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Page 1: A inserção do psicólogo no SUS - reflexões sobre a prática

“A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NO SUS: Reflexões sobre a Prática”

Andréia Sanches Garcia∗

Resumo:O presente trabalho propõe percorrermos o caminho do movimento de inserção do psicólogo na área da saúde e principalmente da saúde pública. Fazemos uma reflexão sobre o processo de construção de um espaço de atuação a partir do contexto histórico vivenciado pela saúde no Brasil. O estudo que deu origem a esta reflexão iniciou-se com levantamentos bibliográficos sobre a psicologia da saúde e a atuação do psicólogo na saúde pública com a finalidade de contextualizar historicamente um processo de pesquisa desenvolvido sobre entrevistas inicias psicológicas realizadas no contexto da saúde pública. O enfoque dado a este levantamento foi verificar qual o modelo de atenção à saúde, atribuído a cada período histórico descrito que compreendeu o início do século passado – aqui descrito a partir da década de 40 - até o início deste século. Os levantamentos indicaram que a formação profissional trazia o enfoque curativo e ao longo dos anos com o reconhecimento da profissão e as atuações em diversas áreas da saúde houve a necessidade de novos referenciais teóricos e metodológicos para instrumentar a prática do psicólogo.O modelo clínico assistencialista, também chamado modelo “médico centrado” é preponderante nas ações de saúde desenvolvidas a partir dos hospitais ocorrendo uma contradição em relação ao modelo anterior com ações ligadas à saúde coletiva e com a valorização do enfoque epidemiológico. O contexto social e político vigente levaram diversos profissionais que atuavam em saúde pública e medicina preventiva, a defender o sistema público de saúde, empreendendo uma luta pelos direitos de cidadania e principalmente à saúde. Atualmente ocorre o movimento de repensar suas práticas, através de produções científicas e da criação de espaços conjuntos onde profissionais com sua prática integram seus conhecimentos ao meio acadêmico e às instâncias políticas de discussão sobre o papel a ser desempenhado em cada uma destas instâncias e conjuntamente para a criação de novas possibilidades de atuação. A análise deste processo dá origem à necessidade de incorporar novas abordagens teórico-metodológicas que valorizem as dimensões do indivíduo e as representações sociais. Diante do exposto torna-se necessário que o psicólogo, mais especificamente o psicólogo “inserido” no SUS, incorpore as informações sobre este processo histórico que permeia a constituição das relações de trabalho e as propostas de ações ora instituídas para sua atuação. Tal reflexão contextualiza discussões sobre a formação de profissionais priorizando o desenvolvimento de tecnologias voltadas para a atuação no SUS.

∗ Mestre em Psicologia – UNESP, Docente do Curso de Psicologia e Nutrição – UNIP e Psicóloga da Rede Pública Municipal de Assis-SP. E-mail: [email protected]

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“A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NO SUS: Reflexões sobre a Prática”

Andréia Sanches Garcia

INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe percorrermos o caminho do

movimento de inserção do psicólogo na área da saúde e principalmente da saúde

pública, hoje personalizada no SUS-Sistema Único de Saúde. Fazemos uma reflexão

sobre o processo de construção de um espaço de atuação a partir do contexto histórico

vivenciado pela saúde no Brasil.

O estudo que deu origem a esta reflexão iniciou-se com levantamentos

bibliográficos sobre a psicologia da saúde e a atuação do psicólogo na saúde pública

com a finalidade de contextualizar historicamente o processo de pesquisa desenvolvido

por esta pesquisadora sobre entrevistas inicias psicológicas realizadas no contexto da

saúde pública (Garcia, 2002).

O enfoque dado a este levantamento foi verificar qual o modelo de

atenção à saúde, atribuído a cada período histórico descrito que compreendeu o início

do século passado – aqui descrito a partir da década de 40 - até o início deste século,

mais precisamente no ano de 2001, quando a OMS institui o “Ano Nacional da Saúde

Mental”. Tal delimitação levou-nos a conhecer o processo de instituição do SUS e qual

o papel do psicólogo neste processo.

Em consonância com este estudo, a atuação da pesquisadora como

psicóloga deste sistema possibilitou a realização desta reflexão sobre a relação dos

modelos de atenção à saúde e a atuação do profissional de psicologia a partir dos modos

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de organização dos dispositivos institucionais vigentes em cada momento histórico,

apresentando assim, um olhar sobre a inserção do psicólogo no SUS.

PERCURSOS E MODELOS DE ATENÇÃO

A Psicologia da Saúde tem seus profissionais em sua maioria egressos de

áreas como a Psicologia Clínica e da Psicologia Social Comunitária e tem sido

considerada como um campo de trabalho que nasce para responder a uma demanda

sócio-sanitária.

No Brasil, a partir da década de 40 ocorre um incremento nos

investimentos de Políticas de Saúde que priorizam o modelo centrado na instituição

hospitalar em detrimento do ocorrido em décadas anteriores, quando inúmeras

epidemias assolaram o país sendo preponderante o modelo sanitarista de assistência à

saúde (Silva, 1988).

O modelo clínico assistencialista, também chamado modelo “médico

centrado” é preponderante nas ações de saúde desenvolvidas a partir dos hospitais

ocorrendo uma contradição em relação ao modelo anterior com ações ligada à saúde

coletiva e com a valorização do enfoque epidemiológico.

A formação profissional nesta ocasião prioriza o enfoque curativo e os

primeiros serviços estruturados em Psicologia Hospitalar surgem na década de 50, mais

especificamente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de

S. Paulo. No início da década de 60 a Psicologia é reconhecida oficialmente como

profissão e ocorre uma expansão de iniciativas de trabalhos vinculados a hospitais

gerais. Esta expansão dá origem à necessidade de novos referenciais teóricos e

metodológicos para instrumentar este campo de atuação o que faz com que na década de

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70, aumente consideravelmente o número de trabalhos científicos desenvolvidos a partir

da necessidade de novos modelos de trabalho.

Neste período a sociedade brasileira passa por importantes

transformações marcadas pelo fim do governo militar acompanhado de uma crise

econômica que impôs ao país uma dependência de mercados externos. O setor da saúde

sofreu os reflexos desta crise com cortes nos recursos destinados à saúde e em

contrapartida o aumento de repasses de dinheiro público à Previdência Social para

compra de serviços do setor privado, inclusive com o incremento do setor hospitalar.

Este contexto social e político levaram diversos profissionais que

atuavam em saúde pública e medicina preventiva, a defender o sistema público de

saúde, empreendendo uma luta pelos direitos de cidadania e principalmente à saúde. As

discussões vigentes nesta ocasião deram origem a diversos eventos com a finalidade de

produzir cientificamente instrumentos que respaldassem a atuação do psicólogo e

também deram origem a fóruns e conferências para a discussão do sistema de saúde

vigente, o que deu origem a conquistas coroadas com a legislação de instituição do SUS

– Sistema Único de Saúde.

Na década de 80, algumas faculdades em São Paulo, dentre elas a

Universidade Católica – SP, a Universidade de São Paulo, Faculdade de Ciências e

Letras de Itatiba e Faculdades Objetivo (atual Universidade Paulista), incluíram em sua

grade curricular disciplinas optativas de Psicologia Hospitalar e da Saúde, sendo

marcante a presença de psicólogos em diversos cursos de graduação e especialização

que iniciaram em todo o país.

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Também nesta ocasião houve um incremento de políticas públicas

voltadas a programas temáticos de saúde e para a Atenção Primária em Saúde, a

Coordenadoria de Saúde Mental do Estado de São Paulo publica a “proposta de trabalho

para equipes multiprofissionais em unidades básicas e em ambulatórios” e, segundo

Scarcelli (1998), o documento trazia uma proposta técnica, para profissionais de saúde

“preocupados em inserir um tipo de atenção à saúde mental nas práticas institucionais”.

As ações de Educação em saúde tomaram corpo e conseqüentemente a inclusão de

psicólogos nestas ações se fizeram necessárias desencadeando um número grande de

contratações nas diversas esferas governamentais: Federal, Estadual e principalmente

Municipal, pois estávamos em pleno processo de descentralização dos serviços de saúde

conforme proposta pela legislação.

Segundo Campos (1997) o excesso de normatização restringiu o objeto

de trabalho de cada grupo ou profissional isolado, “agora dispunham de normas que

estabeleciam claramente os limites de atuação de cada um”, levando ao desestímulo das

iniciativas e criatividade dos trabalhadores e reforçando ainda mais o modelo médico-

centrado.

Por outro lado, diretrizes para tratamentos em programas foram

implementadas o que deu origem a trabalhos situados em especialidades médicas,

assim, o psicólogo busca dar sua contribuição nas diversas áreas de conhecimento

dentro da saúde, que implicam em variáveis psico-sócio-comportamentais.

Na década de 90, o Psicólogo da Saúde parece delinear sua identidade

interdisciplinar, levando-o à ampliação de sua intervenção no entendimento e preparo de

equipes através de programas de educação continuada em saúde, sendo que muitos

profissionais ocupam espaços de liderança de equipes. Coloca-se também em eventos

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científicos com diversos trabalhos de cunho transdisciplinar, evidenciando assim sua

capacidade técnica e metodológica de inserção e intersecção com outras especialidades

da área da saúde.

CONCLUSÃO

Atualmente ocorre o movimento de repensar suas práticas, através de

produções científicas e da criação de espaços conjuntos onde profissionais com sua

prática integram seus conhecimentos ao meio acadêmico e às instâncias políticas de

discussão sobre o papel a ser desempenhado em cada uma destas instâncias e

conjuntamente, para a criação de novas possibilidades de atuação, embora esta

integração ainda seja vivenciada por iniciativas isoladas e não de forma sistematizada

como poderíamos propor aos currículos acadêmicos.

Este processo nos apresenta o espaço da Saúde Pública como local de

desenvolvimento da subjetividade do ser que é produto e produtor do meio que está

inserido, e que a relação estabelecida ou a ausência dela, fazem parte das possibilidades

da constituição do sujeito.

As práticas de saúde que, de acordo com o contexto histórico acima

mencionado priorizava o modelo médico-centrado de atuação e relação com o sujeito,

passam agora a constituir, a partir das novas abordagens, um modelo onde o sujeito se

apresenta como uma pessoa portadora de vontades próprias, capaz de realizar suas

opções de vida, capaz de agir e reagir diante do que está sendo oferecido a ela como

resposta às suas queixas e aos seus incômodos, portanto sujeito ativo do processo de

constituição da subjetividade e da sociedade.

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Diante do exposto torna-se necessário que o psicólogo, mais

especificamente o psicólogo “inserido” no SUS, seja sensível a este processo histórico

que permeia a constituição das relações de trabalho e propostas de ações ora instituídas

para sua atuação, sendo capaz de atuar transdisciplinarmente, porém fazendo uso de

seus instrumentos teórico-metodológicos de maneira flexível, efetuando a leitura de que

este arcabouço de sua formação deva ser utilizado para possibilitar a construção do ser

como ele se apresenta e não a partir de determinações teóricas que enquadrem a

subjetividade para explicá-la a partir do conhecimento pré-estabelecido.

A apresentação e reflexão deste percurso se fazem necessárias e

importantes, no momento em que entidades ligadas ao ensino propõem ampla discussão

sobre a formação de profissionais em psicologia que tenham preparo para atuarem com

qualidade nesta área, já que a mesma se configura como a principal geradora de vagas

no mercado de trabalho brasileiro e também, geradora de intensos movimentos pela

qualidade dos trabalhos realizados.

Bibliografia

ANGERAMI-CAMON, V.A. Psicologia da Saúde: um novo significado para a prática clínica. São Paulo: Pioneira, 2000.

CAMPOS, G.W.S. Reforma da Reforma: Repensando a Reforma. São Paulo: Hucitec, 1997.

GARCIA, A.S. Encontro da Saúde Mental e da Saúde Pública: um estudo analítico-descritivo sobre como pacientes com queixas físicas estabelecem a relação incial em psicoterapia de orientação psicanalítica. Dissertação de Mestrado. UNESP. Assis, 2002.

SCARCELLI, I.R. O Movimento Antimanicomial e a Rede Substitutiva em Saúde Mental – Experiência no Município de São Paulo – 1989-1992. Dissertação de Mestrado. São Paulo. IP/Universidade de São Paulo, 1998.

SILVA, R.C. O Trabalho do Psicólogo em Centros de Saúde: Algumas Reflexões Sobre

as Funções da Psicologia na Atenção Primária à Saúde. São Paulo, Instituto de Psicologia, USP, 1988. Tese Doutorado. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1988.