a manipulação da palavra - philippe breton

Upload: marcia-d-silva

Post on 13-Jul-2015

951 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    1/85

    ISBN: 85-15-01865-9

    1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 19 788515 018659

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    2/85

    A manlpulacao da palavra

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    3/85

    J1

    :,,I1

    !I~

    TEMAS DE ATUALIDADE'rraducao

    MARIA STELA G00:CALVES

    PHILIPPE BRETON

    A rnarupulacsiodapalavra

    Argumentos filos6ficos, Charles TaylorBiblioterapia, Marc Alain OuakninCondicao pos-moderna, David HarveyCritica da cornunicacao, Lucien SfezA cuItura pos-rnoderna, Steven ConnorAs fontes do self, Charles TaylorA inteligencia coletiva, Pierre LevyNova era: a religiosidade do pos-moderno, Aldo N. Terrino sagrado off limits, Aldo Natale TerrinA saude perfeita - Critica de uma nova utopia, Lucien Sfezo self serniotico, Norbert WileyTeologia e teoria social, John MilbankTeoria e valor cultural, Steven ConnorA troca simbolica e a morte, Jean Baudrillard

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    4/85

    T i tu lo o ri gi na l:La parole nianipulee Editions La D ec ou ve rte e t S yr os , P ar is , 1997

    ISBN: 2-7071-2700-0

    RevisaoMauricio B. LealFatima CavallaroTeresa GOlII'eaDiagrarnacaoSo Wai Tam

    Edlcdes LoyolaRu a 1822 n" 347 - Ipiranga04216-000 Sao Paulo , SPC ai xa P os ta l 42.33504299-970 Sao Paulo , SP (011) 6914-1922FAX: (0 II) 6 I63-4275H om e page e vendas: www.loyola.com.bre-mail: [email protected] 05direitos reservados. Nenhuma parte desta obrapode ser reproduzlda ou transmitida por qualquer for-ma elou quaisquer meios (eletronico ou mecGnico. in-cluindo [otocopia e gravacdo) ou arquivada em qual-quer sistema ou banco de dados sem permissdo escritada Editora.ISBN: 85-15-01865-9 EDI

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    5/85

    8. Uma fragil resistencla 131U m a p ra ti ca s cm c ul tu ra 132E fi ca ci a c c on ce pc ao i ns tr um en ta l d o h um a ne 137U m a d iv is ao d es re sp on sa bi li za nt e d o t ra ba lh o 144

    9. As normas da palavra 149T re s p re ss up os to s d is cu ti ve is e m f av or d a m an ip ul ac ao 150Q ue f az er c on tr a a m an ip ul ac ao ? 153A l ib er da de d e e xp re ss ao e t am be rn u ma q ues ta o d e n or m as 156

    Conclusao 163Bibliografla 165

    i'. ,

    , .

    ' } . ,s,>"i:i-, :1 '.

    , Jj, 1 ...~ ~~",)

    ,.

    tntroducao

    1950. 0 publico comeca a tomar consciencia da nocividade dofumo para a saude. Aqueles que continuam a fumar fazem-no co-nhecendo cada vez mais os riscos que correm. As vendas de cigar-ros caem. Os fabricantes sao afetados e decidem, para reverter asituacao, recorrer a especialistas de "pesquisa das motivacoes", elancam uma campanha particularmente eficaz que dura ate hoje.Essa campanha consegue, de modo praticamente completo, criarartificial mente, em amplas parcelas do publico, urn desejo de fu-mar que desemboca num consumo cada vez mais sustentado. Osespecialistas fa lam desse perfodo como 0 que esta na origem da"epidernia dos canceres", que hoje mata centenas de mil h ares depessoas.

    1958. Urn coronel frances, engajado na luta psicol6gica contraos guerrilheiros da Frente de Libertacao Nacional, aplica uma es-trategia que faz uso do tern or, legitime, dos combatentes argelinosde sofrer urn infiltramento e ser traidos. Algumas cartas, enviadasa prisioneiros que tiverarn a prisao relaxada, con tendo uma mesc1ade inforrnacoes verdadeiras e falsas, conduzem em alguns meses 0dirigente daquela organizacao de resistencia a torturar e assassinarcerca de dois mil dos seus, evidentemente inocentes .

    1970. Comecarn a aparecer em anuncios publicitarios algumascriaturas provocantes, associadas a gamas de produtos cada vezmais amplas. Em si, sua presenca nao e chocante, mas 0 arnalgamaafetivo que provoca conduz a comportamentos de. con s umo quesern isso nao ocorreriam. Tudo isso culmina na publicidadeemblematica para os bombons Lajaunie, que recoloca na moda a

    7

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    6/85

    A M A I\ IP U LN ;: AO D A P A LA V RA

    pequena pastilha gracas ao. gene~oso decote de ~ma _model~ cu japresence nao tem de fato, all, razao de ser. A partir dai, tudo e bornpara sustentar urn consumo que provoca urn desperdfcio de recur-50S raros sem igual na hist6ria.

    1980. Algumas curiosas tecnicas de "cornunicacao" se difundemamplamente numa sociedade que ere que 0 f im pr6ximo do cornu-nismo, 0 desenvolvimento multidirecional da rnidia, e notadamenteda relevisao. assinalam 0 fim da propaganda e da coercao psiquica.Sob a capa de novos metodos de adrninistracao, multiples "semina-rios" sao oferecidos, nas empresas e em outros locais, para difundiros "novos metodos arnericanos" de influencia e persuasao, Seduzidaspela promessa de eficacia desses rnetodos, numerosas pessoas co-mecarn a uti liza-los em sua vida profissional e part icular , a custa dadegradacao sistematica do clima de trabalho de inumeras empresase do esfacelamento de multiplas relacoes pessoais.

    1990. Aterrorizado, 0 publico descobre que sua emotividade foiexplorada a partir de falsos ossuaries em Timisoara. Tudo recome-ca no ana seguinte com a Guerra do Golfo, "limpa e cirurgica", Teminicio a era das grandes manipulacoes midiaticas, da qual essesdois exemplos nao passam de urn dos aspectos mais visiveis. En-quanta antes se apresentava como garantia de uma inforrnacao, senao objetiva, ao menos honesta, a midia aparece agora como 0 elomais fraco que s6 merece - quando merece - uma confiancabastante calculada.

    Fim dos anos 90. Os grandes demagogos passam a ter prepon-derancia, aumentam a audiencia na televisao e obtern vit6rias elei-torais sem precedentes. Por toda parte, 0 clima politico desagrega--se e a confianc;:a nos politicos encontra-se no mais baixo nivel,Ninguern mais sabe como lutar contra as tecnicas de manipulacaoque invadem 0 debate no espaco publico. Intimado, diante de mi-lhoes de telespectadores, a explicar-se sobre 0 assassinate, por partede seus militantes, de urn jovem comorense que passava por elesnuma noite de panfletagern, 0 principal dirigente de um partido deextrema direita consegue convencer que seus homens sao vitimase que a vitirna era culpada. Mais tarde, ele e seus ajudantes diretosconseguirao, diante dos mesmos jornalistas incapazes de desmontara manipulacao do discurso, convencer que 0 "lobby judeu" controlaa presidencia da Republica francesa . .. 0 amalgams cognit ivo queassocia a presenca dos estrangeiros a todos os problemas por que8

    ~,;

    t

    )I\TRODU

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    7/85

    J 'f l . j. 'I~

    A MA>;IPULA,Ao DA PALAVRA

    em germe no individualismo conternporaneo: 0 fechamento em si,a dessincroniza9ao social, formas ineditas de neoxenofobia.

    A segl;nd~bi9ao deste livro e contribuir para ajudar aquelesque desejam lidecodificar" melhor algumas mensagens_f_Qm frequen-cia tao perniciosas no niye! dos valores.por.elas.defendidos __qyilliliLno dos_!p.ftodos Qor elas uti lizado~. Nesse sentido, 0 livro retomae"at~;liza os trabalhos ja realizados por V~_PE.c.k~!.9 sobre a"persuasao clandestin.~" e por S~!g~Tc1!~.~~otine sobre a "violacaodas;nassaspeia--~~~g~'2c.!?_Q.olf!i_ca".- ~~~~-b~c;:ao desta obra e contribuir para a renovas-ao d~~~~s.

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    8/85

    A ~1ASIPULA,AO DA PALAVRA

    rarnbem os procedimentos evocados pelas criticas da publicidadeteriam perdido intensidade nos dias de hoje. Parece estabelecer-seurn consenso em torno de proposicoes como as do sociologc fran-ces Gilles Lipovetsky, que afirma, por exemplo, que a publicidadee "tudo menos urn poder de orientacao e formacao das conscien-cias". Nao temendo 0 oximoro, Lipovetsky acrescenta que ela e "urnpoder sem consequencia"2. N.u:nerosos intelectuais, emb~ra tives-sem sido severos com a publicidade - como Jean Baudnllard, naFranca, por exemplo -, abandonam a questao e nada mais falamsobre 0 assunto.

    Ocone 0 mesmo fenomeno no que se refere a manipulacao empolftica. Esse desaparecimento da critica vai operar-se mais facil-mente na medida em que os ultimos a protestar 0 fazem menos emnome de uma denuncia de certos metodos de manipll la

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    9/85

    A ~IA.' \IPULA(AO D.~ PALAVRA

    chegado mais cedo do que 0 imaginavam seus apologistas? A rna-nipulacao pertenceria ao passado? Ela se restringiria a regimes po-lit icos desacreditados, agora em vias de extincao? Tres argumentos,comumente difundidos hoje, parecem caminhar nessa direcao,

    Mais causas a defendero primeiro argumento oposto a ideia de que a manipulacaoainda existiria e ate estaria passando por certo desenvolvimento em

    nossas sociedades dernocraticas consiste em dizer que hoje nao hamais causas a defender. 0 fim da guerra fria teria significado 0"fim das ideologias", A propaganda teria assim desaparecido, priva-da de material de base e desprovida de combatentes, salvo talvezno interior de regimes ex6ticos e longfnquos. Dessa maneira, naprimavera de 1997, as midias evocam com uma especie de alegriaos "estagios de propaganda" organizados por Laurent Desire Kabilana parte do Zaire que ele ja controla como uma serie de arcaismosde que n6s, ocidentais, que somos hom ens livres, ja estariamoslivres ha muito tempo. Entao, nao ha mais hoje causas a defender,no Ocidente e em outros lugares, que justifiquem que todos os meiossejam post os a seu service?

    Esse argumento pode ser confrontado com a realidade dasmultiples causas a defender de que nosso fim de seculo se mostrapr6digo. Podemos, nesse dominio, ser vitimas dos efeitos do olharretrospectivo. As causas defendidas no passado, consideradas ago-ra, mostram-se sempre relativas. As de hoje se assemelham muitomais a "verdades", tanto mais que se ap6iam num processo de "na-turalizacao da opiniao" extremamente manipulat6rio. Assim, 0 libe-ralismo, como teoria e sobretudo como ideologia, e apresentado namaioria das vezes como 0 ponto de vista "hoje realista" sobre 0mundo, como um olhar "desideologizado". Nao se mostra mais comouma causa a ser defendida, 0 que nao obstante ele e, quer se par-tilhe ou nao essa causa.

    Nao ha duvida de que, no futuro, 0 l iberal ismo aparecera comosendo uma causa a defender, a service da qual alguns procedimen-tos de tipo propagandista foram utilizados. Sempre e mais facil vermais tarde a propaganda delinear-se com c1areza a service de ideais:aqueles que, no passado, se submeteram a ela nao tin ham cons-ciencia disso. Reside ai, de resto, urn dos recursos da manipulacao.

    .i

    14

    PER\IA~E. '\C1 .~ DA MAIIPlILA(AO

    Em sua escala, a Guerra do Golfo ilustrou essa necessidade de umolhar posterior. No momento do acontecimento, com efeito, houvemuito poucas analises a evidenciar as diversas manipulacoes e de-sinforrnacoes de que os publicos ocidentais eram objeto: a imagemdo evento a que tinharnos acesso era profundamente "realista",Manipular consiste de fato em construir uma imagem do real quetenha a aparencia de ser 0 real.o argumento segundo 0 qual "nao ha mais causasa defender"se choca, de qualquer maneira, no dominic do politico, com 0

    recrudescer das crispacoes identitarias e dos velhos temas comroupas novas da extrema direita. Acaso 0 espaco politico frances,tal como 0 de outros paises europeus, nao esta amplamente ocupa-do pela "questao dos imigrantes"? E diffcil negar que esse velhotema de propaganda nao tenha mais sucesso, ultrapassando emmuito 0 ambito do eleitorado extremista.

    Por outro lado, a nocao de "causa a defender" difundiu-se demodo singular. 0 mundo da publicidade, como 0 da "cornunica-cao", deve sua existencia justamente a isso. Um produto, urn em-preendimento, um gesto humanitario tornararn-se causas, defendi-das como tais. Se observado de perto, nosso ambiente esta saturadode mensagens que visam convencer-nos em todos os dorninios pos-siveis. 0 homem moderno e de fato aguele que e objeto de per-petuas solicitacoes,

    -'

    Democracia e manipulaciioo segundo argumento em favor da ideia de que a manipulacao

    da palavra desapareceu com 0 fim da guerra fria consiste em as-sociar estreitamente totalitarismo e manipulacao e, de forma co-rolaria, democracia e liberdade de opiniao. Urn argumento dessetipo supce que os meios empregados para convencer sao estreita-mente dependentes dos valores dominantes da sociedade em quesao utilizados. Um regime politico de tipo fascista seria "por na-tureza" propagandista, e as democracias excluiriam, tarnbem elas"por natureza", esses metodos, A unica excecao a essa regra se-riam as recaidas esporadicas, como, por exemplo, as tentativas demanipulacao da opiniao durante a Guerra do Golfo, recaidas sern-pre ligadas a - e por que nao justificadas por - uma grave amea-

    I';

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    10/85

    A M AN IP UL AC ;A O D A P AL AV R. \

    . al Esse argumento que, como estamos numa democracia, naonaClOn . d . 1 -ha mais opiniao manipulada, nem vontade e mampu acao,Opor-se-a a ele a necessidade de estabelecer uma barreira so-

    bremodo estanque entre os valores, as ideias, as opinioes que 5 :primem e os rnetodos utilizados para defende-los. Este ponto e

    essencial, pois temos dificuldades de separar esses dois niveis e deimaginar, por exemplo, que idei~s democratica~ possam ser ~efen-didas por metodos que nao 0 sejarn. Melhor dizendo, nossa epocatende a nao ser meticulosa com relacao aos n:etodos. quando ~svalores sao julgados "bons", Como 0 ponto de vista sena dem~cra-tico, os metodos usados, quaisquer que sejam, tarnbem 0 seriarn.

    A base desse argumento, que associa democracia e ausencia"natural" de manipulacao, atern-se a crenca de que .hoje, num r~-gime dessa especie, 0 homem moderno e l ivre. Essa lIber?ade seriapossibilitada pelo fato de ele ser "informado" e de as midias sere~ ,tambern elas, "livres", tornando a sociedade "transparente" .. Naoseria tanto a democracia que garantiria a inocuidade da mampula-cao quanta a "sociedade de comunica

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    11/85

    ~1..~;'-,I' A MAI IPULA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    12/85

    A MAr-:IPULA(AO DA PALAVRA

    de uma divisao entre os metodos legftimos e aqueles que nao 0 sao.Como se poderia agir de outra maneira sem correr 0 risco dejustificar t odos os metodos que permitem agir sobre 0 outro, isto e,de adotar unicamente urn ponto de vista cinico sobre 0 mundo?

    Uma mentira organizadaA manipulacao apoia-se numa estrategia central, talvez (mica: areducao mais completa possivel da liberdade de 0 publico discutir

    ou de resistir ao que the e proposto. Essa estrategia deve ser invi-sivel, ja que seu desvelamento indicaria a existencia de uma ten-tativa de manipulacao. Nao se trata tanto do fato de haver umaestrategia, urn calculo, que especifica a manipulacao quanta de suadissimulacao aos olhos do publico. Por conseguinte, os metodos demanipulacao avancarn mascarados.

    No ate de manipulacao, a mensagem, em sua dirnensao cogni-tiva ou sob sua forma afetiva, e concebida para enganar, induzir aerro. fazer crer no que nao e. Essa mensa gem e, pois, semprementirosa. Poder-se-ia objetar a essa afirrnacao, no caso da propa-ganda racista por exemplo, que, quando alguns propagandistas deextrema direita defendem urn ponto de vista desse tipo, acreditamem si mesmos. Justamente aqui e necessario introduzir uma distin-cao entre um ponto de vista defendido (neste caso 0 racismo, quee a crenca na existencia de "racas" hierarquizadas entre si) e osenunciados diversos que serao construidos e uti lizados para defende--1 0 (por exemplo, 0 arnalgama entre "estrangeiros" e "problemas" oua "evidencia cientffica" da desigualdade entre as racas). A extremadireita nao se contenta em nos informar que e racista e que seriaborn - de seu ponto de vista - que tam bern 0 fossemos. Hamanipulacao porque ha fabricacao de uma mensagem que, por suavez, advern de uma estrategia da mentira.

    Tomemos 0 exemplo da tentat iva de fundar 0 racismo numa basecientif ica. Ele foi ha muito tempo apresentado como uma "real ida-de cientifica", Essa afirmacao, que infelizmente suscita hoje um in-teresse renovado, convence numerosas pessoas - que de outra rna-neira talvez tivessem resistido mais - da legitimidade de urn senti-mento dessa especie. Ora, nenhum dirigente de extrema direita podeacreditar que 0 racismo tenha urn fundamento cientifico, visto quenunca pode ser apresentada uma (mica prova de s se ponto de vista,20

    .:

    PERMANENCIA DA MA:-;IPLILA(AO

    ap:s~r dos esforcos de cientistas levados a defender essa causa. No~axI~o, podem acreditar que u rn d ia essas teorias serao fundadasclentIflcamente e que, desse modo, sua crenca sera provada.

    Por conse?uinte, ha ?e fato um distanciamento entre a opiniaoreal.- 0 s~~tImento racista a que eles aderem - e a mensagem _mampulatona - que propoem para defende-Ia, Esse distanciamen-to e observada em toda parte em que se constr6i de modo artificialuma mensagem em funcao unicamente de sua capacidade de obtera todo. cus:o a adesao das pessoas, quer se trate da politica, dacornumcacao ou da publicidade.

    Veneer uma resis tenciao procedimento manipulat6rio caracteriza-se igualmente pelofato de se chocar com uma resistencia, uma oposicao ou, a d m in i-ma, uma nao-aceitacao imediata daquilo de que 0 manipulador

    quer convencer. Se nao fosse esse 0 caso, nao haveria necessidadede por em pratica esses procedimentos. Encontramo-nos efetiva-~ent~ na dimensao do convencer, que pressupoe, segundo a diver-tida formula de Francis Goyet, que nao se pregue nem no desertonem. a convertidos-, Quando se manipula, nao se procura argumen-tar, IStOe , trocar ideias, mas impo-las.

    ~ manipulacan consiste em entrar por efracao no espirito dealguem para ai depor uma opiniao ou provocar urn comportamentosem que ninguen: saiba que houve efracao. Tudo esta ai, nesse gestoque se oculta a Sl mesmo como manipulat6rio. Ai reside sua violen-cia e~sencial . Realmente, ao contrario da violencia ffsica, que fundauma mter.ac;ao e~lfcita, a violencia psicologica ou cognitiva implicadapela rnanipulacao deve toda a sua eficacia a dissimulacao Tarnbemos mecarnsmos tecnicos de construcao da mensagem manipulat6riaprocedern de uma dupla preocupacao: identificar a resistencia queP?dena opor-se a ela e mascarar a propria trajetoria. Reside af umadiferenca essencial com a argumentacao, na qual se explica, ao mesmotempo que se procura convencer, como se procede.

    ~ palavra manipulat6ria estabelece, de s se ponto de vista, umacunosa relacao com 0 silencio": af onde a argumentacao dispoe

    5. Francis Goyet , Rhetorique de la t ribu, rhetorique de l 'Etat, PUF, Pari s, 1994.6. Sobre as relacoes entre silencio e comunicacao ver David Le Breton Le SilenceMetailie, Paris, 1997. ' "

    2 1

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    13/85

    A ~'' '' 'iPULA,AO D.~ PALAVRA

    pausas que sao 0 numero de respiracoes existentes no dialogo edeixa ao interlocutor a possibilidade de refletir, de objetar , de aceitarou de recusar, a manipulacao parece ter como caracterfstica forcaro silencio na interacao a fim de aprisionar 0 outro numa sequenciacontinua na qual ele nao tern outra escolha senao se render.

    Acabamos de analisar tres objecces ao fato de que a manipula-cao manteria, nas sociedades dernocraticas, urn lugar importante. Aprimeira supoe que nao ha mais, em nossas sociedades, "causas" adefender; a segunda liga, de forma exclusiva, totalitarismo e mani-pulacao: a terceira pressupoe de fato a existencia de procedimentosmanipulatorios, mas atenua consideravelmente seus efeitos. Tam-bern definimos a palavra manipulatoria, de modo triplice, comomentira organizada, privacao de liberdade das pessoas e instrumen-to para veneer sua resistencia.

    Por que nao podemos ser indiferentes ao fato de que a palavraseja assim manipulada? Para responder a essa pergunta, deve-secornecar por enfatizar a importancia da palavra nas sociedades hu-manas, em especial a paIavra para convencer. Como esta no centrode nossa vida social, cultural e politica, ela constitui seu cenarioprincipal.

    1

    "~

    f,

    2A lmportancla da palavra

    A palavra e 0 que especifica 0 humano. Ela se desenrola combase em tres registros essenciais, que a constituem: a ex-pressao, a inforrnacao, a conviccao, Nesse sentido, os modosde comunicacao por ela fundados se distinguem radicalmente da-queles que reunem os animais dentro de uma mesma especie, oumesmo dos das maquinas, cuja aptidao para comunicar-se a suamaneira e conhecida .

    A maquina informa, em especial os computadores, e 0 faz par-ticularmente bern. Foi concebida com este objetivo: uma excepcio-nal confiabilidade no tratamento e na transmissao da inforrnacao.o animal tarnbern informa. Essa inforrnacao, como no caso damaquina, e urn sinal que se troca no interior da especie, constituin-do igualmente uma capacidade de processar outros sinais advindosdo ambiente. Contudo, essa capacidade de processar a inforrnacaonao se transcende a si mesma. Como 0 recorda Georges Gusdorf,"0 animal nao conhece 0 signo, mas tao-somente 0 sinal, isto e, areacao condicionada a uma situacao reconhecida em sua formaglobal, mas nao analisada de modo detalhado. Seu comportamentovisa a adaptacao a uma presenca concreta a qual ele adere por suasnecessidades, suas tendencias em irrupcao, unicas cifras para ele,unicos elementos de inteligibilidade oferecidos por urn aconteci-mento que ele nao domina, do qual participa'".

    1. Georges Gusdorf, A palavra, Edicoes 70, L isboa , 1997.

    23

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    14/85

    A \1 .~\ IP l L\( AO DA PALAVRA

    o animal nao se contenta em informar e ser informado. Sabetamb ern exprimir toda a gama dos sentiment os que se of ere cern aele: prazer, dor, calera. Mas, no que diz respeito ao essencial, essessentimentos permanecem aprisionados ao registro informativo. Estaosubmetidos as exigencias comportamentais de adaptacao aos outrosmembros da especie e ao ambiente.o ser humano, por sua vez, desenvolve, com intensidades dife-

    rentes, alern dos dois registros que tern em comum com 0 mundoanimal e com 0 das maquinas - a inforrnacao e a expressao -,urna capacidade totalmente inovadora de ter um ponto de vista,projetos, uma intervencao no mundo que 0 cerca. 0 ser humanee urn ser de conviccoes animado pelo desejo de convencer.

    A palavra fundadora do humanoConvencer e uma experiencia especffica da especie humana. 0

    animal informa e exprime, mas nunca se poe na posicao de conven-cer. Afinal, de que ponto de vista singular, de que conviccao setornaria ele 0 porta-voz? Oa mesma maneira, a maquina de proces-sar a inforrnacao nao se arvora, apesar dos fantasmas de que asvezes e investida, a ser 0 autor de nenhum empreendimento deconviccao. A maquina nao tem nenhuma consciencia, nenhum pontode vista pr6prio. Somente 0 homem convence. Isso talvez 0 instituacomo ser da palavra.

    Convencer, para 0 homem, e uma atividade complexa, multifor-me. Trata-se tanto - numa acepcao ampla dada a esse termo - deconvencer 0 ambiente material a submeter-se a urn projeto que seformula a seu respeito [entalhar urn osso como uma ponta deflecha ou na forma de agulha para costurar os sacos indispensaveisas migracoes] como de convencer outra pessoa a partilhar determi-nada opiniao ou a adotar certo comportamento. Num plano antro-pol6gico, a aptidao para convencer e talvez a matriz da propriatecnica, quer se trate de tecnicas materiais, como a capacidade defabricar instrumentos, ou intelectuais.

    A palavra humana engloba esses tres registros: exprimir, infor-mar, convencer. Ela e fruto de uma combinacao original desses treselementos no interior da qual 0 convencer poderia de fato desem-penhar um papel preponderante.24

    A I \IPORTANCIA DA PALAVRA

    A p ala vra , fru to d e u ma regressiio ?De onde vem essa especificidade do humano, urnco ser vivo a

    dispor da palavra? Nesse dominic, no qual todos os testemunhos[rnandibulas, dentes, ossos de membros ou de esqueletos) cabernnuma valise, estamos condenados a hip6teses especulativas. Naoobstante, 0 acesso a palavra como centro e motor do processo dehorninizacao parece, de todos os pontos de vista, provavel.

    Os trabalhos dos historiadores da pre-historia, levando-se emconta todas as tendencies, parecem indicar que 0 movimento dehominizacao esta vinculado, em larga medida, ao desenvolvimentode uma forma de comunicacao especifica, que distingue radical-mente 0 homem do restante do reino animal do qual ele provern.Mas, contrariando 0 que 0 senso comum nos indicaria, essa distin-cao poderia realmente, antes de ser um progresso, ser fruto, emprimeiro lugar, de uma regressao. Nao seria consequencia da degra-dacao, acidental ou nao, das forrnidaveis capacidades de processa-mento da inforrnacao de que dispoe 0 animal 0 fato de que urndeles, dai por diante pre-antropoide, se tenha tornado humano?

    A hipotese de uma inadaptacao fundadora foi desenvolvida pelospaleoantropologos, a sua maneira. Para 0 "inventor" de Lucy, YvesCoppens, 0 homem e primordialmente 0 produto da evolucao deum macaco da floresta confrontado, em virtude de um acidentegeologico de grandes proporcoes, com urn novo ambiente, 0 dasavana. Essa desestabilizacao inicial, com a perda de todos cispon-tos de referencia que implica, seria para ele urn possivel inicio dahumanidade, no leste da Africa. Assim, 0 homem, fracassando emprocessar a inforrnacao com a estabilidade, 0 rigor e a exaustividadeque convern ao estado instintivo, teria inventado a palavra na per-petua busca de uma adequacao ao real. Privado de uma relacaoinformacional confiavel com 0 mundo, aquele que por esse motivodeixa de ser um animal e levado a reconstruir, dando-lhe um sen-tide, essa defasagem permanente, essa distancia perpetua com re-lacao ao mundo.

    Se se deseja de fato chegar a uma definicao est r ita da informa-cao, pode-se sustentar que a cornunicacao entre os animais e exclu-sivamente informativa, 0 que evidentemente nao basta para fazerdela palavra. Mesmo os rna is complexos dentre eles, os mamiferossuperiores, permanecem aquem do limiar da palavra. Trocando tao--somente inforrnacao, 0 animal nunca se engana - salvo falha na

    2S

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    15/85

    ,\ \!\~~l'L.A

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    16/85

    A M A~ IP LlL A< ;: AO D A P AL AV RA

    contexto, nenhum elemento ou parcela do mundo se mostra privi-legiado com relacao aos outros'", Decorre dai a criacao de un: n~v?espaco social, de urn centro com relacao ao qual todos os indivi-duos ocupam posicoes simetricas. Trata-se da agora, que, con formeVernant, "forma 0 centro de urn espaco publico e comum. Todos osque nele penetram se definem ~~r isso mesmo como iguais [... J porsua presenc;:a nesse espaco politico, estabelecem, uns com os ou-tros, relac;:6es de perfeita reciprocidade'".

    Essa revoluc;:ao dos espiritos, que se opera entre os seculos VIIIeVIl a.C., se traduz de imediato por uma extraordinaria prevalenciada palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. A palavratorna-se Ita ferramenta politica por excelencia, a chave de todaautoridade no Estado, 0 meio de comandar e dominar 0 outro".

    Benoit descreve a nova situacao suscitada por essa preerninen-cia da palavra: "Cabia ao orador, que sabia cap tar e ~rreba~ar pel apalavra a multidao ardente e caprichosa, e sempre ta.o apaixonadapel a arte que desejava encontrar ate nos debates mais tempestuo-50S, urn espetaculo de eloqiiencia ao mesmo tempo que urn com-bate; cabiam a esse habil portador da palavra 0 governo do Estadoe 0 imperio da Crecia: nao foi com outro titulo que Pericles chegouao poder supremo"'.

    A partir de entao, a palavra assumira uma nova vocacao: ela"nao e mais a palavra ritual, a f6rmula justa, mas 0 debate contra-ditorio, a discussao, a argumentacao'", no interior de urn universocognitivo formado, segundo a expressao de Vernant, "por uma de-limitacao mais rigorosa dos diferentes pianos do real"? 0 mundodos vivos se separa do mundo dos mortos, 0 dos deuses do dos ho-mens. De certo modo, e a solidao do homem que da inicio, com-pensada a sua maneira pela instituicao da palavra p~ra convence:,a palavra como fundamento da acao e como modalidade da deci-sao, da palavra como vinculo social.

    2. Jean.Pierre Vernant, Les Origines de la ~ensee grecque, PUe, Paris, 1962, p. 121 led. br.:As origens do pensamento grego, Teorema, Lisboa, 1987}.

    3. ld., ibid., p. 126. 4. Id .. ibid .. p. 44. .' ,. .5. Ch. Benoit, Essai historique sur les premiers manuels d'invention oratoire Jusqu a Anstote,

    Vrin, Paris, 1846, reedlcao: 1983, p. 9.6. JeanPierre Vernant, op. cit., p. 45.7. Id., ibid., p. 34.

    28

    ~.,,t$

    A IM PO RT Ai':C IA D A P AL AV RA

    A palavra, alternativa a violenciaA palavra desenvolve assim sua vocacao de substituir o poder

    e a dupla violencia, ffsica e simbolica, na qual se apoia tradicional-mente. "Nem mandar, nem obedecer" - eis ai, tal como no-larecorda Emmanuel Terray, a definicao grega de liberdade, nessenovo contexto em que "0 discurso se torna 0 instrumento privile-giado e quase exclusivo da acao politica'". Simetria da palavra, a deurn equivale a do outro no grande jogo da troca civil izada. Igualdadee horizontalidade dos individuos: esses dois pilares da nova ordemdernocratica nao sao evidentes; e necessario construi- los.

    A . constatacao das desigualdades naturais [ffsicas, sociais , inte-lectuais), os gregos oporao 0 extraordinario achado que consiste"em recortar, no interior do campo social, urn espaco do politico:em deixar atuarem, no exterior dos limites desse espaco, as de-sigualdades de todo tipo; e, ao contrario, em considera-las nulas enao-operantes no interior desses limites'". Dessa forma, a igualdadeda palavra e assegurada no interior de urn mesmo espaco comum.

    A partir de entao, a democracia identifica-se tao fortementecom 0 exercicio da palavra que, quando esta recua ou e entravada,e a democracia que se ve ameacada como sistema politico. Tendodesse modo liberado a palavra, os gregos perceberam que nem porisso tin ham purgado de toda violencia 0 novo espaco publico assiminaugurado. Realmente, essa violencia e reencontrada no propriointerior da palavra, como alternativa a violencia ffsica, sem duvida,mas nao a violencia simb6lica que pode ainda se exercer nesseambito. Demagogos, manipuladores, fei ticeiros do verbo invadem 0espaco publico.

    Encontra-se provisoriamente uma manobra - a instituicao doostracismo - que e uma verdadeira medida de salvaguarda publicacontra 0 poder de influencia da palavra. 0 procedimento do ostra-cismo, criado por Clistenes em 487 a.C., e concebido como umamedida de defesa da cidade contra personagens que se tornariamdemasiado influentes e cuja palavra, por conseguinte, viria a terurn peso maior do que a de outros cidadaos. desequilibrando assimgravemente 0 funcionamento do espaco publico. Essa medida, que

    8. Emmanuel Terray, "Egal ite des anciens , egali te des modernes' , Lelj Crees, les Romainset nous, l'Antiquite est-elle moderne?, textos reunidos pOT Roger-Pol Droit , Le Monde Edi tions,Par is , 1991, p . 148.9. Id., ibid., p. 147.

    2 9

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    17/85

    consiste em afastar uma pessoa da cidade durante dez anos, nao econsicknda uma punicao (a pessoa conserva seus bens, seus direi-tos civicos sao apenas suspensos). Chega a ser, de certo ponto devista, urna homenagem.

    o [ an ta sm a d a p a la vr a d em o cr atic aA invencao da democracia marcara profundamente a evolucaoulterior . ia civilizacao, Tudo se passa, no decorrer da hist6ria, como

    se as Iorcas do convencer tivessem side liberadas e nenhum regimepolitico. mesmo 0 mais radicalmente antidernocratico, pudesseimpedir de se fazer referencia a ela e de implernenta-la de umaforma (IU de outra. 0 Ocidente passou, desde a invencao gre-p, por numerosos retrocessos do ponto de vista da democracia,Il1:lS 0 iantasma da palavra sempre assombrou com sua presenca os(Vrred,'~cS das piores ditaduras.

    Dero.s de pelo menos seis seculos de democracia, na Grecia ede-poi~ , ,~ Roma, opera-se um tremendo retrocesso, sob a forma doim~.~riL'. As ditaduras que a partir desse momento se sucederao;.l,.io ;':c'~2;r uma mao de ferro sobre os cidadaos que durante ge-racoes ::.-;viam se habituado a debater conjuntamente seu destino,,):l1U::: .. -\ palavra conhecera, a partir de entao, profundas meta-n,'riL'~::~. Tacite. por volta de 80 d.C., observa que a passagem dare-pllbE::. ao imperio se faz acompanhar de discursos cada vez maiscurtos: 'A eloquencia" diz ele, "era mais bem cultivada no f6rum de,'utrvr.-; onde nao se era obrigado a discorrer num periodo muitocurto ,~;: t empo, [... ] onde cada um fixava a duracao do pr6priodi~('ur~,~'::. Essa constricao do formato da palavra correspondeisualr;::,:". te ao nascimento de um novo genero: a literatura, na qual~e reft:~:J.m todos os antigos orad ores, a partir de entao desprovi-dos de- ' .,:fdas para seu oficio. 0 oral vacila em beneficio do escrito.

    Retc.nando a constatacao de Tacite, Guy Achard acentua que' .:-0111 t:...",:~ unico chefe, nao ha mais lugar para 0 verbo"! '. Como naoha mais debates polfticos e as instituicoes dernocraticas se esva-:iam ,-:'cseu conteudo, "a arte da palavra s6 pode se modificar, seadaptar .. A hipocrisia, a insinuacao invadem as trocas [... ] as pesseas re.ugiam-se com frequencia nas frases vagas, nas palavras

    1,'. Ti~::('. Le Dialogue des orateurs. Les Bel les Let tres , Par is , 1985. XXXVlll .11. G~:' Achard, La Communication a Rome. Payot , Par is , 1994 , p. 220 .

    ,,

    >1.,

    A l ~P OR TA "' CI A D A P AL A VR A

    indefinidas, nas anfibologias, nas litotes, nas maximas gerais, queevitam uma aplicacao do discurso a situacao presente. Ha muitaprudencia, cautela mesmo. Multipl icam-se os louvores ao principe,os silencios habeis, as insistencias calculadas [... ] os mestres dodiscurso oblique sao os delatores, que bri lham sob Tiberio, Calfgula,Nero, Domiciano ... Eles nao hesitam em nao apenas relatar comotarnbern em mentir, em produzir falsos testemunhos. As pessoasdotadas de franqueza [.. . ] destoam e sao delatadas" 12.

    A palavra torna-se, no Imperio, manipulacao, Mas esse novoestatuto mostra 0,"(' """sar,esse retorno a uma especie de antigoregime, as sociedades sao perseguidas pelo fantasma dernocratico.Fora dado um passo decisivo e, na mem6ria coletiva, a palavra seinscreveu como referencia incontornavel. A ruptura dernocratica,que iguaJa toda palavra a outra, servira na hist6ria de referenciasubterranea aos povos que dela se encontram privados.

    Tirania e manipulac i ioA manipulacao da palavra e sua sistematizacao ulterior, notada-mente em todo 0 decorrer do seculo XX, sao produto de uma

    tensao entre a imensa potencialidade por ela aberta e a impossibi-lidade ternporaria de seu desenvolvimento sob uma forma demo-cratica. A instituicao da manipulacao provern da constatacao deque as povos, mesmo sob 0 juga de um tirano, querem ainda serconvencidos. Foi isso que Jacques Ellul destacou ao observar, opon-do-se a sua epoca, que 0 povo alemao desejara, de certa maneira,ser manipuJado pela propaganda, aspirara a isso.

    A diferenca com relacao aos regimes que organizavam a vidasocial e politica antes da invencao da democracia e essencial. Sualegitimidade se construia no interior de uma crenca que associavao mito, uma visao do mundo desigual e 0 exercicio de uma violen-cia fisica no ambito de uma representacao global do mundo, semdistincao de nivel. Nao se tratava, propria mente falando, de tira-nias (o que nao excluia repressao e crueldade). S6 a democracia fazexistir, de modo marcante, a tirania em que a palavra permanecepresente, mas distorcida, nos procedimentos manipulatorios e depropaganda.

    12. Id .. ibid., pp. 222 e 223.

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    18/85

    A MA!IPL;LA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    19/85

    entre a moral religiosa e a moral leiga, entre 0 nacionalismo e 0internacionalismo, entre 0 fascismo, 0 nazismo e as grandes demo-cracias, entre 0 humanismo e 0 racismo, entre a ciencia e a reli-giao, entre os conservadores e os inovadores.o contexto, inicialmente circunscrito ao Ocidente, nao tarda atornar-se mundial , acelerando assim 0 processo descrito por SergeLatouche como de "ocidentalizacao do mundo"16. Toda a terra setransforma num campo de batalha de ideias em que se mobilizaratodo 0 arsenal dos recursos utilizados para convencer, conseguir aadesao a sua causa, tentar eventualmente impor seu ponto de vistapor meio da Iorca da guerra ou da manipulacao psicol6gica.

    Os convencidos e os outroso mundo moderno divide-se em dois. Aqueles que tern uma

    causa a defender e empregam todos os recursos para convencer eagueles que - sem que por isso deixem de ter opinioes - consti-tuern urn publico a ganhar. 0 seculo que se inaugura em 1914 e defato 0 seculo das massas em movimento, nao tanto como magmainforme ou multidoes submetidas quanta como multidao de indivi-duos que reivindicam participar, gue desejam ser convencidos, epor sua vez convencer, a fim de tomar seu lugar nos movimentosde civilizacao que se anunciam. Como no tempo da Reforma e daContra-Reforma, em que cada cristae era objeto de um empreen-dimento de persuasao e "cliente" potencial dos pregadores cat6licosou protestantes, os publicos do seculo xx constituem 0 objeto deuma atencao sustentada de todos agueles gue desejam faze-los oscilarentre um campo e outro.

    Pontos de vista sobre 0 mundo defendidos no comeco por umunico individuo inflamam alguns ano s depois multidoes inteiras,mobil izam paises e revolucionam continentes. Do Manifesto de KarlMarx, simples livro escrito as pressas por um jovem intelectualburgues, as multidoes imensas e convencidas prontas a morrer pelosocialismo universal, ha toda a expansao de um forrnidavel em-preendimento de conviccao, executado por multi pIos oradores. Elese ap6ia, sem duvida, nas frustracoes e esperancas das classespopulares e numa tradicao revolucionaria mais antiga. E nao deixa

    16. Serge Latouche, L'Occidentalisation du monde, La Decouve rte , Par is , 1988.

    34

    de constituir urn caso revelador das possibilidades de conversoesmacicas de gue a argumentacao e a persuasao sao capazes emsituacoes complexas, nao redutiveis a simples "propaganda: '.

    A [orca da palavraNum plano totalmente diverso, nao se deve esguecer de que as

    confusas propostas de urn aprendiz de ditador, racista e frustra-do, aprisionado depois de urn motim local bastante insignificanteem Munchen, acabam por convencer uma maioria de alernaes asemear a violencia e a morte em boa parte da Europa e do mundo.Nao se ignorara, nessa perspectiva, que 0 acesso de Hitler ao poderse fez por vias eleitorais e pela obtencao de uma maioria de eleitos.o papel da palavra para convencer foi essencial na ocasiao, aindague as medidas de repressao e 0 usa da violencia fisica nao tenhamsido negligenciaveis. 0 fantasma da democracia ainda pairara pormuito tempo sobre esse regime que dedicara grande dose de ener-gia a convencer as pessoas, bem depois da tomada do poder, dalegitimidade de suas acoes.

    Daniel Jonah Goldhagen comeca sua obra sobre "os carrascosvoluntaries de Hitler" 17 [retomarernos adiante essas teses, em vir-tude da importancia gue tern na analise da palavra manipuladora)pela recordacao da capacidade gue tinham os numerosos atores dogenocfdio de recusar as ordens, "mesmo as ordens de rnatar=". Foiefetivamente gracas ao fato de terem sido convencidos, no fundode si mesmos, pela influencia de uma palavra exterior, da legitimi-dade desses atos gue eles puderam, sem violentar a si mesmosusar a violencia contra 0 outro, E nisso, talvez, que esse genocidionao pode em absoluto ser comparado com os inumeros assassinatosem massa cometidos no interior de sociedades que nao sao habi-tadas pelo fantasma da democracia.

    A guerra {ria: uma questtio de idealA guerra fria, a partir de 1949, constitui, agora em escala pla-

    netaria, um vasto campo de batalha no gual a meta dos convenci-17. Danie l J onah Go ldhagen, op. cit.18. ld., ibid., p. 12.

    35A MANIPULA(AO OA PALA\'RA A IMPOKTANCIA OA PALAVRA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    20/85

    dos e persuadir aqueles que ainda resta convencer - e eles saoinurneros, em especial nos paises perifericos, os do Terceiro Mun-do. A meta nem sempre e convencer as massas, sobretudo nospaises em que elas se encontram submetidas a uma minoria, masconvencer as elites, que e preciso vincular a qualquer preco a esteou aquele campo.

    Nessa perspectiva, devemos renunciar a urn ponto de vista ci-nico, que reduziria tudo ao "poder" e ao uso da repressao ffsica, aideia, por exernplo, de que a Uniao Sovietica era urn vasto gulag noqual urn punhado de comissarios politicos submetiam com mao deferro urn povo totalmente hostil ao regime. A Uniao Sovietica seesfacelou nao por falha de Gorbatchev, que tentou erguer umaultima muralha ideologies contra 0 fortalecimento do liberalismo,mas porque 0 regime nao contava mais com a sustentacao dasfortfssimas minorias de convencidos comunistas que 0 mantiverampor muito tempo entusiasmado, em nome de uma crenca cornpar-tilhada num ideal. A ideia comunista acabara por perder sua forcade conviccao. e nada mais a partir de entao podera deter 0 movi-mento de decornposicao da sociedade sovietica.

    Sempre se subestima 0 fato de que, sem urn minirno de convic-cao da opiniao publica, nenhum regime, mesmo 0 mais ditatorial,se conserva por muito tempo. 0 fantasma da democracia pairoutanto mais sobre os regimes cornunistas na medida em que faziamref e rencia ao ideal original marxista de levar a dernocracia a darurn salto qualitativo para desembocar num verdadeiro regime igua-litario, que nao deixa de lernbrar, ao men os em certos aspectos, 0ideal grego de uma sociedade igualitaria,

    o fim do mflerrio: ferozes lutas de Ideiaso fim da guerra fria nao viu, como ainda alguns pretendern, 0fim dos confrontos de ideias em grande escala. Os contextos mu-

    dam de natureza, mas continuam a existir elementos dinarnicosque mobilizam igualmente a palavra para convencer. Assim, ternlugar hoje urn vasto empreendimento para persuadir as multidoesmundiais do interesse que haveria em estender 0 setor comerciala todos os setores da sociedade e a desembaracar-se 0maximo pos-sivel de todas as estruturas de regulacao coletiva que nao se rela-cion em com esse setor, e em primeiro lugar do Estado.36

    .,

    o combate do liberalismoEmbora seja em parte invisivel - e 0 que costuma ocorrer comos em bates ideol6gicos mais fortes -, essa batalha intensa, em

    profundidade, que mobiliza sistemas de valores e redes de repre-sentacoes mentais amplas e variadas, e travada hoje em escalaplanetaria. Ainda que no plano econornico as praticas sejarn dorni-nadas pelo liberalismo, os espiritos nao estao, nem de longe,conquistados por ele.Ora, a verdadeira batalha, aquela que perrnite a longo prazo quese atualizem todas as potencialidades de uma ideologia, nao se travatanto nas praticas, que sempre podem ser impostas, mas nas cons-ciencias, que devem ser conquistadas pela conviccao, que utilizatambern os recursos, mais sutis, da manipulaoan e da propaganda.o imenso empreendimento de conviccao posto em pratica pelosdefensores do liberalisrno suscita resistencias tanto mais interes-

    santes de observar na medida em que nao tern justamente nada dediferente a opor. .. a nao ser uma resistencia. 0 liberalismo e hojea unica ideologia suscetivel de ser 0 objeto coerente de urn em-preendimento de conviccao, e nao ha nenhum sistema de pensa-mente, de representacao do mundo, sem falar de urna teoria poll-tica, suscetfvel de constituir uma novidade, uma esperanca, ao me-nos uma alternativa no debate.

    Isso nao impede que seu progresso depare com obstaculos nosespiritos e que haja apenas, na atualidade, uma minoria de conven-cidos de sua legitimidade. Daf as formas bastante particulares queesse empreendimento de conviccao assume e 0 fato de que as for-mas do debate se distingam radicalmente das do inicio do seculoou do perfodo da guerra fria. E nessa perspectiva que os defensoresdo liberalismo utilizam a democracia e suas formidaveis capacida-des para por em pratica a palavra para convencer, quando na ver-dade a democracia polftica nao e necessaria a instauracao de umasociedade regida pelas leis do mercado, que se adaptam muito berna outros contextos, a sistemas ditatoriais.

    Os novas messianismosParalelamente a essa tremenda batalha, cujo resultado ninguern

    pode prever, assiste-se a ascensao de novos messianismos, quer37

    :\ \I'\~ IPL JL A< ;A O D A PA LA VR A: A 1 ~I PO RT A: -; ClA D A P AL AV RA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    21/85

    reuharn base especificamente religiosa ou se sirvam de outros su-portes, como por exemplo a esperanca nas novas tecnologias, emparticular de comunicacao, no sentido de promover uma nova "re-volucao", a da infor rnacao.

    Desde 0 periodo do p6s-guerra, assistimos nesse dominio a im-pll'mentac;:ao de uma argumentacao extremamente Iechada, queparte de uma representacao do mundo que atribui lugar central acomunicac;:ao. Numerosos te6ricos, primeiramente na cibernetica.depois na informatica e hoje nas "novas tecnologias de comunica-~'}o", justificaram a necessidade de construir urn novo mundo: a

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    22/85

    Unidos com os movimentos de "rnilicianos", sob uma forma religio-sa, por exemplo, em Israel.

    A propaganda da extrema direita, por ora tolerada de modobastante arnplo no interior dos regimes dernocraticos que a aco-lhern, desenvolve-se universalmente em torno d~ dois temas. 0primeiro e 0 questionamento da democracia. Na Austria, na Fran-ca, na Belgica, nos Estados Unidos, os militantes desses particlos sededicam, nao 0 esquecamos, a intensas campanhas que tern porobjetivo fazer aderir a sua c~usa um eleitorado tit~beant~ em suacrenca nos valores dernocraticos. 0 segundo tema e, tambem nestecaso universal mente, a apresentacao do estrangeiro como fonte dedeterioracao de uma comunidade nacional ou etnica, Essa apresen-tacao costuma ser fei ta sob a forma "eliminacionista" (os probler:nascessarao quando os estrangeiros forem "suprimidos" da comunida-de que corrompem).

    Um intenso empreendimento de conviccao, que mobiliza todosos meios oferecidos pela palavra, e hoje posto em pratica nessasduas direcoes. 0 rapido fortalecimento da extrema direita em todosos lugares em que e bem-sucedida em implantar sua palav~a .noespaco publico se faz, na maio ria das vezes, com base numa duv,?aprofunda, ou, pior, de esquecimento da~ virtud~s da deJ~,o~ra~Ia,que nao se confundira Forcosamente aqui com 0 Ideal dos direi tosdo homem" ou com 0 ideal , ainda mais abstrato, do "humanismo",

    Paradoxalmente, 0 unico ideal que s6 de maneira muito raraconstitui 0 objeto de um empreendimento desse tipo continua a sera democracia, presente em todo lugar, mas em nenhum deles ob-jeto de argumentacao. Retomaremos adiante os efeitos desse. para-doxo. Pois a democracia tem essa faculdade estranha, em virtudeda prornocao que faz da liberacao da palavra, de deixar lugar emseu interior a algo distinto de uma "palavra democratica", A pala-vra, que serve para convencer de tantas causas, raramente toma asi mesma como objeto.

    Urn novo imperio do convencer: a puhUcidadeUm novo capitulo do convencer se abrira no seculo XX, sendo-

    -lhe, ate 0 presente, caracteristico: a mutacao, no~ an os 20, doanuncio comercial em publicidade moderna, depois 0 encontro,nos anos 50, dessa publicidade com os especialistas das ciencias do40

    .,}.

    . .,

    comportamento e da "pesquisa das motivacoes", A principal causado desenvolvimento da publicidade continua a ser, para Vance Pa-ckard, de ordem econ6mica: "A partir de 1950, quando 0 excessode producao arneacava numerosas frentes, as preocupacoes dosdirigentes industrials sofreram uma modificacao fundamental. Aproducao pas sou para eles a segundo plano. Em vez de pensar emfabricar, eles pensaram em vender'?'.

    Stuart Ewen acentua que 0 problema ja se colocava em termossimilares nos an os 20, quando "as nocoes de valor de uso ou dequalidades mecanicas deixaram de ser argumentos suficientes paraescoar a mercadoria no ritmo imposto pela fabricacao em serie. [Osargumentos informativos tradicionais] nao teriam mudado a atitudedos clientes potenciais com relacao ao consumo de determinadosprodutos. [ .. .] 0 prop6sito dos publicitarios era modificar e contro-lar nossa economia mental [.. . ] os manuais publicitarios [.. . ] a tribuf-ram cad a vez mais importancia aos instintos":".

    Vance Packard cita um caso particularrnente exemplar: "Um doserros mais onerosos foi cometido pela Chrysler, que supos que aspessoas compram autom6veis de forma racional [e] pen sou quefaltava ao publico um veiculo em harmonia com a epoca, sernornamentos, solido e facil de estacionar. . . [As vendas despencaram,a Chrysler mudou de estrategia e obteve] umas das reviravoltascomerciais mais espetaculares da historia":".

    De simples disposit ivo informacional sobre produtos industr iais ,a publicidade se torriara finalmente uma vasta regiao do Imperiodo convencer. Cada um dos produtos industriais assim promovido,mas tambern os estilos de vida que os acompanham, se tornarauma "causa a defender". Para abarcar essa realidade complexa, ma-cica e multiforme, e melhor, sem duvida, aborda-la de modo bas-tante amplo. A publicidade e a possibilidade de difundir no espacopublico mensagens de toda natureza, tanto comerciais como poll-ticas ou "societais", A publicidade, no sentido atual, advem quaseexclusivamente do setor comercial, e a difusao dessas mensagensfaz dela um objeto por sua vez comercial.

    21. Vance Packard, op. cit., p. 24.22. Stuar t Ewen, Consciences sous influence, Aubier, Res, Pa ri s, 1983, p . 48.23. Vance Packard, op. cit., p. 21.

    41

    A ~lA\IPlL r"AO DA PALAVRA A 1 \1PORT,\ ,\CIA DA PALAVRA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    23/85

    De que a p ub lic id ad e q ue r n os c on v en ee r?o que e a publicidade? Ela consiste no controle integral pelo

    emissor, de urn lade a outro da cadeia comunicacional, da mensa-gem por ele produzida. Para faze- lo, ele "compra espaco" no espacopublico. isto e, aluga espacos nas ruas ou nos jornais, no radio ouna televisao (e, ha pouco, na internet). A publicidade consiste emcriar espacos midiaticos que 0 emissor possa controlar por inteiro.Isso e verdadeiro para 0 que constitui 0 essencial desse dominio,ou seja, a publicidade de marcas comerciais, mas tambern para apublicidade politica ou governamental, ou ainda para a publicidadeem favor de grandes causas nacionais ou humanitarias, A publici-dade abre a possibilidade, num mundo em que as midias captamuma boa parte dos circuitos de inforrnacao, de fazer chegar direta-mente uma mensagem do emissor ao receptor, sem que haja inter-posicao da midia,

    Verernos que essa possibilidade e em parte onerada pela divisaodo trabalho, muito forte nesse dominio. Uma empresa que desejafazer a prornocao de urn de seus produtos costuma recorrer adiferentes intermediaries, encarregados de elabora-lo, de difundi-10, de analisar suas repercussoes. Com relacao a propria mensa-gem, essa mediacao nao e inocua. Tambern e verdade que a situa-cao publicitaria e radicalmente diversa da situacao midiatica doponto de vista do convencer, pois ela garante uma integridade -no sentido tecnico e nao no sentido moral - da mensagem em todoo decorrer de sua producao e difusao.

    A publicidade e urn objeto complexo que nao se deixa abordarfacilmente. De nosso ponto de vista, 0 faremos por meio de duasquestoes: trata-se de urn empreendirnento de persuasao e con vic-cao? De que a mensagem publicitaria quer convencer?

    o oleo Soya, 0 queijo Polenghi, as fraldas Pampers ou as pas-til h as Valda se tornaram produtos familiares para os brasileiros.Ora, essas marcas sairarn do nada, mas, impulsionadas por campa-nhas de persuasao macicas, transformaram-se num elemento denosso imaginario cotidiano. 0 que dizer da Coca-Cola e da Pepsi--Cola (eis ai, tipicamente, uma falsa alternative], que, como em suaepoca a IBM e a Apple, travam uma contra a outra uma batalha decunho ideologico que visa fazer aderir a seu campo a massa dopublico ainda indeciso ou pronto - ainda melhor - a mudar decampo? Parece bastante claro que a mensagem publicitaria tern por47

    ~.}

    "objetivo convencer. Como veremos no proximo capitulo, ela utilizatodas as tecnicas mobilizaveis para isso. Este ponto provoca poucadiscussao. Em compensacao, a questao de saber de que a. mensa-gem publicitaria quer nos convencer e mais complexa e tambernmais discutida.

    No primeiro nivel, a publicidade informa. E verdade, mas nao haninguern mais hoje que afirme que ela so faz isso. 1nformar naoe. alias, seu objetivo, que e influenciar com 0 objetivo de provocarurn comportamento de compra (ou, no caso da publicidade politica,obter urn voto, ou, ainda, provocar urn comportamento como dei-xar de fumar, por exernplo). A informacao nao passa de urn meio,entre outros, desse processo de influencia. Tal como observa JacquesBlociszewski, 0 vinculo logico entre 0 produto e a mensagem naodeixou de se enfraquecer?'.

    No segundo nivel, por conseguinte, a publicidade influencia e,para faze-lo, seduz, dramatiza, espetaculariza e, com frequencia,manipula. Ela torna a mensagem agradavel ou surpreendente. Emsuma, faz tudo para que a propria mensagem ressalte 0 produto.Uma mensagem agradavel ou atraente em si mesma suscitara umaatracao pelo produto. 0 caso-limite dessa concepcao e bern ilustra-do pelo ponto de vista do publicitario Oliviero Toscani (encarre-gado da campanha da Benetton), que desvincula 0 que a mensagemdiz do proprio produto. Assim, ele mostra imagens, com frequenciaprovocadoras ou chocantes, que nao tern qualquer relacao com 0produto promovido (e 0 caso das imagens do beijo de urn padre euma freira, de urn moribundo atingido pela aids ou de refugiadosalbaneses indesejaveis em Brindisi, na peca de uma campanha paraas roupas Benetton).

    Existe urn terceiro nivel? A publicidade procura convencer dealgo alem da compra de urn produto? Numerosos autores afirmamque sim, discern indo, por tras da mensagem, outra mensagem,mais geral. 0 melhor ensaio sobre esse tema e sem duvida a obrado sociologo americano Stuart Ewen", que analisa 0 inicio da pu-blicidade moderna nos Estados Unidos, imediatamente depois daPrimeira Guerra Mundial e sobretudo nos anos 20. Ele mostracomo a publicidade molda de maneira mais global as consciencias:

    24, Jacques Blociszewski, "Publ ic ite et manipulat ion socia le ', Le Monde diplomatique,marco 1993.

    25. Stuart Ewen, op. cit.

    A M AS IP UL A< ;:A O D A P ,~ LA VR A A IMPORTA"CIA D." P. \LAVRA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    24/85

    ela traz em si mesma a apologia da sociedade de consumo e dacultura de massas.

    Ewen cita em particular urn autor favoravel ao desenvolvimentoda publicidade, Frank Presbrey, que declara em 1929 que "foi aarnpliacao das campanhas publicitarias em todo 0 pais que recen-temente se atribuiu 0 progresso da unidade nacional: elas provo-cam uma semelhanca de visoes que, apesar da mistura etnica. emais pronunciada entre n6s do que nos paises europeus, cuja po-pulacao pertence a uma mesma raca e pareceria sob todos os as-pectos mais facil de homogeneizar?" (a nocao de raca, supoe-se,pertence ao vocabulario da epoca],

    Ve-se, pois, gracas a esse exemplo - e se a interpretacao dePresbrey e acertada -, que a publicidade pode ter uma influenciamais global. 0 tema da "unidade nacional", tao presente nos Esta-dos Unidos, confrontados nos anos 20 com ondas sucessivas d.eimlgracao, sem duvida seria hoje substituido, a julgar pel a tonali-dade da publicidade atual, pela afirrnacao do carater multietnico. darealidade social. De fato, a publicidade poderia realmente apoiar--se numa sensibilidade dominante para legitimar os produtos quepropoe. Eis af urn dos velhos recursos do convencer. Mas, ao faze-- 10 , ela reforca essa sensibilidade, produzindo assim, de algum modo,o consenso. De forma mais geral, a publicidade justificaria 0 siste-ma que a funda, 0 do consumo de massa no interior de umaeconomia liberal. Globalmente, poderia ser considerada urn atomilitante em favor do sistema, do qual e, alias, urn dos pilares maisessenciais.

    Publicidade, relacoes publicas, comunicacao politicaA publicidade nao se restringe ao campo da promocao de o?je-

    tos manufaturados. A partir dos anos 30, aparecem conselheirosem "relacoes publicas" que of ere cern seus services tanto as empre-sas como aos politicos. Eles constituem verdadeiros especialist.asencarregados de "trabalhar" a imagem global de uma companhia,de uma marca ou de um dirigente.

    Os anos 50 testernunharao a generalizacao progressiva de seusmetodos no campo politico. "Num periodo de poucos anos", obser-

    26. Id., ibid., p. 53.

    44

    JIva Vance Packard, "cujo apogeu foi a campanha presidencial de1956, eles provocaram mudancas espetaculares nas caracteristicastradicionais da vida politica americana "27. Alguns anos depois, osespecialistas de relacoes publicas, que se tornaram mais amplamenteprofissionais da comunicacao, se encarregarao ao mesmo tempo dapublicidade externa da empresa, mas tarnbern da "cornunicacaninterna". Eles se dedicarao a desvelar novas causas a ser defendi-das. Uma das invencoes mais caracterfsticas dessa verdadeira con-quista de novos mercados e a nocao de "imagern" Passar-se-a afalar da imagem de uma empresa, de uma regiao, de urn politico,de urn produto. Cada um e precedido por uma especie de duplo desi mesmo, sua "imagern". A sociedade de comunicacao apresenta--se como um mundo em que s6 se comunicam, em ultima analise,as imagens das entidades que 0 cornpoem. Essa imagem e conce-bida quase exclusivamente em termos de causa a promover. Aconstrucao dessas imagens se lorna uma atividade social legftima,mobilizando todos os recursos do convencer e ampliando por issomesmo 0 territ6rio da argumentacao, mas sobretudo da manipula-cao, que penetra no diferencial entre a imagem e a realidade, quedeve ser "positivada" pela imagem.

    A construcao da imagem, que requer forcosamente especialis-tas, se fara seguindo as regras, amplamente aperfeicoadas, da de-magogia classica: adaptar-se ao que 0 outro espera mais do queassumir sua propria realidade. As vias para a tecnicizacao da pal a -vra estao assim abertas em larga escala.

    27. Vance Packard, La persuasion clandestine, Calmann-Levy, 1958, 1984, p. 170.

    45

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    25/85

    '.

    .. .r"",

    t,

    3A tecniclzacao da palavra

    Uma das primeiras mudancas introduzidas pela democra-cia grega, e da qual nos proclamamos hoje herdeiros di-retos, consiste na domesticacao da linguagem, isto e , emsua tecnicizacao. A instituicao de urna palavra dernocratica nao eo unico agente dessa transforrnacao. A renuncia a vinganca pes-soal, talvez uma das rnais irnportantes revolucoes mentais e socia isde todos os tempos, tern por corolario a instituicao de urn sistemajudiciario inedito, que por sua vez tera consequencias determinan-tes sobre 0 uso da palavra. A cidade grega, que imitamos ate hojenesse aspecto, institui juris - representantes do povo como urntodo = que tern por en cargo fazer justica, isto e , exercer umavinganca publica. Urn crime deixa de ser urn insulto individualaquele que foi vitirnado por ele. Todo 0 equilibrio da comunidadese ve atingido, cabendo a cidade, pelo menos a seus representantes,reparar esse estado de coisas.

    Assim, vft imas e acusados saem de urn face-a-face com frequen-cia mortal (e gerador de vende t ta , vingancas e contravingancas)para aceitar a mediacao de urn terceiro, diante do qual devemexplicar-se. Querer justica passa por convencer os magistrados dalegitimidade de sua causa ou da ilegitimidade de uma acusacao. Aargumentacao torna-se urn recurso vital, mesmo quando a eviden-cia parece indicar 0 caminho a seguir para urn julgarnento.

    47

    A MA~IPULA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    26/85

    A arte de convencer transformada em tecnicaNesse contexto, nascera a retorica, uma habilidade nova, siste-

    matica, que nao tarda a se organizar num corpo de doutrina coli-gido em manuais e que institui uma relacao original com 0 sa-ber: sua transmissao em escolas nas quais os mestres na materia,os retoricos. pontificam.

    A i nvenc t io da arte de conveneerRoland Barthes insiste no contexto judiciario do nascimento da

    retorica, por volta de 485 a.C., na Sicflia grega'. De imediato, ligaa retorica com uma reflexao tecnica sobre 0 significado de "conven-cer". 0 primeiro professor de retorica, de certa forma seu inventor,Corax, redige urn manual que sera transmitido e servira de base atodos os retor icos seguintes. A quem ele se dirige? Essencialmenteaos logografos, que tern como profissao esc rever os discursos earrazoados dos que serao confrontados com a justica, 0 sistema ju-diciario grego tern isso de particular: 0 queixoso e os acusados de-vern apresentar-se em pessoa e defender a si mesmos diante dosjuizes e dos juris populares. Disso depende a avaliacao da autenti-cidade de sua causa.

    Corax propoe, pois, urn conjunto de procedimentos de naturezatecnica que permit em argumentar de maneira mais eficaz diantedos tribunais. 0 retorico nasce ao mesmo tempo num con-texto judiciario e no cerne de uma reflexao sobre os metodos quepermitem sistematizar a eficacia da palavra. 0 manual redigido porCorax - do qual temos apenas vestigios indiretos - e assim, se-gundo Ch. Benoit, "uma coletanea de artiffcios e expedientes paracada uma das partes do discurso, formulas de inicio e precaucoesoratorias para 0 exordio, astucias para organizar os fatos da narra-cao em causa, argumentos enganosos e mil manobras para a con-firrnacao e a refutacao, a acusacao ou a defesa'". Esse tratado de"arte oratoria" i techne rhetorike) e, para Olivier Reboul, uma "corn-

    J. Roland Bar thes , 'L'ancienne rhetorique" , Communications 'Recherches rhetoriques', n"16, Seu il , Par is , 1970.2. Ch. Benoi t, Essai historique sur les premiers manuels d'invention oratoire jusqu'a Aristote,

    Vrin, Paris, 1846, reedicao: 1983, p. 13.

    48

    pilacao de preceitos praticos, acompanhados de exemplos, para 0uso das pessoas sujeitas as varias jurisdicoes'".Para Corax, todo discurso, se deseja ser convincente, deve ser

    organizado. Ele inventa a ordem do discurso retorico, com 0domi-nio da situacao oratoria como objetivo. 0 orador, diante dos juizesou dos cidadaos reunidos em assernbleia politica, deve em primeirolugar, diz-nos urn texto antigo", procurar "acalmar por meio depalavras insinuantes e lisonjeiras a agitacao da assembleia", Seraesse 0 papel do exordio. Em seguida, "depois de ter obtido a aten-cao, ele expoe 0 tema da deliberacao, passa a discussao, intercala-ade digressoes, que confirmam suas provas; por fim, na recapitula-cao ou conclusao, resume seus motivos e reline todas as suas forcaspara arrebatar urn publico ja abalado",

    Essas quatro partes - 0 exordio, a apresentacao dos fatos, adiscussao e, para concluir, a peroracao - constituirao, segundoCorax, uma das norrnas tecnicas centrais do discurso retorico. Elassao ainda hoje urna norma observada de maneira bastante sistema-tica em toda fala ou texto escrito que vise defender uma opiniao,mesmo por aqueles que nao conhecem explicitamente seus princi-pios. A esse respeito se pode indagar se Cora x inventa normas queacabam por se tornar uma especie de referencia obrigatoria ou se,born observador das situacoes convincentes, sistematiza essa obser-vacao. Nao foi evidentemente com Corax que se cornecou a con-veneer, mas ele inaugura - e depois dele todos os outros ret6ricos- uma atualizacao daquilo que era ate entao urn potencial talvezamplamente nao-cultivado, mas intima mente contido na linguagemhumana.

    As hesitacoes da primeira ret6ricaPara compreender com clareza como funcionava essa primeira

    retorica, e preciso relembrar 0 fato, aparentemente surpreendentepara nos hoje, de que ensinar retorica era em primeiro lugar terseu proprio caderno de formulas feitas, de exordios preparados,que so esperavam para ser usados nesta ou naquela circunstancia.Assim, como 0 recorda Reboul, inventam-se "lugares" (terrno do

    3. Olivier Reboul, Introduction a la rhetorique, PUF, col. 'P remie r cyc le' , Par is , 1991 , p . 14.4. Ch. Benoit, op. cit., p. 14.

    4 9

    A ~IA:- ; IPl JLA(AO D.\ PALAVRA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    27/85

    gual advira a expressao "lugar-comum"}, argument os tipicos "quebastava saber de cor para empregar em determinado momento doarrazoado. Assim, no exordio, comecar por dizer que nao se e ora:dor, elogiar 0 talento do adversario etc. "5 E acrescenta Benoit: "Ea composicao de urn caderno de exordios e peroracoes que 0 ora-dor ateniense se dedicava mais cuidadosamente: pois a falta daperoracao significava comprometer 0 sucesso de todo 0 discurso;hesitar no corneco era expor-se a ser retirado da tribuna pelo ar-queiro cita'".

    Ve-se gue essa primeira ret6rica se preocupa sobretudo com aeficacia, de inicio judiciaria, e em seguida politica. Ela constitui umforrnidavel progresso, na medida em gue e uma alternativa possivela violencia das relacoes sociais, ou, 0 que eguivale a mesma coi-sa a ditadura de um principe ou de urn imperador. Num quadroern gue e de consenso gue a decisao sa ira da discussao coletiva, eque essa decisao sera boa se for tomada pela maioria, a ret6rica,como instrumento do debate, assume todo 0 seu sentido.

    A questao e entao saber 0 que faz urn discurso ser julgado con-vincente. Numerosas discussoes abordarao essa questao, sempreatual. E suficiente gue urn discurso seja bern ordenado, bem escan-dido utilize f6rmulas poeticas e bern torneadas, como as de G6r-gias.' para ser convincente? E necessario, para convencer,. recorrerprincipalmente aos sentimentos, as paixoes, tal como 0 afirrna Tra:simaco, que compoe nesse sentido urn "manual de patetica"? Epreciso sustentar, como Is6crates, que a aprendizagem mecfmic_ados lugares e a grandiloquencia devem ser rejeitadas e que a reto-rica 56 e aceitavel a service de causas honestas e nobres? Deve-serejeitar a ret6rica em sua totalidade, como deseja S6crates?

    A c on trib ui9 QO d ec is iv a d e Aris t6telesA resposta a essas perguntas sera enfim dada por Aristoteles

    (384-322). Aparentemente, 0 publico comecava a mostrar-se cansa-do da mecanica sofistica, com seus lugares pre-fabricados, seusprocedimentos e, em suma, seu cinismo a service do .poder. Acasoalguns sofistas nao afirrnaram, por um lado, que dispunham deuma tecnica tao poderosa que podiam defender uma causa ou seu

    5 . Olivier Reboul, Introduction d la rhetorique, op. cit., p. 16.6. Ch. Benoit. op. cit., p. 39.

    contrario, e, por outro, gue, em funcao disso, nao havia verdade eque tudo era relativo? Arist6teles rornpera com esses "tecnologos",Ao contrario dos sofistas, renunciara a ilusao da onipotencia daretorica. Ela nao passa de urn instrumento de alcance limitado e"seu justo uso pode ser util tanto guanto 0 injusto ser prejudicial "7.Esse instrumento consiste essencialmente na forrnulacao de urnraciocinio, seja indutivo ou dedutivo. A arte de convencer podedestacar-se de uma retorica das paixoes e da expressao, emboracolocando-as a disposicao do raciocinio, de todo modo como meiode apoio.

    Nesse espiri to, ela se distingue de maneira radical, e voluntaria,da retorica antiga, apoiada essencialmente nas paixoes enos pro-cedimentos pr6prios a comover, a seduzir ou a inquietar com vistasa persuadir. Sem duvida, e necessario, de acordo com Aristoteles,fazer usa dessas paixoes, ja que 0 orador e humane e se dirige a urnpublico, mas elas estao a service do raciocinio argumentativo, naoconstituindo urn meio em si.

    Com Aristoteles, a ret6riea torna-se uma tecnica completa por-que se apoia numa etica gue nao privilegia a eficacia. Mas, subja-cente a esse ideal filos6fico, e preciso discernir todo urn conjuntode praticas que pervadem os mundos grego e romano, praticas que,por sua vez, consideram a eficacia 0 unico ponto de referencia paraa acao. Demagogos, manipuladores, sedutores povoam os corredo-res das assernbleias e as tribunas do forum. 0 Imperio, tal comovimos, fara surgir outras categorias, os propagandistas, os conselhei-ros do principe, os manipuladores da hist6ria.

    Um a c liv ag em e ss en cia lA partir do momenta em que a palavra se transformou em

    tecnica de convencer, abrirarn-se dois caminhos, apesar de Aristo-teles, aparentemente bastante perrneaveis um ao outro: um conti-nuara, ate hoje, a postular a onipotencia potencial da palavra assimtransformada em instrumento para convencer; 0 outro sugere queo uso do instrumento deveria relacionar-se a uma etica especifica,pronta a romper com a busca sistematica de uma eficacia comfrequencia ilus6ria.

    7. Aristoteles. Rhetorique, l iv ro 1-1355, o rgan izacao e traducao para 0 f ran ces de Meder i cDufour , Le s Bel le s Let tr es , Pa ri s, 19 67 .

    A M A NI PU L A< ;: AO D A P A LA V RA A TEC NI C IZA < ;: .i . O D A P A LA VR A

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    28/85

    Arist6teles fornece assim os termos dessa clivagem ao acentuarcom veernencia que a Iuncao da ret6rica nao e persuadir a qual-quer custo, "mas ver os meios de persuadir que cada tema compor-ta'". Essa particao diz muito sobre as manipulacoes de que a pala-vra e objeto e terao todas como caracteristica a utilizacao de urndesvio com relacao ao pr6prio tema, desvio cujo objetivo e conven-cer a qualquer custo, empregando todos os meios disponiveis, Epreciso buscar na pr6pria causa 0 que ela tern de con vincente ouse deve recorrer, por exemplo, a artificios de apresentacao? Nosdois casos, estamos diante de um procedimento tecnico, mas parapor ai a comparacao entre 0 que seria manipulat6rio e 0 que naoo seria. A tecnicizacao da palavra pode efetivamente apoiar-se, amontante, numa etica ao mesmo tempo que numa busca de efica-cia, ou en t ao faze-lo, a jusante, na busca de uma pura eficacia, sejaqual for seu preco. Essa questao, que recobre uma alternativa fun-damental, contera em si mesma todos os debates futuros sobre apalavra uti lizada para convencer.

    o recurso rnacico as tecrricas de manrpulacao da palavraDesse ponto de vista, 0 seculo xx - que, como acentuamos no

    capitulo anterior, foi por excelencia 0 "seculo do convencer" -caracteriza-se por urn enorme desenvolvimento das tecnicas mani-pulat6rias e por uma confusao sistematica das fronteiras da pala-vra. Assiste-se ao desenvolvimento de uma nova sofistica, semcomparacao, em virtude dos meios de que dispoe e da extensao desua influencia, com 0 que se conhecera no passado. Ate en taoprevalecia uma relativa anarquia, favorecida pelas imprevisibilidad~sda ret6rica, submetida a muitos terremotos durante esses doismilenios. A partir de 1914, ou seja, bern no corneco do seculo XX,abrem-se as primeiras oficinas e torrnam-se os primeiros especialis-tas cujo objetivo e aperfeicoar tecnicas de persuasao utilizaveis aionde os meios de convencer habituais, razoaveis, da ordem da dis-cussao, nao funcionam. Essas tecnicas de manipulacao da opiniaoserao rapidamente conhecidas pelos nomes "propaganda" e "desin-formacao", Ao contrario do que se costuma crer, elas nao surgiramno interior dos regimes ditos "totalitar ios",

    8. I d. , ib id.

    52

    \:~

    e-1

    A desinformacaoEmbora a desinforrnacao seja ha muito conhecida, s6 no seculoxx ela tera, se se pode charna-lo assim, seu momento de gl6ria.

    Encontramo-la descrita num manual de estrategia chinesa atr ibuidoa Sun Tse, ao menos urn seculo antes de nossa era". Mas e precisoesperar a era conternporanea para que seu emprego seja sistema-tizado, a ponto de serem criados services especializados nesse tipode acao. Deve-se renunciar a representacao simplista, construfdana maioria das vezes a pos te r io r i, segundo a qual esses metodos queassoci am a mentira e a astucia sao 0 apanagio dos regimes total i-tarios. Parece mesmo que, no que se refere a isso, salvo engano, asdemocracias ocidentais sao claramente rnais prolificas.o termo sofreu, ha alguns anos, uma modificacao em seu usa

    e em sua significacao. 0 uso comum atribui hoje a desinforrnacaoo sentido de inforrnacao incorreta ou truncada, util izada voluntaria-mente para mascarar os fatos. Esse sentido e urn derivado urn pou-co insosso do termo original, que serve para designar uma opera-

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    29/85

    guerra Iria. Cada urn dos campos, notadamente os americanos e ossovieticos. transfere para 0 outro a responsabilidade de utilizartecnicas desse tipo para enganar a opiniao publica. Segundo MichelHeller1n , a palavra aparece em 1949 no D ic tio nn air e d e la la ng ue r us seem urn volume, de S. Ojegov com 0 sentido de "acao de in-duzir a l'ITO por meio de uma inforrnacao mentirosa" como no exern-plo da "dcsinformacao da opiniao publica nos paises capitalistas", 0Di ct io n na ir e e n cy c lo p e di q ue so vi e ti q ue , em tres volumes, de 1953, dacomo scntido: "Inforrnacao notoriamente falsa; procedimento, meioamplamcnte utilizado pela imprensa, pelo radio e pelos diferentesorgaos de propaganda burguesa, com 0 objetivo de induzir a opiniaopublica a erro, de caluniar os partidarios da paz, da democracia e dosocial ismo. de promover a poli tica de agressao do imperialismo",

    A dcsinforma

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    30/85

    apresenta com frequencia sua obra Le Viol des {o ules pa r la pro pa-ga nd e p olitiq ue - talvez tarnbem por ela nao ter side lida - comourn texto critico com relacao a propaganda, quando na verdadeSerge Tchakhotine nao se omite em lamentar que seus metodostenham side insuficientemente utilizados "em favor da boa causa"dernocratica.

    Tchakhotine distingue entre a propaganda a service do nazismoe aquela a service de boas causas (a "propaganda antibelica", porexernplo"]. Esse autor chegara a afirmar que use pode fazer propa-ganda dina mica, ate violenta, sem violar os princfpios morais, baseda coletividade humana=",

    Muitas organizacoes polit icas tern, ate os anos 70, "secretariadosde propaganda", "responsaveis pela propaganda", "services de propa-ganda", sendo isso entendido por alguns, ainda hoje, num sentidopositivo. Estes, levando em conta a significacao pejorativa que seassocia progressivamente a esse termo, por volta do fim da guerrafria e sobretudo depois da queda do Muro de Berlim, mudarao po-rem de designacao. Na maior parte dos casos, esses servicos se tor-nam ou de "informacao", ou, na maioria das vezes, de "comunicacao",

    A propaganda assumiu atualmente um sentido que a vincularetroativamente ao dominic do politico. Essa representacao, comoveremos, impede de considerar que os metodos da propagandapossam ser utilizados em outros setores, como a publicidade, porexemplo. E perturbador constatar que a propaganda polit ica parecese inspirar em metodos desenvolvidos no dominio da publicidade.Deve-se notar, nessa perspectiva, a esclarecedora observacao feitapor Tchakhotine, em 1938: "Asformas assumidas pel a publici dadeapresentam variacoes infinitas, as vezes tao inesperadas e tao en-genhosas que tarnbem inspiram com frequencia os propagandistaspoliticos. A publicidade atingiu 0 maximo de seu desenvolvimentosobretudo na America do Norte, onde assume proporcoes comple-tamente extraordinarias: e 0 anuncio a americana, como se diz. Ecurioso, mas de resto 16gico, constatar que, na luta politic a naAlemanha na primavera de 1932, Goebbels, 0 gerente de propagan-da de Hitler, desejando impressionar 0 mundo e, ao 'epater lebourgeois' [surpreender 0 burgues], sujeita-lo a seus fins, declarava

    14. Serge Tchakhotine, Le Viol des [oules par la propagande polit ique, Gallimard, Paris,1952, p . 540.

    15. I d., ibid., p . 559.

    56

    u rb i et o rb i que empregaria em sua propaganda - para a eleicao deHitler como presidente da Republica alema - 'metodos americanose em escala americana'f'". A "transfusao" entre certas formas depublicidade e a propaganda funciona bern nos dais sentidos,

    o fu nc io na me nto d a p ro pa ga nd aJean-Marie Domenach define a propaganda como uma tecnica

    que aplica cinco regras de Iorrnalizacao - a simpl i f icacac , em par-ticular pela personificacao de um inimigo unico: 0 aumento , quepermite desfigurar os fatos; a orquestraci io, que permite a repeticaodas mensagens ainda simplificadas e desfiguradas; a t ransfusi io, quepermite adaptar-se aos diferentes publicos: e, por fim, 0 contagio,com 0 objetivo de obter a unanimidade. Observer-se-a que essamanipulacao, fonte de eficacia propagandista, e mais urn desvio dasregras comuns da palavra democratica argumentativa do que umamodalidade radical mente diferente de linguagem. Sem duvida, 0desvio e essencial e aqueles que se empenham nisso transpoern afronteira que separa 0 discurso pacificado do recurso a violencia.Nao e menos verdadeiro que, sem duvida, e preciso romper com arepresentacao do discurso propagandista como uma versao diab6licada linguagem com relacao a qual os democratas seriam inc6lumes.

    No dominic do politico, 0 uso das tecnicas de propaganda sup6eque os publicos que elas tomam por alvo possam escolher entrevarias doutrinas ou sistemas de ideias, A propaganda intervernsempre num contexto democratico, ou, como acentuamos acima,obcecado pelo fantasma da democracia. Tal como observa 0 autor[nao id~ntificado) do verbete "Propagande" da En cy c lo p a ed ia Un iv e r-salis: "E a partir do momento em que a questao do poder e aber-tamente formulada, em que sua figura nao mais se dissolve narepresentacao mitica ou religiosa de uma ordem do mundo, quernetodos especfficos de conquista do consenso sao implementados.Nesse sentido, a origem da propaganda politica coincide com a dademocracia na Grecia"17.

    Para que haja propaganda e preciso que haja uma luta de ideiase que a opiniao do povo tenha valor. Num contexte em que a puracoercao e suficiente, a propaganda nao tern sentido. Mas 0 objetivo

    16. I d., ibid., p . 130.17. Verbete "Propagande", Encyclopaedia Universalis, Paris, 1995.

    57

    If .\ \I",, '[ '1., \( '\0 DA PALAVRA A TECNICIZA(,'AO DA PALAVRA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    31/85

    ,L I propaganda e de fato suprimir a possibilidade de escolha que,':,t.l. na base da democracia. Ela 0 fara, por conseguinte, dando ailll~.i,) de urn acordo entre 0 propagandista e sua vitirna. JacquesF\llll enfatiza que a existencia da propaganda modern a esta ligada;1 lima dupla tomada de consciencia, por urn lado, da eficacia efe-tiv.t sobre as multidoes da utilizacao de tecnicas de influencia, e,!,," outre, da importancia da psicologia no dominic do politico. A\':\'r;lganda - mas tambern, de maneira mais geral, outras tecnicas> " n~,tnipulac;:aopsicol6gica - pode ser definida como urn metodo,:,' ,1:'re5entac;:ao e difusao de uma opiniao de tal maneira que seuls,'~'tor acredite estar em harmonia com ela e ao mesmo tempo se\";.1 na incapacidade de fazer outra escolha a seu respeito.

    :\ lll'cessidade de urn Inventarro:\ implementacao das tecnicas de propaganda e, mais ampla-

    '~~"..:", de manipulacao da opiniao publica recorre a urn saber que~,' ~:~te:11atizaem todo 0 decorrer do seculo xx. Os recursos da,:,'::~.l.~ogiaclassica sao conhecidos desde a Antiguidade, mas, neste~ , ": '. : \) e r n que nao faltam as causas, 0 mesmo acontecendo com os:',::"':,'05 a busca de eficacia exige sempre mais. Costuma-se associar:: :''','psmda ao fato de que 0 periodo conternporaneo se teria tor-...:.:" U~::3 "idade das multidoes", em que a polftica mobiliza as~'.. ssas . A propaganda e com frequencia relacionada a fenomenos.',-:;;-::\,05.nos quais a irracionalidade das multidoes prevaleceria sobre.' ::\":C'-arbftriode que 0 individuo seria, por natureza, 0 suporte.

    :'-: ~ublico demasiado educado

    .j

    ~""enossa parte, preferimos enfatizar, a fim de compreender os:::":.,' ::len05e manipulacao moderna da palavra, uma dimensao quase~,::; 're pouco destacada nesse dominio. 0 seculo XX e sobretudo 0s-': ' ';_:0 em que a escolarizacao, a educacao, a alfabetizacao progri-,~: .: : notadamente em todos os paises com esses empreendimentos,);_.:~('Oicizac;:aoda palavra. E sem duvida porque a resistencia e"..L:r porque 0 publico e mais bern inforrnado, que os empreendi-"x,:::,,'S de conviccao classicos se reduzem. Nao estamos na era das:::':':::d6c5, mas na epoca em que cada urn, mesmo 0 operario ou 0,-,>,::~'(Ines,comeca a avaliar 0 discurso que the e apresentado.

    Para aqueles que desejam a todo custo prevalecer, convencer, aqualquer preco, e grande a tentacao de utilizar meios que devemser, em funcao disso, tanto mais sofisticados. 0 desenvolvimentoda manipulacao da palavra no seculo xx esta paradoxalmente liga-do a elevacao geral do nivel de inforrnacao e de conhecimento dopublico. 0mundo da publicidade experirnentara isso de modo amar-go. Como 0 enfatiza Vance Packard, "aideia de recorrer ao subcons-ciente", isto e , de utilizar novas tecnicas de persuasao, "adveio emgrande parte das dificuldades incessantes encontradas pelos indus-tria is de levar as americanos a comprar 0 que suas fabricas eramcapazes de produzir" 18.

    Porque 0 publico, de certa maneira, e demasiado educado paraas mensagens a ele propostas, e preciso empregar metodos cujacaracteristica sera contornar essa educacao, fazer 0 individuo regredira urn estado em que sera mais maleavel a influencia.

    Uma continuidade essencialQuais sao as novas tecnicas de manipulacao utilizadas hoje? Haverdadeiramente uma ruptura entre as que acabam de ser descritas

    e os metodos comumente difundidos no espaco publico hoje? Eimperativo fazer urn inventario concreto dessas praticas. Comoveremos, uma hip6tese se afirma de imediato: a da continuidadedos metodos empregados durante 0 seculo XX, ate hoje. A formu-lacao dessa hip6tese e complicada pelo fato de que temos grandedificuldade de separar as tecnicas propriamente ditas dos valores edas causas a cuja defesa elas servem. Resistimos, pais, a situar nomesmo plano a propaganda fascista e a propaganda publicitaria.Embora nao tenham nenhuma relacao no plano dos valores, haentre elas uma comunidade de tecnicas e, como veremos adiante,uma comunidade de efeito nesse nivel estrito. E preciso, par con-seguinte, fazer urn esforco de analise que isole as tecnicas comotais para ressaltar sua continuidade.

    Essa analise da manipulacao parte do princfpio de que se tratade urn processo de comunicacao. A maioria daqueles que trabalha-ram com propaganda e manipulacao acentuou a importancia da di-men sao comunicacional. Todo ato que vise convencer, de uma for-

    18. Vance Packard, op. cit., p. 17.

    A MA'iIPULA

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    32/85

    rna geral, supoe uma mensagem, isto e, a Iormulacao de umaopiniao dada. 0 ato de convencer nao e uma inforrnacao sobre 0que 0 orador pensa, e uma elaboracao com 0 intuito de transformaro ponto de vista do publico, a tornar uma opiniao aceitavel, quandoela nao 0 seria se fosse apresentada de maneira bruta. Nesse sen-tido, a manipulacao procede como a argumentacao. A diferencaradical atem-se, no entanto, a forma como 0 publico e tratado,conforme the seja deixada a maior liberdade possivel para aderir aoque Ihe e proposto, ou, pelo contrario, haja uma tentativa de obriga--1 0 a faze-lo. A manipulacao e uma comunicacao restr it iva. Descre-ver seu processo consiste em descrever os meios dessa restricao,independentemente das causas assim promovidas.

    Essa analise passa por uma tipologia dos atos manipulat6rios enao tern a pretensao de ser exaustiva. Esforcarno-nos por dist inguir ,nessa classificacao provis6ria dos procedimentos manipulat6rios,do i s niveis classicos, 0 primeiro e 0 das tecnicas que objetivamintervir na forma da mensagem, tecnicas que atuam essencialmen-te sobre os aie tos . 0 segundo e 0 das tecnicas que constituem umaintervencao no conteudo da mensagem, isto e, em sua estruturainterna e sua dirnensao cogni t iva. Umas recorrem aos sentimentos[seducao, estetica, medo]: as outras sao sobretudo truques do racio-cfnio (enquadramentos deformados e amalgamas].

    A im po rta nc ia d os e xe mp lo sAntes de detalhar os diferentes procedimentos manipulat6rios

    que se podem apresentar como, infelizmente, os mais comuns,impoe-se urn comentario sobre a escolha dos exemplos que seraotratados. 0 objeto desta parte do trabalho e mostrar como, tecni-camente, a manipulacao funciona, independentemente das causasa cuja prornocao ela serve. Contudo, devemos, e evidente, tomarexemplos para ilustrar a proposta, esclarece-la e, de modo maisfundamental, porque a manipulacao sempre se exerce na propriamateria da qual se extraem os exemplos. Escolheremos, pois, exem-plos por sua qualidade de apoio da proposta, quer sejam tirados darealidade politica, notadamente propagandista, de mensagens pu-blici tarias, de estagios de psicoterapia ou do "desabrochar pessoal"gracas a aprendizagem dos "segredos da comunicacao". Tudo aqui,do ponto de vista das causas, se acha mesc1ado.60

    o lei tor devera, por conseguinte, estar alerta para 0 efeito dearnalgama involuntario que pode decorrer dessa co-presenca. Colo-car no mesmo plano um exemplo de reenquadramento manipuladorque mostra determinado dirigente da extrema direita, outr~ queenvolve Alain [uppe e urn terceiro, urn anuncio deste ou daquelecigarro, nao significa evidentemente que se pressupoe para elesuma comunidade de valor. As causas defendidas por eles nao saoem absoluto comparaveis, mas a tecnica, fundada num enunciadopreciso, pode em contrapart ida ser comurn. Quando analisarmos 0efeito dos discursos manipulat6rios, procuraremos igualmente dis-t inguir entre 0 efeito produzido pela aceitacao obtida a partir daforca dos valores e das causas e 0 efeito especifico provocado peloemprego dessas manipulacoes.

    Alern disso, na realidade, os atos manipulatorios sao com muitafrequencia objetos complexos, que fazem usa de diferentes proce-dimentos. Toda tentativa de ilustrar urn procedimento particular sechoca, na maioria das vezes, com exemplos multiformes, que esca-pam ao desejo pedag6gico de valer-se deles para ilustrar urn unicotrace particular. 0 exemplo - e os que serao escolhidos aqui naoescapam a essa regra - e, portanto, fragil no plano pedag6gico,visto ser sempre demasiadamente poderoso e amplo em sua signi-ficacao, 0 leitor devera levar em conta essa limitacao. Para ilustraressa complexidade, decidimos dedi car urn capitulo especial a ana-lise de urn exemplo cuja caracteristica e justamente sua capacidadede integrar, numa mesma mensagem, diferentes procedimentosmanipulat6rios. Veremos que, em virtude disso, a situacao criada eternivel. Sera dificil, depois disso, defender a ideia de que as pra-ticas de manipulacao "sao coisa do passado".

    61

  • 5/15/2018 A manipula o da palavra - Philippe Breton

    33/85

    l

    :~\ .;4 :*

    "

    4A manlpulacao dos afetos

    7'7....

    C ostuma-se associar a manipulacao com todos os metodosque consistem em intervir emocionalmente, afetivamente,na relacao que se estabelece entre aqueles que queremcon veneer e seu publico. Insiste-se, por exernplo, no fato de que apropaganda e "irracional", que atua apeJando a recursos instintivos,que mobiliza 0 sentimento estetico, portanto mais aos afetos que aracionalidade dos argumentos. No entanto, e preciso matizar am-plamente esse ponto de vista, que funciona com base numa opo-sicao, em forma de lugar-cornum, entre afetos e racionalidade.

    Pode-se de fato manipular de outra maneira que nao intervindona relacao. 0 pr6ximo capftulo e dedicado a todas as manipulacoesda dimensao cognitiva da mensagern. As possibilidades abertas pelamanipulacao do conteudo da mensagem sao, como veremos, inu-meraveis, Por conseguinte, nao e possivel reduzir a manipulacao adirnensao "irracional" ou "afetiva" da comunicacao. Acrescentare-mos a isso que aquilo que e do dorninio do sentimento, do charrne,da estetica ou da autoridade - ou seja, 0 que acompanha a men-sagem propriamente dita ou que constitui sua apresentacao