paixão e morte de nosso senhor jesus cristo

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PAIXÃO E MORTE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

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Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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Page 1: Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo

PAIXÃO E MORTE DE

NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Page 2: Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo

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Nunca meditaremos o suficiente sobre as riquezas do tesouro que

é Nosso Senhor Jesus Cristo.Tentemos aproximar-nos desse santuário divino para melhor estimá-Lo e mais perfeita e

profundamente adorá-Lo, e com um entusiasmo sem limites nos

consagrarmos a Seu serviço.A morte de Deus [encarnado] na Cruz [é a] morte estimada pelo

próprio Deus como o único meio conveniente de apagar as

conseqüências do pecado e de fazer reviver espiritualmente, e um dia corporalmente, os que

crerem nEle e receberem dEle a graça da Vida divina, prelúdio da

Vida eterna.Perguntemos a Nossa Senhora

das Dores o que foram essa paixão e essa morte; que Ela nos ajude a medir a dor e a caridade do Deus crucificado, no corpo

que Ele se dignou receber dEla.

Dom Marcel Lefebvre

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PREFÁCIO

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Prefácio

Contemplação do mistério da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo

Devemos “mergulhar” na meditação da Paixão. A Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo é um mar 1 sem fundo, sem margens e sem superfície. Afiguremo-nos que somos uns náufragos e que não tivemos a possibilidade de agarrarmo-nos a uma tábua de salvação e afundamos até ao mais profundo do mar, onde reina inalterável silêncio e a mais completa tranqüilidade, enquanto a superfície está revolta em tempestade. Assim devemos mergulhar nesta meditação: esquecer tudo: o passado, o futuro, nossos afazeres, nossas obrigações, nossas preocupações: colocar toda a alma na consideração desse mistério; abismarmo-nos nele. Ainda que a alma, em suas funções mais ligadas ao corpo (memória, imaginação), se agite, devemos fixar-nos firmemente na paz, no mais profundo da alma. Darmos atenção à imaginação e às lembranças seria agarrarmo-nos àquela “tábua de salvação”, a qual nos faria ficar na superfície.

O mar pode ter vários significados: ou a imensidade dos sofrimentos de Nosso Senhor 2, ou a extrema quantidade do Sangue redentor derramado, ou o incomensurável amor de Nosso Senhor por nós, manifestado bem claramente em Sua Paixão, ou, ainda, o abismo da maldade que encerra o pecado,

1 Cf. Lam. 2, 13.2 Idem.

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para a remissão do qual foi necessário o abismo da Paixão 3, ou, finalmente, o mar pode significar o valor infinito da morte do Homem-Deus, que faz com que todo homem, desde Adão até o último que viver sobre a terra, que mergulhar nesse mar vermelho, por mais numerosos e graves que sejam seus pecados, tornar-se-á limpo deles. Pensar, como Caim e Judas, que seu pecado era grande demais para poder ser perdoado, é blasfemar contra a dimensão infinita desse mar.

A consideração dessas verdades é que deve formar o “ambiente”, o “plano de fundo”, no qual se desenrola a meditação da Paixão.

Frutos que devemos tirar desta contemplação

O primeiro fruto que se deve tirar da meditação da Paixão é, considerando a Nosso Senhor, chegarmos à compreensão e à convicção de que Ele é tudo para nós. Verdade essa que deve mudar toda a nossa vida 4. “Jamais alguém me amou mais do que Vós, e, por isso, consagro-me todo a Vós.” (Santo Afonso) Jesus Cristo morreu por todos nós, para que não vivamos mais para nós, mas exclusivamente para esse Redentor, que por nós sacrificou Sua vida divina. (idem)

O segundo fruto a se colher é o profundo arrependimento dos nossos pecados. Ao padecer e morrer, Nosso Senhor tomou sobre Si todos os pecados de cada um de nós. Por isso, podemos dizer, com toda a verdade, em razão de nossos pecados: “Fui eu que fiz Nosso Senhor sofrer tudo o que Ele sofreu.” Mas esse arrependimento só será sincero e real se nos levar a não pecar mais. “Poderei pensar que minhas culpas Vos reduziram a esse estado e não chorar sempre com suma dor as ofensas cometidas contra Vós?” (Santo Afonso)3 Um abismo chama outro abismo (Salmo 41, 8).4 “Esforcemo-nos em marcar de uma maneira indelével em nossos espíritos a imagem real e viva de Jesus, que deve iluminar e orientar toda a nossa vida.” (Dom Marcel Lefebvre)

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O terceiro fruto é a gratidão. Com efeito, se podemos ter a esperança de irmos para o Céu e livrar-nos do inferno, isso se deve ao fato de Nosso Senhor haver sofrido e morrido por nós e em nosso lugar. 5 Caso contrário, estaríamos irremediavelmente condenados ao suplício eterno. Que pode haver de mais digno de nossa gratidão? 6

O quarto fruto é a compaixão. Aquele que sofre é o nosso Deus, o nosso Criador, o nosso Pai, o nosso Irmão, o nosso maior e melhor Amigo... Com não compadecermo-nos profundamente vendo-O sofrer?!...

5 “Eu O feri por causa dos crimes de meu povo.” (Is. 53, 8). Ele com Sua morte pagou o castigo que nos era devido e, cancelando com Seu Sangue o documento da condenação, afixou-o na própria cruz em que morre, para que a Justiça Divina não exigisse de nós a satisfação devida (cf. Col. 2, 14) .- Santo Afonso. Deus quis fazer-nos ver até onde chegava a grandeza do amor dEle para conosco, enviando Seu Filho ao mundo para obter-nos com Sua morte o perdão e a vida eterna (1 Jo. 4, 9) – cf. Santo AfonsoPelo pecado, todos os homens estavam mortos e teriam permanecido mortos se o Eterno Pai não tivesse enviado Seu Filho a restituir-lhes a vida por meio de Sua morte. – Santo AfonsoSobrecarregastes-Vos de todos os meus pecados e Vos oferecestes a satisfazer por eles com Vossas dores. Com Vossa morte me livrastes da morte eterna. (idem)A Justiça divina ofendida por nossos pecados, devia ser satisfeita, e que faz Deus? Para nos perdoar, quer que Seu Filho seja condenado à morte e pague o castigo que tínhamos merecido. (idem) – cf. Rom. 8, 32 e Is. 53, 8.6 Ademais, assevera São Leão que foram maiores os bens que nos trouxe a morte de Jesus Cristo, do que os danos a nós causados pelo demônio com o pecado de Adão. Explica o Cardeal Hugo (cf. Rom. 5, 20): A graça de Cristo é de maior eficácia do que o pecado. Eu vim ao mundo, atestou o Salvador, para que os homens, mortos pelo pecado, não só recebam por Mim a vida da graça, mas uma vida mais abundante do que a que perderam pela culpa (cf. Jo. 10, 10) Motivo esse que levou a Santa Igreja a chamar feliz a culpa que nos mereceu ter um tal Redentor. (Santo Afonso) O Pai Eterno, dando-nos Jesus Cristo, cumulou-nos de todos os bens, não terrenos para o corpo, mas espirituais para a alma. (idem)

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O quinto e último fruto é querer sofrer por amor de Nosso Senhor. Que há de mais justo? Ele que suportou tantos e tamanhos sofrimentos por amor de nós, para a nossa salvação eterna, merece que soframos por Ele tudo o que é necessário para cumprirmos a Sua vontade, ou seja, tudo o que é preciso sofrer para evitarmos todo e qualquer pecado assim como para praticarmos generosamente a virtude, por mais duro e difícil que isso seja para nós. 7

Devemos guardar conosco, por toda a nossa vida, esses cinco frutos da Paixão, assim como Nosso Senhor guardou conSigo, para toda a eternidade, Suas cinco chagas, fruto de Sua Paixão e Morte.

Neste mistério, quem é Aquele que sofre?

Aquele que sofre é o Verbo Encarnado. É a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que assumiu uma natureza humana perfeita: corpo, alma e sensibilidade.

Perfeitamente Deus e perfeitamente Homem, Jesus Cristo é Homem e Deus, ao mesmo tempo. Porque a Pessoa desse Homem é a Pessoa divina, que na Santíssima Trindade é a segunda: o Filho.

Quando Jesus Cristo fala, anda, trabalha, sofre: é Deus que, nesta humanidade que Ele assumiu, fala, anda, trabalha e sofre. Daí o valor infinito de tudo o que Jesus fez e sofreu, pois tudo o que fazia e sofria atribui-se à Sua Pessoa, que é divina. 8

7 “Cristo padeceu por nós, diz São Pedro, deixando-vos o exemplo para que sigais os Seus vestígios.” (1 Pedro 2,21) “Como poderei ver-Vos morto e pendente desse lenho e não Vos amar com todas as minhas forças?” (Santo Afonso)8 Vejamos como Dom Marcel Lefebvre se expressa sobre este mistério: “Ao tomar para Si essa alma e esse corpo, Deus confere a esse homem atributos, direitos, dons, privilégios únicos e que ultrapassam tudo o que se pode imaginar. (...) Por Sua decisão eterna de unir à Sua Pessoa uma alma e um corpo, Deus, o Verbo, comunicou a essas criaturas, de uma maneira inefável e misteriosa, Sua própria divindade, em toda a medida em que essas

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Como se vê, o mistério da Redenção está intimamente ligado ao mistério da Encarnação.

A Redenção é um dos maiores mistérios da nossa Fé

Deus não pode sofrer, mas Jesus Cristo é Deus e sofreu. Deus não pode morrer, mas Jesus Cristo é Deus e morreu. Sabemos que Jesus sofreu e morreu enquanto Homem e não enquanto Deus, mas Jesus foi e é sempre Deus. A verdade revelada da Redenção faz-nos conhecer o fato da mesma, mas é para nós um mistério, pois não nos desvenda a maneira como isso se realiza. Nessa vida, essa compreensão está acima de nossa capacidade de intelecção.

A realidade da divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo não deve levar-nos a duvidar da realidade dos Seus sofrimentos e de Sua morte: Ele sofreu e morreu verdadeiramente. A realidade dos Seus sofrimentos e de Sua more não deve levar-nos a duvidar da realidade da Sua divindade: Ele é verdadeiramente Deus.

Por quem Ele sofreu?

Por mim, segundo aquelas palavras de São Paulo: “Entregou-Se por mim [aos sofrimentos]” (Gal. 2, 20). Pois, ainda que Ele haja sofrido e morrido por todos os homens, a aplicação dos méritos da Paixão se faz individualmente, a cada um em particular; de tal maneira que cada homem pode desfrutar de um grau cada vez maior, num crescendo ilimitado, da graça proveniente da morte de Nosso Senhor. Ademais,

criaturas, pela vontade divina, eram capazes de a receber. É a graça chamada de união hipostática, que confere a essa alma e a esse corpo uma dignidade divina. Todos os atos dessa alma e desse corpo serão divinos, atribuídos a Deus, que assume a responsabilidade de toda a atividade dessa alma e desse corpo.”

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Jesus, por Sua ciência infusa e por Sua união hipostática 9, tinha em vista cada um de nós, ao sofrer e morrer, querendo, por amor de cada um de nós e de uma maneira bem pessoal e particular, padecer tudo o que padeceu. 10

Por que sofreu tanto?

Antes de dizer as causas por que sofreu em tão alto grau, convém convencermo-nos do que nos ensinam os teólogos: que jamais homem algum sofreu nesta vida tanto quanto Nosso Senhor e que jamais haverá homem, até o fim do mundo, que chegará a alcançar-Lhe o grau de sofrimento. 11 A

9 A união hipostática é a união que há em Jesus Cristo de Suas duas naturezas, divina e humana, em Sua única Pessoa, que é divina, pois é a segunda Pessoa da Santíssima Trindade.10 Afirma São João Crisóstomo que Deus ama cada homem em particular com o mesmo amor com que ama o mundo universo. E São Pedro de Alcântara: “Nenhuma língua é suficiente para declarar a grandeza do amor que Jesus consagra a cada alma.”11 Diz Santo Afonso: “Ele Se submeteu a todas as dores e a todos os ultrajes em sumo grau.” “O Verbo Eterno amava tanto Seu Pai quanto odiava o pecado. Vendo que, apesar de todas as Suas penas, ainda se cometeriam tantos pecados no mundo, esta dor [principalmente na agonia do horto, N. do E.], diz Santo Tomás, excedeu qualquer pena que possa afligir um coração humano.” “Santo Agostinho diz que não há morte mais acerba que a morte da cruz. Nota Santo Tomás (Pars III, q. 46, a. 6): os crucificados têm as mãos transpassadas, partes essas que sendo compostas de nervos, são extremamente sensíveis à dor: e o só peso do corpo pendido faz que a dor seja contínua e se aumente sempre mais até a morte. Como diz o Angélico, o Corpo de Jesus Cristo, sendo de delicadíssima compleição, era mais sensível e sujeito às dores. Suspenso desses cravos, não encontra posição nem repouso. Apóia-Se sobre os pés, mas onde Se firma aumenta a dor.” “Diz São Lourenço Justiniano que a morte de Jesus foi a mais amarga e dolorosa dentre todas as mortes dos homens.” “No corpo humano, apenas se atinge um nervo, é tão aguda a dor, que isso ocasiona desmaios e espasmos mortais.” [Ora, sabemos que Nosso Senhor não desmaiou. Portanto, isso é mis uma mostra de que Seus sofrimentos foram maiores que os dos demais homens, N. do E.] “A morte de Jesus foi, pois, a morte mais

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análise detida de cada um de Seus sofrimentos físicos e morais poderá nos dar uma idéia aproximada desse grau incomensurável. 12 Digo incomensurável, pois a profundidade dos sentimentos de Jesus estará sempre muito além de nossa capacidade de análise. Quanto aos Seus sofrimentos espirituais, são insondáveis para nós.

São várias as causas por que Ele sofreu em tão alto grau.

Primeira: Para dar uma digna satisfação a Deus 13; para satisfazer mais abundantemente a Justiça divina.

Com efeito, o sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo é satisfatório, para pagar a dívida contraída pela humanidade para com a glória (externa) de Deus, lesada pelo pecado.

O sacrifício, que é o culto que o homem deve a Deus, revestiu-se também do caráter satisfatório, após o pecado de Adão. E como o sofrimento e a morte do homem são castigos que lhe foram infligidos por causa do pecado, a satisfação dada por Nosso Senhor seria tanto mais digna de Deus quanto mais se revestisse do aspecto sofredor.

No inferno o sofrimento é punitivo, no purgatório é purificador, nesta vida (além destas duas características) é

atroz que a de todos os mártires, pois que foi uma morte inteiramente desolada e privada de todo o alívio.”12 Diz Santo Afonso: “É horror considerar a multidão de tormentos e ludíbrios que fizeram Jesus sofrer no pequeno espaço de Sua paixão até Sua morte, sucedendo uns aos outros, sem intervalo, prisão, bofetadas, escarros, zombarias, flagelos, espinhos, cravos, agonia e morte. Todos se uniram, hebreus e gentios, sacerdotes e populares, para tornarem Jesus Cristo o Homem dos desprezos e das dores, como havia predito o profeta Isaías. O juiz declara o Salvador inocente, mas uma tal declaração só serve para acarretar-Lhe maiores sofrimentos e vitupérios, pois se logo no princípio tivesse Pilatos condenado Jesus à morte, não Lhe teriam preferido Barrabás, nem teria sido tratado como louco, nem flagelado tão cruelmente, nem coroado de espinhos.” “Se observo Vosso interior, vejo Vosso Coração todo aflito e desconsolado.”13 Diz Santo Afonso: “O Pai Eterno afirma: Ele [Jesus] Se ofereceu para satisfazer a Minha justiça por todos os pecados dos homens.”

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também satisfatório, propiciatório. E na medida de sua intensidade, unido à caridade, cresce o seu poder de reparação.

Por isso, o sacrifício satisfatório de nosso Redentor foi tanto mais digno de Deus quanto mais se revestiu de sofrimento.

Isso não quer dizer que o menor sofrimento de Nosso Senhor não bastasse para resgatar todo o gênero humano. Bastava; pois era de valor infinito a menor das ações do Verbo Encarnado. Mas, considerado em seu aspecto sensível, o sacrifício de Nosso Senhor podia ser de maior ou menor valor satisfatório.

Segunda: Para manifestar com mais evidência o Seu amor por nós.

Se alguém disser que nos ama, mas nunca sofrer nada para nos beneficiar, podemos duvidar da sinceridade do seu amor por nós. Ao passo que, alguém que se impõe os maiores sacrifícios e se submete aos maiores prejuízos unicamente para nos fazer bem, prova, por isso mesmo, o grande amor que nos tem. Cresce ainda a dignidade desse amor, se os bens que ele nos proporciona são de grande valor, como a vida, a saúde, etc..

Ora, os sofrimentos físicos, morais e espirituais de Nosso Senhor alcançaram o seu mais alto grau e foram padecidos por Ele para nós, para cada um de nós e para proporcionar-nos os maiores bens que possamos desejar: a participação de Sua vida divina e de Sua felicidade na eternidade.

Portanto, o excesso de sofrimentos de Nosso Senhor é uma prova evidente de Seu amor por nós. 14

14 Como diz Santo Afonso: “Realmente, depois que vimos Jesus Cristo [sofrer] uma morte tão penosa, far-lhe-íamos uma injúria se duvidássemos do afeto que Ele tem por nós. Sim, muito Ele nos amou, e porque nos ama quer ser amado por nós. Morreu por nós para que nós vivamos para Ele.” “Jamais alguém me amou mais do que Vós. Se nossas almas foram compradas com o Vosso Sangue, é sinal de que Vós muito as amais.” “Na

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Terceira: Para que tenhamos uma idéia clara da gravidade do pecado 15 e do grande horror que lhe devemos ter.

Jesus sofreu em Sua humanidade os padecimentos que merece um homem por haver cometido um só pecado mortal. Que mal terrível deve ser o pecado! O Pai Eterno não poupou sofrimentos a Seu Filho Unigênito, infinitamente amado, pelo fato de ver nEle como que o pecador, representante dos homens pecadores.

Poderíamos acrescentar uma quarta razão: é a de afastar de nós duas espécies de tentação que poderiam nos sobrevir. Uma, de orgulho, que nos insinuaria que poderíamos sofrer mais por amor de Deus, do que Ele por amor de nós. A outra, de revolta, que nos sugeriria que Deus nos pede sofrimentos demasiado grandes, maiores do que Ele mesmo Se teria dignado padecer.

Diante dos tamanhos sofrimentos de Nosso Senhor, essas duas tentações se pulverizam: Deus Pai pediu a Seu Filho Encarnado muito mais sofrimentos por amor de nós, do que Ele pede que soframos por amor dEle. Jamais homem algum poderá dizer que haja sofrido mais que o Salvador.

Causa da Paixão: o pecado original e os nossos

O Felix culpa, quae talem ac tantum meruit habere Redemptorem! Ó feliz culpa, que nos mereceu ter um tal e tão grande Redentor!

Paixão do Senhor não devemos considerar tanto as dores e os desprezos que Ele padeceu, como o amor com que os suportou. Nunca seremos capazes de compreender o amor infinito que Deus nos demonstrou, querendo sofrer tanto e morrer por nós.” [Imaginemo-Lo a nos dirigir estas palavras:] “Filho, vê se há no mundo quem te haja amado mais do que Eu, teu Deus.”15 Diz Santo Afonso: “Para fazer os homens compreenderem a malícia do pecado.”

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Foi em conseqüência do pecado de Adão, que Deus, por infinita misericórdia, decretou remir a humanidade mediante o doloroso meio da Paixão.

Portanto, foi por causa do pecado original, que transmitiu-se a todos nós 16, e dos nossos próprios pecados é que a Paixão teve sua razão de ser. 17

Uma questão de menos importância, mas debatida hoje: quem matou Nosso Senhor Jesus Cristo?

Essa questão pode ter diversas respostas, segundo o aspecto em que é considerada.

Materialmente falando, foram os soldados romanos que O mataram. Assim como são os carrascos os que matam os condenados à morte.

Legalmente falando, ou seja, a autoridade civil executora da lei, foi Pilatos que O matou. Assim como podemos dizer que um soberano matou um homem, pelo fato de o haver condenado à pena capital.

Se considerarmos aqueles que provocaram essa morte, com suas palavras, ações, intrigas, clamores, mentiras, calúnias, fraudes, ameaças, etc., foram os judeus que O mataram.

Se tivermos em vista sua causa remota, foram os nossos pecados que O mataram.

Se elevarmos nossos olhares à Providência, foi Deus Pai que quis que Seu Filho bebesse desse cálice amargo da morte na cruz.

Aplicação da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo

16 Exceto a Nossa Senhora e, evidentemente, a Nosso Senhor.17 “O qual [Cristo] levou os nossos pecados em Seu Corpo sobre o madeiro” (1 Pedr. 2, 24).

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Nosso Senhor morreu por todos os homens, mas nem todos se salvam. Por que? Porque é necessário que os méritos de Sua morte sejam aplicados a cada homem. E essa aplicação se faz mediante a administração dos Sacramentos e (no caso de se já haver chegado ao uso da razão) a aceitação da vontade livre do homem, tanto em assuntos de moral como em assuntos de verdades reveladas por Deus. Mas, visto que nem todos recebem os Sacramentos e nem todos querem submeter-se às condições de procedimento impostas por Deus para poder-se alcançar a salvação eterna e nem todos crêem na Revelação, segue-se daí que nem todos se salvam.

Em linguagem filosófica poder-se-ia dizer que Nosso Senhor salvou a todos “potentialiter”, mas “in actu” apenas a muitos.

As palavras de Jesus são bastante claras a esse respeito: sem o cumprimento dos Mandamentos e a fé nas verdades reveladas, não é possível salvar-se: “Que devo fazer para alcançar a vida eterna? Cumpra os Mandamentos.” (Mt. 19, 16-17). “Aquele que não crer será condenado.” (Mc. 16, 16). Assim também, há Sacramentos cuja recepção é indispensável à salvação, como, por exemplo, o Batismo: “Quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no reino de Deus” (Jo. 3, 5). 18

A Santa Missa, o Sacrifício da Cruz sobre nossos altares

No Novo Testamento só há um sacrifício: o Sacrifício da Cruz. No entanto, este único sacrifício é misteriosamente re-atualizado a cada Santa Missa que se celebra. Com efeito, o Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa têm um único e mesmo Sacerdote e Vítima: Nosso Senhor Jesus Cristo. É Ele que oferece e é oferecido à Justiça divina. A diferença está em

18 Devemos lembrar que “toda regra tem exceção.” Cabe, portanto, aqui citar: a ignorância invencível, o Batismo de desejo, o martírio.

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que na Missa esse único e mesmo sacrifício se faz de modo incruento e através do ministério dos sacerdotes. Mas a cada Missa Jesus Se oferece ao Pai como vítima com um ato da Sua vontade humana, pleno e em holocausto, tão agradável ao Pai como o foi este mesmo ato oferecido no alto da cruz. E ainda que na Missa a morte não Lhe sobrevenha de modo físico, mas apenas místico e sacramental, não é menos real, nem menos eficaz, nem menos redentora do que a do Calvário. 19

Que riqueza e que sublimidade podermos estar em presença do mesmo sacrifício oferecido por Jesus sobre a cruz, quando estamos assistindo a Santa Missa!

Deveríamos envidar todos os esforços para assistirmos tantas Missas quantas pudéssemos!

Aviso importante

As virtudes sobre as quais até aqui dissertamos devem penetrar profundamente em nosso espírito e ter a função como de um “plano de fundo” quando nos aplicarmos a meditar a Paixão.

E as linhas que seguem devem ser lidas pausadamente, com vagar, tranqüilamente, para poderem servir de auxílio à contemplação.

Santo Afonso encarece o valor da meditação da Paixão

19 Assim se exprime Mons. Dr. Penido sobre este mistério: “Tanto a oblação como a imolação integram a noção de Sacrifício cristão. (...) A imolação [na Missa] é puramente sacramental. (...) O principal no Sacrifício são os sentimentos de Cristo, imolando-Se por nossos pecados, presentes no altar. (...) Na Missa, os sentimentos de oblação de Cristo manifestam-se por uma imolação incruenta (...) [:] .imolação mística, que se cumpre em virtude da separação sacramental das espécies sensíveis, contendo o Corpo e o Sangue do Senhor” (O Mistério dos Sacramentos, p. 277).

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Afirmava Santo Agostinho que vale mais uma só lágrima derramada em recordação da Paixão de Jesus, que uma peregrinação a Jerusalém e um ano de jejum a pão e água.

Causa mais espanto um Deus sofrer o mais insignificante golpe do que os homens todos e todos os Anjos serem destruídos e aniquilados.

Se todos os homens pensassem no amor que Jesus Cristo lhes testemunhou na Sua morte, quem poderia deixar de amá-Lo?

Diz Santo Agostinho não haver coisa mais útil para conseguir a salvação eterna do que pensar todos os dias nos tormentos que Jesus sofreu por nosso amor. 20

Orações para serem ditas a cada vez que se for ler esta obra

Antes

Senhor, ponho-me em Vossa presença e vos peço e suplico, pelo amor que tendes a Maria Santíssima, que me concedais a grande graça de minha alma poder penetrar no mistério da Paixão e dela tirar frutos de contrição, generosidade, gratidão e compaixão. Que a consideração de Vossos sofrimentos seja para mim causa de santificação e salvação. Assim seja.

Ó Mãe das Dores, fazei-me participante das disposições do Vosso Imaculado Coração, quando estáveis aos pés da Cruz. Assim seja.

Depois

Agradeço-Vos, ó Senhor, a compreensão que Vos dignastes conceder à minha inteligência e as moções que

20 E Dom Marcel Lefebvre também assim se exprime: Nada será tão eficaz no domínio da santificação do que a contemplação de Jesus crucificado.

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realizastes em minha vontade durante o tempo dessa santa consideração da Vossa Paixão e Morte. Dai-me a graça, Vo-lo suplico, de praticar generosamente o bem e de evitar corajosamente o mal. Assim seja.

Santíssima Virgem Maria, intercedei por mim, ajudai-me para que eu possa dar um passo avante na vida espiritual, alcançai-me a perseverança final e a bem-aventurança eterna. Assim seja.

Nossa Senhora do horror a todo pecado, rogai por mim.

Outras orações opcionais

Orações compostas por Santo Afonso

Ó meu Salvador, fostes ao encontro da morte com tão ardente desejo de morrer, pelo excessivo anseio que tínheis de ser amado por mim. E eu não desejarei morrer por Vós, meu Deus, para testemunhar-Vos o amor que Vos tenho?

Vejo-Vos todo banhado em suor de sangue da cabeça aos pés. Se eu houvesse pecado menos, teríeis padecido menos. Quanto maior foi o meu prazer em Vos ofender, tanto maior foi a aflição que Vos causei. Como agora não possuo outro meio para Vos consolar que arrependendo-me de Vos haver ofendido, arrependo-me de todo o meu coração.

Fazei que eu participe da dor que então sentistes pelos meus pecados.

Pelos merecimentos de Vossa agonia, dai-me força para resistir a todas as tentações da carne e do inferno. Dai-me a graça de repetir sempre: Não o que eu quero, mas sim o que Vós quereis. Não se faça a minha vontade, mas sempre a Vossa divina vontade. Assim seja.

Peço-Vos que me concedais a graça de obedecer em tudo à Vossa divina vontade.

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Dai-me uma tal dor de meus pecados, que me faça viver sempre contrito por Vos haver ofendido.

Dai-me uma grande dor de meus pecados e um grande amor a Vós. Iluminai-me para que eu conheça quanto é amável a Vossa bondade e quão grande é o amor que me tendes tido desde toda a eternidade. Fazei-me compreender a Vossa vontade e dai-me a força para executá-la perfeitamente. Senhor, eu Vos amo, e quero fazer tudo o que de mim exigis.

Eu Vos suplico que me façais participar do horror que tivestes dos meus pecados e perdoai-me.

Tirai do meu coração tudo o que Vos impeça de possui-lo inteiramente. Fazei que a minha vontade seja toda conforme à Vossa e a Vossa seja a minha e que ela seja a regra de todas as minhas ações e meus desejos.

Ó meu Jesus, também eu concorri para Vos afligir com os meus pecados.

Entrego-me inteiramente à Vossa santa Vontade. Fazei que eu Vos ame e depois fazei de mim o que Vos aprouver.

Foi a vista de meus pecados, cada um dos quais Vos oprimiu de tal modo o Coração com dor e tristeza, que Vos fez suar sangue e entrar em agonia. Eis aí a recompensa com que paguei o amor que me mostrastes morrendo por mim. Oh! fazei-me sentir parte dessa dor que sofrestes no horto pelas minhas culpas, para que essa dor me conserve na tristeza durante minha vida inteira. Ah, meu Redentor, pudesse eu consolar-Vos tanto com minha dor e com o meu amor quanto eu Vos afligi.

Fazei que eu tome o Vosso querer pelo guia único de minha vida inteira.

Consagro-me a Vós por completo, disponde de mim como Vos aprouver.

Peço-Vos que me façais participar da dor que sentistes dos meus pecados.

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Meu Redentor, Vós chorais vendo o dano que eu mesmo me causei, expulsando-Vos de minha alma e obrigando-Vos a condenar-me ao inferno; deixai que eu chore, pois é a mim que compete o chorar ao considerar o mal que Vos causei, ofendendo-Vos e separando-me de Vós. Eterno Pai, por aquelas lágrimas que Vosso Filho derramou sobre mim, dai-me a dor de meus pecados.

Ó minha infeliz alma, dize-me, por que preço vendeste tantas vezes ao demônio a graça de Deus? Ah, meu Jesus, envergonho-me de comparecer em Vossa presença. quantas vezes Vos voltei as costas e Vos pospus a um capricho, a um desejo, a um momentâneo e vil prazer? Já sabia que com tal pecado perdia Vossa amizade e voluntariamente a quis trocar por nada. Oh! tivesse eu morrido antes de Vos ter assim ultrajado! Ó meu Jesus, arrependo-me de todo o coração e desejaria morrer de dor.

Fazei-nos compreender o que quereis de nós. Aumentai sempre em nós esta chama, que nos faça esquecer o mundo e nós mesmos, para que doravante não pensemos senão em Vos contentar.

Ó meu Jesus, não foi tanto a previsão dos sofrimentos iminentes que então Vos afligiu, mas foi a vista de meus pecados. Não foram tão cruéis os carrascos, não foram tão atrozes os flagelos, os espinhos, a cruz como o foram os meus pecados, que tanto Vos afligiram no horto. Se eu tivesse pecado menos, Vós teríeis padecido menos. Eu me arrependo de Vos haver ofendido, mas esta minha dor é muito pequena. Desejaria uma dor que me tirasse a vida. Por aquela agonia tão amarga que sofrestes no horto, fazei-me participar da aversão que tivestes dos meus pecados.

Ó cordas que prendestes o meu Redentor, prendei o meu coração à Sua vontade santíssima, para que de agora em diante não queira nada mais senão o que Ele quer.

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Dizei-me, Senhor, o que quereis de mim, que eu quero obedecer-Vos em tudo e contentar-Vos.

Visto que Vós, inocente, aceitastes a morte da cruz, eu, pecador, aceito-a com todas as penas que a devem acompanhar e desde já a ofereço a Vosso Eterno Pai, unindo-a à Vossa santa morte. [proposta: dizer as orações acima após a meditação da Agonia no Horto. - N. do E.]

Maldigo mil vezes os indignos prazeres que Vos custaram tantas dores. Arrependo-me, meu Redentor, de toda a minha alma, de todas as ofensas que Vos fiz. [proposta: dizer esta oração após a meditação da Flagelação. - N. do E.]

Nós, com nossos consentimentos perversos, tecemos a Vossa coroa de espinhos. Ó espinhos, transpassai a minha alma e fazei-a sentir sempre a dor de ter ofendido um Deus tão bom.

Ó meu Jesus, eu admiro a crueldade dessa gente, que não se satisfez com Vos ter esfolado dos pés até a cabeça, e agora Vos atormenta com novos ultrajes e desprezos.

Ao menos tu, minha alma, reconhece-O como supremo Senhor de tudo, como Ele é, em verdade, e agradece-Lhe e ama-O como verdadeiro Rei de dor e de amor, pois é para esse fim que Ele padece e sofre por ti. [proposta: dizer as orações acima após a meditação da Coroação de Espinhos. - N. do E.]

Senhor, que esse Sangue [que os judeus pediram que caísse, em vingança sobre eles] escorra sobre nós e nos lave de nossos pecados. [proposta: dizer as orações acima após a meditação da Condenação à Morte. - N. do E.]

Pelos merecimentos de Vossa subida tão dolorosa ao Calvário, dai-me a força de levar com paciência as cruzes que me enviardes. [proposta: dizer as orações acima após a meditação do Caminho para o Calvário. - N. do E.]

Fazei-me morrer a mim mesmo, para que eu viva só para Vós, só para Vos servir e dar-Vos meu coração inteiro, arrancai-mo Vós mesmo. [proposta: dizer esta oração após a meditação da Elevação na Cruz. - N. do E.]

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Pelos merecimentos de Vossa morte tão dolorosa, concedei-me, ó meu Jesus, a felicidade de morrer em Vossa graça.

Meu Jesus, nas Vossas mãos entrego a minha vida e a minha morte; abandono-me inteiramente a Vós e desde já Vos recomendo no fim de minha vida a minha alma: acolhei-a nas Vossas santas Chagas como Vosso Pai acolheu Vosso espírito quando morrestes na cruz. [proposta: dizer as orações acima após a meditação da Morte de Nosso Senhor. - N. do E.]

Senhor, como Vos poderei negar alguma coisa, quando Vós não me negastes o Vosso Sangue, a Vossa vida e todo o Vosso ser?

Vós, meu Senhor, sofreis tudo para pagar as afrontas que eu, miserável, tenho feito à divina Majestade com os meus pecados.

Meus Deus e Pai de meu Redentor, por amor desse Filho, dai-me o Vosso amor, que me faça vencer todas as más paixões e sofrer todas as penas para Vos agradar.

Salvador [nosso], se Vos amarmos, amaremos também os desprezos e as penas, que tanto amastes.

Ó meu Senhor, dai-me um tão grande amor para conVosco que me faça detestar todas as afeições terrenas. Fazei-me compreender bem que toda a minha felicidade consiste em agradar a Vós, Deus todo bondade e todo amor.

Ó flagelos, espinhos, cravos e cruz, recordai-me sempre que todo o bem que eu recebi e que eu espero, tudo me vem dos merecimentos de Sua Paixão.

Ó minha Mãe, vejo Vosso Filho que morre em tantos tormentos por mim; vejo-Vos a Vós, inocente, sofrendo tantas dores por mim e vejo que eu, miserável réu do inferno, nada padeci pelos meus pecados por Vosso amor.

Agradeço-Vos [, Senhor,] o terdes querido perder a vida para que se não perdessem as nossas almas.

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Agradeço-Vos, ó meu Redentor, por haverdes dado Vosso Sangue e Vossa vida para livrar-me da morte eterna.

Meu Deus, eu quero ser todo vosso.Senhor, desde que me destes o que de melhor possuíeis,

o Vosso Filho único, é justo que eu Vos dê o mais que me for possível.

Criaturas todas, saí do meu coração e dai lugar ao meu Deus, que o merece e quer possuí-lo todo e sem partilha.

Já que por minha causa [ó Pai eterno] quisestes a morte do objeto mais caro ao Vosso coração, ofereço-Vos por mim o grande sacrifício que Vos fez de Si mesmo este Vosso Filho, e por Seus merecimentos Vos peço o perdão de meus pecados, o Vosso amor, o Vosso paraíso. São grandes estes favores que eu Vos peço, mas é ainda mais valiosa a oferta que Vos apresento. Perdoai-me e salvai-me, ó meu Pai, pelo amor de Jesus Cristo. Se Vos ofendi pelo passado, arrependo-me disso mais que de todo o mal e agora eu Vos estimo e Vos amo mais que todos os bens.

Consagro-Vos toda a minha vontade e esta é a graça que Vos peço: fazei que de hoje em diante eu viva e faça tudo segundo a Vossa vontade, visto que nada mais quereis que o meu bem e minha salvação eterna.

Meu Senhor, sois tão amável, fizestes e padecestes tanto para que os homens Vos amassem, e quantos são os que Vos amam? Vejo quase todos os homens aplicados em amar ou os parentes, ou os amigos, ou as riquezas, ou as honras, ou os prazeres, e mesmo os animais: mas quantos são os que Vos amam, Bem infinito? Ó Deus, são muito poucos, mas eu quero estar no número destes poucos, apesar de mísero pecador, que durante tanto tempo também Vos ofendi, amando o lodo, separando-me de Vós. Agora, porém, eu Vos amo e Vos estimo sobre todos os bens e só a Vós quero amar.

Se não sei dar-Vos meu coração, como é meu dever, tomai-o Vós.

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Pelos merecimentos da vida desprezada e atribulada que quisestes levar para me ensinar a verdadeira humildade, fazei-me amar os desprezos e a vida oculta. Fazei que eu abrace com amor as enfermidades, as afrontas, as perseguições, as penas internas e todas as cruzes que me vierem de Vossas mãos. Fazei que eu Vos ame e depois disponde de mim como Vos aprouver. Ó Coração de Jesus, prendei-me a Vós, fazendo-me conhecer o imenso bem que Vós sois. Fazei-me todo vosso antes de morrer.

Perdoai-me e junto com o perdão dai-me a graça de Vos amar.

Afastai de mim todas as ocasiões de Vos ofender.Livrai-me do pecado e depois disponde de mim como

Vos aprouver.Fazei-me conhecer o mal que eu Vos fiz e o amor que

mereceis.Fazei que eu arranque de meu coração tudo o que não

tende ao Vosso amor.Apossai-Vos de todo o meu coração e aí reinai e

dominai para sempre. No passado, rejeitei-Vos para servir às minhas más paixões; agora eu quero ser todo vosso e a Vós só servir. Prendei-me a Vós com Vosso amor e fazei-me lembrar sempre da morte cruel que por mim sofrestes.

Fazei que eu corresponda na vida que me resta ao amor particular que me consagrais. Vós quereis que eu seja vosso e eu quero ser todo vosso.

Ó meu Jesus, fazei que eu sempre me recorde de Vossa Paixão e das penas e ignomínias que nela sofrestes por mim, a fim de que eu desprenda meus afetos dos bens terrenos e os ponha todos em Vós, único e infinito bem.

Dai-me a graça de Vos amar e fazei de mim o que Vos aprouver.

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Ó meu Jesus, que morrestes consumido de dor por mim, fazei que eu morra consumido da dor de Vos ter ofendido e do amor que Vós mereceis.

Que eu não busque outra coisa senão amar-Vos e agradar-Vos, suspirando sempre por sair deste vale de perigos e chegar a Vos amar face a face com todas as minhas forças no Vosso reino, que é o reino do eterno amor. Fazei, entretanto, que eu viva sempre no arrependimento das ofensas que Vos fiz.

Demonstrai em mim a eficácia de Vossa graça e de Vossos merecimentos, transformando-me de pecador em santo.

Quantas vezes me perdoastes e advertistes com os remorsos da consciência a não mais Vos ofender e eu tornei a ofender-Vos? Ah, meu Jesus, não me envieis ao inferno. Novamente me chamais e me dizeis: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração”.

Recordai-me sempre a morte que por mim sofrestes e fazei que a sua lembrança me inflame sempre mais a consumir-me por Vós, que Vos consumistes como vítima por mim sobre a cruz.

Como posso eu temer, ó meu Deus, que não me dareis todas as graças que posso esperar de Vós, depois de me haverdes dado o objeto que Vos é mais caro, a saber, o Vosso próprio Filho?

Em nome de Jesus Cristo, peço-Vos a santa perseverança até a morte; dai-me um perfeito e puro amor para conVosco; dai-me uma total conformidade com a Vossa santa vontade; dai-me, finalmente, o paraíso.

Ó Deus, por que é que nesta terra, na qual derramastes todo o Vosso Sangue e destes a vida por amor dos homens, tão poucos homens ardem em amor por Vós? Meu Deus, fazei-Vos conhecer e fazei-Vos amar por todos.

Vós não sabeis desprezar um coração que se humilha e se arrepende pelo amor de Jesus morto por nossa salvação.

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Fazei que eu Vos agrade no resto de minha vida, vivendo só para Vós.

Fazei que em vida eu supere tudo para Vos agradar e na morte esteja todo unido à Vossa vontade, para chegar a Vos amar face a face com um amor perfeito e eterno no paraíso.

Olhai-me, mudai-me e salvai-me.Ó meu Jesus, tomai o meu corpo, para que ele só me

sirva para Vos obedecer, tomai o meu coração para que ele só um desejo tenha, o de Vos agradar; tomai a minha vontade, para que ela não queira senão o que Vós quereis.

Prefiro a Vossa graça a todos os prazeres.Ah, manso Redentor, Vós causais compaixão até às

feras, só entre os homens não encontrais piedade.Houve um tempo em que me deixei também dominar

por minhas más paixões. Agora quero que só Vós reineis na minha alma.

Fazei que em mim reine o único desejo de agradar-Vos e fazer a Vossa vontade.

Plano desta obra

Dividimos esta obra em cinco livros:

No primeiro livro temos a narração evangélica da Paixão, sendo condensada em um só texto, através de um trabalho de concatenação dos textos dos quatro Evangelistas. Isso nos permitirá ter diante dos olhos todas as circunstâncias que o Espírito Santo quis nos revelar e na ordem que mais provavelmente nos parece haverem ocorrido. 21 Essa

21 Como diz Santo Afonso, para “teres debaixo dos olhos, relatados com ordem, os passos da Sagrada Escritura a respeito do amor que Jesus Cristo nos demonstrou na Sua morte, pois não há coisa que possa mover mais um cristão ao amor divino do que a própria palavra de Deus, que possuímos nas Sagradas Escrituras.” E “Como adverte sabiamente um douto escritor, não há coisa melhor para nos descobrir os tesouros recônditos na Paixão de

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“concordância” dos Santos Evangelhos está acrescida de notas explicativas em pé de página e de uma exposição de alguns critérios de que nos servimos neste trabalho.Os tipos de letra do texto modificam-se de acordo com os diferentes Evangelistas, cuja narração se menciona. Assim, o texto de São Mateus é colocado em tipo “negrito”, o de São Marcos em tipo “normal”, o de São Lucas em tipo “itálico” e o de São João “sublinhado”. Encontram-se entre colchetes pequenos acréscimos de nosso talante, para servirem de encadeamento e de esclarecimento, sem mudar em nada o conteúdo divinamente inspirado.

No segundo livro temos vários comentários ao texto evangélico, da autoria dos Santos Padres, recolhidos da “Catena Áurea” de Santo Tomás de Aquino, precedidos da mesma concordância do nosso primeiro livro, fracionada, para ser comentada por etapas. Desta vez, o texto da concordância aparece escrito em um tipo único de letra.Abaixo dos comentários dos Santos Padres, pusemos alguns comentários de Santo Afonso e também o modo como o Rev. Pe. Berthe, C.S.S.R., em seu livro “Jesus Cristo Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo”, expõe as diversas fases da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. O que nos parece interessante neste autor é como, de certo modo, ele desvenda alguns segredos que o modo de falar da Sagrada Escritura nos deixa, às vezes, com dificuldade de penetrar. Com algumas circunstâncias exteriores, de paisagem, históricas e arqueológicas, ele também nos ajuda a bem situar-nos no drama que se desenrola sob nossos olhos.

Jesus Cristo, do que a simples narração dessa mesma Paixão. Basta para inflamar uma alma fiel no amor divino a narração feita pelos Santos Evangelhos e considerar com olhos cristãos tudo o que o Salvador sofreu.”

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No terceiro livro temos umas considerações do Pe. Perroy, S.J., em “A Subida do Calvário”, que resumimos, modificamos um pouco a ordem do texto e ao qual acrescentamos algumas coisas. São considerações bem próprias a ajudar à contemplação do mistério da Cruz. Dos nossos cinco livros é este, talvez, o mais atraente.

No quarto livro temos a aplicação de diversas passagens dos Salmos à Paixão de Nosso Senhor, segundo a palavra dEle mesmo aos Seus Apóstolos: “Era necessário que se cumprisse tudo o que de Mim estava escrito (...) nos Salmos. (...) assim era necessário que o Cristo padecesse.” (Lc. 24, 44 e 46) Poderá ser proveitoso de modo especial àqueles que rezam o Ofício Divino, que é composto basicamente pelos Salmos.

Finalmente, no quinto livro temos esclarecimentos sobre os padecimentos de Nosso Senhor conhecidos graças ao Santo Sudário. Segue-se um elenco de diversas relíquias da Paixão e algumas passagens de revelações feitas a Santa Brígida sobre a Paixão.

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LIVRO PRIMEIRO

Concordância dos4 Evangelhos

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Concordância dos 4 Evangelhos

Angústia Suprema(Mt 26, 36-46; Mc 14, 32-42; Lc 22, 39-46; Jo 18, 1)

Conforme o Seu costume, Jesus retirou-Se com os Seus discípulos para o monte das Oliveiras, além da torrente de Cedron ( 1) , onde havia um horto, chamado Getsêmani(2),(a) no qual entrou com os Seus discípulos[,] e lhes disse: “Assentai-vos aqui enquanto Eu vou ali orar”. E, tomando conSigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, [ou seja,] Tiago e João, começou a entristecer-Se e angustiar-Se[,] a ter pavor e repugnância. Disse-lhes então: “A minha Alma está numa tristeza mortal.(b) Ficai aqui e vigiai coMigo. Orai para que não caiais em tentação”. Depois Se afastou deles à distância de um tiro de pedra(3) e, ajoelhando-Se, prostrou-Se com a face por terra(4) e pedia orando que, se fosse possível, passasse dEle aquela hora: “Ó meu Pai, suplicava Ele, tudo Vos é possível; se é do Vosso agrado, afastai de Mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a vossa”(5). Apareceu-Lhe, (1) Assim chamada por causa da grande quantidade dos cedros nas vizinhanças. O vale do Cedron é o mesmo vale de Josafá. Ele separa Jesusalém do Monte das Oliveiras.(2) Getsêmani significa moenda de azeite.(a) quae dicitur Gethsemani. Mc.: cui nomen Gethsemani.(b) ait illis: Tristis est anima meã usque ad mortem. = Mc.(3) Aproximadamente uns trinta metros.(4) Julgamos que Nosso Senhor tomou a posição de orar comum aos orientais: estando de joelhos, inclinou-Se até o rosto tocar o solo. Esta, aliás, é a posição tomada pelo Anjo de Portugal, ao aparecer aos três pastorinhos de Fátima.(5) Julgamos, como o faz Santo Afonso, que são a estas palavras e às seguintes, na agonia do horto, que se refere a passagem da Epístola aos Hebreus: “Com grande clamor e com lágrimas e súplicas Àquele que O podia salvar da morte, foi atendido pelo Seu submisso respeito” (5, 7), na Sua ressurreição.

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então, um Anjo do Céu para confortá-Lo(6). Ele entrou em agonia(7) e orava ainda com mais instância(8), e Seu suor tornou-se como coágulos de sangue a escorrer pela terra(9). Tendo-Se levantado da oração, e indo ter com os Seus discípulos, encontrou-os dormindo(a) pela tristeza(10). Disse a Pedro:(a) “Simão, dormes? Não pudeste vigiar uma hora coMigo!... Por que dormis? Levantai-vos, vigiai e orai para

(6) Ou seja, para fortificá-Lo na Sua parte sensitiva, que estava abalada pela tristeza, pela angústia, pelo pavor e pela repugnância.(7) Agonia: palavra grega que significa luta, angústia. Provavelmente o Evangelista quis significar que a presente angústia era superior em grau à que precedeu a primeira ida de Jesus à oração. Tanto que a Sua oração tornou-se também mais instante.Esquematizando: Houve três idas de Jesus à oração. Ele sentiu angústia antes de ir pela primeira vez à oração. Sentiu-a (sendo agora chamada de “agonia”) em grau maior no meio da oração (dessa primeira ida). E a oração que vem imediatamente depois da “agonia” (ou angústia), ainda na primeira ida, foi mais instante que a oração que precedeu essa mesma “agonia”.(8) Ao mesmo tempo em que o Anjo vem reconfortar Nosso Senhor, parece receber Sua aceitação, pois, após esta visita angélica, ao invés de diminuir, a angústia de Nosso Senhor aumentou.(9) Em conseqüência do pavor, do espanto e do abalo moral que, em seu grau de intensidade máxima, oprimiam Nosso Senhor, houve uma hemorragia microscópica, por todo o Seu Corpo, pela dilatação e ruptura dos vasos capilares, que ficam em contato com as glândulas sudoríparas. Nessa conjuntura, o sangue mistura-se com o suor e se coagula sobre a pele, depois da exsudação: é o fenômeno chamado hematidrose. A pele fica, então, toda machucada, dolorida e muito sensível aos golpes. Essa verdade deve sempre ser trazida à memória no decorrer da narração da Paixão!...Outra observação a se notar aqui é que as palavras de São Lucas “a escorrer pela terra” querem significar, segundo Santo Afonso, a grande quantidade de sangue derramado. “Este suor sangüíneo foi tão copioso que correu sobre a terra.”(a) venisset ad discípulos suos, invenit eos dormientes. Mt.: venit ad discípulos suos, et invenit eos dormientes. Mc.: venit, et invenit eos dormientes.(10) A tristeza costuma em geral impedir o sono, mas pode também trazer uma prostração que leva à sonolência. (Pe. Lincoln Ramos)(a) ait Petro. Mt.: dicit Petro.

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não cairdes em tentação; pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca(b)”.

Afastou-Se segunda vez e orou, dizendo(c) as mesmas palavras. Voltou ainda e os encontrou novamente dormindo, porque seus olhos estavam pesados(d); e não sabiam o que Lhe responder.

Deixou-os e foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras. Voltando terceira vez para os Seus discípulos, disse-lhes: “Dormi agora e repousai. Basta!(11)

Chegou a hora: O Filho do Homem vai ser entregue às mãos dos pecadores... Levantai-vos, vamos!(e) Aproxima-se o que Me há de entregar”.

Prisão de Jesus(Mt 26, 47-56; Mc 14, 43-52; Lc 22, 47-53; Jo 18, 2-12)

Judas Iscariotes, um dos Doze, o traidor, conhecia também aquele lugar, porque Jesus ia freqüentemente para lá com Seus discípulos. Tomou, então, Judas a coorte ( 12) e os guardas do serviço dos pontífices e dos fariseus[, que perfazia] uma multidão de gente[,] armada de espadas e paus[,] com (b) Vigilate, et orate, ut non intretis in tentationem. Spiritus quidem promptus est, caro autem infirma. = Mc. (mas com vero em lugar de autem). Lc.: orate, ne intretis in tentationem.(c) Mt.: Iterum secundo abiit, et oravit. Mc.: iterum abiens oravit.(d) et invenit eos dormientes: erant enim oculi eorum gravati. = Mc.(11) Segundo Santo Agostinho, houve um tempo entre as palavras “Dormi agora e repousai” e “Basta!”. O santo Doutor diz que esta palavra “Basta!” foi dita justamente para indicar o final desse tempo que Nosso Senhor havia dado a Seus Apóstolos para descansarem.(e) Dormite jam, et requiescite (...) Filius hominis tradetur in manus peccatorum. Surgite, eamus. = Mc.(12) A coorte era um destacamento militar romano. Portanto, Judas estava acompanhado de soldados judeus (“guardas de serviço dos pontífices e dos fariseus”) e romanos (“a coorte”). A coorte contava com 500 a 600 soldados. Aqui não é certo que foi toda a coorte, pois o Evangelho não dá essa precisão.

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lanternas e tochas[, e que foram] enviado[s] pelos príncipes dos sacerdotes, escribas e anciãos do povo.(13)

Jesus ainda falava, quando apareceu [aquela] multidão de gente; e à testa deles vinha Judas. Ora, o traidor tinha-lhes dado o seguinte sinal: “Aquele a quem eu oscular, é Ele; prendei-O e levai-O com cuidado”. Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse: “Salve, Mestre”. E deu-Lhe um ósculo. Jesus perguntou-lhe: “Amigo, a que vieste? Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?” Como Jesus soubesse tudo o que havia de Lhe acontecer, adiantou-Se e perguntou-lhes: “A quem buscais?” Responderam: “A Jesus de Nazaré”. “- Sou Eu”, disse-lhes. Quando lhes disse “Sou Eu”, recuaram e caíram por terra. Perguntou-lhes Ele segunda vez: “A quem buscais?” Disseram: “A Jesus de Nazaré”. Replicou Jesus: “Já vos disse que sou Eu. Se é, pois, a Mim que buscais, deixai ir estes”. Assim se cumpriu a palavra que [Ele] disse: “Dos que Me deste não perdi nenhum.(14)

Em seguida adiantaram-se eles e lançaram mão em Jesus para prendê-Lo e O seguraram. Os que estavam ao redor dEle, vendo o que ia acontecer, perguntaram: “Senhor, devemos atacá-los à espada?” Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou dela e feriu um servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. (O servo chamava-se Malco). Jesus interveio [exclamando]: “Deixai! Basta!” [E] disse a Pedro: “Mete tua espada na bainha, pois quem toma a espada, pela espada morrerá. Ou pensas que Eu não posso rogar a meu Pai, e Ele logo Me enviaria mais de doze legiões de Anjos? Como vão cumprir-se as Escrituras, segundo as quais assim convém que seja? Não hei de beber o

(13) Pode causar admiração que a coorte romana fosse enviada pelos príncipes do povo judeu para prender Nosso Senhor. É provável que: a) ou havia constantemente uma guarda romana à serviço destes príncipes judeus; b) ou estes pediram, extraordinariamente, para este caso, ao governador romano, um destacamento militar.(14) Cf. Jo. 17, 12.

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cálice que meu Pai Me deu?”(15) E tocando a orelha daquele homem, curou-o. Depois, voltando-Se para a turba, disse aos príncipes dos sacerdotes, aos oficiais do templo e aos anciãos que tinham vindo contra Ele(16): “Saístes armados de espadas e paus para prender-Me, como se Eu fosse um malfeitor. Entretanto, todos os dias estava Eu sentado entre vós ensinando no templo e não Me prendestes; mas esta é a vossa hora e o poder das trevas[, e] tudo isto aconteceu porque era necessário que se cumprissem os oráculos dos profetas”. Então, todos os discípulos O abandonaram e fugiram.

Então a coorte, o tribuno ( 17) e os guardas dos judeus prenderam a Jesus e O ataram.

Seguia-O um jovem, coberto somente de um pano de linho; e prenderam-no. Mas lançando ele de si o pano de linho, escapou-lhes despido.(18)

(15) Imagem clássica em Israel, para designar uma cruel prova. (nota do missal de D. Gaspar Lefebvre)(16) Esses príncipes dos sacerdotes e anciãos não perfaziam todo o número de suas respectivas classes; eram apenas alguns representantes das mesmas, que acompanharam os soldados e criados. Assim, Jesus falou “àqueles que tinham vindo contra Ele”. Como veremos, estes e os demais sacerdotes, escribas e anciãos do povo vão se reunir depois na casa de Caifás, numa assembléia geral, contando, então (ao menos moralmente, se não realmente), todos os membros de cada classe.(17) Tribuno: oficial superior que comandava uma repartição da legião romana. Em Jerusalém, um tribuno era o comandante da coorte da Torre Antônia.(18) Despido da vestimenta exterior, mas conservando a roupa interna que era sempre trazida e que consistia em um pano envolvendo as partes desonestas do corpo a modo de frauda, chamada subligaculum. Quando uma pessoa se via reduzida a estar coberta apenas com esta roupa interna dizia-se estar despida.De acordo com a tradição, o jovem deste episódio seria o próprio São Marcos, o único dos Evangelistas a narrar esse fato.

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Diante de Anás e Caifás(Mt 26, 57-68; Mc 14, 53-65;

Lc 22, 54-55 e 63-65; Jo 18, 13-16 e 18-24)

Os que haviam prendido a Jesus conduziram-No primeiro à casa de Anás, por ser sogro de Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano. Caifás foi quem dera aos judeus o conselho: “Convém que um só homem morra em lugar do povo”.(19) Na casa [deste] reuniram-se todos os sacerdotes, escribas e anciãos do povo.

Simão Pedro seguia de longe(a) a Jesus, e mais outro discípulo [seguia-O também]. Este discípulo ( 20) era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus no pátio da casa do sumo sacerdote, mas Pedro ficou de fora, à porta. Mas, o outro discípulo (que era conhecido do sumo sacerdote) saiu e falou à porteira, e esta deixou Pedro entrar.

Os servos e os guardas acenderam um fogo no meio do pátio, porque fazia frio, e sentaram-se em redor e se aqueciam. Pedro veio sentar-se com eles[, mas ficou] de pé, aquecendo-se. [Estava aí] para ver como terminaria aquilo.

Enquanto isso, o sumo sacerdote indagou de Jesus acerca dos Seus discípulos e da Sua doutrina. Jesus respondeu-lhe: “Falei publicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas. Por que Me perguntas? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes disse. Estes sabem o que ensinei”. A estas palavras, um dos guardas presentes deu uma bofetada ( 21) em Jesus, dizendo: “É

(19) Cf. Jo. 11, 50.(a) a longe. = Mc. e Lc.(20) Certamente São João Evangelista.(21) Através do Sudário vê-se que essa “bofetada” não foi dada diretamente com a mão, mas com o uso de um bastão, que fez inchar a face direita de Nosso Senhor e ferir-Lhe gravemente o nariz. Assim, essa bastonada reúne em si o ultraje da bofetada e a crueldade do instrumento utilizado.

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assim que repondes ao sumo sacerdote?” Replicou-lhe Jesus: “Se falei mal, prova-o, mas se falei bem, por que Me bates?”

Anás enviou-O preso ao sumo sacerdote Caifás.Os príncipes dos sacerdotes e todo o Conselho

procuravam um falso testemunho contra Jesus a fim de O levarem à morte. Mas não o conseguiram, embora se apresentassem muitas falsas testemunhas[, pois] seus depoimentos não concordavam. Por fim, levantaram-se duas testemunhas e deram esse falso testemunho contra Ele: “Ouvimo-Lo dizer: Eu destruirei este templo, feito por mãos de homens, e em três dias edificarei outro, que não será feito por mãos de homens”. [E a outra testemunha:] “Este Homem disse: Posso destruir o templo de Deus e reedificá-lo em três dias”.(22) Mas nem neste ponto eram coerentes os seus testemunhos.

O sumo sacerdote levantou-se no meio da assembléia e perguntou a Jesus: “Nada tens a responder ao que essa gente depõe contra Ti?”(23) Jesus, no entanto, permanecia calado. O sumo sacerdote tornou a perguntar-Lhe: “Por Deus vivo, conjuro-Te que nos digas: És Tu o Cristo, o Filho de Deus(a)

(22) Proferir blasfêmias contra o Templo era, para os judeus, um crime de morte. Na realidade, Jesus dissera: “Destruí (vós) este templo e Eu o reedificarei em três dias.” (Jo. 2, 19) – nota da Bíblia da Editora Ave Maria(23) Provavelmente Caifás fez essa pergunta referindo-se a todos os testemunhos dados, incluindo os anteriores ao último narrado (o da destruição do templo), o qual talvez só foi consignado para dizer que foi o último da série de acusações falsas, e não para dar-lhe importância, como se valesse a pena tomá-lo como arma contra Jesus. Tanto isso é verdade, que vendo o sumo sacerdote o silêncio de Nosso Senhor, apela para outro artifício: a invectiva, a apóstrofe, sem importar-se com o que havia sido dito pelas últimas testemunhas, como se lê a seguir. Assim fala Santo Afonso: “Buscam um testemunho para condenar a Jesus e, não o encontrando, o pontífice busca novamente nas palavras de nosso Salvador um motivo para declará-Lo réu.” (A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ed. Vozes 1950, pág. 160-1)(a) Tu es Christus Filius Dei. = Mt.

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bendito?” Jesus respondeu: “Sim[,] Eu o sou(24). Além disso Eu vos declaro que vereis o Filho do Homem sentado à direita do poder do Deus Todo-Poderoso, vindo sobre as nuvens do céu”. A estas palavras, o sumo sacerdote rasgou suas vestes(25), exclamando: “Que necessidade temos ainda de testemunhas? Acabastes de ouvir a blasfêmia! Qual o vosso parecer?” Eles unanimemente responderam: “Merece a morte!”

Alguns, então, começaram a cuspir-Lhe na face, a tapar-Lhe o rosto, a dar-Lhe socos e tapas, dizendo: “Advinha, ó Cristo: quem Te bateu?” Os servos igualmente davam-Lhe bofetadas.

Negação de Pedro(Mt 26, 69-75; Mc 14, 66-72; Lc 22, 56-62; Jo 18, 17 e 25-27)

Enquanto isso, Pedro estava embaixo sentado(26) no pátio. Veio uma das servas do sumo sacerdote[, que era] a porteira[,] percebeu-o sentado junto ao fogo[, pois] se aquecia; aproximou-se dele [e] fixou [nele] os olhos, e perguntou a Pedro: “Não é acaso também tu dos discípulos deste Homem?” E disse: “Também tu estavas com Jesus(a) de Nazaré, o Galileu”. E disse [aos circunstantes]: “Também este homem

(24) Jesus afirma, portanto, a Sua divindade. (nota do missal de D. Gaspar Lefebvre)(25) Sinal de reprovação, entre os judeus, diante de uma blasfêmia. Vemos também em Gen. 37, 30 e 34; 44, 13 e Jó 2, 12 essa atitude como uma demonstração de indignação e/ou de grande tristeza, o qual poderia ser aplicado a Caifás, mas, de qualquer modo, sempre para ele, como uma farsa, uma atitude teatral. Aqui a palavra “vestes” significa uma barra da túnica.(26) Ou São Pedro, após um tempo de pé (como atesta São João que ele estava), sentou-se, ou essa expressão quer apenas dizer que ele estava colocado entre os criados que estavam sentados, como que identificando-se com esse grupo de pessoas, que estava nesta posição.(a) Et tu cum Jesu eras. = Mt.

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estava com Ele”. Mas ele negou-o publicamente, nestes termos: “Mulher, não sou [dos discípulos deste Homem,] não O conheço. Não sei, nem compreendo o que dizes”. Pouco depois, dirigia-se ele para a porta[, na] entrada do pátio a fim de sair; e o galo cantou[;] quando outra seva o viu e disse aos que lá estavam: “Este homem também estava com Jesus de Nazaré”. A serva que o vira [primeiro] começou [também] a dizer aos circunstantes: “Este faz parte do grupo deles”. Outro disse-lhe: “Também tu és um deles”. [Outros ainda] perguntaram-lhe: “Não és, porventura, também tu, dos Seus discípulos?” Mas Pedro, pela segunda vez, negou-o com juramento, dizendo: “Não, eu não o sou. Eu nem conheço tal Homem”. Passada quase uma hora, os que ali estavam aproximaram-se de Pedro e disse-lhe um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha: “Não te vi eu com Ele no horto?” [e] afirmava um outro: “Sim, tu és certamente também daqueles: teu modo de falar te dá a conhecer, pois também és galileu”. Então Pedro começou a praguejar e a jurar[, dizendo]: “Meu amigo, não sei o que queres dizer. [Juro que] não conheço esse Homem de quem [vós] falais”. E no mesmo instante, quando ainda falava, cantou o galo segunda vez. Voltando-Se o Senhor, olhou para Pedro. Então Pedro lembrou-se da palavra que Jesus lhe havia dito: “Hoje, antes que o galo cante duas vezes[,] negar-Me-ás três vezes”. E lembrando-se disso, rompeu em soluços. Saiu dali e chorou amargamente.

Jesus novamente diante do Conselho(Mt 27, 1-2; Mc 15, 1; Lc 22, 66-71 e 23, 1; Jo 18, 28)

Ao amanhecer, reuniram-se os anciãos do povo, todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas e todo o Conselho(27)

(27) Segundo a Lei (cf. Misnáh, tratado Sinédrio, IV, 1-6; V, 1-2; VI, 1), era ilícito e inválido o julgamento de um réu durante a noite. Por isso os

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para entregar Jesus à morte e mandaram trazer Jesus ao seu tribunal. Perguntaram-Lhe: “Dize-nos se és o Cristo!” Ele lhes respondeu: “Se Eu vo-lo disser, não acreditareis em Mim, e se vos fizer qualquer pergunta, não Me respondereis. Mas doravante o Filho do Homem estará sentado à direita do poder de Deus”. Então perguntaram todos: “Logo, Tu és o Filho de Deus?” Respondeu: “Sim, Eu sou”. Eles então exclamaram: “Temos ainda necessidade de testemunho? Nós mesmos O ouvimos da Sua boca”. E tendo amarrado Jesus, toda a assistência O conduziu da casa de Caifás ao pretório e O entregaram ao governador Pilatos.(28)

Suicídio de Judas(Mt 27, 3-10)

Judas, o traidor, vendo-O então condenado,(29)

tomado de remorsos, foi devolver aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata(30),

sinedritas fazem um novo simulacro de julgamento quando o dia desponta, para que, assim, sua sentença tivesse força de lei. (cf. Jesus Cristo. Vida, Paixão e Morte. Pe. A. Berthe - 2000, pág. 288-9)O Conselho era composto por estas três classes do povo judeu: anciãos do povo, príncipes dos sacerdotes e escribas.(28) Pilatos governava a Judéia em nome do imperador romano Tibério. Os romanos tinham subtraído ao Conselho judaico o direito de executar sentenças capitais. Foi, pois, para obter a confirmação da sentença de condenação de Jesus, que O entregaram a Pilatos. (nota da Bíblia da Editora Ave Maria – 1988)(29) Provavelmente, trata-se da condenação decretada pelo Sinédrio. Judas deve ter tido conhecimento dessa condenação ou porque se achasse na sala, em meio à assistência, ou porque o soube através de outros que estavam por ali.(30) Onde Judas se encontrou com os príncipes dos sacerdotes e com os anciãos? Cremos que ou antes da partida para o pretório (a), ou durante a ida para lá (b), ou até mesmo já no pretório, enquanto esses chefes do povo judeu aguardavam as entrevistas que Pilatos teve em particular com Jesus (c). Podemos também conjecturar que, após eles haverem conduzido Nosso

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dizendo-lhes: “Pequei, entregando o sangue de um justo”. Responderam-lhe: “Que nos importa? Isto lá é contigo!” Ele jogou, então, no templo as moedas de prata, saiu, e foi enforcar-se.(31)

Os príncipes dos sacerdotes tomaram o dinheiro(32), e disseram: “Não é permitido lançá-lo no tesouro sagrado, porque se trata de preço de sangue”. Depois de haverem deliberado, compraram com aquela soma o campo do Oleiro, para que ali se fizesse um cemitério de estrangeiros. Esta é a razão porque aquele terreno é chamado, ainda hoje, “Campo do sangue”. Assim se cumpriu a profecia do profeta Jeremias(33): Eles receberam trinta moedas de prata, preço dAquele, cujo valor foi estimado pelos filhos de Israel; e deram-no pelo campo do Oleiro, como o Senhor me havia prescrito.

Jesus diante de Pilatos(Mt 27, 11-14; Mc 15, 2-5; Lc 23, 2-7; Jo 18, 28-38)

Senhor ao pretório, uma parte deles haja ido ao templo para cumprirem sua obrigação do oferecimento do sacrifício da manhã (d), e aí Judas ter-se-ia encontrado com eles.(31) Após haver falado com os príncipes dos sacerdotes e anciãos, Judas dirigiu-se para o templo, onde jogou as moedas (isso nas suposições a, b ou c). Na suposição d, ele teria se dirigido ao templo quando uma parte dos príncipes dos sacerdotes e anciãos também foi para lá, e aí, após falar-lhes, lançou as moedas ao chão.(32) Supomos que quando eles chegaram ao templo, encontraram aquelas moedas jogadas no piso do santuário e, certificando-se de que Judas é quem as havia aí lançado, deliberaram o que fazer com elas (isso nas suposições a, b ou c). Na suposição d, eles teriam presenciado a cena.(33) [Essa passagem] não se encontra nem em Jeremias nem em Zacarias. Donde devemos concluir que é o próprio Evangelista que fez essa adição em um sentido espiritual, porque ele conhecia, por uma revelação divina, que essa profecia se aplicava ao preço pelo qual Jesus Cristo foi vendido. [Com efeito,] lê-se em Jeremias (cap. 32) que ele comprou um campo para o filho de seu irmão, e que lhe deu o dinheiro para isso. (Santo Agostinho – O Acordo dos Evangelhos, III, 7).

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Era de manhã cedo. Mas os judeus não entraram no pretório, para não se contaminarem ( 34) e poderem comer a Páscoa ( 35) . Saiu por isso Pilatos para ter com eles, e perguntou: “Que acusação trazeis contra este Homem?” Responderam-lhe: “Se Este não fosse malfeitor, não O teríamos entregue a ti”. Disse então Pilatos: “Tomai-O e julgai-O vós mesmos segundo a vossa Lei”. Responderam-lhe os judeus: “Não nos é permitido matar a ninguém” ( 36) . Assim se cumpria a palavra com a qual Jesus indicou de que gênero de morte havia de morrer.(37) E puseram-se a acusá-Lo: “Temos encontrado este Homem excitando o povo à revolta, proibindo pagar imposto ao imperador e dizendo-Se Messias e Rei”. Pilatos entrou no pretório, chamou Jesus e perguntou-Lhe: “És Tu o rei dos

(34) O pretório era a residência oficial do governador romano, onde ele julgava. Os judeus não podiam entrar aí, sem contrair uma imundície legal, porque se tratava de um edifício pagão. (nota da Bíblia da Editora Ave Maria – 1988)(35) Cremos que esses judeus, pelo fato de estarem ocupados na véspera com o aprisionamento de Nosso Senhor, não puderam, por isso, comer o cordeiro pascal no momento mais correto, que era o entardecer e começo do anoitecer daquela quinta-feira, que era o início da festa, mas serviam-se de uma permissão, que há tempo já se concedia, de realizar esse rito durante o dia da Páscoa.(36) Os romanos haviam retirado às jurisdições judaicas o direito de vida e de morte. (nota da Bíblia da Editora Ave Maria – 1988)(37) “ ‘Quando Eu for levantado da terra, atrairei todos a Mim’. Dizia, porém, isto, significando de que morte havia de morrer.” (Jo. 12, 32-33). E estas outras palavras também: “Entregá-Lo-ão [o Filho do Homem] aos pagãos para ser exposto às suas zombarias, açoitado e crucificado. (Mt. 20, 19). “O Filho do Homem será entregue (...) aos gentios (...) e Lhe tirarão a vida” (Mc. 10, 33-34). O Filho do Homem “será entregue aos pagãos (...) e O farão morrer” (Lc. 18, 32-33). A morte da cruz não era infligida pelos judeus, mas somente pelos pagãos, no caso aqui, pelos romanos. Por isso, São João mostra que o fato de Nosso Senhor ser entregue a um romano para ser morto equivalia ao cumprimento de Sua profecia de que seria morto no suplício da cruz.

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judeus?” ( a) Jesus respondeu: “Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram de Mim?” Disse Pilatos: “Acaso sou eu judeu? A tua nação e os sumos sacerdotes entregaram-Te a mim. Que fizeste?” Respondeu Jesus: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é deste mundo”. Perguntou-Lhe então Pilatos: “És, portanto, rei?” Respondeu Jesus: “Tu o dizes ( b) , Eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz”. Disse-Lhe Pilatos: “Que é a verdade?...”

Falando isso, saiu de novo, foi ter com os judeus, e declarou aos príncipes dos sacerdotes e ao povo: “Eu não acho neste Homem culpa alguma[,] não acho nEle crime algum”. Mas os príncipes dos sacerdotes acusavam-No de muitas coisas. Ele, porém, nada respondia às acusações dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos.

Perguntou-Lhe Pilatos: “Não ouves todos os testemunhos que levantam contra Ti? Nada respondes? Vê de quantos delitos Te acusam!” Mas, para grande admiração do governador, não quis responder a nenhuma acusação. Mas eles insistiam fortemente: “Ele revoluciona o povo, ensinando por toda a Judéia, a começar da Galiléia até aqui”. A estas palavras, Pilatos perguntou se Ele era Galileu. E quando soube que era da jurisdição de Herodes(38), enviou-O a Herodes, pois justamente naqueles dias se achava em Jerusalém.

(a) Tu es Rex Judaeorum? = Mt., Mc. e Lc.(b) Tu dicis. = Mt., Mc. e Lc.(38) Trata-se de Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia, filho de Herodes Magno. (cf. nota da Bíblia da Editora Ave Maria – 1988). O tetrarca foi quem mandou matar São João Batista; seu pai foi quem mandou matar os Santos Inocentes.

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Diante de Herodes(Lc 23, 8-12)

Herodes alegrou-se muito por ver Jesus, pois de longo tempo desejava vê-Lo, por ter ouvido falar dEle muitas coisas, e esperava presenciar algum milagre operado por Ele.(39)

Dirigiu-Lhe muitas perguntas, mas Jesus nada respondeu. Ali estavam os príncipes dos sacerdotes e os escribas, acusando-O com violência. Herodes com a sua guarda tratou-O com desprezo, escarneceu dEle, mandou revesti-Lo com uma túnica branca(40), e reenviou-O a Pilatos. Naquele mesmo dia, Pilatos e Herodes fizeram as pazes, pois antes eram inimigos um do outro.

Novamente diante de Pilatos(Mt 27, 15-26; Mc 15, 6-15; Lc 23, 13-25; Jo 18, 39-40 e 19, 1)

Acontecia que era costume que o governador soltasse um preso a pedido do povo em cada festa de Páscoa. Ora, naquela ocasião havia na prisão um prisioneiro famoso, chamado Barrabás. Este homem fôra lançado ao cárcere com seus cúmplices devido a uma revolta levantada na cidade, e por causa de um homicídio [que] ele perpetrara na sedição. Barrabás era [também] um ladrão.

O povo que havia subido(41) começou a pedir-lhe(42)

aquilo que sempre lhes costumava conceder.(39) Por essas palavras se vê que a grande alegria em ver Jesus e o antigo desejo desse encontro eram em Herodes fruto de uma curiosidade leviana, sem nada de sobrenatural. Por isso (e provavelmente também por causa do assassínio de São João Batista), Nosso Senhor não atende a nenhum de seus pedidos e nem sequer lhe dirige qualquer palavra.(40) Para mofar das Suas pretensões à realeza. (nota do missal de D. Gaspar Lefebvre)(41) Subido: entenda-se à cidade de Jerusalém, para a festa de Páscoa, pois Jerusalém situava-se no alto.(42) Ou seja, ao governador Pilatos.

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Pilatos convocou então os príncipes dos sacerdotes, os magistrados e o povo, e disse-lhes: “Apresentastes-me este Homem como agitador do povo, mas, interrogando-O eu diante de vós, não O achei culpado de nenhum dos crimes de que O acusais. Nem tampouco Herodes; pois no-Lo devolveu; portanto, Ele nada fez que mereça a morte. Por isso, soltá-Lo-ei depois de O castigar. Mas é costume entre vós que pela Páscoa vos solte um preso. Qual quereis, pois, que eu vos solte(a): Barrabás ou Jesus, que se chama Cristo, o rei dos judeus?” (Porque sabia que os príncipes dos sacerdotes O haviam entregue por inveja)(b).

Enquanto estava sentado no tribunal, a sua mulher lhe mandou dizer: “Nada faças a esse Justo. Fui hoje atormentada por um sonho que Lhe diz respeito”. Mas, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram ao povo [e o] incitaram [a] que pedisse a libertação de Barrabás e fizesse morrer Jesus.(c) O governador tomou então a palavra: “Qual dos dois quereis que eu vos solte? Quereis que vos solte o rei dos judeus?” Todo o povo gritou a uma voz: “Não! A Este não! Mas a Barrabás! À morte com Este, e solta-nos Barrabás”. Pilatos, porém, querendo soltar a Jesus, falou-lhes de novo: “E que quereis que eu faça dAquele a Quem chamais o rei dos judeus?(43) Que farei então de Jesus, que é

(a) Vultis dimittam vobis = Mc. e Jo.(b) Sciebat enim quod per invidiam tradidissent eum. = Mt.(c) Principes autem sacerdotum persuaserunt populis, ut peterent Barabbam. Mc.: Pontifices autem concitaverunt turbam, ut magis Barabbam dimitteret eis.(43) Pilatos repete por três vezes esse título de “rei dos judeus”, querendo, provavelmente, pisotear no orgulho dos israelitas. Depois, ainda, irá escrever no “titulus” a ser fixado sobre a cruz, novamente essa mesma frase, inclusive em três línguas (hebraico, grego e latim), para que todos pudessem ler, visto que Jerusalém estava, por ser a festa de Páscoa, repleta de judeus e prosélitos oriundos de diversas partes do Império Romano, no qual as principais línguas faladas eram o grego e o latim. Era, talvez, uma certa vingança do governador contra aquele povo a quem tanto odiava e que lhe

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chamado o Cristo?” Todos eles tornaram a gritar: “Crucifica-O! Crucifica-O!(a)” O governador tornou a perguntar: “Mas que mal fez(b) Ele? Não achei nEle nada que mereça a morte; irei, portanto, castigá-Lo, e depois O soltarei”. E gritaram ainda mais forte: “Crucifica-O!(c)” Pilatos viu que nada adiantava, mas que, ao contrário, o tumulto crescia e os seus clamores recrudesciam. Pilatos fez com que lhe trouxessem água, e lavou as mãos diante do povo, e pronunciou então a sentença que lhes satisfazia o desejo[, dizendo]: “Sou inocente do Sangue deste Homem. Isto é lá convosco!” E todo o povo respondeu: “Caia sobre nós o Seu Sangue e sobre nossos filhos!” Querendo Pilatos satisfazer o povo, soltou-lhes aquele que eles reclamavam e que havia sido lançado ao cárcere por causa do homicídio e da revolta. Pilatos mandou então flagelar a Jesus.(d)

Cena de opróbrios(Mt 27, 27-31; Mc 15, 16-20; Jo 19, 2-16)

Os soldados do governador conduziram Jesus ao interior do pátio, isto é, ao pretório, onde convocaram toda a coorte(44) e rodearam-No com todo o pelotão. Arrancaram-Lhe as vestes e cobriram-No com um manto escarlate [à guisa de] manto de púrpura. Depois, trançaram uma coroa de espinhos(a), meteram-Lha na cabeça(b) e puseram-Lhe na mão uma vara. Dobrando os joelhos diante dEle como para

arrancara, contra sua vontade, uma injusta sentença de morte.(a) Crucifige Eum. = Mc. Mt.: Crucifigatur.(b) Quid enim mali fecit? = Mt. e Mc.(c) Crucifige Eum. Mt.: Crucifigatur.(d) Apprehendit Pilatus Jesum, et flagellavit. Mt.: Jesum flagellatum tradidit eis.(44) “Coorte”: 500 a 600 soldados.(a) Plectentes coronam de spinis. = Jo. Mc.: Plectentes spineam coronam.(b) Posuerunt super caput Ejus. Mc.: imponunt Ei. Jo.: imposuerunt capiti Ejus.

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homenageá-Lo, diziam com escárnio: “Salve, rei dos judeus(c)!” Cuspiam-Lhe no rosto e, tomando da vara, davam-Lhe com [ela] golpes na cabeça, e davam-Lhe bofetadas.

Pilatos saiu outra vez e lhes disse: “Eis que vo-Lo trago fora, para que saibais que não acho nEle nenhum motivo de acusação”. Apareceu, então, Jesus, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos disse: “Eis o Homem!” Quando os príncipes dos sacerdotes e os guardas ( 45) O viram, gritaram: “Crucifica-O! Crucifica-O!” Falou-lhes Pilatos: “Tomai-O vós e crucificai-O, pois eu não acho nEle culpa alguma” ( 46) . Responderam-lhe os judeus: “Nós temos uma Lei, e segundo esta Lei Ele deve morrer, porque Se declarou Filho de Deus”. Estas palavras impressionaram Pilatos. Entrou

(c) Ave, Rex Judaeorum. = Mc. e Jo.(45) Estes guardas são certamente do número dos que estavam a “serviço dos pontífices e dos fariseus” (Jo. 18, 3) e, ademais, não deveriam fazer parte da coorte (guarda romana) que foi prender Nosso Senhor no Getsêmani, pois esta deveria já ter-se reunido a seus correligionários e presenciado a flagelação e coroação de espinhos. Portanto, só nesse momento do “Ecce Homo” (Eis o Homem!) é que estes guardas (judeus) viram a Nosso Senhor flagelado e coroado de espinhos. Esta passagem de São João também demonstra que a flagelação e a coroação de espinhos de Nosso Senhor não se fizeram diante do público, mas somente diante dos soldados romanos, no interior do pretório (como disse São Marcos), onde, aliás, já sabemos, os judeus se negaram a entrar para não se contaminarem.(46) Esta é a quinta vez que Pilatos declara não encontrar em Nosso Senhor culpa alguma! Um juiz que declara tantas vezes a inocência do réu e, apesar disso, o condena à morte! Incrível, mas é verdade. “Ó injustiça jamais vista no mundo!” (Santo Afonso)Recordando cada uma das declarações:1) “Eu não acho neste Homem culpa alguma, não acho nEle crime algum.” (Lc. 23, 4 e Jo. 18, 38);2) “Não O achei culpado de nenhum dos crimes de que O acusais. Ele nada fez que mereça a morte.” (Lc. 23, 14-15);3) “Não achei nEle nada que mereça a morte.” (Lc. 23, 22);4) “Não acho nEle nenhum motivo de acusação.” (Jo. 19, 4);5) “Não acho nEle culpa alguma.” (Jo. 19, 8)

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novamente no pretório e perguntou a Jesus: “Donde és Tu?” Mas Jesus não lhe respondeu. Pilatos, então, Lhe disse: “Tu não me respondes? Não sabes que tenho poder para Te soltar e para Te crucificar?” Respondeu Jesus: “Não terias poder algum sobre Mim, se de cima não te fôra dado. Por isso, quem Me entregou a ti tem pecado maior” ( 47) . Desde então Pilatos procurava soltá-Lo. Mas os judeus gritavam: “Se O soltares, não és amigo do Imperador, porque todo o que se faz rei, se declara contra o Imperador”.

Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado Lajeado, em hebraico Gábata ( 48) . (Era a preparação da Páscoa ( 49) , cerca da hora sexta).

(47) Santo Agostinho interpreta essas palavras de Nosso Senhor da seguinte maneira:Não terias nenhum poder sobre Mim, se este poder não te fosse dado por César. Por isso (pelo fato de Me condenares à morte por temor daquele a quem estás submisso), teu pecado é menor do que o de quem Me entregou a ti, pois o fez por inveja. (cf. comentário de Santo Agostinho a essa passagem no livro segundo desta obra e mais extensamente na Catena Áurea)(48) “Lajeado”: em grego litóstrotos, palavra que significa pavimento de lajes. Este pátio foi reencontrado nos restos da fortaleza que os romanos tinham construído no ângulo nordeste do templo de Jerusalém. (nota da Bíblia da Editora Ave Maria - 1988)(49) “Era a preparação da Páscoa”: ou seja, do sábado pascal; pois visto que este incidia na oitava da Páscoa, era mais solene do que os demais sábados, e por isso era chamado grande, como se vê no versículo 31 [de São João, ainda no mesmo capítulo desta passagem]. Portanto, o sentido é: Era a sexta-feira, na qual se fazia a preparação dos alimentos e das coisas necessárias para o seguinte dia de sábado; pois nele, sendo santíssimo, não era lícito cozinhar os alimentos nem fazer outra [qualquer] coisa. Donde vem que só o sábado tinha a sua prévia preparação, da qual careciam as outras festas. Porque incorretamente os gregos interpretam a expressão “Preparação da Páscoa” como sendo o dia anterior à Páscoa, no qual [os judeus] imolavam o cordeiro. Pois pelo que se lê em São Mateus, São Marcos e São Lucas consta que Cristo foi crucificado no primeiro dia dos ázimos, no qual haviam imolado o cordeiro. Portanto, ao primeiro dia dos ázimos São João chama aqui [nesta passagem de seu Evangelho] de

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Pilatos disse aos judeus: “Eis o vosso rei!” Mas eles gritavam: “Fora com Ele! Fora com Ele! Crucifica-O!” Pilatos perguntou-lhes: “Hei de crucificar o vosso rei?” ( 50) Os príncipes dos sacerdotes responderam: “Não temos outro rei senão César!” Entregou-O, então, a eles para que fosse crucificado.(51)

Depois, (os soldados do governador) tiraram-Lhe o manto e entregaram-Lhe de novo as [Suas] vestes. Em seguida, conduziram-No fora [e] levaram-No para O crucificar.

Caminho da Cruz(Mt 27, 32; Mc 15, 21-22; Lc 23, 26-32; Jo 19, 17)

Conduziram Jesus ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do “Crânio”. Ele próprio carregava a Sua cruz para fora da cidade. Saindo(52), encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, [que] passava por ali [e] que voltava

Preparação da Páscoa, ou seja, o dia anterior ao sábado pascal. (Cornélio a Lápide, Commentarii in Sancti Joannis Evangelium)(50) “O vosso rei”. Essa é a quinta vez que Pilatos chama Nosso Senhor de rei dos judeus (ver nota 43 sobre as três primeiras vezes).(51) “Entregou-O a eles (os sumos sacerdotes)”: Tanto o relato de São Lucas (“entregou Jesus à vontade deles [do povo]” – 23, 25) como o de São João parecem dizer que os judeus se apoderaram de Nosso Senhor e eles mesmos O conduziram ao Calvário. Porém, São Mateus e São Marcos, como veremos a seguir, dizem explicitamente que foram os soldados romanos que o fizeram. Portanto, as palavras de São Lucas e de São João devem ser entendidas no sentido de que Pilatos mandou que se executasse o que era conforme à vontade dos judeus. “De fato, é o que acontece quando se condena um inocente: ele é abandonado nas mãos de seus inimigos” (Santo Afonso), cujo desejo era matá-lo.(52) “Saindo”: Julgamos que esta palavra de São Mateus, unida às anteriores, de São João, significam o seguinte: Nosso Senhor começou o Seu trajeto em direção ao Gólgota, dirigindo-Se pelo caminho que conduzia à porta que dava saída à cidade (“para fora da cidade”), carregando Sua cruz. E pouco após Sua saída do pretório, Simão Cireneu foi obrigado a levar o patíbulo.

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do campo(a), pai de Alexandre e de Rufo, detiveram[-no] e o obrigaram a levar a cruz de Jesus(b). Impuseram-lhe a cruz, para que a carregasse atrás de Jesus. Seguia-O uma grande multidão de povo e de mulheres, que batiam no peito e O lamentavam. Voltando-Se para elas, Jesus disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis sobre Mim, mas chorai sobre vós mesmas e sobre vossos filhos. Porque virão dias em que se dirá: Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram! Então dirão aos montes: Caí sobre nós! e aos outeiros: Cobri-nos!(53) Porque, se isto se faz no lenho verde, que se fará no seco?”(54)

Eram também levados com Jesus outros dois, que eram malfeitores, para serem mortos.

No Calvário(Mt 27, 33-56; Mc 15, 23-41; Lc 23, 33-49; Jo 19, 18-37)

Tendo chegado ao lugar chamado Gólgota, isto é, lugar do Crânio(55), deram-Lhe a beber vinho misturado

(a) Venientem de villa. = Mc.(b) Angariaverunt ut tolleret crucem Ejus. = Mc.(53) Estas palavras são uma citação de Oséias 10, 8. (nota da Bíblia da Editora Ave Maria – 1988)(54) Talvez possa surpreender-nos como os soldados romanos, que estavam tão encarniçados contra Nosso Senhor, possam ter permitido que Jesus falasse tão demoradamente a estas mulheres. Cremos que a melhor explicação desse fato (assim como o do fato semelhante do discurso de Nosso Senhor aos Seus adversários, por ocasião de Sua prisão no Getsêmani) é que Jesus dirigia todos os acontecimentos, a ponto de se darem fatos como estes, a nosso ver humanamente inexplicáveis.(55) “Lugar do Crânio”: Esse nome pode ter como causa: a) ou a forma que tinha o rochedo, que se assemelhava a um crânio, que se destacava, aflorando da terra, e desprovido de vegetação; b) ou pelo fato de aí repousar os restos mortais (ou ao menos o crânio) de Adão; c) ou pelo fato de ser um lugar freqüentemente usado para supliciar os condenados à morte, o que fazia com que ali se encontrassem vários crânios insepultos.

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com fel(56) [e] mirra(57). Tendo-o Ele provado, não quis beber.(a) Ali O crucificaram(b). Ao mesmo tempo crucificaram com Ele os dois ladrões(c): um à Sua direita e outro à Sua esquerda(d), e Jesus no meio.(58) Cumpriu-se assim a Escritura, que diz: “E foi contado entre os malfeitores”(59). Jesus, porém, dizia: “Pai, perdoai-lhes, pois não sabem o que fazem”. Pilatos, entretanto, redigiu também uma inscrição [e os soldados] penduraram[-na](60) por cima de Sua [ou seja, de Jesus] cabeça[,](a) no topo da cruz[,](61) trazendo o motivo de Sua crucifixão(b)(62)[, pois] nela estava escrito: “Jesus

(56) Provavelmente São Mateus quer frisar aqui o cumprimento da profecia do Salmo 68, 22. Ver também São Marcos e São João.(57) Bebida amarga, formada de uma mistura inebriante (nota do missal de D. Gaspar Lefebvre), dada aos condenados para torná-los menos sensíveis à dor. (cf. nota da Bíblia das Edições Paulinas – 1989)(a) Noluit bibere. Mc.: non accepit.(b) Ibi crucifixerunt Eum. Jo.: Ubi crucifixerunt Eum.(c) Duo latrones. Mc.: duos latrones. Lc.: latrones.(d) Unus a dextris, et unus a sinistris. Mc.: unum a dextris, et alium a sinistris Ejus. Lc.: unum a dextris, et alterum a sinistris. Jo.: hinc et hinc.(58) Certamente os soldados fizeram isso para continuar sua cruel paródia, começada no pretório, de fazer de Nosso Senhor um rei de comédia: colocando-O num “lugar de honra”, entre dois de Seus “cortesãos”: dois bandidos...(59) Is. 53, 12.(60) São João diz que foi Pilatos quem colocou a inscrição sobre a cruz, enquanto São Mateus diz que foram os soldados. Evidentemente o sentido é o seguinte: os soldados a colocaram a mando de Pilatos. Pilatos a colocou através dos soldados.(a) Super caput Ejus. Lc.: super Eum.(61) São Mateus e São Lucas dizem que a inscrição estava por cima da cabeça de Nosso Senhor, enquanto São João diz que estava por cima da cruz. Pode-se resolver esse problema pensando que o fato de estar acima da cruz não contradiz, mas, pelo contrário, confirma o fato de estar acima da cabeça.(b) Causam Ipsius. Mc.: causae Ejus.(62) A motivação da sentença era obrigtória. (nota da Bíblia das Edições Paulinas – 1989)

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Nazareno, rei dos judeus” ( 63) . Muitos dos judeus leram esta inscrição, porque estava perto da cidade o lugar onde Jesus foi crucificado. E [a inscrição] estava escrita em hebraico, em grego e em latim ( 64) . Porém, os príncipes dos sacerdotes dos judeus diziam a Pilatos: “Não escrevas ‘Rei dos judeus’, mas [sim que Ele é condenado] porque Ele disse: ‘Eu sou o rei dos judeus’.” Respondeu Pilatos: “O que escrevi, escrevi”.

Visto que os soldados já O [ou seja, a Jesus] houvessem crucificado, tomaram as Suas vestes ( 65) (e fizeram [delas] quatro partes: [uma] parte para cada soldado lançando a sorte(a)

sobre elas, [para ver] quem levaria o que), e a túnica. A túnica,

(63) Os nossos crucifixos costumam apenas trazer as letras iniciais das palavras: “Jesus Nazareno, rei dos judeus” (em latim: Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum): I.N.R.I.Essa é a sexta vez que Pilatos chama Nosso Senhor de Rei. Ver também notas nº 43 e 50.(64) Cada Evangelista coloca as palavras do titulus de uma maneira diferente, sendo que só São João as coloca textualmente, enquanto os outros contentam-se em colocar palavras que exprimem o sentido.A ordem, de cima para baixo, conforme se pôde verificar no que sobrou da tábua do titulus, é exatamente a que dá São João, ficando assim:hebraicogregolatimSão Lucas limita-se a citar as línguas, sem colocá-las em ordem (ele diz: grego, latim e hebraico).(65) “Tomaram as suas vestes”: isso não quer dizer absolutamente que não deixaram nada sobre Seu Corpo. É provável que em razão dos costumes de respeito religioso que havia entre os judeus, os romanos não hajam violado essa lei elementar de modéstia, deixando cobertas as partes pudicas, pois é sabido o cuidado que tinham os romanos em não infringir as leis religiosas dos povos conquistados. Também não contradiz essa asserção o fato de alguns Santos Padres falarem da nudez de Nosso Senhor na cruz, pois cremos dever entender essa expressão no mesmo sentido em que lemos em Isaías 20, 2 e que também assim é empregada no século XII ou XIII, por São Francisco de Assis. O missal de Dom Gaspar Lefebvre (1965) observa que “os soldados executores da sentença tinham direito aos despojos”.(a) Mittentes sortem. Mt.: sortem mittentes.

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no entanto, não tinha costura, [ou seja, era] toda tecida desde cima [até em baixo.] Disseram, por isso, uns para os outros: “Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de quem será”. A fim de que a Escritura se cumprisse, a qual diz ( b) : “Repartiram entre si as Minhas vestes, e sobre a Minha túnica lançaram sortes”(66). E os soldados, com efeito, [assim] o fizeram. E, sentando-se, montavam-Lhe guarda. Estava-se, porém, na hora terceira quando O crucificaram(67). E o povo estava postado [diante do Gólgota] olhando [para tudo o que estava acontecendo.] Porém, os que passavam(68)

(b) Ut Scriptura impleretur, dicens. Mt.: ut impleretur, quod dictum est per Prophetam, dicentem.(66) Salmo 21, 19. São Mateus cita literalmente a passagem do Salmo, enquanto São João, guardando o sentido das palavras, muda-as levemente.Mt.: Diviserunt sibi vestimenta mea.Jo.: Partiti sunt vestimenta mea sibi.Mt.: et super vestem meam miserunt sortem.Jo.: et in vestem meam miserunt sortem.(67) Essa indicação de São Marcos não contradiz a de São João, quando este disse que Pilatos sentou-se no tribunal no Gábata “cerca da hora sexta”, pois São João fala claramente de modo impreciso (“cerca”), levando-se em conta que a terceira hora compreendia o espaço de tempo desde as nove horas da manhã até o meio-dia (lembremo-nos que se estava na Páscoa, que era no equinócio da primavera). Assim, enquanto não se chegava ao meio-dia, estava-se na hora terceira, e quando já se aproximava o meio-dia estava-se cerca (perto; por volta) da hora sexta.(68) “Os que passavam”: pode-se entender de duas maneiras esses “transeuntes”: a) ou eram pessoas que vinham para Jerusalém e, passando pelo Calvário, injuriavam Nosso Senhor; b) ou eram pessoas que faziam parte do grupo que estava diante do Calvário e que ficavam se movendo de um lado para o outro blasfemando contra Nosso Senhor.Parece-nos que a opinião mais provável é a segunda, pois apesar do fato de a frase que analisamos vir logo após outra de São Lucas, que diz estar o povo diante do Calvário parado, e não andando de um lado para o outro, deve-se observar que uma coisa não impede a outra, pois alguns poderiam estar se mexendo enquanto a maioria estava parada. Por isso os dois primeiros Evangelistas não dizem “o povo passava”, mas “os que passavam” blasfemavam. Acrescente-se a isso que nos parece um pouco estranho que pessoas que vêm de longe e mal passando pelo Calvário e

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blasfemavam contra Ele, abanando as suas cabeças e dizendo(a): “Ah! Tu, que destróis o templo de Deus e o reedificas em três dias, salva-Te a Ti mesmo(b). Se és o Filho de Deus, desce da cruz”. Da mesma forma, também os príncipes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e anciãos, zombando, diziam(c) uns para os outros: “A outros Ele salvou(d), a Si mesmo não Se pode salvar(e); se este é o Cristo(f) [o Messias, o Ungido], o Eleito de Deus[,] o Rei de Israel, desça agora da cruz(g), para que vejamos, e creiamos nEle. Confiou em Deus; [que Deus O] livre agora, se [é que] O ama; pois [Ele] disse: ‘Eu sou o Filho de Deus’.” Mas também os soldados zombavam dEle, aproximando-se, oferecendo-Lhe vinagre e dizendo: “Se Tu és o Rei dos judeus, salva-Te”. Porém, um daqueles ladrões que estavam pendurados [na cruz], blasfemava contra Ele [Nosso Senhor], dizendo: “Se Tu és o Cristo [o Messias, o Ungido], salva-Te a Ti mesmo e a nós”. Mas o outro [ladrão], em resposta, increpava-o [ao primeiro ladrão], dizendo: “Nem tu temes a Deus, apesar de estares no mesmo suplício [que Ele]? Mas nós [o estamos], em verdade, com justiça, pois recebemos o que é digno [que recebam nossas] ações; Esse [aí], porém, nada fez de mal”. E dizia a Jesus: “Senhor, lembrai-Vos de mim,

tomando conhecimento do que aí sucede, já prorrompam em blasfêmias.(a) Praetereuntes blasphemabant Eum, moventes capita sua, et dicentes. = Mc.(b) In tríduo illud reedificas: salva Temetipsum. Mc.: in tribus diebus reedificas: salvum fac Temetipsum.(c) Similiter et príncipes sacerdotum illudentes cum scribis et senioribus dicebant. Mc.: Similiter et summi sacerdotes illudentes, ad alterutrum cum scribis dicebant.(d) Alios salvos fecit. = Mc. e Lc.(e) Seipsum non potest salvum facere. = Mc.; Lc.: Se salvum faciat.(f) Si hic est Christus. Mc.: Christus.(g) Descendat nunc de cruce. Mt.: Descende de cruce.

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quando chegardes ao Vosso Reino”(69). E Jesus lhe disse: “Em verdade te digo: Hoje estarás coMigo no paraíso”.(70)

E chegada a hora sexta, fizeram-se trevas(a) por toda(b) a terra(71) até a hora nona.(c) (72) E o sol se escureceu.(73)

Estavam, porém, de pé, perto da cruz ( 74) de Jesus, olhando [e] vendo estas coisas[,] a Sua Mãe, e a irmã de Sua

(69) Por que o “bom ladrão” acredita que Nosso Senhor vai entrar em Seu Reino após a Sua morte? O fato de ele ouvir os circunstantes injuriarem Nosso Senhor ridicularizando-O do título de rei não basta. É bem provável que chegou aos seus ouvidos a afirmação de Nosso Senhor a Pilatos: “Meu reino não é deste mundo” através, talvez, dos comentários de um soldado que estaria presente à conversa entre Jesus e o governador romano.(70) A palavra paraíso, entre outras, costumava ser empregada pelos judeus para designar o Limbo dos justos do Antigo Testamento (cf. Ferdinand Prat. S.J. – Jesucristo. Su vida, Su doctrina, Su obra. Cap. XI, parte III) Com efeito, Nosso Senhor, com Sua Humanidade, só entraria no Céu no dia de Sua ascensão. Pode-se também atribuir esse termo “paraíso” ao fato de que os justos que estavam no Limbo vendo a Jesus (o qual ficou no Limbo desde Sua morte até Sua ressurreição) tiveram uma felicidade semelhante à que têm os que estão no paraíso celeste, e indo o “bom ladrão” para o Limbo logo após sua morte, Nosso Senhor estaria lhe predizendo a felicidade de que iria gozar naquele mesmo dia. No entanto, parece-nos que essa interpretação força um pouco o texto evangélico, pois este se refere ao paraíso como a um lugar e não como a um estado.(a) Tenebrae factae sunt. = Mt. e Lc.(b) Per totam. Mt.: super universam. Lc.: in universam.(71) Não se sabe, ao certo, se o termo “toda a terra” se refere a todo o orbe ou à terra dos judeus: a Palestina, pois vemos que, às vezes, na Sagrada Escritura a palavra terra é usada para designar apenas esta última. (cf., por exemplo, Jer. IV, 20, 23, 27 e 28; VII, 34; XII, 11)O que é certo é que os Evangelistas narram esse obscurecimento como um fato milagroso, digno de nota.(c) Usque in horam nonam. = Lc.; Mt.: usque ad horam nonam.(72) Como se estava no equinócio da primavera, foi no período de meio-dia às três horas da tarde que se deu o milagre das trevas.(73) Portanto, como o afirma aqui São Lucas, a causa da escuridão foi o obscurecimento do sol e não o fato de ele ser coberto pelas nuvens, como já houve quem assim sustentasse.

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Mãe, Maria de Cléofas(75)[, mãe] de Tiago Menor e de José(76), Maria Madalena[,] Salomé[,] mãe dos filhos de Zebedeu e outras muitas mulheres que haviam subido para Jerusalém juntamente com Jesus e O seguiam e serviam quando [Ele] estava na Galiléia. Portanto, como Jesus estivesse vendo [Sua] Mãe e o discípulo que Ele amava, estando [ali] de pé, disse à Sua Mãe: “Mulher, eis o Teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis a tua Mãe”. E a partir daquela hora, o discípulo A recebeu em sua [casa].

E à hora nona, Jesus exclamou em alta voz, dizendo: “Eli, Eli, lamma sabacthani?” Que quer dizer: “Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonastes?” E alguns dos

(74) São Mateus e São Marcos dizem que estavam de longe, São Lucas diz: “a certa distância” e São João: “perto da cruz” (juxta Crucem), utilizando a mesma palavra latina (juxta) empregada no Salmo 37, 12 (“Os que estavam perto de Mim, estavam de pé, de longe”). Passagem essa do Salmo que encerra em si uma aparente contradição, mas que, justamente, parece-nos reveladora do sentido das sobreditas aparentes contradições entre os Evangelistas. Assim, o sentido seria: relativamente aos outros discípulos, estavam perto, pois estavam ao pé da Cruz; relativamente à própria Cruz, estavam longe, pois os soldados romanos mantinham o povo à distância dos supliciados. É interessante também notar a semelhança do verbo empregado em São João e no Salmo 37 (verbo sto): stabant (São João) e steterunt (Salmo 37).Nosso Senhor tem, assim, a consolação de ter junto a Si Sua Mãe e seus amigos mais fiéis, e ao mesmo tempo tem a angústia de vê-los mantidos à distância pela guarda romana.(75) “De Cléofas”: ou seja, mulher de Cléofas. É provável que ela não fosse propriamente irmã, mas apenas parenta próxima, talvez prima: 1º) porque sabemos que o termo “irmã” para os hebreus daquela época não designava somente a irmã, mas uma parenta próxima; 2º) porque é um ensinamento tradicional que Nossa Senhora era filha única; 3º) porque parece-nos estranho que duas irmãs tivessem o mesmo nome: Maria. E desse parentesco com Nossa Senhora vem o fato de seu filho, o Apóstolo São Tiago Menor, ser chamado “irmão do Senhor”.(76) Esse José é, certamente, o mesmo citado em Mc. 6, 3, como sendo “irmão” (ou seja, parente próximo, como vimos) de Nosso Senhor.

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circunstantes, ouvindo [isso], diziam: “Eis, Este chama por Elias”.

Imediatamente depois, sabendo Jesus que todas as coisas foram cumpridas, a fim de que se cumprisse a Escritura, disse: “Tenho sede”. Havia [sido] posto [ali] um recipiente cheio de vinagre. Correndo um deles [ou seja, um dos soldados], havendo pegado uma esponja, ensopou[-a] no vinagre e colocando a esponja à volta de um hissopo, dava-Lha a beber. Os demais, porém, diziam: “Deixa, vejamos se Elias vem libertá-Lo.” [O soldado], porém, dava-Lhe de beber dizendo: “Deixai, vejamos se Elias vem para O tirar [da cruz]”. Havendo Jesus tomado o vinagre, disse: “Tudo está consumado”. E clamando novamente em alta voz, Jesus disse: “Pai, nas Vossas mãos encomendo o Meu espírito”. E, dizendo isto, inclinando a cabeça, entregou o espírito. E eis que o véu do templo rasgou-se em duas partes[,] no meio[,] de alto a baixo; e a terra tremeu, e as pedras se fenderam, e os sepulcros se abriram; e muitos corpos de santos, que haviam adormecido [ou seja, falecido], ressuscitaram. E, saindo dos sepulcros após a ressurreição dEle [ou seja, de Jesus][,] foram à cidade santa, e apareceram a muitos.

Vendo, porém, o centurião, que estava de pé defronte, que [Jesus] expirava clamando dessa maneira[,] glorificou a Deus, dizendo: “Em verdade este Homem era um justo[,] era o Filho de Deus”. [Tanto o centurião como] os que com ele montavam guarda a Jesus, vendo o terremoto e as coisas que aconteciam, temeram grandemente e [também os demais soldados, repetindo o dito do centurião] disseram: “Verdadeiramente Este era o Filho de Deus”. E todos os da multidão que igualmente assistiam a esse espetáculo e viam o que acontecia, retiravam-se, batendo no peito. Estavam, porém, à distância todos os Seus conhecidos [ou seja, os conhecidos de Jesus], vendo estas coisas.

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Ora, os judeus (porque [aquele dia] era a “Preparação”, isto é, a véspera do sábado), a fim de que os corpos não ficassem na cruz no [dia de] sábado (pois aquele dia de sábado era [de] grande [solenidade]), rogaram a Pilatos para que se quebrassem as pernas deles [ou seja, dos supliciados], e fossem tirados. Vieram, portanto, os soldados; e, com efeito, quebraram as pernas do primeiro e do outro que foi crucificado com ele. Porém, quando chegaram a Jesus, como viram-No já morto, não quebraram Suas pernas; mas um dos soldados abriu-Lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue, e água. E aquele que viu [estas coisas], deu testemunho; e o seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe que diz a verdade; a fim de que vós também creiais. Pois estas coisas aconteceram para que se cumprisse a Escritura[, a qual assim diz]: “Não quebrareis [nenhum] osso dele”. E, ainda, outra [parte da] Escritura diz: “Lançarão o olhar para quem transpassaram”.

Sepultura(Mt 27, 57-61; Mc 15, 42-47; Lc 23, 50-56; Jo 19, 38-42)

Depois disso, porém, e quando já se estava ao fim da tarde, veio um homem rico, por nome José, que era um nobre membro do Conselho, homem bom e justo; ele não havia concordado com a decisão dos outros [membros do Conselho] nem com os atos deles, oriundo de Arimatéia, cidade da Judéia, o qual esperava também o Reino de Deus[,] visto que era discípulo de Jesus, oculto, porém, por medo dos judeus. Ele corajosamente foi à presença de Pilatos, e rogou [a autorização] para levar o Corpo de Jesus. Pilatos, porém, admirava-se de que já houvesse morrido. E mandando chamar o centurião, perguntou-lhe se [Jesus] já havia morrido. E como soubesse do centurião [que assim sucedera] ordenou que fosse dado o Corpo a José e permitiu [que este O tirasse.] José, porém, havendo comprado um lençol branco, veio, portanto, e tirando

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o Corpo de Jesus[,] e havendo descido-O [da Cruz,] tomou[-O para si.] Mas veio também Nicodemos (o que tinha ido primeiramente de noite ter com Jesus) trazendo uma mistura de mirra e aloés, de mais ou menos cem libras. Tomaram, portanto, o Corpo de Jesus, e O envolveram no lençol [e] em panos com aromas, como os judeus costumam sepultar. No lugar, porém, em que [Jesus] foi crucificado, havia um horto, e no horto [havia] um sepulcro de José[,] novo, que ele havia aberto numa rocha, no qual ninguém ainda havia sido posto. Aí, portanto, por causa da “Preparação” dos judeus, visto que o sepulcro estava perto, colocaram Jesus. E [José] rolou uma grande pedra para [diante da] entrada do sepulcro, e foi-se embora. Porém, as mulheres que com Ele [ou seja, com Jesus] haviam vindo da Galiléia, [entre as quais estavam] Maria Madalena e Maria, mãe de José, indo atrás [dos que levavam o Corpo de Jesus para o sepultamento], viram o sepulcro e o modo como [aí] era colocado o Corpo dEle [ou seja, de Jesus]. Maria Madalena e a outra Maria estavam, porém, ali sentadas diante do sepulcro. E voltando, prepararam aromas e bálsamos; e no sábado estiveram em repouso, segundo a lei.

LIVRO SEGUNDO

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Comentários dosPadres da Igreja

Angústia Suprema(Mt 26, 36-46; Mc 14, 32-42; Lc 22, 39-46; Jo 18, 1)

Conforme o Seu costume, Jesus retirou-Se com os Seus discípulos para o monte das Oliveiras, além da torrente de Cedron, onde havia um horto, chamado Getsêmani, no qual entrou com os Seus discípulos, e lhes disse: “Assentai-vos aqui enquanto Eu vou ali orar”. E, tomando conSigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, ou seja, Tiago e João, começou a entristecer-Se e angustiar-Se, a ter pavor e repugnância. Disse-lhes então: “A minha Alma está numa tristeza mortal. Ficai aqui e vigiai coMigo. Orai para que não caiais em tentação”. Depois Se afastou deles à distância de um tiro de pedra e, ajoelhando-Se, prostrou-Se com a face por terra e pedia orando que, se fosse possível, passasse dEle aquela hora: “Ó meu Pai, suplicava Ele, tudo Vos é possível; se é do Vosso agrado, afastai de Mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a vossa”. Apareceu-Lhe, então, um Anjo do Céu para confortá-Lo. Ele entrou em agonia e orava ainda com mais instância, e Seu suor tornou-se como coágulos de sangue a escorrer pela terra. Depois de ter rezado, levantou-Se, foi ter com os Seus discípulos e os encontrou dormindo de tristeza. Disse a Pedro: “Simão, dormes? Não pudeste vigiar uma hora coMigo!... Por que dormis? Levantai-vos, vigiai e orai para não

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cairdes em tentação; pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca”.

Afastou-Se segunda vez e orou, dizendo as mesmas palavras. Voltou ainda e os encontrou novamente dormindo, porque seus olhos estavam pesados; e não sabiam o que Lhe responder.

Deixou-os e foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras. Voltando terceira vez para os Seus discípulos, disse-lhes: “Dormi agora e repousai. Basta! Chegou a hora: O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores... Levantai-vos, vamos! Aproxima-se o que Me há de entregar”.

Prisão de Jesus(Mt 26, 47-56; Mc 14, 43-52; Lc 22, 47-53; Jo 18, 2-12)

Judas Iscariotes, um dos Doze, o traidor, conhecia também aquele lugar, porque Jesus ia freqüentemente para lá com Seus discípulos. Tomou, então, Judas a coorte e os guardas do serviço dos pontífices e dos fariseus, que perfazia uma multidão de gente, armada de espadas e paus, com lanternas e tochas, e que foram enviados pelos príncipes dos sacerdotes, escribas e anciãos do povo.

Jesus ainda falava, quando apareceu aquela multidão de gente; e à testa deles vinha Judas. Ora, o traidor tinha-lhes dado o seguinte sinal: “Aquele a quem eu oscular, é Ele; prendei-O e levai-O com cuidado”. Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse: “Salve, Mestre”. E deu-Lhe um ósculo. Jesus perguntou-lhe: “Amigo, a que vieste? Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?” Como Jesus soubesse tudo o que havia de Lhe acontecer, adiantou-Se e perguntou-lhes: “A quem buscais?” Responderam: “A Jesus de Nazaré”. “- Sou Eu”, disse-lhes. Quando lhes disse “Sou Eu”, recuaram e caíram por terra. Perguntou-lhes Ele segunda vez: “A quem buscais?” Disseram:

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“A Jesus de Nazaré”. Replicou Jesus: “Já vos disse que sou Eu. Se é, pois, a Mim que buscais, deixai ir estes”. Assim se cumpriu a palavra que Ele disse: “Dos que Me deste não perdi nenhum.

Em seguida adiantaram-se eles e lançaram mão em Jesus para prendê-Lo e O seguraram. Os que estavam ao redor dEle, vendo o que ia acontecer, perguntaram: “Senhor, devemos atacá-los à espada?” Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou dela e feriu um servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. (O servo chamava-se Malco). Jesus interveio exclamando: “Deixai! Basta!” E disse a Pedro: “Mete tua espada na bainha, pois quem toma a espada, pela espada morrerá. Ou pensas que Eu não posso rogar a meu Pai, e Ele logo Me enviaria mais de doze legiões de Anjos? Como vão cumprir-se as Escrituras, segundo as quais assim convém que seja? Não hei de beber o cálice que meu Pai Me deu?” E tocando a orelha daquele homem, curou-o. Depois, voltando-Se para a turba, disse aos príncipes dos sacerdotes, aos oficiais do templo e aos anciãos que tinham vindo contra Ele: “Saístes armados de espadas e paus para prender-Me, como se Eu fosse um malfeitor. Entretanto, todos os dias estava Eu sentado entre vós ensinando no templo e não Me prendestes; mas esta é a vossa hora e o poder das trevas, e tudo isto aconteceu porque era necessário que se cumprissem os oráculos dos profetas”. Então, todos os discípulos O abandonaram e fugiram.

Então a coorte, o tribuno e os guardas dos judeus prenderam a Jesus e O ataram.

Seguia-O um jovem, coberto somente de um pano de linho; e prenderam-no. Mas lançando ele de si o pano de linho, escapou-lhes despido.

Diante de Anás e Caifás(Mt 26, 57-68; Mc 14, 53-65;

Lc 22, 54-55 e 63-65; Jo 18, 13-16 e 18-24)

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Os que haviam prendido a Jesus conduziram-No primeiro à casa de Anás, por ser sogro de Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano. Caifás foi quem dera aos judeus o conselho: “Convém que um só homem morra em lugar do povo”. Na casa deste reuniram-se todos os sacerdotes, escribas e anciãos do povo.

Simão Pedro seguia de longe a Jesus, e mais outro discípulo seguia-O também. Este discípulo era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus no pátio da casa do sumo sacerdote, mas Pedro ficou de fora, à porta. Mas, o outro discípulo (que era conhecido do sumo sacerdote) saiu e falou à porteira, e esta deixou Pedro entrar.

Os servos e os guardas acenderam um fogo no meio do pátio, porque fazia frio, e sentaram-se em redor e se aqueciam. Pedro veio sentar-se com eles, mas ficou de pé, aquecendo-se. Estava aí para ver como terminaria aquilo.

Enquanto isso, o sumo sacerdote indagou de Jesus acerca dos Seus discípulos e da Sua doutrina. Jesus respondeu-lhe: “Falei publicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas. Por que Me perguntas? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes disse. Estes sabem o que ensinei”. A estas palavras, um dos guardas presentes deu uma bofetada em Jesus, dizendo: “É assim que repondes ao sumo sacerdote?” Replicou-lhe Jesus: “Se falei mal, prova-o, mas se falei bem, por que Me bates?”

Anás enviou-O preso ao sumo sacerdote Caifás.Os príncipes dos sacerdotes e todo o Conselho

procuravam um falso testemunho contra Jesus a fim de O levarem à morte. Mas não o conseguiram, embora se apresentassem muitas falsas testemunhas, pois seus depoimentos não concordavam. Por fim, levantaram-se duas testemunhas e deram esse falso testemunho contra Ele: “Ouvimo-Lo dizer: Eu destruirei este templo, feito por mãos de

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homens, e em três dias edificarei outro, que não será feito por mãos de homens”. E a outra testemunha: “Este Homem disse: Posso destruir o templo de Deus e reedificá-lo em três dias”. Mas nem neste ponto eram coerentes os seus testemunhos.

O sumo sacerdote levantou-se no meio da assembléia e perguntou a Jesus: “Nada tens a responder ao que essa gente depõe contra Ti?” Jesus, no entanto, permanecia calado. O sumo sacerdote tornou a perguntar-Lhe: “Por Deus vivo, conjuro-Te que nos diga: És Tu o Cristo, o Filho de Deus bendito?” Jesus respondeu: “Sim, Eu o sou. Além disso Eu vos declaro que vereis o Filho do Homem sentado à direita do poder do Deus Todo-Poderoso, vindo sobre as nuvens do céu”. A estas palavras, o sumo sacerdote rasgou suas vestes, exclamando: “Que necessidade temos ainda de testemunhas? Acabastes de ouvir a blasfêmia! Qual o vosso parecer?” Eles unanimemente responderam: “Merece a morte!”

Alguns, então, começaram a cuspir-Lhe na face, a tapar-Lhe o rosto, a dar-Lhe socos e tapas, dizendo: “Advinha, ó Cristo: quem Te bateu?” Os servos igualmente davam-Lhe bofetadas.

Negação de Pedro(Mt 26, 69-75; Mc 14, 66-72; Lc 22, 56-62; Jo 18, 17 e 25-27)

Enquanto isso, Pedro estava embaixo sentado no pátio. Veio uma das servas do sumo sacerdote, que era a porteira, percebeu-o sentado junto ao fogo, pois se aquecia; aproximou-se dele e fixou nele os olhos, e perguntou a Pedro: “Não é acaso também tu dos discípulos deste Homem?” E disse: “Também tu estavas com Jesus de Nazaré, o Galileu”. E disse aos circunstantes: “Também este homem estava com Ele”. Mas ele negou-o publicamente, nestes termos: “Mulher, não sou dos discípulos deste Homem, não O conheço. Não sei, nem compreendo o que dizes”. Pouco depois, dirigia-se ele para a

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porta, na entrada do pátio a fim de sair; e o galo cantou; quando outra seva o viu e disse aos que lá estavam: “Este homem também estava com Jesus de Nazaré”. A serva que o vira primeiro começou também a dizer aos circunstantes: “Este faz parte do grupo deles”. Outro disse-lhe: “Também tu és um deles”. Outros ainda perguntaram-lhe: “Não és, porventura, também tu, dos Seus discípulos?” Mas Pedro, pela segunda vez, negou-o com juramento, dizendo: “Não, eu não o sou. Eu nem conheço tal Homem”. Passada quase uma hora, os que ali estavam aproximaram-se de Pedro e disse-lhe um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha: “Não te vi eu com Ele no horto?” e afirmava um outro: “Sim, tu és certamente também daqueles: teu modo de falar te dá a conhecer, pois também és galileu”. Então Pedro começou a praguejar e a jurar, dizendo: “Meu amigo, não sei o que queres dizer. Juro que não conheço esse Homem de quem vós falais”. E no mesmo instante, quando ainda falava, cantou o galo segunda vez. Voltando-Se o Senhor, olhou para Pedro. Então Pedro lembrou-se da palavra que Jesus lhe havia dito: “Hoje, antes que o galo cante duas vezes, negar-Me-ás três vezes”. E lembrando-se disso, rompeu em soluços. Saiu dali e chorou amargamente.

Jesus novamente diante do Conselho(Mt 27, 1-2; Mc 15, 1; Lc 22, 66-71 e 23, 1; Jo 18, 28)

Ao amanhecer, reuniram-se os anciãos do povo, todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas e todo o Conselho para entregar Jesus à morte e mandaram trazer Jesus ao seu tribunal. Perguntaram-Lhe: “Dize-nos se és o Cristo!” Ele lhes respondeu: “Se Eu vo-lo disser, não acreditareis em Mim, e se vos fizer qualquer pergunta, não Me respondereis. Mas doravante o Filho do Homem estará sentado à direita do poder de Deus”. Então perguntaram todos: “Logo, Tu és o Filho de

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Deus?” Respondeu: “Sim, Eu sou”. Eles então exclamaram: “Temos ainda necessidade de testemunho? Nós mesmos O ouvimos da Sua boca”. E tendo amarrado Jesus, toda a assistência O conduziu da casa de Caifás ao pretório e O entregaram ao governador Pilatos.

Suicídio de Judas(Mt 27, 3-10)

Judas, o traidor, vendo-O então condenado, tomado de remorsos, foi devolver aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata, dizendo-lhes: “Pequei, entregando o sangue de um justo”. Responderam-lhe: “Que nos importa? Isto lá é contigo!” Ele jogou, então, no templo as moedas de prata, saiu, e foi enforcar-se.

Os príncipes dos sacerdotes tomaram o dinheiro, e disseram: “Não é permitido lançá-lo no tesouro sagrado, porque se trata de preço de sangue”. Depois de haverem deliberado, compraram com aquela soma o campo do Oleiro, para que ali se fizesse um cemitério de estrangeiros. Esta é a razão porque aquele terreno é chamado, ainda hoje, “Campo do sangue”. Assim se cumpriu a profecia do profeta Jeremias: Eles receberam trinta moedas de prata, preço dAquele, cujo valor foi estimado pelos filhos de Israel; e deram-no pelo campo do Oleiro, como o Senhor me havia prescrito.

Jesus diante de Pilatos(Mt 27, 11-14; Mc 15, 2-5; Lc 23, 2-7; Jo 18, 28-38)

Era de manhã cedo. Mas os judeus não entraram no pretório, para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa. Saiu por isso Pilatos para ter com eles, e perguntou: “Que acusação trazeis contra este Homem?” Responderam-lhe: “Se Este não fosse malfeitor, não O teríamos entregue a ti”. Disse

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então Pilatos: “Tomai-O e julgai-O vós mesmos segundo a vossa Lei”. Responderam-lhe os judeus: “Não nos é permitido matar a ninguém”. Assim se cumpria a palavra com a qual Jesus indicou de que gênero de morte havia de morrer. E puseram-se a acusá-Lo: “Temos encontrado este Homem excitando o povo à revolta, proibindo pagar imposto ao imperador e dizendo-Se Messias e Rei”. Pilatos entrou no pretório, chamou Jesus e perguntou-Lhe: “És Tu o rei dos judeus?” Jesus respondeu: “Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram de Mim?” Disse Pilatos: “Acaso sou eu judeu? A tua nação e os sumos sacerdotes entregaram-Te a mim. Que fizeste?” Respondeu Jesus: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é deste mundo”. Perguntou-Lhe então Pilatos: “És, portanto, rei?” Respondeu Jesus: “Sim, Eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz”. Disse-Lhe Pilatos: “Que é a verdade?...”

Falando isso, saiu de novo, foi ter com os judeus, e declarou aos príncipes dos sacerdotes e ao povo: “Eu não acho neste Homem culpa alguma, não acho nEle crime algum”. Mas os príncipes dos sacerdotes acusavam-No de muitas coisas. Ele, porém, nada respondia às acusações dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos.

Perguntou-Lhe Pilatos: “Não ouves todos os testemunhos que levantam contra Ti? Nada respondes? Vê de quantos delitos Te acusam!” Mas, para grande admiração do governador, não quis responder a nenhuma acusação. Mas eles insistiam fortemente: “Ele revoluciona o povo, ensinando por toda a Judéia, a começar da Galiléia até aqui”. A estas palavras, Pilatos perguntou se Ele era Galileu. E quando soube que era da jurisdição de Herodes, enviou-O a Herodes, pois justamente naqueles dias se achava em Jerusalém.

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Diante de Herodes(Lc 23, 8-12)

Herodes alegrou-se muito por ver Jesus, pois de longo tempo desejava vê-Lo, por ter ouvido falar dEle muitas coisas, e esperava presenciar algum milagre operado por Ele. Dirigiu-Lhe muitas perguntas, mas Jesus nada respondeu. Ali estavam os príncipes dos sacerdotes e os escribas, acusando-O com violência. Herodes com a sua guarda tratou-O com desprezo, escarneceu dEle, mandou revesti-Lo com uma túnica branca, e reenviou-O a Pilatos. Naquele mesmo dia, Pilatos e Herodes fizeram as pazes, pois antes eram inimigos um do outro.

Novamente diante de Pilatos(Mt 27, 15-26; Mc 15, 6-15; Lc 23, 13-25; Jo 18, 39-40 e 19, 1)

Acontecia que era costume que o governador soltasse um preso a pedido do povo em cada festa de Páscoa. Ora, naquela ocasião havia na prisão um prisioneiro famoso, chamado Barrabás. Este homem fôra lançado ao cárcere com seus cúmplices devido a uma revolta levantada na cidade, e por causa de um homicídio que ele perpetrara na sedição. Barrabás era também um ladrão.

O povo que havia subido começou a pedir-lhe aquilo que sempre lhes costumava conceder.

Pilatos convocou então os príncipes dos sacerdotes, os magistrados e o povo, e disse-lhes: “Apresentastes-me este Homem como agitador do povo, mas, interrogando-O eu diante de vós, não O achei culpado de nenhum dos crimes de que O acusais. Nem tampouco Herodes; pois no-Lo devolveu; portanto, Ele nada fez que mereça a morte. Por isso, soltá-Lo-ei depois de O castigar. Mas é costume entre vós que pela Páscoa vos solte um preso. Qual quereis, pois, que eu vos solte:

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Barrabás ou Jesus, que se chama Cristo, o rei dos judeus?” (Porque sabia que os príncipes dos sacerdotes O haviam entregue por inveja)

Enquanto estava sentado no tribunal, a sua mulher lhe mandou dizer: “Nada faças a esse Justo. Fui hoje atormentada por um sonho que Lhe diz respeito”. Mas, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram ao povo que pedisse a libertação de Barrabás e fizesse morrer Jesus. O governador tomou então a palavra: “Qual dos dois quereis que eu vos solte? Quereis que vos solte o rei dos judeus?” Todo o povo gritou a uma voz: “Não! A Este não! Mas a Barrabás! À morte com Este, e solta-nos Barrabás”. Pilatos, porém, querendo soltar a Jesus, falou-lhes de novo: “E que quereis que eu faça dAquele a Quem chamais o rei dos judeus? Que farei então de Jesus, que é chamado o Cristo?” Todos eles tornaram a gritar: “Crucifica-O! Crucifica-O!” O governador tornou a perguntar: “Mas que mal fez Ele então? Não achei nEle nada que mereça a morte; irei, portanto, castigá-Lo, e depois O soltarei”. E gritaram ainda mais forte: “Crucifica-O!” Pilatos viu que nada adiantava, mas que, ao contrário, o tumulto crescia e os seus clamores recrudesciam. Pilatos fez com que lhe trouxessem água, e lavou as mãos diante do povo, e pronunciou então a sentença que lhes satisfazia o desejo, dizendo: “Sou inocente do Sangue deste Homem. Isto é lá convosco!” E todo o povo respondeu: “Caia sobre nós o Seu Sangue e sobre nossos filhos!” Querendo Pilatos satisfazer o povo, soltou-lhes aquele que eles reclamavam e que havia sido lançado ao cárcere por causa do homicídio e da revolta. Pilatos mandou então flagelar a Jesus.

Cena de opróbrios(Mt 27, 27-31; Mc 15, 16-20; Jo 19, 2-16)

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Os soldados do governador conduziram Jesus ao interior do pátio, isto é, ao pretório, onde convocaram toda a coorte e rodearam-No com todo o pelotão. Arrancaram-Lhe as vestes e cobriram-No com um manto escarlate à guisa de manto de púrpura. Depois, trançaram uma coroa de espinhos, meteram-Lha na cabeça e puseram-Lhe na mão uma vara. Dobrando os joelhos diante dEle como para homenageá-Lo, diziam com escárnio: “Salve, rei dos judeus!” Cuspiam-Lhe no rosto e, tomando da vara, davam-Lhe com ela golpes na cabeça, e davam-Lhe bofetadas.

Pilatos saiu outra vez e lhes disse: “Eis que vo-Lo trago fora, para que saibais que não acho nEle nenhum motivo de acusação”. Apareceu, então, Jesus, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos disse: “Eis o Homem!” Quando os príncipes dos sacerdotes e os guardas O viram, gritaram: “Crucifica-O! Crucifica-O!” Falou-lhes Pilatos: “Tomai-O vós e crucificai-O, pois eu não acho nEle culpa alguma”. Responderam-lhe os judeus: “Nós temos uma Lei, e segundo esta Lei Ele deve morrer, porque Se declarou Filho de Deus”. Estas palavras impressionaram Pilatos. Entrou novamente no pretório e perguntou a Jesus: “Donde és Tu?” Mas Jesus não lhe respondeu. Pilatos, então, Lhe disse: “Tu não me respondes? Não sabes que tenho poder para Te soltar e para Te crucificar?” Respondeu Jesus: “Não terias poder algum sobre Mim, se de cima não te fôra dado. Por isso, quem Me entregou a ti tem pecado maior”. Desde então Pilatos procurava soltá-Lo. Mas os judeus gritavam: “Se O soltares, não és amigo do Imperador, porque todo o que se faz rei, se declara contra o Imperador”.

Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado Lajeado, em hebraico Gábata. (Era a preparação para a Páscoa, cerca da hora sexta). Pilatos disse aos judeus: “Eis o vosso rei!” Mas eles gritavam: “Fora com Ele! Fora com Ele! Crucifica-O!” Pilatos

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perguntou-lhes: “Hei de crucificar o vosso rei?” Os príncipes dos sacerdotes responderam: “Não temos outro rei senão César!” Entregou-O, então, a eles para que fosse crucificado.

Depois, (os soldados do governador) tiraram-Lhe o manto e entregaram-Lhe de novo as Suas vestes. Em seguida, conduziram-No fora e levaram-No para O crucificar.

Caminho da Cruz(Mt 27, 32; Mc 15, 21-22; Lc 23, 26-32; Jo 19, 17)

Conduziram Jesus ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do “Crânio”. Ele próprio carregava a Sua cruz para fora da cidade. Saindo, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, que passava por ali e que voltava do campo, pai de Alexandre e de Rufo, detiveram-no e o obrigaram a levar a cruz de Jesus. Impuseram-lhe a cruz, para que a carregasse atrás de Jesus. Seguia-O uma grande multidão de povo e de mulheres, que batiam no peito e O lamentavam. Voltando-Se para elas, Jesus disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis sobre Mim, mas chorai sobre vós mesmas e sobre vossos filhos. Porque virão dias em que se dirá: Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram! Então dirão aos montes: Caí sobre nós! e aos outeiros: Cobri-nos! Porque, se isto se faz no lenho verde, que se fará no seco?”

Eram também levados com Jesus outros dois, que eram malfeitores, para serem mortos.

No Calvário(Mt 27, 33-56; Mc 15, 23-41; Lc 23, 33-49; Jo 19, 18-37)

Tendo chegado ao lugar chamado Gólgota, isto é, lugar do Crânio, deram-Lhe a beber vinho misturado com fel e mirra. Tendo-o Ele provado, não quis beber. Ali O crucificaram. Ao

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mesmo tempo crucificaram com Ele os dois ladrões: um à Sua direita e outro à Sua esquerda, e Jesus no meio. Cumpriu-se assim a Escritura, que diz: “E foi contado entre os malfeitores”. Jesus, porém, dizia: “Pai, perdoai-lhes, pois não sabem o que fazem”. Pilatos, entretanto, redigiu também uma inscrição e os soldados penduraram-na por cima de Sua (de Jesus) cabeça, no topo da cruz, trazendo o motivo de Sua crucifixão, pois nela estava escrito: “Jesus Nazareno, rei dos judeus”. Muitos dos judeus leram esta inscrição, porque estava perto da cidade o lugar onde Jesus foi crucificado. E a inscrição estava escrita em hebraico, em grego e em latim. Porém, os príncipes dos sacerdotes dos judeus diziam a Pilatos: “Não escrevas ‘Rei dos judeus’, mas sim que Ele é condenado porque Ele disse: ‘Eu sou o rei dos judeus’.” Respondeu Pilatos: “O que escrevi, escrevi”.

Visto que os soldados já O (a Jesus) houvessem crucificado, tomaram as Suas vestes (e fizeram delas quatro partes: uma parte para cada soldado lançando a sorte sobre elas, para ver quem levaria o que), e a túnica. A túnica, no entanto, não tinha costura, ou seja, era toda tecida desde cima até em baixo. Disseram, por isso, uns para os outros: “Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de quem será”. A fim de que a Escritura se cumprisse, a qual diz: “Repartiram entre si as Minhas vestes, e sobre a Minha túnica lançaram sortes”. E os soldados, com efeito, [assim] o fizeram. E, sentando-se, montavam-Lhe guarda. Estava-se, porém, na hora terceira quando O crucificaram. E o povo estava postado diante do Gólgota olhando para tudo o que estava acontecendo. Porém, os que passavam blasfemavam contra Ele, abanando as suas cabeças e dizendo: “Ah! Tu, que destróis o templo de Deus e o reedificas em três dias, salva-Te a Ti mesmo. Se és o Filho de Deus, desce da cruz”. Da mesma forma, também os príncipes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e anciãos, zombando, diziam uns para os outros: “A outros Ele salvou, a

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Si mesmo não Se pode salvar; se este é o Cristo [o Messias, o Ungido], o Eleito de Deus, o Rei de Israel, desça agora da cruz, para que vejamos, e creiamos nEle. Confiou em Deus; que Deus O livre agora, se é que O ama; pois Ele disse: ‘Eu sou o Filho de Deus’.” Mas também os soldados zombavam dEle, aproximando-se, oferecendo-Lhe vinagre e dizendo: “Se Tu és o Rei dos judeus, salva-Te”. Porém, um daqueles ladrões que estavam pendurados [na cruz], blasfemava contra Ele [Nosso Senhor], dizendo: “Se Tu és o Cristo [o Messias, o Ungido], salva-Te a Ti mesmo e a nós”. Mas o outro [ladrão], em resposta, increpava-o [ao primeiro ladrão], dizendo: “Nem tu temes a Deus, apesar de estares no mesmo suplício [que Ele]? Mas nós [o estamos], em verdade, com justiça, pois recebemos o que é digno [que recebam nossas] ações; Esse aí, porém, nada fez de mal”. E dizia a Jesus: “Senhor, lembrai-Vos de mim, quando chegardes ao Vosso Reino”. E Jesus lhe disse: “Em verdade te digo: Hoje estarás coMigo no paraíso”.

E chegada a hora sexta, fizeram-se trevas por toda a terra até a hora nona. E o sol se escureceu.

Estavam, porém, de pé, perto da cruz de Jesus, olhando e vendo estas coisas, a Sua Mãe, e a irmã de Sua Mãe, Maria de Cléofas, mãe de Tiago Menor e de José, Maria Madalena, Salomé, mãe dos filhos de Zebedeu e outras muitas mulheres que haviam subido para Jerusalém juntamente com Jesus e O seguiam e serviam quando [Ele] estava na Galiléia. Portanto, como Jesus estivesse vendo [Sua] Mãe e o discípulo que Ele amava, estando [ali] de pé, disse à Sua Mãe: “Mulher, eis o Teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis a tua Mãe”. E a partir daquela hora, o discípulo A recebeu em sua [casa].

E à hora nona, Jesus exclamou em alta voz, dizendo: “Eli, Eli, lamma sabacthani?” Que quer dizer: “Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonastes?” E alguns dos circunstantes, ouvindo [isso], diziam: “Eis, Este chama por Elias”.

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Imediatamente depois, sabendo Jesus que todas as coisas foram cumpridas, a fim de que se cumprisse a Escritura, disse: “Tenho sede”. Havia [sido] posto [ali] um recipiente cheio de vinagre. Correndo um deles [ou seja, um dos soldados], havendo pegado uma esponja, ensopou[-a] no vinagre e colocando a esponja à volta de um hissopo, dava-Lha a beber. Os demais, porém, diziam: “Deixa, vejamos se Elias vem libertá-Lo.” [O soldado], porém, dava-Lhe de beber dizendo: “Deixai, vejamos se Elias vem para O tirar [da cruz]”. Havendo Jesus tomado o vinagre, disse: “Tudo está consumado”. E clamando novamente em alta voz, Jesus disse: “Pai, nas Vossas mãos encomendo o Meu espírito”. E, dizendo isto, inclinando a cabeça, entregou o espírito. E eis que o véu do templo rasgou-se em duas partes, no meio, de alto a baixo; e a terra tremeu, e as pedras se fenderam, e os sepulcros se abriram; e muitos corpos de santos, que haviam adormecido [ou seja, falecido], ressuscitaram. E, saindo dos sepulcros após a ressurreição dEle [ou seja, de Jesus][,] foram à cidade santa, e apareceram a muitos.

Vendo, porém, o centurião, que estava de pé defronte, que [Jesus] expirava clamando dessa maneira[,] glorificou a Deus, dizendo: “Em verdade este Homem era um justo[,] era o Filho de Deus”. [Tanto o centurião como] os que com ele montavam guarda a Jesus, vendo o terremoto e as coisas que aconteciam, temeram grandemente e [também os demais soldados, repetindo o dito do centurião] disseram: “Verdadeiramente Este era o Filho de Deus”. E todos os da multidão que igualmente assistiam a esse espetáculo e viam o que acontecia, retiravam-se, batendo no peito. Estavam, porém, à distância todos os Seus conhecidos [ou seja, os conhecidos de Jesus], vendo estas coisas.

Ora, os judeus (porque [aquele dia] era a “Preparação”, isto é, a véspera do sábado), a fim de que os corpos não ficassem na cruz no [dia de] sábado (pois aquele dia de sábado

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era [de] grande [solenidade]), rogaram a Pilatos para que se quebrassem as pernas deles [ou seja, dos supliciados], e fossem tirados. Vieram, portanto, os soldados; e, com efeito, quebraram as pernas do primeiro e do outro que foi crucificado com ele. Porém, quando chegaram a Jesus, como viram-No já morto, não quebraram Suas pernas; mas um dos soldados abriu-Lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue, e água. E aquele que viu [estas coisas], deu testemunho; e o seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe que diz a verdade; a fim de que vós também creiais. Pois estas coisas aconteceram para que se cumprisse a Escritura[, a qual assim diz]: “Não quebrareis [nenhum] osso dele”. E, ainda, outra [parte da] Escritura diz: “Lançarão o olhar para quem transpassaram”.

Sepultura(Mt 27, 57-61; Mc 15, 42-47; Lc 23, 50-56; Jo 19, 38-42)

Depois disso, porém, e quando já se estava ao fim da tarde, veio um homem rico, por nome José, que era um nobre membro do Conselho, homem bom e justo; ele não havia concordado com a decisão dos outros [membros do Conselho] nem com os atos deles, oriundo de Arimatéia, cidade da Judéia, o qual esperava também o Reino de Deus, visto que era discípulo de Jesus, oculto, porém, por medo dos judeus. Ele corajosamente foi à presença de Pilatos, e rogou [a autorização] para levar o Corpo de Jesus. Pilatos, porém, admirava-se de que já houvesse morrido. E mandando chamar o centurião, perguntou-lhe se [Jesus] já havia morrido. E como soubesse do centurião [que assim sucedera] ordenou que fosse dado o Corpo a José e permitiu [que este O tirasse]. José, porém, havendo comprado um lençol branco, veio, portanto, e tirando o Corpo de Jesus, e havendo descido-O [da Cruz,] tomou[-O para si.] Mas veio também Nicodemos (o que tinha ido primeiramente de noite ter com Jesus) trazendo uma mistura de

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mirra e aloés, de mais ou menos cem libras. Tomaram, portanto, o Corpo de Jesus, e O envolveram no lençol [e] em panos com aromas, como os judeus costumam sepultar. No lugar, porém, em que [Jesus] foi crucificado, havia um horto, e no horto [havia] um sepulcro de José[,] novo, que ele havia aberto numa rocha, no qual ninguém ainda havia sido posto. Aí, portanto, por causa da “Preparação” dos judeus, visto que o sepulcro estava perto, colocaram Jesus. E [José] rolou uma grande pedra para [diante da] entrada do sepulcro, e foi-se embora. Porém, as mulheres que com Ele [ou seja, com Jesus] haviam vindo da Galiléia, [entre as quais estavam] Maria Madalena e Maria, mãe de José, indo atrás [dos que levavam o Corpo de Jesus para o sepultamento], viram o sepulcro e o modo como [aí] era colocado o Corpo dEle [ou seja, de Jesus]. Maria Madalena e a outra Maria estavam, porém, ali sentadas diante do sepulcro. E voltando, prepararam aromas e bálsamos; e no sábado estiveram em repouso, segundo a lei.

Qual é a finalidade por que Deus criou tudo? É o grande mistério da Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo. É esta a finalidade de toda a criação, é o cumprimento do mistério da Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo, que canta a glória de Deus e que cantará no Céu por toda a eternidade, o mistério da redenção de nossas almas, o mistério da transformação de nossas almas em Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual diviniza nossas almas e as divinizará por toda a eternidade, e nos faz entrar na Santíssima Trindade, nesse mistério da Redenção.

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Tudo foi ordenado ao mistério da Redenção: por Nosso Senhor Jesus Cristo, em Nosso Senhor Jesus Cristo, com Nosso Senhor Jesus Cristo. É essa a finalidade pela qual Deus criou o mundo e pela qual Ele mantém a vida no mundo e leva a bom termo a vida no mundo.

Dom Marcel Lefebve(guardamos a forma coloquial desta passagem

de uma conferência dele aos seminaristas)

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