a mídia impressa na era contemporânea

7
1 A MÍDIA IMPRESSA NA ERA CONTEMPORÂNEA 1.1 OS JORNAIS E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE Quando abrimos um jornal para ler, realizamos uma pequena volta ao mundo. Ficamos sabendo o que acontece no bairro, na cidade, no país e em diversos pontos do planeta. Essa quantidade enorme de informações que chega em forma de notícia vai servir de base para montarmos uma visão pessoal de realidade. Ao ler o jornal, podemos ficar sabendo que uma rua perto da nossa casa estará com o tráfego interrompido, que o prefeito é acusado de corrupção, que o governador viajou à Europa, que a popularidade do presidente da República está em alta e que uma nova guerra separatista iniciou na Rússia, por exemplo. Uso a expressão “podemos ficar sabendo”, porque nem tudo o que acontece ao nosso redor se transforma em notícia. As agências regionais, nacionais e internacionais escolheram o que, segundo seus editores, era importante para os assinantes desse serviço, assim como o jornal local também escolheu o que considera relevante ou não para os seus leitores. Para explicar tal situação, recorro a Verón, citado por Prado (1987, p.15): “os acontecimentos sociais não são objetos que se encontram já feitos em alguma parte da realidade, cujas propriedades nos são dadas a conhecer de imediato pelos meios com maior ou menor fidelidade. Só existem na medida em que estes meios os elaboram”.

Upload: vini-escobar

Post on 15-Nov-2015

222 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

Quando abrimos um jornal para ler, realizamos uma pequena volta ao mundo. Ficamos sabendo o que acontece no bairro, na cidade, no país e em diversos pontos do planeta. Essa quantidade enorme de informações que chega em forma de notícia vai servir de base para montarmos uma visão pessoal de realidade. Ao ler o jornal, podemos ficar sabendo que uma rua perto da nossa casa estará com o tráfego interrompido, que o prefeito é acusado de corrupção, que o governador viajou à Europa, que a popularidade do presidente da República está em alta e que uma nova guerra separatista iniciou na Rússia, por exemplo.

TRANSCRIPT

1

1 A MDIA IMPRESSA NA ERA CONTEMPORNEA

1.1 OS JORNAIS E A CONSTRUO DA REALIDADE

Quando abrimos um jornal para ler, realizamos uma pequena volta ao mundo. Ficamos sabendo o que acontece no bairro, na cidade, no pas e em diversos pontos do planeta. Essa quantidade enorme de informaes que chega em forma de notcia vai servir de base para montarmos uma viso pessoal de realidade. Ao ler o jornal, podemos ficar sabendo que uma rua perto da nossa casa estar com o trfego interrompido, que o prefeito acusado de corrupo, que o governador viajou Europa, que a popularidade do presidente da Repblica est em alta e que uma nova guerra separatista iniciou na Rssia, por exemplo.

Uso a expresso podemos ficar sabendo, porque nem tudo o que acontece ao nosso redor se transforma em notcia. As agncias regionais, nacionais e internacionais escolheram o que, segundo seus editores, era importante para os assinantes desse servio, assim como o jornal local tambm escolheu o que considera relevante ou no para os seus leitores. Para explicar tal situao, recorro a Vern, citado por Prado (1987, p.15):

os acontecimentos sociais no so objetos que se encontram j feitos em alguma parte da realidade, cujas propriedades nos so dadas a conhecer de imediato pelos meios com maior ou menor fidelidade. S existem na medida em que estes meios os elaboram.

Portanto, boa parte da noo que temos de realidade chega atravs dos meios de comunicao. Assim, um acontecimento noticiado passa a existir na mente de milhares de pessoas que consumiram aquela informao. Ainda que seja uma pequena parte dos acontecimentos, conforme observa Alsina (1989). Neste sentido, o autor afirma que esta realidade que aparece nos meios uma realidade pblica, e, deste ponto de vista, uma realidade social.

A partir dessa idia, Alsina (1989, p.185) elabora o seu conceito de notcia. Para ele, a notcia uma representao social da realidade quotidiana produzida institucionalmente na construo de mundo possvel. Ou seja, aquilo que est sendo divulgado uma representao do que de fato aconteceu na sociedade e, como tal, pode ser apresentada de diversas formas.

O processo de impeachment, tema principal deste trabalho, se encaixa perfeitamente na viso de Alsina. Cada jornal estudado (Dirio Catarinense e A Notcia) apresentou a sua viso institucional sobre o mesmo episdio, estando presentes a os interesses pblicos ou no das respectivas empresas jornalsticas e da sociedade em que esto inseridas. No captulo 3, onde analisamos o material publicado sobre o acontecimento em estudo, podemos observar as diferenas de tratamento que uma mesma informao recebeu. O referido autor ainda observa que os acontecimentos so acompanhados por jornalistas que, por sua vez, possuem valores prprios e tm vinculao s empresas jornalsticas que de sua parte, esto preocupadas em informar a sociedade e obter lucro.

1.2 A REALIDADE DAS RUAS VIVIDA PELO PESQUISADOR

A partir do conceito de notcia elaborado por Alsina, gostaria de lembrar de duas experincias vivenciadas pessoalmente como reprter de televiso. Ao fazer a reportagem sobre a desapropriao de uma rea na parte continental de Florianpolis, logo me indicaram a pessoa que poderia falar comigo sobre o assunto. Era um homem de meia idade que, sombra de uma rvore fazia uma rede de pesca. Antes de falar qualquer coisa, o homem veio com a seguinte pergunta: De que lado est? Como assim?, respondi. O que tu pensas a respeito do nosso problema? No sei ainda. Acabo de chegar, retruquei. Em resumo, tive de ressaltar que ele no me conhecia, mas que sempre minhas reportagens eram pautadas pelo lado social, o lado da populao, o da maioria.

Diante dessa resposta, o homem decidiu dar entrevista e contar sua viso sobre o problema. Concluso: naquela comunidade, a informao era tratada como assunto estratgico. Qualquer deslize poderia prejudicar o andamento da questo. Por isso, logo que cheguei, indicaram-me o porta-voz da comunidade, a pessoa escolhida para falar.

Este fato serve para mostrar o quanto s pessoas, pelo menos naquela comunidade valorizam a informao tratada pela mdia. E, ao mesmo tempo, eles sabem que, dependendo do reprter e da empresa a ele vinculado, o resultado final, ou seja, aquilo que for noticiado, ser bastante diferente.

A tentativa de os moradores controlarem, ao mximo, a informao fornecida imprensa encontra respaldo no que diz Enzensberger (1978, p.67) a respeito da mdia, chamada por ele de indstria da conscincia: os mais elementares processos de produo, desde a escolha do prprio meio, passando pela gravao, o corte, a sincronizao e a mixagem, at chegar distribuio, constituem intervenes no material existente. Portanto, escrever, filmar ou emitir sem manipulao no existe.

1.3 OS JORNAIS NO BRASIL

A imprensa brasileira tem quase dois sculos de histria. O primeiro jornal do pas foi editado e impresso em 1808, na Inglaterra, sob o ttulo de Correio Braziliense. Os exemplares chegavam no Brasil de forma clandestina. que o peridico tinha como bandeira principal a independncia do pas, que, na poca, ainda pertencia a Portugal. Portanto, a imprensa brasileira nasceu lutando pelos interesses nacionais, no caso a emancipao poltica. A partir de 1822, o pas se torna independente e a incipiente imprensa nacional comea a florescer. Dentre os jornais fundados naquele perodo, um nunca interrompeu a sua circulao: o Dirio de Pernambuco, que, em novembro de 2000 completar 175 anos de fundao.

Hoje, segundo dados da Associao Nacional dos Jornais (ANJ), existem no pas 465 jornais dirios, responsveis pela circulao diria de sete milhes e 245 mil exemplares. Desse total 119 so filiados associao e apenas 62 tm a circulao conferida pelo IVC (Instituto Verificador de Circulao). Dentre eles, esto os maiores jornais do Brasil. Ainda de acordo com a ANJ, o faturamento dos jornais em 1999 alcanou a cifra de 1 bilho e 34 milhes de dlares, representando um crescimento real de 1,6% na fatia do bolo publicitrio nacional. Com esse incremento, o meio jornal detm hoje 23,8% das verbas publicitrias do pas. Em relao ao futuro dos meios impressos, os dados tambm so animadores. Nos ltimos nove meses, conforme a ANJ, cinco novos ttulos foram lanados com tiragem superior a 100 mil exemplares. A maioria deles, voltados para nichos de mercado bastante especficos como economia, esporte e notcias populares, aquelas dirigidas s camadas da populao que habitualmente no costumam ler jornal.

1.3.1 Os jornais vo sobreviver

Os proprietrios dos principais jornais brasileiros esto satisfeitos com o desempenho do setor. Nem a chegada da Internet ao pas impediu que a circulao mdia dos jornais dirios crescesse 69,43% entre 1990, saltando de 4,2 milhes de exemplares/dia para 7,2 milhes. Os nmeros ainda so pequenos considerando a populao do pas. Mas so animadores, pois foi nesse perodo que houve a maior adeso de usurios rede mundial de computadores. Em funo disso, as previses do norte-americano George Gilder (1994, p.120) a respeito dos jornais vm se confirmando. Segundo ele, os jornais vo sobreviver na era digital porque j nasceram interativos. Apesar de receberem um produto acabado, os leitores podem sorver as notcias de acordo com o seu ritmo e a sua prpria vontade..

No livro O papel do jornal, Alberto Dines (1986, p.77) j havia discutido o assunto. Para ele, o jornal vai sobreviver enquanto se mantiverem inalterada as seguintes condies:

a) informao personalizada isto , o jornal um produto dirigido a cada leitor em separado. Mesmo que cada exemplar seja lido em mdia por trs leitores, cada um deles encontra algo muito seu e muito prprio. Dines tambm escreve que quanto mais massificada forem a sociedade e a informao, mais o ser humano procurar formas exclusivas de informao. Essa observao faz lembrar do jornal Dirio Gacho, lanado este ano pelo grupo RBS, com objetivo de levar informao s classes sociais de menor poder aquisitivo da regio metropolitana de Porto Alegre. Com apenas alguns meses de vida, o jornal, dirigido a um segmento especfico da sociedade, j atinge a marca de 180 mil exemplares. Esses nmeros fazem parte de uma pea publicitria publicada 30 de julho de 2000, no jornal Zero Hora, de Porto Alegre;

b) periodicidade os jornais so dirios. Esse ritmo, segundo Dines (1986, p.78), faz com que o veculo resista ao desgaste do tempo e mantenha a curiosidade do leitor. Para o leitor de jornais, um dia sem eles um dia diferente;

c) amplitude o jornal amplo e universal. Naquele pequeno espao, sem os percalos do tempo, ele retrata a vida em todos os seus aspectos. O leitor governa a leitura do seu jornal; vale dizer, ele no est sua merc.

Estes dados constam do discurso feito pelo vice-presidente da Associao Nacional dos Jornais (ANJ), Francisco Mesquita Neto, na abertura no 53 Congresso Mundial de Jornais realizado em junho de 2000, no Rio de Janeiro.

Id, nota 3.

Estes dados constam do discurso feito pelo vice-presidente da Associao Nacional dos Jornais (ANJ), Francisco Mesquita Neto, na abertura no 53 Congresso Mundial de Jornais realizado em junho de 2000, no Rio de Janeiro.