a investigação a cargo do ministério público e o controle externo

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Page 1: A Investigação a Cargo do Ministério Público e o Controle Externo

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULOPROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

A INVESTIGAÇÃO A CARGO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O CONTROLE

EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL

Demercian & Maluly

Para que fosse assegurado, na sua plenitude, o exercício da

ação penal, atribuiu-se ao Ministério Público o controle externo da

atividade policial1, que se desenvolve, fundamentalmente, na própria

realização do inquérito policial. E este é mera atividade administrativa,

prévia ao exercício da ação penal, que tem por escopo proporcionar ao

dominus litis elementos que o habilitem a instaurar a instância penal2.

Por outro lado, como é cediço, os centros de competência de

um ente estatal interagem e convém, por isso, coordená-los. A fiscalização

entre órgãos paralelos, no âmbito de cada pessoa política, traduz

precisamente esse propósito3.

Essa função de vigília, peculiar a um Estado Democrático,

deriva da própria concepção de poder: o controle serve para aferi-lo e

funciona, portanto, como a sua “pedra de toque”4. Bem expressiva, a

propósito, a clássica advertência de Montesquieu: é uma experiência eterna

1 Como observa FAUZI HASSAN CHOUKE – Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, especialmente p. 167-77, o controle externo da atividade policial não é uma criação genuinamente brasileira. O método é também aplicado em países de tradição canônico-romana, tais como a Itália, Alemanha e Portugal, constando, também, expressamente do Código de Processo Penal Tipo para a América Latina.2 No inquérito policial não há acusação formal, sendo o suspeito objeto de um procedimento investigatório e não sujeito de um processo jurisdicional (Cf. JOSÉ FREDERICO MARQUES – Elementos de Direito Processual Penal. Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 145; no mesmo sentido: JÚLIO FABBRINI MIRABETE – Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1994, n. 4.1, p. 34.3 Cf. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO – Princípios gerais de direito administrativo. Vol.II, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 126-127.4 Cf. LAFAYETTE PONDÉ – Controle administrativo. In: Estudos de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 207

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que a autoridade ou o órgão que exerce o poder tende a abusar do seu

exercício e dele se vale até encontrar limites e freios5.

Daí a interdependência funcional e o aprimoramento contínuo

dos instrumentos de fiscalização externa.

Convém demarcar, entretanto, as fronteiras e a intensidade

desse controle. Para Sérgio de Andréa Ferreira: “O termo controle, em

sentido específico, encerra (...) conteúdo bastante profundo: não é, tão-

somente, mera fiscalização, algo exterior em relação à função ou atividade

controlada. O controle, na verdade, engloba uma interferência, uma

‘intromissão’ (no sentido, sem dúvida, positivo do termo); uma participação

intensa e direta na atuação-objeto”6. Esse controle externo corresponde à

interferência direta e “a uma forma, mais ou menos aprofundada, de co-

participação”7.

Na realidade, o poder de interferência é indissociável da

noção de controle, nada obstando, em princípio, que a lei autorize o órgão

de controle a agir em substituição ao órgão controlado8, desde que o

legislador respeite a partilha constitucional de funções. É claro que, nessa

hipótese, a interposição sobe de grau e opera no âmbito da competência

concorrente - técnica da qual o Direito se serve exatamente para conjurar o

risco da inércia no cumprimento de certos deveres. É nesse contexto que

ingressa o controle externo da atividade policial: foi concebido para que o

Ministério Público, realizando uma fiscalização específica e contribuindo

5 Cf. O Espírito das Leis, tradução de PEDRO VIEIRA MOTA. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, L. XI, cap. 4, p. 1636 Cf. A identidade da ‘função de controle da Administração Pública’ no contexto da jurisdição. In: Perspectivas do Direito Público: estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes (coord. Cármen Lúcia Antunes Rocha). Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 350.7 Cf. ob. cit., p. 351 e 3568 Cf. LAFAYETTE PONDÉ – op. cit., p. 208 e 210

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para o seu aprimoramento, possa aferir a licitude e a eficiência da

investigação criminal9.

Esse duplo propósito é ínsito a qualquer controle da

Administração10. Daí o célebre magistério de Seabra Fagundes, que assim

resumiu os objetivos essenciais dessa atividade: “corrigir os defeitos do

funcionamento interno do organismo administrativo, aperfeiçoando-o no

interesse geral, e ensejar reparação a direitos ou interesses individuais,

que possam ter sido denegados ou preteridos em conseqüência de erro ou

omissão na aplicação da lei”11.

Aliás, há quase sessenta anos o eminente Roberto Lyra já

advertia que “a eficiência e a respeitabilidade do trabalho policial, que

constitui a base da ação da Justiça, interessam ao Ministério Público como

fiscal, também, das autoridades investigadoras, como órgão da ação penal,

como responsável pela segurança, pela regularidade e pela justiça da

repressão”12. Em última análise, essa tarefa é uma projeção específica da

defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis

- programa constitucional diretamente confiado ao Ministério Público (C.F.,

art. 127).

9 Cf. HUGO NIGRO MAZZILLI – O controle externo da atividade policial. Revista dos Tribunais (664):390-391, e O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 117-118; INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO – O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. Revista dos Tribunais (664):383; ÁLVARO LAZZARINI – Segurança pública e o aperfeiçoamento da Polícia no Brasil. In: Estudos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 129-130.10 Cf. CAIO TÁCITO – Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 278; SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA – op. cit., p. 340 e 35011 Cf. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1967, n. 53, p. 10812 Cf. Theoria e Prática da Promotoria Pública. Rio: Livraria Editora Jacintho, 1937, p.133-134.

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Sendo o inquérito policial o instrumento, por excelência, da

polícia judiciária não faz sentido torná-lo imune, em qualquer etapa, ao

controle específico, que incumbe ao Ministério Público.

É claro que, segundo o princípio da inafastabilidade do

controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o Poder Judiciário também pode

intervir na fase pré-processual da persecutio, especialmente para proteger

direitos contra ataques virtuais ou consumados13. Há, entretanto, limites

para essa apreciação jurisdicional, que incide, sobretudo, após a prática dos

atos administrativos e com uma finalidade simplesmente corretiva, para

censurar os erros cometidos e eliminar ou reduzir as suas conseqüências.

Evidentemente, não cabe ao Magistrado definir de que modo será

formulada a imputação, nem orientar a investigação criminal quanto ao

aspecto de utilidade ou eficiência14. E a razão é intuitiva: a colheita de

informações pela Polícia Civil destina-se imediatamente a convencer o

Promotor de Justiça - e não o Juiz de Direito15.

Por exercer o controle externo da Polícia Judiciária, o

Ministério Público pode fiscalizar amplamente de que modo o Estado

investiga crimes (C.F., art. 129, VII).

Todavia, sua atribuição em matéria criminal não se limita

a tanto: inclui, ainda, poderes próprios de investigação, os quais não

13 É cogente, v.g., a comunicação do flagrante ao Juiz de Direito, que, nessa etapa, deverá velar pela regularidade da prisão e avaliar a necessidade de sua manutenção. É indispensável, de outra parte, a intervenção do juiz para a decretação de quebra de sigilo; conceder autorização para interceptação telefônica ou a “pratica de outros atos que impliquem na quebra de algum valor constitucionalmente consagrado” (cf. FAUZI HASSAN CHOUKE – Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 187).14 Cf. JOSÉ FREDERICO MARQUES – Elementos de Direito Processual Penal. Vol.I, 2ª ed., Rio: Forense, 1965, n. 83, p.157-158.15 Cf. HÉLIO TORNAGHI – Instituições de Processo Penal. Vol.I, Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.136; AFRANIO SILVA JARDIM – Arquivamento e desarquivamento do inquérito policial. In: Direito Processual Penal: estudos e pareceres. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 250-251

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lhe podem ser recusados, porque são inerentes ao seu dever de propor

a ação penal pública (C.F., art. 129, I).

Nesse sentido a doutrina16 e a jurisprudência17 convergem.

Por sua perfeita síntese, convém transcrever o autorizado

magistério de Hugo Nigro Mazzilli: “De um lado, enquanto a Constituição

deu exclusividade à Polícia federal para desempenhar as funções de Polícia

Judiciária da União, o mesmo não se fez quanto à Polícia estadual (cf. art.

144, § 1º, IV, e § 4º); de outro, o Ministério Público tem poder

investigatório previsto na própria Constituição, poder este que não está

obviamente limitado à área não penal (art. 129, VI e VIII). Seria um contra-

senso negar ao único órgão titular da ação penal pública, encarregado de

formar a opinio delicti e promover em juízo a defesa do jus puniendi do

Estado soberano (...), a possibilidade de investigação direta de infrações

penais, quando isto se faça necessário”18.

À polícia Judiciária não é deferido, a todas as luzes, o

monopólio da investigação criminal. Essa exegese não é, de fato,

convincente.

A própria Constituição Federal, quando delega à Polícia

Federal o exercício com exclusividade das funções de polícia judiciária da

União (CF, art. 144, § 1º, inc.IV) o faz com o nítido propósito de impedir

que essas funções sejam exercidas pelas polícias judiciárias dos Estados.19

16 Cf. JULIO FABBRINI MIRABETE - Processo Penal. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 1995, n. 3.1.2, p.77, e Código de Processo Penal Interpretado. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 1995, nota 4.4 ao art. 4º, p.36.17 Cf., v.g., STJ, 5ª Turma, RHC 3.457-2/SP, j. em 18/04/94, Rel. Min. FLÁQUER SCARTEZZINI; TJRS, Câmara de Férias, HC 690000351, j. 4.1.90, RT 651/314-321; TARS, JTAERGS 79/12818 Cf. artigo citado, p. 392; também, do mesmo autor, Regime Jurídico do Ministério Público. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p.228.19 Cf., nesse sentido, as sempre oportundas e competente asserções de CARLOS FREDERICO COELHO NOGUEIRA – Comentários ao Códigod e Processo Penal, Bauru: Edipro, p.183.

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Em outras palavras, os crimes da competência da Justiça

Federal só podem ser objeto de inquérito instaurado pela Polícia Federal e

não pelas Polícias Estaduais.

O Ministério Público tem o dever de propor, quando cabível,

a ação penal pública. Para lhe conferir justa causa, utiliza, normalmente, o

inquérito policial, do qual pode, entretanto, prescindir. Com efeito: atenta

ao Código de Processo Penal (arts. 12, 27, 39, § 5º, e 46, § 1º), a doutrina

sempre se referiu ao inquérito como um instrumento facultativo e

dispensável para o exercício, pelo dominus litis, do seu direito de ação20.

Nessa linha formou-se remansosa jurisprudência, inclusive no Supremo

Tribunal Federal21.

A Constituição de 1988 não alterou esse quadro institucional:

dentre os diversos órgãos que o Estado mantém para propiciar segurança

pública, limitou-se a indicar qual deles tem a incumbência específica de

investigar as infrações penais e de exercer a polícia judiciária (C.F., art.

144, § 4º). Daí não se pode extrair a exclusividade para o seu exercício. É

que a norma não pode ser interpretada fora do contexto em que foi

concebida, em dissonância com os demais princípios da Constituição

Federal22. Não se pode, nessa ordem de idéias, retirar do Ministério Público

20 Cf. FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – Processo Penal. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 1982, p. 175-176; JOSÉ FREDERICO MARQUES – Elementos..., cit., vol. I, 76 e 79, p. 143 e 146-147; HÉLIO TORNAGHI – cit., p. 138; EDUARDO ESPINOLA FILHO – Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, cit., vol. 1, n. 37, p. 246-24821 Cf., v.g, RTJ 76/741 e 64/343; também HC 41.205, Pleno, j. em 10/3/65, Rel. Min. VICTOR NUNES; RHC 58.644, j. em 10/3/81, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 22/5/81, pág. 4.736, RTJ 101/571; RHC 58.743, j. em 10/3/81, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 8/5/81, pág. 4.117, RTJ 101/580; RHC 62.300-RJ, j. em 13/12/84, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, j. em 13/12/84, DJU de 15/3/85, pág. 3.13722 Cf. ANTONIO SCARANCE FERNANDES – Constituição da República. Código de Processo Penal e sua reforma, in Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: Centro de Extensão Universitária-Revista dos Tribunais. 1984, p. 63; JULIO FABBRINI MIRABETE - Processo Penal, cit., p. 77; VICENTE GRECO FILHO – Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 82.

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o poder autônomo de investigar, já que é ele próprio o destinatário da

informação. É curial que o titular da ação penal se prepare para o exercício

responsável da acusação.

É possível invocar, nesse tema, a doutrina dos poderes

implícitos23, até mesmo pelo prisma de quem não a encara com entusiasmo.

É o caso, por exemplo, de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, que,

embora não adiram sem ressalvas a essa escola, admitem como implícitas

as “competências instrumentais necessárias para dar sentido útil às

competências constitucionais”24.

Ora, é evidente que o poder de investigação próprio é um

instrumento inerente ao dever de ajuizar a ação penal pública, pois esta se

esvazia quando a fase pré-processual não é desenvolvida com a necessária

eficiência. Bem a propósito, Miguel Reale adverte que “a hermenêutica

constitucional, especialmente no que tange ao problema das competências,

além de considerar os poderes explícitos conferidos a um órgão, leva em

conta os poderes implícitos, sem os quais ficaria ele impedido de exercer

suas atribuições de maneira autônoma”25.

Semelhante questão, com contornos específicos, já foi

enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal quando se debatia a

possibilidade de o Ministério Público requisitar informações, registros,

dados ou documentos protegidos por sigilo.

23 Cf. CARLOS MAXIMILIANO – op. cit., n. 374, pág. 386-387; J. H. MEIRELLES TEIXEIRA – Estudos de Direito Público, I/497; BLACK - On the Construction and Interpretation of the Laws, p. 31; COOLEY – A Treatise on the Constitucional Limitations, p. 78; J. STORY, Commentaries, I/323, apud HELY LOPES MEIRELLES – Estudos e Pareceres de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, vol.VII, p. 340.24 Cf. op. cit., nota VI ao art. 113º, p. 494-495 e 58225 cf. parecer de 23.9.81, in “Representação de inconstitucionalidade nº 1.075-9 - Órgão Especial do Tribunal de Justiça: eleição de seus dirigentes”, São Paulo, Lex Editora, 1981, pág. 36

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A Suprema Corte, analisando sistematicamente os artigos 127,

caput e 129, VI, da Constituição Federal (defesa da ordem jurídica e poder

de requisição), bem como o artigo 8º, § 2º, da Lei Complementar 75/93 (Lei

Orgânica do Ministério Público da União), e art. 26, I, b e § 2º, da Lei

8625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) decidiu, pela

maioria dos seus membros, que o sigilo das informações bancárias não

pode ser oposto à Instituição.26

Em verdade, a Polícia Judiciária nunca deteve o monopólio da

investigação criminal. Atividade de autodefesa, compreende-se que o

Estado se organize para exercê-la. Essa tarefa, entretanto, não cerceia a

iniciativa de outras autoridades administrativas, quando autorizadas pela lei

(CPP, art. 4º, par. único), nem do particular27 ou, menos ainda, do próprio

Ministério Público.

É inegável que apuração das infrações penais cabe,

primordialmente, à autoridade policial; porém, se esta não proceder a uma

adequada investigação do fato, em prejuízo da persecução penal, a

interferência do Ministério Público verificar-se-á para assegurar o sucesso

dessa atividade, na qual o dominus litis tem evidente interesse.

Na realidade, quando o Ministério Público promove sua

pesquisa direta, não está presidindo um “inquérito policial”: move-se nos

limites de uma investigação própria, peculiar e inconfundível com a

desenvolvida pela Polícia Civil. A adequada investigação criminal tem por

fundamento, não só o exercício responsável e profícuo da ação penal, como

também a garantia da segurança pública como dever do Estado e direito e

26 Cf. ALEXANDE DE MORAES – Direito Constitucional (7ª ed.), cit., p.89; STF – Mandado de Segurança nº 21.729/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Diário da Justiça de 16. out.1995, p.34571. É esse também o entendimento de HUGO NIGRO MAZZILLI – Introdução ao Ministério Público. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p.74.27 Cf. JOSÉ FREDERICO MARQUES - Elementos de Direito Processual Penal, cit., vol. I, n. 76 a 79, p. 143-147.

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responsabilidade de todos (Constituição Federal, artigo 144, caput). Isto

porque a prevenção da criminalidade obviamente não interessa, apenas, aos

órgãos de polícia (artigo 144, I a V, CF.) ou à Secretaria da Segurança

Pública.

As funções do Ministério Público na persecução, promovendo

a ação penal e acompanhando a investigação policial, também compõem o

sistema estatal de prevenção à criminalidade. Não é por outro motivo que a

L.C. nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) estatuiu que o

controle externo da atividade policial será exercido tendo em vista a

preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do

patrimônio público (artigo 3º, “b”). Cumpre lembrar que as normas da

referida Lei Orgânica aplicam-se, subsidiariamente, aos Ministérios

Públicos estaduais (artigo 80 da Lei nº 8.625/93).

Por outro lado, a Constituição Federal, em seu artigo 127,

definiu o Ministério Público como uma instituição essencial à função

jurisdicional do Estado, impondo-lhe a defesa da ordem jurídica, do

regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Na mesma linha, o artigo 129, inciso II, da Carta Magna

também lhe confiou o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos

serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,

promovendo as medidas necessárias a sua garantia.

Por seu turno, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público

(Lei n. 8.625/93), em seu artigo 27, repetiu o ordenamento constitucional,

dispondo que “cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos

assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar

de garantir-lhe o respeito: I - pelos poderes estaduais ou municipais; II -

pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou

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indireta”. Igual disposição encontra-se na Lei Complementar Estadual nº

734/93, no artigo 103, inciso VII, incisos I e II.

Nesse quadro normativo, não se pode subtrair do Ministério

Público seu dever, como órgão da sociedade ou do Estado, de agir em prol

da segurança pública, cumprindo-lhe, pois, atentar para a prevenção da

criminalidade, em defesa de um direito fundamental assegurado a todos

pela Constituição.

Naturalmente, a atividade do Ministério Público, voltada para

a garantia do direito à segurança, deve ser exercida dentro dos contornos

constitucionais, incumbindo-lhe utilizar-se dos instrumentos que lhe foram

conferidos, dentre os quais a ação penal pública, o poder de requisição do

inquérito policial e das diligências investigatórias e, ainda, o controle

externo da atividade policial.

Não se trata, pois, de usurpar as atribuições da Secretaria de

Segurança na prevenção da criminalidade, mas, simplesmente, de exercer o

controle externo consoante as funções institucionais do Ministério Público e

em fina sintonia com o seu perfil constitucional. A sociedade está

organizada formalmente a partir da inter-relação dos diversos papéis

sociais. Por esta razão, visando ao melhor funcionamento das instituições

responsáveis pela persecução penal, é que o legislador estabeleceu, a partir

de um processo de estrutura acusatória, a atividade de controle externo da

atividade policial, que, aliás, não é nova e está prevista em vários

dispositivos do já vetusto Código de Processo Penal.

O legislador pátrio, já a partir do Código de 1941, procurou

dar ao nosso processo penal – como se falou – inequívoca estrutura

acusatória, que é precedida, entretanto, de uma fase inquisitiva, a cargo,

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como regra, da Polícia Judiciária, mas que se destina ao titular da ação

penal.28

Não se pode olvidar a finalidade específica do inquérito

policial: as informações nele coligidas prestam-se única e exclusivamente à

formação da opinio delicti do Ministério Público. Nesse diapasão, não seria

razoável que o legislador vedasse ao seu único destinatário o amplo acesso

às informações coletadas, até para melhor orientar a virtual atividade em

juízo, no sentido de influir adequadamente no convencimento do julgador.

Por essa razão, v.g., é que se atribuiu ao Ministério Público, já

na antiga lei processual penal e em todos os projetos subseqüentes29, o

poder de requisição, ou seja, de exigir legalmente. Aliás, a intervenção do

Ministério Público na fase de inquérito fica tanto mais evidente quando se

sabe que nem mesmo o sigilo das peças informativas pode a ele ser oposto

(art. 26, IV, da Lei 8625/93).

Em outras palavras, não se pode conceber um Promotor de

Justiça inerte, colocado na posição de mero espectador das investigações

que se sucedem, aguardando, ao talante da autoridade policial, que o

inquérito seja relatado, para só então decidir se propõe a ação penal (e em

28 Essa destinação da atividade investigatória não é privativa do sistema processual brasileiro. Em alguns países o Promotor de Justiça é responsável pela direção da polícia, como, v.g., em Portugal e na Itália, que sofreram recentemente alteração nos respectivos diplomas processuais penais (1987 e 1988). A legislação projetada no Brasil, embora sem atribuir ao Ministério Público uma atividade de direção da Polícia Judiciária, mantém uma tradição já arraigada – e que decorre do própria estrutura acusatória – no sentido de que as informações colhidas num inquérito (ou outro procedimento investigatório qualquer) têm como destinatário o dominus litis, a quem se atribui o amplo poder de requisição de diligências investigatórias. Não se tem notícia histórica de qualquer limitação temporal para esse poder de exigir legalmente, exceto no anteprojeto Frederico Marques. Neste, durante a fase contraditória, as provas deverão ser requeridas ao juízo competente, até para se assegurar a paridade de armas (anteprojeto de CPP de 26.06.70, de 310, parágrafo único). 29 Confira-se, a respeito o Anteprojeto Frederico Marques; o Projeto de Lei 1655/83, artigo 12 e o conjunto de Projetos de Novembro de 1994.

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que termos), se arquiva o procedimento investigatório ou se requisita outras

diligências.

Esse múnus conferido ao titular privativo da ação penal

pública não se limita ao poder-dever de determinar a instauração de

inquérito, expressamente estabelecido no artigo 5º, inciso II, do CPP,

compreendendo também quaisquer outras diligências investigatórias, no

exato momento em que elas se mostrarem necessárias, por força do que

dispõe o artigo 129, inciso VIII, da Constituição Federal.30

Se a intervenção do Ministério Público só se justificasse no

instante imediatamente posterior ao relatório de que trata o art. 10 do Cód.

de Proc. Penal, haveríamos de concluir, por conseqüência, que aquele ato

constituiria uma esdrúxula e inusitada condição de procedibilidade, o que

afronta a unanimidade da doutrina especializada.

Analisando a questão, José Antonio Paganella Boschi31

deixa assentado que o inquérito policial não constitui uma conditio sine qua

non para a propositura da ação penal, pois haveria uma quebra do direito

estatal de perseguir soberanamente em juízo o infrator. Nessa hipótese,

“...bastaria a polícia judiciária deixar de encaminhá-lo à justiça, para o

imediato exame e providências do Ministério Público, para que o dominus

litis ficasse impossibilitado de exercer sua função constitucional, o que

seria um evidente absurdo”.

Assiste-lhe a mais absoluta razão. O inquérito não é um mero

procedimento administrativo e interno de órgão vinculado à Secretaria de

Segurança. A razão de sua existência relaciona-se a um objetivo maior, de

ordem pública, que é justamente aparelhar outro ente estatal para o

desenvolvimento da sua atividade em juízo, buscando demonstrar a

30 Cf. HUGO NIGRO MAZZILLI, cit., RT 664/39131 Cf. Persecução Penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 25.

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viabilidade da aplicação da sanctio juris. É intuitivo, portanto, que o

inquérito policial não é um fim em si mesmo.

Na verdade, é tradicional o paradoxo que envolve esse

conjunto de peças informativas. É possível identificar-se, com clareza, sua

dicotomia: o inquérito é obrigatório, porque tendo ciência de um fato típico

em relação ao qual caiba a ação pública, o Delegado de Polícia tem o dever

funcional de instaurá-lo; e facultativo, porque o Ministério Público pode

prescindir desta forma de investigação para a propositura da ação penal

(CPP, arts. 39, § 5º; 40; 46, § 2º).

Além disso, como bem observa José Frederico Marques32 o

legislador brasileiro conferiu a outras autoridades administrativas o poder

para investigar amplamente delitos que possam interferir na órbita de suas

atividades, inclusive instaurando inquéritos administrativos destinados à

apuração das responsabilidades de servidores públicos e que podem servir

de notitia criminis informativa, quando contiverem elementos suficientes

para formarem a opinio delicti ou suspeita do crime por parte do Ministério

Público.

O Código de Processo Penal, aliás, é expresso quanto à

possibilidade da dispensa pelo Ministério Público do inquérito policial,

desde que ele, para denúncia, esteja amparado em uma representação ou em

peças de informação que o habilitem a atribuir com alguma segurança a

autoria do delito materialmente comprovado (art. 46, § 1º). Ou seja, se o

inquérito é o instrumento, por excelência, da investigação, ele não é o

único.

O poder de requisição, um dos instrumentos de que dispõe o

Ministério Público no combate à criminalidade e aperfeiçoamento da prova,

é de extração constitucional. Nossa “Carta Política”, notadamente no artigo

32 Tratado de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 181

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129, incisos VII e VIII, estabelece serem funções institucionais do

Ministério Público, dentre outras, o controle externo da atividade policial,

bem como a requisição de diligências investigatórias e inquéritos policiais.

Não poderia ser diferente. Como já assinalado, o inquérito é o

conjunto de peças informativas, cuja finalidade precípua é levar ao

conhecimento do órgão oficial da acusação indícios da autoria e prova da

existência de um crime. A partir daí deverá o dominus litis desenvolver

uma intensa atividade em juízo, colimando a aplicação da sanctio juris.

Por outro lado, a Constituição Federal, as Leis Orgânicas do

Ministério Público e o Código de Processo Penal quando indicam as

funções institucionais do “Parquet” sempre se referem à expressão

requisição, no seu sentido mais estrito e puro. E requisitar, no sentido que

lhe empresta o Estatuto Processual Penal e demais legislações citadas, nada

mais é do que exigir legalmente.

Se a exigência é legal, ou seja, se decorre de fundamento

expressamente previsto em lei, não pode a autoridade policial, sob pena de

prevaricação (art. 319 do CP) ou de sanções administrativas (se ausente, no

primeiro caso, o elemento subjetivo do tipo), negar-lhe cumprimento33.

O Superior Tribunal de Justiça em acórdão relatado pelo Min.

Flaquer Scartezzini, assinalou que:

“A requisição de informações pelo Ministério Público, nos

procedimentos administrativos de sua competência, aos Delegados de

Polícia, está compreendida no exercício do controle externo da atividade

policial, definido nos arts. 7º, II, 9º, II e 38 da Lei Complementar nº 75, de

33 Tal entendimento, aliás, é consensual na doutrina, como se pode conferir nas lições de MAGALHÃES NORONHA – Curso de Direito Processual Penal, cit., São Paulo: Saraiva, 1989, p.18-19); HÉLIO TORNAGHI – Curso de Processo Penal, cit., São Paulo: Saraiva, 1987, p.29-30; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – Processo Penal. Vol.I, 11ª ed., cit., p. 197); EDUARDO ESPÍNOLA FILHO – Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, cit., vol. I, tomo I,p. 277.

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20 de maio de 1993” e o “não cumprimento das diligências solicitadas,

acarretando instauração de inquérito policial, é procedimento

absolutamente legal que não deve ser trancado sob a alegação de falta de

justa causa.34

Em suma: esse poder de requisição de inquérito policial (CPP,

art.5º, II) e, bem assim, de quaisquer outras diligências investigatórias (CF,

art.129, VIII e CPP, art.13, II) não se submete a controle de legalidade pela

Polícia Judiciária.

Aliás, soa como autêntica teratologia deferir-se ao titular do

direito de ação o amplo poder de requisitar diligências no momento que

bem entender e, ao mesmo tempo, negar-se o direito de pesquisar, por

meios próprios, a autoria e materialidade de um ilícito.

Ora, se se retira do Ministério Público o poder de investigar, o

titular do direito de ação não terá alternativa senão a de, instaurado o

inquérito, emitir sucessivas requisições à autoridade que o preside,

determinando-lhe a realização desta ou daquela diligência investigatória. O

Delegado de Polícia, nessa ordem de idéias, se transformaria em um mero

instrumento do Parquet, já que, como se sabe, ele não pode descumprir a

ordem legal consubstanciada na requisição.

Só quem perde com essa limitação injustificável à atividade

do Ministério Público é a própria sociedade, da qual ele é o representante.

Como conseqüência, ganham os criminosos, especialmente aqueles

envolvidos com a macro-criminalidade e que tem sido alvo principal de

intensa atividade persecutória desenvolvida pelos diversos órgãos do

Ministério Público.

Convém enfatizar que a relevância social da Polícia Civil não

está na ilusória concentração de poder, mas sim no adequado combate à

34 Recurso em Habeas Corpus nº 3.457-2/SP, 5ª Turma, j. 18.04.1994.

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criminalidade - objetivo, por sua vez, indissoluvelmente ligado a uma

eficiente atuação do Ministério Público. E como este é o destinatário

imediato do inquérito policial, nada mais natural que controle sua

regularidade e, por meios próprios, busque informações para a adequada e

responsável formação da opinio delicti.

O monopólio da ação penal entregue ao Ministério Público,

como se viu no item precedente, dá à Instituição poderes implícitos para a

realização da sua missão constitucional.

Por outro lado, como também já se procurou demonstrar, a

atividade investigatória não é privativa da Polícia Judiciária.

Postas essas duas premissas, é inegável que Ministério

Público tem poderes para, por meios próprios, investigar infrações penais e

sua respectiva autoria. No uso dessa atribuição pode expedir notificações e

requisições, além de exercer outras funções compatíveis com a sua

finalidade.35 É preciso que não se confunda, entretanto, o poder próprio de

investigação com o poder de instaurar inquéritos policiais. O inquérito

policial é um dos muitos instrumentos de investigação existentes na

legislação brasileira36 e quem tem atribuição para sua realização é a Polícia

Judiciária, nos termos do art. 4º do Código de Processo Penal.

Convém salientar, de resto, que o órgão do Ministério Público

que participou das investigações, como parte que é, não estará impedido

de oferecer denúncia e prosseguir no processo nos seus ulteriores termos,

35 O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, apreciando o tema, entendeu legítima a notificação para que Delegado de Polícia fosse ouvido em investigação suplementar levada a efeito pelo Ministério Público, em delito de abuso de autoridade, afastando a alegação de constrangimento ilegal (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 10225-DF, Relator Min. Vicente Leal, 6ª Turma do STJ, data do julgamento 03.04.2001).36 São instrumentos de investigação, além do inquérito policial, as CPI´s; investigações a cargo do próprio Poder Judiciário, quando envolver, por exemplo, Juiz de Direito; inquéritos policias militares; procedimentos administrativos em geral (v.g., para instruir ação penal nos crimes praticados por funcionários públicos: art. 514 e ss do CPP), dentre outros.

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não se aplicando, nesse particular, os impedimentos relativos aos

magistrados (cf Súmula 234 do Superior Tribunal de Justiça).

Finalmente, ainda que se conclua erradamente que o

Ministério Público não detém poderes próprios de investigação (que se tem

verificado, de maneira não-majoritária, em julgados esparsos), essa

atividade desenvolvida pelo dominus litis não pode repercutir em virtual

processo como causa de nulidade.

Nulidades processuais são de direito estrito e entre suas

fontes, silente a lei, não figura eventual defeito de investigação porque

realizada pelo Ministério Público. Apreciando questão semelhante, e já na

fase judicial, Pontes de Miranda deixou assinalado que, não havendo

preceito legal em contrário, é irrelevante que o órgão pelo qual o Estado

se fez presente carecesse, no caso, do poder de atuação37.

Por fim, “a concepção moderna do processo, como

instrumento de realização da justiça, repudia o excesso de formalismo, que

culmina por inviabilizá-la”38. É inaceitável, nessa ordem de idéias, o

trancamento de uma ação penal, sob o argumento de que carecia ao

Ministério Público poderes investigatórios, especialmente porque se trata de

uma fase meramente informativa e de coleta de um mínimo de base

empírica para a deflagração do processo.

Em resumo, concluímos que o controle externo da atividade

policial e as investigações a cargo do Ministério Público tem assento na

própria Constituição Federal e aplicação imediata, independentemente de

regulamentação.

37 Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 320.38 Cf. STJ-4ª Turma, Resp 15.713-MG, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, j. 4.12.91, v.u., DJU 24.2.1992, p. 1.876

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JORGE ASSAF MALULY

Promotor de Justiça e Assessor do Procurador-geral de Justiça

PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN

Promotor de Justiça Criminal designado junto à 1ª Procuradoria de Justiça

Mestre e Doutor em Processo Penal pela PUC/SP