a marca como passaporte para a cidadania global: uma análise comparativa

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1 A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa Resumo Este estudo tem como objetivo identificar as relações de causa e efeito entre características do consumidor e sua adesão a marcas globais. Para tanto, baseia-se no modelo pesquisado por Strizhakova, Coulter, Price (2008) que avaliam como o etnocentrismo do consumidor e a abertura global impactam na importância que o consumidor dá à marca em sua decisão de consumo. Este impacto é mediado pelo conceito da crença na cidadania global, ou seja, a crença que marcas globais criam uma idealizada identidade global, que é compartilhada pelas pessoas com a mesma mentalidade (HOLT, QUELCH, TAYLOR, 2004). O referencial teórico percorre os temas: crença na cidadania global; etnocentrismo do consumidor; e abertura cultural; sendo utilizado para a elaboração das quatro hipóteses a serem testadas. A pesquisa de campo, de natureza quantitativa, do tipo survey, envolve uma amostra de 203 estudantes universitários, de classe socioeconômica A/B, na cidade de São Paulo. O questionário apresenta três escalas em formato Likert de sete pontos: a primeira é utilizada para medir etnocentrismo, sendo uma versão reduzida com seis itens da Cetscale (KLEIN; ETTENSON; KRISHNAN, 2005); a segunda uma escala para medir a abertura cultural adaptada de Sharma; Shimp e Shin (1995); e a terceira uma escala para medir crença na cidadania global (STRIZHAKOVA; CULTER; PRICE, 2008). A análise dos dados envolve uma etapa mais descritiva, seguida de uma análise multivariada dos dados utilizando-se a construção de um modelo baseado em equações estruturais. Essa técnica é usada para a especificação e análise de interdependências entre variáveis observadas e constructos teóricos. Pelos resultados da análise descritiva, percebe-se que jovens brasileiros de classe A/B, da cidade de São Paulo, tendem a ter baixo etnocentrismo, e alta abertura cultural. Por outro lado, a partir da análise multivariada, percebe-se que a abertura cultural tem um efeito positivo sobre a crença na cidadania global, e esta, por sua vez, causa certo impacto na preferência por marcas. Como contribuições, este estudo testa três escalas utilizadas internacionalmente para pesquisar o tema na realidade brasileira e apresenta uma análise comparativa dos resultados obtidos com pesquisas anteriores realizadas nos Estados Unidos, Romênia, Ucrânia e Rússia por Strizhakova, oulter, Price (2008). Este estudo tem utilidade tanto para acadêmicos na área de marketing, como profissionais de mercado que querem entender um pouco melhor os consumidores brasileiros de classe socioeconômica A/B da cidade de São Paulo.

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Page 1: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

Resumo

Este estudo tem como objetivo identificar as relações de causa e efeito entre características do

consumidor e sua adesão a marcas globais. Para tanto, baseia-se no modelo pesquisado por

Strizhakova, Coulter, Price (2008) que avaliam como o etnocentrismo do consumidor e a

abertura global impactam na importância que o consumidor dá à marca em sua decisão de

consumo. Este impacto é mediado pelo conceito da crença na cidadania global, ou seja, a

crença que marcas globais criam uma idealizada identidade global, que é compartilhada pelas

pessoas com a mesma mentalidade (HOLT, QUELCH, TAYLOR, 2004). O referencial

teórico percorre os temas: crença na cidadania global; etnocentrismo do consumidor; e

abertura cultural; sendo utilizado para a elaboração das quatro hipóteses a serem testadas. A

pesquisa de campo, de natureza quantitativa, do tipo survey, envolve uma amostra de 203

estudantes universitários, de classe socioeconômica A/B, na cidade de São Paulo. O

questionário apresenta três escalas em formato Likert de sete pontos: a primeira é utilizada

para medir etnocentrismo, sendo uma versão reduzida com seis itens da Cetscale (KLEIN;

ETTENSON; KRISHNAN, 2005); a segunda uma escala para medir a abertura cultural

adaptada de Sharma; Shimp e Shin (1995); e a terceira uma escala para medir crença na

cidadania global (STRIZHAKOVA; CULTER; PRICE, 2008). A análise dos dados envolve

uma etapa mais descritiva, seguida de uma análise multivariada dos dados utilizando-se a

construção de um modelo baseado em equações estruturais. Essa técnica é usada para a

especificação e análise de interdependências entre variáveis observadas e constructos teóricos.

Pelos resultados da análise descritiva, percebe-se que jovens brasileiros de classe A/B, da

cidade de São Paulo, tendem a ter baixo etnocentrismo, e alta abertura cultural. Por outro

lado, a partir da análise multivariada, percebe-se que a abertura cultural tem um efeito

positivo sobre a crença na cidadania global, e esta, por sua vez, causa certo impacto na

preferência por marcas. Como contribuições, este estudo testa três escalas utilizadas

internacionalmente para pesquisar o tema na realidade brasileira e apresenta uma análise

comparativa dos resultados obtidos com pesquisas anteriores realizadas nos Estados Unidos,

Romênia, Ucrânia e Rússia por Strizhakova, oulter, Price (2008). Este estudo tem utilidade

tanto para acadêmicos na área de marketing, como profissionais de mercado que querem

entender um pouco melhor os consumidores brasileiros de classe socioeconômica A/B da

cidade de São Paulo.

Page 2: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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1. Introdução

O efeito do país de origem do produto interessa a pesquisadores de marketing desde que

Schooler (1965) testou seus sucos e tecidos com estudantes centro-americanos, e concluiu que

a “atitude para com o povo de uma nação está relacionada a preconceitos em relação aos

produtos desse país”. Para registrar 30 anos de pesquisa, Peterson e Jolibert (1995)

conduziram uma meta-análise das publicações sobre o tema onde identificaram que algumas

condições do efeito país de origem ainda não tinham sido totalmente delineadas. Nessa

conclusão pautaram as pesquisas nos anos seguintes.

Avaliando a área de marketing como campo de estudo, Cavusgil, Deligonul, Yaprak (2005)

colocaram a pesquisa do efeito país de origem como um estágio inicial de estudo, da fase das

interfaces transnacionais e transculturais, hoje substituída pela fase dos estudos de múltiplos

mercados, especialmente os emergentes. Assim, os temas de estudo migram para o

etnocentrismo, patriotismo, e nacionalismo no comportamento de compra de produtos

estrangeiros. Ainda segundo os autores, o mais significativo desenvolvimento desta fase foi a

crescente sofisticação na definição dos temas pelos pesquisadores, bem como o refinamento

na definição e teste de hipóteses.

Acompanhando essa tendência, o presente estudo tem como objetivo procura identificar as

relações de causa e efeito entre características do consumidor e sua adesão a marcas globais.

Para tanto, está baseado no modelo desenvolvido por Strizhakova, Coulter, Price (2008) que

relaciona as marcas de produto como passaportes para a cidadania global e faz uma

comparação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. No estudo, os autores avaliam

temas emergentes como etnocentrismo, abertura global, e verificam como estes impactam na

importância que o consumidor dá à marca em sua decisão de consumo. Este impacto é

mediado pelo conceito da crença na cidadania global (HOLT, QUELCH, TAYLOR, 2004, p.

71). Os pesquisadores testaram seu modelo original com estudantes universitários nos Estados

Unidos, Romênia, Ucrânia e Rússia, o que permitirá uma comparação dos resultados

alcançados com universitários no Brasil, também avaliando quais semelhanças e diferenças

existiriam entre países desenvolvidos e emergentes, bem como as adequações necessárias a

realidade local.

2. Referencial teórico e construção das hipóteses

A globalização dos mercados colocou as marcas globais no centro do palco, exercendo seu

poder e influência sobre vários domínios no horizonte do consumidor: econômico,

psicológico e cultural (OZSOMER, ALTARAS, 2008). Marca global é aquela que tem,

muitos aspectos similares, como posicionamento, estratégia de propaganda, personalidade,

visual, e gera sentimentos parecidos nos países em que atua (AAKER, JOACHIMSTHALER,

1995).

No entanto, de nada adianta a empresa detentora da marca considerá-la, internamente, como

global se ela não for percebida pelo consumidor como tal. Essa percepção só será formada se

o consumidor acreditar que a marca é comercializada em múltiplos países, e reconhecida

neles como sendo global (STEENKAMP, RAJEEV, ALDEN, 2003).

A marca se beneficia quando o consumidor reconhece sua globalidade, aumentando seu nível

de estima e apreciação (JOHANSON, RONKAINEN, 2005). Um dos caminhos para a

construção dessa preferência por marcas globais é a sensação de pertencimento que essas

marcas oferecem, permitindo ao consumidor se sentir como que fazendo parte de uma cultura

Page 3: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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global de consumo (ALDEN, STEENKAMP, BATRA, 1999). Se, por um lado, as marcas

globais transportam os valores da cultura global, por outro, os consumidores criam e

adicionam novos significados às marcas globais por meio de um processo de significação e

re-criação, permitindo a criação de uma identidade, um sentimento de realização e

identificação para os consumidores (OZSOMER, ALTARAS, 2008). Os consumidores

compartilham com seus semelhantes uma identidade global idealizada, apoiada pela imagem

percebida das marcas globais - a cidadania global (STRIZHAKOVA, CULTER, PRICE

2008). Assim, os consumidores jovens que têm uma crença forte na cidadania global darão

maior ênfase e estarão mais envolvidos com as marcas em suas práticas de consumo.

H1: A crença na cidadania global tem um efeito positivo na importância que o

consumidor dá a marcas entre os universitários de São Paulo.

Os padrões de comportamento de marcas locais ou globais são influenciados fortemente por

dois constructos, o etnocentrismo do consumidor e a abertura cultural.

Etnocentrismo representa as crenças do consumidor sobre a adequação, ou mesmo

moralidade, da compra de produtos estrangeiros (SHIMP, SHARMA, 1987).

Abertura cultural está ligada à afetividade, hedonismo, e valores mais simbólicos das marcas,

e é definida como o interesse que os indivíduos têm em pessoas, valores e culturas

estrangeiras, bem como, experiências que tenham compartilhado nesses ambientes, não sendo

especificamente relacionada ao consumo de produtos e serviços estrangeiros versus locais

(SHARMA, SHIMP, SHIN, 1995).

Algumas pesquisas nos Estados Unidos indicaram que o etnocentrismo está negativamente

relacionado com a abertura cultural (SHARMA, SHIMP, SHIN, 1995), e outras pesquisas

constataram que o nacionalismo econômico (intimamente associado ao etnocentrismo)

também está negativamente relacionado com a abertura cultural (BAUGHN, YAPRAK,

1996). Alguns autores, no entanto, criticam essa visão que estaria baseada mais no senso

comum, que diz que quanto mais interações culturais e oportunidades de viagem maior será a

abertura cultural do consumidor, e menos no etnocentrismo. Skinner (apud

SHANKARMAHESH, 2006) afirma que grupos com maior grau de contato com culturas

diversas, como habitantes de fronteiras, viajantes e diplomatas tenderiam a ser mais

etnocêntricos e nacionalistas. Para efeito deste estudo, porém, será esperado um

comportamento mais semelhante àquele apontado em pesquisas conduzidas nos EUA, devido

a sua influencia cultural no mercado estudado.

H2: O etnocentrismo do consumidor e sua abertura cultural são negativamente

correlacionados entre os universitários de São Paulo.

O constructo abertura cultural foi validado por Sharma, Shimp e Shin (1995), em estudos

realizados nos Estados Unidos. A abertura (a experiências) é um dos cinco traços de

personalidade, e tem sido associada a valores como afetividade e lealdade a marcas, na

medida em que indivíduos com maior escore em abertura (a experiências) são mais curiosos

sobre o seu mundo interior e também sobre o mundo exterior, propensos a abraçar novas

idéias e valores não convencionais (MATZLER, BIDMON, GRABNER-KRAUTER, 2006).

Esses indivíduos mais abertos se percebem como menos provincianos e mais competentes ao

lidar com culturas estrangeiras, especialmente com a cultura global emergente, que é um

fenômeno que passa por rápidas e drásticas mudanças, resultado da crescente

interconectividade das várias culturas locais desde a Segunda Guerra Mundial. Esse grupo,

formado por perfis como adolescentes, executivos, diplomatas, etc., tem uma auto-imagem de

cosmopolitas, inteligentes e modernos (HANNERZ, 1990). Essas pessoas mais abertas ao

aprendizado de culturas estrangeiras e ao compartilhamento de valores estariam mais

Page 4: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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propensas a crer que as marcas globais podem prover um espaço para discussão e participação

no mercado global.

H3: Abertura cultural tem um efeito positivo na crença na cidadania global entre os

universitários de São Paulo.

Strizhakova, Culter e Price (2008) comparam, em seu estudo, o efeito do etnocentrismo entre

países desenvolvidos e em desenvolvimento, testando se nos primeiros o efeito positivo sobre

a crença na cidadania global seria maior do que nos últimos. Na réplica, não é possível fazer

algum tipo de comparação, mas é necessário testar o efeito do etnocentrismo, fundamental

para a análise geral das causas da preferência por marcas.

Segundo Strehlau, Loebel e Ponchio (2009) foram encontradas relações entre etnocentrismo

do consumidor da cidade de São Paulo e classe socioeconômica, confirmando a existência de

uma correlação negativa entre renda e etnocentrismo, pois conforme a renda aumenta,

aumentariam também as possibilidades de viagem e do desenvolvimento de um maior

cosmopolitanismo, o que levaria a uma diminuição das tendências etnocêntricas (SHARMA,

SHIMP e SHIN, 1995). Strehlau, Loebel e Ponchio (2009) também encontraram relações

entre etnocentrismo e idade, em consonância com o argumento de que a relação positiva entre

idade e as tendências etnocêntricas do consumidor baseia-se no crescente cosmopolitanismo

de anos recentes e na influência nos padrões de crenças dos jovens (BALABANIS,

MUELLER, MELEWAR, 2002). Assim, como o presente estudo trata de jovens

universitários de alto poder aquisitivo, espera-se que seja detectado um baixo etnocentrismo,

e, por conseqüência, uma alta crença na cidadania global.

H4: O etnocentrismo do consumidor tem um efeito negativo na crença na cidadania

global entre os universitários de São Paulo.

Estas hipóteses formuladas serão testadas na parte empírica do trabalho.

3. Procedimentos metodológicos

Este trabalho apresenta uma pesquisa empírica quantitativa do tipo survey, dentro de uma

abordagem para estudos cross-culturais. Neste sentido, são criadas escalas objetivas para se

fazer medições dos mesmos constructos em diferentes países e culturas, e que possam ser

posteriormente comparadas (MORRIS et al, 1999).

A amostra foi obtida por conveniência, do tipo não-probabilística, sendo constituída por

alunos de graduação de classe A/B na cidade de São Paulo.

A análise multivariada dos dados utiliza ao modelo de equações estruturais (SEM – Structural

Equation Model). Essa técnica é usada para análise de interdependências entre variáveis

observadas e constructos teóricos, chamados de variáveis latentes, e tem sido mais usada na

pesquisa em marketing, principalmente, pela sua flexibilidade analítica e generalidade

(HWANG, MALHOTRA, KIM, TOMIUK, HONG, 2010).

O formato geral do SEM consiste de duas partes: o modelo de mensuração e o modelo

estrutural. O modelo de mensuração especifica como as variáveis latentes ou os constructos

hipotéticos são medidos em termos das variáveis observadas, e descreve as propriedades das

medidas. O modelo estrutural especifica as relações causais entre as variáveis latentes e

descreve os efeitos causais e o montante de variância não explicada (CHATTOPADHYAY,

SHIVANI, KRISHNAN, 2010).

A Figura 1 traz o modelo de mensuração e o modelo estrutural, com a relação das hipóteses.

Page 5: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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Figura 1 - Modelo de SEM

Fonte: Autores (2011) com uso do software AMOS 19.0

A coleta dos dados ocorreu em novembro de 2010, com a aplicação de um questionário

estruturado, de auto-preenchimento, no ambiente de sala de aula, com supervisão dos

pesquisadores para eventuais dúvidas.

O questionário incluiu questões para o levantamento de dados demográficos: gênero, idade e

classe socioeconômica, medida pelo Critério Brasil (posse de itens de conforto familiar,

presença de empregados e nível de instrução do chefe da família). O questionário também

incluiu diversas escalas em formato Likert de sete pontos, variando entre o 1 – discordo

totalmente e o 7 concordo totalmente para medir etnocentrismo, abertura cultural e crença na

cidadania global, como mostra a Figura 2.

Para medir etnocentrismo do consumidor foi utilizada a escala de seis itens, desenvolvida por

Klein, Ettenson e Krishnan (2005), baseada na escala de dez itens de Netemeyer, Durvasula e

Lichtenstein (1991), que simplificaram a CETSCALE original de 17 itens, de Shimp e

Sharma (1987). Para medir abertura cultural foi utilizada a escala de quatro itens desenvolvida

por Sharma, Shimp e Shin (1995). A escala para medir crença na cidadania global foi

desenvolvida por Strizhakova, Culter e Price (2008).

A tradução das escalas foi feita pelos autores, seguida de procedimentos de tradução reversa

realizados por dois especialistas na área, com domínio do idioma inglês, que retornaram a

escala traduzida à versão original.

H1 = +

H3 = +

H2 = -

H4 = -

Page 6: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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Figura 2 - Escalas utilizadas na pesquisa

Variável Itens da escala

Etnocentrismo

E1 Produtos brasileiros, ontem, hoje e sempre.

E2 Comprar produtos estrangeiros é ser antibrasileiro.

E3 Não é certo comprar produtos estrangeiros, pois isso tira empregos de brasileiros.

E4 Nós devemos comprar produtos feitos no Brasil, ao invés de deixar outros países ricos às nossas

custas.

E5 Nós devemos comprar de países estrangeiros apenas os produtos que não podemos obter no nosso

próprio país.

E6 Consumidores brasileiros que compram produtos feitos em outros países são responsáveis pelo

desemprego de seus colegas brasileiros.

Abertura cultural

O1 Eu busco oportunidades de conhecer pessoas de outros países

O2 Eu gosto de aprender mais sobre outros países.

O3 Eu tenho prazer em conhecer e interagir com pessoas de países estrangeiros.

O4 Eu gosto de aprender sobre cultura e costumes estrangeiros.

Crença na cidadania global

C1 Comprar marcas globais me dá a sensação de cidadania global.

C2 Consumindo marcas globais eu me sinto parte de algo muito maior.

C3 Comprar marcas globais me dá uma sensação de pertencer ao mercado global.

Fonte: Autores (2011).

Para medir a preferência por marca, seguiu-se o procedimento utilizado por Strizhakova,

Culter e Price (2008), sendo solicitado ao respondente apontar a preferência por uma entre

duas marcas: uma marca de atuação global; e outra de atuação local; em uma lista de dez

categorias de produtos, como mostra a Figura 3. Ao marcar uma das colunas, o respondente

declarava sua preferência por aquela marca, sendo criada uma pontuação que refletia a

importância da marca na escolha do produto para cada um dos respondentes.

Figura 3 - Mensuração da preferência por marca

Quando se trata de: Prefiro esta marca Sou indiferente Prefiro esta marca

Café Starbucks Casa do Pão de Queijo

Camiseta Abercrombie Cavalera

Cerveja Heineken Brahma

Chinelo Crocs Havaianas

Chocolate Nestlé Garoto

Cosméticos L'Occitane Natura

Esporte ESPN SporTV

Jeans Levi’s Ellus

Refrigerante Coca-cola Guaraná Antarctica

Tênis Nike Olympikus

Fonte: Autores (2011).

Para o tratamento dos dados foi utilizado o software AMOS (versão 19.0) para a análise do

modelo de equações estruturais, e o software Statistica (versão 7.0) para a análise fatorial.

Page 7: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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4. Análise dos resultados

A amostra do estudo foi obtida por conveniência e composta por 203 estudantes universitários

de 17 a 25 anos, de duas faculdades na cidade de São Paulo. A idade média da amostra é de

19,5 anos, com desvio padrão de 1,86 anos.

É um grupo de alto poder aquisitivo, sendo 87% pertencente à classe A1/A2, e 11% à classe

B1/B2, pelo Critério Brasil de Classificação Econômica (2% não declararam). Ainda que o

Critério Brasil não meça diretamente renda, foi considerado como um substituto adequado. Os

homens correspondem a 55% da amostra. Boa parte da amostra teve algum tipo de

experiência internacional, seja viajando a lazer (84%), seja fazendo algum tipo de intercâmbio

estudantil (46%).

Como resultados de uma análise descritiva inicial, comparou-se média de cada uma das

variáveis e constructos, como mostra a Tabela 1.

Tabela 1 - Média e desvio-padrão de cada variável e constructo Constructo

Variável Itens da escala Média Desvio

Etnocentrismo 2,10 1,33

E1 Produtos brasileiros, ontem, hoje e sempre. 2,93 1,39

E2 Comprar produtos estrangeiros é ser antibrasileiro. 1,50 0,82

E3 Não é certo comprar produtos estrangeiros, pois isso tira empregos

de brasileiros.

1,65 0,98

E4 Nós devemos comprar produtos feitos no Brasil, ao invés de deixar

outros países ricos às nossas custas.

2,41 1,42

E5 Nós devemos comprar de países estrangeiros apenas os produtos

que não podemos obter no nosso próprio país.

2,45 1,54

E6 Consumidores brasileiros que compram produtos feitos em outros

países são responsáveis pelo desemprego de seus colegas

brasileiros.

1,67 1,06

Abertura cultural 5,77 1,47

O1 Eu busco oportunidades de conhecer pessoas de outros países 5,35 1,71

O2 Eu gosto de aprender mais sobre outros países. 5,87 1,34

O3 Eu tenho prazer em conhecer e interagir com pessoas de países

estrangeiros.

5,89 1,37

O4 Eu gosto de aprender sobre cultura e costumes estrangeiros. 5,98 1,34

Crença na cidadania global 2,93 1,58

C1 Comprar marcas globais me dá a sensação de cidadania global. 2,81 1,53

C2 Consumindo marcas globais eu me sinto parte de algo muito maior. 2,85 1,51

C3 Comprar marcas globais me dá uma sensação de pertencer ao

mercado global.

3,13 1,68

Fonte: Autores (2011).

Na Tabela 1, observa-se que o etnocentrismo apresentou a média mais baixa (2,10), ao

contrário da abertura cultural, que apresentou uma média maior (5,77) do que os outros dois

constructos, considerando a escala utilizada, de 1 a 7 pontos. Já a cidadania global apresentou

média intermediária, de 2,93 pontos.

Essas médias confirmam a tendência da relação apontada por Strehlau, Loebel e Ponchio

(2009) entre idade, renda e etnocentrismo: jovens de alto poder aquisitivo tendem a ter baixo

etnocentrismo. Também apontam para a relação negativa entre etnocentrismo e abertura

cultural, pontuada em estudos conduzidos nos Estados Unidos (SHARMA, SHIMP, SHIN,

Page 8: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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1995; BAUGHN, YAPRAK, 1996), ao contrário de estudos que demonstraram não haver

efeito negativo significativo do etnocentrismo na abertura cultural na Coréia (SUH, KWON,

2002), Europa Central (VIDA, DMITROVIC, OBADIA, 2008; VIDA, REARDON 2008) e

na Turquia e República Tcheca (BALABANIS et al. 2002). Esse comportamento aproximaria

os jovens brasileiros mais dos norte-americanos do que daqueles de países em

desenvolvimento pesquisados nesse estudo.

Na Tabela 2 são apresentadas as cargas fatoriais para cada uma das variáveis medidas para a

construção das variáveis latentes. Cargas fatoriais representam a correlação entre a variável

original e seu fator. Segundo Hair et al (2009) as cargas fatoriais têm erros-padrão

substancialmente maiores do que as correlações normais. Assim, as cargas fatoriais devem ser

avaliadas em níveis bastante restritos, e especificadas de acordo com o tamanho da amostra.

Para uma amostra de 203 componentes, como a utilizada no presente estudo, a recomendação

de Hair et al (2009; p. 120) é de cargas fatoriais de 0,40, para se atingir um nível de poder de

80%, com uso de um nível de significância de 0,05 e a inflação proposta dos erros padrão de

cargas fatoriais. A carga fatorial mínima atingida foi da variável E1, de 0,49, sendo atendido o

requisito de carga fatorial mínima. Pode-se afirmar, portanto que as cargas fatoriais estão

adequadas, e as variáveis estão significativamente correlacionados aos seus respectivos

fatores: etnocentrismo (E_), abertura cultural (O_) e crença na cidadania global (C_).

Tabela 2 - Cargas fatoriais

Cargas fatoriais

padronizadas Fator Variável Itens da escala

Etn

oce

ntr

ism

o

E1 Produtos brasileiros, ontem, hoje e sempre. .49

E2 Comprar produtos estrangeiros é ser antibrasileiro. .62

E3 Não é certo comprar produtos estrangeiros, pois isso tira

empregos de brasileiros.

.63

E4 Nós devemos comprar produtos feitos no Brasil, ao invés de

deixar outros países ricos às nossas custas.

.64

E5 Nós devemos comprar de países estrangeiros apenas os

produtos que não podemos obter no nosso próprio país.

.53

E6 Consumidores brasileiros que compram produtos feitos em

outros países são responsáveis pelo desemprego de seus

colegas brasileiros.

.60

Ab

ertu

ra

cult

ura

l

O1 Eu busco oportunidades de conhecer pessoas de outros países .62

O2 Eu gosto de aprender mais sobre outros países. .60

O3 Eu tenho prazer em conhecer e interagir com pessoas de países

estrangeiros.

.65

O4 Eu gosto de aprender sobre cultura e costumes estrangeiros. .56

Cid

ad

an

ia

glo

ba

l

C1 Comprar marcas globais me dá a sensação de cidadania global. .63

C2 Consumindo marcas globais eu me sinto parte de algo muito

maior.

.57

C3 Comprar marcas globais me dá uma sensação de pertencer ao

mercado global.

.68

Fonte: Autores (2011).

A fim de continuar a análise da validação das medidas Chattopadhyay, Shivani e Krishnan

(2010) indicam a necessidade de os valores de t sejam superiores a 2.0, como pode ser

confirmado na Tabela 3. De modo que, quanto aos valores de t, todos os itens ultrapassam o

critério de >= 2.0.

Page 9: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

9

Tabela 3 - Valores t e p T Statistic Prob. Level

E1 4,09 0,00

E2 9,57 0,00

E3 10,59 0,00

E4 8,51 0,00

E5 6,97 0,00

E6 9,71 0,00

O1 11,09 0,00

O2 6,76 0,00

O3 11,54 0,00

O4 8,73 0,00

C1 13,32 0,00

C2 11,13 0,00

C3 11,55 0,00

Fonte: Autores (2011).

Prosseguindo o desenvolvimento das equações estruturais, o modelo com as estimativas

padronizadas está apresentado na Figura 4.

Figura 4 - Modelo com estimativas padronizadas

Fonte: Autores (2011) com uso do software AMOS 19.0.

Page 10: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

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Na Figura 4, pode-se observar que as hipóteses um e três foram confirmadas, apesar das

estimativas relativamente baixas (0,12 e 0,18, respectivamente). De modo que, para a amostra

pesquisada, a abertura cultural tem um efeito positivo sobre a crença na cidadania global, e

esta, por sua vez, causa certo impacto na preferência por marcas.

Já a hipótese 2 apresentou o sinal negativo, conforme esperado, mas seu valor resultou muito

baixo (-0,02). Pode ser considerada parcialmente confirmada, mas há elementos, ainda, a se

investigar para apurar a razão de tal resultado.

A hipótese 4, no entanto, foi refutada, pois apresentou sinal positivo, ao invés do negativo

esperado. Assim, os jovens paulistanos de classe A/B são pouco etnocêntricos, mas conforme

aumenta esse etnocentrismo, aumenta também sua crença na cidadania global. Esse resultado

aparentemente paradoxal talvez confirme a afirmação de Troiano (1997) de que os jovens

brasileiros mantém a chamada “personalidade brasileira” e o amor pelo Brasil, enquanto

combinam novas atitudes, preferências e valores globais.

Ao analisar os valores do teste t, no entanto, apenas a hipótese 3 poderia ser considerada

confirmada, conforme demonstram os valores de t e p na Tabela 4. Apenas essa relação

apresenta o valor t superior a 2.00 e o valor de p inferior a 0.05.

Tabela 4 - Valores t e p

T Statistic Prob. Level

(Etnocentrismo)->(Cidadania) 1,23 0,22

(Abertura)->(Cidadania) 2,12 0,03

(Cidadania)->[PREF] 1,59 0,11

(Etnocentrismo)--(Abertura) -0,19 0,85

Fonte: Autores (2011).

De modo que esta é uma limitação deste estudo, mas permite que as demais hipóteses

comprovadas H1e H2, sejam consideradas como pistas do comportamento do consumidor

jovem de classe A/B da cidade de São Paulo.

A avaliação da qualidade do ajuste de um modelo deve incluir múltiplos índices e medidas, de

vários tipos (HAIR et al, 2009): o valor de qui-quadrado e os graus de liberdade associados;

um índice de ajuste absoluto (GFI, RMSEA ou SRMR); um índice de ajuste incremental (CFI,

TLI); um índice de qualidade de ajuste (GFI, CFI, TLI, etc.); um índice de má qualidade de

ajuste (RMSEA, SRMR, etc.). Ainda segundo Hair et al (2009) não há valores mágicos para

separar os modelos bons dos ruins, e não se pode aplicar um único conjunto de regras para

todos os modelos de mensuração, nem para todos os modelos estruturais. A qualidade do

ajuste dependerá de características próprias do modelo, como tamanho amostral e

complexidade. Se, por exemplo, o modelo for de maior complexidade, com grande número de

variáveis medidas e estimativas, e a amostra for grande, não será realista usar, por exemplo,

um valor de corte de GOF de 0.95.

Mesmo assim, vários autores apontam regras práticas para nortear decisões sobre qualidade

dos modelos de equações estruturais. Chattopadhyay, Shivani, Krishnan (2010) buscam na

literatura recomendações de parâmetros de avaliação da qualidade de modelos, que são

apresentados na Tabela 5. A lista inclui todos os tipos de índice considerados essenciais por

Page 11: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

11

Hair et al (2009): qui-quadrado e graus de liberdade; índice de ajuste absoluto (GFI); índice

de ajuste incremental (CFI, NFI, TLI); índice de qualidade de ajuste (CFI ou GFI); índice de

má qualidade de ajuste (RMSEA).

Tabela 5 - Medidas de fit Medidas de fit Recomendado Modelo Conclusão do fit

Qui quadrado P >= 0.05 0.00 NOT FIT

Qui-quadrado sobre graus de liberdade <= 3.0 2.278 FIT

GFI >= 0.9 0.9 FIT

AGFI >= 0.8 0.858 FIT

NFI >=0.9 0.805 NOT FIT

CFI >=0.9 0.878 NOT FIT

RMSEA <=0.1 0.08 FIT

Fonte: Medidas e recomendações: CHATTOPADHYAY, SHIVANI, KRISHNAN, 2010;

Modelo e conclusões: elaborado pelo autor, com uso do software AMOS 19.0

O modelo em estudo está um pouco abaixo dos padrões dos índices de ajuste incremental CFI

(índice de ajuste comparativo), pois obteve-se 0.878, e o esperado era superior a 0.90. Já o

NFI (índice de ajuste normatizado) obtido foi 0.805, contra o esperado de 0.90. Os índices de

ajuste incremental medem o quanto o modelo especificado se ajusta a algum modelo

alternativo de referência, sendo o mais comum o modelo nulo, que assume que todas as

variáveis observadas são não-correlacionadas (HAIR et al, 2009). O CFI é menos sensível à

complexidade do modelo, e, portanto, é mais utilizado.

Porém, como frisa Hair et al (2009, p. 570), valores abaixo de 0.90 “não podem indicar que o

modelo não que se ajusta bem”, mas “nenhum valor mágico para os índices de ajuste separa

modelos bons de ruins”. Pode-se, concluir, portanto, que o modelo obtido deve ser tomado

como ponto de partida para estudos futuros.

No intuito de rodar um novo modelo ajustado que atendesse as recomendações estatísticas de

Hair et al (2009), buscou-se identificar as relações positivas e negativas entre as variáveis que

compunham cada um dos construtos, para realizar agrupamentos.

Ao se analisar as relações positivas estabelecidas dentro dos construtos, com suas possíveis

explicações, têm-se:

E1 Produtos brasileiros, ontem, hoje e sempre. com E4 Nós devemos comprar

produtos feitos no Brasil, ao invés de deixar outros países ricos às nossas custas. Essas duas

variáveis tiveram sua relação apontada por Strehlau, Loebel e Ponchio (2009) em estudo que

trabalhou com as 17 variáveis originais da CETSCALE desenvolvida por Shimp e Sharma em

1987. Os autores incluíram essas duas variáveis, por meio do uso de análise fatorial, no fator

chamado de “nacionalismo”. O etnocentrismo, então, poderia ser detalhado em componentes

mais detalhados para melhor entender a sua relação com os outros constructos estudados no

modelo;

O2 Eu gosto de aprender mais sobre outros países com O4 Eu gosto de aprender

sobre cultura e costumes estrangeiros: as duas variáveis podem ter sido percebidas como

iguais pelos respondentes, daí a proximidade. Outros estudos utilizam outras escalas para

medição de abertura cultural (SUH, KWON, 2002) ou de fatores indiretos que podem ser

associados a esse constructo (ALTINTAS, TOKOL, 2007); a utilização de outras escalas

poderia trazer mais qualidade ao modelo;

Já as relações negativas que podem ser estabelecidas, com suas possíveis explicações, são:

Page 12: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

12

E6 Consumidores brasileiros que compram produtos feitos em outros países são

responsáveis pelo desemprego de seus colegas brasileiros com O2 Eu gosto de aprender mais

sobre outros países, e também...

E3 Não é certo comprar produtos estrangeiros, pois isso tira empregos de brasileiros

com O3 Eu tenho prazer em conhecer e interagir com pessoas de países estrangeiros.

Estas duas relações opõem a questão do emprego local, das pessoas próximas, com o prazer

do conhecimento de países e pessoas distantes, longe da realidade do entrevistado.

Se incorporadas essas relações, o modelo ganharia em adequação, porém perderia em

compreensão, conforme mostra a Tabela 6 que segue as medidas e recomendações sugeridas

por Chattopadhyay, Shivani, Krishnan (2010) para o novo modelo ajustado.

Tabela 6 - Medidas de adequação do fit para modelo ajustado Medida de fit Recomendado Modelo Conclusão do fit

Qui quadrado P >= 0.05 0,05 FIT

Qui-quadrado sobre graus de liberdade <= 3.0 1,29 FIT

GFI >= 0.9 0,94 FIT

AGFI >= 0.8 0,92 FIT

NFI >=0.9 0, 90 FIT

CFI >=0.9 0,97 FIT

RMSEA <=0.1 0,04 FIT

Fonte: Autores (2011).

Como mostra a Tabela 6, o modelo ajustado atende os padrões dos índices de ajuste

incremental CFI (índice de ajuste comparativo), pois obteve-se 0.97, e o esperado era superior

a 0.90. Já o NFI (índice de ajuste normatizado) obtido foi 0.90, seguindo o esperado.

4.1. Discussão dos resultados comparativos

Neste item é apresentada uma análise comparativa dos resultados do modelo aplicado a

estudantes brasileiros com dados obtidos por Strizhakova, Coulter, Price (2008), com

estudantes norte-americanos, romenos, ucranianos e russos, como mostra a tabela 7.

A análise das cargas fatoriais mostra os estudantes brasileiros mais próximos daqueles da

Europa Oriental do que dos americanos no constructo etnocentrismo. Porém, para todos os

construtos, os estudantes brasileiros possuem uma carga fatorial menor, indicando que estes

são menos etnocêntricos do que os estudantes americanos pesquisados.

Por outro lado, essas cargas menores podem também sugerir alguma variação no conceito de

etnocentrismo ou na aplicação da escala de medição do etnocentrismo (CETSCALE). Apesar

desta escala ter sido validada para vários países como Estados Unidos, Alemanha, França e

Japão (NETEMAYER, DURVASULA, LICHTENSTEIN, 1991), Rússia (DURVASULA et

al. 1997), Suécia e Japão (HULT et al. 1999), China e Rússia (KLEIN, ETTENSON,

KRISHNAN, 2006) e Espanha (LUQUE-MARTINEZ et al., 1998), algumas questões são

levantadas quanto à unidimensionalidade do conceito e a necessidade de tratá-lo com certas

nuances, como na Índia (BAWA, 2004), onde variáveis sócio-demográficas não explicariam

adequadamente o fenômeno do etnocentrismo.

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13

Tabela 7 - Cargas fatoriais - Comparativo com estudo original

Cargas fatoriais padronizadas

(sem rotação)

Quest Variável Itens da escala Brasil EUA Romênia Ucrânia Rússia

12 E1 Produtos brasileiros, ontem, hoje e sempre. .49 .67 .46 .53 .47

2 E2 Comprar produtos estrangeiros é ser

antibrasileiro. .62 .82 .55 .71 .60

8 E3 Não é certo comprar produtos estrangeiros, pois

isso tira empregos de brasileiros. .63 .79 .67 .69 .72

4 E4 Nós devemos comprar produtos feitos no Brasil,

ao invés de deixar outros países ricos às nossas

custas.

.64 .83 .74 .66 .68

10 E5 Nós devemos comprar de países estrangeiros

apenas os produtos que não podemos obter no

nosso próprio país.

.53 .57 .64 .43 .50

6 E6 Consumidores brasileiros que compram produtos

feitos em outros países são responsáveis pelo

desemprego de seus colegas brasileiros.

.60 .81 .70 .61 .66

5 O1 Eu busco oportunidades de conhecer pessoas de

outros países .62 .75 .62 .71 .63

7 O2 Eu gosto de aprender mais sobre outros países. .60 .84 .79 .68 .69

11 O3 Eu tenho prazer em conhecer e interagir com

pessoas de países estrangeiros.

.65 .89 .74 .74 .73

1 O4 Eu gosto de aprender sobre cultura e costumes

estrangeiros.

.56 .87 .76 .62 .63

9 C1 Comprar marcas globais me dá a sensação de

cidadania global. .63 .78 .82 .68 .61

3 C2 Consumindo marcas globais eu me sinto parte de

algo muito maior.

.57 .81 .74 .73 .80

13 C3 Comprar marcas globais me dá uma sensação de

pertencer ao mercado global.

.68 .85 .76 .80 .78

Fonte: Strizhakova, Coulter, Price, 2008 (EUA, Romênia, Ucrânia, Rússia), autores (Brasil)

Na Tabela 7, para os outros dois constructos a semelhança com os países em desenvolvimento

é bem menos patente, tendo apenas um item da escala em cada constructo com pontuação

próximo para as cargas fatoriais, e a diferença em relação aos Estados Unidos se acentua. Os

brasileiros se apresentam, nesse comparativo, como diferenciados dos dois outros grupos.

Ao se comparar as médias em cada constructo entre os países, como mostra a Tabela 8,

percebe-se o baixo etnocentrismo dos brasileiros e a alta abertura cultural. Os autores não

informaram os desvios relativos às médias obtidas nos outros países, o que impossibilita a

comparação de médias. Eles afirmam, no entanto, que as médias dos EUA e dos outros países

foram significativamente diferentes.

Tabela 8 - Média dos constructos

Brasil EUA Outros

Etnocentrismo 2,10 3,33 3,54

Abertura cultural 5,77 4,27 4,56

Crença na cidadania global 2,93 3,47 3,09 Fonte: Strizhakova, Coulter, Price, 2008 (EUA, Romênia, Ucrânia, Rússia), autores (Brasil)

Esta alta média dos brasileiros em abertura cultural pode ser explicada pelas altas freqüências

na amostra de viagens a lazer (84%) e de intercâmbios estudantis (46%). A abertura, no

entanto, não resulta em maior crença na cidadania global. Os jovens brasileiros têm interesse

Page 14: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

14

em pessoas, valores e culturas estrangeiros, bem como experiências em ambientes no exterior,

mas parecem isolados, não se posicionando como cidadãos do mundo.

A comparação entre as estimativas que dão suporte às hipóteses para os EUA, países em

desenvolvimento e Brasil podem ser vistas na Figura 5.

Figura 5 - Comparação entre modelos - EUA, Romênia, Ucrânia, Rússia e Brasil

A1 – Modelo original – EUA

A2 – Modelo original – Romênia, Ucrânia, Rússia

B – Modelo replicado no Brasil

Fonte: Strizhakova, Coulter, Price, 2008 (EUA, Romênia, Ucrânia, Rússia), autores, 2011 (Brasil).

Na Figura 5, pode-se perceber a maior similaridade do Brasil com os países em

desenvolvimento, ou emergentes. As relações entre etnocentrismo e abertura cultural, e entre

abertura cultural e crença na cidadania global apresentam estimativas bastante parecidas (-

0.01 x - 0.02, e 0.16 x 0.18, respectivamente). O interesse em conhecer lugares, valores e de

interagir com pessoas (abertura cultural) parece ser mais forte no Brasil (média de 5.77) e na

Romênia, Ucrânia e Rússia (média de 4.56) do que nos Estados Unidos (média de 4.27), mas

Etnocentrismo

Abertura cultural

Crença na cidadania

global

Importância da marca

H2: -.51

H4: .43

H3: .68

H1: .24

Etnocentrismo

Abertura cultural

Crença na cidadania

global

Importância da marca

H2: -.01

H4: .27

H3 .16

H1: .36

Etnocentrismo

Abertura cultural

Crença na cidadania

global

Importância da marca

H2: -.02

H4: .10

H3: .18

H1: .12

Page 15: A Marca como Passaporte para a Cidadania Global: uma Análise Comparativa

15

essa abertura não repercute na crença na cidadania global. Ao contrário, é nos Estados Unidos

que a abertura cultural, mesmo com menor média, mais impacta na crença na cidadania global

(estimativa de 0.68). Por exemplo, o Facebook, líder mundial (e nos Estados Unidos) é o mais

acessado apenas na Romênia, dentro do grupo de países “emergentes”. No Brasil, o líder é o

Orkut e na Rússia e Ucrânia a liderança pertence ao V Kontakte (ВКонтакте) (COSENZA,

2010).

5. Considerações finais

Pela análise descritiva das médias obtidas nos questionários preenchidos, percebe-se que

jovens brasileiros de classe A/B, da cidade de São Paulo, tendem a ter baixo etnocentrismo, e

alta abertura cultural. Este resultado aponta uma relação negativa entre etnocentrismo e

abertura cultural, pontuada em estudos conduzidos nos Estados Unidos (SHARMA, SHIMP,

SHIN, 1995; BAUGHN, YAPRAK, 1996). Esse comportamento aproxima os jovens

brasileiros mais dos norte-americanos do que daqueles de países em desenvolvimento

pesquisados em outros estudos.

Por outro lado, os jovens paulistanos de classe A/B são pouco etnocêntricos, mas conforme

aumenta esse etnocentrismo, aumenta também sua crença na cidadania global. Esse resultado

aparentemente paradoxal talvez confirme a afirmação de Troiano (1997) de que os jovens

brasileiros mantém a chamada “personalidade brasileira” e o amor pelo Brasil, enquanto

combinam novas atitudes, preferências e valores globais. Para a amostra pesquisada, a

abertura cultural tem um efeito positivo sobre a crença na cidadania global, e esta, por sua

vez, causa certo impacto na preferência por marcas.

Esta alta média dos brasileiros em abertura cultural pode ser explicada pelas altas freqüências

na amostra de viagens a lazer (84%) e de intercâmbios estudantis (46%). A abertura, no

entanto, não resulta em maior crença na cidadania global. Os jovens brasileiros têm interesse

em pessoas, valores e culturas estrangeiros, bem como experiências em ambientes no exterior,

mas parecem isolados, não se posicionando como cidadãos do mundo.

Um exemplo desse comportamento “isolado” pode ser visto na difusão das redes sociais da

Internet no Brasil. O Orkut, do Google, tem 52 milhões de usuários no Brasil, enquanto o

Facebook possui 6 milhões. No mundo, a posição é inversa: o Facebook conta com mais de

500 milhões de usuários, e o Orkut 85 milhões. Na Índia, por exemplo, o segundo país em

número de usuários da rede social do Google, o Facebook atingiu a liderança apenas no

último mês de julho (AGUIARI, 2010).

Como limitações deste estudo, destaca-se que a amostra foi obtida por conveniência, não

podendo-se generalizar os resultados para toda população. Como contribuições, o estudo

testa escalas para medir os construtos: etnocentrismo, abertura cultural e crença em cidadania

global. Além de apresentar uma análise comparativa com a realidade de outros países e outros

estudos.

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