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1 A INFLUÊNCIA DA MANIPULAÇÃO DE RESULTADOS NA ANÁLISE ECONÓMICA FINANCEIRA ESTUDO DE CASOS DE PMES DO SECTOR TÊXTIL EM PORTUGAL Janine Morais Ramos Pereira Mestre em Contabilidade e Finanças da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave Fernando Jorge Dias da Silva Rodrigues Professor Adjunto da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave Área Temática : A) Informação Financeira E Normalização Contabilística Palavras-chave : Manipulação de Resultados, Normativo Contabilístico, Análise Económica e Financeira, PME’s 24a

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A INFLUÊNCIA DA MANIPULAÇÃO DE RESULTADOS NA

ANÁLISE ECONÓMICA FINANCEIRA

ESTUDO DE CASOS DE PMES DO SECTOR TÊXTIL EM PORTUGAL

Janine Morais Ramos Pereira

Mestre em Contabilidade e Finanças da Escola Superior de Gestão

do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

Fernando Jorge Dias da Silva Rodrigues

Professor Adjunto da Escola Superior de Gestão

do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

Área Temática: A) Informação Financeira E Normalização Contabilística

Palavras-chave: Manipulação de Resultados, Normativo Contabilístico, Análise

Económica e Financeira, PME’s

24a

 

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A INFLUÊNCIA DA MANIPULAÇÃO DE RESULTADOS NA

ANÁLISE ECONÓMICA FINANCEIRA

ESTUDO DE CASOS DE PMES DO SECTOR TÊXTIL EM PORTUGAL

Resumo

Face à atual globalização da informação, questões relacionadas com o recurso à

Manipulação de Resultados tende assumir uma importância cada vez mais relevante,

dado que tal prática tem como objetivo aproveitar-se das assimetrias patentes no

Normativo Contabilístico.

O presente trabalho aborda a análise empírica sobre a Manipulação dos Resultados

realçando as principais motivações que levam a gestão a recorrer a tais práticas. O

estudo feito em cinco PMEsportuguesas do sector têxtilevidenciando quais são as

práticas contabilísticas criativas que levantam questões sobre a verdadeira realidade

da empresa, confrontando-se com o normativo contabilístico, mostrando assim a

subjetividade patente nas normas.

LA INFLUENCIA DE LA MANIPULACIÓN DE LOS RESULTADOS EN ANÁLISIS

ECONÓMICO FINANCIERA

ESTUDIOS DE CASOS EN PYMES DEL SECTOR TEXTILEN PORTUGAL

Resumen

La actual globalización de la información, las cuestiones relacionadas con el uso de la

manipulación de los resultados tienden a asumir una vez más gran importancia, ya que

esta práctica tiene como objetivo aprovechar las asimetrías de patentes en Normas de

Contabilidad.

Este trabajo discute el análisis empírico sobre la manipulación de los resultados que

destacan las principales motivaciones que llevan a la gestión que recurrir a este tipo

de prácticas. El estudio realizado en cinco empresas portuguesas muestra las

prácticas contables creativas que plantean cuestiones sobre verdadera realidad de la

empresa, que muestra la subjetividad patentes en las normas.

 

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Introdução Atualmente a temática da Contabilidade Criativa é acompanhada por vários investigadores em todo mundo, estudo que se intensificou nos últimos anos. Dadas as caraterísticas do tecido empresarial português, maioritariamente constituído por Pequenas e Médias Empresas (PME’s) com hábitos de recurso a capitais alheios elevados e dada a atual conjuntura, torna-se cada vez mais premente compreender a questão, a razão/motivação e que tipo de práticas são utilizadas para tornar as contas de uma entidade mais atrativas para os vários stakeholders dessa mesma entidade. Com a entrada do SNC em vigor, questiona-se o esforço realizado pelos organismos de normalização contabilística, nacionais e internacionais, na realização de um conjunto de normas que proporcionem uma imagem verdadeira e apropriada, da posição financeira e dos resultados da empresa, no que diz respeito à diminuição da manipulação contabilística.

A maior parte da literatura internacional existente sobre o tema da Contabilidade Criativa aponta como principais determinantes para a sua ocorrência, a visibilidade política da empresa, os contratos de remuneração dos gestores estabelecidos pelas Demonstrações Financeiras (DF’s) e as cláusulas restritivas dos contratos de endividamento (Mendes e Rodrigues, 2007). No entanto, numa análise mais específica ao contexto económico e legal português verifica-se que existe: uma forte relação de proximidade entre o Órgão de Gestão (Estrutura de Propriedade) e a Gestão da Empresa, levando a que na maioria das empresas a sua gestão esteja a cargo dos seus proprietários, logo não se verificamproblemas de agência; forte recurso das empresas ao endividamento bancário, não ficando por isso dependentes de cláusulas restritivas de contratos de endividamento; um forte alinhamento entre a contabilidade e a fiscalidade (Moreira, 2006).Face à realidade patente no território nacional, as motivações para a Manipulação de Resultados serão claramente diferentes, no entanto, maioritariamente passarão por manipular numa ótica de redução do imposto sobre o rendimento a pagar ao Estado ou manipular as DF’s num cenário de otimização dos resultados de forma a aceder a financiamento bancário para reforçar a sua tesouraria/necessidades de investimento.

O presente estudotem como finalidade demonstrar de que forma a Manipulação de Resultados influencia a realidade contabilística, identificar as principais práticas e determinantes da contabilidade criativa, observar os impactos da introdução do SNC vs gestão de resultados, assim comoestudar a Análise Económica e Financeira efetuada pelas entidades externas a determinada empresa,através da análise de casos reais de PME’s portuguesas que elaboram as suas DF’s com a finalidade de apresentar uma realidade mais atrativa para os mais diversos stakeholders. A Manipulação de Resultados vai ser sempre um tema de investigação, dado que a sua resolução definitiva é muito difícil de alcançar pois, face às políticas contabilísticas previstas no SNC, diferentes critérios de mensuração, estimativas, entre outros, ficará sempre a cargo do Órgão de Gestão a tomada de decisão (sob a ótica que mais lhe favorece) sobre como as suas DF’s serão elaboradas.

 

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A Manipulação de Resultados– conceito e características A Contabilidade, enquanto ciência, obriga ao registo de todos os fatos patrimoniais de acordo com o normativo contabilístico em vigor, deve apresentar uma imagem verdadeira e adequada, deve garantir a relevância de todos os fatos patrimoniais, a fiabilidade dos seus valores qualitativos e quantitativos, assim como deve assegurar a comparabilidade no tempo e no espaço da informação apresentada.

O conceito de Contabilidade Criativa/Manipulação de Resultados tem origem anglo-saxônica, tendo sido alvo de vários estudos empíricos na comunidade académica internacional, principalmente no Reino Unido. A Manipulação de Resultados1é um tema que tem originado grande debate dentro e fora da comunidade académica. Importa referir que existem diversas definições e sentidos na literatura para a manipulação de resultados. Após consulta da variada literacia existente sobre o tema, constata-se que as conclusões obtidas são divergentes nos diferentes estudos empíricos.

Atendendo a Amat e Blake (1996:11), “a contabilidade criativa é o processo mediante o qual se utilizam normas contabilísticas para manipular os valores incluídos nas demonstrações financeiras que divulgam”. Por sua vez, Naserelucida que a Contabilidade Criativa é o desfecho da modificação dos valores contabilísticos daquilo que realmente são para aquilo que se ambiciona (Naser, 1993). Assim, os intervenientes responsáveis pela preparação da informação financeira aproveitam-se das facilidades que as normas contabilísticas proporcionam.

Não obstante, já Guimarães (2000:12) referia “Na verdade, a Contabilidade Criativa deverá ser usada em respeito pelos princípios e normas contabilísticas, completando-os com o objetivo de melhorar a informação, ou seja, deve pugnar pela ‘imagem verdadeira e apropriada’ da entidade, de forma a ser útil aos destinatários das demonstrações contabilísticas.” Ora, se a contabilidade criativa for usada com o intuito de transparecer uma realidade mais adequada da empresa, cumprindo sempre com a legalidade contabilística, trata-se de um eficaz instrumento de gestão, atendendo a que necessidades se pretende responder (utentes internos ou externos).Posto isto, a Contabilidade Criativa não deve ser associada a práticas contabilísticas irregulares, nem conduzir à conversão da informação contabilística em algo enganoso e inútil para os seus utilizadores (Shahet al., 2011).

A manipulação de resultados é utilizada por um grande número de empresas conforme os seus interesses, isto é, se o objetivo é espelhar uma imagem fiscal ou uma imagem societária/acionista desejada para as empresas. Assim, aproveitando a subjetividade, variadas opções de escolha, vazios jurídicos, a Manipulação de Resultados permite apresentar as DF’scom a imagem desejada, que muitas vezes não é a imagem verdadeira e apropriada - será um meio para um fim.                                                             1Ao longo do presente trabalho serão utilizados os termos manipulação de resultados, contabilidade criativa, earnings management, gestão de resultados, entre outros, todos mencionados de forma indistinta. 

 

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É relevante também reforçar que uma pequena empresa não terá tantos motivos para recorrer à contabilidade criativa como uma empresa de grande dimensão, dado que estas têm instrumentos de gestão bem mais limitados. Por exemplo, as grandes empresas apresentam uma maior probabilidade de apresentar nas suas demonstrações financeiras sinais de manipulação de resultados como o goodwill de grandes ativos que lhes permite obter ganhos através de depreciação de bens ou mudança de taxas de depreciação (Latifet al., 2011). Não obstante, atendendo ao contexto económico e legal de cada país, as propensões para recorrer à gestão dos resultados também mudam.

Dentro da pesquisa efetuada, verifica-se que a manipulação de resultados constitui um dosaspetos que tem atraído significativa atenção por parte da literatura contabilística, sendo que Eckel (1981) sugeriu um modelo onde poderão existir diferentes tipos de alisamento de resultados, ou seja: Alisamento Natural e Alisamento Intencional.

De acordo com Mendes e Rodrigues (2006:146): “O alisamento natural resulta do processo de geração dos resultados, o qual produz inerentemente uma tendência de resultados alisada. Em contraste, o alisamento intencional traduz uma vontade do gestor em empreender certas ações com a finalidade de obter um resultado alisado”. Para se conseguir obter um alisamento intencional tem que se ter em conta duas variáveis: contabilísticas (resulta num alisamento artificial concebido através da seleção de procedimentos contabilísticos) ou reais (resultam num alisamento real/económico, alcançado através do controlo de transações económicas).

Esquematicamente, pode-se analisar estas diferenças através do modelo criado por Eckel (1981), como mostra a Figura 1:

Figura 1: Alisamento de Resultados

Alisamento Natural

Processo de geração de

resultados que produz

inerentemente resultados

Fluxo de Alisamento de Resultados

Manipulações Contabilísticas

efectuadas pelos gestores

IntencionalÉ alisado pelo Gestor

Alisamento Real

Acções tomadas pelos Gestores

para controlarem os eventos

económicos

Alisamento Artificial

Fonte: Adaptado de Eckel (1981)

Outros autores discutiram este tema adicionando novas ideias, isto é, além da identificação de comportamentos de alisamento de resultados, é importante perceber que tipos de empresas desenvolvem tais práticas. Assim, alguns autores como Lev e Kunitzky (1974); Amihudet al. (1983); Chalayer (1994), Wang e Williams (1994);

 

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Michelsonet al. (1995); Iñiguez e Poveda (2004), referidos por Mendes & Rodrigues (2006) conseguiram provas empíricas para confirmar que a gestão de uma empresa contribui para a manipulação de resultados e dos resultados líquidos quando esta consegue antecipar determinado risco percecionado que prefere não assumir, assim como contribui para a valorização da empresa. Importa ainda referir a diferença entre práticas contabilísticas de contabilidade criativa que respeitam o normativo e a legislação e, aquelas que resultam em fraude2. Não é objetivo do presente estudo abordar as práticas fraudulentas. É sim objetivo, abordar de que forma as empresas portuguesas utilizam o atual normativo contabilístico, dentro da legalidade, para obter os resultados desejados. Incentivos à Manipulação de Resultados – Caso de Portugal De uma forma geral, a Manipulação de Resultados acontece devido à existência de assimetria na informação entre os vários utilizadores das DF’s, assim como devido ao facto do normativo contabilístico em vigor permitir várias interpretações, de acordo com os interesses de quem a utiliza, sempre dentro da legalidade. Pode-se indicar que provavelmente a principal razão para a ocorrência de Contabilidade Criativa prende-se com a intenção de modificar, alterar e distorcer a informação contabilística, nomeadamente o valor da empresa. De acordo com Mayoral (2000), os objetivos da contabilidade criativa subdividem-se em três grandes grupos, cada um deles com incentivos específicos para cada empresa:

Melhorar a imagem apresentada; Estabilizar a imagem da empresa ao longo do tempo: Debilitar a imagem da empresa.

O tecido empresarial português é constituído maioritariamente por PME’s (superior a 99%). Os motivos que normalmente levam a recorrer à manipulação de resultados por parte das grandes empresas é, por vezes bastante distinto dos motivos que influenciam as PME’s. De acordo com o estudo elaborado por Mendes e Rodrigues (2006), sobre as práticas de earnings management nas empresas portuguesas cotadas em bolsa, o mesmo conclui que, as empresas nacionais cotadas em bolsa recorrem à manipulação de resultados ativamente, tal como acontece com outras empresas internacionais. Desta forma, aproveitam a flexibilidade existente no normativo contabilístico em vigor, selecionando, dentro da legalidade, as políticas contabilísticas que favorecem o resultado a apresentar.Mendes e Rodrigues (2006) concluem que se verifica:

                                                            2A ISA 240 define a fraude como “um ato intencional, praticado por uma ou mais pessoas, com intenção deliberada de obter uma vantagem ilegal, que resulta numa representação indevida nas DFs”. 

 

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Uma maior tendência para recorrer à contabilidade criativa em empresas com propriedade diversificada e que operam em setores como o comércio e a indústria;

Empresas que optam por práticas de alisamento de resultados, normalmente tendem a pagar em média juros mais elevados, do que as empresas que não recorrem a tais práticas, verificando-se que a probabilidade de falência e o nível de endividamento dos dois grupos não é muito diferente. Regista-se uma maior atenção por parte dos credores para esta questão;

Não foi permitido concluir sobre a existência de relações entre a manipulação de resultados e o risco, valor de mercado, visibilidade política e a rendibilidade da empresa, face à reduzida amostra e horizonte temporal limitado.

Relativamente às PME’sportuguesas, deve-se ter em consideração o ambiente empresarial e as principais caraterísticas destas empresas. Asevidências empíricas chegam sempre à mesma conclusão: num contexto em que a contabilidade e a fiscalidade estão extremamente aglutinadas, as principais motivações são essencialmente duas: 1) a minimização do pagamento do imposto sobre o rendimento; 2) o acesso ao financiamento (bancário, por norma) em condiçõesatrativas (Marques et al, 2011).

Práticas Contabilísticas Criativas A evidência da manipulação de resultados encontra-se espelhada nas DF’s, as quais são alvo de uma gestão de resultados, visando objetivos diferentes, dependendo dos determinantes internos e externos utilizados para empregar tais práticas.Um dos problemas com o Normativo Contabilístico em qualquer país no mundo passa pela existência de uma grande margem para se efetuar práticas de contabilidade criativa. Esta manipulação não relata assim, de forma verdadeira e apropriada a realidade de determinada empresa.Salas et al. (2004) resumem as principais práticas contabilísticas criativas e as suas consequências na Figura 2.

Figura 2: Práticas Contabilísticas Criativas e os seus Efeitos

Variação na interpretação da situação económica-financeira da empresa

Variação no Valor da Empresa

Variação do Resultado

Manipulação do Relatório da

Administração ou do Parecer dos Auditores

Variação de Activos e Passivos

Aumento ou Dedução de Receita ou Despesas

Aumento ou Redução de Activos ou Passivos

Reclassificação de Activos ou

Passivos

Fonte:Adaptado de Salas et al. (2004)

As práticas contabilísticas criativas são variadas e, todas afetam a estrutura da empresa, quer pela via do desempenho, quer pela via patrimonial, sendo que estas

 

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acabam por influenciar de forma relevante a interpretação da situação económico-financeira da empresa, dado que os dados não correspondem à realidade da entidade. Técnicas Para Deteção de Práticas Contabilísticas Criativas Salas (2013) descreveum conjunto de exemplos onde se verificam técnicas contabilísticas criativas, as quais se podem analisar no seguinte Quadro:

Quadro 1:Algumas Técnicas de Práticas Contabilísticas Criativas

Deterioração de Activos Intangíveis;Deterioração de Activos Tangíveis;Deterioração de Propriedades de Investimento;Deterioração de Existências;Deterioração de Operações Comerciais;Deterioração de Investimentos Financeiros;Deterioração de Créditos a Longo Prazo;Deterioração de Créditos a Curto Prazo;Amortização de Activos Intangíveis;Depreciação de Activos Tangíveis;Depreciação de Propriedades de Investimento;Reestruturações Empresariais;Prejuizos Fiscais e Beneficios Associados

Investigação & Desenvolvimento;Conservação e Reparação;Manutenção;Publicidade;Diferenças de Câmbio

FIFO, Custo Médio ponderado;Quantificação do custo de produção, alocando mais ou menos custos indirectos de fabricação;Classificar Inventários de longo ciclo como Activos Tangíveis

Activos;Passivos;Réditos;Gastos;Amortizações / DepreciaçõesProvisões / Imparidades

Custos antecipados;Proveitos diferidos.

Não fornecer informações sobre as empresas subsidiárias / participadas com a justificação de que se trata de informação

altamente estratégica ou por outros motivos

Ajustamentos por erros de exercicios anteriores

Alienação da Activo Fixo Tangível

Considerar como Gasto ou como Activo

Contabilizar como Custo as Reservas em vez de Contabilizar na conta de Resultados

Alteração dos critérios de Reconhecimento ou Valorização das Existências

Contabilizar transacções efectuando estimativas optimistas ou pessimistas sobre

o futuro

Gerar Resultados Extraordinários, com a finalidade de melhorar o desempenho da

empresa e vice-versa

Reconhecimento antecipado de Réditos ou Diferimento da Contabilização dos Custos

Prática Contabilística Criativa Exemplos de Práticas

Aumentar ou Reduzir Gastos

Fonte: Elaboração própria, adaptado de Salas (2013)

Mencionando Salas (2013), existem determinados procedimentos preparatórios a tomar em consideração para se detetar práticas contabilísticas criativas: Analisar as políticas contabilísticas adotadas; Avaliar a qualidade do Relatório de Auditoria/Certificação Legal de Contas; Detetar as operações de ajustamento por correção de erros relacionados com

exercícios anteriores;

 

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Analisar a evolução dos prazos médios de recebimento, pagamento e existências assim, como a análise das transações entre empresas do grupo (participadas);

Analisar e avaliar as situações apontadas pelos Auditores/Revisores da empresa;

Verificar a existência de autorizações especiais de organismos supervisores para determinada transação,

A Influência da Manipulação de Resultados na Análise Financeira Apoiando a ideia de Nabais e Nabais (2011), a análise económica e financeira é a responsável: Pelo estudo da situação económica e da estrutura financeira e outras

informações sobre a atividade, competitividade e estratégia da empresa; Pelo julgamento crítico da função financeira, ou seja, avaliar o valor de uma

entidade numa análise histórica mas também previsional. Isto implica que o analista financeiro compreenda o normativo contabilístico em vigor, os procedimentos que sustentam as DF’s e os ajustamentos apropriados que o analista deve executar com a finalidade de assegurar a qualidade da informação obtida. Posteriormente, o analista financeiro efetua uma análise de risco e da rendibilidade da empresa, recorrendo a várias técnicas, de forma a compreender o valor da empresa e o seu risco.

Tanto o SNC como as Normas Internacionais de Contabilidade,visam responder às necessidades de relato financeiro. Brás (2010) defende que, no caso do mercado de capitais e das normas internacionais, é importante existir um bom nível de relato financeiro de forma a influenciar positivamente a comunicação entre entidades e potenciais investidores. No entanto, verificam-se alguns entraves de informação e incentivos por parte dos gestores para inflacionar o valor das suas ideias, pelo que os investidores acabam por recorrer a um analista financeiro. Em SNC, a realidade é direcionada para as Instituições de Crédito (IC’s), como os Bancos, dado que são o principal parceiro financeiro da maioria das empresas em Portugal.

Desta forma, a finalidade das DF’sé a de apresentar informação útil a uma vasta gama de utentes na tomada de decisões económicas (EC, SNC, 2010). Contabilisticamente, e tendo em conta o §2 do Anexo ao SNC, asDF’s devem apresentar apropriadamente a posição financeira, o desempenho financeiro e os fluxos de caixa de uma entidade. No entanto, face ao que Neves (1996) defende, as DF’s não respondem completamente às exigências da análise financeira pois, a contabilidade elabora as DF’s no âmbito do regime do acréscimo, sendo que os fluxos de caixa são o aspeto mais importante na ótica financeira. Para calcular o resultado de uma entidade, os efeitos das transações económicas são contabilizados com base no que se espera e não no atualmenterecebido e pago. Daqui depreende-se que a subjetividade do normativo contabilístico pode influenciar a análise financeira, tornando-se vital para o gestor saber identificar possíveis distorções. Outra situação pertinente encontra-se

 

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relacionada com a certificação Legal de Contas (CLC)pois, ao contrário do que poderia acontecer em prol dos interesses dos utilizadores da informação externa, este documento apenas valida o grau de cumprimento das NCRF aplicadas. Desta forma, o analista financeiro deve ser capaz de averiguar se as DF’s em análise revelam potencial criação de valor para acionistas e potenciais investidores, deve averiguar se não existem conflitos de agência (normalmente ocorre em empresas onde a estrutura de propriedade e a gestão não pertencem à mesma pessoa), de forma a detetar situações de contabilidade criativa.

Um dos elementos contabilísticos mais importantes é o Anexo3pois, face aos três níveis de normalização existentes4, outilizador externo da informação tem que compreender que tipo de trabalho vai efetuar de acordo com o referencial contabilístico adotado. Já Guimarães (2010) afirmava num dos seus variados trabalhos, que um bom “contabilista” vê-se na qualidade do Anexo. Do ponto de vista da análise financeira, os analistas financeiros devem distinguir a definição de políticas contabilísticas pelos gestores de uma mera manipulação de resultados, dado que o lucro constitui, por exemplo, uma medida de avaliação do desempenho dos gestores, ou seja, é um incentivo para os gestores usarem as normas contabilísticas de forma discricionária.

Com o SNC, pode-se obter melhor e mais informação, a contabilidade facilita o trabalho de quem efetua uma análise económico-financeira. Não obstante os problemas passados, relacionados com matérias de manipulação de resultados transitem para o SNC, existem situações que podem ser minimizadas, no entanto, depende de como as entidades aplicam o SNC. As NCRF estão preparadas para aumentar a qualidade das DF’s e, por isso, aumentar a sua utilidade para a tomada de decisão pelos seus utilizadores (Brás, 2010). Estudo de Casos - A Influência da Manipulação de Resultados na Análise Económica e Financeira das PME’sPortuguesas no sector têxtil Foram selecionadas algumas empresas do tecido empresarial português com o intuito de demonstrar situações em que a manipulação de resultados está patente nas contas da empresa e de que forma a mesma influencia os principais indicadores de desempenho económico e financeiro.

Quadro 2:Caraterização da Amostra de Empresas

                                                            3Descreve, entre outros, as principais políticas contabilísticas adotadas pela empresa. 4As sociedades cotadas em mercados regulamentados seguem as normas internacionais de contabilidade, as demais seguirão o SNC (NCRF ou; NCRF-PE), salvo as disposições previstas de exclusão a este sistema genérico. 

 

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# Não reconhecimento de perdas de empresas subsidárias;# Não constiotuição de Perdas por Imparidade da rubrica Outras Contas a Receber

# Goodwill e o teste de Imparidade

# Não contabilização de financiamentos sob a forma de desconto de remessas na rubrica Financiamentos Obtidos

# Resultados positivos por via da contabilização de Outros Rendimentos não operacionais

FAÇANHAS, Lda.

CAMINHOS, SA

Sociedade por Quotas

Sociedade Anónima

Empresa Prática Contabilística a Analisar

ABC, Têxteis, Lda.

AEIOU, Lda.

ESTRELA, Lda. # Contabilização de garantias de empréstimos como Prémios de Emissão na classe de CAPP

Denominação Jurídica

Sociedade por Quotas

Sociedade por Quotas

Sociedade por Quotas

Fonte: Elaboração Própria com base na Amostra Recolhida

Empresa ABC Têxteis Lda. Os movimentos que colocam dúvidas sobre a realidade da empresa ABC Têxteis Lda. estão relacionados com a contabilização:

Investimentos Financeiros e Empréstimos concedidos; Outras Contas a Receber e Reconhecimento de Perdas por Imparidade.

Resumidamente, a ABC Têxteis participa no capital de três empresas (subsidiárias), tendo concedido a cada empresa um empréstimo. Os investimentos financeiros em subsidiárias e associadas são registados pelo método de equivalência patrimonial (MEP), sendo as participações inicialmente contabilizadas pelo custo de aquisição, o qual foi acrescido ou reduzido proporcionalmente à participação nos capitais próprios dessas empresas, reportado à data de aquisição ou da primeira aplicação do MEP.

Tal como indica o normativo, devem ser reconhecidos os ganhos e as perdas associadas às subsidiárias. Neste caso, estas empresas têm vindo a gerar prejuízos, pelo que torna necessário reconhecer essa perda. No entanto, no exercício de 2012, a ABC Têxteis decidiu suspender o reconhecimento de perdas alegando que excediam o investimento do investidor em ações ordinárias. Não obstante, quando existem empréstimos concedidos associados a uma grande probabilidade de não serem recuperados, a empresa deve reconhecer perdas em subsidiárias. Importa referir que a empresa ABC Têxteis encontra-se dispensada de elaborar consolidação de contas uma vez que, face ao DL 158/2009, não é materialmente relevante para a realização do objeto as DF’s darem uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira da empresa.

O Revisor Oficial de Contas (ROC) apontou em 2012, reservas e ênfase e alertou para a necessidade de se efetuar um ajustamento das perdas em subsidiárias assim como a constituição de perdas por imparidade de outras contas a receber.Esta situação deturpa a realidade da situação financeira da empresa pois, tal como o ROC indica, o Ativo e o CAPP da empresa encontram-se sobreavaliados. Após esta breve análise dos indicadores, tendo em consideraçãoo que deve ser ajustado para obter uma realidade mais objetiva da verdadeira situação da empresa: de acordo com a Reserva mencionada na CLC 2012, a empresa deveria ter procedido

 

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a determinados ajustamentos: constituição de perdas por imparidades no valor de 1,8M€. e reconhecimento de perdas em subsidiárias no valor de € 850m., o que faz com que o Capital Próprio e o Ativo da empresa estejam sobreavaliados, mostrando assim um cenário mais desejável para empresa, investidores, credores, entre outros.

Se fossem ajustados os valores mencionados no parágrafo anterior em 2012, a empresa passava para uma situação de falência técnica, dado que o CAPP seria negativo, ao contrário do que está a reportar, uma situação de CAPP sólida. Esta situação altera todos os indicadores da empresa, pelo que deve-se ter em consideração que, efetuando estes ajustamentos, a empresa encontra-se numa situação difícil, com pouca capacidade financeira para fazer face aos seus compromissos, quer no curto, médio ou longo prazo. Se confrontarmos estas situações com o Normativo Contabilístico, temos:

a) Relativamente aos Investimentos Financeiros - tendo em conta a Nota de Enquadramento à conta 41 – Investimentos Financeiros (SNC, 2010: 32), sendo que as participações em subsidiárias são contabilizadas nas contas individuais através da regra do método da equivalência patrimonial (MEP). Esta nota menciona que “As perdasintragrupo podem indicar uma imparidade que exija reconhecimento nas DF’s consolidadas”. De acordo com o MEP, a quantia escriturada das participações financeiras é ajustada anualmente pelo valor correspondente à participação nos resultados líquidos das subsidiárias e associadas por contrapartida de ganhos ou perdas do período. À luz do normativo, §49, NCRF 13, se a parte de um investidor nas perdas de uma associada igualar ou exceder o seu interesse na associada, o investidor descontinua o reconhecimento da sua parte de perdas adicionais. Este parágrafo menciona que aqui podem estar incluídos empréstimos a longo prazo, ações preferenciais ou outras contas a receber, o que neste caso, levou a empresa ABC Têxteis a optar por não reconhecer estas perdas adicionais. No entanto, o § 50, da NCRF 13 indica que “Depois de o interesse do investidor ser reduzido a zero, as perdas adicionais são tidas em conta mediante o reconhecido de um passivo, só na medida em que o investidor tenha incorrido em obrigações legais ou construtivas ou tenha feito pagamento a favor da associada”. Por aqui também se depreende que só no futuro, quando a associada relatar lucros, é que a empresa investidora retoma o reconhecimento de tais perdas. Mas, se a entidade aplica o MEP de acordo com o § 49, é necessário determinar se existem perdas por imparidade adicionais (§51, NCRF 13), o que não aconteceu. Ou seja, a empresa baseou-se estritamente no §49 da NCRF 13 pois, assim a realidade financeira da ABC Têxteis não se deteriorou.Deve-se ainda notar que a NCRF 21 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes indicam que o investidor deverá divulgar os passivos contingentes que surjam pelo fato de o investidor ser solidariamente responsável pela totalidade ou parte dos passivos da associada.

b) No que concerne à questão da Imparidade de Ativos - Uma vez que a questão

levantada pelo ROC da empresa não se enquadra no âmbito de exceção

 

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definido da NCRF 12, §2, atendendo à noção de Perda por Imparidade definida no §3, NCRF 12 (é a quantia pela qual o valor escriturado de um ativo excede a sua quantia recuperável5), dado que em cada data de relato, deve-se avalisar se há qualquer indicação de que um ativo possa estar com imparidade, através da estimação da quantia recuperável de determinado ativo, pode-se concluir que a empresa ABC Têxteis decidiu não reconhecer perdas por imparidade na rubrica outras contas a receber no montante de €1,8M., de acordo com o ROC da empresa pois, na ótica da empresa o valor apresentado nesta rubrica é totalmente recuperável. Uma vez que para este tipo de ativo, o normativo não estabelece obrigatoriedade anual em efetuar um teste de imparidade, torna-se realmente mais difícil espelhar a realidade destes ativos. O §7 da NCRF 12 estabelece indicações que a empresa deve considerar para determinar se um ativo está em imparidade (fontes externas e fontes internas de informação), indicações que poderão ser consideradas um pouco subjetivas de aplicação.

Empresa AEIOU Lda. A AEIOU Lda. recorre a financiamentos bancários para apoio à sua atividadecorrente sob a modalidade de desconto documentário de remessas de exportação6. Trata-se de um financiamento de Curto Prazo (CP), que por norma pode ir até aos 180 dias.

A grande questão prende-se com a sua contabilização ou ausência desta em financiamentos obtidos. Como se trata no fundo de uma antecipação dos recebimentos por parte dos clientes, a empresa opta por efetuar o movimento diretamente pelo débito da remessa por contrapartida de crédito na conta do cliente, com regularização após liquidação da remessa. No entanto, estes financiamentos que ainda são expressivos (em 31.12.2012 representavam2 487,7m€na CRC BdP) não constam como Passivo na empresa, quando deveriam estar de forma a espelhar a realidade objetiva da empresa.Mas, como se trata de dívida comercial, a mesma também pode ser vista pelos seus credores como dívida não estruturada, não devendo a mesma ser considerada quando se calculam rácios de endividamento.

A empresa AEIOU Lda. certifica as suas contas, sendo que a CLC 2012 foi emitida sem qualquer reserva ou ênfase.

Na ótica de análise de risco de crédito efetuada por uma Instituição de Crédito (IC) àempresa AEIOU Lda., a instituição (por norma) não irá considerar as operações de desconto de remessas à exportação para efeitos de cálculo do payback7da dívida contratada, ou seja, por norma as IC’s excluem a dívida comercial no cálculo deste indicador (ou seja, Dívida total – Desconto Comercial/ Meios Líquidos Libertos8), o que

                                                            5Maior valor entre o justo valor menos os custos de vender e; o Valor de uso. 6Antecipação de receitas de exportação. 7O n.º de anos que a empresa irá demorar a amortizar a sua dívida com base nos MLL’s gerados.  8MLL’s  =  RLP + Gastos de Depreciações/Amortizações + Imparidade de investimentos depreciáveis/amortizáveis (perdas/reversões) + Imparidades de inventários (perdas/reversões) +  

 

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numa ótica mais objetiva não deveria acontecer pois, trata-se de dívida efetiva reportado ao Banco de Portugal. Assim, na ótica do Banco, o payback associado à AEIOU em 2012 será de 2,44 anos, apresentando-se assim como um indicador bastante positivo, evidenciando um recurso à dívida estruturada bastante controlado. No entanto, se considerarmos a globalidade da dívida o indicador passa para 9,1 anos, passando assim a empresa para uma situação de endividamento elevado.Se estes financiamentos fossem contabilizados em financiamentos obtidos, a realidade da empresa seria com certeza bem diferente, como por exemplo a estrutura de CAPP (rácio de AF), rácios de endividamento elevados, entre outros.

Não obstante tratar-se de dívida comercial, tratam-se de financiamentos obtidos junto da banca, reportados ao Banco de Portugal, pelo que vai existir sempre risco associado aos mesmos.Trata-se de uma situação de gestão de resultados, ocultando nas DF’s da empresa a dívida total da empresa.

Se confrontarmos com o Normativo Contabilístico, o tema dos financiamentos obtidos encontra-se contemplado em pelo menos duas normas: NCRF 27 – Instrumentos Financeiros e NCRF 9 – Locações (não aplicável na análise deste caso).

A contabilização das dívidas de clientes que se encontram representadas por letras ou outros títulos de crédito (como o caso das remessas de exportação) são registadasna conta 212 – Clientes – Títulos a Receber, a qual inclui as dívidas de clientes que estejam representadas por títulos ainda não vencidos. O saque de letras e outros títulos por motivo de vendas deverá ser registado a débito na conta em epígrafe, por crédito da conta 211 – Clientes c/c. Aquando do pagamento ou amortização da letra, será creditada a conta 211 e, simultaneamente, eliminado a movimentação anteriormente descrita.

Se a empresa AEIOU optar por efetuar o desconto do título, contabilisticamente, o SNC indica que tem que ser efetuado um movimento a crédito na rubrica 251 – Financiamentos Obtidos – IC’s e Sociedades Financeiras pela totalidade do valor que implica descontar um título. Ao não efectuar este movimento das remessas de exportação, a empresas está a proceder de acordo com a prática comum aquando a vigência do POC. É contabilisticamente aceitável, no entanto, numa óticaobjetiva e mais realista da empresa, não reflecte, contudo, a verdadeira essência da situação financeira da mesma.

Empresa Estrela Lda.

                                                                                                                                                                              Imparidades de dívidas a receber (perdas/reversões) + Provisões (aumentos/reduções) - Aumentos/Reduções de justo valor 

 

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A empresa Estrela Lda. contabilizou aplicações financeiras constituídas a título particular, isto é, em nome dos sócios, como garantia de financiamentos obtidos em nome da empresa (cerca de 40% da dívida global), na rubrica Prémios de Emissão não apresentando a respetiva contra partida na rubrica do Ativo. Este movimento influencia positivamente a estrutura dos Capitais Próprios da empresa. Será analisado para se verificar até que ponto se pode considerar um movimento que reflete a realidade ou não da entidade. Com a realização de prémios de emissão, a dívida financeira foi reduzida aproximadamente nesta proporção, sendo que tal movimento não se refletiu no Ativo da empresa, demonstrando assim que o Ativo desta empresa se encontra subavaliado, assim como indicadores como a taxa de endividamento que de 29% passou para 2,75% em 2012, o que na teoria indica um maior grau de autonomia perante os credores.

Analisando a informação obtida, os prémios de emissão registados na classe de capital respeitam a Aplicações Financeiras constituídas a título particular (em nome dos sócios da empresa), as quais se encontram penhoradas como garantias adicionais de financiamentos contraídos pela empresa junto da Banca, as quais colaterizam cerca de 40% da dívida. Face à prévia observaçãoefetuada, deve ter-se em linha de conta que os indicadores/rácios estarão subavaliados/inflacionados face à contabilização efetuada para reduzir a dívida contabilística e aumentar a estrutura de CAPP, revelando assim uma situação de contabilidade criativa.

Em suma, a PME utilizou o normativo a seu favor para tornar a empresa mais atrativa perante os seus credores, situação que não deverá ser alheia ao analista que efetua a análise de risco de crédito desta entidade. Se confrontarmos com o Normativo Contabilístico, a realização de Prémios de Emissão compreende as quantias de realização de prémios de emissão de instrumentos de capital próprio da empresa9, os quais se encontram tratados contabilisticamente no âmbito da NCRF 27 – Instrumentos Financeiros.

Atendendo à definição patente no §5 da NCRF 27, um Instrumento Financeiro “é um contrato que dá origem a um ativo financeiro numa entidade e a um passivo financeiro ou instrumento de capital próprio noutra entidade”, sendo que “uma entidade deve reconhecer um ativo financeiro, um passivo financeiro ou um instrumento de capital próprio apenas quando a entidade se torne uma parte das disposições contratuais do instrumento” (§6, NCRF 27, SNC). Ora, isto significa, que a empresa apenas deve realizar o prémio de emissão, quando formalizar um contrato associado, que neste caso foi a formalização do Contrato de Penhor sobre aplicações financeiras numa IC em nome dos sócios da empresa como garantia de financiamentos obtidos da empresa: “uma entidade deve reconhecer instrumentos de capital próprio quando a entidade emite tais instrumentos e os subscritores fiquem obrigados a pagar dinheiro

                                                            9Respeita a qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos ativos de uma entidade após dedução de todos os seus passivos. 

 

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ou entregar qualquer outro recurso em troca dos referidos instrumentos de capital próprio”. No entanto, se acatarmos à NCRF-PE, § 17.22:“Quando uma entidade tenha dado em garantia ou penhor ativos como colateral de passivos ou passivos contingentes, deverá divulgar: a quantia escriturada dos ativos financeiros dados em garantia, em penhor ou promessa de penhor como colateral; e os termos e condições relativos à garantia, penhor ou promessa de penhor”.

Perante esta informação, pode-se concluir que existe legitimidade para o movimento efetuado, no entanto não se deve descurar o facto que quando a obrigação terminar (financiamento obtido), o instrumento de capital próprio também cessa, mostrando assim que a atual estrutura de CAPP deve ser analisada com bastante atenção pois, encontra-se sobreavaliada.Assinale-se que a empresa não efetuou a devida divulgação no que concerne ao termo e condições do penhor de aplicação. Empresa Façanhas Lda. A empresa Façanhas apresenta Resultados Líquidos positivos em 2012, por via da contabilização expressiva de Outros Rendimentos no valor de 191 m€ os quais foram discriminados no Anexo 2012 como “Outros rendimentos não especificados”.Esta situação impacta na realidade operacional a empresa, devendo o utilizador externo ter em atenção como seria a realidade da empresa expurgando o valor obtido através de outros rendimentos, que por norma nada tem a ver com a atividadecore da empresa. A empresa apresenta forte quebra do VN (cerca de 53% no período em estudo), no entanto com ligeira melhoria da MB, registando no entanto, elevados custos de estrutura, apresentando um desempenho económico negativo em 2012 (detioração da rotação do fundo de maneio em 2012), embora com resultados positivos por via de Outros Rendimentos já referidos, que aparentam ser resultados não operacionais, ou seja, que não tem a ver com a atividade principal da empresa.

Como não aparentam ser rendimentos que ocorram todos os anos, a análise desta entidade deve ter em conta este fator, devendo para tal ser realizado o devido ajustamento nos resultados da empresa, o que poderá levar a empresa a uma situação de desempenho operacional negativo. Trata-se de mais um exemplo de gestão de resultados, com o objetivo de apresentar lucros no final do período económico.

Se confrontarmos com o Normativo Contabilístico, a empresa Façanhas respeita contabilisticamente o normativo dado que a rubrica outros rendimentos respeita a ganhos não operacionais gerados pela entidade naquele período.

De acordo com os §§ 72-75, da EC do SNC, a definição de rendimentos engloba dois conceitos: Réditos: “Provêm do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) de uma

entidade sendo referidos por uma variedade de nomes diferentes como as vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e rendas”.

 

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Ganhos: “representam outros itens que satisfaçam a definição de rendimentos e podem, ou não, provir do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade. Os ganhos representam aumentos em benefícios económicos e como tal não são de natureza diferente do rédito.” A título de exemplo, são ganhos os que derivam da alienação de ativos não correntes.

A rubrica 78 - Outros Rendimentos e Ganhos contempla os seguintes benefícios: rendimentos suplementares; desconto de pronto pagamento obtidos; recuperação de dívidas a receber; ganhos em inventários; rendimento e ganhos em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos; rendimentos e ganhos nos restantes ativos financeiros; rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros; outros. Assim, esta rubrica poderá englobar variadíssimas situações, o que muitas vezes leva a uma gestão de resultados por parte do Órgão de Gestão da Empresa.

Empresa Caminhos S.A. A incorporação da empresa Costuras Lda. na estrutura da empresa Caminhos S.A. em 2011, resultou num goodwill de 333 m€. A CLC 2012 foi emitida em conformidade, contemplando uma Reserva: “A rubrica Ativos Intangíveis releva o montante de 333 m€ a título de goodwill para o qual não obtivemos um adequado teste de imparidade” (§7, CLC 2012, R&C Empresa Caminhos S.A.). O goodwill não foi sujeito a um teste de imparidade anual, conforme estabelecido no normativo, de acordo com a NCRF 14.

O Ativo aumentou com o registo do goodwill proveniente da fusão com a empresa Costuras Lda., no entanto, mantendo-se dúvidas quanto ao cálculo do seu real valor face à ausência do teste de imparidade anual, o qual já falhou 2 anos consecutivos. Esta situação pode deturpar a verdadeira realidade da empresa, uma vez que se o goodwill desvalorizou, o Ativo da empresa encontra-se sobreavaliado.

Uma análise de risco de crédito à Caminhos S.A. deve contemplar alguns ajustamentos às contas desta entidade, nomeadamente: dívidas de sócios à empresa e possível diminuição do valor do goodwill. Com estes ajustamentos, a estrutura de CAPP é significativamente alterada, assim como a situação de equilíbrio financeiro, mostrando assim que esta entidade apresenta contas com o objetivo de demonstrar solidez financeira perante credores/investidores.

Se confrontarmos com o Normativo Contabilístico, o goodwill “corresponde a benefícios económicos futuros resultantes de ativos que não são capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos” (§9, NCRF 14, SNC). O trespasse (também assim denominado) relacionado com uma empresa associada é incluído na quantia escriturada do investimento. Contudo, a amortização desse goodwill não é permitida e, não é portanto incluída na determinação da parte do investidor nos resultados da associada. Deverá ser testado anualmente para imparidade, de acordo com a NCRF 12, SNC (§33-35, NCRF 14, SNC). O teste de imparidade pode ser realizado em qualquer momento do exercício económico, desde que seja testado todos os anos na mesma altura.

 

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O trespassedevido à sua subjetividade,apresenta uma mensuração de difícil concretização (quer inicial, quer subsequente). Com a introdução das NCRF 12 e 14, verifica-se uma maior solicitação em termos de capacidade de decisão junto dos gestores na determinação da quantia e do momento do reconhecimento das perdas por imparidade do Goodwill, de forma a obter-se o valor mais fiável possível a incluir nas DF’s. Esta situação dá alguma liberdade aos gestores dado que, verifica-se um maior nível de subjetividade na avaliação deste Ativo, o que irá permitir ao gestor a possibilidade de manipular os seus resultados, tornando-se o Ativo Intangível mais complexo e problemático da contabilidade, altamente suscetível de manipulação. Conclusão Num mundo cada vez mais competitivo, o tema da Manipulação de Resultados reveste-se de extrema importância face à sua complexidade e magnitude crescentes, atendendo também ao nível de sofisticação patente nos sistemas financeiros das variadas entidades.

O presente estudo teve como objectivo final, expor alguns exemplos reais de PME’sdo sector têxtil português que apresentaram nas suas contas, práticas de manipulação de resultados, movimentos que, distorcem claramente a realidade financeira de uma empresa.

Após a realização deste estudo, conclui-se que o normativo contabilístico continua a ser bastante abrangente e não limitativo no que concerne à aplicação das normas contabilísticas, dado que mantém-se questões proeminentes relacionadas com princípios contabilísticos como o da materialidade e da prudência, existência de diversas opções nas normas para o tratamento de determinadas matérias contabilísticas, assim como o uso das estimativas e juízos de valor na contabilidade (vida útil dos bens, valor residual, entre outros). Estes são alguns exemplos que contribuem para o Gestor ou o Órgão de Gestão recorrer à manipulação de resultados em prol dos seus objetivos, para obter o resultado que deseja ver espelhado nas DF’s da sua empresa. Nesta vertente, é importante realçar a importância dos organismos legais que regulam o normativo contabilístico, de modo a continuar a melhorar o sistema de contabilidade no sentido de limitar as empresas a recorrerem a opções que não espelhema verdadeira essência da entidade.

O estudo concluiu também que qualquer análise económica financeira fica comprometida se não forem tomadas determinadas medidas por parte do utilizador externo dessa informação, o que pode levar a uma tomada de decisão errada. É evidente que qualquer análise deve ser acompanhada de informação qualitativa, não obstante, a importância da informação contabilística continua a apresentar um peso crucial no estudo do risco de crédito.Assim, qualquer análise económica e financeira não deve ser analisada estaticamente, ou seja, deve ser examinada numa ótica dinâmica, face às devidas correções/ajustamentos que têm que ser efetuados quando determinada rubrica apresenta valores que, no mínimo, levantam dúvidas e modificam na certa os grandes valores patrimoniais da empresa, assim como o desempenho de uma entidade num determinado período. As NCRF tendem a ser subjetivas, o que

 

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permite aos gestores das empresas, como já foi referido, optarem pela situação mais favorável à sua entidade, dependendo então de qual é o objetivo.

Embora se apresente uma amostra reduzida, a mesma teve como intuito demonstrar como as empresas portuguesas, nomeadamente as PME’s continuam a ter larga margem para utilizarem práticas contabilísticas que não se adequam tanto à realidade da empresa, no entanto que espelham a realidade que o Órgão de Gestão de determinada entidade quer. Conforme se pode analisar empiricamente, e ao contrário do que se passa a nível internacional em países com outro tipo de estrutura financeira, os grandes objetivos impulsionadores da manipulação de resultados em Portugal são essencialmente dois: manipular numa ótica fiscal, ou gerir resultados numa ótica de obtenção de financiamento bancário.

Para se contornar estas situações, cada vez mais se verifica uma aposta numa análise detalhada, a qual contempla reformulação de rácios e indicadores, de forma a expurgar valores que influenciam significativamente as contas da empresa. Os credores como IC’s estão cada vez mais sensibilizados para esta temática, pelo que será uma mais-valia no futuro da análise económica e financeira objetiva.

Face à realidade da gestão de resultados cada vez mais presente nas contas das PME’s portuguesas, a qual é e sempre foi de difícil deteção, será vital existir um enfoque cada vez maior no estudo de medidas de combate a estas técnicas, as quais devem passar por uma revisão do normativo contabilístico, como mencionado anteriormente, alargando o seu âmbito de atuação e aumentando a sua especificidade no tratamento das variadas matérias, assim, como adaptação constante dos rácios e indicadores económicos e financeiros utilizados em Portugal.

Outra limitação patente no tecido empresarial português é o facto de muitas empresas serem obrigadas a emitirem Certificação Legal de Contas (dado excederem os limites previstos no art.º 262.º do CSC) e, optarem por não o fazerem justificando o custo associado como principal razão. Nesta temática a Comissão de Normalização Contabilística (CNC) deveria reunir esforços para tentar combater esta fuga de informação pois, uma empresa com CLC espelha, supostamente uma imagem mais fiel e realista da sua situação patrimonial e financeira.

Apesar de o SNC trazer algumas mudanças bastante positivas, alargar o seu âmbito de atuação com a introdução de novas normas, trata-se de um normativo baseado em princípios e não em regras, o que vai permitir sempre um maior grau de liberdade para quem elabora as DF’s de determinada entidade.

Tal como já foi afirmado se a Contabilidade Criativa for usada com o intuito de transparecer uma realidade mais adequada da empresa, cumprindo sempre com a legalidade contabilística, poderá ser vista como um eficaz instrumento de gestão, atendendo a que necessidades pretende responder (utentes internos ou externos), não devendo a mesma, nesta ótica, ser associada a práticas contabilísticas irregulares, ou seja, conduzir à conversão da informação contabilística em algo enganoso e inútil para os seus utilizadores. Mas existe sempre o lado menos positivo e pouco transparente da prática de earnings management, pelo que cada caso deverá

 

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ser analisado individualmente e, se possível comparado com outras entidades do mesmo setor de atividade, de forma a averiguar eventuais incongruências.

Numa ótica de investigação futura, será importante abordar possíveis sugestões de melhoria no presente normativo contabilístico internacional e nacional para situações altamente suscetíveis de manipulação de resultados. Será difícil erradicar a criatividade dos gestores, no entanto, pode-se sempre melhorar vários aspetos contabilísticos, como por exemplo, questões relacionadas com o justo valor, imparidades e revalorizações.

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