a intertextualidade[1]

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Page 1: A intertextualidade[1]

A Intertextualidade: os fios dialógicos

Um texto é sempre um “intercâmbio discursivo”, uma tessitura polifônica, neste sentido, fundamentando-se

nos estudos de Bakhtin, quase desconhecidos no ocidente até o final da década de sessenta, Kristeva designou o

fenômeno do dialogismo intertextual como intertextualidade. Esta é vista como a interação semiótica de um texto

com outro(s) texto(s). Define o intertexto com o texto ou o corpus de textos com os quais um determinado texto

mantém aquele tipo de interação.

A intertextualidade representa um fenômeno de semiose cultural, atuante tanto nos elementos

pragmáticos, semânticos e sintáticos, quanto na história e no confronto das forças ideológicas e sociais. A

intertextualidade pode ocorrer com qualquer tipo de texto. Mas, para Kristeva, fora da intertextualidade, a obra

literária seria incompreensível. De fato, apreende-se o sentido e a estrutura de uma obra literária se esta for

relacionada com os seus arquétipos. Tais arquétipos, provenientes de outros tantos textos, transformam-se em

literatura. No entanto, se qualquer texto se remete implicitamente a outros textos, diz Jenny (1979:21), é em

primeiro lugar do ponto de vista genético que a obra literária é cúmplice da intertextualidade; todavia, não se trata

apenas de se ler no texto mais recente a projeção intertextual do texto que o antecede, pois, provavelmente, esse

texto mais antigo será, de certa forma, reconstituído por meio da memória intertextual que sobre ele age

retroativamente, a partir de, e em função do texto mais recente, em que ele ecoa.

Logo, os sentidos construídos para o texto poético decorrem de conexões entre as suas partes que são

construídas por figuras poéticas de linguagem para a reconstrução do todo de uma obra, de forma a resolver a

agramaticalidade em uma gramaticalidade própria daquela obra. Nesse processo, os intertextos preenchem as

aberturas de significância deixadas pela linguagem poética, permitindo que se construam diferentes possibilidades

de sentidos.

A palavra intertextual

O que caracteriza a intertextualidade é introduzir um novo modo de leitura que faz estalar a linearidade do

texto. Cada referência intertextual é o lugar de uma alternativa: ou prosseguir a leitura, vendo apenas no texto um

fragmento como qualquer outro que faz parte integrante da sintagmática do texto - ou então voltar ao texto-origem,

precedendo a uma espécie de anamnese intelectual em que a referência intertextual aparece como elemento

paradigmático “deslocado” e originário de uma sintagmática esquecida. Na realidade, a alternativa apenas se

apresenta aos olhos do analista. Estes dois processos operam na leitura - e na palavra - intertextual, semeando o

texto de bifurcações que lhe abrem, aos poucos, o espaço semântico.

Sejam quais forem os textos assimilados, o estatuto do discurso intertextual é assim comparável ao de

uma super-palavra, pois os constituintes deste discurso já não são palavras, e, sim, coisas já ditas, já organizadas,

fragmentos textuais.

O vocabulário utilizado pela intertextualidade é a soma dos textos existentes. Opera-se, portanto, uma

espécie de separação no nível da palavra, uma promoção a discurso com um poder infinitamente superior ao do

discurso monológico corrente. Basta uma alusão para introduzir no texto centralizador um sentido, uma

representação, uma história ou um conjunto ideológico.

O texto de origem lá está virtualmente presente, portador de todo o seu sentido, sem que seja necessário

enunciá-lo. Isso confere à intertextualidade uma riqueza, uma densidade excepcional. Em contrapartida, é preciso

que o texto “citado” admita a renúncia à sua transitividade: ele já não fala, é falado. Deixar de denotar, para conotar.

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Já não significa por conta própria, passa ao estatuto de material, como “reconstrução mítica”, em que colecionam

mensagens pré-transmitidas reagrupá-las em novos conjuntos, numa incessante reconstrução a partir dos mesmos

materiais; são sempre os mesmos fins chamados a desempenhar o papel de meios: os significados transformam-se

em significantes e vice-versa. Toda palavra e toda leitura intertextual cabem neste movimento.

Koch (1991) revê a relação entre intertextualidade e polifonia refletindo sobre estes dois conceitos, a fim

de concluir se são um só e mesmo fenômeno ou se são distintos. Retoma Barthes (1974): O texto redistribui a

língua e uma das vias dessa reconstrução é a de permutar textos, fragmentos de textos que existiram ou existem ao

redor do texto considerado, e, por fim, dentro dele mesmo. Todo texto é um intertexto, outros textos estão dentro

deles em níveis variáveis sob formas mais ou menos reconhecíveis.(p.529)

Retoma ainda Koch (1986) a distinção entre intertextualidade em sentido amplo e sentido estrito e

relaciona com a noção de polifonia, revendo Bakhtin (1929) para o qual o dialogismo é constitutivo da linguagem, na

medida em que o autor dá forma verbal ao dito a partir do ponto de vista da comunidade a que pertence: o eu se

constrói constituindo o eu do outro e por ele é constituído.

Em seguida retoma Ducrot (1984) que considera dois tipos de polifonia:

a. quando num mesmo enunciado se tem mais do que um locutor, como no caso do discurso relato,

citações, referências;

b. quando num mesmo enunciado há mais do que um enunciador.

Ducrot se refere à enunciação teatral de enunciadores sejam eles reais ou virtuais.

A autora conclui que entre as noções de intertextualidade e polifonia, quando tomadas em sentido estrito,

não há coincidência total entre elas. Para ela, na intertextualidade, a alteridade é necessariamente atestada pela

presença de um intertexto, cuja fonte é explicitamente mencionada no texto que o incorpora ou cujo produtor está

presente em situações de comunicação oral. Ao tratar da polifonia, diz que na medida em que a alteridade está

encenada, incorporam-se ao texto vozes de autores reais ou virtuais que representam perspectivas e pontos de

vista diversos ou tópicos diferentes daqueles em quem se apóia o locutor; neste caso afirma que o conceito de

polifonia recobre o de intertextualidade, no sentido estrito, pois todo caso de intertextualidade é caso de polifonia,

embora o inverso não seja verdadeiro. A intertextualidade, em sentido amplo, pode ser equiparada ao que

Maingueneau (1996) denomina de interdiscursividade, ou seja, o intertexto é um componente decisivo das

condições de produção.

TAVARES, M.L.G. “Aspectos Interdiscursivos no Poema “Dual” de Sohia de

Mello Breyner Andresen”. In. Revista da APG.nº14: 1998.p. 233-243.

__________________. O papel da intertextualidade no poema "Dual "de Sophia de Mello Breyner Andresen. Dissertação de mestrado. SP:PUC, 1999.