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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
JULIO CEZAR CORAZZA
A MIGRAÇÃO INTERNA NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: Promovendo a atenção integral
ITAJAÍ-SC
2016
JULIO CEZAR CORAZZA
A MIGRAÇÃO INTERNA NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: Promovendo a atenção integral
Dissertação apresentada ao Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Vale do Itajaí, para obtenção do título de Mestre em Saúde e Gestão do Trabalho. Orientador: Profª Drª Stella Maris Brum Lopes
ITAJAÍ-SC
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
C81m
Corazza, Julio Cezar, 1979- A migração interna no contexto da atenção primária à saúde:
promovendo a atenção integral / Julio Cezar Corazza, 2016.
92f.; il.; tab.
Apendice
Cópia de computador (Printout(s)).
Dissertação (Mestrado) Universidade do Vale do Itajaí. Centro de
Ciências da Saúde. Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho.
Inclui bibliografia
1. Migração interna. 2. Humanização da Assistência. 3. Condições
Sociais. 4. Integralidade em Saúde. 5. Serviços de Saúde Comunitária.
6. Atenção Primária à Saúde. 7. Iniquidade Social. I. Título.
CDU: 614
Josete de Almeida Burg CRB 14.ª 293
Para Tatiane, João Henrique e Beatriz Todas as horas em que não pude estar com vocês
foram o maior ônus desta conquista. Vocês são a minha inspiração!
Amo muito vocês!
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi gestado, e quase todo desenvolvido, durante os seis anos
que atuei junto à equipe de ESF 028. Agradeço a todos os colegas que passaram
pela equipe e contribuíram para o excelente trabalho realizado. Em especial,
agradeço à Márcia Dalago pela amizade e companheirismo fundamentais, além da
Juceleia e da Cida, que auxiliaram na coleta de dados. Demais colegas da UBS
Votorantim, obrigado pela parceria de tantos anos.
À Secretaria de Saúde de Itajaí, e à Coordenação da ESF, por terem
apostado e investido no meu aperfeiçoamento profissional. Também à UNIVALI, na
pessoa da Profa. Rosalie, Coordenadora do Curso de Medicina, igualmente por ter
colaborado com minhas dispensas das atividades para frequentar este curso.
Aos professores do Mestrado, dos quais adquiri não só conhecimentos, mas
principalmente inspiração para a realização deste trabalho e, por que não dizer, para
a vida! Marcão, Rita, George, Cutolo, Stella, que vocês possam continuar inspirando
jovens pesquisadores e trabalhadores do SUS.
Aos colegas da Turma 12, a “melhor turma de mestrado de todos os tempos”.
Nunca imaginei que frequentar este curso pudesse me proporcionar a alegria de
criar tantos laços de amizade, que levarei para a vida!
Às minhas alunas e agora colegas de profissão Carla e Gianna, que
compraram a ideia do trabalho preliminar e o realizaram com eficiência e
comprometimento raros de se ver.
Ao grupo de Residentes em Saúde da Família do Votorantim, Jonatan, Laisa
e Juliana, pelo apoio na realização da Oficina.
Ao Prof. Cutolo, por ter me ajudado na concepção deste trabalho, meu muito
obrigado!
À minha orientadora, Stella Maris, que além de ter me acolhido sem titubear,
soube muito bem conduzir-me no meu caminho pesquisador iniciante. Agradeço por
sua disponibilidade e compreensão, mesmo quando eu lhe escrevia tarde da noite
para mudar o rumo da pesquisa. Por sua perspicácia, em muitos momentos apenas
um olhar ou uma interjeição sua eram capazes de me fazer perceber o que havia de
errado. Muito obrigado por tudo!
E por fim, à minha mãe, que me ensinou, principalmente através do exemplo,
lições imensuráveis de sabedoria, dedicação e perseverança, das quais eu precisei
que me valer nesta jornada que aqui se encerra. Muito obrigado!
No dia em que eu vim-me embora Minha mãe chorava em ai Minha irmã chorava em ui E eu nem olhava pra trás
No dia que eu vim-me embora Não teve nada de mais
Mala de couro forrada com pano forte, brim cáqui
Minha avó já quase morta Minha mãe até a porta
Minha irmã até a rua E até o porto meu pai
O qual não disse palavra durante todo o caminho E quando eu me vi sozinho
Vi que não entendia nada Nem de pro que eu ia indo
Nem dos sonhos que eu sonhava [...]
Trecho da música “No dia em que eu vim-me embora”
Gilberto Gil Caetano Veloso
A MIGRAÇÃO INTERNA NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: Promovendo a atenção integral
RESUMO
Um fluxo migratório do Nordeste brasileiro desafia o trabalho de uma equipe de Estratégia Saúde da Família de um município catarinense. A compreensão da migração como um fenômeno social, direcionou a metodologia para a investigação da historicidade, das condições de vida, trabalho e renda, redes sociais, diferenças culturais e preconceito, através de um questionário, seguido de um grupo focal. Buscaram-se estratégias para promover a atenção integral a esta população realizando uma oficina com os trabalhadores de saúde locais. A análise foi realizada através da técnica de Análise Temática e os resultados mostraram que os migrantes deslocaram-se em busca de melhores condições de vida e trabalho, devido à falta de perspectivas nos locais de origem. Em sua maioria, têm conseguido aumentar a renda familiar e melhorar as condições de vínculo empregatício. O custo de vida mais alto se refletiu principalmente nos altos valores de aluguel, comprometendo grande parte da renda familiar. Diferenças culturais e atitudes discriminatórias são enfatizadas pelos migrantes como motivo para a socialização ocorrer principalmente entre si, resultando em pouca interação com os moradores locais. Os riscos e desafios dessa empreitada são amenizados pela presença da rede social já instalada no território, mas a crise econômica vem trazendo preocupação aos recém-chegados, devido à maior dificuldade em empregar-se. Os trabalhadores de saúde apontaram a postura acolhedora, aproximação com a cultura e ações multiprofissionais e intersetoriais entre as formas de enfrentamento da questão. A dificuldade de acesso à demanda espontânea é um problema que também precisa ser enfrentado. A pesquisa fomentou a reflexão da equipe acerca do seu processo de trabalho com este grupo de indivíduos, e pode contribuir para a realização de estudos adicionais, bem como políticas públicas locais, a partir da compreensão da saúde como determinada socialmente. Palavras-chave Migração Interna, Condições Sociais, Atenção Primária à Saúde, Integralidade.
INTERNAL MIGRATION IN THE CONTEXT OF PRIMARY HEALTH CARE: Promoting comprehensive care.
ABSTRACT
A migratory flow from the Northeast of Brazil is challenging the work of a Family Health Strategy team of a coastal town in the State of Santa Catarina. Understanding migration as a social phenomenon guided the methodology for this investigation of historicity, social conditions, work and income, social networks, cultural differences, and prejudices, through a questionnaire, followed by a focal group. Strategies were sought to promote comprehensive health care for this population, through a workshop conducted with local health workers. The analysis was carried out using the technique of Theme Analysis. The results revealed that the migrants had moved to the region in search of better health and work conditions, due to the lack of opportunities in their place of origin. The majority had been successful in increasing their household income and improving their job conditions. The higher cost of living is reflected mainly in the higher rental values, which accounted for a large portion of the migrants’ incomes. Cultural differences and discriminatory attitudes were emphasized by the migrants as the reason why much of their social interaction was among themselves, with very little interaction with the local people. The risks and challenges of this migration were mitigated by the presence of a social network already in the region, but the economic crisis had been a cause for concern among the newer arrivals, due to difficulty finding a job. The health workers mentioned a friendly attitude, attempts to learn about the culture, and multiprofessional, cross-sector actions, as strategies for dealing with the issue. Another problem that needs to be faced is the difficulty of access to the spontaneous demand. The research promoted discussion, by the team, on the way it works with this group of individuals, and can contribute to further studies, based on the concept of health as socially determined. Keywords Internal Migration, Social Conditions, Primary Health Care, Integrality in Health.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 6.1 Comparação da renda familiar atual com a renda anterior à
Migração 48
Figura 6.2 Comparação entre o vínculo empregatício da cidade de
origem com o local atual 49
Figura 6.3 Comparação da satisfação com os serviços de saúde do local
de origem e de Itajaí 59
LISTA DE TABELAS
Tabela 6.1 Relação de gastos com moradia, número de cômodos
e número de moradores por residência 53
LISTA DE ABREVIATURAS
ACS = Agente Comunitário de Saúde
APS = Atenção Primária à Saúde
CEP = Comitê de Ética em Pesquisa
CNS = Conselho Nacional de Saúde
DS = Determinação Social
DSS = Determinantes Sociais da Saúde
ESF = Estratégia Saúde da Família
GF = Grupo Focal
IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
NASF = Núcleo de Apoio à Saúde da Família
OMS = Organização Mundial da Saúde
SUS = Sistema Único de Saúde
TCLE = Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UBS = Unidade Básica de Saúde
UR = Unidade de Registro
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 13
2 OBJETIVOS .................................................................................................... 17
2.1 Objetivo Geral .......................................................................................... 17
2.2 Objetivos Específicos ............................................................................... 17
3 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 18
3.1 Processo migratório e suas implicações na saúde ................................... 18
3.2 A Saúde da Família como estratégia de Atenção Primária no Brasil ................................................................................................... 22
3.3 Integralidade ............................................................................................. 26
4 METODOLOGIA .............................................................................................. 29
4.1 Cenário do estudo .................................................................................... 30
4.2 Sujeitos da pesquisa ................................................................................ 31
4.3 Percurso da pesquisa .............................................................................. 32
4.4 Aspectos éticos ........................................................................................ 36
5 ITINERÁRIOS DE MIGRAÇÃO: aspectos demográficos e sociais,
motivações e expectativas .............................................................................. 39
6 "LÁ E AQUI": reflexões sobre trabalho, moradia, cultura e
atendimento em saúde ................................................................................... 47
7 A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E A ATENÇÃO INTEGRAL
AOS MIGRANTES .......................................................................................... 64
7.1 Definição de integralidade ........................................................................ 64
7.2 Implicações da presença dos migrantes no território ............................... 66
7.3 Promovendo a atenção integral ................................................................ 69
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 73
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 78
APÊNDICES ....................................................................................................... 84
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa inicia-se num desconforto. De um médico em relação a um
grupo de usuários de seu local de trabalho. Um profissional que está longe da
maturidade profissional, mas que já trilhou alguns caminhos na sua área de atuação.
E de repente sente um desconforto pouco usual. O ir e vir dos usuários daquele
bairro na Unidade de Saúde aponta para um fato novo. Moradores recentes que
buscam atendimento em número cada vez maior, modificam a percepção do “seu”
território. São migrantes oriundos do Nordeste brasileiro, chegando em um município
do litoral de Santa Catarina. O desconforto do profissional não parece estar somente
na dificuldade de comunicação, mesmo no seu sentido mais amplo, onde não só as
palavras importam, mas o contexto onde elas foram produzidas. Ele parece estar na
compreensão desses sujeitos e suas singularidades; nas motivações implícitas e
nos seus itinerários; e também no papel que ele próprio e a equipe devem assumir
frente às novas demandas encontradas.
Bom, mas atrás do profissional, há o homem, e antes do homem, sua história.
E parte dela faz-se importante conhecer.
Descende de imigrantes italianos que vieram para o Brasil ainda no séc. XIX,
estabelecendo-se na Serra Gaúcha. Os pais, ainda pequenos, mudaram-se para o
Sudoeste do Paraná, na zona rural de um pequeno município. Casaram-se e
deslocaram-se para a área urbana do município vizinho, onde criaram todos os
quatro filhos, sendo este o mais novo deles. Sai do município natal aos dezessete
anos para cursar a faculdade de medicina em Santa Maria-RS e, após a formação,
trabalha nas regiões Central, Extremo Oeste e Litoral catarinenses. Quase a
totalidade de seus doze anos de experiência profissional foram na atual Estratégia
Saúde da Família (ESF) e antigo Programa Saúde da Família.
Ao longo desses anos, trabalhando como médico de atenção primária, viu-se
obrigado a preencher as lacunas de sua formação acadêmica, excessivamente
tecnicista. Entre as dificuldades inerentes ao processo de trabalho, as relações
interpessoais foram um grande desafio. A falta de uma formação humanística, e do
apoio das Ciências Sociais, trouxeram um aprendizado distante das necessidades
do trabalho multiprofissional e da atuação na perspectiva comunitária.
Estas dificuldades foram sendo superadas por formações complementares,
pela aproximação com a Política Nacional de Humanização, mas principalmente,
através do trabalho cotidiano. O interesse pelas pessoas e suas trajetórias de vida e
a riqueza do trabalho em equipe foram a sua melhor formação continuada.
Foi durante os seis anos de atuação em uma Unidade Básica de Saúde
(UBS) no município de Itajaí-SC, em uma equipe de ESF, que o autor vivenciou as
experiências que motivaram este trabalho. Nos últimos anos, uma quantidade
significativa de migrantes do nordeste brasileiro estava chegando ao território de
abrangência desta UBS, inicialmente oriundos da região metropolitana de Aracaju,
capital do Estado de Sergipe.
A presença de migrantes no território não era novidade, já que boa parte dos
moradores são originários do interior de Santa Catarina e estados vizinhos, mas este
influxo migratório, de alguma forma, tornou-se um fato novo.
Os relatos dos trabalhadores de saúde davam conta de uma visível
inquietação por aquela situação: “A gente não entende o que eles falam”, dizia uma
Agente Comunitária de Saúde (ACS); “Eles vêm de lá só com a roupa do corpo. E
no inverno, como vai ser?”, trazia a outra; “Naquela quitinete vivem seis pessoas, e
não tem nem fogão, nem geladeira”, salientava a terceira; “As crianças só comem
mingau”, reclamava a enfermeira. Para completar o quadro, os migrantes, em geral,
vinham por indicação de amigos ou parentes, chegavam com pouco dinheiro, às
vezes insuficiente até para o primeiro mês do aluguel. As moradias eram pequenas,
com elevada relação morador/cômodo, e apesar disso com altos valores de aluguel.
Várias destas residências foram construídas recentemente pelos moradores locais,
em seus próprios terrenos, muitas delas construções irregulares, com condições
sanitárias inadequadas. Era frequente o relato da migração incompleta da família,
separando cônjuges e até pais e mães de seus filhos pequenos. Em relação ao
trabalho, a maioria dos recém-chegados logo conseguia emprego, geralmente nas
indústrias do município, em postos de trabalho pouco procurados pelos locais, de
baixa exigência educacional, e muitos no turno da noite.
Buscando entender os sentimentos da equipe e coordenar as ações desta, o
assunto foi trazido para discussão de formas diversas, tirando proveito da própria
condição de migrantes de alguns membros da equipe. Realizaram-se algumas
dinâmicas que problematizavam aspectos como as diferenças culturais, a distância
da família, o risco envolvido no processo e o sentimento de não-pertencimento a
determinado local ou grupo social. Preocupou, na época, a possibilidade de estar
ocorrendo entre os membros da equipe, preconceito e até discriminação1.
As atividades realizadas posteriormente iniciaram-se com visitas aos
domicílios destes novos moradores, com cadastramento das famílias e verificação
das necessidades imediatas; seguiram-se estudos de caso, utilizando ferramentas
de abordagem familiar, como Familiograma e Ecomapa; e culminaram na realização
de um festival cultural do Sergipe, em parceria com os moradores, onde estes
ensinaram e prepararam itens da culinária típica para os trabalhadores de saúde e
moradores do bairro2.
Porém, continuavam presentes algumas inquietações, como: Que condições
socioeconômicas esta população vivenciava no local de origem? E em Itajaí? De
que forma se deu este processo migratório? Qual a influência das redes sociais
nesse processo? As diferenças culturais entre os migrantes e os locais eram mesmo
marcantes? Estaria havendo preconceito ou discriminação? E como a equipe de
saúde precisaria repensar o cuidado nessa nova realidade?
Com o intuito de iniciar esta compreensão, elaborou-se uma pesquisa
preliminar, de caráter descritivo-exploratório3. Esta pesquisa abordou os migrantes
nordestinos recentes (chegados até dois anos antes), prospectados através dos
ACS's das três áreas de ESF do território. O objetivo foi caracterizar a população
migrante com relação ao processo de migração em si, além das condições de
moradia, trabalho, saúde e redes sociais. Utilizou-se um formulário estruturado
(Apêndice A) com perguntas abertas e fechadas, e os dados foram organizados em
De�envolvido como Trabal�o de Inicia��o Cien�ífica� e in�i�ulado “Do Norde��e para Sacon�ecendo um grupo de migran�e� �ob a per�pec�iva do� De�erminan�e� Sociai� da Saúde”.
planilhas e apresentados com o auxílio de tabelas e gráficos. Trinta e oito entrevistas
foram concluídas, totalizando 136 participantes. O fato de nem todas as informações
coletadas referirem-se ao conjunto total dos indivíduos pesquisados foi uma
fragilidade da pesquisa, percebida apenas após a coleta dos dados. Para facilitar o
entendimento, o “n” a que se refere cada dado virá na sequência deste. Os
resultados foram comparados com a literatura existente, buscando a conformidade
com o tema proposto. Parte deles são apresentados nesta dissertação, em conjunto
com os resultados da mesma (WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015).
O presente trabalho foi então desenvolvido para ir além dos dados objetivos e
discuti-los através das falas desses sujeitos. Com questionamentos abertos,
procurou-se dar vazão aos discursos para qualificar a compreensão de alguns dados
objetivos, bem como permitir o surgimento de novos elementos. Além desta reflexão,
também foram buscadas, em conjunto com trabalhadores em saúde selecionados,
estratégias para promover a atenção integral neste contexto.
A migração foi compreendida no contexto das populações pobres, nas quais a
ausência de perspectivas no local de origem torna esta escolha uma das poucas
alternativas disponíveis para a mudança da realidade. No Brasil, as migrações
internas foram vistas sob a ótica das análises censitárias, mas também através de
estudos qualitativos, que trazem um olhar mais particular a estes indivíduos, além do
que as estatísticas populacionais são capazes.
Para balizar a compreensão de atenção integral, utilizou-se a concepção de
Rubem Mattos (2009, p. 45) que coloca a integralidade como parte da “imagem
objetivo” das transformações necessárias para a consolidação do Sistema Único de
Saúde.
Os dados foram avaliados através da Análise de Conteúdo Temática
(MINAYO, 2014), utilizando-se a técnica de leituras exaustivas do material transcrito,
busca das expressões-chave, agrupamento e categorização das unidades de
registro. Posteriormente, estas foram trianguladas com os dados objetivos do
trabalho preliminar, amparando-se na literatura.
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral:
Analisar formas de promover atenção integral a um grupo de migrantes
vinculados a uma Unidade Básica de Saúde do município de Itajaí.
2.2 Objetivos Específicos:
1. Refletir sobre as condições de vida e trabalho e o cuidado em saúde de um
grupo de migrantes nordestinos vinculados a uma UBS de Itajaí-SC.
2. Estabelecer, em conjunto com os envolvidos, estratégias para promover
atenção integral em saúde neste contexto.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Para refletir sobre a migração interna no contexto da Estratégia Saúde da
Família (ESF), algumas etapas serão vencidas. O processo migratório e suas
implicações na saúde será seguido por conceituações do Sistema Único de Saúde
(SUS), Atenção Primária à Saúde (APS), Estratégia Saúde da Família (ESF) e
integralidade.
3.1 Processo migratório e suas implicações na saúde
Migrar deriva do latim migrare, e é definido por Ferreira (1999, pg. 1335)
como: “mudar periodicamente, ou passar de uma região para outra, de um país para
outro". As abordagens teóricas do fenômeno migratório se dividem, segundo Oliveira
(2011), na compreensão neoclássico-funcionalista e na estruturalista. Na primeira, a
decisão da mudança é tomada pelo indivíduo pesando o custo e o benefício, através
de condições relacionadas com os locais de origem, destino e fatores pessoais. Já a
segunda teoria, mais robusta, segundo o autor, considera que o fenômeno
migratório é social, influenciado por fatores de atração e expulsão (de mudança ou
de estagnação), de acordo com os processos social, econômico e político. Os
deslocamentos populacionais, em sua maioria, costumam corresponder à
mobilidade da força de trabalho (OLIVEIRA, 2011). De uma forma mais geral, a
busca é por melhores condições de vida e trabalho (GALIANO; VETTORASSI;
NAVARRO, 2012).
Um importante elemento para explicar a migração são as redes sociais. Nos
deslocamentos de longa distância, a maioria dos migrantes em potencial busca na
sua rede interpessoal informações e amparo para o deslocamento e fixação no local
de destino. Após instalados, eles costumam reproduzir este comportamento,
ampliando a rede. Isto faz com que os potenciais migrantes deixem de considerar
outras opções de destinos, em detrimento daqueles locais onde possuem rede social
fortalecida (TILLY, 1990, apud CUNHA, 2005, p. 10).
Migração pode ser relacionada com a pobreza, tanto como causa quanto
como efeito. Fatores como crise econômica, desemprego, precárias relações de
trabalho e êxodo rural associam-se a deslocamentos populacionais que podem ser
ditos compulsórios, no sentido de serem forçados pela sobrevivência (GONÇALVES,
2001). Comparado com a população da região de destino, o imigrante apresenta
consideravelmente mais desemprego, baixos salários, risco de pobreza e exclusão
social, principalmente em domicílios com crianças (PFARRWALLER; SURIS, 2012).
No Brasil, a história da migração é sintetizada por Cunha (2012) como tendo
diferentes modalidades, desde o tráfico de escravos e as demais ondas de
imigração estrangeira até o êxodo rural das décadas de 1950 a 1970, chegando aos
dias de hoje, com a crescente importância dos deslocamentos intermunicipais de
curta distância.
As pesquisas sobre migração interna no Brasil têm utilizado os Censos
Demográficos, que, segundo Cunha (2012) constituem rica fonte de informações,
particularmente após 1970. Através destes, tem-se percebido, nas últimas décadas,
uma redução dos fluxos migratórios entre as macro-regiões do país, apesar da
manutenção da direção dos principais fluxos, como o do eixo Nordeste-Sudeste
(OLIVEIRA; ERVATTI; O´NEILL, 2011). Outra tendência percebida é a busca por
cidades de médio porte e cidades da região metropolitana das capitais. Estes fluxos
são vistos de forma direta ou mesmo como rechaço de migrações inicialmente
direcionadas às capitais. O desemprego e violência dos grandes centros parece
estar na gênese dessa mudança de atitude (GONÇALVES, 2001).
Com relação às regiões de interesse para esta pesquisa, tanto a Região Sul
quanto a Nordeste apresentaram pequeno saldo negativo (mais emigrantes que
imigrantes) e as trocas entre estas duas regiões foram as menos significativas entre
as demais trocas com o Nordeste. Ou seja, dentre os emigrantes nordestinos a
Região Sul foi a menos atrativa (OLIVEIRA; ERVATTI; O´NEILL, 2011).
Apesar do saldo negativo, a Região Nordeste apresentou altas taxas de
migração de retorno, acima de 40% do total de imigrantes. Mas os Estado do Rio
Grande do Norte e Sergipe, este último fonte da maior parte dos migrantes
representados neste estudo, foram as exceções da regra, com taxas de retorno
menores (OLIVEIRA; ERVATTI; O´NEILL, 2011).
Dentro da Região Sul, o estado de Santa Catarina tem se situado na primeira
colocação em atração migratória (BAENINGER, 2012), mas ainda pode ser
considerado, no geral, um estado de baixa absorção. As origens principais dos seus
imigrantes são os outros dois estados da Região Sul (OLIVEIRA; ERVATTI;
O´NEILL, 2011).
O perfil do migrante interno brasileiro, de 1980 a 2000, foi caracterizado como
de predomínio de jovens, principalmente do sexo masculino, em idade laboral, mais
escolarizados que a população geral, e vindos, em maior probabilidade, de Unidades
da Federação em condição social relativamente precária (JUSTO; SILVEIRA NETO,
2009);
Outros autores buscaram abordagens qualitativas para compreensão do
fenômeno migratório e trouxeram contribuições importantes. Délia Dutra (2015), em
Brasília, investiga um grupo de mulheres migrantes peruanas trabalhando no serviço
doméstico. Ela demonstra que este projeto migratório representa, para estas
mulheres, uma renúncia ao momento presente, por almejar um futuro melhor,
principalmente para os filhos. Para isso, muitas remetem quantias em dinheiro
regularmente para suas famílias, e carregam um grande sentimento de solidão.
Outro estudo mostra a migração pendular perpetuada como única alternativa
de trabalho para jovens do interior do Nordeste. Neste caso o destino são os
canaviais do interior do Estado de São Paulo. Fica evidente a exploração da força de
trabalho dos migrantes, que são submetidos a jornadas extenuantes e, por terem
seus rendimentos baseados na produtividade, expõe-se a riscos ainda maiores para
a saúde (GALIANO; VETTORASSI; NAVARRO, 2012).
A existência de pungente discriminação dirigida a crianças nordestinas em
escolas da periferia do ABC paulista foi demonstrada por Damergian (2009).
Segundo a autora, estas atitudes foram endereçadas principalmente às diferenças
culturais e à linguagem, e trouxeram profundo prejuízo emocional e no rendimento
escolar destas crianças.
Quando se trata de aproximar a migração da saúde, diferentes focos de
abordagem podem ser percebidos na literatura. Castañeda e colaboradores (2015)
assim os classificam:
a) Comportamentalista: tendo o indivíduo e seus comportamentos como
unidade primária de análise e intervenção;
b) Cultural: enfatizando o papel de crenças, valores, práticas ou tradições
relacionadas às populações, compreendidas como comportamentos que
afetam o processo saúde-doença;
c) Estrutural: menos comumente usada, traz o enfoque para as estruturas
sociais, econômicas, institucionais e políticas e como estas afetam a saúde
dos imigrantes.
Dentro do foco estrutural, estes autores defendem o uso dos Determinantes
Sociais da Saúde (DSS), que trariam uma abordagem mais holística e permitiriam
um entendimento mais completo dos impactos deste fenômeno. Também
argumentam que a migração tanto configura um determinante social, quanto é, na
sua origem, socialmente determinada.
Os DSS, segundo Buss e Pelegrini Filho (2007), envolvem fatores sociais,
econômicos e culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais, que
influenciam a ocorrência de problemas de saúde numa população.
Mas existem fortes críticas à teoria dos DSS. Ingleby (2012) denuncia nos
posicionamentos da Organização Mundial de Saúde sobre DSS, lacunas
importantes relacionadas à etnicidade e também à migração. Já o equatoriano Jaime
Breilh (2013) vai mais longe, defendendo, em lugar dos DSS, o uso da teoria da
Determinação Social (DS). Surgida entre os núcleos da medicina social da América
Latina a partir dos anos 1970, em conjunto com a Epidemiologia Crítica, esta teoria
propõe, segundo ele, "uma ferramenta para trabalhar a relação entre a reprodução
social, os modos de viver e de adoecer e morrer" (BREILH, 2013, p. 14, tradução
livre). Ela representaria verdadeiramente uma mudança de paradigma, ao evitar a
simples conversão das estruturas sociais em variáveis e trazer uma crítica ao modo
de produção e à acumulação de capital.
Os DSS foram o fio condutor na confecção do questionário da pesquisa
preliminar. A melhor aplicabilidade no nível micro desta pesquisa, além da maior
familiaridade dos autores com esta teoria motivaram a escolha desta em detrimento
da Determinação Social.
A condição de migrante, segundo Ramos (2009) pode originar isolamento,
estresse, ansiedade, depressão, conflito, exclusão e doença, que além de poderem
afetar a saúde também dificultam o seu acesso aos cuidados de saúde e à
prevenção, a reivindicação dos seus direitos e o exercício de cidadania.
As populações migrantes sofrem com dificuldades importantes no acesso e
na qualidade da atenção à saúde que recebem no seu local de destino. Isto pode
dever-se à diversos fatores, destacando-se as barreiras linguísticas, diferenças
culturais e de compreensão da doença e seu tratamento e atitudes negativas entre
os sujeitos e os profissionais das equipes de saúde (PRIEBE; SANDHU; DIAS et al.,
2011). As dificuldades de acesso podem estar relacionadas também com a
subutilização da prevenção e promoção, e a sobreutilização dos serviços de
urgência, percebida entre os migrantes (MLADOVSKY, 2011).
McWhinney e Freeman (2010), ao falar do autocuidado e da importância das
redes sociais no cuidado, ressaltam que na presença de mobilidade territorial e
perda desse cuidado informal, existe a tendência de maior procura ao atendimento
médico.
3.2 A Saúde da Família como estratégia de Atenção Primária no Brasil
A conquista de um sistema de saúde público universal no Brasil vem da
constituição de 1988, a partir de uma ampla discussão que teve como principal
marco a VIII Conferência Nacional de Saúde, de 1986 (FALLEIROS, 2010). Deu-se
através do movimento sanitário, um processo político que “mobilizou a sociedade
brasileira para propor novas políticas e novos modelos de organização de sistema,
serviços e práticas de saúde" (VASCONCELOS; PASCHE, 2006, p. 532), ocorreu a
gestação do Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS compreende um conjunto de serviços e ações de saúde, executadas
por organizações públicas nos âmbitos municipal, estadual e nacional, bem como
serviços privados, que atuam de forma complementar (VASCONCELOS; PASCHE,
2006).
Segundo o arcabouço legal que o sustenta, o SUS é regido por três princípios
fundamentais (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990; VASCONCELOS; PASCHE, 2006):
a) Universalidade: assegura o direito de todos os cidadãos às ações e
serviços de saúde ofertados pelo sistema, independente de vínculo
empregatício formal ou contribuição financeira adicional, sendo esta a
principal ruptura com o antigo modelo;
b) Integralidade: no texto constitucional, significando ações preventivas e de
assistência, com prioridade para a primeira. Já na lei orgânica (BRASIL,
1990) "entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em
todos os níveis de complexidade do sistema". Esta definição será retomada
subsequentemente, dada a sua relevância para o trabalho e as suas
múltiplas compreensões;
c) Equidade: garantia da priorização dos indivíduos ou populações com maior
vulnerabilidade de adoecimento, devido a condição de desigualdade na
distribuição de renda, bens e serviços.
Bárbara Starfield (2002a) destaca a importância da Carta de Ljubljana,
lançada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1996, na proposição da
construção de sistemas de atenção à saúde equitativos. Segundo o documento,
esses sistemas deveriam ser:
a) Dirigidos por valores de dignidade humana, equidade, solidariedade e ética
profissional;
b) Direcionados para a proteção e promoção da saúde;
c) Centrados nas pessoas, permitindo que os cidadãos influenciem os
serviços de saúde e assumam a responsabilidade por sua própria saúde;
d) Focados na qualidade, incluindo a relação custo-efetividade;
e) Baseados em financiamento sustentável, para permitir a cobertura
universal e o acesso equitativo;
f) Direcionados para a atenção primária.
A Atenção Primária à Saúde (APS) é defendida pela OMS no relatório da 1ª
Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde, ocorrida em Alma Ata,
em 1978:
Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde (OPAS/OMS, 1978, p. 1-2).
Os sistemas de saúde com base na APS, segundo Starfield (2002a), são
capazes de oferecer uma atenção de qualidade e custo-efetiva a um grupo
populacional, em oposição aos sistemas baseados em sub-especialidades, caros e
pouco resolutivos em nível coletivo.
A mesma autora define APS como o nível de serviço que oferece a entrada
no sistema de saúde, com enfoque na pessoa (não na enfermidade), ao longo do
tempo. Tem condições de atender a todas as condições de saúde e coordena ou
integra o cuidado, quando este for fornecido em outro lugar.
O termo “Atenção Primária” na tradução em português não é unânime, dado
que na língua inglesa o termo original é “Primary Care”, que traz a conotação de
primordial, principal, fundamental, essencial. Já primário seria entendido como
elementar, rudimentar, acanhado, limitado, medíocre (VERDI; DA ROS; CUTOLO,
2010). Os autores defendem a utilização de um termo mais fidedigno, porém
compreendem que por comodismo acaba-se utilizando o mais tradicional na
literatura.
No Brasil, a Estratégia Saúde da Família (ESF) foi a modalidade de escolha
para a reorganização do sistema voltado para a APS. Nascida em 1994, a ESF hoje
conta com mais de 40 mil equipes implantadas no país, em 5.464 municípios e
cobrindo quase 64% da população brasileira (BRASIL, 2016).
Andrade, Barreto e Bezerra (2006) destacam que a implementação da ESF
ocorreu como uma estratégia de consolidação dos princípios do SUS:
A ESF veio essencialmente como uma oportunidade de se expandir acesso à atenção primária para a população brasileira, de consolidar o processo de municipalização da organização da atenção à saúde, de facilitar o processo de regionalização pactuada entre municípios adjacentes e de se coordenar a integralidade de assistência à saúde (ANDRADE, L.O.M; BARRETO, I.C.H.C.; BEZERRA, R.C., 2006, p. 807, grifo meu).
A ESF atua na universalidade do acesso, na integralidade e equidade
(princípios doutrinários) e também transformando os princípios organizativos em
ação efetiva (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006). Apesar do nome, a ESF foi
operacionalizada para atender muito mais a comunidade do que a família. A
explicação para o nome teria sido uma exigência dos órgãos financiadores
internacionais, com o intuito de desvincular o programa de bandeiras do Movimento
da Reforma Sanitária Brasileira, bem como retirar o foco da determinação social
como produtora de saúde e doença (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010).
Tendo como foco a comunidade, surge a estrutura organizacional da
territorialização com adscrição da clientela. A área de atuação da equipe é
delimitada por contiguidade geográfica e a população é cadastrada dentro desta
área para acessar o serviço. Esta formalização visa compreender melhor tanto as
áreas de risco e vulnerabilidade, quanto os recursos e potencialidades existentes
localmente (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006).
Outro atributo da ESF é a coordenação do cuidado, considerado um
componente essencial da atenção primária. Os pacientes consultam em diferentes
lugares, seja por encaminhamento do serviço de APS, seja por conta própria. As
equipes devem atuar integrando as informações de atendimentos prévios e atuais,
garantindo a racionalidade no uso dos recursos, além de melhores resultados.
Problemas técnicos e organizacionais dificultam, frequentemente, essa coordenação
(STARFIELD, 2002b).
3.3 Integralidade
No seu sentido mais estrito, compreende-se integralidade como:
[...] as várias dimensões do processo saúde-doença que afetam os indivíduos e as coletividades e pressupõe a prestação continuada do conjunto de ações e serviços visando garantir a promoção, a proteção, a cura e a reabilitação dos indivíduos ou coletivos (VASCONCELOS; PASCHE, 2006, p. 535).
Além da limitada definição constitucional, a integralidade permite diferentes
interpretações, a ponto de alguns autores considerá-la quase indefinível (MATTOS,
2009) e até mesmo "inalcançável, apesar de indispensável" (CAMARGO JR, 2007).
Em seu ensaio sobre o tema, Rubem Mattos (2009) analisa os diversos
sentidos possíveis para integralidade, dividindo-os em três grandes grupos: aqueles
vinculados à prática individual do profissional de saúde; os voltados à reorganização
do processo de trabalho; e os relacionados às políticas públicas para grupos
específicos. Abaixo algumas observações a respeito de cada grupo:
a) Prática individual:
-Medicina integral, como vertente do ensino médico que critica a atitude
reducionista e fragmentária adotada por parte dos médicos diante de
seus pacientes. Propõe-se que a prática médica deva ser
compreendida dentro dos contextos cultural e social, agregados a
conceitos como o adoecimento e a relação médico-paciente, por
exemplo;
-A visão abrangente das necessidades dos indivíduos que buscam
atendimento, inclusive aquelas não expostas diretamente. Aqui deve-se
tomar cuidado para evitar a utilização indiscriminada de intervenções
preventivas medicalizantes e também esquecer de valorizar o
sofrimento que motivou a busca pelo atendimento;
-A unificação, com o advento do SUS, das práticas anteriormente ditas
"de saúde pública" com as práticas assistenciais. Com a crítica de que
atualmente ainda existem programas verticais do Ministério da Saúde
que trabalham dissociados dos locais da prestação de assistência;
b) Processo de trabalho: organizar o processo de trabalho dos serviços para
"realizar uma apreensão ampliada das necessidades da população ao qual
atendem" (MATTOS, 2009, p. 60). Aqui o autor critica o uso exclusivo do
critério epidemiológico, com a priorização de atividades programadas
voltadas a determinadas faixas etárias ou grupos de doenças e agravos, em
detrimento da demanda espontânea;
c) Políticas públicas: as políticas ou programas governamentais voltados a
situações ou públicos específicos, que no conceito da integralidade deveriam
ser pensados para evitar reduzir os sujeitos dessas políticas a "objetos
descontextualizados" (MATTOS, 2009, p. 63). Estas políticas deveriam,
segundo o autor, incorporar tanto as atividades de prevenção quanto as
assistenciais.
Já Ayres (2009) utiliza-se da integralidade para definir o cuidado integral. Ele
defende a ruptura da visão fragmentada do sujeito, evitando o olhar para a patologia
e melhorando a relação e interação entre os usuários e os profissionais de saúde e
destes entre si, além de fortalecer o compromisso pelo bem-estar dos usuários. Para
que seja alcançado esse cuidado, o autor sugere melhorar a escuta, valorizando as
narrativas dos usuários para compreender, neste enredo, os sentidos associados
aos padecimentos trazidos por eles. Também relaciona o êxito técnico deste cuidado
com as expectativas trazidas pelos próprios sujeitos. Segundo ele, este êxito só
pode ser verificado se basear-se no que as pessoas estão buscando do encontro
com os profissionais de saúde. E indo além, basear-se no que o autor chama de
“projeto de felicidade” (AYRES, 2009, p. 18) dos indivíduos. O profissional deveria
agir buscando esse projeto, utilizando-se de suas ferramentas técnicas e relacionais,
aliados aos saberes tradicionais do indivíduo ou comunidade. Por fim, o autor
valoriza o vínculo e a responsabilização como promotores de cuidado integral. O
vínculo, no sentido de olhar o indivíduo como sujeito, e não objeto do cuidado, e de
promover uma aproximação entre profissionais e usuários que permita a
manifestação de intersubjetividades mais ricas. A responsabilização, por sua vez,
decorre do vínculo, e significa o compromisso com a resolutividade. Lembrando que
esta resolutividade, na perspectiva do cuidado integral, está vinculada aos anseios e
expectativas de quem se está cuidando (AYRES, 2009, p. 18).
Neste trabalho, os sentidos da integralidade de Rubem Mattos (2009) servirão
de base para a compreensão da atenção integral. Já o cuidado integral será utilizado
de forma complementar, para discutir as práticas dos trabalhadores de saúde na
atuação junto aos migrantes.
4 METODOLOGIA
A mobilidade humana é um fenômeno complexo, em função de suas múltiplas
facetas, e requer um esforço teórico constante, bem como habilidade e cuidado no
uso dos dados disponíveis (CUNHA, J.M.P., 2012). Tendo esta complexidade como
pressuposto, Oliveira (2014) defende a importância desses estudos irem além da
quantificação:
Faz-se necessário abordar sua estruturação em termos de causas e motivações, assim como seus desdobramentos. Além disso, é relevante analisar a mobilidade espacial enquanto processo social, cujas dimensões estão expressas nas trajetórias dos indivíduos, que, dessa maneira, permitem detalhar as características e dinâmicas desse deslocamento (OLIVEIRA, 2014, pg 454).
O uso das metodologias qualitativas se justifica por serem uma ferramenta
capaz de trazer o entendimento do significado individual ou coletivo de um
determinado fenômeno na vida das pessoas. Este significado tem função
estruturante, em torno do qual as pessoas organizarão de certo modo suas vidas,
incluindo seus próprios cuidados com a saúde (TURATO, 2005).
A importância dos estudos qualitativos na demografia também é corroborada
por Gomez (2012). Segundo a pesquisadora, estas metodologias possibilitam
conhecer a compreensão individual dos fenômenos, além de obter informações
amplas e detalhadas sobre os comportamentos, a fim de buscar explicações para
variáveis associadas a fatores socioculturais, conjunturais e particulares. Ademais,
partindo do particular, podem-se proceder generalizações.
O caminho metodológico da pesquisa procurou aproximar-se da compreensão
de como este processo migratório específico relaciona-se com a atenção à saúde, e
como a equipe de saúde local poderia atuar neste contexto. Durante a coleta de
dados, entretanto, evidenciou-se com maior intensidade a própria trajetória de
migração e o contexto de vida desses sujeitos. Em um segundo momento, os
trabalhadores de saúde foram convidados a realizar um processo de
problematização para, a partir das informações coletadas anteriormente, discutir a
atenção integral a esta população.
4.1 Cenário do Estudo
O trabalho foi desenvolvido no município de Itajaí-SC. Com cerca de 200 mil
habitantes, Itajaí é referência na foz do Rio Itajaiaçu e recentemente atingiu o maior
Produto Interno Bruto do Estado. As atividades econômicas mais importantes são a
logística, construção civil, indústria e o complexo portuário, o segundo maior do país
em movimentação de contêineres. Novos mercados em expansão são as indústrias
do petróleo, de gás e náutica. A colonização principal é de origens açoriana, alemã e
italiana (ITAJAÍ, 2015).
A cidade é dividida em grandes bairros e estes em loteamentos. O
loteamento Votorantim é assim nomeado devido à uma fábrica de cimento que havia
na localidade. É delimitado geograficamente pela retificação do Rio Itajaí-Mirim,
Rodovia BR 101, loteamentos Jardim Esperança e Costa Cavalcanti. Tem
aproximadamente oito mil moradores e conta com duas escolas públicas, um Centro
de Educação Infantil, uma Unidade Básica de Saúde (UBS), uma Unidade de Pronto
Atendimento (existem duas instaladas no município) e um pequeno comércio local.
Uma parte significativa do território geográfico é ocupada por empresas de logística
e indústrias de grande e pequeno portes, destacando-se uma grande indústria de
papel e celulose e uma de confecção de cordas. A UBS é mista, tendo alguns
profissionais que atuam junto às três equipes de ESF e outros que atendem
paralelamente. Estes últimos são: uma Pediatra, um Ginecologista, dois
Odontólogos e dois Técnicos de Enfermagem. As três equipes de ESF são
compostas por Médico, Enfermeiro, um a dois Técnicos de Enfermagem e cinco a
seis Agentes Comunitários de Saúde. Uma das equipes conta com Saúde Bucal,
com um Odontólogo e um Técnico de Higiene Dental. Também trabalham na equipe
administrativa: um Coordenador Enfermeiro, dois Recepcionistas e dois Auxiliares
de Serviços Gerais. A Unidade fica aberta das 07:00 às 18:00h, de Segunda a
Sexta-feira.
4.2 Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos da pesquisa foram migrantes nordestinos moradores da área de
abrangência da UBS Votorantim, bem como trabalhadores desta mesma Unidade e
um representante da Gestão Municipal.
A seleção da amostra foi intencional e os critérios de inclusão foram os
seguintes:
a) Migrantes: ser maior de 18 anos, morador do território de abrangência da
UBS Votorantim e ter emigrado de algum estado do Nordeste brasileiro. A
população utilizada para seleção da amostra foi extraída dos participantes
do estudo preliminar, já citado. Os sujeitos deste estudo foram sorteados,
resultando em 14 indivíduos. Os mesmos foram visitados pelo pesquisador
e ACS e convidados a participar da oficina prevista em projeto. Pelo
insucesso da oficina, conforme explicitado a seguir, optou-se por nova
forma de abordagem, em grupo menor, como Grupo Focal (GF). Foram
novamente convidados e compareceram 5 indivíduos, os quais foram os
sujeitos desta pesquisa.
b) Trabalhadores de saúde: atuar profissionalmente há mais de 6 meses
nesta UBS, obedecendo critérios de representatividade entre as 3 equipes
de ESF, bem como cargos administrativos, nas seguintes categorias:
-Um profissional de nível superior (Médico, Odontólogo ou Enfermeiro)
de cada equipe;
-Um profissional de nível técnico (Técnico de Enfermagem e Técnico
em Higiene Dental) de cada equipe;
-Um Agente Comunitário de Saúde (ACS) de cada equipe;
-O Coordenador da UBS;
-Um representante da recepção da Unidade.
Além dos supracitados, foi convidado um representante da Gestão
Municipal, sorteado entre os coordenadores da ESF.
Entre os trabalhadores de saúde, os 12 sorteados da lista inicial foram
abordados para verificar o interesse em participar da pesquisa. Dois ACSs
declinaram o convite, uma Técnica de Enfermagem precisou ser substituída no dia
anterior, por motivo de doença, e a recepção da Unidade de Saúde não teve
representante pelo mesmo motivo. Uma profissional de nível técnico de uma das
equipes compareceu à oficina, porém sentiu-se mal no início da atividade, ausentou-
se e não retornou. Entre os dois novos ACSs sorteados, um declinou e o outro não
compareceu à atividade. Em uma das equipes os dois profissionais de nível superior
não preenchiam o critério de inclusão de tempo de trabalho na Unidade. Optou-se
por convidar a enfermeira da equipe, por ter mais tempo no local (4 meses) e
experiência prévia com acompanhamento de migrantes do Nordeste em outro
território adjacente ao local deste estudo. Por fim, a oficina foi realizada com a
participação de 8 sujeitos, dos quais: 1 Médico, 1 Odontólogo, 3 Enfermeiras (sendo
1 da equipe de ESF, 1 coordenadora da Unidade Básica de Saúde e 1 coordenadora
da ESF no município), 1 ACS e 2 Técnicas de Enfermagem. Houve
representatividade das três equipes de ESF locais.
4.3 Percurso da pesquisa
A proposta da pesquisa envolvia a realização de uma oficina com os
migrantes. Os convites para esta oficina foram feitos pessoalmente pelo
pesquisador, acompanhado da ACS da área de moradia, com cerca de uma semana
de antecedência. Na ocasião, conseguiram-se 14 confirmações de presença entre
os moradores visitados. O local escolhido foi uma sala de aula na escola municipal
do bairro, e a data, uma sexta-feira pela manhã. Nenhum dos confirmados
compareceu. Buscou-se posteriormente uma alternativa para remarcar a oficina e
outras datas foram aventadas, inclusive durante o final-de-semana, porém não se
obteve confirmação de número suficiente de participantes. Esta interlocução com os
moradores foi feita através dos ACSs das equipes, que sugeriram reunir um número
menor de participantes em um encontro próximo às moradias dos mesmos. Decidiu-
se, então, pela realização de um Grupo Focal (GF), percebendo que o mesmo
também atenderia aos objetivos do projeto.
Nesta técnica o pesquisador conduz o grupo, atuando como moderador,
sozinho ou em equipe. Os objetivos e as regras de participação são apresentados
no início da reunião. Os assuntos pertinentes são trazidos de forma mais ampla pelo
moderador, permitindo um posterior detalhamento (GIL, 2008). O GF pode ser
usado, conforme Trad (2009, pg. 780), para compreender as “percepções, crenças e
atitudes sobre um tema”. Esta autora recomenda o tempo de duração ideal entre 90
e 110 minutos, o número de participantes entre 6 e 15 e a realização em local
neutro, favorecendo a livre expressão dos mesmos. Esta metodologia se torna
adequada para o objetivo pretendido, já que, segundo Gaskell (2004), permite a
emergência de sentidos ou representações de natureza social, proporcionado pela
interação do grupo, em lugar da perspectiva individual, mais encontrada na
entrevista.
Foi feito o contato com uma das moradoras, que concordou em realizar a
reunião em sua casa. Marcou-se a data e os ACSs convidaram oito migrantes
moradores do entorno. Cinco indivíduos compareceram. Além destes, formaram o
grupo o pesquisador e uma ACS. O roteiro da entrevista foi elaborado de modo a
abordar as trajetórias de migração, condições de vida, moradia, trabalho e renda nos
locais de origem e destino, dificuldades de adaptação ao local atual, ocorrência de
discriminação ou preconceito, bem como o cuidado em saúde em ambos os locais
(Apêndice B). O GF Teve duração de uma hora e trinta minutos e foi encerrado
devido a demonstrações de cansaço de alguns participantes e tendo sido
contemplados todos os questionamentos previstos no roteiro. A reunião foi gravada
em áudio e transcrita posteriormente pelo próprio pesquisador, que acrescentou em
separado suas impressões sobre o processo. Esta transcrição resultou em 18
páginas de texto, em espaço simples. Os nomes dos participantes foram
substituídos por números de 1 a 5.
Após a leitura repetida do material e apreciação do orientador, percebeu-se
que a densidade do mesmo corresponderia ao primeiro objetivo do projeto4 e
decidiu-se pela realização da segunda etapa, com os profissionais de saúde.
Retiraram-se então alguns fragmentos de texto bruto da transcrição do GF, com
falas consideradas significativas para fomentar a discussão com os trabalhadores.
4 Objetivo 2.1: Refletir sobre as condições de vida e trabalho e o cuidado em saúde de um grupo de migrantes nordestinos vinculados a uma UBS de Itajaí-SC.
A metodologia de oficina foi escolhida para responder ao segundo objetivo
específico deste trabalho5. Não houve dificuldades na negociação para a realização
da mesma junto à coordenação da UBS, apenas a data precisou ser remarcada para
permitir um prejuízo mínimo ao atendimento da comunidade. Participaram desta
atividade, além dos sujeitos já listados no subitem correspondente, o pesquisador e
três auxiliares, convidados entre os Residentes da Residência Multiprofissional em
Saúde da Família da UNIVALI, e que atuavam na UBS em questão. A atividade teve
duração de 3 horas e foi realizada numa sala de aula da Escola Básica Municipal do
bairro. O roteiro encontra-se no Apêndice C.
Em busca de estratégias para a atenção integral, iniciou-se com a construção
de uma definição de Integralidade entre os participantes. Estes foram estimulados a
escrever suas próprias definições em tiras de papel, que foram lidas e,
posteriormente, procurou-se estabelecer algumas categorias para agrupá-las. Após,
buscou-se conhecer de que modo cada participante percebia as implicações da
presença dos migrantes nordestinos no seu trabalho, novamente utilizando tarjetas.
O agrupamento destas últimas objetivou a divisão dos grupos de trabalho para a
etapa final. Antes desta atividade, entretanto, o pesquisador realizou uma
apresentação dialogada, gravada em áudio, trazendo os dados do estudo preliminar
e do GF, em busca de uma reflexão do grupo sobre a realidade dos migrantes no
território. A última parte da atividade, então, foi a divisão dos participantes em 3
grupos, moderados pelos auxiliares do pesquisador, para a discussão de estratégias
de promoção da integralidade em cada uma das categorias em que os problemas
foram agrupados. Foram eles:
a) Grupo 1: Cultura e Comunicação;
b) Grupo 2: Acesso / Necessidades;
c) Grupo 3: Trajetórias de Migração.
Houve boa participação dos convidados na oficina, todos tendo demonstrado
tranquilidade para expor suas opiniões, apesar das falas mais frequentes terem sido
Objetivo 2.2: estabelecer, em conjunto com os envolvidos, estratégias para promover atenção integral em saúde neste contexto.
dos profissionais de nível superior. A atuação dos Residentes foi muito importante
para o andamento da oficina, especialmente na atividade de grupos.
O registro dessa oficina, para posterior análise, constou de:
a) Tarjetas com as definições de Integralidade;
b) Tarjetas com as implicações da presença dos migrantes no trabalho de
cada integrante;
c) Registro fotográfico do agrupamento / categorização das tarjetas na lousa;
d) Áudio-gravação da exposição dialogada sobre o estudo preliminar e o GF;
e) Relatórios de cada um dos 3 grupos com o conteúdo das discussões e
propostas apresentadas.
A transcrição deste material foi realizada em seguida. O áudio resultou em 14
páginas de texto, em espaço simples. As tarjetas de cada participante e os relatórios
dos grupos de trabalho da oficina foram também transcritos. Os participantes foram
numerados de 06 a 13.
Posteriormente, as transcrições do GF e da oficina foram alocadas numa
tabela no Software Microsoft Word®, conforme Apêndice D. Após exaustivas leituras
do material, as Unidades de Registro (UR) foram emergindo e sendo adicionadas
numa das colunas da tabela, adjacente ao texto completo. Essas UR foram as
citações importantes, que faziam eco com os objetivos do trabalho. Foram, então,
buscadas palavras-chave que traduzissem cada UR, baseadas na própria fala,
evitando interpretações do pesquisador.
Em seguida, as UR foram impressas e recortadas manualmente. Optou-se
por uma técnica de agrupamento físico das citações, empregando-se clipes para
juntar as citações mais parecidas e envelopes para colocar os grupos de citações
com alguma similaridade. As UR que continham duas ou mais palavras-chave em
contextos diferentes foram impressas mais de uma vez e agrupadas seguindo-se
cada um dos sentidos possíveis. Houve, então, aproximação das categorias
emergentes com os dados obtidos no estudo preliminar, contribuindo para a
validação de ambos.
Esta técnica apoiou-se na Análise Temática, que busca, como citado por
Minayo (2014, p. 316) os “núcleos de sentido que compõe uma comunicação”. Trata-
se de uma forma de Análise de Conteúdo que, por sua vez, tem origem nas
metodologias quantitativas, por buscar uma descrição mais objetiva e sistemática do
conteúdo da mensagem. Evitou-se, entretanto, a quantificação das falas, buscando
a profundidade da reflexão através da inferência. A variabilidade das fontes de
dados contribuiu para a consistência interna da pesquisa, importante neste tipo de
análise (MINAYO, 2014).
4.4 Aspectos éticos
Esta pesquisa foi realizada de acordo com os procedimentos éticos
normatizados pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), para
pesquisas envolvendo seres humanos. Conforme a mesma, a pesquisa deve
respeitar os preceitos da autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e
equidade. Foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIVALI,
através da Plataforma Brasil, e aprovada em 14/08/2015. A coleta dos dados
ocorreu após a aprovação. Foram respeitados os Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) dos participantes da pesquisa, bem como solicitada autorização
da Secretaria Municipal de Saúde.
Tanto a Secretaria Municipal de Saúde como os sujeitos da pesquisa serão
informados dos resultados do estudo. A primeira através de cópia do relatório final
do trabalho e os demais através de apresentação oral, com data e horário a serem
agendados após o término do mesmo.
O CEP receberá relatório final do trabalho, conforme estabelece a resolução
466/12 do CNS.
Não houve patrocínio externo para a pesquisa, cujos custos correram por
conta do pesquisador, conforme orçamento apresentado no projeto. Também não
houve ressarcimento material de qualquer natureza aos sujeitos da pesquisa, pelo
fato de ocorrer nas proximidades dos domicílios dos mesmos ou no seu local de
trabalho em horário de expediente (caso dos trabalhadores de saúde). Ofereceu-se
um pequeno lanche apenas no intervalo da oficina dos trabalhadores.
Foram tomadas algumas precauções para minimizar o impacto no
atendimento aos usuários na UBS supracitada, durante a realização da oficina, entre
elas, agendar a atividade com antecedência e num horário de baixo fluxo de
usuários, e manter a Unidade aberta, com uma equipe mínima em atendimento.
Compreende-se que os atendimentos eletivos que deixaram de ser realizados em
função da oficina serão compensados pela salutar oportunidade de discussão do
processo de trabalho da equipe no cuidado com os migrantes.
A relevância da pesquisa se justifica pelo fato de que as propostas advindas
da discussão do processo de trabalho das equipes de ESF podem se traduzir em
melhora na qualidade do cuidado oferecido aos moradores da área de abrangência,
particularmente os migrantes.
Em relação aos sujeitos da pesquisa, foram observados os seguintes
procedimentos éticos:
a) Foram convidados a participar da pesquisa previamente, recebendo
informações sobre o conteúdo da mesma, bem como todas as garantias
legais relatadas abaixo, em linguagem compatível com a condição
socioeconômica e cultural do convidado. Os convidados foram todos
maiores de 18 anos. Um dos participantes migrantes não era alfabetizado,
portanto foi garantida a presença de um familiar no momento da leitura do
TCLE para auxiliá-lo na decisão pela participação;
b) Foi garantida a autonomia na decisão pela participação na pesquisa,
informando que o convidado pode se recusar a participar em qualquer etapa
da mesma, bastando para tal informar o pesquisador, não necessitando
justificar a decisão;
c) Foram informados da ausência de qualquer ônus gerado pela recusa ou
bônus gerado pelo aceite em participar da pesquisa. Este quesito é
particularmente importante para o grupo dos migrantes, pois poderiam
deduzir que a recusa geraria algum tipo de prejuízo no acesso do mesmo ao
atendimento na UBS, ou, por outro lado, que o aceite poderia gerar algum
privilégio;
d) Está sendo garantido o anonimato dos sujeitos da pesquisa, em todas as
suas etapas e na divulgação dos resultados, sendo atribuídos número para
identificação dos mesmos;
e) O máximo sigilo das informações fornecidas pelos participantes foi
oferecido, através do cuidado na manipulação dos materiais de coleta, como
relatórios, diários de campo e gravações de áudio. Estes materiais foram
manipulados apenas pelo pesquisador e pelo orientador do trabalho e todos
eles serão destruídos após o término do mesmo;
f) O TCLE foi apresentado no momento do convite e, após a leitura pelo
convidado, foi concedido tempo para a decisão em participar, garantindo, se
necessário, a consulta de outra pessoa de confiança para auxiliá-lo na
decisão. Foram redigidos termos diferentes para migrantes e profissionais de
saúde (Apêndices E e F), de modo a buscar uma maior aproximação do
texto com a compreensão de cada grupo de sujeitos. Foi informada a
necessidade de assinatura do TCLE, bem como rubrica do participante e
pesquisador em todas as folhas do mesmo. O mesmo foi confeccionado em
duas vias, ficando uma em posse do participante;
g) Por ser uma pesquisa envolvendo seres humanos existem riscos potenciais
para os participantes. Sendo uma pesquisa realizada através de reuniões de
grupo, existiram os riscos de constrangimento na interação com os pares,
invasão de privacidade, interferência na vida e na rotina dos sujeitos. Nas
dimensões psíquica, moral e intelectual também houve riscos, como a
exposição de valores e opiniões perante os demais integrantes. Os mesmos
foram minimizados através de uma condução de grupo que priorizasse as
informações relevantes à pesquisa e evitasse constrangimentos ou
exposições desnecessárias. Também através de ambiente reservado e
respeito à privacidade dos sujeitos. Os materiais impressos e digitais como
diário de campo, transcrição de oficinas e grupos focais, gravações de áudio
foram manipulados em ambiente reservado, apenas pelo pesquisador e
orientador e serão destruídos após o término da pesquisa.
5 ITINERÁRIOS DE MIGRAÇÃO6: aspectos demográficos e sociais, motivações e expectativas.
Não há como lançar um olhar sobre este processo migratório sem deparar-se,
em primeiro lugar, com a dimensão do deslocamento. Neste país continental, estas
duas regiões, Sul e Nordeste, distam mais de 2000km entre si. As cidades
representadas na amostra desse estudo, por sua vez, distam entre 2500 e 2900 km
de Itajaí (GOOGLE MAPS, 2016). Esse deslocamento não é feito em menos de dois
dias, por via rodoviária, não incluindo-se o tempo de conexões, e tem custo próximo
a 1 salário mínimo vigente (CLICKBUS, 2016). Por via aérea, pode-se chegar em
algumas horas, mas o custo varia com a antecedência da compra (de 1 a 3 salários
mínimos) e o volume de bagagem é bem mais restrito, considerando que se trata de
mudança de domicílio (DECOLAR, 2016).
As primeiras percepções da presença dos migrantes no território já davam
conta da predominância de emigrantes do Estado de Sergipe, de Aracaju ou de
municípios próximos. Ao conversar com trabalhadores de outras UBS´s, as falas
apontavam a presença de outros migrantes do Nordeste, de Estados como Ceará,
Bahia e Pernambuco, por exemplo, cada qual agrupado em uma área geográfica do
município. Esta característica de distribuição acaba por resultar em equipes de ESF
que atendem a migrantes de origem diferente a de outra área contigua ao seu
território.
Num trabalho baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) (OLIVEIRA, A.T.R.; ERVATTI, L.R.; O´NEILL, M.M.V.C., 2011), a
região Nordeste aparece no geral como área de expulsão populacional, mas a
Região Sul é a que menos absorve nordestinos, em comparação com as demais. O
Estado de Sergipe também aparece com taxas mais baixas de migração de retorno
que o restante da região.
Os dados da pesquisa serão apresentados aqui em conjunto com os do
estudo preliminar, favorecendo a análise comparativa dos mesmos, em busca de
consistência interna.
Quando foi realizado o estudo preliminar, confirmou-se a maioria de
sergipanos, com 71%, enquanto Bahia e Pernambuco contribuíram com 13% cada,
restando 3% do Maranhão (WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015). Já o grupo focal
foi formado por moradores vindos de duas pequenas cidades, uma de Sergipe e
outra da Bahia7.
Encontrou-se uma predominância de jovens, entre 21 e 30 anos (53%),
seguidos de 18% entre 18 e 20 anos, 16% entre 31 e 40 anos e 13% entre 41 e 50
(n=38). Os estados civis predominantes foram casado e união estável, somando
74%, seguidos de solteiro (21%) e divorciado (5%). Entre os informantes principais,
77% eram do sexo feminino, dado este que não pode ser extrapolado para o total de
migrantes, já que as entrevistas foram realizadas em domicílio, no horário comercial,
muitas delas tendo referido estar o cônjuge no trabalho. Informaram ainda, que 63%
deixou alguém do núcleo familiar em seu local de origem, enquanto 37% migrou com
o núcleo familiar completo. (WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015).
A migração feminina costuma ocorrer num momento posterior à colocação do
homem no mercado de trabalho. A grande distância do deslocamento é apontada
como causa, pelo aumento do risco envolvido no processo. Em dois casos foram
citadas famílias em que o marido estava desempregado e as esposas empregadas
no Nordeste. Os primeiros vieram antes, e após a garantia do emprego elas os
seguiram:
Meu esposo veio pra cá, ficou um ano mais ou menos e, e eu lá ainda. E depois eu vim pra cá acompanhar ele (sujeito 02).
Como eu trabalhava lá, eu nunca tinha a expectativa de vim. Aí casei, meu marido saiu do emprego ‘eu vou pra lá’. Eu digo: ‘vai na frente, você vai e vê como é e depois eu vou, porque se você não gostar, cê volta eu tô em casa’. Aí ele: ‘não, venha, já tô trabalhando, o que eu ganho dá pra nós dois’. Tá bom (sujeito 05).
Os jovens são o grupo etário com maior propensão a deslocar-se, o que
poderia ser explicado, segundo Oliveira e Jannuzzi (2005) por motivos como a
entrada no mercado de trabalho, maior desprendimento em deixar o seu local de
origem ou mesmo por ter menor dificuldade em adaptar-se a novas situações. Os
autores também demonstram, através de dados do IBGE, que a migração para
acompanhar familiar situa-se na primeira posição em relação ao motivo do
deslocamento, principalmente entre os entrevistados femininos.
Do universo de 136 pessoas, haviam 29 crianças, das quais 22 de até 5 anos,
ou 16% do total de migrantes. Metade dessas crianças pequenas já estavam
frequentando creche e outras 7 aguardavam vaga (WEITZEL; COELHO; CORAZZA,
2015).
A decisão por trazer os filhos é outro dilema vivido pelos migrantes. Segundo
os relatos, estes são, muitas vezes, deixados com parentes no Nordeste, até que
haja condição de trazê-los, o que inclui conseguir a vaga na creche municipal ou
buscar na rede de apoio local uma forma de organizar-se no cuidado com os
pequenos. Ter um horário de trabalho diferente no núcleo familiar é uma das
estratégias percebidas. No questionário, 39% das famílias tinham ao menos um
integrante trabalhando no horário noturno. A fixação prévia no mercado de trabalho
de pelo menos um dos integrantes da família também aparece como estratégia para
reunir novamente a família. As falas abaixo ilustram estas observações:
A grande maioria das pessoas que eu conheço veio na mesma situação. Assim: marido veio na frente, depois veio com os filhos. E tem muitas também que não trouxe os filhos. Justamente por saber que aqui tinha muita chance também de, de trabalho pra mulher. E aí com os filhos fica um pouquinho mais complicado, desde que não tenha alguém de confiança, prá deixá (sujeito 02).
No meu caso ia trazer minha família toda. Agora, se num surgir o emprego vou ter que voltar (sujeito 01).
Aí eu penso assim, se eu tivesse coragem de deixá a minha filha lá na Bahia com minha mãe eu já tava trabalhando faz tempo. Só que, né, fica, distância, né, prá algumas mães é fácil. Prá mim é uma complicação ficá longe dela. Aí disse assim: num dá. Também aqui eu não conheço muita gente pra pegá a minha filha (sujeito 02).
Trazer os filhos eleva ainda mais o risco que migrante tem de permanecer
desempregado, sofrer com exclusão social, pobreza e baixos salários
(PFARRWALLER; SURIS, 2012). O fato de ter filhos desestimula a migração
também de acordo Justo e Silveira Neto (2009), principalmente para as regiões mais
distantes do país, devido ao custo maior envolvido. Já quando optaram por deixa-
los, estes passaram a ocupar um papel central “na vida real e no imaginário” de
mulheres migrantes, abordadas no estudo de Tossin e Santín (2007, p. 435),
levando a profundos conflitos psicológicos.
E, além do exposto acima, migrar com filhos também trouxe dificuldades
relativas à moradia. Os sujeitos da pesquisa foram unânimes em afirmar da
tendência dos proprietários de imóveis de aluguel em não aceitar a presença de
criança nos mesmos. Uma delas diz ter se revoltado com o fato, que obrigou a
família a alugar um imóvel mais caro do que o pretendido para que fosse aceita a
presença da filha.
Ao investigar a escolaridade, a pesquisa preliminar encontrou 79% dos
entrevistados com ensino fundamental completo, enquanto 16% com até 7 anos e
5% com mais de 11 anos de estudo (n=38) (WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015).
Estes dados vem corroborar com a literatura, pois o perfil do migrante interno
brasileiro é de jovens de até 30 anos, casados e com pelo menos 8 anos de
escolaridade (JUSTO; SILVEIRA NETO, 2009).
Quanto aos motivos da vinda, as respostas se concentram em torno das
condições de trabalho e renda, sendo que o desemprego no local de origem parece
ter sido o fator determinante. Apesar disso, alguns migrantes deixaram seus
empregos no Nordeste para acompanhar o cônjuge, este sim, com dificuldade em
empregar-se. A busca de melhoria na renda familiar com vistas a benefícios
previdenciários futuros também foi relatada:
O que me fez vir pra cá foi justamente desemprego, porque lá o meu esposo não tava conseguindo emprego (Sujeito 02).
A gente vem às vez em busca de pegar uma melhoria a mais, dum salário melhor, porque do jeito que tá a crise, pra pegar uma aposentadoria um pouquinho mais elevado. (sujeito 05).
Os deslocamentos populacionais têm correspondido, na maioria dos casos, à
mobilidade da força de trabalho (OLIVEIRA, 2011). Nas últimas décadas, entretanto,
a modernização dos processos produtivos no pós-fordismo trouxe mudanças
profundas na dinâmica desses deslocamentos. Tem se intensificado a rotatividade
migratória, acompanhando "a fluidez do mercado de trabalho" (BAENINGER, 2012,
p. 22).
A tônica da migração parece estar bastante presente no contexto de vida
desses indivíduos em seus municípios de origem, pelo que se percebe nas falas:
Eu moro lá há trinta anos. Nunca trabalhei lá. Só fora, só fora. Comecei a trabalhar desde os vinte anos, assim, de carteira assinada. Mas nunca trabalhei lá. Sempre trabalhei fora, sempre viajando (sujeito 01).
Porque lá, antes do meu esposo viajar, meu irmão já tinha viajado. Meu primo, que é filho dela [aponta para o sujeito 04] também já teve que viajar pra procurar trabalho, pra trabalhar fora. Vários outros primos de uma outra cidadezinha próxima, que é Dias Dávila, também, todos espalhados (sujeito 02).
Eu tenho vários amigos que tá espalhado pelo Brasil. [...] praticamente os meus colegas de infância, não tá nenhum lá. Todos foram viajar (sujeito 01).
Em busca de compreender os fatores que podem estar envolvidos neste
processo, teóricos estruturalistas defendem que as diferenças entre as regiões de
origem e destino exercem um papel mais determinante, mas que as redes sociais
acabam por conferir estabilidade ao fluxo migratório (OLIVEIRA, 2011). Boudon e
colaboradores (1990) definem rede como uma forma de compreender a capacidade
de um grupo de agir coletivamente, estando os comportamentos dos indivíduos
baseados nas relações entre eles. Já Berkman e Krishna (2014) defendem que esse
conceito traz uma forma de enxergar as propriedades estruturais das relações entre
pessoas, para explicar comportamentos como atividade política, papéis sociais e até
encontrar um emprego.
As migrações de longa distância são as que requerem uma colaboração mais
importante da rede social. O migrante recebe apoio da sua rede já instalada no local
e, após, reproduz este comportamento, fornecendo informações e apoio para outros
potenciais migrantes (TILLY, 1990, apud CUNHA, 2005). Este autor também sugere
que a influência das redes sociais faz com que os potenciais migrantes acabem por
restringir suas opções de destino àquelas em que possuam vínculos fortes. A fala
desta migrante ilustra o fato, pela descrição de uma rua que concentra muitos
moradores da sua localidade de origem:
Ah, aqui tem uma rua que a gente diz, aqui: Vila do Bonfim. De lá do povoado onde eu moro. Porque a maioria do povo aqui é de lá [...] Tudo do mesmo lugar, lá, onde a gente mora (sujeito 05).
A atuação da rede social, na realidade estudada, inicia-se antes da migração
em si, através do incentivo dos migrantes já estabelecidos para a vinda dos novos.
Os primeiros exercem forte influência na intermediação de postos de trabalho, além
de prestarem auxílio aos recém-chegados, inclusive oferecendo moradia provisória,
como pode-se ver abaixo:
No caso do meu esposo foi isso: tinha alguém que conhecia ele aqui, e sabia que ele já estava desempregado lá, e [...] entregô o seu currículo (sujeito 02).
Todos esses que tão aqui, filho, irmão dela, sobrinho, amigos, vizinho, tudo o que tá aqui hoje, o marido dela [sujeito 02] que trouxe, depois que ele começou a trabalhar (sujeito 03).
Porque a gente tem o hábito de um ajudar o outro. Chegou estranho, não tem pra onde ir, a gente tá com a casa pequena, mas a gente acolhe. Espreme, mas acolhe o que chegou (sujeito 05).
Esta ajuda mútua que ocorre dentro de uma rede ou grupo, funciona como um
recurso, um bem que os indivíduos podem utilizar nos momentos de necessidade. É
o chamado Capital Social (KAWACHI; BERKMAN, 2014).
No caso de conseguir um emprego, a importância da rede social é bastante
enfatizada pelos migrantes. A busca por qualificação para melhoria da
empregabilidade não é ressaltada. Já a indicação por amigos ou parentes mostra-se
tão importante na região de origem quanto em Itajaí, como se pode ver no diálogo:
-[...] pra trabalhar, como eu te disse, privilegiando as pessoas que tem mais, mais valorizado, mais valorizado (Sujeito 01).
-Que tem curso superior (Pesquisador)?
-Não, não é curso superior. É conhecimento. Conhecimento, assim, porque lá, lá é ficha muito assim de conhecimento (Sujeito 01).
-Conhecimento que vc quer dizer é... (Pesquisador)
-É amigo de alguns grandes lá dentro, entendeu? Pexada, como a gente fala lá (Sujeito 01).
-Lá dizem que é pexe grande que emprega os outros. E é mais ou menos como aconteceu aqui, né. Porque às vezes vinha um encarregado de fora e trazia todo mundo de fora. E aí quem era de lá não conseguia vaga, porque vinha já a mão-de-obra toda de fora. Mais ou menos o que deve tá acontecendo aqui também (Sujeito 02).
Esta estratégia, bastante comum nas migrações, é apoiada nas relações
entre os migrantes já estabelecidos com os empregadores e com outros
conterrâneos. O primeiro torna-se o principal agenciador de emprego para os recém-
chegados. A atividade seria, segundo Barbosa (2005), lucrativa para todos os
envolvidos no processo, já que o recém-chegado tem a garantia do sustento, o
funcionário antigo tem o bônus da indicação a seu favor, enquanto o empregador
consegue um funcionário tutelado pelo mais antigo, ambos podendo ser cobrados no
caso do novo não corresponder às expectativas.
Quando interrogados sobre a permanência em Santa Catarina, os resultados
dão conta de diferentes expectativas do processo migratório. Na pesquisa
preliminar, 50% dos entrevistados revelaram que não pretendiam voltar, 26%
pretendiam retornar dentro dos próximos 5 anos e 24% após 5 anos ou mais (n=38)
(WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015). Nas falas também foi percebida alguma
divergência. Alguns vem com uma meta específica, como acumular fundos para
construir ou reformar a casa própria no Nordeste. Outros determinam um tempo de
permanência, sempre dependente das condições de empregabilidade em Itajaí,
como pode-se perceber abaixo.
A gente vem sempre com a ideia de ficar. Ficar o máximo, até trazer a minha família pra cá. Minha intenção era ficar um tempão, uns 6 anos, 7 anos, o que puder, eu fico (Sujeito 01).
Enquanto tiver trabalho (Sujeito 04).
Bom, eu tenho, mesmo, o meu objetivo é vim, terminar a minha casa que tá em construção, ter um pouquinho sustentável numa conta, e voltar. Porque o custo de vida aqui é caro, é alto (Sujeito 05).
Os resultados mostram um grupo de jovens migrantes que se deslocou de
grande distância em busca de melhores condições de vida e trabalho. As famílias
vieram, em grande parte, de forma assíncrona, tendo um cônjuge migrado primeiro,
para trazer o restante da família após a garantia do emprego. Muitos casais
deixaram os filhos com parentes no Nordeste, devido à dificuldade em garantir vaga
na Educação Infantil. A rede social mostrou-se essencial no processo migratório,
atuando como fomentadora tanto da decisão pela migração, quanto do apoio ao
migrante recém-chegado no território.
6 “ LÁ E AQUI” : reflexões sobre trabalho, moradia, cultura e atendimento em
saúde.
Neste capítulo foram reunidos dados de diferentes dimensões, mas que
apresentaram em comum a tônica da comparação. Percebeu-se que sempre que
estes assuntos foram desvelados, as falas convergiam para as confluências e
divergências entre estes aspectos nos locais de origem e no de destino.
Na dimensão do trabalho, os relatos de desemprego nos locais de origem são
bastante presentes:
[...] porque lá o desemprego tá grande. E como aqui ouvi dizer que tem uma oportunidade melhor, aí eu vim tentar a sorte aqui, em Itajaí. Porque lá o desemprego, não acha nem de servente. Não acha nada. Lá o emprego tá ruim (Sujeito 01).
Tem amigos nossos lá que, da época que meu marido tava desempregado, ele continua. São quase três anos parado. Quase três anos desempregado. Vivendo de bico, como pedreiro, como pintor (Sujeito 02).
Os informantes relatam que o mercado de trabalho nos seus municípios está
muito relacionado com os empregos públicos, pequenos comércios e prestação de
serviços, este último muito ligado à terceirização da mão-de-obra. Em comum, os
dois municípios representados possuem instalações da Petrobrás, nas áreas de
prospecção e logística, mas é unânime entre os migrantes a percepção de que a
instalação da petrolífera não impactou no mercado de trabalho local, tendo sido
trazidos os quadros de funcionários de outras localidades, inclusive nas funções
operacionais, através da contratação de empresas terceirizadas.
Terceirização é isso, uma firminha pequena é empregada na Petrobas. Só que essa firma terceirizada já vem com as pessoas dela. [...] é do Rio, Macaé, São Paulo, mas nenhuma é de lá. Terceirizada nenhuma é de lá (Sujeito 01).
A informalidade, já demonstrada pelos dados da pesquisa preliminar, também
aparece nos relatos, muitas vezes como a única forma de rendimento:
Cada um se vira como pode lá, porque é uma cidade pequena (Sujeito 01).
Lá eu desenrolo alguma coisa. Lá eu tenho como fazê uns serviço de eletrônica (Sujeito 01).
Alguns dados do estudo preliminar dão conta de que, comparado com o local
de origem, em Itajaí houve considerável aumento na renda familiar bruta (Figura
6.1), além de melhora no vínculo empregatício (Figura 6.2). Percebe-se que todos os
que estavam trabalhando no período da pesquisa tinham vínculo formal, enquanto
no local de origem quase todos estavam na informalidade.
Em Itajaí, 16% das pessoas entrevistadas afirmou trabalhar como ajudante de
serviços gerais, outros 16% como auxiliar de produção, 8% como soldador, 8%
como cozinheiro e 10% está inserida em outras profissões. Ainda tivemos 24% que
declararam-se do lar e 18% dos participantes, no momento da pesquisa, estavam
desempregados.
Figura 6.1 – Comparação da renda familiar atual com a renda anterior à migração.
Considerou-se o salário mínimo vigente à época da publicação: R$ 788,00. N=38 Fonte: entrevistas realizadas, 2015.
Figura 6.2 – Comparação entre o vínculo empregatício da cidade de origem com o local atual.
N=38 Fonte: entrevistas realizadas, 2015.
Trabalhar em funções subalternas é uma característica muito presente na
literatura que trata do tema. A situação de dependência econômica força o migrante
a aceitar postos de trabalho que o morador local não demanda (RONDA-PEREZ et
al, 2014).
Para efeito de comparação dos dados entre a pesquisa preliminar e esta,
cumpre salientar que os primeiros foram coletados cerca de 6 meses antes da
pesquisa qualitativa. Nesse período, houve considerável aumento do desemprego
no município, pelo recrudescimento da crise econômica e desaceleração de grandes
obras da construção naval a que alguns entrevistados estavam direcionados. Nessa
segunda etapa, há forte percepção de mudança do cenário de emprego em Itajaí,
nas falas:
A crise que tava lá, há dois anos atrás, tá chegando aqui, agora. Então a gente tá vendo começá aqui agora essa crise (Sujeito 02).
-Até quando eu vim passava carro, né, anunciando vaga (Sujeito 02).
-Era mesmo? Chegô a um ponto, assim...? Parece conto de fada. Parece até sonho (Sujeito 02).
Este último diálogo remete a período recente em que carros de som
passavam pelos bairros periféricos anunciando vagas de emprego. Apesar de não
haver dados disponíveis, a percepção geral é de que neste período a migração se
intensificou. Também através de conversas informais, percebia-se, há alguns anos
atrás, que os migrantes não permaneciam por muitos dias desempregados. Muitas
vezes chegavam sem nenhuma proposta concreta e conseguiam trabalho
rapidamente.
Na pesquisa atual verificou-se dificuldades importantes, como um indivíduo há
mais de 6 meses desempregado:
Ele [o marido] veio pra cá como montador de andaime. Aqui conseguiu a oportunidade de ser promovido pra encarregado. E voltou a ficar desempregado aqui, mas, no momento em que a gente entrava em contato com nossos amigos, conhecidos de lá que sabia que todos continuavam desempregados, a gente, não, vamo pra lá fazer o que? Vamo pra lá fazer o que? (Sujeito 02).
Neste outro relato o sujeito veio da Bahia por indicação de parentes.
Conseguiu entrevista de emprego, mas não foi efetivado. Sendo o único provedor da
família, enfrenta agora o dilema de insistir por mais um tempo, gastando as
economias da família, ou retornar para buscar alguma ocupação informal.
Eu saí da Bahia com o dinheiro da passagem pra ver esse emprego. Não, tá fichando, tá. Cheguei aqui, bati com a porta na cara. Eu já tô assim, tô impaciente, tô querendo voltar pra Bahia. O que eu tô gastando aqui, ou bem pensar na minha família, ou bem pensar em ficar aqui. Tô gastando aqui, minha família tem que mandar dinheiro pra mim (Sujeito 01).
[...] aqui não tem nada, eu, pra correr. Porque eu não conheço a cidade direito, eu. Aí lá eu sei onde correr, qualquer beco que tem eu sei onde, onde encontrá o meu ganha-pão, pelo menos. Pelo menos o dinheiro de um pão todo dia, um real, eu tenho onde ganha (Sujeito 01).
Algumas falas também expõe a preocupação de que vagas de emprego
estejam sendo negociadas. A corrupção estaria ocorrendo através de funcionários
de empresas de Itajaí que ofereceriam indicações para emprego em troca de
suborno:
-Fora que, assim, conta-se à boca pequena, que a volta pra empresa8 pode ser financiada. Tipo, se você tem o dinheiro, você molha a minha mão, faz-me rir [risos], você volta. Se não, vá bater cabeça por aí (Sujeito 02).
-Agora olha a que ponto chegou, você ter que comprá um trabalho?! Quinhentos reais eu ouvi falar que era, né... (Sujeito 01).
-[interrompe] Se vc tiver quinhentos reais você volta. Tipo conversinha de pé de orelha. Se vc tiver eu vejo o que eu consigo pra você. Quem deu essa colaboração retornou pra empresa (Sujeito 02).
Aqui parece haver a interação de três fatores: empregos de baixa exigência
de qualificação; forte tendência à empregabilidade a partir de indicação; e o aumento
do desemprego a partir do recrudescimento da crise econômica. Esta somatória,
associada à presença de indivíduos mal-intencionados, vem trazendo mais
dificuldades e insegurança a este grupo populacional.
Com dificuldade de buscar emprego por ter trazido a filha da Bahia, uma
migrante resolveu empreender. Aproveitando a presença de inúmeros nordestinos
no território, passou a fazer acarajés para vender, aos finais de semana, num
espaço preparado na própria casa. Ela relata que num período de desemprego do
marido, a atividade foi essencial para a sobrevivência familiar.
As condições de moradia sempre estiveram no foco do trabalho com as
famílias migrantes vinculadas às equipes de ESF. Percebeu-se que a vinda dos
migrantes acabou por impulsionar o mercado imobiliário local. Muitos moradores
investiram em pequenas construções anexas aos seus próprios domicílios,
quitinetes agrupadas utilizando parte do terreno de moradia, ou mesmo quitinetes
construídas em todo o terreno. As características dessas construções são bastante
semelhantes. Alguns são do tipo quarto-sala-cozinha conjugado, outros possuem
quarto separado, mas raramente contam com mais de um quarto. As condições de
ventilação e iluminação são comprometidas pela disposição das unidades que, até
onde se investigou, não possuem responsável técnico ou alvará sanitário. Muitos
Quando a par�icipan�e fala em “re�ornar para a empre�a”� referecon�ra�o� �ipo “emprei�ada”� encerrando o� con�ra�o� de �rabal�o e recon�ra�ando quando
dos proprietários locam estes imóveis sem contrato formal ou intermediação de
imobiliária, inclusive sem a exigência de fiador, motivo pelo qual, imagina-se,
tornam-se atraentes para os recém-chegados. Pouco antes da realização destes
estudos, verificou-se a interdição de um desses conjuntos por parte da vigilância
sanitária. O local já havia sido foco de trabalhos da equipe de saúde, e contava com
esgotamento sanitário a céu aberto e abrigava 14 famílias em um terreno de pouco
mais de 200m2.
Durante a realização do trabalho preliminar, verificou-se que todos os
informantes residiam em Itajaí em imóvel alugado, sendo que no seu município de
origem, 86% dos entrevistados residia em casa própria (n=38). Na tabela 6.1,
percebe-se que o maior percentual de domicílios encontra-se na faixa de 4 a 6
cômodos, com 4 moradores, pelo qual os mesmos pagavam um valor de aluguel
entre R$ 551,00 e R$ 750,00 reais na data da entrevista. Este valor, por sua vez,
comprometia 21 a 50% da renda familiar para 21 das 38 famílias entrevistadas, e
passava de 50% da renda para 7 famílias (WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015).
Dota (2012) afirma que a posse do imóvel é um fator de redução da
vulnerabilidade social dessas famílias. Em sua pesquisa no interior do estado de
São Paulo, verificou que em média apenas 25% dos migrantes habita em casa
própria logo após a chegada, valor que fica ainda menor nas famílias de baixa
renda.
Na pesquisa qualitativa, o assunto moradia ficou bastante atrelado ao custo
de vida no geral. Os moradores reclamaram dos valores de aluguel, quando
comparados aos praticados nos municípios de origem, mesmo relacionando com o
aumento do rendimento. Também houve queixas relacionadas à adequabilidade dos
imóveis, que se situavam em nível inferior ao domicílio destas famílias no local de
origem.
Com o valor que a gente paga aqui de aluguel, lá nessa cidade eu estaria morando de frente pra praia, numa casa de pelo menos três quartos. [...] Eu morava lá numa casa, sala, cozinha, não era conjugado, banheiro, um quarto, e eu pagava duzentos e oitenta reais. Aqui a gente paga quase setecentos (Sujeito 02).
O custo de vida maior compromete principalmente os recém-chegados que
não vieram com garantia de emprego, ou mesmo os que perderam o emprego em
Itajaí. Eles relatam a difícil escolha entre exaurir as reservas financeiras para se
manter no Sul em busca de emprego, ou frustrar as expectativas regressando ao
Nordeste.
Tabela 6.1 – Relação de gastos com moradia, número de cômodos e número de moradores por residência.
Variável Número %
Valor gasto com aluguel
R$ 350,00 a 550,00 7 18%
R$ 551,00 a 750,00 28 74%
R$ > 750,00 3 8%
Número de Cômodos
1 a 3 9 24%
4 a 6 27 71%
6 ou mais 2 5%
Número de moradores por casa
1 2 5%
2 7 18%
3 8 21%
4 12 32%
5 7 18%
6 1 3%
7 1 3%
N=38 Fonte: entrevistas realizadas, 2015
Mas o custo de vida aqui é alto. [...] do mesmo jeito que o salário (Sujeito 05).
Às vezes o salário chega até a não compensar, porque lá o salário é baixo, mas o custo é baixo. Aqui o salário é alto e o custo até ultrapassa o salário (Sujeito 03).
A dificuldade pra gente se manter aqui desempregado é o custo de vida, que é muito alto (Sujeito 02).
Anteriormente, já se discutiu a questão dos proprietários dos imóveis, em sua
maioria, não aceitarem locar para famílias com crianças. Além disso, verificou-se
também que os migrantes reclamam da falta de liberdade no uso do imóvel, como
proibição de reunir amigos ou se expressar culturalmente:
Ah, onde eu moro, moro aqui perto, já diz direto: não quer criança, não gosta de festa, não quer som alto (Sujeito 05).
E a gente tem um costume, chegou sexta-feira por diante, aí um já liga pro outro: venha pra cá! Vamo passá um almoço e tal. Não, mas aqui o povo não gosta dessa folia. Mesmo que a gente tá pagando a quitinete da gente, aquele espaço da gente. Mas eles não quer. É assim esse negócio: oi, oi, entrou, saiu, acabou. Num é aquele negócio de sentar pra tomar uma cervejinha, pra tá conversando, dando risada, ele não gosta. E é o conforto da gente, como estamos distantes da família, é os conhecidos (Sujeito 05).
Esta restrição posta ao uso do imóvel parece ser estabelecida pelas
diferenças culturais entre os migrantes e os moradores locais, proprietários dos
imóveis. Por se tratar de migração interna, não se esperaria que diferenças culturais
e de linguagem impactassem de forma muito importante no processo. Mas quando
se considera as dimensões do Brasil e sua multiculturalidade, um intercâmbio entre
regiões tão distantes pode acarretar estranhamentos capazes de afetar o migrante e
a comunidade local. As equipes de ESF locais já haviam realizado algumas
abordagens buscando essa aproximação, como uma reunião gastronômica do
Nordeste, que devido ao sucesso acabou tendo uma segunda edição.
No trabalho preliminar, os entrevistados foram apenas questionados se
haviam tido alguma dificuldade na adaptação ao lugar, referente à linguagem ou
alimentação. Trinta e sete por cento deles respondeu que teve dificuldade em
comunicar-se, enquanto 55% apresentou alguma dificuldade com a alimentação
(WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015).
No trabalho qualitativo, que se presta melhor a esse tipo de investigação,
surgiram falas ressaltando as diferenças entre “os de lá” e “os daqui”. Houve clara
aproximação entre os nordestinos oriundos de diferentes estados, e os mesmos
afirmaram que se relacionam muito melhor entre si, do que com os itajaienses. Os
registros geralmente convergem para as comparações do modo de vida e costumes
do seu local e os do local de destino.
Como fator confundidor na comparação entre as duas regiões geográficas,
pode-se aventar o fato de que no grupo focal participaram migrantes de pequenos
municípios do nordeste. Itajaí sendo uma cidade de porte médio, essas diferenças
podem dever-se apenas ou parcialmente à divergência no tamanho das cidades,
como pode-se perceber nos relatos:
Parece que vivem tudo de porta fechada. Lá não. Lá é um conversando com o outro, aqui é tudo porta fechada (Sujeito 01). E eles não se fala, não. É raro um vizinho se falar com o outro. É raro. Difícil. Lá, não. É um dum lado, aí senta na porta todo mundo cunversando, os vizinho todo. É um conversando com o otro. Sai daqui, vai pra casa do otro na otra rua. E bote conversa. [...] mas o povo daqui, a maioria, acho que num sabe nem o nome do vizinho do lado (Sujeito 05).
Pode-se perceber, por parte dos migrantes, uma forte crítica à pouca
interação social que eles percebem nos moradores locais. Este comportamento
impacta na tendência do migrante nordestino em estreitar e intensificar o convívio
social, ainda mais na condição de estar distante de sua terra natal, segundo eles
próprios, um motivo a mais para estreitar laços de amizade no entorno:
[...] e a gente que é nordestino gosta de som. Gosta de beber uma cervejinha, gosta de se reunir porque, como a gente tá distante da
família, os amigos que a gente tem, é a nossa família, os conhecidos. Porque um ajuda o outro (Sujeito 05).
[...] a gente sempre teve o hábito de fazer reunião de amigo, assim, pára todo mundo no final de semana, tomar uma cerveja (Sujeito 02).
-O povo daqui só quer trabalho, trabalho, trabalho (Sujeito 03).
-É. E faz um churrasco entocado, aqui (Sujeito 01).
Eles também argumentam que o fato de reunirem-se mais do que os
moradores locais acaba por lhes render má-fama. Consideram que nesse caso
sofrem discriminação, e rebatem as críticas queixando-se da tendência dos
moradores locais em acumular bens de capital e viver de aparências.
-[...] às vez tinha fama até de cachaceiro. De biriteiro. Muitos dizem. Porque, acham que a gente só gosta disso. E não é assim. [...] é discriminação com o nordestino (Sujeito 05).
-É discriminação. Eles tem que conhecer a gente melhor (Sujeito 01).
Olhe, a gente sergipano a gente come, se veste do jeito que a gente, paga nossas contas, cê vá vê se as quitinetes tá lá sem pagar ou não. [...] as geladeiras cheias de carne de churrasco pros amigos (Sujeito 05).
O reconhecimento do outro como diferente pode, por um lado, mostrar a
diversidade cultural como fator positivo, mas por outro, tem potencial para gerar
atitudes de discriminação e exclusão (RAMOS, 2009). Na fala seguinte, já se pode
perceber o desconforto causado pela diferença na forma de vestir-se:
Ah, o povo daqui, o povo daqui são muito assim, só gostam de andar no charme. Até pra ir no mercadinho só sabe ir de sapatilha [risos]. Se a gente vem de Havaiana, eles já olham estranho. [...] Eles olham assim pra gente. Gente, a gente tem que tá de unha feita porque se olham pra unha da gente, se a unha tiver feia já vai: é, é. Ou diz logo: é nordestino.” (Sujeito 05).
Eles olham. Olham torto mesmo. Essas não são daqui, são nordestinas (Sujeito 05).
A discriminação também é sentida pelos migrantes em outras situações,
inclusive quanto às características físicas. Uma informante relata um episódio
ocorrido numa cabeleireira que, segundo ela, quase a fez decidir pelo retorno ao seu
estado natal:
A maneira como ela falou comigo 'não trabalho com o seu tipo de cabelo', como se o cabelo crespo, o cabelo do negro, fosse algo, sei lá, desprezível, desprezível. Não dá pra eu trabalhar porque não é bom. Não posso trabalhar com o seu cabelo porque seu cabelo não é bom (Sujeito 02).
Outro motivo aventado por eles para a ocorrência de discriminação é a
disputa pelo mercado de trabalho. Derose, Escarce e Lurie (2007) ressaltam que o
preconceito contra os migrantes costuma se exacerbar quando estes competem
pelos recursos da comunidade.
Mas tem, tem um pouco disso, assim. Esse olharzinho, assim, torto. E fora coisas que eu já ouvi: ah é, as oportunidades pra quem é daqui já não existem mais porque vocês de fora vieram. Vocês que são de fora tiraram os empregos que tinha (Sujeito 02).
Já para Crochik (2002), o sujeito que discrimina terá essa atitude em muitas
circunstâncias, independente de explicações lógicas. Argumenta que, na visão
psicanalítica, a atitude discriminatória costuma corresponder a algo que se deseja
para si, mas é negado pelo indivíduo. Também ressalta a tendência discriminatória
de realizar generalizações, reduzindo o indivíduo às características que se vê, ou se
pensa ver, no grupo ao qual ele pertence. Analisando as evidências atuais sobre
discriminação e inequidades em saúde, Nancy Krieger (2014, pg. 63, tradução livre)
utiliza-se da teoria ecosocial para concluir que “inequidades ferem e discriminação
traz dano à saúde”.
Algumas percepções do diário de campo dão conta de que essa situação já
alertou outras pessoas da comunidade. Durante a coleta dos dados, ao visitar a
escola básica local, uma série de cartazes nos corredores ilustravam manifestações
culturais típicas do Nordeste, como a culinária, folclore, festas típicas, etc. A
atividade fora proposta por um professor de Geografia. Um estudo para avaliar a
presença de preconceito e discriminação entre os escolares seria de grande valia.
Em uma escola de São Paulo, Damergian (2009) encontrou atitudes discriminatórias
endereçadas aos estudantes nordestinos, inclusive por parte dos professores.
Talvez devido a essas dificuldades de convivência, eles demonstram a forte
tendência de aproximação com outros migrantes nordestinos, tanto para relacionar-
se socialmente, quanto para buscar algum auxílio.
Somos mais tratados com eles do que com os daqui, né (Sujeito 04).
[...] e assim, num sabe, num gostam de dar informação, de jeito nenhum. Eu espero o povo do lixeiro, o povo que varre rua, ou então um taxista, que eles são melhor de informar, porque se for pra perguntar pras pessoas de casa, daqui, alguns nem fala, dá as costa e entra pra dentro (Sujeito 05).
Essa tendência já havia aparecido claramente na pesquisa preliminar.
Quando questionados a quem recorrerem para prestar algum apoio, 55% utiliza a
rede de apoio familiar, somados aos 37% que buscam apenas amigos nordestinos,
restam 3% que buscam os amigos locais e outros 5% que não tem pessoas
próximas. No que se refere à participação em grupos na comunidade, 50% não
possuem sequer um grupo social, 18% vão à igreja e 32% reúne-se apenas com
familiares ou amigos do Nordeste (WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015).
Outro domínio investigado nos trabalhos foi a impressão geral sobre o
atendimento em saúde nos municípios de origem e destino, bem como a prevalência
de algumas condições de saúde.
A figura 6.3, com dados da entrevista preliminar, evidencia um alto grau de
satisfação com os serviços de saúde em geral, e de forma mais acentuada em Itajaí9
(WEITZEL; COELHO; CORAZZA, 2015). Já os registros do grupo focal, apontam
para uma avaliação diferente, criticando claramente o atendimento em saúde em
Itajaí, em detrimento do experimentado nos locais de origem. Cumpre reiterar as
diferenças entre os públicos dos dois estudos. Enquanto o primeiro abordou
migrantes advindos de 13 municípios diferentes, no estudo atual participaram
sujeitos de apenas 2 municípios. Dada a descentralização que ocorre na gestão do
Sistema Único de Saúde, a atenção prestada nos municípios pode ter uma diferença
considerável.
Outro fator a ser considerado para este entendimento é o perfil
epidemiológico da população de migrantes. A amostra do estudo preliminar traz
claramente o predomínio de jovens e, ao questioná-los sobre a presença de
doenças crônicas na família, apenas 6 famílias (n=38) relataram alguma condição
crônica. Ainda, em uma família havia um portador de necessidades especiais e em
duas haviam gestantes (WEITZEL COELHO; CORAZZA, 2015). Há que se inferir,
através deste perfil epidemiológico, que os migrantes tendem a utilizar mais a
demanda espontânea por serviços de saúde do que demanda programada.
Figura 6.3 – Comparação da satisfação com os serviços de saúde do local de origem e de Itajaí.
N=38 Fonte: entrevistas realizadas, 2015.
Os relatos sobre o sistema de saúde nos locais de origem, aparentemente,
dão conta de uma organização dos serviços voltada para o atendimento à demanda
espontânea, numa modalidade costumeiramente chamada de “ficha de porta”. Nesta
organização, o número de vagas de atendimento é fixo e as “fichas” são distribuídas
no início do turno. Como uma moradora descreve, isto leva os interessados a
chegarem à UBS cedo, para garantir atendimento.
[...] tal médico vai atender, vamo supor, na quarta. O clínico geral atende na quarta. Elas botam na porta do posto: dez vagas. O povo porque botou o hábito de ir cedo (Sujeito 05). A saúde lá é beleza. Saúde lá é boa. Pelo menos isso. [...] você é atendido certo lá. No momento certo. [...] você num passa duas horas, nenhuma hora esperando na fila de espera (Sujeito 01). Lá você chega no posto de saúde: eu quero fazer um preventivo. Tem os dias, dia de terça e dia de quinta. Você chega e: vim fazer o preventivo. A enfermeira vai lá e faz o preventivo (Sujeito 05).
Quando questionados sobre a demanda excedente do dia, a resposta de uma
das participantes demonstra que a articulação da rede de apoio no local de origem
pode estar suprindo essa demanda.
[...] aí a gente chama, e corre, aí o agente de saúde da rua... ‘olhe, minha filha, o meu filho tá doente. Tá com uma febre. E as vaga tá cheia. Eu quero que meu filho seja atendido’ (Sujeito 05).
O menor contingente populacional necessitando atendimento, no município de
origem, é uma explicação para a satisfação da população com os serviços
disponíveis, na opinião de uma das participantes. Segundo ela, a existência de
UBSs nos três povoados do pequeno município, facilita a distribuição de vagas de
atendimento, “[...] porque diminui, aquele pouco de pessoas que tem, praquela
quantidade de vaga (Sujeito 05)".
O atendimento público em saúde no outro município nordestino envolvido na
pesquisa também é elogiado por uma participante. Ela enfatiza a presença de
especialistas na Unidade de Saúde local, gerando dúvidas sobre se a organização
do sistema dá-se pela APS ou, de forma segmentária, através de especialistas
focais.
Enquanto o meu marido tava trabalhando, então eu tinha a carteirinha do convênio, plano médico e tal, mas eu não sentia tanta necessidade de procurar o convênio, dependendo da especialidade, porque lá eu encontrava. No postinho eu encontrava com facilidade (Sujeito 02).
A opinião que os migrantes trazem nos dois estudos sobre o atendimento em
saúde nos seus locais de origem foi discutida na oficina com os profissionais de
saúde locais. Entre estes, as opiniões divergem. Enquanto uns percebem os recém-
chegados com muitas necessidades não resolvidas nos locais de origem, outros não
identificam tamanha carência, exceto na área da odontologia, onde parece haver um
atendimento deficitário. Uma das informantes sintetiza que conforme o lugar de
origem no Nordeste, há diferentes percepções de necessidades não resolvidas.
[...] porque geralmente, dos locais que eles vêm, eles não tem assistência, ou é muito precária. Eles acabam vindo pra resolver tudo logo que eles chegam (Sujeito 11). A gente recebe pessoas de lugares diferentes do Nordeste. [...] eu já recebi pessoas que tinham uma atenção básica muito boa nos seus lugares, nos lugares de onde eles vêm. E aí, assim, não detectei essa, essa ansiedade pra resolver tantos problemas de uma hora pra outra (Sujeito 07). Na minha área a gente vê, também, essas diferenças. [...] mas reclamando sempre, assim, de uma atenção pior [pior no local de origem]. Na minha área...[odontologia] (Sujeito 08).
O principal foco das queixas sobre o atendimento em Itajaí está relacionado
ao acesso à demanda espontânea. Os migrantes reclamam de precisarem agendar
consultas médicas ou de enfermagem, às vezes para mais de um mês.
O tempo de espera daqui e de lá é muito diferenciado. Porque que nem, a gente vai, tem que agendar pra tal dia. Num sei como a gente vai fazer. [...] aqui a gente vai, só é atendido se for uma emergência.
[...] a gente tem que agendar. Aí espera, daí, num sei quantos dias ou meses (Sujeito 05). [...] dia quinze eu consegui marcar um clínico. Que marcou pra agora, dia quinze agora, de Outubro. Então, um mês a marcação (Sujeito 04).
Quando questionados sobre a qualidade do atendimento na Atenção Básica
do bairro, uma informante afirmou ter gostado do atendimento. Disse ter sido bem
atendida, apesar da demora no agendamento. Também salientou a rapidez na
realização de exames laboratoriais:
A diferença aqui é muita. O tratamento, você é atendido. Eu gostei. Foi ótimo. A gente é bem atendido. Eles demora, aqui, a marcação, mas o atendimento, quando você vai ser atendido, os exame a gente faz com rapidez. Que nem marcou, autorizou, no outro dia já pode ir na clínica ali mesmo. Já pode fazer (Sujeito 05).
Já em relação ao Pronto Atendimento municipal, outra informante sentiu-se
incomodada com a demora no atendimento médico, mesmo numa situação de dor
da filha, a demora tendo gerado a desistência em aguardar, medicando a filha por
conta própria em casa.
[...] e aí eu disse: ‘Não! Não vô ficar aqui esperando pesar quinze crianças até pesar a minha, pra que essas outras quinze ainda passem pelo pediatra, pra daí atender minha filha. Ela vai ficar aqui com dor de ouvido até amanhã de manhã!’ [...] Então é, talvez, muitas das situações de auto-medicação seja por causa dessa burocracia até você ser atendido num caso de emergência. [...] cê vai pegar um médico, vai chegar lá e vai perder o dia inteiro (Sujeito 02).
Avaliando a realidade europeia de migração internacional, Padilha (2013)
conclui que os imigrantes utilizam mais os serviços de urgência e emergência, em
detrimento de programas de prevenção e promoção da saúde. Aventou como
causas os diversos fatores envolvidos com a acessibilidade. Já autores brasileiros,
ao investigar a atenção à saúde para imigrantes bolivianos em São Paulo, encontrou
um bom percentual de utilização da APS, principalmente entre os imigrantes
chegados no Brasil há mais de 6 anos. Estratégias adotadas pelas equipes de ESF
locais parecem ter contribuído para esta aproximação (SILVEIRA; CARNEIRO Jr;
RIBEIRO et al, 2013). Estudando migrantes argentinos num município próximo a
Itajaí, Lopes (2005) encontrou resistência destes em procurar os serviços de saúde
locais, principalmente os serviços de urgência e emergência. Como no estudo
anteriormente citado, a autora também encontrou migrantes que formaram um bom
vínculo com serviços públicos de atenção primária e secundária, enquanto outros
mantinham seus vínculos terapêuticos de confiança em profissionais de saúde
conterrâneos.
A descontinuidade de tratamentos de saúde por causa da migração também
surgiu entre os relatos:
Eu já vim até com alguns exame, até, de lá, pra mostrar. Porque quando minha filha marcou a passagem eu já tava com o exame, mas num deu tempo de levar pro médico (Sujeito 04).
Essa descontinuidade já fizera parte repetidas vezes da experiência do
pesquisador no atendimento aos migrantes. Uma das situações terminou em
fatalidade. Uma senhora diabética com uma lesão infectada na perna chegou para
atendimento depois de três dias de viagem, foi internada mas não resistiu ao quadro
infeccioso. Ela veio contrariando a recomendação dos familiares, por estar há muito
tempo sem ver os filhos migrados. Trouxe o frasco de insulina no ônibus, sem
qualquer refrigeração. Diversos outros pacientes que aguardavam por exames de
média ou alta complexidade nos locais de origem precisaram de nova avaliação da
sua condição para, quando indicado, enfrentar outra fila de espera aqui.
Conclui-se que, ao realizar este deslocamento, os migrantes melhoraram sua
empregabilidade e sua renda, mas submeteram-se a condições de moradia mais
precárias, dispendendo grande parte do rendimento maior com aluguel. A interação
destes com os moradores locais é incipiente e as diferenças culturais são bastante
enfatizadas. De forma geral a atenção em saúde é bem avaliada, com críticas
principalmente ao acesso à demanda espontânea.
7 A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E A ATENÇÃO INTEGRAL AOS
MIGRANTES
Este capítulo descreve os resultados gerados na oficina com os trabalhadores
de saúde, e foi dividido de acordo com os momentos da atividade.
7.1 Definição de integralidade:
Ao optar por utilizar a integralidade como balizadora do cuidado prestado
pelas equipes de ESF aos migrantes do território, decidiu-se por realizar uma breve
intervenção com os integrantes do grupo de trabalhadores, buscando a
compreensão dos mesmos acerca do tema. As respostas de cada integrante foram
escritas em tarjetas e as mesmas foram lidas e explicadas por cada um, com
posterior discussão das definições com o grupo.
Entre as falas dos participantes, uma definição presente foi a de ter um olhar
mais abrangente sobre o indivíduo no seu contexto. Transcender o olhar biológico,
identificando os aspectos sociais e culturais, o trabalho, hábitos, pensares e crenças,
também esteve presente, como podemos observar abaixo:
Eu definiria em cuidar de todos os indivíduos da família, comunidade, em todos os aspectos, tanto na parte da saúde e como no social (Sujeito 10). Cuidar dos indivíduos como seres pertencentes a uma sociedade, respeitando sua cultura, também como um ser pensante com suas fragilidades além do físico. Então é cuidar dele, o que cerca ele, e que vai refletir na sua saúde como um todo (Sujeito 11). Atenção mais ampla, mais completa, do indivíduo, incluindo seu núcleo familiar, seu trabalho, seus pensares, crenças, sua situação atual, seus sonhos, seus hábitos, frustrações, enfim, tudo que irá refletir no corpo desse indivíduo (Sujeito 13).
O respeito à autonomia do sujeito na prestação dos serviços surgiu na fala de
uma das participantes:
Atender as necessidades do indivíduo, respeitando a sua visão e entendimento sobre as suas próprias necessidades, usando, para isso, diferentes pontos de vista (Sujeito 07).
Em relação aos "diferentes pontos de vista", a participante complementa que
seria a forma de unir o conhecimento do profissional de saúde com o olhar do
próprio indivíduo, no momento de escolher pela terapêutica ou forma de
enfrentamento da demanda, negociando as condutas. Esta colocação gerou certo
desconforto em outros participantes, demonstrando não ser consenso no grupo.
Este grupo de definições se articula com os preceitos da boa prática médica,
trazida por Rubem Mattos (2009), que pode ser compreendida também quanto à
prática dos demais profissionais de saúde. No seu ensaio sobre os sentidos da
integralidade, o autor agrupa nesse conjunto algumas recomendações que, se
utilizados no momento do encontro do profissional com o sujeito, contribuiriam para
uma atenção mais integral. Eles incluem: evitar a redução do olhar ao biológico; ter
sensibilidade para enxergar as necessidades do cidadão que procura ajuda, além
das demandas explícitas; ter o cuidado de não incutir o diagnóstico precoce ou a
busca de fatores de risco além do prudente, procurando assegurar o direito de todos
à saúde.
Já alguns participantes trazem definições relacionadas ao acesso a bens e
serviços de saúde, como abaixo:
Indivíduo ter acesso à saúde, com mais oferta de especialistas e resolução mais rápida dos casos (Sujeito 06). Compromisso com os pacientes. Acesso mais rápido às suas necessidades (Sujeito 09). Atender às necessidades de saúde de cada indivíduo, através da escuta qualificada, acolhimento e resolutividade das ações (Sujeito 12).
Estas falas remetem mais à definição constitucional da integralidade, esta
sendo um conjunto de ações e serviços articulados em níveis de complexidade,
combinando ações preventivas, curativas, individuais e coletivas (PINHEIRO, 2008).
Percebe-se, nas definições trazidas pelos participantes, um olhar mais
individual do profissional de saúde na sua prática, constituindo parte daquilo que ser
compreende por integralidade. Não aparece referência à organização do processo
de trabalho, mesmo que localmente, em busca de uma atenção mais integral. Mattos
(2009) traz esta categoria quando propõe que a organização das práticas seja mais
horizontal, evitando a verticalidade dos programas governamentais, para dar ouvidos
às necessidades da população atendida. Ele ressalta a importância da articulação
entre as atividades de prevenção, promoção e assistência à saúde, tanto na sua
concepção quanto na prática dos serviços. Estas ações articuladas também não
aparecem nas definições.
A referência ao acolhimento, trazida por uma das participantes, é a única
relacionada ao acesso à demanda espontânea no serviço. Mattos (2009) critica a
priorização das atividades programadas voltadas a determinadas faixas etárias ou
grupos de doenças e agravos, em detrimento da demanda espontânea. Segundo
ele, com esta atitude, os serviços deixam de atender a uma necessidade real da
população e perdem a oportunidade, inclusive, de rever e ampliar os protocolos
conforme a realidade local, embasando também as atividades coletivas.
Conclui-se que as definições trazidas pelos integrantes da oficina estão
vinculadas principalmente ao primeiro grupo de sentidos para integralidade,
conforme Mattos (2009), relacionado à conduta do profissional de saúde. Poucas
observações referem-se ao segundo grupo (processo de trabalho) e nenhuma está
relacionada ao terceiro grupo (políticas públicas especiais). Repensar as ações,
baseando-se nos preceitos da integralidade, segundo Roseni Pinheiro (2008, p.
257), tem obtido sucesso na "construção de novos saberes e práticas em saúde,
resultando em transformações no cotidiano das pessoas que buscam e dos
profissionais e gestores que oferecem cuidados em saúde".
7.2 Implicações da presença dos migrantes no território:
Estes relatos foram trazidos pelos trabalhadores de saúde participantes da
oficina, tanto individualmente, como durante a discussão em grupos realizada no
final desta. A escolha das temáticas dos grupos foi feita após a aproximação dos
relatos individuais em categorias, com a contribuição dos participantes.
Dificuldades de comunicação foram relatadas por alguns participantes,
segundo os quais, as diferenças do português falado nestas duas regiões tão
distantes do país dificultam de certo modo o diálogo. Diferenças culturais foram
ainda mais enfatizadas. Segundo uma participante, conhecer os costumes e a
linguagem é importante "para que se possa entender suas demandas para melhor
atendê-las" (Sujeito 07). Outro trabalhador ressaltou que essas diferenças regionais
dificultam as intervenções dos trabalhadores, mas que o aprendizado trazido pode
servir de enriquecimento cultural para ambas as partes. O grupo advertiu, entretanto,
que uma postura que acolha as diferenças depende do perfil de cada profissional,
algo que também pode ter sido influenciado pela formação.
Grande parte dos estudos nessa ótica analisa a migração internacional mas,
em menor escala, admite-se que o choque cultural entre os migrantes do Nordeste
brasileiro e os trabalhadores de saúde em Itajaí também exponha significativas
diferenças de linguagem e costumes. Essas diferenças contribuem de forma
relevante para o agravamento das dificuldades de acesso aos serviços de saúde,
trazendo a necessidade de buscar estratégias de aproximação (SILVA; MARTINGO,
2007).
Adaptar-se a outra cultura pode influenciar o estado de saúde dos migrantes
(PADILHA, 2013). Para a autora, a mudança nos hábitos alimentares e de estilo de
vida pode levar ao desenvolvimento de doenças como a desnutrição, obesidade,
câncer, diabetes, entre outros.
Já esta outra participante vai além, segundo ela:
Diferenças culturais, alimentares, saberes, prioridades no processo saúde-doença, a busca pela assistência, o direito ao acesso, são percebidos e vividos de forma diversa, o que nos desafia a refletir nossas ações com um olhar realmente diferente. Por exemplo: o azeite de dendê faz bem para constipação intestinal, a criança só precisa ser levada ao médico se estiver doente. A nossa cultura e o nosso processo de saber saúde-doença é percebido de uma forma diferente (Sujeito 12).
Nesta fala podemos perceber a compreensão dos diversos saberes que
compõe a cultura e a forma como estes se articulam à concepção de saúde de cada
indivíduo. Como consequência, tem-se que as diferentes formas de conceber saúde
determinam ações em saúde diversas (MAEYAMA; CUTOLO, 2010) e o profissional
de saúde local precisa levar em consideração essas diferentes concepções no
processo terapêutico.
Um segundo conjunto de falas concentrou-se na maior demanda de trabalho
para a equipe devido à presença do migrante. Do ponto de vista quantitativo, este
representa um aumento na população adscrita, já que as pequenas residências são
construídas em terrenos existentes e de forma desordenada. Qualitativamente,
alguns profissionais relataram estar tendo dificuldades em manejar situações
advindas de uma assistência prévia precária, particularmente na área da
odontologia, enquanto outros disseram que perceberam uma assistência prévia boa,
dependendo do local de origem do migrante.
Em alguns relatos, percebe-se que o aumento da demanda de trabalho não
tem relação direta com a condição de migrante, mas principalmente com a
rotatividade intensa de moradores nos domicílios ocupados majoritariamente por
eles. Esta rotatividade dificulta os processos de cadastramento e acompanhamento
por parte das ACS's, particularmente em condições que exigem mais atenção, como
doenças infectocontagiosas e gestação, por exemplo.
Também houve uma referência a que as diferenças de linguagem dificultariam
"fazer entender como funciona a saúde e a responsabilidade de cada indivíduo"
(Sujeito 09). Pode-se inferir, através disso, que esteja ocorrendo uma divergência
entre as necessidades expressas e a realidade do processo de trabalho da UBS, o
que pode estar na contramão da melhoria do acesso. A não ocorrência de relações
dialógicas entre os envolvidos é apontada como um importante entrave para se
atingir a integralidade (AYRES, 2009).
As trajetórias da migração foram ressaltadas por uma das participantes,
segundo a qual as motivações do deslocamento e da escolha por Itajaí, o trabalho, a
família, e as expectativas do processo, implicam no trabalho com este grupo
populacional.
Neste sentido, Castañeda e colaboradores (2015) argumentam que é cada
vez mais aceito que o contexto social dos indivíduos, assim como fatores como o
emprego, moradia e condições de vida, acesso à alimentação, entre outros,
interferem na condição de bem estar destes. Diante disto, os autores ressaltam que
estes determinantes sociais estão bastante ligados ao fenômeno migratório, seja nas
motivações que originaram o processo, seja nas condições de vida encontradas por
eles ao inserirem-se no local de destino.
7.3 Promovendo a atenção integral:
Respondendo ao objetivo de buscar estratégias e ações voltadas ao
atendimento integral ao migrante, apresentam-se aqui os resultados da discussão
em grupos com os trabalhadores de saúde na oficina realizada. Novamente recorre-
se ao agrupamento dos sentidos da integralidade (MATTOS, 2009), para facilitar a
organização das propostas apresentadas.
Em relação à medicina integral, no contexto da migração, o respeito à cultura
do migrante, suas crenças e concepções do processo saúde-doença foram citados.
Adotar uma postura acolhedora, buscando "ouvi-los em todas as necessidades:
biológica, social, de mobilidade" (Grupo 03, Trajetórias de migração).
Lidar com diferenças de costumes e concepções na saúde pode ser difícil
para os profissionais, acostumados com alguns preceitos da prática da APS.
Quando a compreensão do processo saúde-doença do paciente contradiz a do
profissional, pode ser difícil encontrar o limite entre o respeito e a necessidade de
intervir. Mas os profissionais precisam buscar reconhecer alguns desses limites,
como pode ser o caso de algum risco evidente à saúde (SILVA; RAMOS, 2010). O
reconhecimento, pelos próprios profissionais, de certa hostilidade e até mesmo
preconceito no trato com o migrante, também foi uma das percepções do estudo
acima. Derose (2007, p. 1263) adverte que "a percepção de discriminação pode
reforçar os sentimentos de estigmatização e levar à diminuição do uso de serviços
de saúde no futuro".
Também foram sugeridas atividades coletivas de promoção à saúde, que
permitissem as expressões culturais, como dança e culinária nordestinas, no último
caso repetindo uma atividade já realizada na UBS em anos anteriores. Através do
incentivo à expressão da cultura, também se buscaria a integração dos moradores
locais com os migrantes.
A comunicação entre os profissionais e os migrantes seria facilitada com a
construção em conjunto de um dicionário de termos próprios de cada localidade.
Também surgiu o interesse em confeccionar uma cartilha educativa, com o intuito de
reduzir as diferenças/preconceito.
Barreiras comunicacionais na prática em saúde com migrantes são comuns.
Na literatura, a migração internacional é a mais estudada nesse aspecto. Apesar
disso, em diversos momentos deste trabalho e do preliminar, e também na
experiência do autor, surgiram dificuldades importantes de comunicação. Tanto pelo
desconhecimento de termos e expressões típicas de cada localidade, quanto pela
incompreensão do sotaque, principalmente entre migrantes recém-chegados.
Equipes de ESF paulistas acompanhando migrantes da Bolívia enfrentaram esse
problema através da confecção de dicionários, cartilhas e materiais informativos em
espanhol, mas também com a contratação de ACS boliviano para integrar a equipe,
e a atuação junto a rádios comunitárias voltadas para o público migrante. A
integração cultural também foi alavancada através da participação de membros da
equipe em festas e feiras típicas que ocorrem no território (AGUIAR; MOTA, 2014).
Discutir o processo de trabalho na UBS foi uma necessidade levantada pelos
grupos. As particularidades do cuidado com o migrante poderiam ser discutidas em
reuniões conjuntas das equipes. Fatores dificultadores, segundo os integrantes,
seriam a falta de sensibilidade e colaboração mútua por parte de alguns
profissionais da UBS. Outros entraves ao processo de trabalho relatados foram a
existência de equipes incompletas e falta de pessoal administrativo para organizar
algumas demandas, como agendamento de consultas e exames especializados. A
Unidade conta com três equipes de ESF para uma população estimada em 8 mil
pessoas, número considerado adequado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2013).
Melhorar o acesso à demanda espontânea é levantado entre as
necessidades, mas a discussão emperra nas experiências anteriores da UBS com a
organização desta demanda na forma de "ficha de porta", cujo resultado é criticado
pela chegada de pacientes durante a madrugada para garantir vaga de atendimento.
O grupo não discutiu outras estratégias de melhoria do acesso, como repensar a
priorização do atendimento programático e passar a priorizar a demanda
espontânea. Mattos (2009) argumenta neste sentido. Segundo ele, esta mudança
permite aos serviços atender a uma necessidade real da população e, inclusive,
rever e ampliar os protocolos conforme a realidade local, embasando também as
atividades coletivas.
Informar os migrantes sobre os fluxos de trabalho na UBS e no restante da
rede, através de materiais expostos ou cartilhas impressas foi outra proposta trazida
pelo grupo.
A recente interação com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e
com a Residência Multiprofissional em Saúde da Família são apontados como
fortalezas. O grupo aponta que este matriciamento pode contribuir para a reflexão
das práticas, discussão do processo de trabalho, além de melhorar a resolutividade
de casos complexos.
Ações intersetoriais também foram pensadas, como a integração com a
Assistência Social, igrejas, formação profissional, etc., para compartilhar a
responsabilidade no cuidado aos migrantes nordestinos.
Neste sentido, Ayres (2009, p. 14) destaca que na busca da integralidade,
ações interdisciplinares, multiprofissionais e intersetoriais tem o propósito de "criar
as melhores condições para oferecer resposta efetiva às necessidades de saúde em
uma perspectiva ampliada".
Quando se pretende elencar exemplos de boas práticas no processo de
trabalho da Atenção Básica em busca da integralidade, o estudo de Andrade e
colaboradores (2013) sugere que são importantes o acesso facilitado, a integração
intersetorial, o matriciamento, o monitoramento de indicadores, a colaboração entre
os profissionais e a oferta suficiente de exames, consultas especializadas e
medicamentos.
A inexistência de políticas públicas específicas para tratar da problemática do
migrante no município também foi levantada. Sugeriu-se a pesquisa de indicadores
para compreender as particularidades desta questão. Uma ressalva foi a reclamação
de que o Plano Municipal de Saúde é engessado, dificultando a diversificação das
ações. Utilizar os conceitos da integralidade na elaboração destas políticas visa
incorporar tanto ações preventivas quanto assistenciais, e evitar que os sujeitos
envolvidos nelas sejam reduzidos a "objetos descontextualizados" (MATTOS, p. 63).
Estimular os migrantes a ocuparem os espaços de participação e controle
social também pode ser uma saída, na opinião dos trabalhadores. Isto poderia
contribuir para a discussão de políticas públicas voltadas a este público. A baixa
participação e o descrédito na resolutividade dessas instâncias pode dificultar esta
ação, segundo o grupo. As Conferências e os Conselhos de Saúde, nas três esferas
de governo, podem ser um meio de democracia participativa, ao oportunizarem que
os cidadãos tenham influência decisiva nas políticas públicas, desde a concepção
até a execução (VASCONCELOS; PASCHE, 2006).
Outras estratégias de atuação aparecem na literatura. No caso da grande
rotatividade de endereço dos migrantes no território, que também apareceu no
estudo de Aguiar e Mota (2014), a lógica cartográfica do trabalho da ESF foi posta
em xeque. Segundo os pesquisadores, há que se buscar a flexibilização das
normas, permitindo que migrantes que mudem a área do domicílio possam continuar
sendo atendidos por suas equipes originais por algum tempo. Isso garantiria a
manutenção do vínculo entre os profissionais e os usuários, sem o qual, a
potencialidade do programa pode ser comprometida.
Alguns pesquisadores sugerem soluções gerais para abordar a problemática
da saúde do migrante, como: melhorar a acessibilidade, empoderar os imigrantes,
ter sensibilidade para a cultura, focar na qualidade do cuidado, melhorar a
comunicação, buscar respeito mútuo, trabalhar com redes e interdisciplinarmente e
dispor de dados sobre as populações (DEVILLÉ; GREACEN; BOGIC et al, 2011).
Eles salientam, por fim, que uma atitude respeitosa, aberta e não discriminatória é a
base para todas as atividades que possam ser desenvolvidas.
Já Castañeda e colaboradores (2015) vão além, criticando os estudos que
envolvem migração e saúde e possuem a preocupação quase exclusiva com o
acesso. Segundo ele, dever-se-ia analisar de um espectro mais amplo, sob os
aspectos estruturantes da sociedade de acolhimento, para aumentar o potencial
dessas pesquisas em influenciar as políticas públicas de apoio aos migrantes.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho é fruto das inquietações advindas do encontro entre um
conjunto de pessoas atuando numa Unidade Básica de Saúde e outro que,
deslocado de sua região e de sua gente, buscou alento para alguns de seus
sofrimentos e necessidades em saúde.
A reflexão sobre as condições de vida, moradia, trabalho e renda, redes
sociais e cuidado em saúde, objetivou o estabelecimento de algumas estratégias de
atuação da equipe de saúde, podendo também servir de base para a elaboração de
políticas públicas voltadas aos migrantes.
Contribuíram para o percurso metodológico, experiências prévias do trabalho
do autor e equipe, um estudo descritivo-exploratório realizado em conjunto com
graduandas do Curso de Medicina, bem como um grupo focal com os migrantes e
uma oficina com trabalhadores de saúde e gestão municipal.
Os resultados mostraram indivíduos e famílias que, se não podem ser
considerados exilados de guerra ou vítimas de perseguições políticas, são também
deslocados em busca da sobrevivência. No contexto das novas formas de
organização do capitalismo, que enxuga a relação capital-trabalho através da
subcontratação, terceirização, produção sob encomenda e diminuição do quadro
funcional (OLIVEIRA, 2011) percebeu-se que muitos desses trabalhadores
encontram na migração a única forma de garantir a subsistência de sua família.
O deslocamento, neste caso, é bastante significativo, dada a distância
geográfica que separa as Regiões Nordeste e Sul do país, mas também pelas
marcantes "distâncias" que existem nos hábitos culturais e de linguagem entre essas
populações. A maioria dos migrantes estudados vem do estado de Sergipe, mas
Bahia e Pernambuco também aparecem entre as origens.
São, em grande parte, jovens em idade laboral, que fogem do desemprego e
do subemprego nos municípios de origem. Alguns vêm com a expectativa de
estabelecer-se em Santa Catarina, enquanto outros pretendem acumular capital
para investir na sua cidade ao retornar, mas em todos percebe-se uma sensação de
não-pertencimento ao local de destino, na forma como se referem ao "seu lugar".
Encontrou-se em muitos deles o dilema da separação familiar. Usualmente
um dos cônjuges realiza a migração primeiro, buscando estabelecer-se no mercado
de trabalho, para trazer a família num segundo momento. São comuns também os
casais que deixam os filhos pequenos com parentes no Nordeste, devido à
dificuldade em garantir vaga na educação infantil enquanto buscam emprego.
Com a mudança, a renda familiar teve consistente aumento, mas foi
significativamente comprometida pelos gastos com moradia e custo de vida geral
mais alto, gerando dúvidas quanto ao saldo da migração por alguns indivíduos. Mais
recentemente, o recrudescimento da crise econômica tem trazido a eles maiores
dificuldades em conseguir emprego, que antes era tido como quase garantido.
As dificuldades com moradia constituem-se nos altos valores de aluguel,
residências pequenas e insalubres, falta de privacidade e cerceamento de direitos
por parte dos locatários.
Identificou-se um importante desconforto dos migrantes com as diferenças
culturais existentes entre eles e os moradores locais, gerando, em alguns casos,
atitudes discriminatórias. Estes fatos parecem estar na gênese de outra
característica percebida: a convivência dos migrantes ocorre primordialmente entre
si.
A rede social mostra-se de vital importância nas trajetórias de migração.
Constituindo um forte capital social, ela atua nos diversos momentos do processo,
seja na motivação para a saída, seja na redução dos riscos associados ao
deslocamento, como garantia de emprego, moradia provisória, socialização,
adaptação, entre outros.
Os serviços de saúde pública oferecidos foram bem avaliados pelos
migrantes, tanto nas cidades de origem quanto em Itajaí. Nesta última, a crítica
principal foi em relação ao atendimento à demanda espontânea, considerada pouco
acessível pelos migrantes. Por serem essencialmente jovens, as demandas em
saúde costumam se resumir a necessidades imediatas. Na região de origem, os
relatos dão conta de que os indivíduos assumem uma postura ativa na busca pelos
seus direitos quando não encontram resposta imediata. O mesmo não parece estar
acontecendo no Sul. A tendência de maior procura de serviços de urgência e
emergência por migrantes aparece na literatura, mas iniciativas das equipes de APS
no sentido de melhorar o vínculo e a responsabilização com estes sujeitos consegue
inverter essa lógica.
A APS, principal porta de entrada no sistema de saúde, tem condições de
atuar nesta realidade, devido às suas características de basear-se em tecnologias
práticas, socialmente aceitas e cientificamente comprovadas, ser focada no
indivíduo e não na patologia, atender grande parte das necessidades dos usuários e
coordenar o cuidado quando este precisa ser fornecido em outro lugar (OPAS/OMS,
1978 e STARFIELD, 2002a).
Pautar essa atenção na integralidade é a melhor forma de atingir "os valores
de justiça, democracia e efetividade do acesso à saúde" (AYRES, 2009). A
integralidade foi definida pelos trabalhadores da UBS local principalmente pelos
seus sentidos relacionados à conduta individual dos profissionais de saúde, sendo
menos ressaltados aqueles relativos ao processo de trabalho e de políticas públicas.
Os trabalhadores identificaram uma série de implicações da presença dos
migrantes nordestinos no território. As diferenças culturais e de linguagem parecem
estar dificultando a interação de ambos, e a aceitação de alguns comportamentos
relacionados à saúde gerou divergências. O aumento da demanda de trabalho para
a equipe foi uma queixa, pelo maior adensamento populacional, alta rotatividade de
endereço destes moradores, e mesmo pelo acúmulo de necessidades em saúde
prévias, causadas por uma atenção pouco resolutiva no local de origem, percepção
que não foi unânime. A interferência das trajetórias de migração no cuidado em
saúde também foi enfatizado.
A estas dificuldades, somam-se aquelas do próprio sistema de saúde local,
em que todos os moradores estão inseridos, como as filas de espera para exames
de alta complexidade e consultas com especialistas focais, cirurgias eletivas, entre
outras, além de uma rede pouco integrada e muito burocratizada.
Com relação às propostas de ação apresentadas, uma postura acolhedora,
com respeito às diferenças culturais e de concepção de saúde e a identificação e
combate ao preconceito e discriminação foram relatados. Também foi aventada a
utilização de alguma forma de aproximação com a linguagem, como um dicionário
de termos de uso corrente em cada região. Sugeriu-se o estímulo a expressões
culturais, como danças folclóricas, música, culinária, entre outros, através de
eventos promovidos pela equipe. A ação intersetorial também foi lembrada, como a
integração com a assistência social, igrejas, formação profissional, etc. Para a
interferência na formulação de políticas públicas voltadas para o migrante, sugeriu-
se estimular a participação social dos interessados nos Conselhos e Conferências
Municipais
Entre as potencialidades da atuação das equipes no território, foi frisada a
interação com equipes de matriciamento. Já entre as dificuldades encontradas estão
a não ocorrência de reuniões gerais da UBS, falta de pessoal, perfil de alguns
profissionais e fragilidade do processo de atendimento à demanda espontânea.
Outras soluções apontadas na literatura podem auxiliar neste contexto. A
rotatividade de endereço dos migrantes, apontada pelos trabalhadores, pode ser
enfrentada com certa flexibilização das normas cartográficas do trabalho da ESF,
fortalecendo o vínculo. De forma geral, os autores sugerem a melhora na
acessibilidade, empoderar os imigrantes, ter sensibilidade para a cultura, melhorar a
comunicação, trabalhar em redes e dispor de dados sobre as populações. Além
disso, com um olhar nos aspectos estruturantes do processo, pode-se atuar em
políticas públicas especiais para esta população.
Pesquisas nas ciências sociais nos dão outra perspectiva importante. A de
que é essencial avaliar as regiões de origem dos migrantes, em busca dos
problemas estruturais que influenciam os deslocamentos. E que as políticas públicas
devem ser primordialmente implantadas no sentido de permitir que os cidadãos
encontrem condições adequadas de sobrevivência na sua terra, com a sua gente.
Como bem coloca Gonçalves (2001, p. 174), que o direito de ir e vir pode ser
interpretado também como o "direito de ficar".
Este trabalho constituiu-se em um grande desafio para o autor. A pouca
familiaridade com as ciências sociais obrigou o pesquisador à busca de conceitos
próprios dessa área, muitos dos quais não foram suficientemente apreendidos para
a utilização na pesquisa. Houve dificuldade em encontrar literaturas tratando da
migração interna no Brasil, em quantidade e amplitude suficientes, o que levou à
utilização de bibliografias mais antigas, além de algumas aproximações com a
migração internacional, por esta apresentar alguns aspectos comuns à migração
interna de longa distância. Outra limitação percebida muito tardiamente foi o amplo
escopo de abrangência da pesquisa. Se tivessem sido feitas escolhas entre um
número menor de aspectos do problema de pesquisa pretendido, o trabalho poderia
ter tido mais densidade e maturidade. De qualquer forma, entende-se que o objetivo
de lançar luz sobre um processo migratório pouco estudado foi alcançado. Outros
estudos, com diferentes metodologias, são necessários, entretanto, para que se
compreendam melhor aspectos aqui levantados. A realização de estudos com os
imigrantes internacionais, atualmente bastante numerosos nesta região do país,
também pode confluir, em conjunto com a presente pesquisa, para a elaboração de
políticas públicas locais de enfrentamento à questão migratória.
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APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA ESTRUTURADA (Pesquisa Preliminar)
Nome:
Idade: Sexo:
Estado Civil: Naturalidade:
Cidade de origem:
Profissão: Escolaridade (anos de estudo):
1) Há quanto tempo reside em Itajaí?
Até 6 meses ( ) 6 meses à 1 ano( ) 1 à 2 anos( ) 2) Reside com quantas pessoas? 3) Você tem filhos? Se sim, quantos? 4) Os filhos moram na mesma casa? 5) As crianças de 0 a 5 anos frequentam a creche? As crianças maiores de 5
anos estão na escola? Domicílio:
6) Quantos cômodos possui sua casa? 7) Quais as condições de saneamento: � Água encanada? � Tratamento da água no domicilio? � Tipo de esgoto:
8) Você está satisfeito com suas condições de moradia? Cite em uma escala de 1 a 5
9) Seu domicílio é próprio ou alugado? Qual o valor do aluguel?
Condições de trabalho
10)Alguém da família está procurando emprego? 11)Dos integrantes do domicílio, quais as jornadas de trabalho?
� Diurna � Noturna � Número de horas
12) O vínculo empregatício é formal ou informal? 13) Como você se desloca para o seu trabalho? 14)Qual a renda familiar?
( ) menos de 1 salário mínimo ( )entre 1 e 2 salários mínimos ( ) entre 2 e 3 salários mínimos ( ) mais de 3 salários mínimos
15) Em uma escala de 1 a 5, como você se sente satisfeito com seu trabalho?
Migração
16)O que motivou a migração? 17)Todo núcleo familiar mudou? Se não, quem ficou? 18) Porque escolheu vir para Itajaí?
19) Até o momento, você considera que suas expectativas em relação a mudança foram alcançadas? Cite em um escala de 1 a 5.
20) Você tem planos de retornar ao seu local de origem?
Local de Origem
21) Morava em casa própria ou alugada? 22)Qual o grau de satisfação com relação ao acesso a saúde? Cite em uma
escala de 1 a 5 23) Você e seu grupo familiar possuíam emprego?
Qual era sua faixa de renda? ( ) menos de 1 salário mínimo ( )entre 1 e 2 salários mínimos ( ) entre 2 e 3 salários mínimos ( ) mais de 3 salários mínimos
Saúde
24)Algum integrante da família possui algum agravo ou problema de saúde? Qual?
25)Algum integrante do grupo familiar é portador de necessidade especial? 26)Está utilizando o serviço de saúde? 27)Você esta satisfeito com o atendimento em saúde? Cite em uma escala de 1
a 5.
Redes sociais
28)Quando você necessita de ajuda a quem você recorre? 29)Você participa de algum grupo social? Grupo folclórico, religioso, ou outro
grupo social? 30)Você sente dificuldades de entender ou ser entendido pelos moradores
locais? 31)Você enfrenta dificuldades em relação aos hábitos alimentares?
APÊNDICE B - Roteiro para o Grupo Focal com os migrantes:
1-Apresentação do pesquisador e equipe de apoio, momento para dirimir dúvidas em relação ao Termo de Compromisso Livre e Esclarecido e Termo de Compromisso de Utilização dos Dados. Entrega dos termos assinados pelo pesquisador aos participantes e destes ao pesquisador. 2-Início da atividade com a informação dos objetivos do trabalho e acordo de participação (evitar falas simultâneas, evitar conversas paralelas, manter o foco no tema do debate e guardar sigilo das informações). 3-A condução da reunião será realizada na forma de perguntas abertas, em momento oportuno, buscando abordar os seguintes assuntos: - Trajetória de migração, motivações, escolha do lugar; - Condições de vida no local de origem e de destino; - Condições de trabalho, desemprego, vínculo empregatício e renda nos contextos; - Adaptação ao lugar, principais dificuldades encontradas;
- Redes sociais e suas influências em todo o processo; - Existência de preconceito ou discriminação; - Saúde: acesso aos serviços de saúde comparativamente.
Apêndice C - Roteiro para a oficina com os profissionais de saúde:
1-Apresentação do pesquisador e equipe de apoio. Devolução do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido e Termo de Compromisso de Utilização dos Dados previamente entregues. Tempo para dirimir dúvidas a respeito do mesmo. 2-Início da oficina com a informação do roteiro dos trabalhos e acordo de participação (identificar-se ao falar, evitar falas simultâneas, evitar conversas paralelas, manter o foco no tema do debate e guardar sigilo das informações). 3-Dinâmica de relaxamento e entrosamento. 4-Definição de integralidade: serão entregues tarjetas para que cada participante escreva a sua definição, em seguida as mesmas serão lidas e será buscado em conjunto com o grupo os pontos em comum. 5-Migrantes nordestinos no território: serão entregues tarjetas para que cada participante escreva quais são as implicações da presença destes migrantes no seu processo de trabalho, seguido de leitura das mesmas e agrupamento das similares. 6-Apresentação dialogada dos resultados da primeira etapa da pesquisa, bem como do trabalho preliminar. 7-Divisão em grupos, conforme o número de participantes e a quantidade de categorias agrupadas no item 5. Cada grupo terá um moderador da equipe de apoio do pesquisador e será convidada a responder dois questionamentos:
- Refletir sobre os pontos-chave para a melhoria das condições de vida, trabalho e saúde dos imigrantes. - Estabelecer estratégias e ações de enfrentamento para os problemas elencados na busca de promover atenção integral.
*Um pequeno lanche será servido aproximadamente na metade do tempo destinado à atividade.
APÊNDICE D - Tabela utilizada para a análise dos dados
Observações Texto Completo Unidade de Registro
Palavra chave
APÊNDICE E - Modelo de TCLE para os migrantes.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa: A migração interna no contexto da Atenção Primária à Saúde: promovendo a atenção integral. Ela está sendo desenvolvida através da participação do pesquisador no Programa de Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí, com a concordância da Secretaria Municipal de Saúde deste município. Os procedimentos éticos que regem esta pesquisa são definidos conforme a Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, rubrique todas as folhas e assine ao final deste documento, com as folhas rubricadas pelo pesquisador, e assinadas pelo mesmo, na última página. Este documento está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de não desejar participar, você não sofrerá nenhuma penalidade. Participar da pesquisa não trará nenhum favorecimento ou vantagem na utilização da Unidade de Saúde do Votorantim, bem como a não participação não trará nenhum prejuízo na mesma utilização. O objetivo geral desta pesquisa é analisar formas de promover atenção integral à saúde para um grupo de imigrantes do nordeste brasileiro, moradores do loteamento Votorantim, no Bairro Cordeiros, em Itajaí-SC. O pesquisador entende que conhecer melhor o contexto dessa migração, relacionado aos aspectos de habitação, trabalho, renda, redes sociais, cultura e costumes, motivações e trajetórias do deslocamento, bem como outros aspectos subjetivos que emergirem dessa discussão, pode contribuir com a qualidade da assistência prestada aos imigrantes por parte da Unidade Básica de Saúde local. Também serão discutidas as necessidades em saúde e a utilização dos equipamentos públicos e privados de saúde pelos imigrantes no município de origem e em Itajaí. Esta etapa da pesquisa será realizada com você e outros convidados na forma de uma oficina, com duração estimada em 3 (três) horas. Nesta oficina serão apresentados alguns dados da etapa anterior pelo pesquisador e após será estimulada a participação de todos através de questionamentos e provocações sobre o assunto relatado acima. Pode ser estimulado algum tipo de expressão corporal, como forma de promover a interação entre os participantes. Você tem o direito de não querer se expressar em qualquer uma das atividades propostas, sempre que ela signifique algum tipo de exposição à sua privacidade ou intimidade. O registro da oficina será feito através de áudio, vídeo e texto, bem como materiais produzidos pelos participantes. Estes registros ficarão de posse do pesquisador após a oficina, e o mesmo se compromete, através de termo de compromisso assinado, a guardar o sigilo e privacidade das informações contidas neles. Cabe a você, também, respeitar o sigilo e privacidade dos outros participantes da atividade, não divulgando informações destes surgidas no decorrer deste período. Os registros existirão na forma impressa e em meio digital apenas enquanto necessário para que seja feita a análise destas informações e seja escrito o relatório da pesquisa, na forma de Dissertação de Mestrado. Após a redação finalizada, todos os registros físicos ou digitais serão destruídos. Os resultados da pesquisa serão divulgados publicamente, mas sem a informação dos nomes dos participantes, que serão identificados através de nomes fictícios (outros nomes) ou por números. Você será convidado a participar de uma devolutiva dos resultados da pesquisa aos participantes, bem como acompanhar a defesa da Dissertação de Mestrado, ambos através de convite impresso, com data, hora e local a serem definidos posteriormente. Você pode desistir de participar da pesquisa agora ou a qualquer momento, se assim decidir. Para isso você deverá entrar em contato com o pesquisador e expressar a sua vontade, e não precisará explicar as razões para a desistência, bem como não haverá nenhuma penalidade ou prejuízo decorrente desta decisão. Você não será remunerado para participar da pesquisa, de acordo com a Resolução 466/12 do CNS, citada anteriormente.
Entre os riscos da participação na pesquisa, um deles é a exposição de informações pessoais, opiniões ou assuntos de sua intimidade com o grupo aqui reunido. Sempre que você não considerar adequada a exposição de alguma informação, não será insistido para que você se exprima. Você também pode experimentar emoções desagradáveis, como tristeza, culpa, estresse, relacionadas com o processo de migração e os assuntos que serão abordados durante a oficina. O pesquisador pretende, no entanto, acolher estas emoções no processo da oficina e, se houver necessidade, coloca-se a disposição para uma conversa individual ao final da atividade. Existe também o risco de que os registros escritos ou audiovisuais da oficina possam perder-se, ou serem inadvertidamente divulgados, sem o consentimento do pesquisador, comprometendo assim o sigilo e a confidencialidade das informações contidas. O pesquisador compromete-se a utilizar-se de todos os procedimentos de segurança ao seu alcance para evitar que pessoas estranhas à pesquisa tenham acesso a esses materiais. Os benefícios da pesquisa envolvem a promoção de atenção integral à saúde aos imigrantes internos residentes em Itajaí, mais especificamente por parte da Unidade Básica de Saúde do Votorantim. A pesquisa também pode servir de base para que outros equipamentos públicos de atenção à saúde, bem como a gestão municipal, compreendam a problemática da questão migratória no município de Itajaí e possam promover adequações nas suas ações ou nas políticas públicas envolvidas. Nome do Pesquisador: ______________________________________________ Assinatura do Pesquisador: __________________________________________ CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO Eu, __________________________________________, RG________________, CPF
__________________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como
sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação.
Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto
leve à qualquer penalidade ou interrupção de meu acompanhamento na Unidade de Saúde
local.
Itajaí, ___/___/___
Nome: ___________________________________________________________
Assinatura do Sujeito: ______________________________________
Telefone para contato: ______________________________________
Pesquisador Responsável: JULIO CEZAR CORAZZA Telefone para contato: (47) 3908-5750 e 3908-5749 E-mail: [email protected] Pesquisadores Participantes: STELLA MARIS BRUM LOPES (Orientadora) Telefones para contato: E-mail: [email protected]
APÊNDICE F - Modelo de TCLE para os trabalhadores de saúde.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa: A migração interna no contexto da Atenção Primária à Saúde: promovendo a atenção integral. Ela está sendo desenvolvida através da participação do pesquisador no Programa de Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho da Universidade do Vale do Itajaí, com a concordância da Secretaria Municipal de Saúde deste município. Os procedimentos éticos que regem esta pesquisa são definidos conforme a Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, rubrique todas as folhas e assine ao final deste documento, com as folhas rubricadas pelo pesquisador, e assinadas pelo mesmo, na última página. Este documento está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de não desejar participar, você não sofrerá nenhuma penalidade administrativa ou constrangimento de qualquer natureza no local de trabalho. O objetivo geral desta pesquisa é analisar formas de promover atenção integral à saúde para um grupo de imigrantes do nordeste brasileiro, moradores do loteamento Votorantim, no Bairro Cordeiros, em Itajaí-SC. O pesquisador entende que conhecer melhor o contexto dessa migração, relacionado aos aspectos de habitação, trabalho, renda, redes sociais, cultura e costumes, motivações e trajetórias do deslocamento, bem como outros aspectos subjetivos que emergirem dessa discussão, pode contribuir com a qualidade da assistência prestada aos imigrantes por parte da Unidade Básica de Saúde local. Também serão discutidas as necessidades em saúde e a utilização dos equipamentos públicos e privados de saúde pelos imigrantes no município de origem e em Itajaí. Esta etapa da pesquisa será realizada com você e outros convidados na forma de uma oficina, com duração estimada em 3 (três) horas. Nesta oficina serão apresentados alguns dados das etapas anteriores pelo pesquisador e após será estimulada a participação de todos através de questionamentos e provocações sobre o assunto relatado acima. Pode ser estimulado algum tipo de expressão corporal, como forma de promover a interação entre os participantes. Você tem o direito de não querer se expressar em qualquer uma das atividades propostas, sempre que ela signifique algum tipo de exposição à sua privacidade ou intimidade. O registro da oficina será feito através de áudio, vídeo e texto, bem como materiais produzidos pelos participantes. Estes registros ficarão de posse do pesquisador após a oficina, e o mesmo se compromete, através de termo de compromisso assinado, a guardar o sigilo e privacidade das informações contidas neles. Cabe a você, também, respeitar o sigilo e privacidade dos outros participantes da atividade, não divulgando informações destes surgidas no decorrer deste período. Os registros existirão na forma impressa e em meio digital apenas enquanto necessário para que seja feita a análise destas informações e seja escrito o relatório da pesquisa, na forma de Dissertação de Mestrado. Após a redação finalizada, todos os registros físicos ou digitais serão destruídos. Os resultados da pesquisa serão divulgados publicamente, mas sem a informação dos nomes dos participantes, que serão identificados através de nomes fictícios ou por números. Você será convidado a participar de uma devolutiva dos resultados da pesquisa aos participantes, bem como acompanhar a defesa da Dissertação de Mestrado, ambos através de convite impresso, com data, hora e local a serem definidos posteriormente. Você pode desistir de participar da pesquisa agora ou a qualquer momento, se assim decidir. Para isso você deverá entrar em contato com o pesquisador e expressar a sua vontade, e não precisará explicar as razões para a desistência, bem como não haverá nenhuma penalidade ou prejuízo decorrente desta decisão. Você não será remunerado para participar da pesquisa, de acordo com a Resolução 466/12 do CNS, citada anteriormente. Entre os riscos da participação na pesquisa, um deles é a exposição de informações pessoais, opiniões ou assuntos de sua intimidade com o grupo aqui reunido. Sempre que
você não considerar adequada a exposição de alguma informação, não será insistido para que você se exprima. Você também pode experimentar emoções desagradáveis, como tristeza, culpa, estresse, relacionadas com o seu processo de trabalho e os assuntos que serão abordados durante a oficina. O pesquisador pretende, no entanto, acolher estas emoções no processo da oficina e, se houver necessidade, coloca-se a disposição para uma conversa individual ao final da atividade. Existe também o risco de que os registros escritos ou audiovisuais da oficina possam perder-se, ou serem inadvertidamente divulgados, sem o consentimento do pesquisador, comprometendo assim o sigilo e a confidencialidade das informações contidas. O pesquisador compromete-se a utilizar-se de todos os procedimentos de segurança ao seu alcance para evitar que pessoas estranhas à pesquisa tenham acesso a esses materiais. Os benefícios da pesquisa envolvem a promoção de atenção integral à saúde aos imigrantes internos residentes em Itajaí, mais especificamente por parte da Unidade Básica de Saúde do Votorantim. A pesquisa também pode servir de base para que outros equipamentos públicos de atenção à saúde, bem como a gestão municipal, compreendam a problemática da questão migratória no município de Itajaí e possam promover adequações nas suas ações ou nas políticas públicas envolvidas. Nome do Pesquisador: ______________________________________________ Assinatura do Pesquisador: __________________________________________ CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO Eu, __________________________________________, RG________________, CPF
__________________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como
sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação.
Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto
leve à qualquer penalidade administrativa ou constrangimento de qualquer natureza no meu
local de trabalho.
Itajaí, ___/___/___
Nome: ___________________________________________________________
Assinatura do Sujeito: ______________________________________
Telefone para contato: ______________________________________
Pesquisador Responsável: JULIO CEZAR CORAZZA Telefone para contato: (47) 3908-5750 e 3908-5749 E-mail: [email protected] Pesquisadores Participantes: STELLA MARIS BRUM LOPES (Orientadora) Telefones para contato: E-mail: [email protected]