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1 A Grécia é o berço da nossa cultura. A Matemática e a Filosofia, como as conhecemos, nasceram na Grécia há mais de vinte e cinco séculos. De simples colecção de regras, a Matemática foi-se transformando num corpo harmonioso de conhecimentos. Como eram os primeiros teoremas? Quem os enunciou e demonstrou? Por que o fizeram? O Petteia, jogo de estratégia da Grécia Antiga, pertence a uma velha linhagem de jogos de tabuleiro que se espalharam pelo mundo.

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A Grécia é o berço da nossa cultura.

A Matemática e a Filosofia, como as conhecemos,

nasceram na Grécia há mais de vinte e cinco

séculos. De simples colecção de regras, a

Matemática foi-se transformando num corpo

harmonioso de conhecimentos. Como eram

os primeiros teoremas? Quem os enunciou e

demonstrou?

Por que o fizeram?

O Petteia, jogo de estratégia da Grécia Antiga,

pertence a uma velha linhagem de jogos

de tabuleiro que se espalharam pelo mundo.

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FICHA EDITORIALTitulo Grécia - Petteia

Autor Carlos Pereira dos Santos, João Pedro Neto, Jorge Nuno Silva

Revisão Edimpresa

Impressão e acabamento Norprint

Data de impressão Junho 2008

Depósito Legal

10 Livros, 10 Regiões, 10 Jogos para aprender e divertir-seGrécia – Petteia 03/07/08China – Xiang-Qi 10/07/08Babilónia – Ur 17/07/08Egipto – Senet 24/07/08Índia – Shaturanga 31/07/08Japão – Shogi 07/08/08África – Bao 14/08/08Indonésia – Surakarta 21/08/08América pré-colombiana – Awithlaknannai 28/08/08Europa – Hex 04/09/08

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podia ser compreendido racionalmente e que a matemática desempenhava um papel primordial nessa aventura de conhecimento. Assim, as conclusões matemáticas deviam ser baseadas em argumentações robustas e universais.

A ideia de prova e o abandono do cálculo prático é exemplificada nas tentativas, a partir de meados do século V a.C., para resolver três problemas geométricos que se tornaram famosos ao longo dos séculos: a quadratura do círculo, a duplicação do cubo e a trissecção de um ângulo arbitrário

No primeiro, trata-se de, dado um círculo, determinar, com régua e compasso, o lado do quadrado com a mesma área. No segundo procura-se o comprimento da aresta de um cubo, cujo volume seja o dobro do de um cubo dado. No terceiro, procura-se dividir um dado ângulo em três partes iguais.

A matemática sofreu uma alteração radical por volta do século VI a.C. De um conjunto mais ou menos organizado de regras e técnicas para resolver problemas, tão típicas na Babilónia e no Egipto, a matemática transformou-se num edifício de conhecimentos que se desenvolve

por métodos lógico-dedutivos.Não foi somente na matemática que se deu este milagre

grego, a filosofia constitui outro campo grandioso, mas é de matemática que nos ocuparemos.

Talvez a própria geografia da Grécia, com montes e vales, para além das suas diversas ilhas, dificultando o desenvolvimento de um Estado centralizado, tenha promovido esta nova tradição matemática. As Cidades-Estado que floresceram, com organizações políticas diversificadas, mas todas baseadas em leis, tornavam a argumentação uma competência muito útil e apreciada. Talvez assim se tenham dado os primeiros passos das demonstrações matemáticas - fruto da necessidade de apoiar as conclusões com argumentos válidos.

Os gregos foram os primeiros a acreditar que o mundo

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O grande número de tentativas para resolver estes problemas mostra que um objectivo central da matemática grega era a resolução de problemas geométricos, e que o grande corpo de teoremas que encontramos nas principais obras serviam como fundamentos lógicos para estas resoluções.

O primeiro matemático foi Tales de Mileto (~625-~547 a.C.), a quem se atribui a paternidade de vários teoremas.

Todos aprendemos na escola o célebre Teorema de Tales, que diz respeito a uma proporcionalidade de comprimentos de segmentos, quando duas rectas concorrentes são cortadas por duas rectas paralelas.

AB/BC = AD/DE

O comprimento AB está para o comprimento BC, assim como AD está para DE.

Outros resultados há cuja paternidade é atribuída a Tales. Um que nos é familiar é o que estabelece que qualquer ângulo inscrito numa circunferência cuja corda seja um diâmetro é necessariamente um ângulo recto. Relembremos que uma corda de uma circunferência é qualquer segmento de recta que una dois dos seus pontos.Tales

Uma corda de uma circunferência

Uma corda que é um diâmetro

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A Tales atribui-se também a medição da altura de uma pirâmide egípcia, mediante o uso de uma pequena estaca. Como é que Tales foi capaz de realizar tal tarefa? Colocando a estaca verticalmente no chão, Tales sabia que, à medida que o movimento do Sol vai projectando sombras de comprimentos diferentes, há uma altura, fácil de determinar, em que a sombra mede tanto como a própria estaca. Basta neste mesmo momento medir a sombra da pirâmide...

Este método funciona já que o grande afastamento do Sol nos permite assumir que os seus raios são paralelos.

Como medir objectos altos usando uma vara: num determinado momento a altura e a sombra medem o mesmo

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Alguns resultados são tão evidentes que não parecem teoremas, como o que diz que todo o círculo é bissectado (isto é, dividido em duas partes iguais) por qualquer diâmetro, ou o que diz que os ângulos da base de um triângulo isósceles (com dois lados iguais) são iguais entre si, ou, ainda, o que estabelece que quando duas rectas se encontram definem ângulos verticalmente opostos iguais.

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Acredita-se também que Tales era capaz de calcular a distância à costa de um barco no mar. Um dos métodos que poderá ter utilizado está ilustrado abaixo e faz apelo a um caso de congruência de triângulos.

Pitágoras (-̃572 a.C.--̃497 a.C.) é o segundo matemático de que há vastos registos. Acredita-se que nasceu em Samos, uma ilha no mar Egeu. Após ter viajado, nomeadamente pelo Egipto, regressou à sua terra natal e fundou uma escola quando contava já perto de 50 anos de idade. Esta escola tinha fins políticos, religiosos e filosóficos.

Os pitagóricos concentravam-se sobre quatro temas: a Aritmética, a Música, a Geometria e a Astronomia. Estes quatro mathemata deram mais tarde origem ao quadrivium medieval. A Aritmética tratava o estudo dos números naturais, suas classificações e propriedades. A Música abordava as relações entre os números, a Astronomia estava para a Geometria um pouco como a Música estava para a Aritmética: enquanto uma estuda relações entre objectos, a outra dedica-se aos objectos em si.

Sobre a morte de Pitágoras também não há certezas. Conta-se que os pitagóricos tornaram-se politicamente muito poderosos e que uma revolta popular, por volta de 500 a.C., incendiou a respectiva sede, matando muitos. Entre eles estaria o próprio Pitágoras. A componente política deste movimento parece ter desaparecido com Pitágoras. É certo que o grupo continuou muito influente nos séculos seguintes, mas somente nas vertentes matemática e filosófica.

A grande diferença entre os pitagóricos e outras agremiações reside na apologia do saber, da Matemática em particular. A ideia de que a natureza se lê e compreende com a mediação da Matemática é pitagórica, tudo é número é a expressão atribuída a Pitágoras.

Pitágoras

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Como Tales poderá ter determinado a distância de um barco a terra: Um observador em terra, no ponto A determina dois triângulos

congruentes (AB = BC, CD perpendicular a AC)

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Pitágoras, experimentando com o monocórdio, instrumento de uma corda só, constatou que as harmonias estavam associadas a razões entre números inteiros. Por exemplo, quando se faz vibrar meia corda obtém-se um som uma oitava acima do produzido pela corda solta, ou seja, a oitava está associada à relação 2:1. De forma semelhante à Quinta corresponde uma razão 3:2. Se até os sons eram regidos pelos números... não surpreende a afirmação tudo é número.

Esta ideia de harmonia do mundo foi estendida ao próprio Cosmos. Pitágoras acreditava que os planetas eram transportados por esferas de cristal, animadas a diferentes velocidades, que produziriam uma música que ele conseguia detectar: a música das esferas.

A doutrina pitagórica consistia em numerologia mística misturada com filosofia cósmica. Cada ente, material ou ideal, estava associado a um número inteiro, e os números tinham personalidade própria. Assim, o 1 representava a razão, já que esta só pode produzir um conjunto consistente de verdades, o 2 era masculino, enquanto o 3 era feminino, o símbolo da justiça era o 4, por ser produto de iguais (4=2x2), o 5 era o número do casamento, por ser a soma do 2 e do 3, etc. E assim se foi desenvolvendo a Matemática, ganhando corpo como disciplina, sendo esta a primeira abordagem abstracta, desligada das aplicações imediatas, dos números. Esta tradição mística e contemplativa da Matemática haveria de perdurar até à Idade Média na Europa, altura em que os trabalhos de matemáticos como Euclides e Arquimedes, do século III a.C., foram redescobertos.

Os gregos não dispunham de símbolos próprios para números. Usavam o alfabeto para esse efeito (as nove primeiras letras para os nove primeiros números, as nove seguintes para os nove primeiros múltiplos de 10, etc.), o que não era muito prático. Talvez esta seja uma razão para que atribuíssem formas aos números, que hoje referimos por números figurados. Assim, temos os números triangulares: 1, 3, 6, 10, ...

Números triangulares

Os números quadrados: 1, 4, 9, 16,...

Números quadrados

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E assim sucessivamente. Estas representações ilustram propriedades numéricas, fazendo-as saltar à vista. Por exemplo, todo o número quadrado (maior do que 1) é soma de dois números triangulares consecutivos. Das nossas figuras: 4 = 1+3; 9 = 3+6; 16 = 6+10, ... basta traçar uma linha para tornar esta afirmação evidente:

Os números quadrados são soma de números triangulares consecutivos

O nome de Pitágoras estará para sempre associado ao teorema a que deu o nome. Todos aprendemos na escola que:

Um dia em Siracusa,Disse Pitágoras aos netos:“O quadrado da hipotenusaÉ igual à soma dos quadrados dos catetos.”

Um triângulo diz-se rectângulo se um dos seus ângulos medir 90º, isto é, se for recto. Num triângulo rectângulo, os lados menores chamam-se catetos e o maior chama-se hipotenusa.

Este teorema diz que se as medidas dos lados de um triângulo rectângulo forem a, b e c, então a2+b2=c2. Se três números satisfazem esta relação, dizemos que formam um triplo pitagórico.

Não só os matemáticos atribuíam importância ao estudo de disciplinas como a Geometria e a Aritmética. Como também Platão defendia na República o ensino da Matemática como meio de atingir a verdade, afastada das coisas materiais.

A Academia de Platão, por Rafael (séc. XVI)

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Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), que estudou na Academia de Platão, deixou-nos, entre muitas outras, a preocupação com as leis válidas da dedução lógica. Para Aristóteles, os argumentos lógicos deviam partir de algumas asserções e concluir destas, por absoluta necessidade, outras novas proposições. São os célebres silogismos. Um exemplo universal é o seguinte: Todos os homens são mortais; Sócrates é um homem. Logo, Sócrates é mortal.

A organização dos ramos do saber devia basear-se, segundo Aristóteles, em postulados (proposições iniciais próprias a cada ramo), axiomas (verdades comuns a todos os ramos) e a utilização de silogismos para acrescentar novo conhecimento com base em postulados, axiomas e proposições previamente provadas.

A obra matemática mais famosa de sempre foi escrita por volta de 300 a.C. e segue estes princípios. Trata-se Os Elementos de Euclides. Traduzido e publicado repetidamente em todo o mundo por mais de 2000 anos, somente a Bíblia vendeu mais cópias do que este livro.

Os Elementos são uma obra em treze livros. O primeiro começa com as definições e postulados da Geometria plana e termina com a prova do Teorema de Pitágoras e seu recíproco (isto é, que um triângulo de lados a, b e c que verifiquem a2+b2=c2

é necessariamente rectângulo).

Euclides (fl. ~300 a.C.)

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Os Elementos, de Euclides. Primeira página de uma edição do século XV

Eis algumas das definições do primeiro livro:1. Um ponto é o que não tem partes.2. Uma linha é uma extensão sem largura.3. As extremidades de uma linha são pontos.4. Uma linha recta é uma linha que assenta igualmente com todos os seus pontos.5. Uma superfície é uma extensão somente com comprimento e largura.6. As extremidades de uma superfície são linhas.7. Uma superfície plana é uma superfície que assenta igualmente com todas as linhas rectas sobre ela.8. Um ângulo plano é a inclinação entre duas linhas num plano que se encontram, mas não estão contidas numa linha recta.9. E quando as linhas contendo o ângulo são rectas, o ângulo diz-se rectilíneo.10. Quando uma linha recta cai numa linha recta de modo a fazer iguais os ângulos adjacentes, cada um dos ângulos diz-se recto, e a linha recta que cai sobre a outra diz-se perpendicular a ela.15. Um círculo é uma figura plana limitada por uma linha de tal modo que todas as linhas rectas que caem nela partindo de um mesmo ponto situado dentro da figura são iguais.16. E o ponto é chamado o centro do círculo.17. Um diâmetro de um círculo é uma linha recta passando pelo centro do círculo e terminando em ambas as direcções na circunferência do círculo, bissectando o círculo.18. Um semicírculo é a figura contida pelo diâmetro e a circunferência cortada por este. E o centro do semicírculo é o mesmo que o do círculo.23. Linhas rectas paralelas são linhas rectas que, contidas no mesmo plano e prolongadas indefinidamente em ambas as direcções, jamais se encontram.

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Os postulados da Geometria:1. Desenhar uma linha recta de um ponto até outro ponto.2. Prolongar continuamente uma linha recta finita numa linha recta.3. Construir um círculo com quaisquer centro e raio dados.4. Todos os ângulos rectos são iguais.5. Se uma linha recta cai em duas linhas rectas de forma a que os dois ângulos internos de um mesmo lado sejam menores que dois ângulos rectos, então as duas linhas rectas, se forem prolongadas indefinidamente, encontram-se no mesmo lado em que os ângulos são menores que dois ângulos rectos.

Os axiomas, ou noções comuns:1. Coisas que são iguais à mesma coisa também são iguais entre si.2. Se iguais forem somados a iguais, as somas são iguais.3. Se iguais forem subtraídos a iguais, os remanescentes são iguais.4. Coisas que coincidem uma com a outra são iguais entre si.5. O todo é maior do que a parte.

A primeira proposição tem a ver com a construção de um triângulo equilátero dado um dos seus lados, AB. A figura seguinte exibe o procedimento:

Com centro em A e raio AB podemos traçar a circunferência BCD. Com centro em B e raio AB podemos traçar a circunferência ACE. Estas construções estão justificadas pelo postulado 3.

Seja C um ponto de intersecção das duas circunferências. Usando o postulado 1, podemos obter os segmentos AC e BC. Pela definição 15, os segmentos AB e AC são iguais, assim como os segmentos AB e BC. Pela noção comum 1, os três segmentos são iguais e o triângulo ABC é equilátero.

Esta é uma prova simples, mas tem as características de toda a obra: o encadeamento dedutivo. Após ter estabelecido esta proposição, ela passa a fazer parte dos recursos de Euclides, que a utilizará em outras provas.

Os livros VII-IX são dedicados à Aritmética. Vejamos algumas das definições que ocorrem logo no livro VII:1. Uma unidade é algo em virtude do qual as coisas que existem são chamadas um.2. Um número é uma pluralidade composta de unidades.

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3. Um número é uma parte de um número, o menor do maior, quando mede o maior.4. Mas partes quando não o mede.5. O número maior é um múltiplo do menor quando é medido pelo menor.11. Um número primo é aquele que é medido apenas pela unidade (caso contrário é composto).12. Números primos entre si são aqueles que são medidos apenas pela unidade como medida comum.15. Diz-se que um número multiplica um número quando o que é multiplicado é adicionado a si próprio tantas vezes quantas há unidades no outro, e assim algum número se produz.20. Os números são proporcionais quando o primeiro é o mesmo múltiplo, ou a mesma parte, ou as mesmas partes, do segundo que o terceiro é do quarto.

Nesta terminologia, um número a mede um número b se b for um múltiplo próprio de a, isto é, se existir um inteiro k>1 tal que b=ka. Note-se que 1 não é considerado um número. Os números primos são 2, 3, 5, 7, 11,…

Na proposição 31 do livro VII, Euclides prova que todo o número composto é múltiplo de algum número primo. Daqui conclui (prop. 32) que qualquer número é primo ou divisível por um número primo.

Para provar a proposição 31, Euclides considera um número composto arbitrário, a. Por definição, a tem um divisor, b. Se b for primo, a prova está terminada. Caso contrário, b é composto

e admite um divisor c, e assim sucessivamente. Como a>b>c>…> 1, esta sucessão de números inteiros não pode continuar para sempre, já que cada um é menor do que o anterior e são todos maiores do que 1. Um dos números que ocorrem deve ser primo, o que termina a demonstração.

Na proposição 20 do livro IX, Euclides prova que há uma infinidade de números primos. O seu argumento é ainda hoje considerado muito elegante. A ideia da prova consiste em mostrar que, dado um conjunto de números primos, é sempre possível encontrar um outro número primo.

Euclides parte de três números primos, A, B e C e considera o número que se obtém quando se multiplicam estes primos e se soma uma unidade, isto é, considera N=AxBxC+1.

Ora é claro que o número N é diferente de A, B e C. Também se compreende que, quando se divide N por A (ou por B, ou por C), o resto da divisão é sempre 1, pelo que nem A, nem B, nem C são divisores de N. Pela proposição 32 do livro VII, que vimos acima, N é primo ou divisível por um número primo. Se N for primo, a demonstração está terminada. Se N tiver um divisor primo, este não poderá ser A, B ou C, pelo que obtemos sempre um primo diferente dos dados.

Não há nada de especial em ter partido de três números primos, poderíamos ter considerado 30 ou 300. O que interessa é que exibimos um método que nos permite de um conjunto de números primos obter ainda mais um. Esta forma de abordar o geral a partir de um exemplo, o chamado exemplo generalizável, caiu em desuso, com o incremento das notações sofisticadas, que, muitas vezes, só obscurecem o que é, de outra forma, acessível.

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jogadores de Petteia que, graças ao seu pobre entendimento do jogo, se encontram incapazes de mover e, assim, são derrotados. Platão é o primeiro a referir, na República, o Petteia como uma ciência, ou seja, uma disciplina de pensamento racional, exi-gindo prática contínua para atingir a mestria.

Também Aristóteles, na sua Política, fala do jogo quando refere que um homem sem cidade, sem nacionalidade, é com-parável a uma peça isolada no jogo de Pettoi, uma mais que provável referência ao mesmo jogo.

Um pouco de História

Os gregos, como quase todos os povos, possuíam jogos de tabuleiro com poucos ou nenhuns elementos de sorte e que, por isso, exigiam ao jogador um forte pensamento estratégico para poder vencer o seu adversário. Um desses jogos, referido por Platão, denomina-se por Cidade

(da palavra Pólis), ou Petteia, uma palavra grega que signifi ca, genericamente, tabuleiro de jogo e deriva de outra palavra grega Pessoi que signifi ca peça, homem, pessoa.

As referências mais antigas datam do século V a.C., mas em muitas fontes não é claro quando se utilizam estes termos para referir um jogo específi co ou, em geral, uma classe de jogos de guerra (jogos cujo objectivo é capturar o exército inimigo). Neste texto usamos o termo Petteia para referir um jogo particular sobre o qual falaremos nas seguintes páginas.

Platão diz-nos que o Petteia veio do Egipto, com origem num outro designado Seega, e com o qual partilha alguns dos mecanismos básicos das regras. Platão refere o jogo quando compara os parceiros de Sócrates, nos seus famosos diálogos, que se vêem derrotados pela dialética do seu mestre, como maus

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Pollux, um egípcio grego que viveu no século II, escreveu, no seu livro Onomasticon, uma das últimas referências clássicas sobre este jogo, onde nos dá informações mais precisas sobre o Petteia: o tabuleiro é chamado de Cidade e as peças são desig-nadas por Cães, um nome igualmente usado por Platão. Pollux refere que há peças de duas cores, onde a arte do jogo consiste em cercar e capturar as peças do adversário usando duas peças aliadas.

Porém, nem Platão, Pollux ou outras fontes(1) são capazes de nos informar com exactidão quais as regras deste jogo. Não é uma tarefa fácil recuperar completamente, sem ambiguidades, todas as regras de um jogo de tabuleiro a partir de fontes literárias da Antiguidade. Este facto, infelizmente, é muito comum à maioria dos jogos antigos. Isto não impediu que os estudiosos sugerissem possíveis regras para o Petteia. Vamos usar uma dessas interpretações e discutiremos alguns dos problemas originados por este conjunto de regras.

O jogo desenrola-se num tabuleiro com oito linhas e oito colunas.

Cada jogador tem oito peças, dispostas na sua respectiva primeira linha:

Adicionamos um conjunto de coordenadas, como no xadrez, para mais facilmente se identificar a posição das peças no tabuleiro:

As peças movem-se na vertical ou na horizontal (mas não na diagonal), deslocando-se por uma ou mais casas vazias (é ilegal saltar ou parar numa casa ocupada por outra peça).

As regras do Petteia (propostas por Wally J. Kowalski)

(1) Para mais

informações visite o

Museu dos Jogos em

www.gamesmuseum.

uwaterloo.ca e leia nos

arquivos (em inglês),

o artigo de R.G. Austin,

Greek Board Games

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Por exemplo, no tabuleiro seguinte, marcamos as casas para onde a peça branca em D4 se poderia mover, se fossem as brancas a jogar:

No Petteia também se podem capturar peças:Uma peça é capturada se, após a jogada do adversário,

esta peça passar a estar entre duas peças inimigas colocadas em casas imediatamente adjacentes na direcção vertical ou horizontal.

Este tipo de captura designa-se captura por custódia e podemos ver um exemplo no diagrama seguinte. A peça branca em F1 (diagrama da esquerda) move-se para F4 capturando por custódia a peça negra em E4 (diagrama da direita):

Este tipo de captura é generalizável a linhas de peças da mesma cor:

Uma linha de peças da mesma cor também pode ser cap-turada por custódia se, após a jogada do adversário, estas peças passarem a estar entre duas peças inimigas colocadas em casas imediatamente adjacentes na direcção vertical ou horizontal.

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Um exemplo deste tipo de captura ocorre no seguinte dia-grama, onde a peça negra em B7 se move para D7 capturando as quatro peças brancas:

De notar que, após o movimento da peça, é possível cap-turar na vertical e na horizontal ao mesmo tempo.

No exemplo que se segue, a peça branca em C2 (diagrama da esquerda) move-se para C5 (diagrama da direita) capturando quatro peças em três sentidos, ou seja, a peça negra em B5 por causa de A5, as peças negras em D5 e E5 devido a F5, e a peça negra em C6 com a ajuda de C7:

Uma peça que se mova entre duas peças inimigas, não é capturada.

Isto significa que a captura por custódia só funciona quan-do o padrão referido (duas peças a cercar uma ou mais peças inimigas) é formado pelo jogador que faz a captura.

Por exemplo, se na seguinte posição a peça negra em G7 se deslocar para G2 (ficando entre as peças brancas em H2 e F2) ela não será capturada:

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Um jogador ganha a partida se conseguir um de dois ob-jectivos:

1) Capturar todas as peças adversárias.2) Imobilizar o adversário, deixando-o sem jogadas legais.

No seguinte diagrama, se as brancas moverem a sua peça de A1 para A4 ganharão a partida por conseguirem capturar as últimas peças negras:

No seguinte diagrama, se as negras moverem a sua peça de C8 para C1 ganharão a partida, pois irão imobilizar todas as peças brancas:

Os jogadores podem acordar um empate, perante uma situação no tabuleiro onde ambos se vejam impossibilitados de concluir a partida, porque ninguém consegue efectuar mais capturas ou bloquear o adversário.

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Uma partidaVamos seguir uma partida de Petteia imitando a notação do xadrez. Por exemplo, se uma peça se mover da casa A1 para a casa G1, escreveremos A1-G1 se não ocorrerem capturas, ou A1:G1 no caso de haver peças capturadas.

Aconselhamos que o leitor vá seguindo a partida com o tabuleiro que acompanha este texto.

Começando com o tabuleiro na sua posição inicial:1. C1-C4, E8-E2

2. D1-D2, D8-D4

3. F1:F2, B8:B4 (uma troca de peças num sacrifício mútuo)

Estes movimentos resultaram na seguinte posição:

4. F2-F5, F8-F6 (as negras ameaçam a peça branca em F5)

5. F5-E5, A8-A3 (as brancas defendem-se movendo-a para E5)

6. A1-A2, D4-D5 (as negras atacam de novo a peça em E5)

7. E5-E3, H8-H7

8. D2-C2, G8-G3

9. H1-H3, G3-G4 (após a ameaça Branca, G3 recua)

As Negras influenciam um maior terreno, forçando as brancas a mover-se

entre as suas três primeiras linhas.

10. G1-G3, H7-E7

11. E1-F1, D5-H5 (a luta pelo controlo das colunas livres)

12. F1-F3, C8-D8

13. E3-E4, E7-C7

14. F3-C3, D8-D1 (as negras entram na área branca)

15. C3-C5, H5-E5 (as brancas ameaçam B4 mas são atacadas em E4)

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16. E4-D4, E5-D5 (as negras ameaçam capturar D4 e C5!)

17. C5-C3, C7-C4 (a pressão aumenta sobre as brancas em C2 e C3)

18. C2-D2, G4:E4 (as brancas estão em desvantagem numérica e posicional)

19. D2-D4, E4-E2 (de novo um duplo ataque negro a C3 e D4)

20. D4-D3, E2:C2 (mais uma peça branca capturada...)

21. D3-C3, C2-H2

22. A2-D2, C4:H4 (as brancas cometem um erro e perdem outra peça)

23. G3-H3, H2-E2

Esta é a posição depois da jogada 23:

Já não é possível impedir a captura de mais uma das peças bran-cas (ou H3 ou D2), sendo a posição insustentável. Desta forma, as brancas desistem perante a desvantagem numérica e a falta de possibilidades de recuperação.

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Algumas notas sobre o jogo:É perigoso deixar peças em linha, dado a possibilidade da

captura múltipla. Também não se aconselha manter as peças demasiado juntas, para evitar um cerco global ao exército como forma de lhe tirar as possibilidades de movimento.

As peças isoladas estão sujeitas a ataques pelo adversário, especialmente se estiverem próximas umas das outras num pa-drão diagonal.

No seguinte exemplo, as negras vão perder uma peça, mes-mo que sejam elas a jogar. Isto porque a peça branca em F5 serve de suporte à captura por custódia às duas peças negras que lhe são adjacentes.

O jogo como foi descrito possui alguns problemas estru-turais. Jogadores experientes podem impedir o adversário de ganhar vantagem, porque a dinâmica do jogo torna a defesa mais fácil que o ataque. Não é muito díficil proteger as peças aliadas se não quisermos atacar as do adversário. Também é difícil capturar uma peça que tente fugir do inimigo, sendo necessário o esforço de várias peças para a cercar. Isto significa que os empates serão comuns devido à mútua incapacidade de os jogadores chegarem a um dos objectivos de vitória.

Outro problema relacionado é que um jogador pode efec-tivamente forçar um empate, criando um padrão inexpugnável.

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O diagrama mostra-nos um pequeno exemplo deste grande problema. Apesar de só terem quatro peças, as brancas podem jogar indefinidamente a peça em A1 para B1 e vice-versa sem terem receio de represálias, pois as Negras não conseguem cap-turar qualquer peça branca.

Para colmatar, pelo menos em parte, estes problemas, sugere-se ao leitor a inclusão de uma regra que expande as cap-turas e que pode ser expressa da seguinte forma:

Na captura por custódia é possível usar os lados direito e esquerdo do tabuleiro (mas não os lados superior e inferior) como se fossem peças aliadas.

Desta forma aumentam as possibilidades de captura e tor-na-se muito mais difícil a construção de posições invulneráveis. No exemplo anterior, às negras bastaria mover C8 para C2 para capturar as peças brancas em A2 e B2 (porque, com esta nova regra, o lado do tabuleiro seria considerado como uma peça ne-gra, permitindo a captura por custódia) e ganhando facilmente a partida.

Outras variações são possíveis. Em vez de começar com uma posição inicial, definir uma fase prévia onde as peças são largadas, alternadamente pelos jogadores, em casas vazias. Nesta fase, poderão ocorrer, eventualmente, capturas por custódia, sendo por isso desaconselhável largar peças adjacentes a peças inimigas. Nesta variante, poderão ser usadas mais peças por jogadores (por exemplo, tentar com doze peças em vez das oito peças usadas pelas regras propostas). Esta variante pode ter sido usada, posteriormente, pelos Romanos (conferir a próxima secção sobre esta e outras sugestões).

Outra sugestão é facilitar a condição de vitória, dando a vitória ao jogador que seja capaz de reduzir o exército do ad-versário a três ou menos peças. Desta forma, a obtenção de uma vantagem nas capturas pode forçar o jogador defensivo a iniciar um ataque para a recuperação das perdas sofridas. Isto porque, de outro modo, o jogador com vantagem pode iniciar um pro-cesso de trocas e capturas mútuas para reduzir o número de peças no tabuleiro e, assim, chegar rapidamente à vitória.

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Voltando à História...

As referências gregas usam dois termos genéricos para falar de jogos. A palavra Petteia e a palavra Kubeia, cujo significado geral é o de jogos com elementos de sorte, derivada da palavra Kuboi e que significa dado. Desta forma, já os gregos optavam por uma divisão semelhante a certas

classificações modernas, a separação do que hoje em dia chama-mos jogos de estratégia (por exemplo, o Xadrez e as Damas) e jogos de sorte (jogos com elementos aleatórios como o Ludo ou o Jogo do Ganso ou, ainda, jogos de informação escondida como os jogos de cartas). Platão faz referência a estes dois ter-mos. Diz-nos explicitamente que são conceitos separados e que ambos se originaram no Egipto, uma afirmação aceite por vários estudiosos modernos.

No Egipto, cerca de mil anos antes do milagre grego, já eram populares vários jogos de tabuleiro. Jogavam-se jogos de estratégia e jogos de corrida e de sorte. Destes últimos, iremos conhecer em detalhe, nesta colecção, o jogo Senet.

Já dos jogos de estratégia egípcios, talvez o mais conhecido fosse o jogo Seega, que, como já foi referido, partilha várias

características com o Petteia grego. Vamos explicar, em seguida, as regras deste jogo.

Uma partida de Seega ocorre em duas fases. Na primeira, cada jogador coloca no tabuleiro, alternadamente, um par de peças (excepto na casa central) até as peças encherem o tabuleiro (deixando a casa central desocupada). Quem largou as últimas peças começa a segunda fase. Nesta, cada jogador move uma sua peça na vertical ou horizontal para uma casa vazia adjacente, ou seja, as peças não se podem mover através de duas ou mais casas como no Petteia. Existe também aqui o mecanismo de captura por custódia, excepto que não se pode capturar linhas de várias peças inimigas. Outra diferença é que após uma captura no Seega, o jogador pode continuar a mover a mesma peça desde que con-tinue a capturar. Uma peça na casa central não pode ser capturada.

Senet

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Se um jogador não conseguir mover uma peça, é obrigado a pas-sar a vez e o adversário continua a jogar. Um jogador ganha se capturar todas as peças do adversário. Se alguém construir uma posição inexpugnável, o jogo é ganho por quem detiver mais peças (ou empatam se o número de peças for igual).

Para haver uma casa central, o tabuleiro deve possuir um número ímpar de linhas e colunas. As dimensões de 5x5 e 7x7 são comuns. Se quiser, pode usar o seu tabuleiro de Petteia para jogar o Seega, não usando, por exemplo, a coluna da esquerda e a primeira linha do tabuleiro.

Se o Seega é o antepassado do Petteia, este também teve a sua descendência. O jogo de Petteia foi adoptado pelos romanos,

onde sofreu algumas modificações (a essência do jogo, porém, ficou intacta) e passou a ser conhecido por Ludus Latruncu-lorum (O Jogo dos Mercenários) ou simplesmente Latrunculi. Foram encontrados vários tipos de tabuleiros, desde dimensões 8x8 até 10x12 e mesmo um 10x13. Era também aqui usada a captura por custódia. Já as peças cercadas não seriam retiradas imediatamente e poderiam ainda ser salvas se o atacante não as retirasse no turno seguinte. Esta regra é referida pelo filósofo estóico Séneca numa das suas cartas quando diz: Ninguém com a pressa [de salvar as suas coisas] de uma casa a arder irá examinar um tabuleiro de Latrunculi para descobrir como salvar uma peça já presa. A efectiva captura da peça contaria como uma jogada, o que permitiria ao adversário criar um con-tra-ataque noutro lado do tabuleiro.

Uma interpretação moderna sugere que as peças apenas se moveriam uma casa por turno (em vez da maior capacidade de movimento referida atrás, o que pode ser uma outra solução para os problemas das regras propostas do Petteia) e seriam capazes de saltar sobre as peças adjacentes, um movimento similar às regras usadas nas nossas Damas.

Seega 7x7

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