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A literatura nas aulas de Espanhol como língua adicional na UNILA Bruna Otani Ribeiro (UNIOESTE/UNILA) [email protected] RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir o trabalho com o texto literário nas aulas de Espanhol como língua adicional (E/LA) na Universidade Federal da Integração Latino- americana (UNILA). Dado o fato de que a instituição tem a proposta de oferecer um ensino bilíngue, todos os alunos dos cursos superiores existentes na instituição se matriculam, obrigatoriamente, nas disciplinas de Espanhol ou Português como língua adicional, exigidas aos brasileiros e não-brasileiros respectivamente. Assim, o intuito deste estudo é refletir sobre a inserção da literatura no diversos cursos de ensino superior oferecidos pela UNILA, mais especificamente nas aulas de E/LA, adotando como embasamento as discussões teóricas sobre a leitura, o letramento literário e as relações entre literatura e cultura. PALAVRAS-CHAVE: Leitura; letramento literário; cultura; ensino superior; UNILA. La literatura en las clases de Español como lengua adicional en la UNILA Bruna Otani Ribeiro (UNIOESTE/UNILA) [email protected] RESUMEN: Este artículo tiene por objetivo discutir el trabajo con el texto literario en las clases de español como lengua adicional (E/LA) en la Universidad Federal de la Integración Latinoamericana (UNILA). Considerando el hecho de que la institución tiene la propuesta de ofrecer una enseñanza bilingüe, todos los alumnos de los cursos superiores existentes en la universidad se matriculan, obligatoriamente, en las asignaturas de Español o Portugués como lengua adicional, exigidas a los brasileños y no brasileños respectivamente. Así, el intuito de este estudio es reflexionar sobre la inserción de la literatura en los diversos cursos de la enseñanza superior ofrecidos por la UNILA, más específicamente en las clases de E/LA, adoptando como embasamiento las discusiones teóricas sobre la lectura, la literacidad literaria y las relaciones entre literatura y cultura. PALABRAS-CLAVE: Lectura; literacidad literaria; cultura; enseñanza superior; UNILA. Introdução O presente artigo tem como tema o trabalho com a literatura nas aulas de espanhol como língua adicional na UNILA Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Tendo como ponto de partida reflexões sobre a importância da leitura bem como sobre o letramento literário e a relações entre literatura e cultura, a proposta deste estudo foi verificar se ocorre o trabalho com o texto literário nas aulas de línguas (uma vez que se trata de uma manifestação cultural e um dos eixos da UNILA é a interculturalidade), como esse trabalho se dá e se traz

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Page 1: A literatura nas aulas de Espanhol como língua adicional ... · RESUMO: Este artigo tem por ... lengua adicional, exigidas a los brasileños y no brasileños respectivamente

A literatura nas aulas de Espanhol como língua adicional na UNILA

Bruna Otani Ribeiro (UNIOESTE/UNILA)

[email protected]

RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir o trabalho com o texto literário nas aulas de

Espanhol como língua adicional (E/LA) na Universidade Federal da Integração Latino-

americana (UNILA). Dado o fato de que a instituição tem a proposta de oferecer um ensino

bilíngue, todos os alunos dos cursos superiores existentes na instituição se matriculam,

obrigatoriamente, nas disciplinas de Espanhol ou Português como língua adicional, exigidas

aos brasileiros e não-brasileiros respectivamente. Assim, o intuito deste estudo é refletir sobre

a inserção da literatura no diversos cursos de ensino superior oferecidos pela UNILA, mais

especificamente nas aulas de E/LA, adotando como embasamento as discussões teóricas sobre

a leitura, o letramento literário e as relações entre literatura e cultura.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura; letramento literário; cultura; ensino superior; UNILA.

La literatura en las clases de Español como lengua adicional en la UNILA

Bruna Otani Ribeiro (UNIOESTE/UNILA)

[email protected]

RESUMEN: Este artículo tiene por objetivo discutir el trabajo con el texto literario en las clases

de español como lengua adicional (E/LA) en la Universidad Federal de la Integración

Latinoamericana (UNILA). Considerando el hecho de que la institución tiene la propuesta de

ofrecer una enseñanza bilingüe, todos los alumnos de los cursos superiores existentes en la

universidad se matriculan, obligatoriamente, en las asignaturas de Español o Portugués como

lengua adicional, exigidas a los brasileños y no brasileños respectivamente. Así, el intuito de

este estudio es reflexionar sobre la inserción de la literatura en los diversos cursos de la

enseñanza superior ofrecidos por la UNILA, más específicamente en las clases de E/LA,

adoptando como embasamiento las discusiones teóricas sobre la lectura, la literacidad literaria

y las relaciones entre literatura y cultura.

PALABRAS-CLAVE: Lectura; literacidad literaria; cultura; enseñanza superior; UNILA.

Introdução

O presente artigo tem como tema o trabalho com a literatura nas aulas de espanhol como

língua adicional na UNILA – Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Tendo

como ponto de partida reflexões sobre a importância da leitura bem como sobre o letramento

literário e a relações entre literatura e cultura, a proposta deste estudo foi verificar se ocorre o

trabalho com o texto literário nas aulas de línguas (uma vez que se trata de uma manifestação

cultural e um dos eixos da UNILA é a interculturalidade), como esse trabalho se dá e se traz

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contribuições para o aprendizado de um novo idioma como também para uma formação de

qualidade no nível superior.

Para tanto, desenvolveu-se de uma pesquisa de campo cujo universo investigado

quantitativamente e qualitativamente foi composto discentes de uma turma da discplina

Espanhol Adional Intermediário II, que haviam cursado as disciplinas espanhol adicional na

instituição, encontrando-se na fase de conclusão das matérias relacionadas ao Ciclo Comum de

Estudos – CCE – (conjunto de disciplinas obrigatórias a todos os estudantes da instituição

durante os 2 ou 3 primeiros semestres dos cursos de graduação ofertados pela UNILA, sendo

elas: Português/Espanhol Adicional Básico; Português/Espanhol Adicional Intermediário I;

Português/Espanhol Adicional Intermediário II; Fundamentos da América Latina I, II e III;

Introdução ao Pensamento Científico e Ética e Ciência).

A pesquisa foi composto por uma fase inicial de revisão bibliográfica sobre o tema

abordado, por uma etapa de coleta de dados composta pela aplicação de um questionário aos

discentes da turma selecionada e por uma etapa de análise e reflexão dos dados coletados tendo

em vista a teoria proposta.

Foram utilizados como aporte teórico pesquisadores como Almansa Monguilot (1999),

Divardin (2010), Jouini (2008), Rocco (1992), Romero Blázquez (1998), Machado (2008),

Cosson (2009), Rojo (2009) etc.; no entanto, uma vez que tais pesquisadores não

desenvolveram investigações sobre leitura, literatura e cultura nas aulas de línguas no ensino

superior, este estudo se apresenta como o início de uma nova pesquisa no Brasil, por conta de

a UNILA ser a única instituição brasileira com caráter bilíngue.

É válido destacar que essa pesquisa desenvolvida em uma única turma está sendo

considerada um projeto piloto para uma proposta investigativa que será feita de maneira mais

ampla, envolvendo todas as turmas de estudantes formandos da universidade em um

determinado ano, de modo a ter um panorama um pouco mais completo sobre o trabalho com

a literatura nas aulas de línguas adicionais (português e espanhol) oferecidas pela instituição. O

que se pretende, posteriormente, é construir um estudo pertinente ao contexto latino-americano

e à UNILA, tendo em vista a relevância da leitura e do letramento literário na formação

profissional e pessoal do corpo discente da universidade.

Sobre a literatura nas aulas de Espanhol como Língua Adicional na UNILA

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A Univerisdade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA –, por ter o intuito

de ser uma instituição bilingue, exige que todos os estudantes, sejam eles brasileiros ou

estrangeiros, independentemente do curso de graduação escolhido, tenham conhecimento da

língua portuguesa e da língua espanhola, as quais são ofertadas como línguas adicionais em

disciplinas que fazem parte da grade curricular de todos os cursos nos primeiros semestres.

O corpo docente da área de línguas adicionais da universidade está composto, na

atualidade, por 45 professores, excetuando-se os substitutos e os que atuam exclusivamente nos

cursos de Letras – Artes e Mediação Cultural e Letras – Espanhol e Português como Línguas

Estrangeiras, por se tratar de um grupo numeroso, é comum verificar divergências entre os

docentes no que se refere a teorias e metodologias de trabalho.

Tais divergências identificadas em debates e reuniões de área fez surgir uma inquietação

no que se refere ao trabalho com o texto literário nas aulas de línguas adicionais. Antonio

Candido, no prefácio de Literatura/ensino: uma problemática, menciona que

É bastante alentador o interesse que começa a se manifestar sistematicamente pela revisão

do ensino da literatura. Antes, este interesse se ligava de modo meio mecânico ao ensino

da língua e se regia na prática pelas respectivas portarias, ficando insensivelmente em

segundo plano, – como “instrumento” ou recurso a serviço do alvo mais importante. (1992,

p. xi)

Candido, ao ponderar sobre a relação do ensino de língua e literatura, traz à tona a ideia

de que o texto literário é riquíssimo, podendo contribuir sobremaneira para a formação do

estudante, não podendo, por isso, ser deixado em segundo plano ou não explorado em sua

riqueza e complexidade por servir como mero instrumento para o aprendizado de uma língua.

Ao pensar especificamente na relação da literatura com o ensino de uma língua

estrangeira, neste caso a língua espanhola, Khemais Jouni (2008), ainda que não dialogue

diretamente com Candido, segue a mesma linha de raciocínio e faz uma crítica a professores

que usam o texto literário como recurso a serviço do alvo mais importante – no caso a língua

estrangeira –, àqueles que “casi siempre se utilizan los textos literarios en el aula de español

con el fin de realizar ejercicios de gramática, aclarar dudas acerca del vocabulario o de ciertas

estructuras morfosintácticas, etc., según los casos.” (JOUNI, 2008, p. 137). O posicionamento

é justificado com a afirmação de que “las posibilidades de explotación didáctica de un texto

literario pueden ser múltiples” (JOUNI, 2008, p. 137).

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Asseverando um pouco mais a crítica, Jouni condena não o fato de a literatura ser

deixada em segundo plano, mas sim a exclusão (que por muito tempo houve e pode ser que siga

havendo) dos textos literários no ensino de línguas. Reprovando esse comportamento exclusivo

por parte de muitos professores, Jouni afirma que “dicha exclusión se debe esencialmente a la

falsa creencia de la inutilidad o inadecuación del texto literario, debido a su complejidad

lingüística, para la enseñanza-aprendizaje de una lengua extranjera.” (2008, p. 123).

Com o intuito de esclarecer porque a crença da inutilidade ou inadequação do texto

literário nas aulas de línguas é falsa, Jouni dá continuidade ao artigo elencando uma série de

vantagens que o trabalho com a literatura pode proporcionar para o aprendizado e a formação

do aluno. Entre vários outros pontos positivos, ele menciona, por exemplo, que […] la

enseñanza de los textos literarios resulta ser una herramienta esencial para la enseñanza-

aprendizaje del vocabulario, la gramática, la ortografía y un sin fin de contenidos relacionados

con el aprendizaje de la lengua meta (JOUNI, 2008, p. 125).

Indo ao encontro dos argumentos de Jouni, Romero Blázquez afirma que “un fragmento

literario significa un recurso óptimo en el aprendizaje de la lengua meta” (1998, p. 380). Por

sua vez, sobre a literatura, Almansa postula que [...] son muchas las razones que abogan por su

utilización sistemática y muestran su rentabilidad como recurso didáctico y como instrumento

para la formación del individuo (1999, p. 5).

Pensando na literatura enquanto manifestação cultural, é válido concordar com Martín

Morillas (2000, p. 4), ao refletir sobre esse trabalho nas aulas de línguas, quando afirma que

la clase de idiomas puede ser una clase donde se estudie y se reflexione sobre las

diferencias y similitudes en cuanto a creencias, valores, actitudes, etc., relativas a los

hablantes de la otra lengua-cultura, a fin de aprender sobre ‘ellos’ y sobre ‘nosotros’,

sobre sus identidades y sobre nuestras identidades.

Dessa maneira, conhecer a cultura do outro funciona como uma forma de

autoconhecimento em relação à própria cultura. Em se tratando de Brasil, esse

autoconhecimento seria extremamente positivo, pois, segundo Alfredo Bosi (2006, p. 7), “Da

cultura brasileira já houve quem a julgasse ou a quisesse unitária, coesa, cabalmente definida

por esta ou aquela qualidade mestra. E há também quem pretenda extrair dessa hipotética

unidade a expressão de uma identidade nacional”.

Porém, no Brasil, assim como no restante da América Latina, não há uma identidade

cultural homogênea e uniforme. É fato que existem padrões culturais, formas de pensar, agir,

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comportar-se e se comunicar dominantes, mas esses modelos não são únicos, o que torna a

cultura brasileira, como também a latina, totalmente pluralista. Entender e aceitar que a cultura

do país em que se vive possui um caráter plural, ou seja, é diversificada, devido ao fato de cada

região da pátria possuir os próprios costumes, é um passo fundamental para compreender que

a cultura de outra nação certamente possuirá diferenças em relação à sua.

Se dentro de um único país existem conflitos e choques culturais entre os povos de

diferentes regiões, não é surpreendente nem deveria causar espanto o fato de países diferentes

possuírem hábitos distintos. Logo, professores, livres de preconceitos, devem então esclarecer

e enfatizar que não existe cultura melhor ou pior, existem apenas diferentes formas de pensar e

agir de grupos que pertencem a sociedades diferentes ou que pertencem a uma mesma sociedade

em contextos que os separam como classe social, sexo, idade, profissão etc. Deve-se evidenciar

também, ainda que pareça óbvio, que, além de compreender a existência das diferenças, faz-se

necessário aceitá-las e respeitá-las. De acordo com Vicent Jouve, em Por que estudar

literatura? (2012, p. 9),

Os estudos literários – evidentemente, permitem aumentar a cultura (ao

explicar o que significa uma visão “barroca” ou “romântica” do mundo, ao

recordar o que pôde causar riso numa época ou emoção em outra). Mas a

cultura não se limita à literatura. Se o propósito é ter a visão mais informada

possível, é legítimo – até mesmo indispensável – não falar apenas dos textos

(e, entre eles, não apenas dos textos literários). Existem não somente outras

formas de arte (música, pintura, escultura), como também outras

manifestações culturais (gastronomia, televisão, esporte, moda etc.). Seria

lógico, portanto, dissolver os estudos literários, dentro dos estudos culturais.

Nota-se que não são poucos os pesquisadores que se dedicam a estudar a relação

existente entre o ensino da literatura e cultura nas aulas de línguas, porém, boa parte das vezes,

as vantagens identificadas nessa relação foram constatadas em diversos níveis de ensino (na

educação infantil, no ensino fundamental e médio ou ainda em cursos de línguas ofertados por

escolas de idiomas), mas pouquíssimos relacionados ao ensino superior (excetuando-se os casos

que envolvem os cursos de Letras), dado o reduzido número de universidades bilíngues cujo

projeto formador está atrelado às aulas de línguas adicionais em todas as carreiras, no Brasil,

apenas uma.

Dessa forma, a ideia desse estudo foi verificar se o texto literário em diálogo com outras

manifestações culturais tem sido utilizado como recursos didáticos nas aulas de línguas

adicionais na UNILA e, caso sejam, verificar se as vantagens apontadas no uso da

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literatura/cultura no ensino de línguas em outros níveis de ensino também ocorrem no ensino

superior, bem como quais são elas. Para tanto, foi aplicado um questionário aos estudantes de

uma turma da disciplina de Espanhol Adicional Intermediário II, última disciplina de línguas

ofertada pelo Ciclo Comum de Estudos, com o intuito de averiguar, de acordo com os discentes,

a efetividade e a pertinência da relação entre literatura, cultura e ensino de línguas.

Como mencionado no início desse texto, essa pesquisa se configura como um projeto-

piloto para um estudo mais amplo a ser desenvolvido futuramente com todos os alunos que se

encontrem na condição de formandos em um determinado ano, de modo a ter dados mais

completos sobre a relação entre literatura/cultura e ensino de línguas na instituição. A análise

desses dados, inclusive permitirá uma autoavaliação e reflexão da prática docente no que se

refere ao tema abordado, para saber se os objetivos das aulas que envolvem literatura e outras

manifestações culturais estão (e em caso afirmativo em que medida estão) sendo atingidos.

A turma de Espanhol Língua Adicional Intermediário II que participou dessa pesquisa

inicial possuía um grupo misto composto por 26 alunos de 10 cursos de graduação, sendo eles:

Ciências Biológicas - Ecologia e Biodiversidade, Engenharia Química, Engenharia Civil de

Infraestrutura, Engenharia de Energias Renováveis, Saúde Coletiva, Relações Internacionais

e Integração, Engenharia de Materiais, Ciências Biológicas - Ecologia e Biodiversidade,

Geografia (Bacharelado) e Ciências Econômicas - Economia, Integração e Desenvolvimento.

Ao serem indagados, via questionário, se nas aulas de língua espanhola tidas ao longo

do Ciclo Comum de Estudos haviam sido trabalhados textos literários, 3 alunos dos 24 que

preencheram o questionário responderam que não. Tais números apontam para um aspecto

positivo, afinal, a literatura vem sendo trabalhada nas aulas de línguas adicionais, porém, fazem

com que sejam levantadas duas hipóteses: 1) a de que alguns professores não trabalham com

textos literários em suas aulas; e 2) a de que os objetivos das aulas com textos literários não

estejam sendo atingidos, uma vez que os 3 estudantes podem não reconhecer gêneros textuais

pertencentes à esfera literária, ainda que tenham sido trabalhados.

Tomando como ponto de partida as hipóteses formuladas a partir das respostas

negativas, faz-se importante destacar a relevância do trabalho com o letramento literário nas

aulas de línguas adicionais, pois, segundo Rildo Cosson, trata-se de um letramento diferente

dos demais, haja vista que a literatura pode “tornar o mundo compreensível transformando a

sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas”

(COSSON, 2009, p. 17), além disso, também de acordo com Cosson (2009) em Letramento

literário: teoria e prática, conteúdos de outras áreas, como história e geografia, por exemplo,

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podem ser aprendidos com a leitura do texto literário, no entanto, ao reduzir o texto literário a

esses conteúdos, estaria se desconsiderando o caráter transgressor da literatura, assim, o autor

vê como prioridade o direcionamento do estudante, a partir da mediação do professor, ao

processo de construção de sentidos de discursos que passam a significar a partir das próprias

palavras.

A pergunta seguinte que constava no questionário era: “¿Consideras importante para

el aprendizaje de un nuevo idioma el trabajo con el texto literario en las clases? ¿Por qué?” A

essa pergunta, apenas 1 estudante dos 24 que preencheram o questionário respondeu que não

considerava importante, no entanto, este não justificou a resposta apresentada. Considerando

que esse mesmo estudante deu uma resposta afirmativa à pergunta anterior, ou seja, que em

suas aulas de línguas adicionais foram trabalhados textos literários, é possível supor que com

este estudante os objetivos das aulas com textos literários não foram atingidos, uma vez que

este não considerou tal trabalho importante para o aprendizado da língua espanhola.

Nesse caso, seria interessante que o aluno tivesse justificado a resposta para ser possível

avaliar se o fato de ele não atribuir relevância ao trabalho com o texto literário se deve ao mero

desinteresse por parte do estudante ou à razão de o docente utilizá-lo apenas, como afirma Jouni,

“con el fin de realizar ejercicios de gramática, aclarar dudas acerca del vocabulario o de

ciertas estructuras morfosintácticas, etc.” (2008, p. 137), sem explorar a riqueza e

complexidade que possui.

A terceira questão feita aos estudantes foi: “¿Fueron trabajadas manifestaciones

culturales latinoamericanas en las clases de lengua española que tuviste a lo largo del Ciclo

Común de estudio? ¿Cuáles?” A essa pergunta, 5 dos dos 24 alunos que responderam ao

questionário marcaram a opção negativa, o que desencadeia, novamente, o surgimento de duas

hipóteses: 1) a de que alguns professores não trabalham com manifestações culturais da cultura

hispânica em suas aulas; e 2) a de que os objetivos das aulas com tópicos da cultura hispânica

não estejam sendo atingidos, uma vez que, no caso de terem sido trabalhados, 5 estudantes não

foram capazes sequer de reconhecer elementos da cultura hispânica durante as aulas.

Ainda assim, vale destacar que a maioria dos estudantes do grupo respondeu

afirmativamente, indicando que elementos diversos da cultura hispânica, além da literatura,

foram trabalhados durante as aulas de línguas, como música, cinema, pintura, festas típicas,

etc., algo positivo, pois demonstra a compreensão por parte dos estudantes de que a cultura dos

países hispanofalantes se constitui por diversificados traços.

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Para além disso, fica claro que o trabalho com distintas semioses, o qual, por extensão,

implica na utilização de gêneros textuais/discursivos diversos, também vem sendo

desenvolvido nas aulas de línguas adicioais, algo considerado benéfico por promover uma

prática de “letramentos múltiplos”, termo que Roxane Rojo utiliza na obra Letramentos

múltiplos, escola e inclusão social (2009), para defender que a educação linguística deve estar

pautada em uma abordagem plural capaz de contemplar materialidades discursivas diversas de

diferentes esferas, semioses também diversificadas, aliando a escrita a outras linguagens, e

culturas também no plural por considerar as formas locais e globais, populares marginalizadas

e dominantes valorizadas. Segundo a autora, essa seria uma forma de promover uma formação

ética, com espírito democrático, capaz de desenvolver a criticidade dos sujeitos.

No que se refere à quarta questão, “¿Consideras importante el conocimiento de la

cultura hispánica para el aprendizaje de la lengua española? ¿Por qué?”, apenas 2 estudantes

dos 24 que responderam ao questionário assinalaram a opção negativa. Um deles não

apresentou justificativa à resposta, já o outro justificou a negação da seguinte maneira: “Acho

que se aprende mais com pessoas que falam a língua, do que conhecendo culturalmente a região

da língua ensinada”.

Considerando que tal estudante apresentou tal resposta a essa questão e afirmou que não

foram trabalhadas manifestações culturais nas aulas de línguas, porém, ao mesmo tempo,

assinalou a opção de que textos literários foram trabalhados e são importantes para o

aprendizado do idioma, nota-se uma confusão conceitual, dado que o aluno não consegue

reconhecer que literatura também é um traço da cultura. O caso mencionado é interessante, pois

aponta para a necessidade discussões mais esclarecedoras sobre o conceito de cultura, algo que

pode ser feito não apenas nas aulas de línguas adicionais como também nas disciplinas de

Fundamentos da América Latina – FAL I, II e III – matérias também ofertadas pelo Ciclo

Comum de Estudos.

Vale destacar, no entanto, que a grande maioria das respostas foi afirmativa, ou seja, os

estudantes consideram importante o aprendizado da cultura para um melhor conhecimento do

idioma, e as justificativas para tal resposta foram diversas. A que mais chamou a atenção foi a

de um estudante que marcou a opção “sim” (que considera importante) e justificou com os

seguintes termos: “Pero no tan importante como la gramática”, o que torna possível supor que

a prática de algum (ou alguns) docente(s) possa estar supervalorizando a gramática em

detrimento das manifestações culturais, algo a ser repensado, uma vez que, de acordo com o

Projeto Pedagógico do CCE, a criação de uma universidade bilíngue “visa promover uma

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cultura de integração regional e uma sensibilização para o intercâmbio linguístico e para a

interculturalidade” (UNILA, 2013, p. 11).

No que tange à quinta questão feita aos estudantes, ¿Consideras importante el

conocimiento de la cultura hispánica para tu formación individual? ¿Por qué?, assim como na

pergunta anterior, apenas 2 alunos assinalaram a opção negativa, e ambos não apresentaram

justificativa à resposta. Ao considerar que esses dois estudantes afirmaram que foram

trabalhadas manifestações culturais durante as aulas de línguas, uma vez mais surge a suposição

de que provavelmente os objetivos de tais aulas não se concretizaram, já que estes estudantes

não conseguiram compreender que, ao conhecer outras culturas, é possível conhecer e inclusive

compreender melhor a própria cultura, o que contribui também para a compreensão da ideia de

uma identidade nacional e/ou latino-americana, ou seja, para o entendimento de sua posição

social, logo, para sua formação individual enquanto sujeito.

Considerações finais

Ao refletir sobre as respostas apresentadas pelos estudantes nos questionários, é possível

verificar que o trabalho com o letramento literário aliado a outros letramentos nas aulas de E/LA

tem deixado contribuições positivas ao alunado, contudo, ainda não se pôde ter clareza sobre

em que medida essas contribuições estão sendo efetivas, haja vista que há diversos alunos

incapazes de reconhecer a relevância desse trabalho e outros, inclusive, sugerem que ele pode

não estar acontecendo, o que seria grave, uma vez que Ana Maria Machado aponta em A

importância da leitura (2008, p. 16) que

Lê-se pouco no Brasil porque não se acha que ler é importante, não se tem

exemplo de leitura, existe a sensação de que livro é uma coisa difícil,

trabalhosa, não compensa o esforço. Só se faz obrigado. Um sacrifício penoso,

feito andar em esteira de ginástica pra cumprir recomendações médicas e

perder peso.

Devido a essa situação exposta por Machado, é fundamental que o trabalho com a leitura

de literatura, bem como de outros gêneros textuais/discursivos, seja desenvolvido nas aulas de

língua materna, adicional ou estrangeira, tanto no ambiente escolar como no acadêmico, pois é

um contrassenso que esse habitual desinteresse pela leitura siga correspondendo à realidade dos

estudantes brasileiros.

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Assim, pode-se concluir que, enquanto projeto-piloto, o estudo teve validade e eficácia,

ainda que os objetivos tenham sido atingidos apenas parcialmente. Para que a pesquisa de fato

chegue a resultados mais precisos, será importante enfatizar a necessidade de que todos os

estudantes justifiquem as respostas apresentadas, o que permitirá compreender melhor porque

possuem determinado posicionamento. Dessa forma, o desenvolvimento desse estudo inicial

foi valoroso, pois apontou caminhos a serem seguidos em pesquisas futuras que envolvam o

letramento literário e o trabalho com manifestações culturais nas aulas de línguas adicionais.

Ao coletar, futuramente, um maior número de dados, ampliar-se-ão as possibilidades de

confirmação/refutação das hipóteses levantadas nesse momento, o que permitirá uma

autoavaliação docente sobre práticas adotadas em sala de aula, bem como reflexões críticas

sobre elas. Espera-se então que, nesse momento posterior, quando dados e resultados mais

precisos sejam obtidos, torne-se de fato possível contribuir, por meio do trabalho com a

literatura e cultura nas aulas de E/LA, não somente para o aprendizado do idioma como também

para a formação de alunos/leitores críticos.

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