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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós Graduados em Educação: Psicologia da Educação A mediação pelo educador em uma situação de jogo com regras explícitas EDILENE MODESTO DE SOUZA Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação: Psicologia da Educação, sob a Orientação da Profª Drª Claudia Leme Ferreira Davis. São Paulo 2005

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Page 1: A mediação pelo educador em uma situação de jogo com ... · insuficientes para que as crianças pudessem fazer suas necessidades, tais como: alimentar-se, utilizar o banheiro

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós Graduados em Educação: Psicologia da Educação

A mediação pelo educador em uma situação de jogo com regras explícitas

EDILENE MODESTO DE SOUZA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação: Psicologia da Educação, sob a Orientação da Profª Drª Claudia Leme Ferreira Davis.

São Paulo 2005

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BANCA EXAMINADORA

____________________________ Profª Drª Zilma Ramos de Oliveira

_______________________________ Profª Drª Claudia Leme Ferreira Davis

____________________________________ Profª Drª Mitsuko Aparecida Makino Antunes

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À Deus

Por ser o meu refúgio e a minha fortaleza

em todos os momentos.

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Aos meus pais Durval e Davina por

me dedicarem amor sem medida.

Obrigada, por que antes de partirem

para eternidade deixara-me

inúmeras lições de vida.

Page 5: A mediação pelo educador em uma situação de jogo com ... · insuficientes para que as crianças pudessem fazer suas necessidades, tais como: alimentar-se, utilizar o banheiro

Aos meus familiares

em especial às minhas irmãs Dilsa e Dalva,

pelo carinho, paciência e atenção.

Aos meus sobrinhos Ewerton, Aline,

Gustavo, Carol, Lara, Vitor, Vinícus e Clara

que me inspiram e enchem meu coração de alegria.

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Aos meus amigos, pelos conselhos e

pelas palavras de incentivo:

Profª Maria Angela Barbato Carneiro

Karem Ambra

Profª DrªVera Placco

Daniela Gracio

Cristiane Lázaro

Donata Barros

Andreia Bisuli

Xênia Salvetti

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Aos meus amigos e colegas:

Das disciplinas obrigatórias, em especial:

Vera Godoy, Heloísa, Renata, Jussara, Ana Maria e Tânia.

Do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP,

em especial: Bete, Alda e Tomé.

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A todos (as) os (as) irmãos (ãs) das

Igrejas Presbiteriana do Jaraguá e

Presbiteriana Independente de Vl. Brasilândia

pelas palavras de incentivo, pelo auxílio nos

momentos difíceis e pelas orações.

Em especial, Sergio Baena, Marcos Silva,

Pastor Adriano Siniscalchie e Sr. Adolfo Galvão.

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Aos participantes dessa pesquisa: às crianças e

às professoras, à diretora e à vice diretora

(da unidade educacional lócus dessa pesquisa).

Pela atenção e pelas importantes contribuições.

O meu muito obrigada.

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Ao CNPQ pela bolsa de estudos, sem a qual

seria muito difícil realizar essa pesquisa.

Obrigada pelo incentivo.

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À Claudia Davis, pelo carinho, pela paciência,

pelas valiosas sugestões e competência

com que orientou essa pesquisa,

principalmente nos momentos finais.

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RESUMO

O objetivo desse trabalho é verificar a eficácia da mediação exercida

pelo educador, em uma situação de jogo com regras explícitas, para

favorecer a aprendizagem de crianças de cerca de 10 anos, cursando

a 4ª série do ensino fundamental. O estudo valeu-se dos

procedimentos adotados em Bertoni (2002). Foram selecionadas

quatro crianças do sexo masculino e sem quaisquer problemas de

ordem cognitiva ou afetiva, que estivessem cursando uma escola da

rede pública estadual. O instrumento de coleta de dados foi adotado o

Jogo das Boas Perguntas (Bertoni, 2002), com algumas alterações em

relação às figuras. Ganha o jogo quem conseguir, por meio de 6

perguntas, identificar qual é a figura que foi escondida pelo adversário.

Esse ultimo, por sua vez, só pode responder ‘sim’ ou ‘não’ às

perguntas que lhes são feitas. A análise, de natureza qualitativa, foi

baseada em categorias referentes ao tipo de perguntas formulada, à

natureza do descartes e à conduta dos meninos no decorrer do jogo.

Os resultados mostraram que a mediação do pesquisador foi eficaz

tanto para que as crianças se apropriassem das regras do jogo quanto

para que as pudessem generalizar para outras situações semelhantes.

Esses resultados podem ser atribuídos ao fato do educador ter dado

às crianças: a) incentivos para permanecer na situação de jogo e

continuar jogando; b) modelos adequados acerca de como jogar esse

jogo específico; e, c) ajuda e pistas capazes de apontar as razões

pelas quais fracassavam.

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Abstract

The main goal of this study was to verify the educator’s mediation

efficiency in promoting 4th grade children to learn how to win a game

that has explicit rules. The participants of the research were four 10

years old boys, which did not present any cognitive and/or affective

problems, all of them studying at a public school ruled by the state

government. For data collection, it was adopted the same procedures

employed by Bertoni (2002) and Ribeiro (2001), i.e., the Game of Good

Questions (with minor alterations on the figures presented on the

cards) and the protocol of analysis. This game can be won when the

player are able to find out which is the figure hidden by his opponent,

making only 6 questions, whose answers are only ‘yes’ or ‘no’. The

data were analyzed through categories that assembled the type of the

question formulated, the nature of the discard and each boy’s conduct

along the game. The results show that the mediation of the educator

was efficient to promote the appropriation of the game’s rules as well

as to lead to generalization of such learning to similar situations. These

results can be attributed to the fact that the educator gave to the

children: a) incentives to stay in the game situation and to play it; b)

adequate models about how to play this specific game; and, c) help

and hints that were able to point out to the reasons for their failure.

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SUMÁRIO

I. Introdução......................................................................................14

II. Referencial Teórico ....................................................................... 19

2.1 Discutindo o conceito de jogo.......................................................19

2.2 O jogo como sistema de regras: as perspectivas disponíveis......22

2.3 A relação entre lúdico e aprendizagem.........................................31

III. Método ...........................................................................................36

3.1 Objetivo..........................................................................................36

3.2 Procedimentos...............................................................................41

3.3 Fases da coleta de dados..............................................................43

3.4 Referencial de análise...................................................................48

IV. Análise de Dados.......................................................................... 58

V. Considerações finais.....................................................................121

VI. ANEXOS.......................................................................................128

VII. Bibliografia Consultada ...............................................................138

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ANEXO I

Entrevista realizada com as professoras

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ENTREVISTA REALIZADA COM AS PROFESSORAS

1) Qual é o comportamento do aluno durante às aulas? (Fica atento

durante às explicações?; concentra-se para realizar às tarefas

propostas, etc.)

2) O aluno participa ativamente das atividades sugeridas?(Em quais

situações participa mais?)

3) Como o aluno se relaciona com você?

4) Como o aluno se relaciona com os colegas?

5) Em linhas gerais que outros aspectos relacionados ao

comportamento do aluno devem ser considerados? (Informações

sobre a família, em outras situações fora de sala de aula, etc.)

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ANEXO II

Protocolo de registro do comportamento da criança em relação à tarefa

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PROTOCOLO DE REGISTRO DO COMPORTAMENTO DA CRIANÇA EM RELAÇÃO À TAREFA

ASSISTÊNCIA INDIRETA Envolvimento Não envolvimento Concentração Dispersão Flexibilidade Rigidez Tolerância à frustração Não tolerância à frustração Cooperação Oposição Tranqüilidade Agitação ASSISTÊNCIA DIRETA Envolvimento Não envolvimento Concentração Dispersão Flexibilidade Rigidez Tolerância à frustração Não tolerância à frustração Cooperação Oposição Tranqüilidade Agitação PÓS-TESTE Envolvimento Não envolvimento Concentração Dispersão Flexibilidade Rigidez Tolerância à frustração Não tolerância à frustração Cooperação Oposição Tranqüilidade Agitação

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ANEXO III

Figuras utilizadas no Jogo das Boas Perguntas (JBP)

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I. INTRODUÇÃO

Antes de apresentar meu problema de pesquisa, farei um breve relato das

minhas trajetórias pessoal e profissional, destacando algumas fases que considero

importantes para que melhor se compreenda a escolha do tema a respeito do qual

irei dissertar. Não o farei por saudosismo, mas porque uma coisa não pode ser

desvinculada da outra. Começo dizendo que o meu tema de pesquisa nasce na

minha infância, algo que pode parecer inadequado por sugerir que essa foi uma

escolha imatura. Não é esse o caso, como se verá adiante.

Tive o privilégio de ser tratada e respeitada por meus pais desde que nasci.

Minha infância foi economicamente pobre, porém rica quanto às brincadeiras, aos

jogos e aos brinquedos que, quando não comprados, eram feitos por mim e por

amigos parceiros de diversão. Sentia-me livre para criar, imaginar e construir. Um

dia, a brincadeira acontecia no quintal e, outras tantas vezes, na rua. Latas de leite

em pó logo se transformavam em “pés de lata”; caixa de sapatos em cama para

bonecas; lata de marmelada e tampinhas de metal, em lindos e barulhentos

pandeiros. E, assim, a brincadeira acontecia com coisas muito simples, para alguns

como meras engenhocas e tranqueiras, mas para nós, motivo de orgulho e de

alegria. Eram frutos de nossas mãos!

Ingressei na “pré-escola” aos cinco anos e sem dúvida foi uma experiência

inesquecível. Era uma escola pública municipal que não atribuía à alfabetização uma

posição de destaque. Após esses dois anos iniciais, fui para uma escola pública

estadual na qual permaneci por quatro anos. Em sala de aula passávamos a maior

parte do tempo realizando cópias dos livros e das lições da lousa. O brincar nesta

escola, ficava restrito aos vinte minutos do recreio. Passei para a quinta série do

ensino fundamental II e mudei novamente de escola, que, também, era pública

estadual e onde permaneci até a conclusão do ensino médio. Não fui uma aluna

excepcional, mas conhecer sempre foi algo que me deu e ainda me dá muito prazer.

Ainda sobre questões relacionadas a ludicidade, na minha adolescência ela

também teve seu lugar. Claro, o repertório das brincadeiras lentamente foi mudando,

mas as brincadeiras de rua continuavam e, a cada dia, os jogos iam ocupando um

lugar especial. Nesta fase, notei que o inevitável estava acontecendo: eu estava

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crescendo e tive que fazer algumas escolhas, inclusive, e principalmente a escolha

profissional.

Em 1994, prestei vestibular na FATEC. Não estava certa quanto à escolha do

curso, mas, influenciada por amigos, acabei prestando informática. Felizmente, não

passei. Em 1995, novamente, candidatei-me à universidade e enfrentei um novo

exame, desta vez na PUC-SP. Estava mais segura de mim mesma e optei pelo

curso de Pedagogia. Confesso que não me identifiquei de imediato com a proposta

curricular, demorando alguns meses para sentir que esse era um caminho sem volta.

No segundo ano, como matéria obrigatória, tive que fazer estágio, o que

implicou no meu retorno à escola estadual de ensino fundamental e médio após três

anos. Escolhi, para começar, aquela onde estudei da 1ª à 4ª série, localizada na

zona norte de São Paulo, em uma região empobrecida, marcada pelo crescimento

desordenado da população e considerada uma das mais violentas da cidade.

Ao nela entrar, percebi que poucas coisas haviam mudado: tudo parecia tão

igual! A diretora autoritária, os professores conteudistas e o espaço físico mal

utilizado. Ainda que não esperasse encontrar um espaço transformado, notei que as

crianças haviam mudado e muito. O que mais me incomodava era a impressão de

que elas se pareciam miniatura de adultos, preocupavam-se em namorar, queriam

realizar tarefas que lhes parecia conferir um status de “gente grande”, mantinham-se

arrumadas durante todo o período em que permaneciam na escola, além de

possuírem uma linguagem pouco peculiar a idade delas.

Vale dizer, também, que os quinze minutos destinados ao recreio eram

insuficientes para que as crianças pudessem fazer suas necessidades, tais como:

alimentar-se, utilizar o banheiro e encontrar os amigos para brincar. O recreio era

para nós uma ocasião muito especial, nosso momento para fugir do clima de

seriedade e cair na brincadeira.

Nesta escola, por exemplo, este tempo era gasto com brigas, com “guerra” de

merenda e em constantes atos de vandalismo. Poderia, para estas crianças, ser um

momento melhor aproveitado. Talvez isso acontecia por não terem um repertório

mais rico. Questionei, então: Porque as crianças não brincam? Por que a escola não

promove atividades lúdicas? Por que não se ensina às crianças a lerem o mundo

através dos jogos, dos brinquedos e das brincadeiras?

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Brincar é algo peculiar à infância e de extrema importância para o

desenvolvimento motor, afetivo, social e psíquico (Chateau, 1987) e para conquistar

condições básicas para o exercício da cidadania. A infância é, portanto, uma das

fases mais importantes para que as crianças se desenvolvam e se preparem para a

vida adulta. É na brincadeira que se estabelecem laços de amizade, que se aprende

a fazer escolhas e a desenvolver a criatividade. As brincadeiras retratam os adultos,

trazem à luz os conflitos vividos nas situações cotidianas e apresentam, às crianças,

problemas que elas são capazes de resolver.

Impedida de brincar, a criança não se apropria das regras embutidas no jogo

de faz-de-conta, não desenvolve o seu imaginário e não confronta pontos de vista. A

infância confinada aos pequenos espaços que abrigam a televisão e os vídeos-

games parece-me ter horizontes restritos, imaginação menos livre, menores

oportunidades de interagir com o outro e, portanto, de desenvolver a empatia e de

transitar por diferentes formas de significar a vida. Certamente, outras habilidades

são desenvolvidas pelas crianças e pelos adolescentes de hoje, mas ignoro quais

são elas. Temo, no entanto, estar assistindo a um processo de “adultização” da

infância, frente ao qual não posso ou, melhor dizendo, não podemos ser omissos.

Concluí o estágio naquele ano, durante o qual observei sistematicamente a

escola e seu dia a dia. Constatei que “não se fazem mais crianças como

antigamente” e me senti impotente por não ter podido, nem sabido, fazer algo que

pudesse mostrar a importância e o quão gostoso é brincar. Em 1996, iniciei um

trabalho na Associação Brasileira de Brinquedotecas que, na época, funcionava no

“Prédio Velho” da PUC-SP. Não sabia ao certo do que se tratava esta associação,

mas mesmo assim a curiosidade em saber o que era feito naquele espaço era maior

do que o medo de encarar um novo desafio. Minha função era a de atender pessoas

que tinham interesse ou, que já possuíam conhecimentos sobre questões

relacionadas ao brincar. Foi aí que resolvi buscar mais informações sobre o assunto

em várias publicações que me eram disponíveis. Pude, assim, suprir minha

curiosidade inicial, ganhando subsídios teóricos para aprimorar minha atuação na

brinquedoteca.

Outro episódio importante que acentuou meu interesse por esse tema foi um

encontro na PUC-SP, denominado “Conversando sobre Educação”. Promovido pela

Faculdade de Educação, consistia em um dia de oficinas pedagógicas gratuitas,

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desenvolvidas e ministradas por alunas(os) dessa área. Foi uma das experiências

mais marcantes e estimulantes que tive e que contribuiu para que eu continuasse

explorando assuntos relacionados à ludicidade. Após este encontro, outros vieram,

não só na PUC-SP, mas também em outras instituições de ensino.

Em 2001, deixei a Associação de Brinquedotecas e, em seguida, fui trabalhar

como coordenadora pedagógica em uma creche conveniada com a prefeitura de

São Paulo, na qual eram atendidas crianças de zero a cinco anos. Foi uma

experiência curta, porém muito rica, pois possibilitou confrontar teoria e prática.

Algumas propostas foram bem sucedidas, outras frustrantes. Sai da creche no

mesmo ano e, a partir daí, comecei a repensar minhas ações. Essa reflexão foi

profícua: retomei meus estudos dando prioridade às questões lúdicas, mas sem

deixar de me dedicar a outros temas.

Tive a oportunidade de realizar alguns trabalhos nesse campo e, aos poucos,

fui-me dando conta de que precisava de muitos outros subsídios. Nesse momento,

quando me defrontava com minha fragilidade, por incentivo de amigos e de

familiares, resolvi candidatar-me a uma vaga no mestrado no Programa Educação:

Psicologia da Educação, na PUC-SP. Em 2002 fui aceita. Acredito que, tal como eu,

muitos dos alunos de mestrado não tenham clareza acerca de seu problema de

pesquisa.

Sabemos que gostamos de um tema e que outros não nos atraem, mas não

vamos muito além disso. Estava como todos, porém apostando que este curso me

ajudaria a delimitar meu campo de interesse e me ensinar a fazer pesquisa, algo que

infelizmente não é bem trabalhado na graduação. Intuía que muitas inquietações

poderiam se aquietar. Foi nesse período, também, que conheci melhor o Núcleo de

Trabalhos Comunitários da PUC-SP, que tem como proposta pedagógica a

pedagogia freireana e uma prática voltada para o lúdico. Pensei, então, em

investigar algo relacionado com essa área.

Após muita reflexão e discussão, escolhi, como lócus de meu trabalho, um

Centro Educacional que abriga crianças e adolescentes e que por várias razões não

viviam com suas famílias. Infelizmente, não pude continuar pesquisando nesta

instituição, porque dois dos quatro sujeitos selecionados não permaneceram na

mesma. Foi, então, necessária uma nova seleção de crianças, desta vez em uma

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escola estadual próxima a minha residência, pois não tinha muito tempo para

realizar a coleta de dados.

Sobre a escolha do tema, o foco voltou-se para o jogo com regras explícitas,

entendido como uma possibilidade de apropriação de conhecimentos, de habilidades

e de estratégias por parte de crianças. Esta escolha se deu porque existem poucos

estudos sobre jogos que utilizam a abordagem sócio-histórica, ao contrário do que

acontece com aqueles que versam sobre jogo de regras em uma abordagem

piagetiana.

Esta pesquisa segue a linha proposta por Bertoni (2002), que estuda, no jogo

com regras explícitas, o papel da mediação social. Busco, a partir dessa autora,

ampliar o conhecimento disponível sobre como crianças e adolescentes seguem

jogos dessa modalidade, na medida em que vejo, aí, uma possibilidade de interferir

no real e de contribuir para o desenvolvimento integrado da criança.

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II. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Discutindo o conceito de jogo

O jogo infantil tem sido objeto de estudo de diferentes autores pertencentes a

diferentes áreas do conhecimento humano. Dentre eles podemos destacar: a

educadora Carneiro (2003), o antropólogo Brougère (1998), os historiadores Caillois

(1949; 1967) e Huizinga (2001), o educador Chateau (1987), o psicólogo e

matemático Macedo (1995), a educadora Kishimoto (1999; 2003), entre outros.

Todos salientam a dificuldade em conceituar este termo por seu caráter polissêmico,

o qual nos leva a defini-lo de distintas maneiras.

Mais especificamente no Brasil, o jogo distingue-se de outros dois termos:

brinquedo e brincadeira. Esta diferenciação indica o pouco avanço dos estudos na

área no Brasil (Kishimoto, 2003, p.7), de modo que são utilizados três termos para

se referir ao jogo. Em outros países, isso não ocorre: jogo, brinquedo e brincadeira

são considerados a mesma coisa.

Historicamente, a palavra jogo origina-se do vocábulo latino ‘ludus, ludere’,

utilizado para designar movimentos rápidos e, posteriormente, jogos públicos. Ao se

incorporar às línguas românticas, a palavra ‘ludus’ foi substituída pelos termos

‘iocus, iocare’ que também faziam referência à representação cênica, aos ritos de

iniciação e aos jogos de azar. Com o tempo, passou a indicar movimento, ligeireza e

futilidade. Mesmo tendo sua origem na língua latina, a palavra jogo também foi

utilizada por outros povos. Os gregos, por exemplo, fizeram uso de três termos para

jogo: ‘paidiá’ (propósito do jogo), ‘paizein’ (diferentes formas de jogo); e ‘athuro’

(campo do jogo), atividade encarada com muita seriedade (Carneiro, 2003, p. 34).

A palavra brincar (brincadeira) deriva de brinco + ar. Brinco vem do latim

‘vinculu’ / ‘vinculum’, “laço”, por meio das formas ‘vinclu’, ‘vincru’, ‘vrinco’. Assim,

brincar está relacionado à atitude de ligação e de vínculo com algo em si mesmo e

com o outro (Pereira, 2002, p. 96). Mesmo apresentando pontos em comum, os

termos jogo, brinquedo e brincadeira têm algumas diferenças. Segundo Pereira

(2002):

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Jogo significa situações em que as regras são bem definidas, como, por exemplo, na queimada, no jogo de peteca, nos jogos de tabuleiro, no rouba-bandeira etc. Usamos brincadeira quando as regras são mais flexíveis e a fantasia mais acentuada. Já a palavra brinquedo é comumente usada para o objeto em si, como por exemplo: bola, boneca e carrinho. (p. 97)

Esta nossa dificuldade em conceituar o termo jogo se dá em razão de que

todos os vocábulos, como parte da linguagem, são carregados de significados,

muitos dos quais resultam de acordos firmados em uma dada sociedade, em um

dado momento histórico. A linguagem, produto da cultura, varia e, desta forma,

assume diferentes significados e múltiplas interpretações. A palavra jogo, como

parte da linguagem, não foge à regra.

Huizinga (2001) relaciona o jogo à cultura, compara jogos de adultos, de

crianças e de animais. Afirma que, nos últimos dois casos, o jogo vem antes da

cultura por estar vinculado à questão biológica, isto é, tanto os animais filhotes

brincam - ou jogam - como os bebês o fazem, ainda que não compreendam tais

ações como jogo. Se a essência do jogo é, segundo o autor, o divertimento – e, por

isso, opõe-se à seriedade - isso não quer dizer que esta atividade não seja séria. Ao

brincar, a criança o faz de forma compenetrada. Dentre outras características, o jogo

é para Huizinga (2001):

Uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não séria’ e exterior à vida habitual. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. (p. 16)

Outro autor que compactua dessas mesmas idéias é Caillois (1990), que nos

apresenta seis características definidoras do jogo: livre; espontâneo, onde o jogador

escolhe jogar ou não; limitado, porque está restrito a um tempo e a um espaço;

improdutivo, porque não gera nada: é um fim em si mesmo; regulamentado, porque

tem regras estabelecidas previamente; e, por fim, fictício, por que ao jogar o jogador

se distancia do mundo real.

Contrapondo esta idéia, Chateau (1987) diz ser o jogo uma atividade séria,

que busca a auto-afirmação do indivíduo e que se manifesta de duas formas: o

“apelo do mais velho”, que considera o “motor essencial da infância” e o “amor à

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ordem”, à regra, levado até ao formalismo. Afirma que o jogo é, para a criança, o que

o trabalho é para o adulto. Diz, ainda, que o jogo prepara a criança para a vida

adulta, cuja tônica é o trabalho. Vale mencionar que este é um ponto em que não há

concordância. Caillois (1990), por exemplo, discorda, dizendo que o jogo não

cumpre essa função, uma vez que só aparentemente antecipa as atividades do

adulto.

Na tentativa de compreender esta multiplicidade de sentidos e de significados

que envolve o conceito de jogo, temos Brougère (1998) que nos apresenta três

formas de como definir o termo ora citado: pode ser o resultado de um sistema

lingüístico que funciona dentro de um contexto social, de um sistema de regras ou,

ainda, de um objeto.

A primeira característica, segundo o autor, está relacionada à questão da

linguagem em um determinado contexto social. Ao mencioná-la, o autor quer dizer

que por meio da comunicação entre diferentes membros de uma sociedade, que

acabam nomeando coisas pertencentes ao seu cotidiano, uma palavra pode ter

múltiplos significados, caso do vocábulo jogo que pode designar variadas coisas em

situações diferentes. Como bem nos lembra André & Lopes (1995):

A linguagem é a maneira mais complexa que o ser humano criou para se relacionar com o mundo; ela faz a humanidade ser. Desde a fecundação, a fala do grupo familiar integra o indivíduo no nível sócio-cultural da existência, transmitindo expectativas, escolhendo nomes, relatando experiências e progressos no seu crescimento. A linguagem é a possibilidade concreta de os dados brutos da realidade chegarem à consciência. (p.7)

A segunda característica fala do jogo como um sistema de regras explícitas,

algo que distingue um jogo do outro. A terceira peculiaridade refere-se ao jogo como

um objeto, porque, sem a ação de um indivíduo, ele se constitui em mera peça para

exposição, enfeite para casa, etc.

Kishimoto (2003), ao citar as pesquisas de Wittgenstein, diz que dentre a

variedade de significados que envolvem o termo jogo, as semelhanças entre eles é

que permitem classificá-los em jogos de faz-de conta, de construção, de regras, de

palavras, de políticos e de inúmeros outros. Há, portanto, uma grande família

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denominada jogo e é esta analogia, feita por Wittgenstein (1975), que facilita a

compreensão desse tema.

De acordo com Huizinga (2001) e Caillois (1990), o jogo está associado à

sensação de prazer, algo em que discordam veementemente de Vygotski (1998)

que, ao comentar este tema, diz que o jogo só é prazeroso se o resultado for

favorável à criança. Para ele, o jogo cumpre uma importante função no processo de

desenvolvimento da criança e é constituído tanto por situações imaginárias e

ilusórias como pela imitação e pelas regras.

A criança muito pequena não consegue postergar seus desejos, querendo vê-

los imediatamente satisfeitos. Esse comportamento altera-se lentamente no início da

idade pré-escolar, quando a criança se envolve em um mundo fantástico, onde os

desejos não realizáveis podem ganhar corpo. É a esse mundo fantasioso que

Vygotski chama de brinquedo. Mas, para ele, não há a possibilidade de haver jogo,

sem que regras se façam presentes, discussão que fará parte do referencial teórico

adotado nessa pesquisa.

2.2 O jogo como sistema de regras: as perspectivas disponíveis

Como já mencionado no ítem anterior, conceituar o termo jogo não é tarefa

fácil, uma vez que é uma palavra constituída por uma multiplicidade de significados,

algo que dificulta, em muito, conceituá-la de uma forma unívoca. Mencionamos

Brougère (1998), que destaca três características definidoras do jogo. Dentre elas,

cabe mencionar a segunda, ou seja, o jogo como um sistema de regras, o que

parece implicar que ele representa uma possibilidade de apropriação de

conhecimentos, de habilidades e de estratégias cognitivas por parte de crianças.

De acordo com Brougère (1998), o jogo como um sistema de regras existe e

subsiste de modo abstrato, independentemente dos jogadores e fora de sua

realização concreta, ou seja, o autor postula a presença de dois sentidos atribuídos

a esse termo: um que se refere à situação lúdica e, outro, a um sistema de regras.

Nesse último caso, mais importante do que jogar é analisar o jogo, buscando

compreendê-lo, por exemplo, de um ponto de vista matemático, transformando-o em

um software. Neste sentido, o jogo subsiste na ausência de jogadores. Para que o

jogo como sistema de regras se torne um jogo no sentido lúdico, deve ser realizado

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por jogadores. Para esse autor, muitas confusões nas discussões ou nas análises

sobre o jogo vêm do perpétuo deslizamento entre estes dois níveis de sentido (p. 14-

15).

Também para Huizinga (2001), as regras constituem-se em fator muito

importante na conceituação do jogo. Todo jogo tem suas regras as quais devem ser

obedecidas, na medida em que são elas que determinam o que se pode e o que não

pode fazer no mundo temporário apresentado pelo jogo. Acrescenta, ainda, que as

regras de todos os jogos são absolutas e não permitem discussão: desobedecê-las

implica colocar um fim no jogo e retornar à vida “real”. Em relação aos que as

desobedecem, Huizinga fala de dois tipos de infratores.

O primeiro é o chamado “desmancha-prazeres”, um tipo de jogador que

desrespeita ou ignora as regras em uma atitude tida como imperdoável para os

outros jogadores.De fato, ao transgredir as regras, o mundo do jogo fica abalado,

pois acaba denunciando o caráter relativo e frágil do momento no qual todos estão,

temporariamente, encerrados. A transgressão retira do jogo, portanto, a ilusão, um

de seus elementos constitutivos. O autor aponta que para esse jogador não existe

perdão, é necessário expulsá-lo do jogo, pois ele ameaça a comunidade dos

jogadores. Por outro lado, segundo Huizinga (2001):

Freqüentemente acontece que, por sua vez, os desmancha-prazeres fundam uma nova comunidade, dotada de regras próprias. Os fora da lei, os revolucionários, os membros das sociedades secretas, os hereges de todos os tipos têm tendências fortemente associativas, se não sociáveis, e todas as suas ações são marcadas por um certo elemento lúdico.

O outro tipo de “jogador-infrator” apresentado por Huizinga (2001) é o

batoteiro, o desonesto, aquele que burla as regras. O batoteiro é aquele que finge

jogar seriamente e, a despeito de “roubar”, não deixa de reconhecer e de manter o

círculo mágico que envolve o jogo. Sua atitude transgressora é, assim, perdoada

com facilidade, na medida em que mantém a atmosfera ilusória proporcionada pelo

jogo, na qual as leis e os costumes da vida cotidiana podem adquirir um outro

caráter e/ou valor.

Chateau (1987), ao falar das regras do jogo, afirma que elas têm origem em

quatro tipos de jogos:

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1. o funcional, realizado por crianças muito pequenas;

2. o inventado, em que as regras são arbitrárias;

3. o de imitação, no qual o jogador escolhe um objeto ou umasituação a

ser imitado e sua imitação depende de como ele encara um ou outra;

4. o tradicional, que ao contrário do jogo de imitação, não se afasta do

prescrito em nenhum momento, atendo-se às regras estipuladas por quem o ensinou

à criança;

Tem-se, com isso, várias regras originadas em jogos diferentes. Vale notar,

no entanto, que elas não são totalmente independentes e podem aparecer, com

certa freqüência, em um mesmo jogo. As diferentes modalidades de jogo são

descritas a seguir:

Os jogos funcionais resultam de uma necessidade interna tanto dos seres

humanos quanto dos animais. São simples exercícios de uma função biológica e não

comportam absolutamente a consciência de sua natureza. Neles, os jogadores

jamais assumem uma atitude lúdica. Os jogos funcionais dão origem àqueles que

parecem articular imitação e invenção. Pode-se dizer que a imitação é o primeiro

jogo representativo (e, sem dúvida, a primeira forma de pensamento representativo)

e que, no “faz-de-conta”, é a imitação que é inventada. Nesse sentido, toda imitação

pode ser considerada uma invenção.

Já o jogo de imitação parece ser algo muito mais forte na vida da criança. Ela

começa por imitar os membros da família e, mais tarde, toda situação pode permitir

a criação de um novo jogo. Mas a criança não pode, ainda que queira, reproduzir

tudo. Há limites para o que pode ser percebido e imitado, de modo que daí decorrem

imprecisões da percepção e da memória. Segundo Chateau (1987):

Não resta a menor dúvida de que a criança se satisfaz muito bem com essa estrutura ilusória simples, cujas imperfeições conhece. Às vezes, ela poderia até completar sua representação, mas não se preocupa absolutamente com isso. Ela simplifica, estiliza de liberadamente o modelo. Assiste-se, assim, no campo da imitação, a uma evolução da invenção. (pág. 81)

O jogo de invenção está, assim, presente na imitação. Nele, a criança precisa

de um modelo que lhe ofereça um tema sobre o qual irá fantasiar. Esse tema é dado

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seja pelo modelo imitado, seja pela estrutura tradicional da brincadeira/jogo. Sem

esse apoio, a invenção fica, em muito, limitada.

Por fim, a quarta fonte de origem das regras apresentada por Chateau (1987)

é o jogo tradicional. Nesse momento, a criança recorre ao adulto para que este lhe

forneça informação sobre como jogar, pois quer conhecer as regras do jogo. É o que

esse autor chama de “apelo ao mais velho”, um princípio essencial da atividade

infantil.

Pode-se notar, nos diferentes tipos de jogos descritos acima, a influência da

perspectiva de Jean Piaget no estudo de Chateau (1987). Piaget influenciou, de

forma marcante, o pensamento mais recente sobre o jogo, de modo que vale

ressaltar qual é sua visão.

No livro O Juízo Moral na Criança (1932/1994), Piaget dedica todo um

capítulo para tratar do jogo e de suas regras, salientando a importância que atribui a

esse tipo de atividade. Segundo ele, ela pode ser vista por dois ângulos. De um

lado, como recurso para o estudo da moralidade infantil; de outro, como ação capaz

de influenciar o desenvolvimento da moral. Piaget utilizou o “jogo de regras” para

definir a “natureza psicológica das realidades morais”. Para isso, observou o

emprego das regras pelas crianças (se elas a seguem ou não) e a consciência das

regras (se acreditam ou não na possibilidade de as alterar). Segundo Macedo

(1995):

Os jogos de regras contêm, como propriedades fundamentais de seu sistema, as duas características herdadas das estruturas dos jogos simbólico e o de exercício. Dos de exercício – a repetição que corresponde à regularidade – e, do jogo simbólico, o jogo de regra herda as convenções, ou seja, a idéia de que as regras são combinadas e arbitrárias; que o inventor do jogo ou seus proponentes fazem e que os jogadores aceitam, por sua vontade. (p. 8)

Por meio do jogo, a criança passa de uma moral heterônoma para uma moral

autônoma, descentraliza-se e pode, com autonomia, acordar novas formas de

proceder. O impacto do jogo sobre o procedimento da criança, na perspectiva de

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Jean Piaget, é grande. Daí ser comum encontrar publicações que abordam essa

temática a partir da teoria da equilibração majorante1.

Esta pesquisa, no entanto, busca estudar o jogo em sua relação com a

aprendizagem com base na perspectiva sócio-histórica, cujo principal representante

dessa abordagem é Lev Seminovtchi Vygotski. A proposta de Vygotski (1998) era a

de superar as visões dicotômicas e/ou fragmentadas das teorias psicológicas que

marcavam e ainda marcam a psicologia.

A perspectiva sócio histórica, ao adotar o materialismo histórico dialético

como filosofia, teoria e método, constrói nova visão de homem (ativo, social e

histórico); de sociedade (produção histórica dos homens que, através do trabalho,

produzem sua vida material); de idéias (representações da realidade material); de

realidade material (fundada em contradições que se expressam nas idéias) e de

história (movimento contraditório constante do fazer humano, no qual, a partir de

base material, deve ser compreendida toda produção de idéias, incluindo a ciência e

a psicologia). (Bock, 2002, pp.17-18)

O eixo central da teoria de Vygotiski é o desenvolvimento das Funções

Psicológicas Superiores (FPS). Típicas da espécie humana, elas emergem de

processos psicológicos elementares de origem biológica e envolvem pelo menos

cinco elementos: o controle consciente do comportamento, a atenção e a memória

voluntária, o pensamento abstrato, o raciocínio dedutivo e a capacidade de

planejamento.

O desenvolvimento das FPS ocorre por meio das interações da criança com

membros mais experientes da cultura. Articulam processos maturacionais com

experiências sociais, de modo a propiciar uma cognição mais sofisticada. Nessa

medida, o desenvolvimento das FPS pode ser visto como um processo

emancipatório, que possibilita ao indivíduo exercer sua autonomia frente às

demandas sociais. Fica claro, portanto, que a proposta vygotskiana não vê o

orgânico separado do social: a criança é sujeito ativo na apropriação dos bens

culturais produzidos pela sociedade. Por esse motivo, Vygotski dá grande

1 Para saber mais sobre a teoria de Jean Piaget veja: Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária; A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar e A construção do real na criança. São Paulo: Editora Ática.

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importância aos aspectos concernentes à linguagem, meio privilegiado para que

ocorra a interação e, portanto, a comunicação humana.

Vygotsky (1984) recorre à infância para explicar que o processo de

desenvolvimento humano é socialmente constituído e aponta a presença de:

duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem sócio-cultural. A história do comportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas. (p. 52)

Para explicar a importância da experiência social no desenvolvimento

cognitivo, Vygotski (1998) cria o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que

é a distância que vai do nível de desenvolvimento real - aquilo que a criança é capaz

de fazer sozinha, sem ajuda - ao nível de desenvolvimento próximo – no qual a

criança precisa de ajuda de um adulto ou de uma pessoa mais experiente para

realizar uma tarefa.

Para Vygotski (1998), as concepções que se têm da relação entre

desenvolvimento e aprendizagem reduzem-se a três teorias. A primeira, defendida

por Piaget, diz que o desenvolvimento da criança se dá independentemente do

aprendizado, o qual é considerado um processo externo, que não tem envolvimento

com o primeiro. O aprendizado utiliza os avanços do desenvolvimento, mas não

impulsiona seu curso. Esta concepção desconsidera, portanto, o papel

desempenhado pelo aprendizado no processo de desenvolvimento. Para que o

indivíduo aprenda é necessário que tenha alcançado determinado nível de

desenvolvimento. (p. 104-106).

A segunda teoria afirma que os ciclos de desenvolvimento coincidem com os

de aprendizado. Aprendizado e desenvolvimento são convergentes em todos os

pontos, ou seja, os dois processos ocorrem simultaneamente, de sorte que se pode

dizer que aprendizado é desenvolvimento ou que desenvolvimento é aprendizado.

A terceira concepção acerca da relação aprendizado e desenvolvimento

busca superar os extremos das duas outras, de modo que esses dois processos são

considerados como essencialmente diversos, ainda que relacionados, sendo que um

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influencia o outro. A maturação, que depende do desenvolvimento do sistema

nervoso e a aprendizagem, em si mesma, um processo de desenvolvimento.

Vygotski (1998) parece apreciar essa posição em virtude dela ser capaz de articular

posturas opostas, de mostrar que desenvolvimento e aprendizagem não só

interagem, como dependem um do outro (aprendizado estimula e faz avançar a

maturação) e de apontar um importante papel do aprendizado no desenvolvimento

da criança.

Vygotski não faz nenhuma dicotomia entre os processos de desenvolvimento

e de aprendizagem. Segundo ele, esses dois processos estão inter-relacionados

desde o nascimento da criança, de modo que, ao aprender, novas funções

psicológicas superiores se completam, fazendo avançar o desenvolvimento. Este,

por sua vez, cria novas possibilidades de aprendizagem.

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores encontra-se, por sua

vez, intimamente relacionado às trocas estabelecidas com o meio físico e social por

meio do uso de instrumentos. Vygotski (1998) aponta-nos dois deles: os

instrumentos físicos (que se voltam para a transformação do meio físico) e os

simbólicos (que se dirigem ao psiquismo humano). O instrumento permite que o

homem interfira na natureza para garantir sua sobrevivência; os signos permitem

que o controle voluntário da atividade humana (pessoal e coletiva), ampliando ainda,

a atenção, a memória e o raciocínio. Ganha espaço central em sua teoria, então, a

noção de mediação social, na qual, por intermédio da linguagem, atuamos sobre nós

mesmos, sobre os outros e sobre o nosso entorno.

Vygotski postula, assim, que o desenvolvimento humano se dá por meio de

constantes interações do sujeito com o meio social em que vive, considerando que

as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social. Dentro desta

perspectiva, o papel que o jogo desempenha no desenvolvimento da criança é

central, pois é um instrumento mediador importante, que possibilita à criança ter

acesso à sua cultura, apropriando-se dos bens nela produzidos.

Acerca do desenvolvimento cognitivo, Vygotski descreve que quando a

criança é muito pequena, ela está limitada em suas ações devido às restrições

situacionais. De fato, ela não é capaz de separar o objeto do seu significado. É

nesse sentido que o jogo é um valioso instrumento mediador, já que ele oferece à

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criança oportunidade de interagir com membros experientes da cultura e de

desenvolver sua capacidade simbólica, interligando-a à própria atividade prática.

Assim se originam as formas puramente humanas de inteligência prática e

abstrata, que possibilitam a ação imaginária independente da realidade. Por seu

intermédio, a criança aprende a dirigir seu comportamento não somente pela

percepção imediata dos objetos, mas também pelo significado alocado a situação.

(Vygotski, 1998)

Vygotski dá atenção especial à linguagem, sistema simbólico fundamental

para que os homens estabeleçam relações entre si e consigo mesmo. Aponta-nos

três aspectos essenciais que a linguagem propicia no homem: a) lidar com os

objetos do mundo exterior mesmo quando eles estão ausentes; b) analisar, abstrair

e generalizar as características dos objetos eventos e situações presentes na

realidade; c) possibilitar o intercâmbio social. Como conseqüência, a linguagem que

no início era, instrumento mediador, passa a ser importante FPS, na medida em que

possibilita a comunicação, o planejamento e, notadamente, a auto regulação de

conduta.

Considerando que o desenvolvimento do sujeito se dá a partir das interações

com o meio social em que vive e que as formas psicológicas mais sofisticadas

emergem da vida social, o jogo pode ser encarado como importante instrumento

mediador. Vygotski, ao falar do papel do jogo no desenvolvimento infantil, salienta

que o aparecimento da imaginação é um processo psicológico novo, uma vez que

não está presente na consciência de crianças muito pequenas.

Ao agir em uma situação imaginária, a criança norteia seu comportamento

não exclusivamente pela percepção imediata, mas também pelo significado dessa

situação. Na criança muito pequena ocorre uma fusão muito íntima entre o campo do

significado e o campo visual. Esta ruptura se dá, inicialmente, na idade pré-escolar e

por meio do jogo, uma vez que a criança aprende a agir no âmbito cognitivo,

passando a depender, paulatinamente, dos motivos e tendências internas, deixando

para segundo plano os incentivos externos.

Nesse momento do desenvolvimento, separa-se, pela primeira vez, o campo

do significado do campo da visão, de forma que no brinquedo, a ação passa a ser

dirigida pelas idéias e não pelos objetos, o que influencia, em muito, a relação da

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criança com as situações reais e imediatas. Essa diferenciação entre o pensamento

e os objetos, devido à sua dificuldade, processa-se lentamente, como pode ser visto

no jogo de faz de conta. Vygotski (1998) aponta-nos a presença, nessa situação, de

vários aspectos interessantes:

o primeiro é que a criança opera com um significado alienado numa situação real e, o segundo, é que, no jogo, a criança segue o caminho do menor esforço - ela faz o que gosta de fazer, porque o jogo está unido ao prazer – e, o mesmo tempo, aprende a seguir os caminhos mais difíceis, subordinando-se a regras e, por conseguinte, renunciando ao que ela quer, uma vez que a sujeição a regras e a renúncia à ação impulsiva constitui o caminho para o prazer no jogo. (pág. 130 e 131)

Na situação descrita, a criança ao se sujeitar às regras, deixa de lado o que

faria impulsivamente, de forma espontânea. Assim, subordinar-se à regra é

renunciar ao prazer. Por isso, afirma Vygotski (2003) que o maior autocontrole da

criança ocorre na situação de jogo: “o atributo essencial do jogo é que uma regra se

torna um desejo. Satisfazer as regras é fonte de prazer. A regra vence porque é

impulso mais forte”. (131)

É justamente nesse ponto que se expressa, para Vygotski, a importância do

jogo no desenvolvimento da criança. É ele que fornece um estágio de transição para

separar o pensamento do objeto real. A dificuldade reside, justamente, no fato de

que para imaginar a criança precisa utilizar um objeto para definir sua ação. Esse é

um momento crítico, no qual “a estrutura básica determinante da relação da criança

com a realidade está radicalmente mudada” (Vygotski, 1998, p. 128), tendo em vista

que a estrutura de sua percepção foi alterada.

Ainda de acordo com esse autor, a percepção é algo que aparece muito cedo

na vida da criança, permitindo-lhe apreender os objetos, distinguindo suas formas,

cores e significados. A percepção humana é tão central que pode se dizer que é

constituída de percepções generalizadas e, não, de apreensões isoladas.

Inicialmente, Vygotski (1998) postula que o objeto é dominante na razão

objeto/significado, ou seja, o segundo subordina-se ao primeiro. Posteriormente,

quando a criança passar a fazer uso de um objeto para separar seu significado do

real, essa situação se inverte, ou seja, o significado ganha relevância sobre o objeto.

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Ao jogar, a criança separa os significados dos objetos e das ações que,

habitualmente estão relacionados. Ela inclui, no jogo, ações reais e objetos reais.

Assim, pode-se dizer que o jogo é uma atividade de transição entre as restrições

situacionais da primeira infância e o pensamento adulto, o qual pode ser totalmente

desvinculado de situações reais.

Um estágio muito importante de transição em direção à operação com

significados ocorre quando, pela primeira vez, a criança utiliza-os como se fossem

objetos. Paulatinamente, esses atos passam a ser realizados de forma consciente.

Assim, se antes de ter adquirido a linguagem gramatical e escrita, a criança faz

várias coisas sem saber que sabe (o que implica não ter sobre elas controle

voluntário), também na situação de jogo ela separa o significado do objeto sem

saber que o está fazendo. Dessa forma, é capaz de atingir uma definição funcional

de conceitos ou de objetos e as palavras passam a se tornar parte de algo concreto.

Resumindo, Vygotski diz que o jogo ensina a criança a desejar, relacionando

seus desejos a um “eu” fictício. Dessa maneira, as maiores aquisições de uma

criança são conseguidas no jogo, fato que nos leva diretamente a verificar qual é

sua importância nos processos de aprendizagem.

2.3. A relação entre o lúdico e a aprendizagem

Historicamente, as possibilidades do ser humano de conhecer e de se

desenvolver sempre estiveram aliadas ao poder econômico e político, privilegiando

as classes mais abastadas. É inegável que na área da educação tivemos conquistas

significativas que, do ponto de vista legal, garante o acesso à escola em três etapas.

A primeira, para crianças de até seis anos de idade, denomina-se Educação Infantil;

a segunda, voltada para crianças e jovens entre sete e quatorze anos, denomina-se

Ensino Fundamental; e, por último, há o Ensino Médio, destinado a adolescentes de

quinze a dezoito anos. A despeito de se contar, hoje, com vagas para todas as

crianças na faixa etária escolarizável, a permanência bem sucedida na escola atinge

apenas uma minoria.

Se o sucesso escolar faz parte da experiência de poucos, isso nos faz

questionar: Como se dá, na escola, o processo de desenvolvimento e

aprendizagem? Para Macedo (2004):

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Desenvolvimento e a aprendizagem expressam duas fontes do conhecimento: uma endógena, isto é, interior a pessoa, grupo ou sistema; e outra, exógena, que vem ou se produz no exterior. No primeiro caso, como dissemos, o desafio é desdobrar-se para fora, conservando uma identidade ou envolvimento. No segundo, o que interessa é incorporar algo que, sendo externo, há de se tornar nosso, individual ou coletivamente. (pág.3)

Na perspectiva acima, os processos de desenvolvimento e de aprendizagem

ocorrem de forma separada e com objetivos diferenciados. O primeiro processo está

voltado para o aspecto maturacional e o segundo refere-se ao contato do indivíduo

com o mundo exterior, notadamente a forma de incorporar as experiências vividas. O

autor esclarece que esta distinção só é importante para efeito de pesquisa. No

contexto escolar, desenvolvimento e aprendizagem devem ser considerados de

modo interdependentes.

Como já mencionado no item anterior, Vygotski não estabelece dicotomia

entre desenvolvimento e aprendizagem, muito embora reconheça que cada uma

deles é um processo diferente. Diferente não quer dizer de modo algum

antagônicos; ao contrário, um é constitutivo do outro. Convém mencionar um

aspecto importante do processo de aprendizagem, que se refere, para Vygotski

(2003), ao interesse da criança. Para ele, o interesse é “uma espécie de motor

natural do comportamento infantil, é a fiel expressão de uma inclinação instintiva, o

indicador de que a atividade da criança coincide com suas necessidades orgânicas”.

(p.100)

Nesse sentido, o processo educativo deve ser planejado considerando os

interesses infantis. Antes mesmo de propor qualquer atividade é preciso despertar o

interesse da criança para que ela possa participar ativamente da atividade. Essa

preocupação revela respeito ao desenvolvimento do indivíduo e à sua maneira de

adquirir novos conhecimentos. É preciso, ainda, verificar que as conquistas já

consolidadas, ou seja, aquelas que as crianças são capazes de levar a efeito por si

mesmas.

Ao educador cabe dirigir e orientar os aprendizes justamente naquilo que

precisam do auxílio de alguém mais experiente. Ora, se para Vygotski (2003), a

atividade da criança coincide com suas necessidades orgânicas, o interesse denota

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a disposição e a preparação do organismo para certa atividade: a vitalidade aumenta

e se alcança um sentimento generalizado de satisfação.

Quando a criança se interessa por uma atividade, sua atenção volta-se para

ela tão completamente que a leva mesmo a abandonar o que estava fazendo para

se envolver naquilo que lhe interessa. Todo seu organismo está concentrado em um

especial aspecto, de modo que se dedica plenamente a uma dada atividade,

deixando as demais em segundo plano.

O educador, de posse dessas informações, não as pode utilizar de maneira

equivocada ou errônea, pois corre o risco de comprometer o processo de

aprendizagem. Vygotski (2003) afirma que “o interesse ou a atenção de uma criança

com relação a um trabalho não serve se seu estímulo é o medo do castigo ou a

expectativa de uma recompensa”. (p.101)

Do ponto de vista psicológico, o prêmio e o castigo, como recursos do

processo de aprendizagem, são inúteis. De fato, para Vygotski (2003), “o castigo só

ensina o medo e a capacidade de governar o próprio comportamento por meio dele.

Por isso, o castigo é o recurso pedagógico mais fácil e medíocre, que provoca um

efeito rápido e superficial, sem levar em conta a educação interna do instinto”. (p.

102)

A proposta de Vygotski não é apenas que o educador saiba como despertar o

interesse da criança para uma dada atividade, é preciso que ele também saiba

acompanhar o processo de aprendizagem, dando orientações corretas e cuidando

para não vincular satisfação e prazer à um prêmio no final de cada atividade, tarefa,

exercícios e etc. O autor pauta-se na regra psicológica geral de desenvolvimento do

interesse, aquilo que liga algo conhecido a novos aspectos a serem dominados.

Além disso, Vygotski postula três “regras” pedagógicas acerca do interesse

infantil. A primeira é vincular os temas de um determinado curso, proporcionando a

integração dos conteúdos e eliminando a fragmentação do ensino. A segunda

consiste em evitar totalmente a repetição, isto é, ao educador cabe apresentar o

tema de maneira que os alunos possam percorrê-lo de uma forma breve e simples.

Todo retorno está a serviço de aprofundar e de ampliar o assunto inicial por meio de

fatos novos, fazendo uso de generalizações e de conclusões. E por fim, a terceira

“regra” estabelece que o sistema escolar deve ser estruturado partindo da realidade

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dos educandos, considerando, aquilo que lhes interessa e, especialmente, partindo

do que eles já conhecem. Para Vygotski (2003):

a regra fundamental passa a ser a tese de que, antes de comunicar um novo conhecimento à criança ou reforçar uma nova reação nela, devemos nos preocupar em preparar o terreno para isso, isto é, despertar o correspondente interesse. Isso é similar a preparar a terra antes de semear. (p. 103).

Um instrumento valioso capaz de despertar este interesse é o jogo, que

popularmente é visto como uma distração e uma diversão. Por isso, seu valor se

expressa como uma fraqueza natural da infância, um passatempo. Culturalmente, o

jogo perpassa todas as etapas da vida dos povos mais diversos, representando uma

peculiaridade insuperável e natural da condição humana.( Carneiro, 2003)

A criança é um ser que brinca e seu jogo é sempre importante, pois inclui

elementos que levam à elaboração de hábitos e de habilidades necessárias.

Vygotski (2003) afirma que:s

sem exagerar, quase todas as nossas reações mais fundamentais e profundas são elaboradas e criadas no processo do jogo infantil. O mesmo significado tem o componente de imitação nas brincadeiras infantis. A criança reproduz e assimila ativamente o que observa nos adultos, aprende as mesmas atitudes e desenvolve as habilidades mais primordiais para sua atividade futura. (p. 105)

Considerando os aspectos até aqui apresentados, o jogo pode ser visto como

um importante instrumento mediador, que promove o encontro de diferentes

membros da cultura, ou seja, propicia interações sociais. Podemos dizer que a

relação entre o lúdico e a aprendizagem ocorre mesmo quando a criança joga sem a

intenção de aprender algo. Vygotski (2003), postula que:

o jogo é, para a criança, a sua primeira escola de pensamento. Todo pensamento surge como resposta a um problema, como resultado de um novo ou difícil contato com os elementos do meio. Quando essa dificuldade não existe, quando conhecemos perfeitamente o meio, e nossa conduta, como processo de correlação com este, não se observa dificuldades e/ou entraves na ausência de pensamento, os automatismos começam a funcionar. (p.107)

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Nesse sentido, o processo de aprendizagem infantil, que tem o lúdico como

aliado, oferece à criança não só momentos prazerosos, mas também desafiadores.

Tudo isso a faz planejar suas ações e assim, fazer usos de recursos cognitivos para

executar uma atividade.

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III. MÉTODO

3.1 Objetivo

O objetivo desse trabalho é verificar a eficácia da mediação exercida pelo

educador em uma situação de jogo com regras explícitas. Pretende-se saber em que

medida essa mediação favorece a aprendizagem, mediante os resultados obtidos

pelos diferentes participantes. Para tanto, busca-se identificar se há avanços, em

termos de desempenho no jogo, da fase inicial (sem assistência) para a final, na qual

a assistência foi provida.

Para tanto, optou-se por trabalhar no paradigma qualitativo, cuja principal

característica é buscar entender os eventos em profundidade, apreendendo seu

significado. Essa postura prevê que o pesquisador não é nunca neutro no decorrer

do processo de pesquisa, justamente por estar em constante relação com o objeto

de sua investigação. Esta escolha é justificada pelo fato de que essa abordagem

permite um estudo mais denso e individualizado do jogo com regras explícitas e das

suas implicações para a aprendizagem.

Adicionalmente, vale mencionar que alguns dos procedimentos adotados

neste estudo baseiam-se na pesquisa realizada por Bertoni (2002) que, por sua vez,

utilizou como referência para sua pesquisa a tese defendida por Ribeiro (2001).

Apresento, a seguir, o quadro que descreve as pesquisas descritas acima,

apontando aquilo que as diferem da atual pesquisa.

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39

Quadro 1.1 Descrição das pesquisas que embasaram a atual pesquisa e aspectos

em que esta última delas diverge (participantes).

Características Ribeiro Bertoni Souza

Participantes 6 crianças com idades entre 8 e 12 anos, que tivessem histórico de insucesso escolar, estudando na 2ª e na 3ª séries do Ensino Fundamental de uma escola da rede estadual da cidade de São Paulo; 6 crianças com características semelhantes às anteriores para compor o grupo de controle.

4 crianças do sexo masculino, que tivessem idades entre 9 e 10 anos, da 3ª série do Ensino Fundamental de uma escola da rede estadual de ensino.

4 crianças do sexo masculino com idades iguais a 10 anos, que estivessem cursando a 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola da rede estadual de ensino.

Quadro 1.2 Descrição das pesquisas que embasaram a atual pesquisa e aspectos

em que esta última delas diverge (materiais).

Características Ribeiro Bertoni Souza

Materiais Figuras geométricas vermelhas e azuis recortadas em cartolina, sendo: - 5 círculos de 3 cm de diâmetro; - 5 círculos azuis de 6.5 cm de diâmetro; - 5 quadrados de 2.5 cm de lado; - 5 quadrados de 5.5 cm de lado;

Teste de Desempenho Escolar (TDE, Stein: 1994);

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Jogo das Boas Perguntas, formado por 2 conjuntos idênticos com 20 figuras de animais: - 7 insetos: aranha, borboleta, mosca, joaninha, abelha, pernilongo e vespa;- 6 aves: galinha, coruja, pato, pingüim, tucano e pardal; - 7 mamíferos: tigre, cachorro, rato, gato, vaca, cavalo e coelho; Outros dois conjuntos idênticos de figuras: - 7 de alimentos: banana, maçã, morango, melancia, pão, sanduíche e frango; - 6 de vestimentas: boné, blusa, camiseta, vestido, gravata e smoking; - 6 objetos escolares: apontador, lápis, globo terrestre, folha pautada, livro e mochila. 4 folhas de cartolina A3. 2 caixas de papelão (22 cm X 30 cm). Folhas sulfite para anotar o placar das partidas.

Jogo das Boas Perguntas formado por 2 conjuntos idênticos com 21 figuras de animais: - 7 insetos: aranha, borboleta, mosca, joaninha, abelha, barata e formiga; - 7 aves: galo, pomba, pato, pardal, pingüim, tucano e papagaio; - 7 mamíferos: leão, cachorro, macaco, porco, vaca, cavalo e coelho; Outros dois conjuntos idênticos de figuras: - 6 de alimentos: bolo de morango, queijo, melancia, sanduíche, abacaxi e frango; - 6 de vestuário: calça, camisa, meia, vestido, tênis e sapato; - 6 objetos escolares : tesoura, caderno, lápis, agenda, livro e mochila. 2 caixas de papelão (22 cm X 30 cm). Folhas sulfite para anotar o placar das partidas. Livros (Os bichos) com informações e ilustrações acerca

Jogo das Boas Perguntas formado por 2 conjuntos idênticos com 21 figuras de animais: - 7 insetos: aranha, barata, borboleta, formiga, grilo, joaninha e mosca; - 7 aves: coruja, galo, pato, pingüim, tucano, papagaio e pássaro. - 7 mamíferos: cachorro, cavalo, coelho, gato, macaco, porco e vaca; Outros dois conjuntos idênticos de figuras: - 6 figuras de alimentos: abacaxi, bolo de morango, frango, melancia, queijo e sanduíche; - 5 figuras de vestuário: calça, camisa, meia, tênis e vestido; 6 figuras de objetos escolares: caderno, lápis, livro, lousa, mochila e tesoura; 2 caixas de papelão (22 cm X 30 cm). Folhas sulfite para anotar o placar das partidas.

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Livros (Nova Enciclopédia Ilustrada) com informações e ilustrações acerca dos animais que compõem o jogo. Gravador e registro por escrito.

dos animais que compõem o jogo. Gravador e registro por escrito. Protocolo de registro do comportamento da criança em relação à tarefa.

Gravador e registro por escrito. Protocolo de registro do comportamento da criança em relação à tarefa.

Quadro 1. 3. Descrição das pesquisas que embasaram a atual pesquisa e aspectos

em que esta última delas diverge (instrumentos ).

Características Ribeiro Bertoni Souza

Instrumentos Questionário enviado às professoras

Questionário enviado às professoras

Entrevista com as professoras (registrada pela pesquisadora que utilizou caneta e bloco de notas).

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Quadro 1. 4. Descrição das pesquisas que embasaram a atual pesquisa e aspectos

em que esta última delas diverge (procedimentos de coleta de dados).

Características Ribeiro Bertoni Souza Procedimento de coleta de dados

Fase 1: Pré-teste Prova de classificação com mudança de critério (dicotomia), utilizando as figuras geométricas; Prova de classificação com figuras de animais; Jogo das Boas Perguntas ( 5 partidas). Fase 2: Intervenção Partidas com trocas de papéis (10 partidas); Exercícios de aprendizagem: Refletindo sobre boas perguntas Exercícios de predicação, de construção de coleções e de subtração de classes. Fase 3: Pós-teste Partidas do Jogo das Boas Perguntas com

Fase 1: Assistência indireta Prova de classificação com figuras de animais; Jogo das Boas Perguntas (5 partidas). Fase 2: Assistência direta Partidas com mediação só da pesquisadora e sem troca de papéis (5 partidas). Partidas com troca de papéis entre a criança e a pesquisadora (nº de partidas de acordo com o desempenho da criança). Partidas com troca de papéis entre as duplas de crianças: simétricas e assimétricas. (4 partidas cada dupla) Fase 3: Pós-teste Manutenção da aprendizagem: Partidas com

Fase 1: Assistência indireta Prova de classificação com figuras de animais; Jogo das Boas Perguntas (5 partidas). Fase 2: Assistência direta Partidas com mediação só da pesquisadora e sem troca de papéis (5 partidas). Partidas com troca de papéis entre a criança e a pesquisadora (nº de partidas segundo o desempenho da criança). Partidas com troca de papéis entre as duplas de crianças: simétricas e assimétricas. (4 partidas cada dupla) Fase 3: Pós-teste Manutenção da aprendizagem: Partidas com figuras

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figuras de animais(3 partidas); Prova de classificação com mudança de critério; Partidas do Jogo das Boas Perguntas com figuras novas (3 partidas).

figuras de animais (2 partidas); Transferência da aprendizagem: Partidas do Jogo das Boas Perguntas com figuras novas (2 partidas).

de animais (2 partidas); Transferência da aprendizagem: Partidas do Jogo das Boas Perguntas,com figuras novas (2 partidas).

Esta pesquisa pode também ser caracterizada como estudo de caso e, para

melhor compreensão de como ela foi realizada, apresentarei, a seguir, os

procedimentos adotados para sua realização.

3.2 Procedimentos

3.2.1 Local em que a pesquisa foi realizada

Uma escola, pertencente à rede estadual de ensino, que atende crianças de

baixa renda da 1ª à 4ª séries foi o lócus da investigação. Nela estudam 1.249 alunos

distribuídos em três períodos. No período da manhã da tarde funciona o Ciclo I

(equivalente as primeiras séries do ensino fundamental, ou seja, da 1ª a 4ª série) e a

Classe Especial. No período noturno funciona o ensino médio suplência. O quadro

de funcionários é composto por: 01 diretor, 01 vice-diretor, 01 coordenador

pedagógico, 22 professores efetivos, 08 professores em caráter temporário, 05

professores eventuais, 01 secretário, 02 agentes de organização escolar e 01

agente de serviços escolares. O espaço físico é constituído por: 09 salas de aula,

01sala para “Classe Especial”, 01 sala de leitura; 01 quadra descoberta, 01 pátio

coberto, 01 conjunto de banheiros para meninas, 01 conjunto de banheiros para

meninos, 01 cozinha e 01 cantina.

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A pesquisadora, em seu primeiro contato com a unidade escolar, foi recebida

pela vice-diretora. Nesse encontro, conversaram sobre como a pesquisa seria

desenvolvida e o que seria necessário. A pesquisadora explicitou-lhe os objetivos e

os procedimentos que pensava adotar. Prontamente, foi atendida em sua

solicitação. Em seguida, a vice-diretora foi até à professora que selecionou os quatro

meninos, para lhe explicar o critério que nortearia a sua escolha. Ela, então,

escolheu quatro alunos de mesma idade, sendo dois com alto desempenho escolar

dois, com baixo desempenho escolar (em termos de notas e aproveitamento). Tal

escolha foi feita sem que os meninos soubessem quais eram as reais razões pelas

quais estavam sendo escolhidos

Segundo a vice-diretora, foi-lhes perguntado, simplesmente, se gostariam de

participar de um trabalho para ajudar uma professora. Na outra semana, a

pesquisadora foi até à escola e, novamente, conversou com a vice-diretora. Pediu-

lhe que indicasse o local no qual poderia coletar os dados e que indicasse quais

seriam as crianças participantes. Na unidade escolar, o local indicado para a

realização da pesquisa foi a sala da diretora, em razão de ser um local mais

reservado e com maior possibilidade de impedir possíveis interrupções.

3.2.2 Coleta de Dados

O instrumento de coleta de dados baseia-se no Jogo das Boas Perguntas

(JBP), desenvolvido por Ribeiro (2001). Para a presente pesquisa foi empregado

material semelhante ao utilizado por Bertoni (2002), o qual é composto por dois

conjuntos idênticos de figuras de animais:

7 insetos: aranha, barata, borboleta, formiga, grilo, joaninha e mosca;

7 aves: coruja, galo, pato, pingüim, tucano, papagaio e pássaro;

7 mamíferos: cachorro, cavalo, coelho, gato, macaco, porco e vaca.

Outros dois conjuntos idênticos de figuras:

6 figuras de alimentos: abacaxi, bolo de morango, frango, melancia, queijo

e sanduíche;

6 figuras de vestuário: calça, camisa, meia, tênis, sapato e vestido;

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6 figuras de objetos escolares: caderno, lápis, livro, lousa, mochila e

tesoura.

As partidas foram sempre realizadas por dois jogadores. Um deles que ficava

de posse de um grupo de figuras, tendo que eleger, aleatoriamente, uma delas para

ser descoberta por seu adversário. Isso feito, iniciava-se a partida, cabendo ao outro

jogador, por meio de seis perguntas, identificar qual era a figura que tinha sido

escondida por seu adversário. Esse último, por sua vez, deveria responder apenas

‘sim’ ou ‘não’ às perguntas que lhe eram feitas. Vencia quem fosse capaz de

descobrir o maior número de figuras escondidas, desde que obedecesse às regras

previamente estabelecidas. Vale ressaltar que é preciso, para vencer esse jogo, que

as perguntas sejam “boas”, ou seja, abrangentes, no sentido de propiciar um número

maior de descarte.

3.3 Fases da coleta de dados

3.3.1 Fase de assistência indireta

A assistência indireta consistiu em permitir que as crianças explorassem o

material e tomassem ciência das regras do jogo. Paralelamente, a pesquisadora

pode: a) aferir se o instrumento empregado encontrava-se adequado e claro para os

envolvidos; b) conhecer o desempenho dos meninos; c) identificar se as crianças

conseguiam, com base em suas experiências e seus conhecimentos prévios, realizar

agrupamentos com as figuras do jogo etc.

3.3.1.1 Prova de classificação com figuras de animais

Situação 1

Foram apresentadas, desordenadamente, figuras de animais a cada criança,

pedindo-lhe que as descrevesse uma a uma, ressaltando as características de cada

animal. Em seguida, solicitou ao sujeito que verificasse se havia algo em comum

entre as figuras que vira e, caso houvesse, agrupasse as que julgasse serem

parecidas. Após o término dessa classificação por parte da criança, foi solicitado que

indicasse:

quantos grupos foram formados;

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46

as razões pelas quais agrupou as figuras daquela maneira;

o nome que os vários grupos poderiam receber.

Situação 2

As figuras foram novamente misturadas. A pesquisadora pegou, então, duas

caixas de papelão, para que a criança colocasse nelas os grupos de figuras que

acreditava possuir as mesmas características ou características semelhantes. Ao

final da tarefa, foi solicitado, ainda, que a criança explicasse por qual (ou quais)

motivo(s) as figuras estavam juntas e que nome(s) poderia(m) ser dado(s) ao(s)

grupo (s) formado (s).

Situação 3

Em seguida, após embaralhar as peças, foi podido que à criança formasse a

mesma quantidade de grupos de uma forma diferente da feita no momento anterior,

ou seja, ela deveria formar grupos com base em um novo critério, para que fossem

colocados nas caixas de papelão. Dentre os critérios possíveis estavam, por

exemplo, o do animal: a) possuir bico ou não; b) mamar ou não; c) dispor de um

determinado número de patas; d) voar ou não e) possuir penas ou não, etc. De

novo, perguntava-se que outro(s) nome(s) este(s) grupo(s) poderia(m) receber.

Ao término desta segunda classificação foi pedido ao sujeito uma terceira

classificação com base em um novo critério. Quando o sujeito não atingia o

resultado esperado, a pesquisadora dava início a um novo agrupamento e, na

seqüência, pedia à criança que lhe desse continuidade. O objetivo, aqui, foi o de dar

à criança uma pista de como realizar outras modalidades de agrupamento (mas sem

explicitar o critério utilizado), de modo a verificar se, a partir dessa sugestão vaga,

era-lhe possível avançar em relação às situações anteriores.

3.3.1.2 Partidas Iniciais do Jogo das Boas Perguntas (JBP)

Na etapa de assistência indireta, a criança recebeu instruções elementares

relacionadas ao jogo. Na mesma ocasião, a pesquisadora perguntou-se se ela

sabia porque o jogo se chamava “Jogo das Boas Perguntas”. A pesquisadora

explicou que para ela descobrir o animal escondido precisaria fazer perguntas “tão

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47

boas” de forma a ajudá-la ganhar o jogo. Retirando, com estas perguntas, o maior

número de figuras possíveis e, desta forma, auxiliando na descoberta da figura

escondida por seu adversário.

Em seguida foram formadas três colunas com as figuras de animais e que

foram dispostas aleatoriamente. O participante possuía um conjunto de figuras

idêntico ao conjunto de figuras da pesquisadora. Ela, então, iniciou a partida

escondendo a figura e explicou que ele teria que fazer a pergunta e que ela iria

responder apenas “sim” ou “não”, a pesquisadora alertou que a criança poderia fazer

somente seis perguntas, caso contrário não descobriria a figura oculta. Estas

instruções preliminares foram importantes para que a criança não resolvesse por

tentativa e erro.

A cada partida a criança foi incentivada a fazer “perguntas boas” salientado

que perguntas muito melhores poderiam ser feitas, isso a ajudaria ganhar o jogo.

Todos os resultados das partidas foram registrados no placar.

3.3.2 Fase de assistência direta

Nessa etapa da pesquisa, a intervenção da pesquisadora, tinha como foco a

otimização das jogadas. Observando como as crianças jogavam após cada

intervenção e realizando as trocar de papéis (aquele que iniciou a partida fazendo as

perguntas, passa a responder e assim sucessivamente). No momento em que as

partidas foram realizadas criança/criança, a pesquisadora ofereceu modelos de

como fazer boas perguntas e com isso favorecendo a aprendizagem das crianças.

3.3.2.1 Mediação só da pesquisadora e sem troca de papéis

A pesquisadora iniciou as partidas agrupado as figuras de acordo com um

critério lógico qualquer estabelecido. Ela explicou que este procedimento objetivava

a pensar em formas de como fazer perguntas muito boas. Em seguida, ela iniciou

fazendo perguntas baseadas nesse critério, questões abrangentes que

possibilitavam descartar pelo menos metade das figuras. Sucessivamente as demais

foram eliminadas até restar apenas duas ou ocorrer a revelação da figura desde que

se tivesse certeza de qual havia sido escondida.

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No decorrer do jogo, a medida em que as perguntas eram respondidas por

“sim” e não”, e as figuras descartadas, os motivos do descarte eram explicados”.

3.3.2.2 Partidas com troca de papéis entre crianças e a pesquisadora

Situação 1

Nesse momento, quem perguntou anteriormente passava, na partida

seguinte, a responder as questões do parceiro, de modo que a pesquisadora pode

continuar a fornecer um modelo de como fazer “boas perguntas”. O número de

partidas com troca de papéis não foi fixo, mas ocorreu de acordo com o

desempenho da criança.

Situação 2

Depois de trocarem de papéis algumas vezes, a pesquisadora explicou que

eles iriam jogar de um jeito diferente. Foram distribuídos conjuntos de figuras em

duas mesas distintas, pedindo-se à criança que pensasse em uma das figuras e

marcasse seu nome em um papel. Explicou-se que é esta figura deveria ser

descoberta. A seguir, a pesquisadora iniciou a partida com perguntas sobre um

animal específico, por exemplo: É uma coruja? Agindo da mesma forma das jogadas

subseqüentes. A partir da resposta obtida, eliminou-se a figura correspondente em

um dos conjuntos. Por meio dessas jogadas, foi mostrado à criança perguntas

possíveis de serem feitas, mas que existiam outras melhores. Para tanto foi proposto

uma nova partida com perguntas que possibilitassem um maior número de

descartes, como por exemplo: É um animal que mama? Dada a resposta, seriam

retaradas as figuras correspondentes no outro conjunto. Ao partir da simulação

destas duas partidas, a pesquisadora esperava levar a criança a tomar consciência a

cerca das melhores perguntas para avançar no jogo. Se a resposta da criança fosse

correta, a pesquisadora justificava sua pertinência em relação ao número de figuras

que iam sobrando. Caso contrário, chamava a atenção para o número de figuras

descartadas em cada caso, afirmando que a melhor pergunta era a mais

abrangente, pois possibilita maior número de descartes.

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Situação 3

Após a apresentação desordenada das figuras à criança, foi solicitado que se

formasse um grupo com todos os animais que possuíssem determinado atributo

como, por exemplo, mamar. Descrevendo, após o agrupamento, o que havia feito.

Essa atividade foi realizada duas vezes: uma com a pesquisadora e outras entre a

dupla de crianças, de forma simétrica e assimétrica.

3.3.3 Partidas com troca de papéis entre duplas de crianças

Depois de todas as crianças terem jogado com a pesquisadora alternando

papéis, formou-se duplas entre as crianças de acordo com o desempenho obtido

anteriormente ao jogar com a pesquisadora, para que as próprias crianças

pudessem, ao tentar ganhar o jogo, dar exemplos de “boas perguntas”, servindo,

assim, também de modelo. Assim sendo, foram formadas duplas simétricas, ou seja,

formadas por crianças que tiveram bom desempenho durante as partidas e, duplas

assimétricas, quer dizer, formadas por crianças que tiveram desempenhos diferentes

no decorrer das partidas.

3.3.4 Pós-teste

Nesta fase da pesquisa, os objetivos foram: o de verificar se houve

manutenção e transferência da aprendizagem, analisar se a inversão de papéis

durante o jogo otimizou a aprendizagem e verificar a extensão de conhecimentos

adquiridos durante o jogo por meio das interações.

Para tanto foram realizadas duas partidas do “Jogo de Boas Perguntas”, com

as mesmas figuras de animais (sem troca de papéis), para verificar se houve a

manutenção da aprendizagem. Além disso, houve duas jogadas do “Jogo das Boas

Perguntas” com um novo conjunto de figuras contendo alimentos, objetos escolares

e peças de vestuário, sem troca de papéis, para verificar se houve transferência das

estratégias aprendidas, identificadas por meio da pertinência e da abrangência das

perguntas formuladas.

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3.3.5 Entrevista

A entrevista ocorreu em dois momentos. Em um deles, onde a conversa girou

em torno da vida pessoal de cada criança e no outro dizia respeito aos aspectos

relacionados ao jogo propriamente dito. O primeiro acontecia antes de iniciar todo

processo do jogo e o segundo ao término.

1º Momento – Antes do jogo:

Conte-me um dia de sua vida (desde o momento em que acorda até quando vai

dormir);

Com quem você mora? (Foi pedido, nesse momento, que a criança falasse das

pessoas de sua família coisas do tipo “se trabalham”, “se ficam em casa”...).

Você estuda em casa? Que horas? Alguém te ajuda?

2º Momento – Após o jogo:

O que você achou desse jogo? Foi fácil jogar?

Houve algum momento do jogo em que você achou difícil?

O que você aprendeu com esse jogo?

Se você fosse dar uma dica ao seu colega para ele jogar rápido e bem, que dica

você daria?

Forma de Registro

Todas as sessões, bem como a entrevista, foram gravadas em áudio e

registradas por escrito. Durante as sessões, a pesquisadora utilizou, também, um

protocolo para registrar o comportamento da criança em relação à tarefa, o mesmo

protocolo utilizado por Bertoni (2002).

3.4 Referencial de análise

Para a realização da análise de dados coletados foram empregadas as

categorias propostas por Bertoni (2002) buscando responder o problema de

pesquisa já mencionado, a saber:

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3.4.1 Quanto a conduta cognitiva no jogo:

3.4.1.1 Quanto às regras: a criança segue as regras do jogo? Ou seja, faz

perguntas que possibilitem respostas “sim” ou “não”, responde às perguntas com

“sim” ou “não”; aceita o término da partida independente do resultado, após a sexta

jogada?

3.4.1.2 Quanto às perguntas:

3.4.1.2.1 Pergunta nominativa: refere-se ao nome da figura que a criança julga

estar escondida, indicando a tentativa de solucionar imediatamente o jogo. No início

do jogo, este tipo de pergunta não é adequado, pois há muitas possibilidades em

aberto e o descarte é pequeno. No entanto, a pergunta nominativa torna-se uma boa

pergunta quando o número de figuras em jogo é igual ao número de jogadas ainda

possível ou quando o jogador está na última jogada.

Na primeira jogada realizada com Augusto, ele perguntou e a pesquisadora

respondeu:

Augusto perde.

A. É joaninha?

P. Não.

A. É o cavalo?

P. Não.

A. É a mosca?

P. Não.

A. É o elefante?

P. Não.

A. É o coelho?

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P. Não.

A. É o gato?

P. Não. É a aranha.

Nessa partida é possível verificar que Augusto não utilizou nenhuma

estratégia para vencer o jogo. Ele poderia ter obtido um bom resultado, não por fazer

uma “Boa Pergunta” e descartar o maior número de figuras, mas por fazer uma

escolha aleatória.

Já Fernando, diferente do que fez Augusto, logo na primeira partida vence o

jogo fazendo as seguintes perguntas:

F. É inseto?

P. Não.

F. É quadrúpede?

P. Sim.

F. É de estimação?

P. Não.

F. Tem chifre?

P. Sim.

F. É o boi?

P. Sim. Muito bem!

3.4.1.2.2 Pergunta atributo de um: essa pergunta refere-se a uma qualidade que

só um único animal possui, quando há mais de três figuras em jogo. Nesta situação,

este tipo de pergunta eqüivale à pergunta nominativa, pois pode eliminar uma ou

mais figuras;

3.4.1.2.3 Pergunta atributo comum: é aquela que se refere a um único atributo,

comum a pelo menos dois animais em jogo. Este tipo de pergunta indica que o

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jogador compreende que, para depender menos do acaso, precisa buscar um

atributo que possibilite englobar um maior número de animais possíveis;

Na terceira jogada, Fernando pergunta:

F. “É quadrúpede?”

P. Não.

F. Tem asas?

P. Sim.

F. É ave?

P. Não.

F. É verde?

P. Não.

F. É a joaninha?

P. Sim.

Fernando pergunta se o animal é verde porque sobraram dois insetos verdes

(borboleta e grilo) e um vermelho (joaninha). Se ele tivesse perguntado “É

vermelho?”, a chance de descarte seria menor e dessa forma perderia o jogo.

3.4.1.2.4 Pergunta atributo (+): aquela que, independente da resposta obtida,

permite descartar metade das peças ou um número próximo a metade das peças do

jogo (entre 30 e 70% na primeira jogada e porcentagens equivalentes nas jogadas

posteriores). É o tipo mais eficiente de pergunta, quando há mais figuras em jogo e

não quantidade de perguntas;

3.4.1.2.5 Pergunta atributo (-): é o tipo de pergunta que dependendo da resposta

obtida pode eliminar muitas peças (71% ou mais) ou poucas peças (29% ou menos).

Demonstra que o jogador já compreendeu a necessidade de planejar etapas

intermediárias, embora ainda não fizesse perguntas do tipo atributo (+);

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No pós-teste, ao serem incluídas novas figuras, Gabriel, na segunda jogada,

pergunta: É um animal?. Após uma resposta afirmativa elimina os três grupos de

animais existentes no jogo.

3.4.1.2.6 Perguntas desnecessárias: aquela que não permitem descarte algum,

pois a informação já fora obtida anteriormente.

3.4.1.3 Quanto aos tipos de erros:

3.4.1.3.1 Erro de nomeação: ocorre quando o jogador chama a figura X de Y, usa

um nome diferente do convencional para se referir a uma figura ou usa o nome de

um animal para se referir ao grupo que representa;

3.4.1.3.2 Erro conceitual: ocorre quando o jogador se refere a um atributo comum,

mas tem dúvida sobre que animais deve incluir no grupo ou ainda confere um

atributo erroneamente a uma figura do jogo por se basear apenas no que vê.

Augusto pergunta se é animal e a pesquisadora responde que não, ele, então,

tira os grupos de mamíferos e aves. Pergunto se os insetos não são animais. Ele diz

que não. Eu pergunto porquê e ele responde: “Porque animais tem pele e osso e os

insetos não tem. São nojentos.”

3.4.1.4 Quanto aos descartes

Os descartes indicam como o sujeito interpretou a resposta que obteve para a

sua pergunta. Podem ser dos seguintes tipos:

3.4.1.4.1 Descarte correto: corresponde à eliminação de todas as figuras fornecidas

pela informação;

3.4.1.4.2 Descarte parcialmente correto: permite o aproveitamento parcial da

informação recebida, eliminando figuras a mais ou a menos;

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3.4.1.4.3 Descarte inverso: exclui a figura que, na verdade, não deveria excluir;

3.4.1.4.4 Ausência de descarte: não usa a informação para descartar as figuras;

3.4.1.4.5 Descarte implícito: pelas jogadas subseqüentes, percebe-se que o sujeito

elimina apenas mentalmente a(s) figura(s) das jogadas, pois não faz referência a

ela(s) nas jogadas seguintes, muito embora não a(s) exclua do conjunto de figuras

que poderam ser descartadas.

3.4.1.5 Quanto à mediação social:

É uma intervenção intencional por parte da pesquisadora, visando promover a

aprendizagem de conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades e o uso de

novas estratégias, tendo por base o desenvolvimento real e potencial do aluno e de

crianças mais experientes, que buscando ganhar, mostram a menos experiente

como fazer boas perguntas. Na presente pesquisa, pretendeu-se verificar se a

intervenção da pesquisadora ou de um colega levou a criança a realizar perguntas

pertinentes (Boas Perguntas) e, consequentemente, a fazer descartes pertinentes.

Segundo Linhares (1998), a assistência prevê dois tipos de ajuda: verbal e concreta.

Para tanto, foi utilizado um gradiente de mediação estruturado em níveis para ser

utilizado na fase de assistência:

Na ajuda concreta, que consiste no uso de material como suporte ao

raciocínio dedutivo de exclusão, o gradiente de exclusão envolvem os níveis abaixo

descritos:

3.4.1.5.1 Quanto à organização das figuras:

Organização das figuras a partir de um critério lógico que facilite a realização

de “Boas Perguntas”.

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3.4.1.5.2 Exclusão dos cartões:

Retirada do cartão do campo visual buscando esconder estímulos que foram

eliminados em função das respostas obtidas;

3.4.1.6 Quanto aos níveis de ajuda verbal:

Os níveis utilizados por Bertoni (2002) foram substituídos pelos níveis

formulados por Wertsch (1985). Segue abaixo os níveis apresentados pelos dois

autores. Vejamos:

Bertoni

Nível 1 Feedback informativo sobre o desempenho da criança quanto à

qualidade da pergunta formulada ao seu poder de restrição de

alternativas e ao seguimento da instrução inicial.

Nível 2 Exemplo de “Boa Pergunta”, quer dizer, dá-se exemplo direto de

perguntas relevantes para eliminar o maior número possível de

figuras.

Nível 3 Análise comparativa de estímulos, ou seja, análise das semelhanças

e diferenças entre as figuras.

Nível 4 Exemplo de pergunta com ausência ou baixo poder de exclusão: a

pesquisadora proporciona exemplo direto de pergunta ineficiente ou

pouco eficiente para avançar no jogo.

Nível 5 Demonstração de um exemplo de solução pela examinadora que,

verbalizando, demonstra em um exemplo completo as estratégias de

“boas perguntas”, ou seja, perguntas com forte poder de restrição de

alternativas.

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57

Seguem abaixo os níveis utilizados como referência nessa pesquisa:

Wertsch

1º Nível Se caracteriza pelo fato de que a definição da situação vivida por

parte da criança é tão diferente da percebida pelo adulto , que fica

difícil, se não impossível, a comunicação. O adulto pode tentar

auxiliar a criança para um pensamento estratégico, porém a

compressão dessa criança acerca dos objetos e da ação é tão

limitada que a criança pode não entender de modo apropriado as

produções verbais do adulto.

2º Nível Pode ser chamada de interação adulto-criança. A criança parece

compartilhar a compreensão básica da situação proposta pelo

adulto, participando, ainda que timidamente, da tarefa. Precisa,

ainda , do estímulo e do auxílio do adulto para levá-lo a caso.

Resumindo, existe um relativo acordo entre as partes com marcada

liderança do adulto.

3º Nível A criança pode responder adequadamente à tarefa, fazendo as

interferências necessárias para interpretar as intervenções do

adulto, recebendo deste apenas a confirmação de que está no

caminhando de maneira correta. Nesse nível, portanto, verifica-se

uma maior autonomia da criança e uma conseqüente diminuição da

participação do adulto na interação proposta.

4º Nível Indica que a responsabilidade de levar a diante a tarefa está

totalmente nas mãos da criança. Observa-se, assim, o

desaparecimento de toda e qualquer presença do adulto na tarefa.

Nesse nível, portanto, a autonomia da criança é total e,

consequentemente, a apropriação do conhecimento e dos modos de

ação detidos, antes, exclusivamente pelo adulto.

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58

3.4.2 Categorias relacionadas à atitudes ou aos aspectos afetivos das condutas:

3.4.2.1 Envolvimento:

A criança busca responder da melhor forma possível, solicita ajuda quando

tem dúvidas, parece pensar antes de responder, demonstra alegria quando ganha e

contrariedade quando perde.

3.4.2.2 Concentração:

O jogador se mantém atento às instruções/explicações e às situações do jogo.

3.4.2.3 Flexibilidade:

O jogador altera seu procedimento quando identifica erros ou condutas

eficientes no jogo.

3.4.2.4Tolerância à frustração:

O jogador não altera sua conduta após experimentar algum tipo de

contrariedade (perder a partida, errar no jogo ou observar o adversário ganhar).

3.4.2.5 Cooperação:

Aceita proposta e explicações, troca informações, dá sugestões, explica e

justifica suas idéias.

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3.4.2.6 Tranqüilidade:

É capaz de ouvir instruções e explicações sem interrompê-las e aguardar sua

vez de jogar ou falar.

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60

IV. ANÁLISE DOS DADOS

Na tentativa de oferecer melhor compreensão do procedimento adotado

nessa pesquisa e buscando verificar a mediação pelo educador em uma situação de

jogo com regras explícitas, a análise dos dados foi feita de forma detalhada com

cada criança participante, considerando-se os aspectos cognitivos e afetivos

envolvidos no processo.

As entrevistas e observações em sala de aula trouxeram informações valiosas

que, de outra forma, não seriam passíveis de serem levantadas só por meio do jogo.

Foram também registradas, ao final de cada partida, as reações dos participantes

frente aos resultados obtidos. Justifica esse procedimento o fato de que esses eram

momentos que ensejavam situações mediadoras, que permitiam a continuidade do

jogo, pois a pesquisadora fornecia pistas e dicas que aumentavam a probabilidade

de ganhar nas próximas partidas, garantindo, assim, a motivação necessária para

permanecerem na pesquisa.

As fases de assistência indireta (Prova de classificação com figuras de

animais e Partidas Iniciais do ‘Jogo das Boas Perguntas’) e direta (Mediação só da

pesquisadora e sem troca de papéis e Partidas com troca de papéis entre criança e

a pesquisadora) foram analisadas em cada caso, ou seja, apresentando o

desempenho individual dos meninos. Já as fases de: Partidas com troca de papéis

entre duplas de crianças, Pós-teste e Entrevista. Os dados foram analisados

coletivamente.

Os quatro meninos foram selecionados pelas professoras, obedecendo aos

seguintes critérios:

quatro crianças do sexo masculino: dois com baixo desempenho escolar

(notas baixas) e dois com alto desempenho escolar (notas elevadas);

todas as crianças deveriam estar cursando a 4ª série do Ensino

Fundamental;

todas deveriam ter a idade de 10 anos;

todas não deveriam apresentar qualquer problemas de ordem cognitiva ou

afetiva;

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Foram selecionados, assim, os seguintes alunos: Gabriel, Augusto, Fernando

e Leandro. Discute-se, abaixo, como foi a interação que cada um deles manteve

com a pesquisadora no decorrer da pesquisa.

Gabriel (G)

Em entrevista com as professoras desse aluno, a pesquisadora foi informada

de que Gabriel era um menino que apresentava alto desempenho escolar, tal como

aferido por meio de suas notas. Essas afirmações foram confirmadas após a

pesquisadora ter realizado observações em sala de aula (nas quais se prestou

atenção à conduta atenta e disciplinada do menino no decorrer das atividades

propostas, bem como seu envolvimento genuíno com as professoras e com os

colegas) e consultas aos seus materiais escolares (provas, trabalhos e cadernos).

Foi possível observar, também, que Gabriel, no momento em que as professoras

explicavam os conteúdos do dia, ficava atento e fazia perguntas buscando tirar suas

dúvidas. No momento da correção dos exercícios participava ativamente,

respondendo aos questionamentos das professoras.

As professoras revelaram, ainda, que ele era um menino muito ansioso no

que se referia ao cumprimento das tarefas propostas por elas. Disseram que sempre

terminava tudo antes dos colegas e, por esse motivo, cometia erros que para elas

eram considerados simples. Apesar disso, ele não tinha dificuldade em nenhuma

das disciplinas. Ao descrever o relacionamento de Gabriel com os colegas, elas

informaram que ele “se dá bem com todos, é tranqüilo”. Em relação a elas não havia

nenhuma queixa. Ele as procurava quando tinha alguma dúvida ou simplesmente

para mostrar os exercícios prontos.

O primeiro contato da pesquisadora com Gabriel foi marcado por um “bate-

papo”, cujos assuntos giraram em torno dos aspectos da vida pessoal e social do

menino, que não ofereceu nenhuma resistência e/ou restrição para responder às

questões formuladas. Branco, filho de pais separados, a criança mora com sua mãe

e dois irmãos mais velhos (12 e 14 anos, respectivamente) em casa alugada. A mãe

era a provedora da família. Gabriel falou sobre seu prazer pela leitura e destacou os

livros sobre suspense como sendo seus favoritos. Relatou, ainda, que tinha o hábito

de estudar em casa, às vezes sozinho e, em alguns momentos, com a ajuda de dois

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irmãos mais velhos, com os quais dividia as tarefas domésticas, pois a mãe

trabalhava fora de casa o dia todo.

Fase do jogo com regras explícitas

1. Fase de assistência indireta

1.1 Prova de classificação com figuras de animais

Situação 1

Foi solicitado que Gabriel identificasse e nomeasse os animais que via nas

figuras que foram apresentadas uma a uma. Esse procedimento foi necessário para

que fossem evitados erros de nomeação ou de desconhecimento de eventuais

animais que iriam ser utilizados durante toda pesquisa. Caso isso ocorresse, a figura

não identificada poderia ser retirada ou substituída. Gabriel identificou e nomeou

todos os animais sem qualquer problema.

Em seguida, foi pedido que ele formasse grupos com as figuras que fossem

parecidas. Ele formou, imediatamente, três grupos:

Grupo dos insetos;

Grupo das aves;

Grupo dos mamíferos;

Situação 2

As figuras foram, então, misturadas. Gabriel foi orientado a separar as figuras

de acordo com as semelhanças existentes entre elas. A pesquisadora ofereceu a ele

duas caixas de papelão para que fossem colocados os grupos formados. Seguindo

estas orientações, ele fez os agrupamentos e os nomeou da forma que se segue:

Caixa 1 – “Animais voadores” - nesse grupo não foram incluídas as figuras

da formiga, da aranha, do pato, do pingüim e dos mamíferos;

Caixa 2 – “Animais que andam em terra” – esse grupo foi constituído por

formiga, pato e todos os mamíferos;

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63

Situação 3

Após embaralhar as peças, foi solicitado que Gabriel formasse a mesma

quantidade de grupos, de uma forma diferente da que foi pedida no momento

anterior, obedecendo, agora, a um novo critério. Por exemplo, o do animal: a)

possuir bico ou não; b) mamar ou não; c) dispor de um determinado número de

patas; d) voar ou não; e) possuir penas ou não, entre outros atributos. Solicitou-se,

além disso, que ele indicasse que outro nome este grupo poderia receber.

Gabriel encontrou dificuldades para realizar essa tarefa. A pesquisadora

explicou que para formar esses novos grupos, ele precisava observar muito bem o

que as figuras tinham de parecido, olhando bem os “corpos dos animais retratados”.

Gabriel organizou os grupos e os nomeou da seguinte forma:

Animais que tem duas patas (nesse grupo foram colocadas as aves).

Animais que tem mais patas (nesse grupo, inclui todos os mamíferos e

todos os insetos).

Durante todo o processo acima descrito, a pesquisadora tentou ser o mais

breve possível em suas instruções. No entanto, no momento em que a tarefa era a

de identificar e nomear as figuras de animais, uma ajuda mais intensa foi necessária,

na medida em que ele demonstrava não saber que características poderiam ser

levantadas a respeito de uma determinada figura de animal. Essa ocasião mostrou

ser uma oportunidade para algumas intervenções. Para ilustrar, em uma das

situações, Gabriel deparou –se com a figura do pingüim e, ao descrevê-lo, limitou-se

a dizer que era um animal que vive no gelo e tem bico. A pesquisadora perguntou se

não haveria outra característica e ele disse “não sei, acho que é só isso”. Novamente

a pesquisadora perguntou: “- Que tipo de animal é o pingüim?”. Ele não respondeu

de imediato, procurando observar as figuras dispostas na mesa. Então, disse: - “É

uma ave, mas não é uma ave que voa”.

Para Fontana (2000), “A mediação do outro desperta na mente da criança um

sistema de processos complexos de compreensão ativa e responsiva, sujeitos às

experiências e habilidades que ela já domina” (p.19). A partir dessa afirmação é

possível compreender que mediar não é dar as respostas pelo outro, mas um

procedimento que não se constitui em auxilio à aprendizagem, pois não leva o outro

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a pensar por si mesmo e, pôr vezes, a apenas descobrir uma fórmula que dá certo

mas sem saber bem as razões.

Auxiliar o aluno – mediar a aprendizagem – é fornecer pistas, dicas,

instruções, explicações, fornecer exemplos, etc. Isso é algo muito diferente de

“apontar a resposta correta”, uma postura que, infelizmente, ainda perdura em

muitas das salas de aula. Daí a importância de salientar que a criança não pode ser

considerada como alguém desprovida de qualquer conhecimento ou habilidades.

Antes mesmo de adentrar aos portões da escola, ela viveu muitas e variadas

experiências, nas quais teve a oportunidade de construir diversos conceitos, uns

mais próximos do científico, outros mais distantes. O desafio está em se dispor a

trilhar o caminho do saber junto com ela e, para isso, é necessário saber o que a

criança sabe fazer sozinha e o que pode fazer com a ajuda de outra pessoa mais

experiente. (Vygotski,1998, p.112)

Como pode ser visto, a pesquisadora, ao sugerir a Gabriel diferentes

modalidades de agrupamento, salientando a importância de prestar atenção às

semelhanças físicas encontradas nas figuras dos animais, levou o aluno a, por

imitação, adotar uma das dicas e a criar seu próprio sistema explicativo. Fica claro,

para ele, que pingüim é uma ave (porque tem penas), mas, ao mesmo tempo, não

se trata de “qualquer ave” (pois não voa). Com isso, a pesquisadora teve a

possibilidade de perceber como Gabriel concebe esse animal.

Situação 4

A pesquisadora questionou sobre a possibilidade de se formar um único

grupo com as figuras.

P. É possível formar um único grupo com essas figuras?

G. Acho que não?

P. Por quê?

G. Por que os animais são diferentes.

P. Tem certeza que isso não é possível?

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Nesse momento, Gabriel passou a observar melhor as figuras, demorando a

dar uma resposta. Em seguida, disse: “só se fosse o grupo dos animais”.

1.2 Partidas Iniciais do ‘Jogo das Boas Perguntas’ (JBP)

Ainda como parte integrante da fase anterior, nessa etapa de assistência

indireta, Gabriel recebeu informações referentes ao jogo e, mais especificamente,

quanto à regra a ser seguida. A pesquisadora perguntou se ele sabia porque o jogo

possui este nome. Sua resposta, de certa forma, foi apenas uma repetição do título

do jogo: “é um jogo que precisa, para ganhar, fazer perguntas boas”, algo que não

elucidou, de modo algum, a natureza do que vem a ser uma “boa” pergunta.

Nas partidas iniciais, Gabriel questionava e a pesquisadora respondia “sim”

ou “não”, conforme estabelecia a regra do jogo. A pesquisadora observou que, nas

cinco partidas realizadas, a criança não tinha ampla compreensão das regras, pois

as tentativas de descobrir a figura escondida eram feitas por meio da estratégia de

“ensaio e erro”, uma forma de atacar o jogo bastante primitiva, que parece justificar

seus insucessos: verificando o placar final, Gabriel venceu apenas uma partida.

Na terceira partida em que perdeu, a criança sugeriu uma troca de papéis, ou

seja, que ele escondesse a figura e a pesquisadora responderia às perguntas. Foi,

então, informado de que isso seria feito em outro momento, pois o combinado era o

de que em todas as partidas iniciais, ele era quem faria as perguntas.

No entanto, a cada partida, Gabriel era incentivado pela pesquisadora a fazer

“perguntas boas”, salientando que se questões melhores fossem feitas, elas o

ajudariam a ganhar o jogo. Todos os resultados das partidas foram registrados no

placar. Vejamos:

1ª Partida - (Gabriel vence)

G. É papagaio?

P. Sim.

P. Por que você acha que ganhou?

G. Porque sim: eu chutei.

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Reação: Sua expressão, ao responder a pergunta, era de satisfação. Ria,

como quem diz “foi muito fácil”.

2ª Partida – (Gabriel perde)

G. É pássaro?

P. Não.

G. É mosca?

P. Não.

G. É cavalo?

P. Não.

G. É macaco?

P. Não.

G. É formiga?

P. Não.

G. É vaca?

P. Não. É aranha.

Reação: Não gostou do resultado, mas reagiu dizendo: “A próxima eu vou

ganhar, você vai ver”.

3ª Partida – (Gabriel perde)

G. É gato?

P. Não.

G. É macaco?

P. Não.

G. É coelho?

P. Não.

G. É cachorro?

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P. Não.

G. É cavalo?

P. Não.

G. É vaca?

P. Não. É o galo.

Reação: Mais uma vez demonstrou ficar frustrado com o resultado. A

pesquisadora disse-lhe que ainda tinha chance para ganhar, pois havia ainda

mais duas partidas.

4ª Partida – (Gabriel perde)

G. É um inseto?

P. Não.

G. É um papagaio?

P. Não.

G. É um passarinho?

P. Não.

G. É um cavalo?

P. Não.

G. É um coelho?

P. Não.

G. E uma vaca?

P. Não. É o cachorro.

Reação: Reagiu dizendo que a última partida ele ia ganhar. Ficou agitado,

querendo iniciar o próximo jogo.

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5ª Partida – (Gabriel perde)

G. É mamífero?

P. Não.

G. É aranha?

P. Não.

G. É mosca?

P. Não.

G. É pingüim?

P. Não.

G. É tucano?

P. Não.

G. É joaninha?

P. Não. É borboleta.

Reação: Novamente, não gostou do resultado, mas a pesquisadora tentou

animá-lo dizendo que teria chance de vencer nas próximas partidas.

Na primeira partida, pode-se observar que Gabriel acertou a figura do animal

escondido pela pesquisadora, o que pode ter levado Gabriel a pensar que, adotando

o mesmo procedimento (chutar) nas demais partidas, poderia obter êxito. Ele mesmo

admitiu que ganhou porque “chutou”. Mesmo sendo alertado de que para descobrir o

animal escondido ele precisaria fazer “boas perguntas”, manteve, nas partidas 2 e 3,

a mesma postura, sempre fazendo perguntas nominativas que possibilitavam

pequena chance de descarte. Nas partidas 4 e 5 notou-se uma mudança: Gabriel fez

“pergunta atributo comum”, ou seja, referiu-se a uma atributo que consegue reunir

uma boa quantidade de figuras e, dessa forma, aumentou suas chances de

descarte. Nas duas partidas citadas, ele retirou do jogo cerca de 33% das figuras.

Veja o exemplo:

Partida 4

G. “É inseto?”

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Partida 5

G. “É mamífero?”

É possível analisar, também, que apesar de Gabriel ter se saído muito bem

na primeira etapa de ‘assistência indireta’ (realização de agrupamento, ausência de

confusão entre as figuras dos animais, facilidade para fazer novos agrupamentos),

ele não transferiu seu conhecimento prévio para as demais partidas. Para Tishman,

Perkins & Jay (1999), “a transferência ocorre toda vez que estendemos

conhecimentos, habilidades práticas, estratégias ou disposições de um contexto

para outro. Ela ocorre sempre que ligamos uma área de conhecimento com outra,

para compreender ou tomar pé em um problema” (p.190). Ao que tudo indica,

Gabriel sem uma orientação explícita do que seria uma “boa” pergunta, não

conseguiu apreender qual era a natureza do problema com que se defrontava. Daí

ser necessária a ajuda do pesquisador.

2. Fase de assistência direta

2.1 Mediação só da pesquisadora e sem troca de papéis

A pesquisadora iniciou esta etapa da pesquisa agrupando as figuras de

acordo com um critério lógico. Explicou para Gabriel que este procedimento o

ajudaria a pensar em maneiras de como fazer “boas perguntas”. Em seguida, foram

feitas questões que possibilitaram descartar grande parte das figuras até restarem

duas alternativas ou apenas a figura escondida, de modo que se poderia ter certeza

de que se havia ganhado o jogo.

Nessa fase, foram realizadas quatro partidas que objetivaram oferecer a

Gabriel um modelo de como fazer “boas perguntas”. Durante as partidas, Gabriel

seguiu a regra do jogo respondendo “sim” ou “não” e, durante cada uma delas,

mostrava-se ao mesmo tempo aflito e animado, parecendo compreender que as

perguntas feitas pela pesquisadora eram realmente “boas”, pois permitiam um

grande número de descartes. Vejamos um exemplo da mediação (exemplos de

perguntas mais abrangentes) oferecida pela pesquisadora:

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Partida 2

P. É inseto?

G. Sim.

P. Tem asas?

G. Não.

P. É facilmente encontrado em casa?

G. Sim.

P. O corpo desse animal tem mais do que uma parte?

G. Sim.

P. É a formiga?

G. Sim. É a formiga.

Observe que a pesquisadora fez quatro perguntas que a permitiram vencer o

jogo. Ao iniciar com uma pergunta atributo comum, ela eliminou 33,3% das figuras;

logo em seguida, na segunda jogada, a possibilidade de eliminar mais figuras foi,

ainda, maior ao perguntar: “Tem asas?” e, ter recebido uma resposta negativa, fez

com que saíssem do jogo aves e insetos que possuíam esse atributo (9 figuras), o

que representou cerca de 42% das 21 figuras em jogo.

2.2 Partidas com troca de papéis entre criança e a pesquisadora

Situação 1

Nesse momento, quem fazia as perguntas na fase anterior passou, nas

partidas seguintes, a responder às questões do parceiro e, assim sucessivamente,

de modo que a pesquisadora pôde continuar oferecendo um modelo de como fazer

“boas perguntas”. O número de partidas com troca de papéis não foi fixo, ocorrendo

de acordo com o desempenho da criança. No caso de Gabriel, foram realizadas seis

partidas. Seguem abaixo exemplo de duas delas, realizadas com trocas de papéis.

Na primeira, Gabriel fez as perguntas. Na segunda, a pesquisadora formulou as

questões. Note-se que os exemplos fornecidos anteriormente pela pesquisadora

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começaram a ser apropriados pela criança, o que aumentou sua probabilidade de

vencer. Vejamos:

Partida 1

G. É um mamífero?

P. Sim.

G. Esse mamífero mora na floresta?

P. Sim.

G. É grande ou pequeno?

P. Esse tipo de pergunta você não pode fazer. Ou você pergunta se é um animal

pequeno ou se é um animal grande!

G. É um animal pequeno?

P. Não.

G. É o elefante?

P. Sim. É o elefante.

Partida 2

P. É ave?

G. Sim.

P. Essa ave voa?

G. Não.

P. É o pingüim?

G. Sim. É o pingüim.

Situação 2

Após terem trocado de papéis algumas vezes, a pesquisadora explicou para

Gabriel que iriam jogar de um jeito diferente. Ela, então, distribuiu os conjuntos de

figuras sobre duas mesas distintas, pedindo que ele pensasse em uma das figuras e

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marcasse o nome dela em um papel. Explicou-lhe que essa era a figura que deveria

ser descoberta. A seguir, a pesquisadora iniciou a partida com uma pergunta “ruim”,

para que ele pudesse tomar consciência, por contraste, do que se entendia por uma

“boa” pergunta. Desse modo, decidiu ir direto a um animal específico, dizendo: “É

uma coruja?”. Ela continuou agindo da mesma forma nas jogadas subseqüentes.

Por meio dessas jogadas, Gabriel pareceu ter-se dado conta de que existiam

perguntas passíveis de serem feitas, mas que outras poderiam ser mais eficazes a

depender dos objetivos perseguidos. Para verificar se isso tinha realmente ocorrido,

a pesquisadora propôs uma nova partida, agora com perguntas que possibilitassem

um maior número de descartes. A partir destas duas partidas, esperava-se que

Gabriel tomasse consciência de que perguntas mais abrangentes ofereceriam maior

chance de descarte podendo, com isso, aprimorar seu desempenho no jogo. Isso

parece ter acontecido, como pode ser visto na situação abaixo:

P. Gabriel, nós vamos jogar novamente. Eu vou escolher a figura e escrever o nome e

você irá fazer as perguntas. Pode começar!

Gabriel vence

Jogada 1

G. É inseto?

P. O que você irá fazer?

G. Vou tirar as figuras de insetos.

Jogada 2

G. É mamífero?

P. Não.

G. Tiro os mamíferos e ficam as aves.

Jogada 3

G. Essa ave voa?

P. Voa.

Jogada 4

G. É grande?

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P. Não.

Jogada 5

G. É o pássaro?

P. Sim.

P. Por que você perguntou se era grande?

G. Por que o pássaro era menor do que o tucano e o papagaio.

Situação 3

Após a apresentação desordenada das figuras, foi solicitado a Gabriel que

formasse um grupo com os animais que possuíam determinados atributos (como,

por exemplo, ter quatro patas), descrevendo o critério de agrupamento adotado.

Essa atividade foi realizada três vezes: uma com a pesquisadora e outras duas com

uma dupla de crianças, ora simétrica em termos de desempenho no jogo e ora não.

Em uma das situações, a pesquisadora pediu que Gabriel organizasse os grupos.

Em seguida, ela o questionou sobre o que ele tinha acabado de fazer.

P. Por que você colocou o grilo nesse grupo? (grupo dos insetos)

G. Por que ele é um inseto.

P. Tem certeza?

G. Sim, por que ele não tem ossos e os insetos não tem ossos.

Pode-se dizer que, na primeira fase, Gabriel precisou de ajuda Nível 2 e

participou, ainda que timidamente, da atividade proposta, requerendo ajuda da

pesquisadora. Isso pode ser verificado quando, solicitado a fazer um novo

agrupamento (Situação 3, da fase de assistência indireta), demonstrar dúvida sobre

um determinado animal.

Já na segunda fase, o desempenho de Gabriel melhorou e a ajuda da

pesquisadora restringiu-se ao fornecimento de “boas perguntas”. O menino parecia

compreender que os tipos de perguntas realizadas por ele eram ineficazes, de modo

que não lhe era possível apresentar um bom desempenho nas diferentes partidas.

Para essa segunda fase, Gabriel precisou de poucas orientações e intervenções da

pesquisadora, demonstrando maior autonomia ao jogar. Podemos dizer que essa

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interpretação se enquadra no Nível 3 proposto por Wertsch (1985).

Em relação aos aspectos afetivos da conduta de Gabriel no processo da

pesquisa, foram registradas as seguintes observações:

Envolvimento:

O envolvimento de Gabriel ocorreu, de forma mais efetiva a partir da fase de

assistência direta, pois havia começado a compreender tanto o jogo como aquilo

que não sabia. Assim, questionava a pesquisadora, tentando ampliar seu repertório

de “boas perguntas” e, conseqüentemente, apropriar-se das estratégias necessárias

para vencer. No início, o menino parecia ficar entristecido quando perdia e exultante

quando vencia. No decorrer do processo, os resultados pareciam não fazer tanta

diferença, o importante iniciar uma nova partida, encarando o jogo como uma

diversão.

Concentração:

Em nenhum momento houve dispersão, por parte de Gabriel, durante o jogo.

Ouvia com atenção as explicações e as instruções da pesquisadora. Alguns dos

seus insucessos podem ser explicados por apresentar um comportamento ansioso,

seja para finalizar, seja para iniciar uma nova partida.

Flexibilidade:

A flexibilidade de Gabriel, diante das situações de jogo, expressava-se por

atitudes que foram sendo modificadas ao longo da pesquisa. Todas as vezes que o

menino se apropriava de novos conhecimentos, sua forma de jogar se alterava, algo

que implicava mudança de estratégias e/ou repetição do modelo fornecido pela

pesquisadora.

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Tolerância à frustração:

A tristeza de Gabriel, ao se defrontar com um resultado ruim, não o afetava a

ponto de querer desistir de jogar. Ao contrário, perder ajudou-o a se concentrar mais,

antes de realizar qualquer jogada.

Cooperação:

Gabriel apenas acatou as solicitações e explicações fornecidas pela

pesquisadora.

Tranqüilidade:

Gabriel parecia inquieto, quando explicações muito longas eram dadas. Por

esse motivo a pesquisadora procurava ser o mais objetiva possível. Durante as

partidas, o menino obedecia às regras do jogo e só respondia o que lhe era

questionado.

Augusto (A)

Augusto era um menino de cor parda que tem, em relação aos colegas, uma

estatura elevada para idade. Morava com a mãe, o padrasto e uma irmã de oito

meses de idade. Augusto era filho do primeiro casamento da mãe. Morava em casa

alugada e levava uma vida relativamente tranquila e simples, pois só o padrasto

trabalhava.

O primeiro contato da pesquisadora com Augusto foi amistoso. Muito

comunicativo, ele demonstrou curiosidade com o “trabalho” que seria realizado.

Aproveitando-se desta oportunidade, a pesquisadora tentou direcionar a conversa,

buscando informações pertinentes que a auxiliassem na análise do desempenho do

menino durante o processo de pesquisa. Assim, ficou sabendo, por exemplo, que

Augusto além das horas de estudo na escola, dedica tempo para estudar em casa,

“quando tem lição”. Diz que, às vezes, estuda com a mãe e, às vezes, sozinho.

Sobre seu desempenho escolar, as professoras contaram à pesquisadora que

ele era “mais ou menos”. Não compreendendo o que queriam dizer com esse termo,

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a pesquisadora pediu que as professoras fossem mais explícitas. Elas relataram,

então, que no início Augusto era um “bom aluno”, porém, após o nascimento da

irmã, seu rendimento caiu consideravelmente, de forma que “ele se distrai com

facilidade” e, em sala de aula, tece comentários do tipo “eu sou bom”, “eu sou o mais

bonito” em uma clara tentativa de chamar a atenção dos colegas.

Como no caso anterior, a observação em sala de aula ofereceu a esta

pesquisa outros elementos necessários à presente análise. Além de confirmar o que

as professoras disseram, a pesquisadora observou que Augusto procurava

acompanhar o conteúdo do dia e as explicações das professoras. Ao verificar seus

materiais de registro (caderno, provas e trabalhos), a pesquisadora constatou que

Augusto manteve-se na média, ou seja, não se pode dizer dele que é um aluno com

desempenho escolar elevado.

Fase do jogo com regras explícitas

1. Fase de assistência indireta

1.1 Prova de classificação com figuras de animais

Situação 1

Nessa fase, Augusto tinha por tarefa identificar e nomear as figuras de

animais. Dessa maneira, a pesquisadora pode verificar quais conhecimentos

Augusto tinha das figuras apresentadas. Durante a realização dessa atividade, a

pesquisadora percebeu que o caminho percorrido por Augusto não o levaria a atingir

o objetivo proposto, pois ao descrever cada um dos animais, fazia referência às

relações idiossincráticas que com eles estabelecia ou emitia opiniões muito

singulares a seu respeito. Para ilustrar vejamos dois exemplos:

“A barata é inofensiva: só irrita e dá nojo”;

“O gato é carinhoso, fofinho e tem unhas afiadas”.

Para Fontana (2000), em termos de classificação, a criança faz uso de pelo

menos duas formas: compara “os objetos com base em um único atributo físico ou

os agrupa tendo por base as relações que os objetos propostos apresentam em

situações reais”. Pode-se constatar que é exatamente isso o que ocorre nos

exemplos acima. Augusto classificou os animais utilizando o segundo critério, ou

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seja, pauta-se em sua vivência com eles. Um bom exemplo disso foi quando fala

sobre o macaco que, segundo ele é um animal “igual gente, só que se pendura em

árvores”.

A pesquisadora falou que pessoas também podem fazer isso, perguntando

em seguida: ”No que os macacos são iguais às pessoas?” Augusto respondeu: ”É

quase igual”, parecendo não saber fundamentar sua afirmação inicial de que

macacos se assemelham a pessoas. A pesquisadora pediu, então, que ele falasse

sobre outras características dos animais a serem trabalhados, mas suas respostas

se limitavam a meros “não sei” ou ao evasivo “deu branco”.

Durante esse processo, em nenhum momento, Augusto referiu-se a um

determinado animal como uma ave, um mamífero ou um inseto, utilizava-se de

outros atributos para caracterizá-los. Por exemplo: “A vaca é um animal que dá

leite”; “O galo canta na madrugada para acordar as pessoas”; “A coruja enxerga bem

à noite”.

Nesse momento inicial, a pesquisadora percebeu que algumas intervenções

se faziam necessárias para que Augusto avançasse em sua forma de conceituar os

animais. Para isso, estimula-o questionando: Que tipo de animal é esse?; Como ele

é? Preste bastante atenção a todo o seu corpo. Onde vive esse animal? Após essa

fase de nomeação das figuras, a pesquisadora pediu que o menino agrupasse as

figuras de acordo com as semelhanças existentes entre os animais. Imediatamente

ele formou três grupos. Foram eles:

Grupo das aves;

Grupo dos mamíferos;

Grupo dos insetos;

Mesmo não tendo dado a reposta esperada pela pesquisadora no momento

em que deveria nomear e identificar os animais, Augusto surpreendeu-a ao ser

solicitado a agrupar as figuras, pois não apresentou nenhuma dificuldade. Quando,

entretanto, a pesquisadora sugeriu que ele organizasse outros agrupamentos,

Augusto não conseguiu, alegando que não existiam outras formas. A pesquisadora

insistiu, pedindo que ele tentasse observar as figuras e verificar se os animais não

apresentavam outras semelhanças. Utilizando uma estratégia diferente, o menino

formou os seguintes grupos:

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1º Grupo: Mamíferos e Aves

2º Grupo: Insetos e outros animais

Nesse segundo agrupamento, Augusto mantém junto com os insetos algumas

figuras de aves e de mamíferos que, a rigor, deveriam estar presentes no primeiro

agrupamento. A pesquisadora questionou, então, porque ele assim procedeu. Sua

resposta foi a de que se ele retirasse as referidas figuras do grupo dos insetos, os

dois grupos não ficariam balanceados, uma vez que esse último contaria com menos

figuras.

Vale notar que Augusto não teve a preocupação de formar grupos

considerando as semelhanças existentes entre os animais. Sua atenção estava

voltada menos para as qualidades dos animais do que para quantidade de figuras

que deveriam compor ambos os grupos. Após sua justificativa para os agrupamentos

realizados, a pesquisadora percebeu que era necessária uma intervenção, ainda

que não muito incisiva, para que Augusto pudesse compreender que existiam formas

mais elaboradas de classificação. Para exemplificar, a pesquisadora tentou levá-lo a

pensar retirando duas figuras do primeiro grupo: uma, a de um pássaro e, outra, a

do macaco. Colocou-lhe a seguinte questão:

P. Que diferenças existem entre esses dois animais?

A. O passarinho voa e o macaco não.

P. Não daria, então, para formar dois grupos?

A. Daria. Um poderia ser o grupo dos animais que voam e outro dos que não

voam ou dos que pulam.

P. Então, eu poderia formar outros grupos, não poderia?

A. Sim.

P. Você pode formar um deles?

A. Só se for um só com animais.

P. Não entendi. Você pode me explicar?

A. Só aves e mamíferos.

P. Inseto não é animal? Inseto é o quê?

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A. É animal.

P. E porque você achou que não fosse?

A. Porque animais têm pele e osso, e inseto não tem.

P. Você já estudou sobre animais na escola?

A. Não, nunca.

P. Vamos voltar a formar grupos. Agora, acho que podemos formar mais alguns, você

não acha?

A. Pode ser um de insetos que voam, um dos que andam em terra e um dos

que pulam.

P. E com essas figuras de outros animais? Será que existem semelhanças entre eles?

A. Acho que sim!

P. Então, ave é igual a mamífero?

A. Não, são diferentes.

P. Você pode me dizer que diferenças são essas?

A. Os mamíferos têm mais pés.

P. Quantas patas?

A. Tem quatro.

P. É mesmo? E que outra diferença existe entre eles?

A. Só o jeito de ser bonito.

P. Realmente, os animais são mesmo muito bonitos, mas eu queria que você

observasse outras coisas. No corpo deles, por exemplo.

A. As aves têm penas e os mamíferos têm pêlos.

P. Olha só Augusto, quantas coisa você conhece! Sabemos que as aves têm duas patas

e o corpo coberto por penas. Que os mamíferos têm quatro patas e no corpo, têm

pêlos.

Na situação descrita acima, nota-se que Augusto possui alguns

conhecimentos sobre animais, mas que não os colocou a seu serviço na fase de

nomeação e identificação das figuras, atendo-se a falar da relação dos animais com

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seus contextos e das características percebidas no cotidiano.

Situação 2

A pesquisadora misturou as figuras e pediu que Augusto formasse dois

grupos de acordo com as semelhanças encontradas nos animais. Pediu, ainda, que

os separasse em duas caixas de papelão oferecidas por ela. Quando terminou, os

dois agrupamentos eram constituídos da seguinte forma:

Caixa 1 – “Animais que podem morar em casa” (cachorro, coelho, galo,

papagaio, porco, passarinho, pato etc.).

Caixa 2 – “Animais que não podem morar em casa” (cavalo, vaca,

macaco, tucano, coruja, elefante, barata, aranha, grilo, joaninha, mosca e

pingüim).

Situação 3

Nessa situação, Augusto teria que formar dois grupos, seguindo, agora, um

outro critério. Assim que concluísse os agrupamentos, sua tarefa seria a de os

nomear. A partir dessas instruções, Augusto formou os seguintes grupos:

Animais da fazenda – porco, cavalo, coelho, galo e vaca;

Animais da cidade – cachorro, gato, barata, aranha, borboleta, mosca,

formiga e abelha;

Com as figuras restantes, Augusto formou o Grupo dos outros animais.

Situação 4

A pesquisadora perguntou para o menino se seria possível formar um único

grupo com as figuras. Augusto responde que não. A pesquisadora pergunta se não

havia algumas semelhanças entre eles. Augusto volta a insistir que não.

1.2 Partidas Iniciais do ‘Jogo das Boas Perguntas’ (JBP)

Nessa fase, Augusto tomou conhecimento das regras do jogo, ainda que a

pesquisadora tenha evitado lhe oferecer maiores detalhes sobre ele. Durante as

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partidas, apenas estimulou o menino a fazer “boas perguntas” pois, vale relembrar,

nessa fase da pesquisa não estava previsto nenhum tipo de ajuda.

1ª Partida - (Augusto perde)

A. É joaninha?

P. Não.

A. É o cavalo?

P. Não.

A. É a mosca?

P. Não.

A. É o elefante?

P. Não.

A. É o coelho?

P. Não.

A. É o gato?

P. Não. É a aranha.

Reação: Augusto aparenteu não gostar do resultado e demostrou ter ficado

entristecido. A pesquisadora explicou-lhe que para ganhar o jogo, ele

precisaria fazer “boas perguntas”, ou seja, perguntas melhores do que as que

ele havia feito.

2ª Partida – (Augusto perde)

A. É aranha?

P. Não.

A. É papagaio?

P. Não.

A. É cavalo?

P. Não.

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A. É o gato?

P. Não.

A. É a barata?

P. Não.

A. É o grilo?

P. Não. É o galo.

Reação: Augusto sinalizou que não queria continuar jogando. A pesquisadora

questionou se as perguntas que ele estava fazendo eram boas e ele responde

que não. Com isso, a pesquisadora tentou animá-lo dizendo que ele iria ter

ocasião de jogar novas partidas, fazer “boas perguntas” e ganhar o jogo.

3ª Partida – (Augusto perde)

Antes de iniciar essa partida, Augusto anunciou sua estratégia, dizendo que

primeiro que iria falar dos mamíferos e depois dos insetos. Como a pesquisadora

não compreendeu o que Augusto iria fazer, tentou “manipular” propositadamente a

partida, a fim de confirmar uma de suas hipóteses: Augusto faria uma pergunta

abrangente. (É mamífero?) ou perguntaria todos os mamíferos primeiro e, depois,

inseto por inseto, até descobrir qual era o animal escondido. A partida transcorreu da

seguinte forma:

A. É o cachorro?

P. Não.

A. É o gato?

P. Não.

A. É a vaca?

P. Não.

A. É o coelho?

P. Não.

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A. É o elefante?

P. Não.

A. É o macaco?

P. Não: é a coruja.

Reação: Augusto, mais uma vez, parecia não ter gostado do resultado da

partida e, em especial, não ter entendido o que seriam “boas perguntas”. A

pesquisadora tentou ajudar Augusto a pensar sobre o porquê a estratégia que

utilizou não foi eficaz. Seguiu-se, então, o diálogo abaixo:

P. Augusto, você está quase no caminho certo. Por que você disse que iria falar

primeiro dos mamíferos e depois dos insetos? Pense um pouco sobre isso! Essa pode

ser uma pista muito boa para você.

A. Não sei. Acho que da próxima vez vou falar uma vez o inseto e, depois,

uma vez o mamífero.

P. Como assim?

A. Por exemplo: “É grilo?”. Se não for, eu viro: “É coelho?”. Se não for, eu

viro. E, assim, eu vou no resto das figuras.

P. Então, vamos testar se esta estratégia é boa?

A. Vamos!

4ª Partida – (Augusto vence)

A. É aranha?

P. Não.

A. É porco?

P. Não.

A. É passarinho?

P. Sim. É o passarinho.

Reação: Augusto vibrou com a vitória. A pesquisadora perguntou-lhe quais

foram os motivos que o levaram à vitória, uma vez que ele disse que iria

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pegar primeiro um inseto e depois um mamífero. E completou: você pegou um

pássaro. Pássaro é o quê?. O menino respondeu que pássaro é uma ave. A

pesquisadora voltou a questionar Augusto acerca dos motivos pelos quais

acha que ganhou esse jogo, obtendo como resposta a de que ele venceu a

partida porque era esperto.

5ª Partida – (Augusto perde)

A. É o elefante?

P. Não.

A. É a barata?

P. Não.

A. É aranha?

P. Não.

A. É coruja?

P. Não.

A. É gato?

P. Não.

A. Não sei, é aranha?

P. Não. É o cachorro.

Reação: Novamente, o menino pareceu não gostar do resultado, mas,

mesmo assim, sugeriu continuar o jogo com a pesquisadora.

O placar final demonstrou que Augusto não se saiu bem nas partidas iniciais,

vencendo apenas uma delas. Pôde-se observar que não foi feita nenhuma pergunta

abrangente, somente perguntas nominativas. Após ter perdido as duas partidas

iniciais, disse não querer mais jogar. A pesquisadora pediu para que ele

continuasse, pois ainda teria chances de vencer desde que pensasse e formulasse

“boas perguntas”. Augusto aceitou o desafio.

Nas partidas 3 e 4, o menino anunciou que iria mudar de estratégia e explicou

que tipo de jogo pretendia fazer, não tendo se dado conta de que sua atitude

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permitia que a pesquisadora “manipulasse” as jogadas, impedindo-o de atingir seu

objetivo. Para Tishman, Perkins & Jay (1999):

Uma estratégia de pensamento vem a ser um plano explícito e articulado de como tecer um caminho em meio a uma situação intelectualmente desafiadora. Os tipos de estratégias de pensamento que as pessoas usam e inventam são tão variados quanto os desafios intelectuais que elas enfrentam: há estratégias de tomada de decisões para o desafio de escolher o melhor plano de ação; estratégias de compreensão para o desafio de adquirir conhecimento; estratégias de resolução de problemas para o desafio de se livras de apuros; estratégia de pensamento engenhoso para o desafio de construir uma ratoeira mais eficiente (...) Não importando os diferentes níveis de generalidade, o que todas estas estratégias têm em comum é que são procedimentos compassados (mas não necessariamente rígidos), que são executados intencionalmente por um pensador com o objetivo de atingir uma meta desejada. (p.125)

Diante do desafio de pensar em “boas perguntas” para vencer o jogo, Augusto

inventou uma nova estratégia para atingir seu objetivo. Ainda que não conseguisse

melhorar a qualidade das perguntas, aumentando seu grau de generalização, foi

capaz de jogar de duas maneiras diferentes, variando, portanto, as estratégias.

2. Fase de assistência direta

2.1 Mediação só da pesquisadora e sem troca de papéis

Nessa fase foram realizadas oito partidas, que objetivaram fornecer a Augusto

modelos de “boas perguntas”. Não se pretendeu, aqui, jogar de maneira rápida, de

modo a finalizar o jogo com algumas poucas perguntas. Essa seria, claro, uma

maneira possível de tornar mais rápida e eficiente as partidas, mas, em

contrapartida, não permitiria diversificar o repertório de perguntas que poderiam ser

feitas. Seguem abaixo a descrição de duas partidas.

Partida 1

Jogada 1

P. Esse animal tem quatro patas?

A. Não.

P. Então, vou retirar os animais que possuem quatro patas.

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Jogada 2

P. É um animal que voa?

A. Não.

P. Vou retirar os insetos: formiga e aranha; e as aves: pingüim e galo.

Jogada 3

P. É uma ave?

A. Sim.

Jogada 4

P. Eu posso criar esse animal em casa?

A. Sim.

Jogada 5

P. É uma ave pequena?

A. Sim.

Jogada 6

P. É o pássaro?

A. Sim.

Partida 2

Jogada 1

P. Esse animal tem penas?

A. Sim.

Jogada 2

P. É inseto?

A. Sim.

P. Então, vou retirar os mamíferos.

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Jogada 3

P. Esse inseto é verde?

A. Não.

Jogada 4

P. É a joaninha?

A. Sim.

2.2 Partidas com troca de papéis entre criança e a pesquisadora

Nessa fase foram realizadas 10 partidas. A primeira foi iniciada pela

pesquisadora e Augusto teve a oportunidade de fazer as questões na segunda

partida e, assim sucessivamente. Das cinco partidas em que Augusto fez as

perguntas, conseguiu vencer três. Vejamos o exemplo de duas delas:

Partida 1

A. É mamífero?

P. Não.

A. É inseto?

P. Não.

A.Voa?

P. Sim.

A.É verde?

P. Sim

A.É o papagaio?

P. Sim.

P. Porque você acha que ganhou?

A. Por que fiz perguntas parecidas com as suas.

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Partida 2

P. É um animal doméstico?

A. Não.

P. Então, vou retirar todos os animais que não podemos criar em casa (a pesquisadora

retira inclusive aqueles animais que estão ameaçados de extinção, como o tucano, o

papagaio e o mico, justificando sua atitude).

P. É ave?

A. Não.

P. É pequeno?

A. Sim.

P. É o gato?

A. Sim.

Ao ser questionado sobre sua vitória, Augusto diz ter vencido porque imitou a

forma da pesquisadora fazer perguntas, ou seja, foi capaz de perceber que as

questões formuladas permitiam um maior número de descartes. Mas Augusto foi

além. Ele não imitou, simplesmente e de forma mecânica, os modelos fornecidos

pela pesquisadora. Ao que tudo indica, o menino apropriou-se dessa forma de fazer

perguntas. Augusto pareceu, assim, ser um bom exemplo do que Vygotski (1998)

postulava sobre o aprendizado humano: ele é “de natureza social específica e se

constitui em um processo por meio do qual as crianças penetram na vida intelectual

daquelas que as cercam” (p.115).

Situação 2

A pesquisadora separou as figuras em duas mesas distintas, iniciando a

partida com uma pergunta nominativa que, quando feita no início do jogo, não pode

ser considerada como uma “boa pergunta”. A intenção da pesquisadora era auxiliar

Augusto a formular questões abrangentes, que oferecessem maior chance de

descarte. Pelo que se pode ver no exemplo abaixo, esse objetivo foi atingido:

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Partida 1

P. É o coelho?

A. Não.

P. É o macaco?

A. Não.

P. É uma ave?

A. Sim.

P. É um papagaio?

A. Não.

P. É o pássaro?

A. Não.

P. É o pingüim?

A. Não, é a coruja.

Partida 2

A. É ave?

P. Sim.

A. Ela é pequena?

P. Não.

A. Voa?

P. Não.

A. É o pingüim?

P. Sim.

Podemos verificar que, nessa fase, Augusto demonstrou ter se apropriado

dos conhecimentos e das estratégias do jogo, obtendo bons resultados. Sua forma

de questionar se modificou qualitativamente e sua postura frente aos desafios

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propostos era, sempre, a de os superar, buscando diferentes alternativas. Claro que

essa é uma conduta louvável, na medida em que o menino sinaliza perceber que

não existe uma única estratégia para resolver o problema. Diante de outras

possibilidades, ele elegia, para si, a mais eficaz.

Em relação à conduta de Augusto durante o processo de pesquisa

observaram-se os seguintes aspectos:

Envolvimento:

No começo, Augusto parecia não levar a sério a proposta da pesquisadora,

julgando que esperteza era o elemento principal para alcançar a vitória, mas ao

perceber que sua estratégia era falha, mudou seu comportamento e passou a

obedecer às regras do jogo.

Concentração:

Sem dispersar, Augusto ouviu atentamente todas as orientações da

pesquisadora, respondendo a todas as questões que lhe eram postas.

Flexibilidade:

Ao perceber que as suas estratégias eram inadequadas para realizar as

partidas, Augusto, tranqüilamente, modificou sua forma de jogar, demonstrando

compreender que esse era o melhor caminho a ser seguido.

Tolerância a frustração:

Augusto chegou a querer desistir de jogar por ter apresentado uma atuação

ruim nas duas primeiras partidas da fase de assistência indireta. Esse quadro foi

revertido depois que a pesquisadora lhe mostrou que outras possibilidades existiam,

querendo motivá-lo a permanecer no jogo.

Cooperação:

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Em algumas situações, por exemplo, quando identificava o tipo de pergunta a

ser feita em determinado momento da partida, levava a mão à boca, como se

procurasse dizer: “Queria responder, mas não posso”. Essa foi uma atitude

constante, pois mesmo quando jogou com seus colegas parecia querer os ajudar.

Tranqüilidade:

No início das partidas, o menino parecia bastante agitado e nervoso. Mas, à

medida que foi se acostumando à situação de jogo, a aflição foi cedendo lugar à

tranqüilidade e concentração. Ao que tudo indica, sua maior dificuldade estava em

enfrentar o novo: o que lhe era desconhecido o desconcertava, gerando intensa

agitação.

Fernando (F)

Fernando é um menino negro, simpático e muito comunicativo. Morava com

os pais e com uma irmã mais velha, de 14 anos. Todos freqüentavam uma igreja

evangélica. Em relação à sua rotina diária, informou que gostava de jogar bola e de

assistir TV, mas o que adorava mesmo era tocar guitarra. Estudava, em casa,

apenas quando a professora passava lição. Como os pais trabalhavam o dia todo,

realizava sozinho suas tarefas, pois dispensava a ajuda da irmã que, segundo ele, “é

muito chata”.

A pesquisadora conversou com as professoras sobre o desempenho de

Fernando, obtendo delas a informação de que ele não apresentava nenhuma

dificuldade: “é um bom aluno”, isso pode ser confirmado nas observações realizadas

pela pesquisadora em sala de aula.

Fernando sentava-se em uma das primeiras carteiras. Durante as explicações

dadas pelas professoras, ficava atento e realizava os exercícios com certa facilidade.

Era sempre um dos primeiros a terminar as atividades. Em uma das observações, a

pesquisadora presenciou uma cena muito interessante: a professora passou na

lousa atividades de Língua Portuguesa e Fernando fez todas, com rapidez. Em

seguida, levou o caderno para que a professora verificasse se estavam corretas.

Pela sua expressão, o menino parecia satisfeito com o que ouviu e, passados

alguns instantes, a professora pediu-lhe que fosse ajudar a um colega que não

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estava conseguindo realizar a tarefa com sucesso. Fernando assim o fez e, quando

terminou, a pesquisadora aproximou-se dele e perguntou se ele fazia isso sempre.

Fernando disse “a professora sempre me chama para ajudar alguém”. Dessa forma,

foi possível perceber que esse era um dos alunos que auxiliavam as professoras,

quando se tratava de as substituir no papel docente por um ou outro motivo.

Fase do jogo com regras explícitas

1. Fase de assistência indireta

1.1 Prova de classificação, com figuras de animais

Situação 1

Após ter recebido orientações para identificar e nomear as figuras de animais,

Fernando, sem qualquer dificuldade, demonstrou conhecê-los e saber características

que não haviam sido levantadas pelos participantes que o antecederam. Nesse

primeiro momento, poucas intervenções foram necessárias. Vejamos alguns

exemplos:

Gato – é peludo, tem orelhas pontudas e rabo comprido, pernas curtas. É

um quadrúpede, mamífero e é um animal de estimação;

Papagaio – tem penas, tem bico, tem asa, voa, é bípede e não mama;

Barata – tem duas antenas, voa e é um inseto;

Fernando foi, então, orientado a formar grupos de animais e, em seguida,

nomeá-los. Prontamente, ele fez os seguintes agrupamentos:

Grupo dos animais bípedes (refere-se às aves);

Grupo dos animais quadrúpedes (refere-se aos mamíferos);

Grupo dos insetos.

A pesquisadora levantou, então, a possibilidade de novos agrupamentos

serem formados e Fernando respondeu da seguinte forma:

Grupo dos mamíferos;

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Grupo das aves;

A pesquisadora perguntou se o grupo dos insetos poderia receber outro

nome, algo que Fernando disse ser difícil; esse grupo só poderia receber tal nome. A

pesquisadora sugeriu que a partir desse grupo, outros poderiam ser formados

(animais inofensivos ou perigosos; que voam ou não; que têm mais pernas do que

outros etc.) e que, para isso, ele precisaria observar as características dos animais,

o que tinham de semelhante.

Situação 2

A pesquisadora solicitou que Fernando realizasse dois agrupamentos e, que

estes fossem colocados em duas caixas, respectivamente. Aproveitando o momento

anterior, nessa primeira situação foi reforçado que outros grupos poderiam ser

formados com base nos agrupamentos realizados anteriormente. Vejamos quais

grupos Fernando conseguiu formar:

Animais domésticos;

Animais selvagens;

Situação 3

Nessa situação, a pesquisadora pediu que fossem formados dois

agrupamentos e que, para isso, ele teria que seguir outro critério, considerando

outros atributos dos animais. Fernando formou os seguintes grupos:

Animais que voam;

Animais que não voam;

Situação 4

Sobre a possibilidade de um único agrupamento, Fernando diz que pode ser

“o grande grupo dos animais”. Como pode ser visto, nas quatro situações descritas,

Fernando agrupou diferentes animais, sempre de forma correta, sob rótulos

diversos, demonstrando flexibilidade no pensar e conhecimento das várias

características comuns aos animais selecionados.

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1.2 Partidas Iniciais do ‘Jogo das Boas Perguntas’ (JBP)

A pesquisadora combinou com Fernando que eles iriam jogar cinco partidas,

que somente ele faria as perguntas e ela as responderia apenas com “sim” ou “não”,

de acordo com as regras do jogo. Vejamos:

1ª Partida - (Fernando vence)

F. É inseto?

P. Não.

F. É quadrúpede?

P. Sim.

F. É de estimação?

P. Não.

F. Tem chifre?

P. Sim.

F. É o boi?

P. Sim. Muito bem!

Reação: Agiu com naturalidade, não apresentando nenhuma alteração em

seu comportamento. Parecia saber que poderia vencer o jogo, pois dominava

o conceito de “boas perguntas”.

2ª Partida – (Fernando vence)

F. É quadrúpede?

P. Não.

F. É inseto?

P. Não.

F. Voa?

P. Não.

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F. É o galo?

P. Sim. Gostei muito dessas perguntas.

Reação: A partida foi vencida em tão pouco tempo, que o próprio Fernando

pareceu se espantar, comentando: “Nossa, como esse jogo foi rápido!”

3ª Partida – (Fernando vence)

F. É quadrúpede?

P. Não.

F. Tem asas?

P. Sim.

F. É ave?

P. Não.

F. É verde?

P. Não.

F. É a joaninha?

P. Sim. Que legal Fernando! Essas perguntas são diferentes das anteriores e são muito

boas.

Reação: A rapidez com que a partida foi vencida pareceu preocupar

Fernando, que parecia contente por estar ganhando de maneira sistemática

da pesquisadora. Assim, perguntou: “Nós vamos jogar mais, não vamos?”

4ª Partida – (Fernando vence)

F. É quadrúpede?

P. Sim.

F. Voa?

P. Não.

F. É animal de estimação?

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P. Sim.

F. É o gato?

P. Sim.

5ª Partida – (Fernando vence)

F. Voa?

P. Sim.

F. É inseto?

P. Não.

F. É o papagaio?

P. Sim.

Reação: A pesquisadora perguntou como ele conseguiu descobrir tão

rapidamente a figura escondida. Ele disse que ficou olhando para a figura e

achou que poderia ser ela. Completou dizendo: “Acertei sem quer”.

É possível verificar que, nas duas fases de assistência indireta, Fernando não

apresentou nenhuma dificuldade para realizar as tarefas propostas pela

pesquisadora. Ele demonstrava segurança e domínio sobre como classificar animais

(pelo menos os selecionados) com base em critérios adequados (atributos próprios a

cada grupo de animais).

Quanto às partidas iniciais, verificou-se, pelo placar, que Fernando venceu

todas, parecendo possuir conhecimentos prévios para atingir tão bons resultados,

realizando, desde o início do jogo, questões abrangentes, ou seja, “boas perguntas”.

Podemos verificar esta afirmação observando a partida 1, na qual podemos notar a

presença de perguntas atributo (+). Por exemplo, a primeira jogada - “É inseto?” e a

segunda - “ É quadrúpede?” permitiram-lhe descartar, em cada uma delas, cerca de

33% das figuras. No final da partida, o tipo de pergunta é atributo de um, referindo-

se à especificidade de um determinado animal.

A partir do que foi exposto acima, pode-se concluir que Fernando apresentou

um bom nível de questionamento, bem como de habilidades e estratégias cognitivas,

de modo que pouco necessitou do auxílio da pesquisadora. Porém, é fácil perceber

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que os tipos de perguntas feitas por ele começaram a se repetir, o que tornou

importante a mediação pela pesquisadora, a qual lhe forneceu outros critérios para

formular “boas perguntas”.

2. Fase de assistência direta

2.1 Mediação só da pesquisadora e sem troca de papéis

Essa fase de assistência direta envolveu apenas 4 partidas, em função de

Fernando ter apresentado um bom desempenho nas fases anteriores. Para ilustrar,

segue a descrição de apenas uma delas, uma vez que nela foram oferecidas ao

menino sugestões de outras perguntas interessantes.

2ª Partida

P. Tem penas?

F. Não.

P. Esse animal mama?

F. Sim.

P. Tem rabo longo?

F. Sim.

P. Entre esses animais, ele é o maior?

F. Sim.

P. Então, é o elefante?

F. Sim.

2.2 Partidas com troca de papéis entre criança e a pesquisadora

Nessa fase, Fernando formulou questões para três das seis partidas

realizadas com a pesquisadora. Elas começaram com ele fazendo as questões,

havendo, no término, troca de papéis.

Em todas as partidas o menino seguiu as regras postas. Antes de iniciar o

jogo, organizava as figuras de forma lógica, demonstrando habilidade e domínio do

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jogo. Todo procedimento transcorreu sem maiores alterações em seu

comportamento. Quando o resultado lhe era favorável, transmitia sua satisfação e

propunha novas partidas. Quando o vencedor não era ele, parecia não gostar, ainda

que, na maioria das vezes, tratasse o ocorrido com aparente tranqüilidade.

As perguntas realizadas por Fernando eram dos seguintes tipos: a) atributo

(+), que permitiam boas chances de descarte, independentemente da resposta

obtida (exemplo: “É um animal que voa)”; b)atributo (-), nas quais há boas chances

de descartes; c) atributo de um e/ou nominativa, consideradas “boas perguntas” se

ocorrem ao final da partida, uma vez que se pode, por seu intermédio, vencer o jogo.

Vejamos exemplos que elucidam o que já foi explicitado até o momento:

1ª Partida – (Fernando vence)

F. É um animal peludo?

P. Não.

F. Esse animal voa?

P. Não.

F. É um inseto que não voa (Comenta quase que sussurrando).

F. Tem perna comprida?

P. Sim.

F. É a aranha.

3ª Partida – (Fernando vence)

F. É um animal bípede?

P. Sim.

F. Esse animal tem bico comprido?

P. Não.

F. Ele voa?

P. Não.

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F. (Coloca as duas mãos no queixo e, apoiando os cotovelos sobra a mesa,

analisa as figuras restantes).

F. Vive no gelo?

P. Não.

F. Então, é o galo!

Tanto nos exemplos apresentados acima, como nas outras partidas descritas,

Fernando, ao que tudo indica, apropriou-se dos conhecimentos necessários para ser

bem sucedido em cada etapa e foi capaz de coloca-los a seu serviço.

Ao destacar a maneira como a criança constrói os conceitos Davis & Oliveira

(1993) salientam que eles

(...) são construídos tanto a partir da experiência individual da criança como a partir dos conhecimentos transmitidos na interação social, em especial na escola. Os conceitos adquiridos pela experiência individual são chamados de espontâneos, pois se referem a objetos ou situações em que a criança observa, manipula e vivência diretamente. Os conceitos alcançados na e pela atuação da escola denominam-se científicos por se referirem a eventos não diretamente acessíveis à observação ou ação imediata. (p.77)

É possível dizer, portanto, que Fernando demonstrou ter facilidade para

reconhecer as figuras propostas no jogo, talvez, porque alguns animais fizeram e/ou

faziam parte de sua experiência concreta. No entanto, os conhecimentos adquiridos

no decorrer do jogo permitiram que ele ampliasse sua capacidade de percepção

sobre esses animais. Ainda, segundo Davis & Oliveira (1993) “quando a criança

toma consciência do sistema conceitual e é capaz de localizar, nele, o lugar de cada

conceito, seu raciocínio ganha maior flexibilidade e agilidade” (p. 78). Esses

aspectos foram claramente demonstrados na atuação de Fernando em cada partida.

Quanto ao nível de ajuda fornecida pela pesquisadora, pode-se dizer que esta

ficou concentrada, basicamente, entre os níveis 3 e 4 (Wertsch, 1985), indicando

que, ao longo de todo processo de pesquisa, suas intervenções foram gradualmente

desaparecendo, à medida em que Fernando ganhava autonomia. Vejamos um

exemplo de partida realizada na fase de assistência direta com troca de papéis entre

criança e pesquisadora:

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5ª Partida

F. É um animal com asas?

P. Não. Nossa, Fernando, que pergunta boa! Com ela você pode retirar um monte de

figuras. Pense bem antes de fazer a próxima pergunta.

F. É um animal que tem pêlos?

P. Sim.

O exemplo citado ilustra como Fernando fez uso de perguntas mais

abrangentes, no início do jogo fez uma questão que se referia a um atributo comum

das figuras, fato que lhe permitiu descartar doze das vinte e uma figuras em jogo

(barata, borboleta, grilo, joaninha, mosca, coruja, galo, pato, pingüim, tucano,

papagaio e pássaro). Em seguida, utilizou uma pergunta atributo (+), referindo-se a

um grupo constituído por sete figuras (cachorro, cavalo, coelho, gato, macaco, porco

e vaca). Restando apenas duas delas (aranha e formiga), com isso o menino

percebeu que poderia fazer pergunta “atributo de um” que, ao final do jogo, é

considerada uma boa pergunta. Venceu, assim, a partida, realizando apenas três

questões e manteve seu bom desempenho.

A respeito das atitudes e dos aspectos afetivos da conduta de Fernando

durante a pesquisa, foram descritas algumas situações que mencionam os seguintes

aspectos:

Envolvimento:

Fernando demonstrou grande interesse por participar da pesquisa do início ao

fim. Em cada questionamento, parecia pensar antes de dar uma resposta. Por ser

um menino bastante comunicativo, procurava mostrar seu envolvimento falando das

coisas que sabia sobre os animais, assunto tratado na pesquisa.

Concentração:

Sempre atento ao que era proposto pela pesquisadora, Fernando ouvia as

instruções e realizava cada etapa, obedecendo às explicações fornecidas. Mesmo

em algumas situações, quando havia barulho no entorno da sala onde eram

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realizadas as partidas ou mesmo quando ocorria alguma interrupção, o menino não

perdia o foco do trabalho que estava sendo realizado.

Flexibilidade:

Fernando alterava, com facilidade, sua forma de jogar, ao perceber que

perguntas melhores poderiam ser feitas.

Tolerância à frustração:

Em algumas situações - quando vencia ou perdia -, Fernando parecia

indiferente. Às vezes, causava-lhe estranheza finalizar uma partida tão rapidamente.

Era como se não acreditasse que pudesse vencer em tão curto espaço de tempo.

Cooperação:

Na fase em que a pesquisadora formou as duplas de crianças para que

jogassem uma com as outras, Fernando revelou sentir prazer por auxiliar os colegas

com mais dificuldades, sugerindo formas de jogar que os ajudavam a otimizar as

jogadas.

Tranqüilidade:

No processo, Fernando parecia bastante tranqüilo, sendo capaz de controlar

sua ansiedade. Aguardava sua vez de jogar e ouvia atentamente a todas as

instruções proferidas pela pesquisadora.

Leandro (L)

Leandro é um menino introvertido. Sua timidez se revelava quando fala e

sorria simultaneamente, dificultando a compreensão do que ele buscava expressar.

Muitas vezes, suas falas não passavam de sussurros, dificultando o contato inicial

com a pesquisadora. Com Leandro, os encontros foram mais freqüentes, pois as

informações obtidas em cada um deles eram, em relação aos demais participantes,

poucas.

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Quando questionado sobre sua vida pessoal, Leandro disse não estudar em

casa com freqüência e que pedia, por vezes, ajuda dos irmãos para realizar as

tarefas. Morava com a mãe e seus 4 irmãos (trigêmeos com 12 anos e um com 16

anos), pois tinha perdido o pai por volta de um ano, assunto que não pôde ser

aprofundado, pois Leandro não quis continuar falando sobre isso. Ele informou que a

mãe era a única que trabalhava na família. Disse morar em uma casa pequena, mas

própria.

Sobre seu desempenho escolar, além de realizar observações em sala de

aula, a pesquisadora também conversou com as professoras de Leandro. Segundo

elas e também do que foi visto, ele tinha dificuldade de acompanhar o conteúdo

seguido por todas as crianças. A ele eram oferecidas outras atividades diferenciadas

(referentes às séries anteriores), posto que se considerava que seus conhecimentos

o impossibilitavam de acompanhar o ritmo do grupo. Mantinha, aparentemente, bom

relacionamento com os colegas. Porém, foi possível constatar que, em havendo

oportunidade, Leandro era ridicularizado pelos companheiros de sala de aula, por

não ser capaz de fazer “boas perguntas”. Com isso, a pesquisadora pôde perceber

que Leandro era considerado o “burro” da classe, algo que certamente deveria

repercutir em sua auto-estima e, conseqüentemente, em seu desempenho.

Fase do jogo com regras explícitas

1. Fase de assistência indireta

1.1 Prova de classificação, com figuras de animais

Situação 1

Leandro demonstrou, nessa fase, ter poucos conhecimentos sobre os animais

apresentados pela pesquisadora, limitando-se apenas a descrever o que via nas

figuras dispostas sobre a mesa. Por exemplo: “a aranha é verde e tem oito pernas; o

coelho é branco, tem sete bigodes, nariz rosa, olhos vermelhos, orelha grande, três

pés e em cada pé tem três dedos”. Quanto à nomeação, que visava a reconhecer os

animais, não demonstrou enfrentar qualquer dificuldade para os distinguir.

A pesquisadora pediu que Leandro agrupasse as figuras de acordo com as

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semelhanças existentes entre elas. Não compreendendo o que dele se esperava,

perguntou o que deveria fazer. Após ter recebido explicação, o menino realizou os

seguintes agrupamentos:

Quadro 1.5. Grupos formados por Leandro e razões alegadas para os justificar, no

primeiro agrupamento solicitado

“Grupos” formados Razões por ter agido dessa maneira

1. Aranha e Formiga Por que elas moram na Terra.

2. Coruja e Pingüim Não soube explicar.

3. Cachorro e Grilo Podem ficar juntas e uma pessoa vê.

4. Papagaio e Vaca Porque papagaio tem medo da vaca.

5. Borboleta e Macaco Não dão certo, porque não são da mesma espécie.

6. Tucano e Gato Por que um dia eu fui na casa da minha vó e eu vi

um gato querendo pegar o tucano.

7. Barata e Porco A barata fica na comida do porco.

8. Cavalo e Pássaro Porque o pássaro fica perto do cavalo.

9. Pato e Galo Porque moram no sítio.

10. Joaninha e Mosca Elas ficam na floresta.

Como sobrou uma figura, a pesquisadora perguntou a Leandro o que faria

com ela. Ele, não sabendo o que fazer, perguntou se poderia colocá-la em qualquer

grupo. Recebeu como resposta que teria que escolher um no qual a figura em

questão se encaixasse melhor, por partilhar mais características comuns com os

animais que dele constassem. O menino, então, inclui a figura em qualquer grupo

sem nenhuma análise prévia.

A pesquisadora questionou a respeito da quantidade de grupos formados:

P. Você não acha que tem muitos grupos aqui?

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L. Acho que tem.

P. Você poderia formar outros grupos, pensando no que esses animais têm de

parecido?

L. Posso.

Leandro acatou o pedido da pesquisadora e formou os grupos que se

seguem:

Quadro 1.6. Grupos formados por Leandro e razões alegadas para os justificar, no

segundo agrupamento solicitado

Grupos formados Razões por ter agido dessa maneira

1. Grupo forte (cachorro, cavalo e

vaca);

Porque eles vencem os outros.

2. Grupo dos que podem viver juntos

(galo, pato, porco e coelho);

Por que eles não brigam.

3. Grupo dos animais da casa

(formiga, gato, papagaio e pássaro); Porque a gente cria em casa.

4. Grupo dos animais da floresta

(aranha, borboleta, grilo, joaninha e

macaco);

Porque não podem morar na cidade.

5. Os animais que são nojentos

(barata e mosca); Porque podem andar na comida e são

nojentos.

Foi nítida, já na primeira situação em que Leandro teria que realizar os

agrupamentos, sua dificuldade para cumprir uma tarefa aparentemente simples, se

considerarmos que ele cursava uma série em que esse assunto já deveria ter sido

dominado. Leandro, no entanto, reuniu pares de figuras com base apenas em sua

experiência pessoal, como se não tivesse aprendido nada na escola sobre animais.

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Situação 2

Nessa situação, Leandro deveria fazer agrupamentos utilizando as caixas

oferecidas pela pesquisadora. Formou, assim, os seguintes grupos:

Caixa 1

1º Agrupamento

- Grupo dos animais pequenos (constituído por todos os insetos, o pato, o

galo, o pássaro, o gato, o coelho e o porco);

Caixa 2

2º Agrupamento

- Grupo dos animais grandes (formado pelo pingüim, o tucano, o papagaio, a

coruja, o cachorro, o cavalo e o macaco);

Situação 3

A pesquisadora pediu que Leandro realizasse novos agrupamentos fazendo

uso, novamente, das duas caixas. O menino disse que seria mais difícil, pois já tinha

feitos muitos grupos. A pesquisadora estimulou-o, oferecendo algumas dicas:

P. Leandro, se você comparar as figuras, não vai ser muito difícil. Por exemplo, vou

pegar duas figuras: pássaro e cachorro. O que eles têm de diferenças?

L. O pássaro canta e o cachorro late.

P. Muito bem! Que outras características nós podemos ver?

L. O pássaro é pequeno e o cachorro é grande. E também, o cachorro tem

mais pernas do que o passarinho.

P. Olha só como você sabe ver as diferenças entre os animais! É só prestar um pouco

de atenção que você vai conseguir fazer isso com as outras figuras.

Após este momento, a pesquisadora pediu que Leandro realizasse novos

agrupamentos. É importante salientar que para essa tarefa o menino gastou muito

mais tempo, se comparada à situação anterior. Fez os seguintes grupos:

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Caixa 1

3º Agrupamento

- Animais “com bastantes pernas” (Coloca nesse grupo: todos os insetos e

todos os mamíferos);

Caixa 2

4º Agrupamento

- Animais “com um pouco de pernas” (Referindo-se às aves);

Situação 4

P. É possível formar um único grupo com essas figuras?

L. É. Pode.

P. Como seria? Que nome você daria?

L. Pode ser “O Grupo Grande”.

P. Esse grupo não poderia receber outro nome?

L. Não.

Mesmo sabendo que não poderia fazer uma intervenção mais incisiva na fase

de assistência indireta, a pesquisadora percebeu que, no caso de Leandro, esta se

faria necessária, até para que o menino pudesse se sentir mais motivado e se dispor

a pensar melhor antes de fornecer sua resposta. Por essa razão, já na situação 3, a

pesquisadora ofereceu-lhe ajuda nível 2, ou seja, intensificou sua interação com a

criança ao comparar, junto com ela, as figuras dos animais. Com isso, foi possível a

Leandro notar que muitos outros e diferentes grupos poderiam ser formados. Note-

se que a dica fornecida, ainda que não tenha sido utilizada da maneira esperada,

demonstrou bem o empenho do participante e seu avanço em relação aos

momentos anteriores.

1.2 Partidas Iniciais do ‘Jogo das Boas Perguntas’ (JBP)

Como nos casos anteriores, com Leandro também foram realizadas cinco

partidas, nas quais somente ele formulava as questões. A pesquisadora respondia-

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lhe de acordo com a regra do jogo: “sim” ou “não”. Vejamos como foram essas

partidas:

-1ª Partida – (Leandro perde)

L. É o coelho?

P. Não.

L. É a vaca?

P. Não.

L. É a mosca?

P. Não.

L. É o gato?

P. Não.

L. É o tucano?

P. Não.

L. É o galo?

P. Não. É a barata?

Reação: Leandro sorriu e olhando para a pesquisadora, perguntou: “Vamos

jogar de novo?”. Ela recordou que eles iriam jogar várias vezes, mas que nas

próximas quatro partidas seria sempre ele quem faria as questões. Ela

apenas as responderia.

2ª Partida – (Leandro perde)

L. É barata?

P. Não.

L. É coruja?

P. Não.

L. É joaninha?

P. Não.

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L. É o macaco?

P. Não.

L. É o grilo?

P. Não.

L. É o pingüim?

P. Não. É o cavalo.

Reação: Durante essa partida, Leandro olhava por baixo da mesa, na

tentativa de descobrir qual era a figura escondida pela pesquisadora. Como

se estivesse blefando, disse na terceira jogada: “Acabou o jogo. Já ganhei!

Pode mostrar!” A pesquisadora pediu, então, que ele revelasse qual era a

figura. Para escapar de ter que responder algo que evidentemente

desconhecia, o menino, sorrindo, alegou que estava “só brincando”.

3ª Partida – (Leandro perde)

L. É o cavalo?

P. Não.

L. É macaco?

P. Não.

L. É a barata?

P. Não.

L. É o coelho?

P. Não.

L. É a joaninha?

P. Não.

L. É a aranha?

P. Não. É a borboleta.

Reação: Aparentemente, Leandro não se importava em, ser derrotado.

Mesmo assim, a pesquisadora insistiu em lembrá-lo de que para vencer o

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jogo, ele precisava fazer “boas perguntas”. Disse, ainda, que as perguntas

feitas nessa partida e nas anteriores não eram boas, mas poderiam vir a ser.

“Você precisa observar mais e pensar nas perguntas, pois você precisa ganhar o jogo

fazendo só seis perguntas, lembra?”

4ª Partida – (Leandro perde)

L. É a borboleta?

P. Não.

L. É o papagaio?

P. Não.

L. É a vaca?

P. Não.

L. É o cachorro?

P. Não.

L. É o gato?

P. Não.

L. É o galo?

P. Não. É a aranha.

Reação: Leandro, nesse momento, disse que não iria continuar jogando. A

pesquisadora já estava percebendo que, para essa criança, não cabia se ater

aos procedimentos da pesquisa, uma vez que a cada jogada se reafirmava a

impossibilidade de Leandro compreender o que era uma “boa pergunta”.

Mesmo percebendo o constrangimento do menino, perguntou o porquê da

sua decisão, obtendo como resposta que ele não sabia fazer “boas

perguntas” e, por esse motivo, não conseguiria nunca vencer. A pesquisadora

o informou que em outro momento, ele teria condições de aprender isso e,

portanto, de vencer. Essa informação pareceu lhe motivar tanto que aceitou

continuar jogando.

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5ª Partida – (Leandro perde)

L. É o pato?

P. Não.

L. É o macaco?

P. Não.

L. Macaco?

P. Não. Eu gostaria que você pensasse melhor sobre as perguntas que você está

fazendo. Você acha que são boas?

L. Não.

P. Por que?

L. Porque eu não estou conseguindo ganhar.

P. Então, por que você continua fazendo perguntas da mesma forma, desde o início

das partidas?

L. (Encolhe os ombros e sorri, como se não tivesse uma resposta).

P. Então, vamos terminar essa partida e, depois, vamos jogar de uma forma diferente.

Continue perguntando, faltam três questões.

L. É um cachorro?

P. Não.

L. É o papagaio?

P. Não.

L. É a vaca?

P. Não. É a aranha.

Reação: Leandro parecia estar conformado com a derrota, como se esse

fosse um resultado já antecipado. Assim, mostrou-se indiferente por ter, mais

uma vez, sido derrotado.

Nas cinco partidas iniciais, Leandro apresentou um desempenho inferior ao

esperado, como pode ser visto no placar final (ele perdeu todas as partidas).

Durante todo o tempo só fez perguntas nominativas, talvez pensando que, ao adotar

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111

essa estratégia, o jogo poderia ser facilmente ganho. Parecia não se dar conta de

pensar e implementar uma estratégia para conseguir vencer as partidas.

2. Fase de assistência direta

2.1 Mediação só da pesquisadora e sem troca de papéis

Considerando o desempenho de Leandro nas fases anteriores, a

pesquisadora propôs novas partidas. Ela explicou que eles iriam jogar de uma forma

diferente. Ele, agora, esconderia a figura e ela formularia as questões. A

pesquisadora relembrou-lhe as regras do jogo e pediu que Leandro ficasse atento ao

tipo de questões que ela lhe faria. Assim, como forma de contribuir para que o

desempenho de Leandro fosse melhor, organizou as figuras segundo um critério

lógico (aves, mamíferos e insetos), explicitando qual era ele. Essa parte foi

composta de 15 partidas, mas, para efeitos de ilustração, serão descritas apenas

três delas. Vejamos:

1ª Partida

Jogada 1

P. É um animal que tem asas?

L. Não.

P. Então, vou retirar as aves, por que elas têm asas. E vou retirar também alguns

insetos, pois alguns deles têm asas e outros não.

Jogada 2

P. É um animal peludo?

L. Sim.

P. Vou retirar, agora, os insetos que não voam. Vão ficar só os mamíferos.

Jogada 3

P. Esse mamífero que você escondeu, pode ser criado dentro de casa?

L. Sim.

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P. Então, eu tiro o macaco, o cavalo, a vaca e o porco.

Jogada 4

P. Esse animal tem rabo comprido?

L. Não.

P. Bom, só sobrou o coelho. Ganhei! Viu só, Leandro, fiz apenas quatro perguntas e

ganhei o jogo. Você também pode ganhar, não pode?

L. (Sorrindo) diz: “Eu vou perguntar agora?”

P. Depois, você vai fazer isso mesmo, mas antes eu gostaria de perguntar algumas

vezes.

6ª Partida

Jogada 1

P. Esse animal mama?

L. Ih! Acho que sim.

P. Você sabe o que acabo de perguntar?

L. Se o bicho mama na mãe dele.

P. Isso mesmo! Entre esses animais, quais fazem isso?

L. Indica todos os mamíferos, sem exceção.

P. Você foi muito bem nessa partida. Você sabe como esses animais são chamados?

L. Animais que mamam.

P. Que outro nome a gente dá para “animais que mamam”?

L. Não sei.

P. Pense um pouco. Você já deve ter aprendido isso na escola, os tipos de animais.

L. Ah! Acho que é mamífero.

P. Então, o animal que você escondeu é um mamífero?

L. Não.

Jogada 2

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P. Esse animal tem asas?

L. Não.

P. Então vou retirar as aves, a joaninha, o grilo, a borboleta, a mosca e a barata. Viu só

quantas figuras eu retirei, fazendo só uma pergunta?

Jogada 3

P. Faz teia?

L. Sim.

P. Ganhei novamente! Descobri que era a aranha, fazendo só três perguntas.

13ª Partida

Jogada 1

P. É um animal que tem bico?

L. Não.

Jogada 2

P. É um animal que tem quatro patas?

L. Não.

Jogada 3

P.É um inseto que voa?

L. Não.

Jogada 4

P. Esse animal faz casa na terra, na areia?

L. Sim.

P. Então, ganhei de novo e só fiz quatro perguntas!

Nas partidas mencionadas como exemplo, fica patente o nível de

detalhamento necessário para que Leandro tivesse maior clareza acerca do que

eram “boas perguntas”, sem que a pesquisadora tivesse que lhe explicar.

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A ajuda oferecida pela pesquisadora pode ser classificada como sendo de

nível 2, ou seja, perguntas relevantes que permitiam a eliminação de um grande

número de figuras. Em todas as partidas, a pesquisadora explicou que esse não era

um privilégio seu, que Leandro, como qualquer pessoa, também era capaz de

formulá-las. Para isso, bastava ficar atento.

2.2 Partidas com troca de papéis entre criança e a pesquisadora

Foram realizadas oito partidas. Em quatro delas, Leandro fazia as perguntas

e, nas outras quatro, respondia àquelas que eram formuladas pela pesquisadora.

Nas quatro partidas em que lhe cabia fazer as perguntas, foi vitorioso. Durante essa

fase, o menino teve a oportunidade de utilizar os conhecimentos adquiridos na fase

anterior, ainda que se tenha percebido que, em nenhuma partida, a criança

organizou as figuras antes de dar início as jogadas. De qualquer forma, o que deve

ser evidenciado é que, nesse caso específico, foram necessárias várias partidas

para que Leandro tivesse condições de entender que a marca de “boas perguntas”

era a abrangência. Desse modo, ficou claro que a Zona de Desenvolvimento Real

desse participante era muito distinta das dos demais integrantes desse estudo, fato

que requer, para se alcançar aprendizagem desejada, mais empenho, esforço e, em

especial, a oferta de muita prática por parte dos docentes.

Sobre a conduta de Leandro na pesquisa, os seguintes aspectos foram

observados:

Envolvimento:

Atendeu prontamente às solicitações da pesquisadora, ouvindo com atenção

todas as explicações que ela lhe dava e sem fazer nenhum questionamento. No

início das partidas, ao ser derrotado, propôs uma outra, mas depois de um tempo, na

quarta partida, quiria desistir de jogar, em função de ter perdido várias delas.

Concentração:

Ao menor ruído na sala, Leandro queria saber do que se tratava e, com isso,

desviava constantemente sua atenção do jogo. Desse modo, foi necessário retomar

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inúmeras vezes as partidas, fator que fez com que se gastasse muito tempo com

esse participante.

Flexibilidade:

Por imitação, Leandro foi aos poucos modificando suas estratégias de jogo.

Aceitou, com facilidade, as dicas dadas pela pesquisadora.

Tolerância à frustração:

Como mencionado, foi apenas na 4ª partida da fase de assistência indireta

que o menino deu mostras de querer desistir de jogar. Convencido de que poderia

reverter o quadro de fracasso que vinha se delineando diante dele, aceitou, no

entanto, permanecer jogando.

Cooperação:

Leandro aceitou as sugestões dadas pela pesquisadora, mas não contribuiu

para a interação na medida que não dava suas opiniões e nem mesmo dicas.

Tranqüilidade:

O menino obedecia às regras do jogo, permanecendo tranqüilo durante todo o

tempo.

3. Fase das partidas com troca de papéis entre duplas de crianças

Após todas as crianças terem passado pelas fases anteriores, a pesquisadora

formou, inicialmente, duplas assimétricas de crianças, de acordo com o desempenho

obtido anteriormente. Seu objetivo, aqui, era que as mais experientes pudessem, ao

tentar ganhar o jogo, dar novos exemplos de “boas perguntas”, ampliando,

conseqüentemente, o repertório de seus parceiros.

Nessa fase foram realizadas doze partidas. Seguem abaixo algumas

perguntas utilizadas pelas crianças durante as partidas que não tinham aparecido

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até então. Elas evidenciam que eles tinham, em maior ou menor grau, apropriado-se

da forma adequada de perguntar, para se ter maior possibilidade de ganhar o jogo:

É doméstico?

Tem penas?

É selvagem?

Tem bico curto?

Tem dois pés?

Vale ressaltar que os meninos mais experientes eram Fernando e Gabriel.

Fernando venceu todas as partidas. Já Gabriel, ao jogar com Augusto ou Leandro,

nem sempre conseguiu ganhar o jogo. Esse fato indica diversidade intra níveis de

experiência (há, dentre os mais e menos experientes, gradações quanto ao

desempenho) e, ainda, que a passagem para um nível superior é possível em

função da qualidade da mediação oferecida.

Um outro aspecto que merece ser ressaltado é a análise que as crianças

fazem sobre as razões pelas quais perderam ou ganharam o jogo. Assim, por

exemplo, quando Augusto venceu Gabriel (contrariando o esperado) e a

pesquisadora lhe perguntou como explicava o acontecido, o seguinte diálogo teve

lugar:

P. Gabriel, porque você acha que perdeu?

G. Porque eu não fiz as perguntas certas.

P. E como elas deveriam ser?

G. Eu tinha que perguntar coisas que eu poderia tirar mais cartas.

P. E por que você não fez isso?

G. Eu fiz, mas não deu muito certo.

Leandro, por sua vez, ao jogar com Fernando, venceu (em desacordo com as

expectativas). Inquirido pela pesquisadora pelas razões de seu sucesso, o seguinte

diálogo foi travado:

P. Leandro, por que você acha que ganhou o jogo?

L. Porque eu fiz perguntas parecidas com a dos outros meninos.

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P. Como eram as perguntas dos outros meninos?

L. Eram assim: tem duas patas? É um mamífero? É um inseto?

P. E por que essas perguntas fizeram você e os outros meninos ganharem o jogo?

L. Porque a gente tem que olhar para todas as figuras e ver o que os bichos

têm de parecido; se eles têm mais ou menos patas, se mama na mãe...

Como pode ser visto, Leandro já sabia fazer “boas perguntas”, mas ainda não

conseguia formular claramente o que as diferenciava das demais. Daí, o fato de se

ater apenas às características comuns dos animais sem se dar conta de que estas

só eram importantes, na medida em que permitiam, ao ser identificadas, um maior

número de descartes.

4. Pós-teste

Nessa fase da pesquisa, buscava-se verificar se houve manutenção e/ou

transferência da aprendizagem, algo que indicaria se os meninos adquiriram não só

novos conhecimentos como, também, se sabiam como os aplicar em situações

análogas. Em sendo esse o caso, poder-se-ia atribuir à mediação da pesquisadora o

bom desempenho alçado no jogo com regras explícitas.

Para tanto, foram realizadas duas partidas do “Jogo das Boas Perguntas”

fazendo uso das mesmas figuras de animais, mas sem troca de papéis, para

verificar se houve manutenção da aprendizagem. Em seguida, foram feitas mais

duas partidas (exceção ao caso de Leandro, no qual foram necessárias três

partidas) com um novo conjunto de figuras, o qual continha alimentos, objetos

escolares e peças de vestuários. Mais uma vez, jogou-se sem troca de papéis, para

verificar se houve transferência das estratégias aprendidas e identificadas por meio

da pertinência e abrangência das perguntas formuladas.

Nas duas partidas em que se procurava verificar se houve manutenção da

aprendizagem das estratégias que levavam à formulação de boas perguntas,

observou-se que todos os meninos faziam uso da aprendizagem adquirida nas fases

anteriores. Já nas duas partidas, por meio das quais se tentava ver se as crianças

eram capazes de transferir esse conhecimento para outros cenários figurativos, o

que preponderou foi a dificuldade para fazer perguntas adequadas ao jogo em

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curso. O único que não demonstrou dificuldade acentuada foi Fernando, que

respondeu com pouca ajuda ao desafio proposto. Gabriel, por sua vez, relatou que

pensara ser esse um novo jogo, perdendo a primeira partida. A pesquisadora disse-

lhe que a regra era a mesma e que a diferença estava apenas nas novas figuras que

foram agregadas. Pediu-lhe, ainda, que ficasse atento à partida e que pensasse

melhor antes de realizar as jogadas. Ao iniciar a segunda partida, Gabriel fez uma

pergunta que pode ser considerada muito boa: “É um animal?”, uma vez que lhe

permitiu descartar um grande número de figuras e, com isso, vencer a partida.

Em relação a Augusto, sua conduta diante do jogo se alterou nitidamente.

Nas duas partidas que visavam a transferência, pareceu mais envolvido, concentrou-

se antes de fazer as perguntas e organizou as figuras segundo um critério lógico.

Segue, abaixo, transcrição que pode ilustrar o que aqui foi exposto:

A. É material escolar?

P. Não.

A. É comestível?

P. Não.

A. É animal?

P. Não.

A. É roupa?

P. Sim.

A. É de homem?

P. Sim.

A. É a camisa?

P. Sim.

P. Augusto, por que você acha que ganhou esse jogo?

A. Porque eu sou esperto.

P. Só por isso?

A. Não. Dessa vez, eu pensei muito para fazer essa jogada.

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P. E o que você pensou muito? Quando você teve que pensar muito?

A. Quando você disse que era roupa, eu olhei e vi essas figuras (referindo-se

à calça, à camisa, à meia, ao tênis e ao vestido). Aí, eu vi que tudo era coisa

que homem podia usar: só essa camisa, que é de mulher, um homem não

pode vestir. Aí, eu disse camisa e acertei.

Em outro momento de jogo, Augusto perguntou: “É invertebrado?”. Isso

chamou a atenção da pesquisadora, pois em outra situação, o menino expressou

dúvida acerca dos insetos serem ou não animais. Questionado se ele nunca havia

estudado isso na escola, Augusto respondeu: “nunca”. A pergunta acima revela,

entretanto, que ele faz uso de um conceito aprendido basicamente na escola.

Possivelmente, ele não se lembrou desse conceito, quando caracterizava os

animais.

Augusto julga que, antes de realizar uma jogada, é necessário que se “pense

bem”. Isso, de acordo com ele, permite que o jogador vença o jogo, pois sua

estratégia foi bem concebida. Para Tishman, Perkins e Jay (2001): “Os bons

pensadores têm disposição para explorar, para questionar, para investigar novas

áreas, para procurar a clareza, para pensar crítica e cuidadosamente, para

considerar diversas perspectivas, para organizar seu pensamento, e assim por

diante” (p.58). Augusto pode até não reunir, a princípio, todos esses atributos. Mas,

seguramente, está a caminho.

Leandro, nas duas primeiras jogadas, venceu com muita facilidade, indicando

que mantinha a aprendizagem recém adquirida. No momento de transferir os novos

conceitos e estratégias cognitiva, disse achar difícil jogar com tantas figuras juntas,

de modo que precisaria de mais perguntas para poder ganhar o jogo. A

pesquisadora perguntou-lhe, então, quantas questões seriam necessárias, ao que

ele respondeu: “Umas dez vezes!”. A pesquisadora tentou auxiliar Leandro,

recapitulando tudo o que havia sido feito nas fases anteriores, de modo que

acreditou que poderiam jogar a primeira partida. entretanto, o menino não se saiu

bem. A pesquisadora pediu-lhe, ainda, que organizasse as figuras antes de jogar,

mesmo procedimento adotado em fases anteriores. Assim, o menino formou os

seguintes grupos: coisas para vestir, coisa de comer e material escolar. A

pesquisadora, em seguida, pediu a Leandro que desse um nome para os grupos de

insetos, de mamíferos e de aves, ao que ele disse: grupo dos bichos.

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Após este período, foram realizadas duas partidas, ambas vencidas por

Leandro. Vejamos um exemplo:

L. É comida?

P. Não.

L. É do grupo dos bichos?

P. Não.

L. É de vestir?

P. Não.

L. Eu uso para escrever nele?

P. Não.

L. É pequeno?

P. Sim.

L. É de madeira?

P. Não

L. Tesoura! Sabia!

Mesmo tendo oferecido ajuda para que Leandro obtivesse um bom

desempenho, isso não retirou seus méritos diante do seu processo de

aprendizagem. Podemos constatar isso no exemplo acima, onde utilizou perguntas

abrangentes no início e apenas no final realiza pergunta “atributo de um”.

Conclui-se que os meninos utilizaram, de uma forma ou de outra, os

conhecimentos adquiridos nas fases anteriores, demonstrando terem se apropriado

de conceitos e habilidades cognitivas ao longo das interações criança-pesquisadora

e criança-criança. Segundo Davis & Oliveira (1993):

O processo de internalização é um processo ativo, no qual a criança se apropria do social de uma forma particular. Reside aí, na verdade, o papel estruturante do sujeito: interiorização e transformação interagem constantemente, de forma que o sujeito, ao mesmo tempo em que se integra no social, é capaz de posicionar-se frente a ele, ser seu crítico e seu agente transformador. Assim, à medida que as crianças crescem, elas vão internalizando a ajuda externa, que se torna cada vez menos necessária: a criança mantém, agora, o controle sobre a sua própria conduta. (p.50)

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5. Entrevista

Como mencionado no capítulo referente ao método, duas entrevistas estavam

previstas. A primeira tinha por objetivo obter informações que não poderiam ser

conseguidas por meio do JBP e, a segunda, realizada com cada menino

separadamente, na qual pretendia-se que os meninos expressassem suas opiniões

quanto ao jogo (facilidade, dificuldade, benefícios trazidos, etc.). Além disso, a

pesquisadora pôde verificar se os participantes teriam realmente aprendido,

solicitando dicas de como vencer o jogo com rapidez, fazer “boas perguntas”, e

estratégias a serem adotadas. Para melhor visualização, seguem abaixo as

perguntas realizadas e as respostas dadas pelos meninos:

1. O que você achou do jogo?

G. Legal.

A. Foi um pouco difícil.

F. Achei que quando a gente jogava, a gente aprendia também.

L. Gostei.

2. Foi fácil ou difícil? Por quê?

G.,F e L - Foi fácil.

A. No começo foi difícil, porque eu não tinha entendido direito. Mas, depois,

ficou mais fácil.

3. O que o que você aprendeu com esse jogo?

G e F.: Sobre os animais e um jogo diferente.

A.: Aprendi coisas sobre os animais que eu não sabia: sobre os insetos que,

às vezes, eu falava que não eram animais, mas eram.

L. Aprendi um jogo sobre animais. E aprendi jogar rápido e ganhar dos

meninos, perguntando coisas que tirava bastante figura: os insetos, os

animais que tinham asas...

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4. Se você fosse dar uma dica para o seu colega poder ganhar o jogo, o que lhe

diria?

G. Falava pra ele perguntar por grupos e não por coisas; uma coisa sozinha

tira só uma peça e, se ele fizer isso até acabar as perguntas, ele pode perder.

A. Eu ia falar para perguntar de grupo em grupo até o final do jogo e, se

sobrar poucas figuras, prestar bastante atenção e pensar bem para perguntar.

F. Eu ia ensinar que, para a pessoa ganhar, ela precisa fazer uma pergunta

que ela possa tirar várias figuras. E, depois que tivesse poucas figuras, ela

tinha que ver bem se elas tinham coisas parecidas e, depois, fazer a pergunta

até conseguir ganhar o jogo.

L. Se o animal tem duas patas, se voa, se mama... Aí ele pode tirar bastante

figura e ganhar.

Conclui-se ,a partir das respostas fornecidas pelos meninos, que,

inicialmente, o jogo lhes apresentava bastante dificuldade, as quais, ao longo das

várias partidas, foram sendo paulatinamente eliminadas. Os meninos aprenderam a

fazer “boas perguntas”, compreendendo que fazer qualquer pergunta ou contar com

a sorte não são boas estratégias para se obter sucesso no jogo. Além disso,

Fernando verificou que enquanto jogava também aprendia e Augusto, por sua vez,

destacou que foi capaz de eliminar as várias dúvidas que tinha a respeito de um

determinado grupo de animais. Podemos observar, como essas informações, que o

jogo para eles não era apenas algo lúdico, mas algo desafiador, que possibilitou

várias aprendizagens.

Em relação às dicas que dariam para um colega vencer o jogo, elas

demonstram que os meninos alcançaram uma compreensão relativamente

homogênea acerca do jogo, compreendendo que para vencer é necessário fazer

perguntas que abranjam o maior número de figuras possível, algo que exige que se

“preste bastante atenção” e que se “pense bem” antes de formular qualquer questão.

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V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo dessa pesquisa foi, o de verificar a eficácia da mediação exercida

pelo educador, em uma situação de jogo com regras explícitas. Como é bem sabido,

no Ensino Fundamental, o jogo não é um recurso sistematicamente utilizado na

escola. Existem, sim, práticas isoladas que o empregam como auxílio à

aprendizagem, porém elas não podem ser generalizadas para o contexto

educacional brasileiro. Além disso, as pesquisas que envolvem jogos, também,

raramente fazem uso da perspectiva sócio-histórica, uma vez que a maioria utiliza,

como referencial teórico, os postulados de Jean Piaget.

Para Vygotski (2003) o jogo com regras, faz parte do terceiro grupo de jogos1,

uma espécie de escola superior da brincadeira, “que surge de regras puramente

convencionais e das ações ligadas a elas”. Para o referido autor, esse tipo de jogo

está “ligado à resolução de problemas de conduta bastante complexos e que exigem

do jogador: tensões, conjeturas, sagacidade e engenho. E tudo isso numa ação

conjunta combinada das mais diversas aptidões e forças”. (p. 105). Diante disso,

podemos relacionar o jogo com regras e a aprendizagem, visto que ambos envolvem

uma situação de desafio. De fato, é essa característica que permite que se mobilize

conhecimentos prévios, que se busque novas informações e que se elabore novas

estratégias de pensamento. Assim, os resultados obtidos nessa pesquisa podem ser

de grande valia para o educador. São eles:

- Transferência do conhecimento. Sobre esse aspecto, podemos observar

como os participantes utilizaram os conhecimentos aprendidos previamente, ou seja,

como os conhecimentos construídos na escola ou fora dela, foram empregados,

posteriormente, em outras situações semelhantes. Ao sugerir que os meninos

realizassem os agrupamentos e os classificassem, a pesquisadora esperava que

todos dessem respostas iguais ou semelhantes, ou seja, que os três grupos de

figuras apresentados recebessem, respectivamente, a mesma classificação: insetos,

mamíferos e aves. Isso ocorreu apenas com dois dos participantes, como já

mencionado acima. Outros agrupamentos também se fizeram presentes, tais como:

animais voadores, animais selvagens, animais domésticos, entre outros. Com isso,

1 Os outros tipos de brincadeira que Vygotski menciona são: a) aquelas da criança com diferentes objetos e, b) as denominadas ‘construtivas’, que se acham relacionadas ao trabalho com um

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vê-se a diversidade dos conceitos e de formas de se expressar que os meninos

empregam ao executar uma mesma tarefa. Assim, não cabe, como aconteceu com a

pesquisadora, ficar ansiosa em face à diversidade de respostas. Ao contrário, cabe

assimilar o fato já bem difundido de que o repertório dos alunos é necessariamente

variado, cabendo realizar uma investigação diagnóstica para se identificar o que as

crianças pensam acerca de um determinado conceito.

- A qualidade da mediação. Para Severino (2001), “mediação é a instância

que relaciona objetos, processos ou situações” (p. 44). Como bem define, a relação

entre os aspectos por ele mencionados podem ser compreendidos e interpretados a

partir do que foi proposto por essa pesquisa. Nas situações de jogo com regras

explícitas, encontrou-se um espaço privilegiado para observar as interações que

ocorrem entre membros mais e menos experientes da cultura, algo importante para

que se possa compreender os dois níveis de desenvolvimento propostos por

Vygotski: o real e o próximo.

É justamente entre esses dois níveis que o educador deve intervir, de modo a

levar o aluno a aprender e, conseqüentemente, a se desenvolver. No entanto, à

medida em que for, no jogo, notando que já há domínio de algumas noções e que

novas habilidades cognitivas foram construídas, é importante que a ajuda seja

gradativamente retirada, de tal sorte que, sem sentir que está sozinho, o aluno tenha

condições de realizar, com autonomia, novas tarefas e buscar novos conhecimentos

Não se trata aqui, de atribuir ao jogo a missão de salvar as questões

educacionais, retirando-as dos impasses que freqüentemente acometem os

professores. Essa não é e nem deve ser considerada como uma de suas funções. A

proposta de que se utilize o jogo em sala de aula vai no sentido de torná-lo um

aliado da prática pedagógica, consistindo em mais um recurso para que se possa

observar, em situações lúdicas, como as crianças enfrentam desafios.

O jogo permite que a criança evidencie suas dificuldades e se expresse de

forma mais livre. Numa situação como essa, o educador pode ganhar informações

que não seriam possíveis por meio de formas mais convencionais de ensino,

habitualmente utilizada na escola. Além disso, o jogo permite que conhecimentos

determinado material, de modo que podem dar exatidão e acerto aos movimentos e auxiliam na elaboração de hábitos variados, diversificando as reações.

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sejam compartilhados, enriquecendo o repertório das crianças e desafiando-as a

adotar novas estratégias para resolver problemas.

- A dimensão afetiva da mediação. “Vygotski menciona, explicitamente, que

um dos principais defeitos da psicologia tradicional é a separação dos aspectos

intelectuais dos volitivos e afetivos, propondo que há uma unidade entre eles.

Coloca que o pensamento tem sua origem na esfera da motivação, na qual inclui

inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção” (Oliveira, 1992,

pág.76). Para oferecer uma mediação de qualidade, o educador precisa

compreender que não basta uma infinidade de recursos pedagógicos ou o domínio

do conteúdo de uma determinada disciplina: ele precisa ter sensibilidade para

perceber que a mediação eficaz passa por sua forma de se expressar: o tom de voz

que emprega, sua expressão facial, os sentidos que podem ser atribuídos à sua fala,

sua postura corporal. Tudo isso pode (ou não) facilitar para que o objetivo último da

escola seja atingido, isto é, que as crianças aprendam na medida de suas

possibilidades e de suas necessidades. A afetividade, inegavelmente, influencia em

muito o desenvolvimento cognitivo. Para Leite & Tassoni, “a mediação feita pelo

professor constitui-se como fator fundamental para determinar a natureza da relação

do aluno com o objeto do conhecimento” (s.n.t., p. 11). Afirmam, ainda, que “a

afetividade está presente em todos os momentos ou etapas do trabalho pedagógico

desenvolvido pelo professor, o que extrapola a sua relação “tête-à-tête” com o aluno”

(Idem, p.13).

- Modelos de boas perguntas. Ao propor o Jogo das Boas Perguntas,

pretendia-se que os meninos se apropriassem de formas mais adequadas, porque

mais abrangentes de fazer perguntas, ou seja, que as crianças fosse capazes de

realizar inclusão em classes, percebendo como essa estratégia cognitiva pode ser

útil, inclusive, em situações que se encontram fora da esfera escolar, caso dos

jogos. Sobre este aspecto, deve-se salientar que a pesquisadora organizou duplas

de crianças para interagir em uma situação de jogo com a finalidade de demonstrar

que também as demais crianças poderiam fornecer modelos de “boas perguntas”.

Não se quer, com isso, retirar do educador, sua importante função de mediador no

processo ensino-aprendizagem, colocando sobre os ombros das crianças uma

responsabilidade que não é dela. Seu intuito, de fato, foi o de mostrar que, por

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vezes, outras crianças podem ser, também, mediadores importantes para seus

companheiros.

- A formação de conceitos. Para Vygotski, a formação de conceitos começa

antes mesmo que a criança entre na escola, nas e por meio das interações que ela

estabelece com seu mundo físico e social. Cabe à escola propiciar condições para

desenvolver, naqueles que a buscam, a percepção de que os conceitos que ela já

sabe serão modificados pela ação escolar, aprimorados pela mediação do professor

e, também, pelo convívio com os colegas. Para tanto, há que se embasar nos

conceitos cotidianos, articulando-os com os científicos, de modo que os primeiros

ganhem uma inserção no abstrato sistema científico e, os segundos ganhem

concretude, por se apoiar nos primeiros.

Além disso, cabe aos professores fornecerem ocasiões para trocas de idéias,

para a prática de novos raciocínios e para que os conceitos trabalhados possam,

com a ajuda de todos, ser generalizados para outras áreas do conhecimento. No

JBP, não bastava que os meninos dissessem que determinado animal era “fofinho” e

que possuía “orelhas compridas”, estas informações são muito elementares para

aquilo que se buscava em termos de classificação e nomeação dos animais, além de

não fornecer um modelo de pergunta abrangente. Fazem-se necessárias

informações adicionais e com maior grau de generalidade, para que perguntas mais

abrangentes passem a ser formuladas. Ensinar às crianças como refinar conceitos a

partir daquilo que elas já sabem, facilita o processo e o torna menos mecânico. Elas

precisam saber que conceitos e estratégias cognitivas não surgem por acaso ou

“brotam dos livros”, mas que fazem parte do seu cotidiano, de suas vidas.

Para finalizar cabem duas pequenas reflexões:

- O educador precisa saber lidar com sua ansiedade, para não interromper o

processo de construção de conhecimento do aluno. Às vezes, na ânsia de ajudar,

ele se antecipa e fornece a resposta certa, impedindo o aluno de pensar e de,

eventualmente, aprender com seus erros. Às vezes, por não ver resultados

imediatos de sua ação, desiste de alguns alunos, julgando-os casos perdidos. Às

vezes, esperando muito do aluno e querendo que ele dê imediatamente a resposta

para um determinado assunto, esquece-se que conhecer é um processo histórico e

socialmente construído, que requer várias condições para possa ocorrer.

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- Em algumas situações de aprendizagem, o aluno não necessita,

sistematicamente, do auxilio do educador. Isso, de maneira nenhuma, quer dizer que

esse último deva se ausentar do seu papel de mediador dos processos educativos.

Mas, diante de tais situações, ele pode auxiliar o aluno a construir novas estratégias

para realizar uma mesma tarefa, constituindo um ponto de apoio e de segurança por

indicar e sustentar o percurso. Tudo isso não é fácil, nem simples, pois exige que

professores e alunos reconheçam a assimetria inicial, que só se tornará simetria se

houver entre novatos e especialistas uma relação de respeito e de confiança.

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ANEXO I

ENTREVISTA REALIZADA COM AS PROFESSORAS

1) Qual é o comportamento do aluno durante às aulas? (Fica atento

durante às explicações?; concentra-se para realizar às tarefas

propostas, etc.)

2) O aluno participa ativamente das atividades sugeridas?(Em quais

situações participa mais?)

3) Como o aluno se relaciona com você?

4) Como o aluno se relaciona com os colegas?

5) Em linhas gerais que outros aspectos relacionados ao

comportamento do aluno devem ser considerados? (Informações

sobre a família, em outras situações fora de sala de aula, etc.)

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ANEXO II PROTOCOLO DE REGISTRO DO COMPORTAMENTO

DA CRIANÇA EM RELAÇÃO À TAREFA ASSISTÊNCIA INDIRETA Envolvimento Não envolvimento Concentração Dispersão Flexibilidade Rigidez Tolerância à frustração Não tolerância à frustração

Cooperação Oposição Tranqüilidade Agitação ASSISTÊNCIA DIRETA Envolvimento Não envolvimento Concentração Dispersão Flexibilidade Rigidez Tolerância à frustração Não tolerância à frustração Cooperação Oposição Tranqüilidade Agitação PÓS-TESTE Envolvimento Não envolvimento Concentração Dispersão Flexibilidade Rigidez Tolerância à frustração Não tolerância à frustração Cooperação Oposição Tranqüilidade Agitação

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ANEXO III

Figuras utilizadas no Jogo das Boas Perguntas (JBP)

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FIGURAS UTILIZADAS NO PÓS-TESTE

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VI. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ANDRÉ, Maristela G. & LOPES, Regina Pereira. A construção do humano. In: O

humano, lugar do sagrado. MARTINI, Antonio; PONCE, Branca Jurema; ALMEIDA,

Cleide Rita S. de; SANTO, Eliton Espírito; BRITO, Ênio J. da Costa; ANDRÉ,

Maristela G.; LOPES, Regina Pereira & RIOS, Terezinha Azerêdo. Departamento de

Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

São Paulo: Editora Olho d’água, 1996.

ARANTES, Célia F. Reflexões sobre o jogo a partir de obras de Jean Piaget, 1997.

(104 páginas). Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação) Pontifícia

Universidade Católica. São Paulo.

BERTONI, Claudia. Jogo e Mediação Social: um estudo sobre o desenvolvimento e

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(Mestrado em Psicologia da Educação) Pontifícia Universidade Católica. São Paulo.

BOCK, Ana Mercês Bahia. A Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em

psicologia. In: Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia.

BOCK, Ana M. Bahia; GONÇALVES, M. Graça M. & FURTADO, Odair (orgs.). São

Paulo: Editora Cortez, 2002.

BROUGÈRE, Gilles. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

CAILLOIS, Roger. Os Jogos e os Homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia,

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CARNEIRO, Maria Ângela Barbato. Brinquedos e Brincadeiras: formando

ludoeducadores. São Paulo: Articulação Universidade/Escola, 2003.

CHATEAU, Jean. O Jogo e a Criança. São Paulo: Summus, 1997.

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