a jornada da quaresma

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A Jornada da Quaresma. Estamos vivenciando na Igreja Ortodoxa uma atmosfera inteiramente diferente daquela que estamos habituados a ver durante todo o ano. As melodias vigorosas e alegres são substituídas por outras mais simples e menos enfáticas em sua sonoridade. As orações e as súplicas são intensificadas. Todas essas visíveis transformações têm o fito de nos ajudar a perceber a importância do atual tempo litúrgico: um tempo que é de peregrinação! Sim, porque durante a Quaresma a Igreja Ortodoxa é o veículo pelo qual o povo de Deus habilita-se a retornar ao Éden. Neste período, a Igreja nos faz recordar que ainda estamos no exílio, alienados, em razão de nossas faltas. Mas a Igreja não somente nos faz pensar em nossas faltas, ela oferece um caminho seguro para retornar à Cristo. Como em qualquer jornada que empreendamos, há um tempo que deve ser dedicado à sua preparação, uma espécie de "aquecimento". Na Quaresma, estamos sendo preparados para que estejamos prontos para o arrependimento. E por que? Porque conhecendo nossa pouca concentração no caminho divino e o forte apelo do mundanismo em nosso dia-a-dia, a Igreja antevê nossa incapacidade em transformar nossas atitudes rapidamente, saindo de um estado mental ou espiritual para outro abruptamente.

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A Quaresma Ortodoxa

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  • A Jornada da Quaresma.

    Estamos vivenciando na Igreja Ortodoxa uma atmosfera inteiramente

    diferente daquela que estamos habituados a ver durante todo o ano. As

    melodias vigorosas e alegres so substitudas por outras mais simples e

    menos enfticas em sua sonoridade. As oraes e as splicas so

    intensificadas. Todas essas visveis transformaes tm o fito de nos

    ajudar a perceber a importncia do atual tempo litrgico: um tempo que

    de peregrinao!

    Sim, porque durante a Quaresma a Igreja Ortodoxa o veculo pelo qual

    o povo de Deus habilita-se a retornar ao den. Neste perodo, a Igreja

    nos faz recordar que ainda estamos no exlio, alienados, em razo de

    nossas faltas. Mas a Igreja no somente nos faz pensar em nossas faltas,

    ela oferece um caminho seguro para retornar Cristo.

    Como em qualquer jornada que empreendamos, h um tempo que deve

    ser dedicado sua preparao, uma espcie de "aquecimento". Na

    Quaresma, estamos sendo preparados para que estejamos prontos para o

    arrependimento. E por que?

    Porque conhecendo nossa pouca concentrao no caminho divino e o

    forte apelo do mundanismo em nosso dia-a-dia, a Igreja antev nossa

    incapacidade em transformar nossas atitudes rapidamente, saindo de um

    estado mental ou espiritual para outro abruptamente.

  • Por essa razo, antes de cada perodo marcante, como a Pscoa e o Natal,

    acontecem o anncio e a preparao, previamente, chamando nossa

    ateno para a seriedade desses momentos e convidando-nos a meditar

    sobre o seu profundo significado.

    Cinco domingos so reservados para essa preparao. No primeiro, a

    histria de Zaqueu, cujo desejo de ver Jesus Cristo enfatizado; no

    segundo, a parbola do Fariseu e do Publicano, com uma lio de

    humildade; no terceiro, a lio do Filho Prdigo, enaltece a possibilidade

    de retornar de um exlio, de uma alienao a Deus; no quarto, a exaltao

    do amor fraternal como uma importante coluna da Igreja; finalmente,

    culminando toda essa preparao, a Igreja relembra a expulso do

    gnero humano do Paraso e que Deus, atravs de Jesus Cristo, nos

    chama de volta para ele (o Paraso).

    Embora neste perodo estejamos envoltos em um ambiente um pouco

    sombrio e meditativo, tambm um tempo de esperana e alegria

    interior, porque estamos "retornando para a nossa verdadeira casa".

    Enquanto tomamos conscincia maior de nossa natureza faltosa, nunca

    perdemos de vista a Ressurreio.

    Nestes momentos, para trazer-nos essa conscincia, a Igreja emprega

    diversos meios: os servios e as oraes, a exaltao ao arrependimento,

    ao jejum fsico e espiritual, ao incremento de nossa sensibilidade. Mas

    nenhuma dessas ferramentas tem sentido em separado, todas se

    combinam e confluem na vida do cristo ortodoxo.

  • Os acontecimentos da histria sagrada so revelados como os eventos de

    nossa prpria histria; os atos de Deus no passado, so como atos

    direcionados a ns e nossa salvao, a tragdia do pecado e da traio

    como nossa tragdia pessoal. Nossa vida nos revelada como parte da

    grande batalha entre Deus e as foras das trevas que se rebelaram contra

    Ele.

    A repetio desses temas importantes na Quaresma quer nos trazer essa

    realidade de modo consciente, j que, em nosso dia-a-dia, podemos ser

    muito insensveis abrindo caminho para as nossas faltas e nossos

    pecados. preciso que compreendamos melhor o caminho que nos leva

    Cristo e Sua Ressurreio.

    Outro dia ouvi de um fiel de nossa Igreja um comentrio sobre como os

    servios religiosos da Quaresma so extensos e da quantidade

    significativa de prostraes que so feitas durante as oraes. A razo

    para tal, certamente, no a de prover um "caminho calculado" para

    alcanar o perdo e a salvao, nem mesmo constituem uma forma de

    punio ou reprimenda.

    Como j ensinaram os Santos Padres, esse modo to intenso de orao

    necessrio para reduzir a velocidade com que tratamos os temas do

    mundo material e, com isso, possibilitar que estejamos mais atentos e

    conscientes ao mundo espiritual.

    fcil de entender que praticamente impossvel passar de nosso estado

    mental usual, feito de complicaes, pressa e de uma diversidade de

    aes, para uma nova atitude mental, tranquila, estvel e meditativa.

  • Por isso, a intensidade dos servios religiosos nessa poca do ano.

    Na Quaresma, como j dito, somos instados ao jejum e abstinncia,

    algo que desafia a nossa rotina e, por isso mesmo, tem um certo grau de

    dificuldade. No propriamente uma sensao agradvel, em si mesma.

    Assim mesmo, ao final de cada sexta-feira, quando conclumos o

    Akhatistos, somos invadidos por um sentimento de alegria e de paz. E o

    que nos conduz a esse sentimento exatamente o nvel de dificuldade

    dessas nossas atitudes, que constituem a nossa preparao.

    A simplicidade da vida que a Igreja nos recomenda neste perodo, em

    termos do que escolhemos como alimento, como bebida e tambm de

    nossas prprias atitudes, permite que "respiremos", tomemos uma pausa

    de nossa rotina diria e possamos refletir no modo como tem acontecido

    nossa comunho com Deus.

    Os nossos alimentos tradicionais no so eliminados de nossa dieta

    regular porque sejam contaminadores espiritualmente ou porque nos

    levem alguma falta, mas, sim, porque estimulam uma satisfao fsica

    que, usualmente, dificulta o estabelecimento de nosso foco nos assuntos

    divinos. Quando nossa carncia fsica est super satisfeita, a carncia

    espiritual mais facilmente esquecida. O mesmo se pode dizer em

    relao s nossas atitudes costumeiras.

    Toda essa preparao, enfim, destinada que nos recordemos

    claramente de que estamos revivendo toda a real paixo de Cristo e sua

    retumbante vitria sobre a morte, e que isso transfigura nossa prpria

    vida.

  • Tendo sido entorpecidos por Sua Glria, agora estamos despertos; tendo

    sido ignorantes sobre a Verdade e a Vida, agora estamos iluminados;

    tendo estado cegos para a presena de Cristo em nossa vida, agora

    podemos V-lo claramente.

    Assim, o caminho proposto pela Igreja Ortodoxa o verdadeiro caminho

    da vida. Trata-se de aceitao e participao contnuas na nova vida que

    Cristo nos regalou atravs de Sua morte e ressurreio.

    Cada ano, no incio da Grande Quaresma, a Igreja nos relembra de nossa

    rebelio contra Deus e compara a humanidade sem Cristo a Ado

    chorando arrependido fora dos limites do Paraso. A Igreja repete o

    chamado ao povo de Deus para retornar ao Reino Divino.

    A escolha nossa: se efetivamente desejamos participar dessa jornada,

    devemos proclamar conscientemente e com f: Cristo ressuscitou dos

    mortos, pisando a morte com a morte, e dando vida aos sepultados.