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A LARANJA E O PROJETO DE ASSENTAMENTO CAVIANA (BERURI-AM) Marciclei Bernardo da Silva – Laboratório de Estudos Sociais (LAES)/Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) [email protected] Reinaldo Correa Costa – LAES/ INPA [email protected] Introdução A cadeia produtiva é um elemento que molda e, é moldada pelo espaço geográfico, logo esta não é externa ao espaço, mas intrínseca a reprodução espacial. Envolve diferentes agentes, modos de vida, racionalidades, contradições e cria espacialidades no Assentamento. O presente trabalho analisa as dinâmicas espaciais relacionadas ao funcionamento da cadeia produtiva da laranja no Projeto de Assentamento Caviana. Entre algumas dinâmicas espaciais desencadeadas e relacionadas à cadeia produtiva da laranja e todo seu funcionamento (produção, distribuição, circulação e consumo), está o papel das Instituições caracterizando-se algumas vezes como facilitadora ou dificultadora do processo produtivo, ligadas aos recursos ociosos e as dificuldades, que geralmente são no transporte da mercadoria. Antes do cultivo da Laranja e sua comercialização já existia um espaço preexistente, ou seja, uma espacialidade que não eram voltadas exclusivamente para a cultura da laranja, mas de outros produtos agrícolas, como cacau e farinha, mas tendo a natureza como suporte. O PA Caviana está localizado no município de Beruri (AM), implantado no ano 2000 e relacionado às políticas de reforma agrária. O PA Caviana fica próximo do limite entre os municípios de Beruri e Manacapuru. Fica distante aproximadamente 4 horas de viagem “ajato” (lancha) e 14 horas de viagem a barco, neste caso, embarcação construída de madeira. O principal ponto de acesso para o Assentamento, se dar através de Vila Rica de Caviana.

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A LARANJA E O PROJETO DE ASSENTAMENTO CAVIANA (BERURI-AM)

Marciclei Bernardo da Silva – Laboratório de Estudos Sociais (LAES)/Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)

[email protected]

Reinaldo Correa Costa – LAES/ INPA

[email protected]

Introdução

A cadeia produtiva é um elemento que molda e, é moldada pelo espaço

geográfico, logo esta não é externa ao espaço, mas intrínseca a reprodução espacial.

Envolve diferentes agentes, modos de vida, racionalidades, contradições e cria

espacialidades no Assentamento. O presente trabalho analisa as dinâmicas espaciais

relacionadas ao funcionamento da cadeia produtiva da laranja no Projeto de

Assentamento Caviana.

Entre algumas dinâmicas espaciais desencadeadas e relacionadas à cadeia

produtiva da laranja e todo seu funcionamento (produção, distribuição, circulação e

consumo), está o papel das Instituições caracterizando-se algumas vezes como

facilitadora ou dificultadora do processo produtivo, ligadas aos recursos ociosos e as

dificuldades, que geralmente são no transporte da mercadoria.

Antes do cultivo da Laranja e sua comercialização já existia um espaço

preexistente, ou seja, uma espacialidade que não eram voltadas exclusivamente para a

cultura da laranja, mas de outros produtos agrícolas, como cacau e farinha, mas tendo a

natureza como suporte.

O PA Caviana está localizado no município de Beruri (AM), implantado no ano

2000 e relacionado às políticas de reforma agrária. O PA Caviana fica próximo do

limite entre os municípios de Beruri e Manacapuru. Fica distante aproximadamente 4

horas de viagem “ajato” (lancha) e 14 horas de viagem a barco, neste caso, embarcação

construída de madeira. O principal ponto de acesso para o Assentamento, se dar através

de Vila Rica de Caviana.

Outro ponto importante estar ligado a certa “elasticidade” na economia

camponesa, ou seja, no período que não ocorre a safra da laranja, algumas famílias

substituem a mercadoria por outros produtos, geralmente açaí, cupuaçu e farinha de

mandioca, ou dedicam-se a outras atividades.

Figura 1: Localização do município de Beruri (AM).

Neste contexto, percebemos que a cadeia produtiva não ocorre de forma linear,

em sua espacialidade estão relacionados diferentes agentes distintos entre si, mas

complementares na totalidade do processo de funcionamento. E se concretiza em uma

espacialidade desigual e injusta, tem lotes com uma maior produção de laranja, outros

uma quantidade menor, ou a terra é mais fértil em algumas áreas e menos em outras,

trazendo um maior custo para os assentados desses lotes. No seu processo de estudo, foi

possível identificar diferente unidades espaciais, como agregação de valor, renda da

terra, formação de preço e valor, fundamentais no processo de análise.

Objetivos: Analisar as dinâmicas espaciais relacionadas ao funcionamento da

cadeia produtiva da laranja no Projeto de Assentamento Caviana e seus desdobramentos

na escala local.

1. Procedimentos e Fundamentação Teórica

Na realização da pesquisa foram feitas idas a campo e entrevistas baseadas em

questionários semi-estruturados, ligados à espacialidade da cadeia produtiva no

Assentamento, às questões de caráter político, econômico, ambientais e sociais. Nas

entrevistas, o morador ficava “livre” para falar de seu modo vida, de seu conhecimento

e domínio sobre a natureza (natural ou humanizada) do lugar, essa mesma natureza que

funciona como suporte para reprodução de vida dos camponeses e da cadeia produtiva.

É importante salientar que as informações foram descritas em cadernos de campo,

posteriormente os dados foram tabelados e analisados. Outro ponto relevante no

processo de reprodução espacial estar relacionado ao conhecimento e uso de técnicas

utilizadas no lote.

As técnicas exercem um papel importante na reprodução camponesa “a principal

forma de relação entre o homem e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é

dado pela técnica. As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os

quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria o espaço” (SANTOS,

2009).

No que se refere ao entendimento da cadeia produtiva, de acordo com Costa¹

(2013) em primeiro lugar é identificar e cartografar na totalidade as etapas e o sujeito

que fazem parte da produção-distribuição-circulação-consumo (P-D-C-C), envolvendo

suas derivações tais como: crédito (políticas de crédito e financiamento), assistência

técnica, atacado e varejo. A cadeia produtiva envolve também conflitos (sociais,

políticos, ambientais, concorrência, entre outros) decorrentes da especificidade da

cadeia produtiva, do produto, das condições de trabalho e da esfera política e econômica

ao qual estar inserida.

Procuramos a característica da cadeia produtiva da laranja em sua totalidade,

desde a identificação da origem geográfica do produto, até seus encadeamentos com

outras cadeias produtivas e outros processos atrelados que não serão discutidos neste

trabalho, mas que foram identificados em campo. Para compreensão do conceito de

totalidade, conforme Santos (1992), o “espaço, como realidade, é uno e total. É por isso

que a sociedade como todo atribui, a cada um dos seus movimentos, um valor diferente

a cada fração do território, seja qual for a escala da observação (...). A isso se chama

totalidade do espaço”.

Para o entendimento do conceito de camponês nos fundamentamos em Shanin

(2005), no qual “o camponês deve ser compreendido, portanto, através da investigação

das características do estabelecimento rural familiar camponês, tanto internas quanto

externas, isto é, suas especificidades, reações e interações com o contexto social mais

amplo”.O campesinato é entendido como uma classe, mais especificamente, um grupo

social, e não apenas como um setor da economia, uma forma de organização da

produção ou modo de vida (MARQUES, 2008).

Para Martins (2008), uma das características do camponês (neste caso, assentados

em um território criado) é dispor dos instrumentos de produção, sendo a terra (lote) o

mais importante. O “camponês é livre na medida em que é dono de seus instrumentos de

trabalho ou no mínimo, dono de sua vontade quanto ao que produzir, como produzir e

para quem vender” (idem). Isso se torna relevante no sentido de analisar alguns gargalos

existentes na cadeia produtiva, pois a mesma não surgiu exclusivamente da vontade dos

assentados.

O campesinato possui uma organização da produção baseada no trabalho familiar

e no uso como valor. O reconhecimento de sua especificidade não implica a negação da

diversidade de formas de subordinação às quais pode se apresentar submetido, nem da

multiplicidade de estratégias por ele adotadas diante de diferentes situações e que

podem conduzir ora ao “descampesinamento”, ora à sua reprodução enquanto camponês

(MARQUES, 2008).

A terra é o principal elemento de produção para o camponês, “no intercâmbio com

a terra, o homem extrai os elementos indispensáveis à satisfação de necessidades como

comer, beber, vestir-se, abrigar-se; e meios de trabalho” (IANNI, 1983).

Quanto ao funcionamento do lote, unidade espacial de reprodução camponesa,

torna-se fundamental entender a dinâmica do funcionamento do lote, produtor não só de

mercadorias, como também contingente de relações sociais (COSTA, 1999).Na

identificação dos elementos de produção baseou-se em Santos (1978), como as

atividades acessórias desenvolvidas, o uso da força de trabalho familiar, a jornada de

trabalho, a propriedade da terra e dos meios de produção.

A cadeia produtiva pode ser influenciada por fatores sociais, neste caso o próprio

grupo social de assentados e os intermediários envolvidos, fatores institucionais e de

organização política, estaria ligado a atuação de órgãos, associações e instituições como

o Idam, a Sepror e o Sebrae no Assentamento, fatores ambientais, a influência de

elementos ligados a natureza, como o solo, o clima, a hidrografia, o relevo. Fatores

ligados a infra-estrutura, dos ramais, dos meios de transporte da mercadoria, da Usina

de beneficiamento, entre outros.

Todos esses fatores desempenham um papel fundamental na cadeia produtiva, isso

comprova mais uma vez que esta nunca se desenvolve de forma linear ou isolada,

entretanto cada fator tem uma escala e uma intensidade no desenrolar do processo da

cadeia produtiva da laranja.

2. Resultados e Discussões

2.1.Cadeia produtiva da Laranja e suas dinâmicas espaciais.

De acordo com Costa ¹ (2013), o estudo da cadeia produtiva “é uma forma de

identificar e analisar como totalidade os diversos conjuntos espaciais que são compostos

por pessoas de diferentes classes (sociais e de renda), empresas, pelo poder público, por

variados conflitos e questões”. É pautado nessa (inter)conexão, entre diferentes

elementos e agentes espaciais que a cadeia produtiva da laranja no Assentamento

Caviana irá se desenvolver.

A laranja, como produto principal, em seu processo de produção, distribuição,

circulação e consumo envolve diferentes lugares (Assentamento, Caviana, Manacapuru

e Manaus), modos de vida, força de trabalho e compradores basicamente diferenciados

pelo poder de compra do produto.

A escolha da cultura de citros (laranja e tangerina) estar relacionado ao acesso ao

crédito rural (PRONAF) e a influência de Instituições externas como o SEBRAE

(Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas) e o Idam (Instituto de

Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas), esta

última Instituição é responsável por assistência técnica e rural no estado do Amazonas.

Antes dos moradores serem contemplados com o financiamento do Pronaf

(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)/Banco da Amazônia,

para compra de mudas de laranja e adubo químico entre outras despesas, já haviam sido

realizados cursos técnicos relacionados a citricultura pelo Sebrae em parceria com o

Idam e a Sepror (Secretaria de Produção Rural do Amazonas) para moradores do

Assentamento e áreas próximas. Portanto, a escolha do cultivo de laranja não partiu

exclusivamente dos assentados, foi uma “sugestão” (não aleatória) de Instituições

ligadas ao Governo do Estado. Como destaca Costa (2013) “não existe cadeia produtiva

pura ou independente, o que há são complementaridades e interseções”.

Isto não quer dizer que foi imposto aos moradores, mas talvez esteja relacionadaàs

políticas governamentais do estado do Amazonas ligadas à citricultura, que “buscam

novas alternativas agrícolas, a fim de abastecer o crescente mercado local e reduzir os

custos dos alimentos, gerados pelas longas distâncias desde os principais centros de

produção até Manaus. Apesar do “potencial” de produção de frutas cítricas do Estado, a

maior parte da produção é proveniente de pequenos pomares, com pouco uso de

tecnologias de cultivo, o que contribui para o baixo valor da produtividade média”.

(SEPROR/EMBRAPA, 2014).

O lugar não está “isolado”, sempre vai estar ligado a uma espacialidade maior, ou

seja, percebemos que a cadeia produtiva da laranja em Caviana não ocorre

aleatoriamente, estar inserida em um contexto mais amplo, ligada às políticas de

governo no Amazonas. Outro ponto importante, estar ligado aos cursos técnicos, que

apesar de serem fundamentais no processo de plantio e cultivo da laranja, as Instituições

geralmente não levam em consideração o conhecimento e o domínio sobre a natureza

que os moradores possuem sobre o lugar.

Falando desta natureza, antes do desenvolvimento da cadeia produtiva da laranja

no Assentamento, os moradores dedicavam-se ao cultivo de cupuaçu, cacau, mandioca,

pupunha, coleta de açaí, entre outras, e que hoje se situam como atividades

complementares ou satelitárias em alguns lotes.

Para as famílias que tiveram acesso ao Pronaf (aproximadamente 10 famílias) e

como algumas destas já tinham recebido instruções técnicas do SEBRAE e Idam,

decidiram continuar trabalhando com a citricultura. Outros moradores que não tiveram

acesso as tais instruções e nem financiamento pelo Pronaf, aprenderam as técnicas de

cultivo da laranja com outros vizinhos que já trabalhavam com a cultura e através de

“conhecidos” de outros lugares, geralmente externas ao Assentamento. Os moradores

entrevistados não souberam informar ao certo o ano que iniciou o cultivo de laranja no

Assentamento, apenas relataram que foi nos primeiros anos da década dos anos 2000.

No início do projeto dos citros, a maioria das famílias recebeu assistência técnica

do IDAM, situação que mudou nos últimos anos segundo os assentados. A maior parte

das famílias produtoras atualmente não recebe assistência técnica e desenvolvem o

cultivo da laranja apenas com o conhecimento que já tinham adquirido anteriormente.

Em partes isso se explica pela carente estrutura recursos físicos e humanos do escritório

da Instituição em Vila Rica de Caviana, que seria responsável por atender a área do

Assentamento, outra questão seria a não existência de um “diálogo” e entendimento

entre os órgãos que atenderiam teoricamente e compartilhariam (também teoricamente)

a gestão do Assentamento, através de serviços prestados.

Figura 2 e 3: Cultivo de laranja no PA Caviana. Um dos principais produtos de comercializados pelas famílias no Assentamento, em cultivo os assentados utilizam adubo químico, principalmente calcário. Uma das dificuldades da cadeia produtiva da laranja está ligada ao transporte da produção, pelas precárias condiçõesde trafegabilidade na estrada principal do Assentamento até a Comunidade Santa Maria ou para Vila Rica de Caviana. FONTE: Arquivo LAES/ 2013.

Entre as principais Instituições que atuam no Assentamento, estar o INCRA

(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que é órgão responsável pela

gestão do Assentamento, a SEPROR (Secretaria Estadual de Produção), o IDAM que

estar vinculado a SEPROR e o Banco da Amazônia, sendo um dos meios de acesso ao

crédito rural, além da AFEAM (Agência de Fomento do Estado do Amazonas), estas

últimas ligadas a financiamentos e crédito rural, somente as três primeiras atuaria

(teoricamente) de forma mais “próxima” dos assentados.

Sob responsabilidade do governo estadual, mas também de interesse e

reivindicado pela Associação de moradores local, uma Usina de beneficiamento,

destinada a lavagem dos frutos, segundo os moradores, com objetivo de agregar valor

ao produto, foi construída na comunidade de Santa Maria, visto já existiam famílias

com produção de laranja, interna e externa a área do Assentamento.

Figura 4 e 5: Usina de beneficiamento de laranja na Comunidade Santa Maria. Esta comunidade fica em uma área externa ao PA Caviana, mas atende algumas famílias que utilizam da infra-estrutura para lavagem dos frutos, para posterior comercialização. A administração da Usina fica sob responsabilidade da Associação de moradores local. FONTE: Arquivo LAES (2013).

No processo de estudo da cadeia produtiva, foram identificados alguns agentes

envolvidos no processo, entre os quais, o fornecedor, neste caso trataremos como o

produtor, ou seja, o assentado que estar diretamente ligado com o cultivo de laranja no

Assentamento utilizando basicamente a força de trabalho familiar no uso da terra.

O distribuidor, que seriam os intermediários envolvidos no processo e assumem

um papel importante, pois além de ser um dos principais compradores da laranja,

mesmo não pagando um preço ligado ao trabalho socialmente realizado pelas famílias

(nada de anormal numa relação capitalista de produção baseada na lei da oferta e da

procura e da renda terra), assumem um papel fundamental, pois detém os meios de

transportes que leva a mercadoria até o principal centro de consumo, a cidade de

Manaus. E o consumidor final, este propriamente situado na cidade de Manaus são os

alunos da rede pública de ensino, visto que a ADS (Agência de Desenvolvimento

Sustentável do Amazonas), órgão estadual, compra a produção com a finalidade de

fornecer o fruto como merenda escolar.

A circulação econômica camponesa/assentado é uma circulação simples,

conforme Marx (1984) “a circulação simples da mercadoria –vender para comprar-

serve de meio a um fim último situado à margem da circulação: a apropriação de

valores de uso, a satisfação de necessidades”. O ciclo M-D-M (mercadoria-dinheiro-

mercadoria) parte de um extremo constituído por uma mercadoria e conclui no outro

configurado por outra mercadoria, a qual sai da circulação e entra na órbita do consumo

(MARX, 1984).

Cabe ressaltar que nem todas as famílias tiveram contrato com a ADS (órgão

estadual) para comercializarem a produção de laranja, um dos objetivos com esse

contrato era “minimizar” a atuação dos intermediários no comércio do produto. A ADS

paga um preço maior pela produção, cerca de R$ 35,00 por 100 unidades, enquanto o

atravessador paga uma quantia de R$ 15,00 a R$ 18,00 por 100 unidades de laranja. Na

execução das entrevistas, percebeu que há certa “conflitualidade”, derivada

principalmente pela diferença entre a quantia paga pelos dois principais compradores da

produção, entre as famílias que possuem contrato e outras que não detém.

Os intermediários possuem transporte próprio, geralmente embarcações (barcos)

usadas para transportes de passageiros. Os moradores poderiam levar sua produção para

a cidade mais próxima que seria Manacapuru (AM), mas teriam que pagar taxas de frete

para os proprietários, o que segundo os assentados, não compensaria. Então preferem

comercializar com os intermediários em Santa Maria, visto que os mesmos já pagam

uma taxa de frete do Assentamento para a comunidade pelo uso de um caminhão da

associação, essa taxa é para associados e não-associados.

Outra cobrança feita é pelo uso da Usina, neste caso, paga-se uma taxa (que vai de

R$1,00 a R$3,00 por cada cem unidades), para lavagem e separação dos frutos da

laranjeira, diferenciando os frutos bons dos ruins para comercialização. Entretanto nem

todas as famílias passam pela Unidade/Usina, em razão da cobrança.

O transporte da produção para Manaus, principal centro consumidor é realizado

através de embarcações (barcos) e o período de safra da laranja no Assentamento se

concentra nos meses de Abril, Maio e Junho, época em que o canal fluvial que dar

acesso a Santa Maria ainda pode ser navegável, pois posteriormente temo um período de

vazante do canal.

Abaixo, o diagrama sintetizado, mostrando a relação entre os agentes envolvidos e

os diferentes lugares.

ASSENTAMENTO INSTITUIÇÕES

Fonte: Organizado por Bernardo (2014).

Como já destacado anteriormente a cadeia produtiva da laranja, é um elemento

produtor e reprodutor do Assentamento. Conforme Ianni (1983) “são múltiplas as

possibilidades de organização da produção”, no entanto, em Caviana a cadeia produtiva

possui uma racionalidade própria para sua existência, esta racionalidade que vem

basicamente do interesse do governo em ampliar sua produção de citros para

abastecimento de mercados com grande demanda, como Manaus.

O Assentamento então foi o espaço alvo para reprodução dessas políticas,

juntamente com outras áreas no Amazonas, municípios geralmente próximos a Manaus

como Iranduba, Manacapuru, Rio Preto da Eva, entre outros, em que o acesso é possível

via rodovias para escoamento da produção ao mercado polarizador de consumo: a

cidade de Manaus. No entanto a cadeia enfrenta algumas dificuldades, relacionadas ao

transporte, “ausência” do governo na prestação de serviços básicos. Outro ponto

importante no desenvolvimento da cadeia produtiva, está na conflitualidade do estado

querer transformar ou inserir o camponês e seu modo de vida para/uma relação

IDAM ASSENTADOSASSOCIADOS

ASSENTADOS NÃO-

ASSOCIADOS

INCRA CITRICULTURA

(LARANJA)

ASSOCIATIVISMO

SEPROR

ADS INTERMEDIÁRIOS

USINA DE BENEFICIAMENTO

MANAUS

ATIVIDADES COMPLEMENTARES

tipicamente capitalista, sem levar em consideração, sua existência enquanto uma classe

social.

Em meio aos gargalos enfrentados, outros desviados ou “minimizados”, muitas

vezes pelo domínio e conhecimento do assentado sobre o lugar, a cadeia produtiva da

laranja consegue se desenvolver e impactar em diferentes escalas, impactos estes que

são de ordem política, econômicos, culturais, sociais e ambientais. Muitas vezes, as

contradições existentes são fundamentais, como a presença de intermediários na compra

de produção para as famílias que não possuem contrato com a ADS. Chegamos então a

conclusão, que a cadeia produtiva nunca se revela como algo puro, mas como algo

contraditório, que em suas contradições se torna um dos principais meios de existência,

algumas vezes de resistência e acima de tudo, como meio de reprodução para

sobrevivência do camponês.

Agradecimento: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) pela bolsa concedida.

Referencias

COSTA, R. C. Estudo de localidades camponesas no Sudeste do Pará. Dissertação

de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana/ USP, São Paulo,

1999.

EMBRAPA. Disponível em: http://www.cpaa.embrapa.br/fortalecimento-da-

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IANNI, O. Formas Sociais da terra. In: Revista Raízes, nº. 2. Publicação semestral dos

mestrados em Economia em Sociologia (UFPB), Campina Grande, 1983.

MARQUES, M. I. M. A atualidade do uso do conceito de camponês. Revista Nera,

Ano 11, nº .12, Presidente Prudente, 2008.pp. 57-67.

MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. Abril Cultural, São Paulo, 1984.

SANTOS, J. V. T. Colonos do Vinho: Estudo sobre a subordinação do trabalho

camponês ao capital. Hucitec, São Paulo, 1978.

SANTOS, M. Espaço e Método. 3ª Ed. Edusp, São Paulo, 1992.

___________A natureza do Espaço: Técnica e tempo, razão e emoção. 4ª Ed. Edusp,

São Paulo, 2009.

SHANIN, T. A definição de camponês: conceituações e desconceituações – o velho e

o novo em uma discussão marxista. Tradução: SARTI, C. A.; BRANT, W. C. Revista

Nera, Ano 8, nº7. Presidente Prudente, 2005.