Paulo? Teriasido ele o primeiro a entender a morte de Jesus como resgate? Certamente no. Talteologia se formou em ambiente da Ceia, quando ento se celebrava a doao de Jesus

    na eucaristia e, aos poucos, passou a se interpretar sua morte como resgate. Assim, aterminologia paulina do resgate (2Cor 5,19), provm deste ambiente, mas reflete a re-conciliao como era entendida no judasmo de fala grega 41quando este rel Is 53 eoutros textos do Antigo Testamento. Paulo transferiu esta terminologia para tornar seuapostolado compreensvel. A interpretao da morte de Jesus como expiao vicriadesenvolvida a partir da obra terrena de Jesus encontra sua expresso no enunciado doclice e do resgate (Mc 14,24; 10,45)42. difcil encontrar a fonte pr-paulina dassentenas que dizem que Jesus morreu pelos pecados da humanidade. impossvel es-tabelecer influncia direta da teologia expiatria do Lv 5,6-10, na verso da LXX so-

    bre a frmula usada por Paulo. Na traduo da LXX se usa o termo

    - meio de expiao, que se liga, ou reproduz os termos - sacrifcio(reparao) pelo seu pecado(Lv5,6). Paulo prefere , que se traduz por no lugar de, em vez de (2Cor 5,14),em favor de (Rm 5,7), por causa de (Rm 14,15), por nossos pecados (1Cor15,3b; Gl 1,4)43. No se pode afirmar com certeza que houve uma influncia da lingua-gem cltica do Levtico sobre as frmulas da morte de Jesus. Em Rm 5,7 constata-seque Paulo usou o termo- morrer- que reflete a viso helenista44da mor-te de Jesus. As frmulas gregas /tambm existem fora da teologia expiatriado culto do templo (2Mc 6,28; 4Mc 6,28; Sl 3,8). Breytenbach45supe que as frmulasda doao da vida tm influncia da teologia Sacerdotal (Priester). Isto se evidenciaria

    em Rm 4,25; Gl 2,20 e Rm 8,32. A idia protocrist que Cristo morreu pelos nossospecados se originou no cristianismo judeu de fala grega, que h pouco se separou dotemplo46. Enquanto Gl 3,13 e tambm Gl 4,4-5, que refletem o conceito de eliminaodo pecado, provm de Dt 21,23, para indicar que o crucificado, de forma vicria -por vs, se tornou maldio. Ao menos em parte, parece claro que a teo-logia do ele morreu por nsvem da teologia cltica47que se inspira na teologia sa-cerdotal exarada em Levtico, na verso dos LXX 48. Em 2Cor 5,21 se usa que equivale a pecado, troca por vtima do pecado. Em Rm 8,2-3 o mesmotermo traduz lei do pecado e tambm vtima do pecado. Os tradutores do Levtico paraa LXX traduzem hattatpore lhattatpor . No Le-

    vtico o termo traduzido por pecado e s vezes tambm o ato, rito de expi-ao e mesmo o animal que carrega o pecado49. Neste caso, se em Paulo est o concei-to de vtima do pecado e esta traduo for correta, ele estaria indo um pouco alm datraduo de Levtico na verso da LXX, pois ali se traduz o animal, mas no vtima de

    pecado. De fato, existe uma grande semelhana entre Paulo e compreenso da teologia

    41BREYTENBACH, C. Vershnung, Stellvetretung und Shne. p.63.42GOPPELT, Leonard. Teologia do Novo Testamento.p.366.43BREYTENBACH, C. Vershnung, Stellvetretung und Shne. p.69.44RIDDERBOS,El pensamento de apstol Pablo. p.205.45BREYTENBACH, C.Vershnung, Stellvetretung und Shne . p.70.46BREYTENBACH, C. Vershnung, Stellvetretung und Shne, p.71.47RIDDERBOS,El pensamento de apstol Pablo. p.206.48Por isto diz acima, que tal teologia vem o cristianismo judeu de fala grega.49BREYTENBACH, C. Vershnung, Stellvetretung und Shne. p.74.

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    Sacerdotal (Priester). Em ambos, Deus mesmo tira os pecados. O que dificulta esta as-sertiva o fato de que, onde o judasmo helenista trata da expiao, ele recebe influn-cia do helenismo e no do Levtico. Os textos de 2Cor 5,21 e Rm 8,3 no deixam claroque Paulo derivasse a compreenso da morte de Jesus do ritual da vtima do pecado do

    Levtico. Talvez Rm 3,25 tenha origem na tradio do grande dia de expiao. Se istofor correto, Paulo estaria mostrando que entendeu a cruz como expiao em separaodo culto50.

    Nem toda a compreenso expiatria do Antigo Testamento deriva do culto e dotemplo. Assim est o Servo de Jav (Is 53), bem como Is 43. Esta tendncia de desco-nectar a expiao do culto se fortalece durante a helenizao dos judeus 51. Assim se fa-la em jejuns, preces, etc., como meios de expiao por volta de 200 a.C. Depois dadestruio do templo, no ano 70 d.C., no judasmo rabnico ficou evidente que Deustambm perdoaria pecados sem o culto do templo e suas vtimas. A vtima do pecado

    perdeu o sentido. Tudo isto que se efetivou neste perodo j existia em fase embrion-

    ria bem antes dos tempos de Paulo. Principalmente na dispora, onde era mais difcil irao templo, tal teologia j floresceu. Com isto se justificaria que judeus helenistas, nocontexto das perseguies fugiram e, como os helenistas de At 6-7 e 11,19ss, divulga-ram tal teologia em Antioquia, onde Paulo poderia ter aprendido esta noo. Destaforma, pode-se garantir que possvel compreender a morte expiatria de Jesus forado culto e de suas vtimas52. Dito isto, convm lembrar o que j foi afirmado acima, ocontexto da Ceia, iluminado por Is 53 e outros textos do Antigo Testamento, seria oSitz im Lebendesta compreenso. Mesmo no podendo afirmar com toda clareza, asfontes, pode-se situar alguns pontos, onde se supe que haja apoio para Paulo e mesmo

    para a tradio pr-paulina. Paulo se vale de quatro fontes para explicar este por

    ns:a) Tradio do cor deiro: Pois Cristo, nossa pscoa foi imolado (1Cor 5,7b).

    Paulo situa Jesus na tradio do cordeiro pascal, isto , da antiga aliana, onde um cor-deiro morria pelos pecados de homens e de mulheres (primeira redeno). Assim Jesusmorre e produz a derradeira redeno53. Rm 3,25 chama Jesus de - meioexpiatrio. Isto lembra 4Mc 17,2254. Na verso da LXX este termo traduz o hebraicokapporitque significa a tampa da arca da aliana, onde Deus morava. No dia daexpiao esta tampa era aspergida (Lv 16,30; 23,27). Por este ato litrgico apagavam-se os pecados55. Assim, na viso paulina, no crucificado esto a tampa (madeira) e osangue da expiao. Paulo declara aqui que a ao divina que libertou os homens de

    sua culpa se realizou porque Deus colocou Cristo, por seu sangue, como meio de pro-piciao56.

    b) Dir eito penal : Ele foi entregue pelos nossos pecados (Rm 4,25), comotambm Rm 8,3.32; Gl 1,14; 3,13 e Cl 2,14 se referem a Is 53,10-12 e lembram o di-reito penal, ou seja, tratam da pena imposta por um delito, mas no cometido por ele,seno pelos homens e mulheres. Logo, a pena que os pecadores deveriam sofrer, Jesus

    50BREYTENBACH, C. Vershnung, Stellvetretung und Shne p.79.51Fenmeno que ocorreu a partir da ocupao do Imprio Grego em 332 a.C.52BREYTENBACH, C. Vershnung, Stellvetretung und Shne, p. 76.53GOPPELT.Teologia do Novo Testamento. p.366.54Livro apcrifo do Antigo Testamento.55GOPPELT, Teologia do Novo Testamento. p.367.56KMMEL, Sntese teolgica do Novo Testamento. p.227.

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    a sofreu. Tambm Gl 3,10 fala da maldio (cf. Dt 27,15-26). Todos os que esto sob alei so malditos (Rm 2,6), mas Cristo nos resgatou desta maldio, tornando-se elemaldio em nosso lugar (Gl 3,13). Aquele que no conheceu o pecado se fez pecado

    por ns (2Cor 5,21).

    c) L iber tao de escravo:Paulo usa categorias do Antigo Testamento, onde sefala de comprar (1Cor 6,20), resgatar (Gl 3,13; 4,15) escravos, por um preo (1Cor6,20; 7,23). Trata-se de assumir a escravido em lugar de outro, para que este sasse li-vre. Assim Cristo, pela sua morte em lugar dos pecadores, libertou estes mesmos daescravido.

    d) Obedincia do Servo:Rm 5,18-19; Fl 2,6-11 e Gl 4,4-5 dizem que, Cristo,pela sua obedincia justificou os pecadores. Sendo obediente, a exemplo do Servo So-fredor (Is 52,13-53,12), Jesus assumiu para si os pecados dos desobedientes. Todas es-tas fontes ilustram, em Paulo o por ns, isto , a suplncia pelos pecadores da partedaquele que foi sem pecado e, que devido sua condio de inocente e de Filho de

    Deus, resgatou a humanidade de uma situao de escravido.

    3.2 - Teologia da cruz: Paulo, com sua teologia da cruz exerceu influncia noNovo Testamento. Sua teologia est na base de Hebreus e de 1Pedro57, e talvez tam-bm em outros escritos. Ele usa os termos cruze crucificarmais do que todos osescritos do Novo Testamento. Fala na linguagem da cruz (1Cor 1,18). Com esta lin-guagem Paulo se confronta com seus opositores, que preferem um Jesus sem o escn-dalo da morte e do sofrimento (cf. Gl; 1Cor e Fl). Talvez Paulo tenha um conflito comheresias nascentes como a gnose e o docetismo que separavam o homem Jesus doCristo, ao mesmo tempo se confrontava com judaizantes que, apesar de terem aderido

    a Jesus, ainda julgam necessria a observncia da lei de Moiss (Cf At 15,1ss). Diantedeste quadro, Paulo anuncia a mensagem irritante da cruz com toda a sua clareza (Gl3,1; 1Cor 1,23; 2,3). Na linguagem de Paulo, Cristo se tornou maldio para ns(Gl3,13), foi feito pecado por ns (2Cor 5,21). Antes de sua converso, Paulo v Jesuscomo maldito (1Tm 1,13; At 26,11; 1Cor 12,3). Depois da converso Paulo mostraque Jesus se tornou malditopor ns(Gl 2,20).

    No , pois, exagero dizer que toda cristologia de Paulo est decididamente centrada nesteesforo para tornar compreensvel para seus leitores e ouvintes este por ns,esta suplnciade Cristo em nosso favor58.

    O sentido da paixo e morte de Jesus, segundo Paulo, na obra reconciliadora deDeus se evidencia no fato de que em Cristo se manifesta a justia de Deus (Rm 3,25-26). Deus ps Jesus como propiciatrio em seu sangue (Rm 3,25). Pela morte de Jesusos humanos foram reconciliados e justificados (Rm 5,9)59.

    4Concluso

    57JEREMIAS, J. Mensagem central do Novo Testamento.p.48.58JEREMIAS,Mensagem central do Novo Testamento. p.48.59RIDDERBOS,El pensamento de apstol Pablo. p.200.

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    Hoje comum entender a morte de Jesus como resgate ou como expiao vic-ria pelos pecados da humanidade. Na realidade, no Novo Testamento nem sempre seentendeu assim. Alguns telogos, iluminados pelo Antigo Testamento, pela heleniza-o do judasmo e por outros fatores chegaram a interpretar a morte de Jesus como tal.

    Isto certamente trouxe um contributo para a teologia que, s vezes, deu idias estra-nhas. Ou seja, nasceu uma espiritualidade conformista com o sofrimento e mesmo como sacrifcio de milhes de seres humanos. No entanto, no foi esta a teologia desenvol-vida no Antigo Testamento, principalmente no mundo Paulino. A morte de Jesus foium fato, no querido por Deus, mas imposta pelo sistema poltico e religioso, viciado e

    pecaminoso da poca. Toda a vida de Jesus libertadora e salvfica, no apenas a suamorte. Esta a sntese de sua vida e por isto pode se dizer que ele morreu por ns, masna realidade, ele se encarnou por ns, viveu por ns, morreu por ns, ressuscitou porns e ainda hoje est conosco (Mt 28,28) para que ns tenhamos a vida plena( Jo10,10).

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