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A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 92 DO CÓDIGO PENAL. EFEITOS ESPECÍFICOS DA CONDENAÇÃO.PERDA DE CARGO-CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. ELIANE ALFRADIQUE Juíza de Direito no Rio de Janeiro Mestre em Direito Constitucional Doutorada em Direito Penal e Processual Penal UGF/RJ O artigo 92 do Código Penal indica quais os efeitos da condenação criminal que dependem de declaração judicial: a perda de cargo, função pública ou mandado eletivo; a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela; e a inabilitação para dirigir veículo. Tais efeitos eram considerados antes da Reforma Penal de 1984, como “penas acessórias”. A lei exige taxativamente que os efeitos, caso aplicados, constem da sentença ou acórdão, fundamentadamente.Quer dizer que não bastam os requisitos objetivos previstos (crime funcional e pena superior a quatro anos; crime contra filho; tutelado ou curatelado, punível com reclusão; utilização de veículo como meio para prática de crime doloso); cumpre examinar a conveniência no caso concreto, já que estas sanções jurídicas “não guardam cunho (índole) retributivo” e estão presididas pela finalidade de prevenção, à medida que inviabilizam a manutenção de situações que propiciam a prática de fatos delituosos”. Quanto à perda de cargo ou função pública é efeito de natureza administrativa da condenação criminal. A perda do mandado eletivo tem natureza política. Em ambos os casos é cabível a declaração judicial desses efeitos. A aplicação com resultado prático desses efeitos da condenação não é automático, nem depende tão somente desses elementos objetivos. Ao motivar obrigatoriamente a imposição de perda de cargo, função ou mandato eletivo, o juiz tem que fundamentar na sentença ou acórdão, para fazer valer tão grave sanção, sob pena de nulidade da decretação de qualquer das penalidades elencadas no art. 92. Realçamos que os efeitos do art. 92 do CP são de natureza administrativa, portanto prescritíveis (Lei nº 7209/84). Quando esses efeitos eram considerados penas acessórias até a reforma legislativa de 1984, os efeitos da condenação eram imprescritíveis. Impende ressaltar que tais sanções são numerus clausus, taxativas, não se permitindo ampliação, como, aliás, querem dar ao art. 92. Por exemplo, cito a cassação de aposentadoria. Não é efeito da condenação. Impossível acrescer ao art. 92 pena não prevista pelo legislador. Se assim o fosse, estaria a Administração Pública legislando, indo além dos saltos. A aposentação é direito conquistado a cada dia de serviço prestado durante anos de contribuição à Instituto de Previdência. A cada dia de trabalho na fase adulta do homem, adiciona-se mais um desconto em folha de pagamento, até completar tempo para chegar à aposentação. Cassar a 1

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A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 92 DO CÓDIGO PENAL. EFEITOS ESPECÍFICOS DA

CONDENAÇÃO.PERDA DE CARGO-CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA.

ELIANE ALFRADIQUEJuíza de Direito no Rio de Janeiro Mestre em Direito Constitucional

Doutorada em Direito Penal e Processual Penal UGF/RJ

O artigo 92 do Código Penal indica quais os efeitos da condenação criminal que dependem de declaração judicial: a perda de cargo, função pública ou mandado eletivo; a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela; e a inabilitação para dirigir veículo. Tais efeitos eram considerados antes da Reforma Penal de 1984, como “penas acessórias”. A lei exige taxativamente que os efeitos, caso aplicados, constem da sentença ou acórdão, fundamentadamente.Quer dizer que não bastam os requisitos objetivos previstos (crime funcional e pena superior a quatro anos; crime contra filho; tutelado ou curatelado, punível com reclusão; utilização de veículo como meio para prática de crime doloso); cumpre examinar a conveniência no caso concreto, já que estas sanções jurídicas “não guardam cunho (índole) retributivo” e estão presididas pela finalidade de prevenção, à medida que inviabilizam a manutenção de situações que propiciam a prática de fatos delituosos”.

Quanto à perda de cargo ou função pública é efeito de natureza administrativa da condenação criminal. A perda do mandado eletivo tem natureza política. Em ambos os casos é cabível a declaração judicial desses efeitos. A aplicação com resultado prático desses efeitos da condenação não é automático, nem depende tão somente desses elementos objetivos. Ao motivar obrigatoriamente a imposição de perda de cargo, função ou mandato eletivo, o juiz tem que fundamentar na sentença ou acórdão, para fazer valer tão grave sanção, sob pena de nulidade da decretação de qualquer das penalidades elencadas no art. 92. Realçamos que os efeitos do art. 92 do CP são de natureza administrativa, portanto prescritíveis (Lei nº 7209/84). Quando esses efeitos eram considerados penas acessórias até a reforma legislativa de 1984, os efeitos da condenação eram imprescritíveis.

Impende ressaltar que tais sanções são numerus clausus, taxativas, não se permitindo ampliação, como, aliás, querem dar ao art. 92. Por exemplo, cito a cassação de aposentadoria. Não é efeito da condenação. Impossível acrescer ao art. 92 pena não prevista pelo legislador. Se assim o fosse, estaria a Administração Pública legislando, indo além dos saltos. A aposentação é direito conquistado a cada dia de serviço prestado durante anos de contribuição à Instituto de Previdência. A cada dia de trabalho na fase adulta do homem, adiciona-se mais um desconto em folha de pagamento, até completar tempo para chegar à aposentação. Cassar a

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aposentadoria já constitui ato de extrema crueldade com o cidadão. A aposentadoria não pertence á Administração, a ela pertence o direito de decretar a perda de cargo, função, mandado eletivo, o mais é direito conquistado duramente depois de 30 ou 35 anos de serviço. Ademais, há que a Administração se ater à lei pertinente. Dela não poderá se eximir. Citamos, v.g, a LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura) que não prevê em seu art. 42, a cassação de aposentadoria. Como a Lei que rege o Ministério Público, que admite textualmente a prescrição dessa cassação. A Lei que rege os Procuradores do Estado é outro exemplo. A Lei Federal nº 8.112/90, a que se subordinam os funcionários públicos em geral, que prevê a cassação da aposentadoria, sem dispor sobre a prescrição do efeito da cassação, entendo-a inconstitucional e nosso entendimento se baseia em fatos lógicos. A uma, por se tratar de desconto mensal realizado pelo beneficiário, cumulativo, de contribuições a uma instituição durante certo e longo tempo. A duas, porque não tem a Administração intervenção nesta esfera, ultrapassa sua atribuição ou competência, ingerindo-se numa área que não lhe pertence por direito; não lhe cabe, não lhe toca. A Administração pode decretar a perda de cargo (sempre fundamentadamente na sentença ou acórdão), função pública, mandato eletivo, mas ir além é negar todo arcabouço jurídico, toda a lógica jurídica, cujo relevo está pré-figurado na Constituição da República, que tenta ser protetora dos direitos e garantias individuais. Além disso, o Código Penal Brasileiro tutor das penalidades e especificamente no artigo 92, não prevê essa expiação. Urge uma Reforma Legislativa em relação ao assunto, o que sugerimos por absoluta propriedade, de perdido o cargo, a função, o mandado eletivo, resta a quem contribuiu para um Instituto Previdenciário durante uma vida inteira, que mantenha a sua remuneração a título de inatividade.

Cumpre observar que os efeitos da condenação criminal decorrem de lei. Embora se produzam na esfera das relações extrapenais, tratam-se de efeitos penais, porque previstos na lei penal. Inegável sua natureza constrangedora, acarretando restrição ou perda de direitos. Por isso mesmo é que o rol do artigo 92 é taxativo, sendo vedado ao Juiz da condenação estender o significado da lei penal, que tem, na taxatividade e certeza, corolários do princípio da legalidade.

Afronta o princípio da reserva legal, de histórica previsão em nosso ordenamento constitucional e infraconstitucional, haja vista a regra do artigo 1º do Código Penal, que assim estabelece:

“Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” (grifamos)

O jurista Dalmo Dallari1, considera que “ só podem ser aplicadas as penas previstas na lei penal, como prisão e multa, e, que a cassação da aposentadoria não é pena prevista na lei penal.E, nem se diga que é sucedâneo da perda de cargo, pois não é admitida a interpretação extensiva com o fim de gerar prejuízo para a parte.”

1 DALMO DALLARI, Previdência e Dignidade Humana", In: Previdência ou Imprevidência, Porto Alegre: AJURIS, 2001.

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Não destoam as opiniões de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO2, DIÓGENES GASPARINI3 e LUÍS ROBERTO BARROSO,4 respectivamente: ‘Ficamos com a posição dos que, como Hely Lopes Meirelles (1996/589), entendem que, no silêncio da lei, a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto-lei 20.910’ (Direito Administrativo, p. 487).5

Ao revés, teria a Administração Pública o poder absoluto sobre os administrados, constituindo-se no verdadeiro :”Summa jus, summa injuria” . Na lição lapidar do Prof. Dalmo Dallari “a aposentadoria é o juízo final do servidor público”.

O brocardo latino “Fiat Justitia, Pereat Mundus’ (faça justiça, ainda que o mundo pereça) não é uma máxima entre nós. Usando as palavras do Exmo. Carlos Maximiliano,6 "O excesso de juridicidade é contraproducente; afasta-se do objetivo superior das leis; desvia os pretórios dos fins elevados para que foram instituídos; faça-se justiça, porém do modo mais humano possível, de sorte que o mundo progrida, e jamais pereça".

- Após decorridos 05 (cinco) anos não pode mais a Administração Pública anular ato administrativo gerador de efeitos no campo de interesses individuais, por isso que se opera a decadência. Segurança Concedida.”(EDRESP 120229)7

A Lei n. 9.784/99 revoluciona a forma de relacionamento da Administração Pública com os administrados no âmbito da União. Redigida em linguagem simples, a Lei detalha os princípios aplicados ao processo administrativo (Art. 2º), os direitos e deveres dos administrados (Art. 3º e 4º), proíbe a recusa sem motivação de documentos ou solicitações dos particulares (Art. 6º, § único), impõe o dever da Administração de decidir as pretensões dos administrados de forma expressa (Art. 48), adota a gratuidade como regra do processo administrativo (Art. 2º, § único, XI), estabelece o prazo de cinco anos como marco fatal para o decaimento do direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários (Art. 54), disciplinando ainda a instrução, os prazos, a forma e lugar dos atos do processo ordinário, inclusive as hipóteses de suspensão e impedimento dos agentes públicos e as formas de recurso e revisão das decisões administrativas.

Mas se a respeito desse assunto pudesse haver alguma dúvida, o parecer do ilustre Ministro Néri da Silveira,8 Presidente do STF, quando exercia o cargo de Consultor-

2 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Direito Administrativo. Ed. Atlas: São Paulo, 2001, p. 596). 3 DIÓGENES GASPARINI, Direito Administrativo, 5ª ed., Saraiva, 2000.4 LUIS ROBERTO BARROSO,5 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 487.6 Carlos Maximiliano,7 EDRESP 120229.8 Ministro Néri da Silveira, Presidente do STF, quando exercia o cargo de Consultor-Geral do Estado do RS (Parecer n° 7, publicado no D.O. Estado do RS em

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Geral do Estado do RS (Parecer n° 7, publicado no D.O. Estado do RS em 24/09/1965), seria suficiente para afastá-la de forma incontestável. Aquele parecer examina as pensões que, mesmo sem base legal, foram percebidas por viúvas e filhos de Ministros, de Auditores e de Procuradores do Egrégio Tribunal de Contas do Estado do RS. O art. 322 do então Código de Organização Judiciária não autorizava a concessão das pensões, mas elas assim mesmo foram outorgadas. Examinando em profundidade o problema, o ilustre jurista conclui, com respaldo na melhor doutrina do Direito Administrativo, pela manutenção das pensões, apesar de não terem suporte legal, atento ao princípio da boa-fé e da segurança jurídica. O caso é muito significativo porque demonstra que, muitas vezes, nem a Administração, nem qualquer outro órgão público devem voltar atrás para decretar o anulamento de atos que já produziram os seus efeitos. No caso objeto do parecer, apesar da ilegalidade, pois inexistia suporte legal à concessão das pensões, os atos foram mantidos. O que dizer, então - como na hipótese dos autos - de ato praticado com transparência, em atenção às necessidades extraordinárias do serviço público? Tudo indica que não é o caso de decretar qualquer nulidade, até porque ela inexistiu."

A Lei Federal n. 9.784/99 estabelece o prazo decadencial de cinco anos para a invalidação administrativa dos provimentos ampliativos que não estejam prejudicados pela má-fé do beneficiado. O prazo é contado da data de expedição do ato ou, no caso de efeitos patrimoniais contínuos, da percepção do primeiro pagamento.

Sob outro giro verbal, arremata o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Moreira Alves,9 na ocasião em que relata o MS n. º 20.069/1976, no seu voto vencedor, defendendo a tese da prescritibilidade das pretensões, in verbis:

“O que implica dizer que, para haver exceção a esse princípio, é necessário que venha ela expressa em texto legal. E isso não ocorre com a falta de que se trata nos autos. Por outro lado, em se tratando de interpretação extensiva, como se trata, ela se aplica até às normas que integram o denominado ‘ius singulare’ uma vez que, a partir de Helfert10, em 1847, a doutrina vem acentuando que, no terreno dessas normas, só não se pode utilizar da analogia. (...) em matéria de prescrição em nosso ordenamento jurídico, inclusive no terreno do direito disciplinar, não há que se falar em “ius singulare”, uma vez que a regra é da “prescritibilidade”. (originais sem grifo)

“Em face do que se apontou sobre a diferença entre prescrição e decadência, verifica-se facilmente que a perda da possibilidade de a administração prover sobre dada matéria em decorrência do transcurso do prazo dentro do qual poderia se manifestar

24/09/1965).9 Ministro Moreira Alves, MS n. º 20.069/197610 HELFERT, 1847.

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não se assemelha à prescrição. Com efeito, não se trata, como nesta, do não exercício tempestivo de um meio, de uma via, previsto para defesa de um direito que se entenda ameaçado ou violado.

“Trata-se pura e simplesmente, da omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (adjetiva) da Administração, isto é, de seu dever-poder; logo, o que estará em pauta, in casu, é o não-exercício, a bom tempo, do que corresponderia, do Direito Privado, ao próprio exercício do direito”. (Celso Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 13ª ed. Editora Malheiros, 2001).11

Como o instituto da decadência administrativa designa “de um lado, a perda do prazo para recorrer de decisão administrativa; de outro, significa a perda do prazo para que a Administração reveja os próprios atos; finalmente, indica a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Ed. Atlas: São Paulo, 2001, p. 596).12

Também não se ignora, todavia, que há muito a doutrina e a jurisprudência vêm sustentando a existência de limitações temporais a este poder-dever da Administração Pública. Tais limitações resultam impostas pela necessidade de compatibilização entre o princípio da legalidade e o princípio da segurança jurídica. Equivale, nos ensinamentos de HELY LOPES MEIRELLES13 dizer que a anulação "deve situar-se dentro de certos limites temporais, vencidos os quais a Administração perde a disponibilidade de sua competência anulatória. Trata-se de uma imposição do principio da estabilidade das relações jurídicas, presentes em todos os ramos do Direito e que no Direito Público assume particular relevância" (Estudos e Pareceres de Direito Público. vol. IX, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1986).

Nesse mesmo sentido, escreve com muito acerto MIGUEL REALE:14

"Quando a inércia da Administração já permitiu se constituíssem situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever indefinido de autotutela". (Revogação e Anulamento do Ato Administrativo, 2a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1980, p. 71).

11 Celso Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 13ª ed. Editora Malheiros, 2001.12 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. Ed. Atlas: São Paulo, 2001, p. 596.13 HELY LOPES MEIRELLES, Estudos e Pareceres de Direito Público, vol. IX, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1986.

14 MIGUEL REALE, Revogação e Anulamento do Ato Administrativo, 2a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1980, p. 71.

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Aliás, o Supremo Tribunal Federal, no exame de casos em que focaliza o desfazimento tardio de ato administrativo, tem seguido orientação de JOSÉ FREDERICO MARQUES, acolhida também por MIGUEL REALE, nestes precisos termos:

"a subordinação do exercício do poder anulatório a um prazo razoável pode ser considerado requisito implicito no princípio do due process of law. Tal princípio, em verdade. não é válido apenas no sistema do direito norte-americano, do qual é uma das peças basilares, mas é extensível a todos os ordenamentos jurídicos, visto como corresponde a uma tripla exigência, de regularidade normativa, de economia de meios e formas e de adequação à tipicidade Ática. Não obstante a falta de termo que em nossa linguagem vigorosamente lhe corresponda, poderíamos traduzir due process of law por devida atualização do direito, ficando entendido que haverá infração desse ditame fundamental toda vez que, na prática do ato administrativo, for preterido algum dos momentos essenciais à sua ocorrência; foram destruidas sem motivo plausível, situações de fato, cuja continuidade seja economicamente aconselhável, ou se a decisão não corresponder ao complexo de notas distintas da realidade social tipicamente configurada em lei.”

“Assim sendo, se a decretação de nulidade é feita tardiamente, quando a inércia da Administração já permitiu se constituíssem situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever indefinido de autotutela". (Revista Trimestral de Jurisprudencia, vol. 83***, março/1978, p. 923)

A Lei Complementar nº 75/93 – ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, dispõe em seu artigo 244 sobre a prescrição da cassação da aposentadoria em 04 (quatro) anos (inciso III) e se a falta for prevista como crime, prescreverá juntamente com este, começando a correr a prescrição do dia em que a falta for cometida, ou seja, da data dos fatos.

Lei Complementar nº 75/1993. ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO

Art. 244 - Prescreverá:

I - em um ano, a falta punível com advertência ou censura;II - em dois anos, a falta punível com suspensão;III - em quatro anos, a falta punível com demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade.

Parágrafo Único - A falta, prevista na lei penal como crime, prescreverá juntamente com este.

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Do mesmo modo, a Lei Complementar nº 106 de 03 de janeiro de 2003___Lei Orgânica do Ministério Público do Rio de Janeiro,_____ dispõe no art. 137 e incisos e art. 138, que extinguir-se-á, por prescrição, a punibilidade administrativa da falta, em cinco anos, quando cabíveis a cassação de aposentadoria. A prescrição começa a correr do dia em que a falta for praticada, ou seja, bis in eadem, da Lei Complementar nº 75/93, que regula o Ministério Público da União. Em ambos os casos, a prescrição tem o seu início do dia em que o fato for praticado.

Lei Complementar nº 106 de 03 de janeiro de 2003. LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO.

Art. 137 - Extinguir-se-á, por prescrição, a punibilidade administrativa da falta:

I – em 2 (dois) anos, quando aplicáveis as penas de advertência ou censura;II – em 3 (três) anos, quando aplicável a pena de suspensão;III - em 5 (cinco) anos, quando cabíveis a disponibilidade, a demissão ou a cassação de aposentadoria.

Parágrafo único - A falta, prevista na lei penal como crime, terá sua punibilidade extinta no mesmo prazo de prescrição deste, tomando-se sempre por base a pena cominada.

Art. 138 - A prescrição começa a correr do dia em que a falta for praticada ou, nas faltas continuadas ou permanentes, do dia em que tenha cessado a continuação ou permanência. (g.n)

No mais das vezes, uma ação penal tem a duração de 04 anos ou mais, sendo qual for a decisão nessa ação, ao promotor de justiça (os Membros do Parquet) já não podem ter essa penalidade aplicada. Se assim é, correta a Lei que rege o Ministério Público, incorreta são as decisões que tolhem o contribuinte de sua devida aposentação. É um plus não existente para tantas classes e além do devido para outras.

No ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS CIVIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DECRETO-LEI Nº 220/75 E REGULAMENTO DO ESTATUTO Nº 2479/79, PREVÊM:

Art. 202 - Operar-se-á a decadência do direito de requerer nos seguintes prazos:

I – em 5 (cinco) anos, quanto aos atos de demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade, ou que afetem interesses

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patrimoniais e créditos resultantes das relações de trabalho; II – em 120 (cento e vinte) dias, nos demais casos, salvo quando outro for o prazo previsto em lei. § 1º - O prazo decadencial será contado da data da publicação do “ato impugnado” ou da data da ciência pelo interessado, quando o ato não for publicado.(g.n)

Leia-se no § 1º do art. 202 do estatuto dos Funcionários Civis do Estado do Rio de Janeiro____”ATO IMPUGNADO”____ significando o momento quando foi concedida a aposentadoria ao funcionário público.

Na lição de Hely Lopes Meirelles15 (Direito Administrativo Brasileiro, pp. 431/432, 28ª edição, Malheiros), define a aposentadoria como “ a garantia de inatividade remunerada reconhecida aos servidores que já prestaram longos anos de serviço, ou se tornaram incapacitados para suas funções. Continua o mestre às fls. 434: “Cassação da aposentadoria é penalidade assemelhada à demissão, por acarretar a exclusão do infrator do quadro dos inativos e, conseqüentemente, a cessação do pagamento de seus proventos. Por ser penalidade , deve observar observar a garantia da ampla defesa e do contraditório”. Ousamos discordar veementemente do emérito Professor, pelo que a cassação de aposentadoria jamais pode ser considerada assemelhada à demissão (que já consta irregularmente das leis que regem os trabalhadores), e ainda, por ser somente competência do Código Penal a imposição de penas e restrições de direito. Não existe no Código Penal tal “penalidade”, portanto é irregular e ilegal a cassação de aposentadoria. Valemos-nos do filólogo Aurélio Buarque de Holanda16 para interpretar literalmente o que significam os termos cassação e demissão. A cassação significa: tornar nulo ou sem efeito (licença, autorização, direitos políticos, etc.), fazer cessar, tornar nulos ou sem efeito, os direitos políticos ou de cidadão; e demissão quer dizer: tirar cargo, função ou dignidade de; destituir, exonerar. Assemelhar ou ser semelhante traduz-se como: parecer, semelhar. No tema em testilha, assemelhar os dessemelhantes tornou-se legal. A demissão nem de longe pode ser assemelhada à cassação, a não ser na rima pobre, mas em não se tratando de verso ou prosa, são palavras com raízes diferentes e significados divergentes.

A contagem do tempo é direito do servidor público. Por tempo de contribuição deve ser entendido aquele em que o servidor esteve ligado a qualquer das entidades que integram a União, os Estados-Membros, Distrito Federal e os Municípios, durante o qual contribuiu para o sistema previdenciário. Este direito incorporou-se ao patrimônio do servidor e nesse diapasão não pode dele ser retirado, sob pena de se legalizar locupletamento ilícito do Estado.

15 Hely Lopes Meirelles in Direito Administrativo Brasileiro, 28ª edição, SP, Malheiros, pp.431/432.16 Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, século XXI.

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Há que se trazer à baila a Ementa no Parecer nº 03/03-CRTS17, por necessária ao conhecimento do tema e suas implicações.

EMENTA: Cassação de Aposentadoria. 1. Processo. A pena de cassação de aposentadoria somente poderá ser aplicada se comprovada, em processo administrativo disciplinar, a prática, pelo servidor aposentado, de qualquer dos atos previstos no art. 182 do Estatuto dos Servidores. 2. PRESCRIÇÃO. 2.1. A falta sujeita à cassação de aposentadoria prescreve em 5 (cinco) anos a contar do evento punível (art. 184, II, ‘b’, do Estatuto). 2.2. Se a falta também configurar crime, ela prescreverá junto com ele (art. 184, § 2º). Servidor aposentado em 21/05/1990. Crime prescritível em 12 (doze) anos. Prescrição de qualquer falta ocorrida no exercício em 20/05/2002. 3. Parecer pela inviabilidade da responsabilização administrativa do servidor, à vista da prescrição configurada. (Procuradoria Geral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro).

Em relação à Magistratura, a Lei Complementar nº 35 de 14 de março de 1979 não prevê a cassação de aposentadoria. O art. 42 enumera as penalidades a que estão sujeitos os magistrados, dispondo:

Art. 42 - São penas disciplinares:I - advertência;II - censura;III - remoção compulsória;IV -disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;VI - demissão. (g.n)

Como leciona o Emérito Des. Décio Cretton18 (in Estatuto da Magistratura Brasileira, p. 165 – 166) “A melhor interpretação dessa aposentadoria (compulsória) dos magistrados há de ser feita por meio das suas garantias constitucionais de independência, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos. Não se trata de funcionário comum, sujeitos a outro Estatuto próprio e diferente

17 03/03-CRTS.18 Des. Décio Cretton, Estatuto da Magistratura Brasileira, p. 165/166, ed. Saraiva, 1980.

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daquele aplicável aos juízes”. “O juiz aposentado não pode ser desvestido em 24 horas do seu título e garantias constitucionais e lançado do seu estatuto próprio para dentro do estatuto do funcionário comum do Poder Executivo.” (Ed. Saraiva, ed. 1980).

Não existe, na LOMAN, qualquer alusão expressa ou tácita à suspensão ou cassação da aposentadoria, como penalidade a ser imposta ao magistrado. Para tanto, deve-se observar que a LOMAN prevê um conjunto de deveres e um aparato punitivo compatível com as funções jurisdicionais (função típica).

Acordão Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAClasse: RESP - RECURSO ESPECIAL - 200242Processo: 199900013425 UF: DF Órgão Julgador: QUINTA TURMA.Data da decisão: 16/04/2002 Documento: STJ000435802, DJ DATA:03/06/2002 PÁGINA:234, GILSON DIPP19.1.- Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Ministro Relator.Os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.Ementa:- CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. DOSIMETRIA, AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCÊNCIA, BIS IN IDEM. QUESTÕES PREJUDICADAS PELA CONCESSÃO DE INDULTO. POLICIAIS CIVIS. PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. EFEITO DA CONDENAÇÃO. DEC. 3.226/99. INDULTO PARCIAL. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA. RECURSO PROVIDO NA PARTE CONHECIDA.1.- As questões referentes a dosimetria da pena, ausência de fundamentação na condenação, inocência e bis in idem restam prejudicadas pela concessão de indulto em favor dos recorrentes.2.- A aplicação dos dispositivos acerca da perda do cargo público deve obedecer ao princípio da irretroatividade. In casu, como o crime foi cometido em 1994, não se pode aplicar as disposições da Lei n.º9.268/96, mais gravosa aos recorrentes.

19 RESP - RECURSO ESPECIAL – 200242, 5ª TURMA, Min. Gilson Dipp.

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PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ART. 535, DO CPC – SERVIDORA PÚBLICA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - APOSENTADORIA CASSADA - IMPOSSIBILIDADE - DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA – ART. 54, PARÁG. 1º, DA LEI 9.784/99 - AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO – NÍTIDO CARÁTER INFRINGENTE – REJEIÇÃO.1.- Tendo o acórdão embargado reconhecido a ilegalidade da cassação da aposentadoria da impetrante face a ocorrência de decadência administrativa, revestem-se de caráter infringente os embargos interpostos a pretexto de omissão, uma vez que pretendem reabrir os debates meritórios acerca do tema.2.- Por prerrogativa do dispositivo processual aventado, os Embargos de Declaração consubstanciam instrumento processual adequado para excluir do julgado qualquer obscuridade ou contradição ou, ainda, suprir omissão, cujo pronunciamento sobre a matéria se impunha ao Colegiado, integralizando-o, não se adequando, todavia, para promover o efeito modificativo do mesmo. Inteligência do art. 535 e incisos, do Código de Processo Civil.3.- Precedentes (EDREsp nºs 120.229/PE e 202.292/DF).4.- Embargos conhecidos, porém, rejeitados. Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: MS - MANDADO DE SEGURANÇA - 8595. Processo: 200201087299 UF: DF Órgão Julgador: TERCEIRA SEÇÃO Data da decisão: 26/02/2003 Documento: STJ-000479211, FELIX FISCHER.20

A consagração da dignidade da pessoa humana, como visto, implica em considerar-se o homem, com exclusão dos demais seres, como o centro do universo jurídico. Esse reconhecimento, que não se dirige a determinados indivíduos, abrange todos os seres humanos e cada um destes individualmente considerados, de sorte que a projeção dos efeitos irradiados pela ordem jurídica não há de se manifestar, a princípio, de modo diverso ante a duas pessoas. Daí seguem-se duas importantes conseqüências. De logo, a de que a igualdade entre os homens representa obrigação imposta aos poderes públicos, tanto no que concerne à elaboração da regra de direito (igualdade na lei) quanto em relação à sua aplicação (igualdade perante a lei). Necessária, porém, a advertência de que o reclamo de tratamento isonômico não exclui a possibilidade de discriminação, mas

20 MANDADO DE SEGURANÇA - 8595. Processo: 200201087299 UF: DF Órgão Julgador: TERCEIRA SEÇÃO Data da decisão: 26/02/2003 Documento: STJ-000479211, FELIX FISCHER.

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sim a de que esta se processe de maneira injustificada e desarrazoada. Assim bem explanou CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO21, em excelente monografia, corroborado pela ensinança de CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA22.

Em segundo lugar, emerge a consideração da pessoa humana como um conceito dotado de universalidade. Inviável, portanto, qualquer distinção de direitos entre os nacionais e estrangeiros, salvo quanto àqueles vinculados ao exercício da cidadania. Assim é que deve ser entendido o caput do art. 5º da Lei Maior, de maneira que a titularidade dos direitos que enuncia se volte a todos aqueles que se encontrem vinculados à ordem jurídica brasileira, deles não se podendo privar o estrangeiro só pelo fato de não residir em solo pátrio. Seria, verbi gratia, inadmissível o não conhecimento pela jurisdição de habeas corpus, impetrado em favor de alienígena que esteja de passagem pelo território nacional, em virtude de neste não manter residência.

Sem razão JOSÉ AFONSO DA SILVA23 quando propõe que a limitação dos destinatários dos direitos individuais pelo Constituinte de 1988, a exemplo das cláusulas constantes nas constituições pretéritas, há de acarretar conseqüências normativas. Melhor se nos afigura a postura assumida por PONTES DE MIRANDA24, ainda quando vigente o art. 153, caput, da Constituição de 1969, e, nos dias atuais, por CELSO RIBEIRO BASTOS25 e NAGIB SLAIBI FILHO26.

A esse respeito, importante salientar o relato de JOAQUÍN ARCE Y FLÓREZ – VALDÉS27, mencionando que o Tribunal Constitucional Espanhol, através de decisão prolatada em 30 de setembro de 1995, entendeu que os direitos pertencentes à pessoa, enquanto tal, não abrangem somente os espanhóis, mas, igualmente, os estrangeiros e que tais direitos, como frisado na anterior deliberação de 23 de novembro de 1984, são aqueles imprescindíveis à garantia da dignidade da pessoa humana.

• A impossibilidade de abjeção do ser humano.

Outra vertente de relevo pela qual se irradia a dignidade da pessoa humana está na premissa de não ser possível a redução do homem à condição de mero objeto do Estado e de terceiros. Veda-se a coisificação da pessoa. A abordagem do tema passa pela consideração de tríplice cenário, concernente às prerrogativas de direito

21 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo.22 CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, O Direito Constitucional à Jurisdição – As Garantias do Cidadão na Justiça – Saraiva – São Paulo/1993.23 JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo", RT, 6ª ed., 1990, p.412.24 PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição.25 Nagib Slaibi Filho, Direito Constitucional.26 CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Constitucional", Saraiva, 89, 11ª ed., p.278.27 JOAQUÍN ARCE Y FLÓREZ – VALDÉS.

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e processo penal, à limitação da autonomia da vontade e à veneração dos direitos da personalidade.

• Dignidade da pessoa humana.

Aqui se está a garantir que o Estado, ao manejar o jus puniendi em benefício da restauração da paz social, atue de modo a não se distanciar das balizas impostas pela condição humana do acusado da prática de crime. Por mais abjeta e reprochável que tenha sido a ação delituosa, não há como se justificar seja o seu autor privado de tratamento digno.

Abordando o tema à luz do arts. 1.1 e 103.1, ambos da Constituição alemã, ERNESTO BENDA28 afirma que a dignidade da pessoa humana, no campo penal, traduz ao acusado o direito de poder defender-se mediante ativa participação no processo, como também a não ser forçado a falar contra a sua vontade, excluindo-se a utilização de meios psicológicos ou técnicos (narcoanálise ou detector de mentiras), a fim de se averiguar a veracidade das declarações daquele.

Linhas adiante aduz que o art. 1.1 da Lei Fundamental de 1949 proíbe penas desproporcionais e cruéis, tendo em vista a necessidade de se respeitar os pressupostos básicos de uma existência individual e social do condenado, estando a licitude da prisão perpétua a depender de se reservar àquele a possibilidade de liberdade, uma vez cumprida parte considerável da pena. Quanto à sanção capital, sustenta que a sua imposição, através da reforma do art. 102 da Constituição, enfrentaria os limites do poder constituinte derivado, impostos pelo art. 1.2, em virtude de pressupor que o Estado se subtrairia à missão de ressocializar o delinqüente.

A esse respeito, não restou omisso o direito constitucional brasileiro. A Constituição de 1988, no rol de direitos individuais do seu art. 5º, trouxe a lume importantes exigências que o Estado, no desenrolar de sua função punitiva, há de observar, sob pena de desrespeitar a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, podemos descortinar, no referido dispositivo, garantias inerentes à: a) vedação em submeter qualquer pessoa a tratamento desumano ou degradante (inciso III), assegurando-se ao preso o respeito à integridade física e moral (inciso XLIX); b) observância do devido processo legal (inciso LIV) com todos os seus consectários, entre os quais o contraditório e a ampla defesa (inciso LV), o julgamento por autoridade competente (inciso LIII), a não admissibilidade de provas obtidas por meio ilícito (inciso LVI), a proscrição de juízos ou tribunais de exceção (inciso XXXVII) e a consideração de que ninguém será reputado culpado senão antes do trânsito em julgado de sentença condenatória (inciso LVII), importando esta última em pressupor que a segregação do acusado, antes da sentença irrecorrível, somente se legitima em situações proporcionais previstas em lei; c) legitimidade material do direito de punir, tais como a reserva legal da definição de crimes e cominação de penas (inciso XXXIX), a individualização destas na medida da culpabilidade do infrator (incisos XLV e XLVI), a

28 ERNESTO BENDA, Manual de derecho constitucional, Madri.

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interdição de determinadas sanções, tais como a pena capital, a prisão perpétua, os trabalhos forçados, o banimento e as penas cruéis (inciso XLVII); d) movimentação da competência prisional (incisos LXI a LXVI e LXVIII); e) execução da pena (incisos XLVIII e L).

Os preceptivos citados servem para ilustrar a grande preocupação dispensada ao princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de impedir que a atividade punitiva do Estado, manifestada sob o interesse de velar pela segurança da coletividade, resulte como justificativa à depreciação do indivíduo.

• Dignidade da pessoa humana como limite à autonomia da

vontade.

Valor que, amparado na igualdade formal das partes, granjeou enorme prestígio com o Estado Liberal foi o da autonomia da vontade, de modo que o art. 1.134 do Código Civil de Napoleão, promulgado em 1804, solenizava o preponderante papel da força geratriz do consentimento, afirmando fazer o contrato lei entre as partes.

Essa concepção sofrera forte mitigação com o triunfar do Estado prestacionista, calcado na constatação de que substancialmente as pessoas apresentam desigualdades, e, por isso, a manifestação volitiva há de encontrar pontos de contenção.

Nesta abordagem, não nos deteremos na carga limitativa que os mandamentos legais, no intuito de compensar a qualidade de hipossuficiente de alguns contratantes, encetam para delimitar as faculdades jurídicas decorrentes da vontade. A nossa atenção será dispensada àquelas situações em que um dos contratantes é reduzido à condição de mero objeto da pretensão contratual, com o desrespeito à sua condição de pessoa, tal como se verifica nas hipóteses de risco de vida, ou em que a execução da prestação importe para o pactuante em sua exposição ao ridículo.

• Direito a uma existência material mínima.

Além das facetas apontadas, a consagração constitucional da dignidade da pessoa humana resulta na obrigação do Estado em garantir à pessoa humana um patamar mínimo de recursos, capaz de prover-lhe a subsistência.

Na Alemanha, informa-nos ERNESTO BENDA, passou-se a entender, após a superação da anterior orientação do Tribunal Constitucional (BverfGE 1,97 (104), que o art. 1.1 da Lei Fundamental de 1949 impunha, além da perspectiva do indivíduo não ser arbitrariamente tratado, um respeito cada vez maior pela sua sobrevivência. Assim, de acordo com tal preceito, afigura-se inadmissível que o administrado seja despojado de seus recursos indispensáveis à sua existência digna, de sorte que a intervenção estatal na propriedade, pela via fiscal ou não, não deverá alcançar patamares capazes de privá-lo dos meios mais elementares de subsistência. De modo

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igual, o citado art. 1.1 traduz, em detrimento dos poderes públicos, a obrigação adicional de prover ao cidadão um mínimo existencial.

Concedendo a ordem, a Excelsa Corte ressaltou a posição de antagonismo constitucional que se encontrava no dispositivo legal, cuja execução o remédio heróico buscava evitar, contrariando o direito à vida, enunciado no art. 150, caput, da Constituição de 1967. O voto do eminente relator, Min. THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI29, no que foi acompanhado pelos seus pares, forte salientou:

“que o ato de tornar-se impossível o desempenho de uma atividade profissional, que permita ao indivíduo obter os meios de subsistência, é o mesmo que lhe tirar um pouco de sua vida, porque esta não prescinde dos meios materiais para a sua proteção. Embora não concluindo pelo dever do Estado em proporcionar recursos ao indivíduo, sustentou que aquele não pode, sem que haja uma decisão judicial legítima, privar alguém do exercício de atividade lícita, com a qual garanta a sua mantença, partindo da premissa de que a vida não constitui apenas um conjunto de funções resistentes à morte, mas, numa perspectiva mais ampla, a afirmação positiva das condições voltadas a assegurar ao ser humano, bem como à sua família, os recursos indispensáveis à sua subsistência”.

Somente ficou incólume à eiva de incompatibilidade vertical a previsão de suspensão do exercício de cargo ou função pública, tendo em vista que a legislação de regência assegurava, em casos tais, a percepção pelo servidor de uma parte de seus vencimentos.

A garantia à vida, erigida como fundamento basilar da concessão do amparo constitucional, tem como razão de ser a enorme estima que, àquela época, o nosso ordenamento tributava à pessoa humana como tal.

O art. 92 prescreve taxativamente os efeitos da condenação, assim mencionados:

- São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

29 THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, STF, Pleno, mv, rel. DJU de 17-06-68, p. 02228.

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b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. (G.N)

Iniciamos nosso estudo pelo parágrafo único do artigo 92 do Código Penal. É o alicerce onde deve ser pautada a aplicação dos efeitos da condenação. A redação do parágrafo nos dá a noção da importância da obediência de forma para a decretação de qualquer das penalidades do mencionado art. 92. Por erro hierárquico, este parágrafo vem após as penalidades, quando na verdade, pelo seu jaez, deveria vir emblematicamente abrindo o capítulo dos efeitos específicos da condenação. Talvez, porisso, raras vezes é cumprido.

Aqui, o “devido processo legal” é a palavra de ordem. O direito penal constitucional vem estampado no art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição da República.

“O procedimento administrativo recebeu novo enfoque na Constituição da República de 1988, onde, pela primeira vez, veio a trazer expressamente a garantia do devido processo legal, tanto nos processos judiciais (tal como acontecera com as anteriores) quanto nos administrativos, incluindo-o lado a lado com o judicial”. (Odete Medauar, A processualidade no direito administrativo, SP, tese de titular, 1993, p. 73 e segs.)30.

“Daí se segue que não podem os outros ramos do poder público exercer, sem contraste, o seu imperium, aguardando eventual intervenção posterior do Judiciário, para corrigir ou anular os atos que atinjam ou causem lesão a direito individual. É injusto e antagônico à Constituição que a atividade administrativa fique com inteira liberdade de atuar, quando, em sua função externa, entre em contato com os administrados, ainda mais quando lemos no inciso LV, do art. 5º da Magna Carta que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

30 Odete Medauar, A processualidade no direito administrativo, SP, tese de titular, 1993, p. 73 e segs.

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(Eliane Alfradique, Uma Visão geral do artigo 5º da Constituição da República – 2ª parte, in www.tex.pro.br)31.

“Originariamente como requisito de validade da jurisdição penal, o devido processo legal estendeu-se à jurisdição civil e, mais recentemente, também aos procedimentos administrativos, nestes visando assegurar sobretudo o direito de defesa e estrita observância do princípio da legalidade”. (Augusto do Amaral Dergint, Aspecto Material do Devido Processo Legal, in RT 709/249)32.

MANDAMENTO GERAL PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: A Constituição de 1988 veio trazer contornos e preceitos para salvaguarda dos direitos do cidadão, respeitando a dignidade da pessoa humana em todos os aspectos. Gizou a Norma Ápice seus preceito imperativos, de forma a sofrear os desmandos da Administração Pública que detém sem competência para tal, um poder absoluto, quase de vida ou morte em face de seus administrados. Negam a Constituição, esta é postergada a todo momento, sempre detratando os cidadãos brasileiros.

Neste trabalho, procuraremos mostrar as incoerências das leis que regem a perda de cargo. A nova Parte Geral do Código Penal aboliu as penas acessórias. A execução da pena acessória de perda de função pública, na forma do art. 691 do Código de Processo Penal, efetivava-se pela simples comunicação, instruída pela sentença ou acórdão que a decretou, com certidão de seu trânsito em julgado, à autoridade a que subordinado o condenado. Mas, sendo hoje efeito administrativo da decisão de condenação, necessário se torna a motivação pelo juiz ou tribunal dos motivos que levam a decretar tal penalidade na sentença ou acórdão. Assim se expressam os julgados de nossos Tribunais:

“Não sendo automática, e, sim, facultativa, a imposição de perda do cargo e inabilitação para exercício de função pública, mister se torna a motivação na própria sentença dos motivos que levam o julgador a aplicá-la”. (RT 556/347)33.

“A pena de perda de função pública deve ser devidamente fundamentada pelo prolator da sentença, que domonstrará os motivos pelos quais chegou a essa conclusão e justificará o seu entendimento”. (RT 566/372)34.

31 Eliane Alfradique, Uma Visão geral do artigo 5º da Constituição da República – 2ª parte, in www.tex.pro.br.32 Augusto do Amaral Dergint, Aspecto Material do Devido Processo Legal, in RT 709/249.33 RT 556/347.34 RT 566/372.

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Este não é apenas o entendimento da doutrina mas também o da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; assim, na ADIN 1063, relator o Ministro Celso de Mello35, ac. De 18.V.94, ficou expresso que:

" SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA:

A cláusula do devido processo legal objeto de expressa proclamação pelo artigo 5º, LIV, da Constituição deve ser entendida na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário.

A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano de atividade legislativa do Estado, que este não dispõe da competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal".

No mesmo sentido, por revelar-se " absolutamente destituída de causa " foi a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIN 1158, ac. De 19.12.94, relator o Ministro Celso de Mello.36

Se isto vale em relação aos atos de natureza legislativa, com maior razão há de valer em relação a atos administrativos, imotivados, destituídos de causa, irrazoáveis e discriminatórios.

"A Aposentadoria é um daqueles atos administrativos que, por constituir, declarar ou reconhecer direito, vincula à ADMINISTRAÇÃO, portanto, sustentam que tais atos são imutáveis por contrários da Administração.(Direito Administrativo, FRANCISCO CAMPOS, Volume II, p. 93)37.

35 ADIN 1063, relator Ministro Celso de Mello, ac. De 18.V.9436 Supremo Tribunal Federal na ADIN 1158, ac. De 19.12.94, relator Ministro Celso de Mello.

37 Direito Administrativo, FRANCISCO CAMPOS, Volume II, p. 93.

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O insigne Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, DR. ELMANO CRUZ38, em voto lapidar in Apelação Cível, esclarece o assunto com propriedade:

"Já se decidiu, sem embargo do princípio de que a aposentadoria se rege pela Lei vigente ao tempo de sua concessão, que uma vez decretada, "de tal ato resulta a irretratabilidade de seus efeitos à percepção de dada pensão ou estipêndio." (Supremo Tribunal Federal in Ap.. Civ. nº. 6547, de 15.12.38 ARC Jud Vol. II, pág.. 96), não se podendo reduzi-la ou limitá-la, nem mesmo em razão de leis posteriores.

Já se decidiu certa feita, na Ação intentada por DOMINGOS DE OLIVEIRA POLÍTICO, contra a UNIÃO FEDERAL, que uma vez concedida a aposentadoria sob certa forma, não pode o Governo modificá-la, pois o direito dela decorrente se incorpora ao patrimônio do funcionário. Minha decisão· foi confirmada pelo SUPREMO. Meu voto é pois este."

O ilustrado Ministro J. E. ABREU DE OLIVEIRA39, na sua monumental obra "APOSENTADORIA NO SERVICO PÚBLICO", editada com a colaboração do TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - TCU, compilou uma série de Jurisprudências sobre a matéria, valendo transcrevê-las, pois estas servem para elucidar o caso em questão:

a) "A situação dos funcionários aposentados É REGULADA POR LEI EM VIGOR AO TEMPO DA APOSENTADORIA e não pode ser alterada em seu desfavor por leis posteriores que também não podem por eles se invocadas , de mais , favoráveis, A SITUAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS APOSENTADOS É INTINGÍVEL, SÓ MODIFICÁVEL PARA MELHOR (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - in APOSENTADORIA NO SERVIÇO PÚBLICO, Autor J. E. ABREU DE OLIVEIRA). b) "O PROVENTO da inatividade é IRREDUTÍVEL, porque, consistindo numa remuneração por SERVIÇOS PASSADOS, POR FATOS JÁ CONSUMADOS, constitui ATO JURÍDICO PERFEITO, isto é, UM CRÉDITO CONTRA O ESTADO, ESTIPULADO E RECONHECIDO À SOMBRA DA LEI VIGENTE NA DATA DA APOSENTADORIA." (Supremo Tribunal Federal, idem). c) PROVENTO IRREDUTÍVEL - A regra de REDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS não atingem as "pensões" ou os "proventos de aposentadoria". O funcionário, EM ATIVIDADE, tem sua situação jurídica regida POR UMA RELAÇÃO DE SERVIÇO de natureza impessoal, 38 DR. ELMANO CRUZ, Ac. do Tribunal de Justiça - 5. Paulo in Arq. Jud. Vol. LIV,p. 170).39 Ministro J. E. ABREU DE OLIVEIRA, "APOSENTADORIA NO SERVICO PÚBLICO"

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objetiva; APOSENTADO, coloca-se em situação jurídica subjetiva. Uma vez concedida, A APOSENTADORIA FAZ NASCER UM, DIREITO ADQUIRIDO INTANGÍVEL" (,idem, idem, idem). d) "Incorpora-se no patrimônio: dos funcionários PROVENTOS ASSIM FIXADOS, são irrevogáveis, isto é, NAO PODEM SER MODIFICADOS senão em beneficio do APOSENTADO." (Barros Júnior). e) "O Juiz, depois de aposentado, estará protegido, NÃO PELA IRREDUTIBILIDADE de vencimentos que ampara os magistrados em atividade, mas pelo preceito constitucional que manda respeitar o DIREITO ADQUIRIDO e que é uma garantia comum a todos funcionários aposentados." (Supremo Tribunal Federal - Ministro LUIS GALLOTI, in Revista de Direito Administrativo, vol. II 54, p. 279). f) NÃO pode haver REDUCÃO DO PROVENTO INICIALMENTE FIXADO, é mansa e pacífica a JURISPRUDENCIA do TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - TCU." (in APOSENTADORIA NO SERVIÇO PÚBLICO - Autor J. E. Abreu de Oliveira).

Como se verifica, o desfazimento do ato de concessão da pensão , ou suspensão do pagamento dos PROVENTOS só pode ocorrer, por suspeita de vício ou outro motivo, "se os fatos determinantes foram apurados em processo administrativo regular, com a observância dos princípios da legalidade objetiva, da oficialidade, do informalismo, da verdade material, da garantia da ampla defesa e do julgamento objetivo."(Juiz José Delgado in AC nº. 29169-AL - TRF 5ª . Região)40.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, S.T.J., na sua lição lapidar acrescenta: "A homenagem ao devido processo legal é um comportamento da Administração Pública que se insere no cultivo à democracia e respeito ao direito do cidadão." (idem, idem, idem).

Há um vínculo nascido do exame feito pela administração dos pressupostos necessários para o deferimento do pedido, que cria uma situação concreta e um direito subjetivo para a pensionista , cujo desfazimento, sem processo regular de revisão para apurar irregularidades talvez existentes, determina violação de direito sujeito ao controle do Poder Judiciário.

Por conseguinte, tal ilegalidade do ATO administrativo que concedeu a pensão da Impetrante, não se verificou de forma clara e transparente, eis que inexiste o DEVIDO PROCESSO LEGAL, portanto improcede o ato de desfazimento desta pensão.

"EMENTA: PREVIDENCIARIO.CANCELAMENTO DE APOSENTADORIA. AUSÊNCIA DE DEVIDO PROCESSO LEGAL. SENTENCA MANTIDA.

1. O cancelamento de aposentadoria previdenciária só pode ocorrer, por suspeita de fraude ou qualquer outro motivo, se os fatos determinantes foram

40 Juiz José Delgado in AC nº. 29169-AL - TRF 5ª . Região.

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apurados em processo administrativo regular, com a observância dos princípios da legalidade objetiva, da oficialidade, do informalismo, da verdade material, da garantia da ampla defesa e do julgamento objetivo. 2. A homenagem ao devido processo legal é um comportamento da administração pública que se insere no cultivo à democracia e respeito ao direito do cidadão. 3. Há entre o ato de concessão de beneficio de aposentadoria omitido pela autarquia previdenciária e o segurado um vínculo nascido do exame feito pela administração dos pressupostos necessários para o deferimento do pedido, que cria unia situação concreta e um direito subjetivo para o beneficiário, cujo desfazimento, sem processo regular de revisão para apurar irregularidades ditas existentes, determina violação de direito sujeito ao controle do Poder Judiciário. 4. Tema sumulado (Súmula nº 160) pelo então e egrégio Tribunal Federal de Recursos. 5. A simples investigação sumária feita por um só Inspetor, sem forma de juízo administrativo, não satisfaz às exigências do devido processo legal 6. Sentença Mantida. (AC. Nº 29169-AL (RE 93.05.20884-3), Rel. Juiz JOSÉ DELGADO, TRF 5ª REGIÃO, 2ª T. DJ. S. II. DE 29.04.94, PÁG. 19461).

"EMENTA:MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. INVALIDEZ. REDUÇÃO. AMPLITUDE DE DEFESA. 1. - A ausência do devido processo legal onde se garanta, inclusive, o direito a amplitude de defesa, é óbice ao bloqueio, cancelamento ou redução de benefício previdenciário. Precedentes jurisprudenciais. CF/88, art. 5ª., LIV e LV.

2. - Apelação improvida." (AMS nº. 50.231-PB, (95.05.21583-5), TRF 5ª. Região, 28. Turma, Rei. Juiz PETRUCIO FERREIRA, Julgado em 19.12.95, DOU de 15 de março de 199641).

Constitucional E PREVIDENCIÁRIO. SUSPENSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO CONCEDIDO HÁ MAIS DE 5 ANOS. DECISÃO UNILATERAL DO I.N.S.S. FERIMENTO AO ART. 5ª LIV DA CF/88. SÚMULAS NºS. 217/STF E 160/TFR. 1. - A Constituiçao Federal de 1988 (art. 5º., LIV), estabelece que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". 2. - Qualquer que seja a aposentadoria que foi requerida e deferida (por invalidez, por idade, por tempo de serviço), para vingar a sua suspensão, cancelamento ou cassação, deve-se sempre observar o devido processo legal e o contraditório, seja no âmbito administrativo ou judicial, assegurada ao beneficiário a ampla defesa.

41 AMS nº. 50.231-PB, (95.05.21583-5), TRF 5ª. Região, 28. Turma, Rel. Juiz PETRUCIO FERREIRA, Julgado em 19.12.95, DOU de 15 de março de 1996.

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3. - "Tem direito de retornar ao emprego, ou ser indenizado em caso de recusa do empregador, o aposentado que recupera a capacidade de trabalho dentro de cinco anos, a contar da aposentadoria, que se torna definitiva após esse prazo". (Súmula nº. 217 do STF)42

4. - Precedentes jurisprudenciais (STJ, TRF´s da 2ª., 3ª. e 5ª. Regiões e do extinto TFR). Inteligência da Súmula nº. 160, do Egrégio TFR. 5. - Apelação e remessa oficial impróvidas." AMS nº. 45.768-PB, (94.05.30863-7), ReI. Juiz GERALDO APOLIANO, TRF 5ª. Região, 3ª. Turma, v.u., DJU de 17.05.96, Julg. em 25.04.9643).

"EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. DEVIDO PROCESSO LEGAL.

1 - Desprovido de validade jurídica é o ato que cassa aposentadoria, sem assegurar a observância do devido processo legal. 2. - Apelação e remessa impróvidas. (AMS nº. 51.860/PB, 95.05.29826-9, Rei. Juiz ARAKEN MARIZ, 2ª. Turma, TRF 5ª. Região, v.u., Seção II, DJU de 10.05.96, pág. 29.960)44

"EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INCABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANCA. SUSPENSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL. SÚMULA Nº. 160 DO EXTINTO TFR.

O ato da autoridade administrativa que suspendeu o pagamento da aposentadoria por invalidez do segurado, sem o devido processo legal, dá ensejo a impetração de mandado de segurança. Não se trata de questionar a validez ou invalidez do beneficiário como entendeu o Douto Magistrado para justificar o indeferimento da inicial, alegando impropriedade da via eleita.

A ninguém poderá ser suprimido direito sem a observância do "due process of law", quer seja no âmbito administrativo ou judicial, no qual não se assegure a ampla defesa ao prejudicado. Apelação provida." (AMS nº. 48.841/PB, 95.05.10923-7, Rel. Juiz JOSÉ MARIA LUCENA, 3ª. Turma, TRF 5ª. Região, v.u., DIU de 07.06.96, Seção II, pág. 38.744)45

"EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. DMINISTRATIVO. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.

42 Súmula nº. 217 do STF.43 AMS nº. 45.768-PB, (94.05.30863-7), ReI. Juiz GERALDO APOLIANO, TRF 5ª. Região, 3ª. Turma, v.u., DJU de 17.05.96, Julg. em 25.04.96.44 AMS nº. 51.860/PB, 95.05.29826-9, Rei. Juiz ARAKEN MARIZ, 2ª. Turma, TRF 5ª. Região, v.u., Seção II, DJU de 10.05.96, pág. 29.960.45 AMS nº. 48.841/PB, 95.05.10923-7, Rel. Juiz JOSÉ MARIA LUCENA, 3ª. Turma, TRF 5ª. Região, v.u., DIU de 07.06.96, Seção II, pág. 38.744.

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É de se anular ato que suspendeu ou cancelou beneficio previdenciário, sem a observância do devido processo legal. Remessa oficial improvida." (Remessa EX OFÍCIO em MS no. 53.530-PB, 96.05.05563-5, ReI. Juiz FRANCISCO FALCÃO, 1ª., Turma, TRF 5ª. Região, v.u., Seção II, DJU de 17.05.963, pág. 32.121).46

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. CANCELAMENTO OU SUSPENSÃO DE APOSENTADORIA. AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1.- Em face do disposto no Inciso LV do art. da Constituição Federal vigente, nulo é o ato que cancelou ou suspendeu o beneficio previdenciário do impetrante, sem lhe dar oportunidade para oferecimento de defesa. 2. - Improvimento da apelação e da remessa oficial" (AMS nº. 48.930-PB, 95.05.11387-O, Rel. Juiz ARAKEN MARIZ, 2ª. Turma, TRF 5ª. Região, fls. 51, v.u., Julg. em 30.11.95)47.

Se o Poder Judiciário , em todos os seus órgãos e ramificações, a partir do Supremo Tribunal Federal, está sujeito à essa regra e sob pena de nulidade deve fundamentar suas decisões, mesmo as de caráter administrativo, minúsculas comissões do ramo administrativo do Poder Público dela estarão libertos, especialmente quando se proponham a regular direitos de servidores, adelgaçando e mutilando de maneira discriminatória, arbitrária e imotivada vantagens assentadas em lei?.

Segundo doutrina consagrada, a razoabilidade das leis se insere no conceito do devido processo legal, Couture, Estudios de Derecho Processual Civil, 1948, I, p. 56 e 57;48 Linares, El Debido Processo Como Garantia Innominada en la Constitucion Argentina, Razonabilidade de Las Leyes, 197049, passim. Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e a razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil, 198950, passim.

• INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DO PÁTRIO PODER, TUTELA OU CURATELA

No que se refere a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, temos que plenitude das faculdades morais e intelectuais, o direito sentiu, em todos os tempos, em todas as partes do mundo civilizado, a necessidade de dar uma proteção especial aos que, ainda não atingiram o estágio definitivo de completa capacidade para gerir a sua pessoa e administrar os seus bens. Perquirindo as

46 MS no. 53.530-PB, 96.05.05563-5, ReI. Juiz FRANCISCO FALCÃO, 1ª., Turma, TRF 5ª. Região, v.u., Seção II, DJU de 17.05.963, pág. 32.121.47 AMS nº. 48.930-PB, 95.05.11387-O, Rel. Juiz ARAKEN MARIZ, 2ª. Turma, TRF 5ª. Região, fls. 51, v.u., Julg. em 30.11.95.48 Couture, Estudios de Derecho Processual Civil, 1948, I, p. 56 e 57.49 Linares, El Debido Processo Como Garantia Innominada en la Constitucion Argentina, Razonabilidade de Las Leyes, 1970.50 Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e a razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil, 1989.

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diversas legislações civis, é saliente a diversidade na fixação da idade, em que cessa a menoridade (os 21 anos do nosso direito constituem, entretanto, sem dúvida, o marco mais generalizado), é universal a regra de que aos menores, incapazes - absolutamente enquanto impúberes e, sobrevindo a puberdade, relativamente -, não é facultado o livre e absoluto governo da sua vida não podendo, por si sós, dispor do que é seu. Enquanto vivos os pais, permanecem sujeitos ao pátrio poder; se lhes faltam pai e mãe, ou quando esta convola segundas núpcias, o órfão é posto sob tutela.

Como a tutela, é a curatela um encargo; encargo público, que a lei confere a uma pessoa para direção de outra sem capacidade civil ou com relativa incapacidade, e para administrar os bens do curatelado.

Difere da tutela em que o sujeito passivo, a pessoa que se submete à curatela, não é, necessariamente, um menor, como sucede com o tutelado; afora o caso especial, em que a curatela se firma para proteção de quem está por nascer, ou de menor púbere, a ela se submetem maiores.

Aliás, Clóvis Bevilácqua dá esta definição: "Curatela é o encargo público conferido por lei, a alguém, para dirigir a pessoa e administrar os bens dos maiores que por si não possam fazê-lo".

A curatela e ter, de outro lado, uma extensão menor do que a da tutela, no que concerne aos poderes de quem a exerce, relativamente à pessoa e aos bens de quem a suporta. Muita vez, a incapacidade se reduz à administração dos bens e, não raro, ainda se limita à disposição dos mesmos, sua alienação ou oneração - situação comum nos casos dos pródigos, dilapidadores das próprias fortunas.

Como a tutela, é a curatela instituto de proteção e amparo ao incapaz; uma diferença a assinalar se o tutor pode ser nomeado pela vontade do homem, o pai ou a mãe, que, interessados no futuro dos filhos, lhes escolhem quem consideram mais apto ao exercício do encargo, o curador não pode ser, assim, escolhido; a lei estabelece o critério para a sua nomeação pelo juiz, o que também ocorre com o tutor, mas em caráter supletivo, isto é, quando não o designou o pai, ou a mãe, que deixa o filho órfão.

Confirmar-se a impressão, já consignada, de que a curatela se apresenta sob formas as mais variadas com maior ou menor amplidão da do curatelado dependendo de situações muito diversas e para finalidades, que se mostram bem diferentes De geral, só há a realidade de ser um instituto de proteção àqueles que se não acham em condições de poder tomar conta da sua pessoa e dos seus bens, ou somente destes.

Há, além disso, a possibilidade de submeter à curatela menor púbere, sujeito a pátrio poder, ou tutela, quando se apresente em condições tais de incapacidade que se fora maior, seria submetido à curatela; o art. 447, nº I, do Código Civil, não deixa dúvidas a respeito. A razão é intuitiva: completando os dezesseis anos o menor, de absolutamente incapaz, passa a sê-lo só relativamente, e poderá, pessoalmente, praticar atos jurídicos, alguns, mesmo sem assistência do representante legal; se, pois por loucura, toxicomania, surdo-mudez, ou outra

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causa surge a conveniência de afirmar a incapacidade absoluta do menor púbere, deve ser submetido à curatela de efeitos mais eficientes que o pátrio poder ou a tutela, e nos casos de crime dolosos contra filho, tutelado ou curatelado, havendo condenação criminal aplica-se o efeito da incapacidade para o exercício do pátrio pode, tutela ou curatela.

A antiga pena acessória de interdição para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela foi tratada na Reforma Penal de 1984 pela Lei nº 7.209, como efeito da condenação nos crimes contra filho, tutelado ou curatelado. A interdição podia ser permanente ou temporária (antigo art. 69, II, do CP/40); atualmente, o efeito da condenação é permanente, só podendo ser suspenso mediante reabilitação e ainda assim vedado o retorno à situação anterior.

A lei exige, para o reconhecimento por sentença do efeito da condenação consistente na incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, que se trate de crime doloso e que a vítima seja filho, tutelado ou curatelado. Quando a condenação for por crime culposo, portanto, não cabe a sanção. Alguns julgados nos dão conta dessa assertiva:

• “Mãe que favorece a prostituição da própria filha claramente não tem mais condições de exercitar o pátrio-poder, que segundo novo conceito, é um autêntico pátrio-dever”. (TJSP, REL. CAMARGO SAMPAIO, RT 519/328)51.

• “Atentando contra a liberdade sexual da própria filha, o comportamento do agente revela insensibilidade moral e total incapacidade para o exercício do pátrio-poder, sendo de se lhe aplicar, como efeito da condenação, a pena de desituição deste”. (TJSP__Rel. Jarbas Mazzoni___RT 639/292)52.

• “É manifesta a incompatibilidade existente entre o exercício do pátrio-poder, que o réu exerce sobre a filha, e a condenação imposta pelo fato, sobremaneira gravíssimo, de havê-la estuprado e sujeitá-la a prática de atos libidinosos. E nem se alegue que tal providência encontra óbice no art. 2º do CP, pois a vingar tal entendimento, deixaria de se aplicar norma que, antes de tudo, é de ordem pública. Como pena acessória ou efeito da condenação, o fato é que, a toda evidência, está o apelado manifestamente impossibilitado de exercer os direitos inerentes ao pátrio-poder, por lhe faltar aquelas condições ético-morais, que são os fundamentos impostergáveis a que isso ocorra”. (TJSP, Rel. Nélson Fonseca___RJT/SP 111/505)53.

51 TJSP, REL. CAMARGO SAMPAIO, RT 519/328.52 TJSP__Rel. Jarbas Mazzoni___RT 639/292.53 TJSP, Rel. Nélson Fonseca___RJT/SP 111/505.

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Ressalte-se que pela Reforma Penal exige que o crime doloso seja punível com a pena de reclusão, em qualquer quantidade. Quer isso dizer que é necessário que a pena cominada abstratamente seja de reclusão, pouco importando qual a pena efetivamente aplicada, ou se o agente se beneficiou com a suspensão condicional da pena (sursis) ou com com a substituição por pena de detenção, multa ou restritiva de direito.

• CRITÉRIO DE APLICAÇÃO DA SANÇÃO:

A incapacidade não decorre automaticamente da condenação, como corolário desta, pois deve ser declarada motivadamente na sentença (art. 92, § único do CP). Exige-se, assim, o exame dos requisitos objetivos e subjetivos do fato, e a declaração deve ser reservada aos casos de maior gravidade, em que resulte do crime, incompatibilidade com o exercício do pátrio-poder, tutela ou curatela ou abuso de autoridade do seu titular.

A Reforma Penal de 1984 (Lei nº 7.209) converteu a antiga pena acessória de interdição para o exercício do pátrio-poder, tutela ou curatela (art. 69, II do CP), que constitui efeito da condenação. Embora tenha havido modificação na natureza jurídica dessa interdição, o fato é que na prática ambas conduzem para o mesmo fim e têm as mesmas conseqüências no campo meramente objetivo, qual seja, a de tornar incompatível o exercício civil do direito e dever do pátrio-poder, diante de uma sentença condenatória.

A pena acessória, com a Lei nº 7.209/84, desapareceu do Código Penal. E nem se argumente que, na hipótese, não persistiria a incapacidade do imputado para o exercício do pátrio-poder sobre os filhos como efeito da condenação, à semelhança do que já foi decidido em caso de interdição. A incapacidade é permanente.

Valem os conceitos e ditames legais para os casos de tutelados ou curatelados.

• INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO:

Trata o art. 92, inciso III do CP do efeito da condenação, dependente de declaração judicial motivada, aplicável quando é utilizado algum veículo como meio para a prática de crime doloso. A inabilitação tem efeito permanente, vigorando até que o condenado se reabilite. A sanção tem semelhança, mas não confunde com a pena restritiva de direitos, sendo esta temporária. Esta é aplicada em casos de crimes culposos de trânsito. As penas restritivas estão elencadas no art. 43, V, para o caso ora estudado e a temporariedade da restrição para dirigir veículos (em caso de crime culposo), vem estampado no art. 47, inciso III, todos do Código Penal.

• BIBLIOGRAFIA:

1. ALFRADIQUE, Eliane, Uma Visão Geral sobre o artigo 5º da Constituição da República in www.tex.pro.br .

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2. BARROSO, Luis Roberto, A Prescrição Administrativa no Direito Brasileiro antes e depois da Lei nº 9.873/99, Revista Diálogo Jurídico.

3. BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1989, 11ª ed., p.278.

4. BENDA, Ernesto, Manual de Derecho Constitucional, Madri.5. CAMPOS, Francisco, Direito Adiministrativo, vol. II, p. 93.6. CAVALCANTI, Themístocles Brandão, STF, Pleno, mv, Rel. DJU de

17/06/68, p. 02228.7. CRETTON, Décio, in Estatuto da Magistratura Brasileira, pp.

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Porto Alegre, Ajuris, 2001.10.DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, Atlas,

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2000.13.HELFERT, 1847.14.HOLANDA, Aurélio Buarque, Dicionário século XXI.15.LINARES, El Debido Processo como garantia Innominada em la

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29.VALDÉS, Joaquim, Arce y Flórez.

JURISPRUDÊNCIA:

1. EDRESP Nº 120229.2. Ministro Néri da Silveira, Presidente do Supremo Tribunal

Federal, quando exercia o cargo de Consultor Geral do Estado do Rio Grande do Sul- parecer nº 07, publicado no D.O do Estado do RS em 24/09/1965.

3. MS Nº 20.069/1976, Ministro Moreira Alves, STF.4. 03/03 – CRTS- Câmara Municipal do Rio de Janeiro.5. RESP Nº 200.242, 5ª Turma, Ministro Gilson Dipp, STJ.6. MS Nº 8595-DF, 3ª Seção, STJ, Min. Felix Fischer.7. RT Nº 556/347.8. RT Nº 566/372.9. ADIN 1.063, Rel. Ministro Celso de Mello, ac. De 18/V/94.10.ADIN 1158, AC. DE 19/12/94, Rel. Ministro Celso de Mello, STF.11.Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo in

Arquivo Judiciário, vol. LIV, p. 170, Juiz Elmano Cruz.12.AC nº 29.169-AL- TRF, 5ª Região, Juiz José Delgado.13.AMS Nº 50.231, PB, TRF, 5ª Região, Juiz Petrucio Ferreira.14.AMS Nº 45.768-PB, Juiz Geraldo Apoliano, TRF, 5ª Região, 3ª

Turma.15.AMS Nº 51.860-PB, Rel. Juiz Araken Mariz, 2ª Turma, TRF, 5ª

Região, p. 29.960.16.AMS Nº 48.841-PB, Rel. JUIZ José Maria Lucena, 3ª Turma,

TRF, 5ª Região, p. 38.744.17.MS Nº 53.530-PB, Rel. Juiz Francisco Falcão, 1ª Turma, TRF, 5ª

Região, p. 32.121.18.RT Nº 519/328.19.RT Nº 639/292.20.RJT/SP Nº 111/505.

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