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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO A Independência Orçamental das Entidades Reguladoras à Luz da Nova Lei-Quadro Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Financeiras Raúl Vaz Ramires Vieira da Silva Orientador: Professor Doutor Nuno Cunha Rodrigues 2017

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

A Independência Orçamental das Entidades Reguladoras

à Luz da Nova Lei-Quadro

Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Financeiras

Raúl Vaz Ramires Vieira da Silva

Orientador: Professor Doutor Nuno Cunha Rodrigues

2017

I

La Régulation économique est de ce fait le bastion avancé du droit moderne1

1 Marie-Anne Frison-Roche, “Ambition et efficacité de la régulation économique”, in Revue de Droit Bancaire et Finan-

cier, Paris, a. 11, n.º 6, (nov.-dez. 2010), p. 66.

II

Agradecimentos

A presente dissertação contou com a colaboração, direta ou indireta, de um conjunto de

pessoas e instituições, que importa aqui referir.

Começo por destacar e agradecer as permanentes orientações do Senhor Professor Dou-

tor Nuno Cunha Rodrigues, bem como a disponibilidade total sempre demonstrada e o cons-

tante encorajamento no decurso da presente dissertação.

Agradeço também ao Senhor Conselheiro Ernesto Cunha, por toda a atenção que me dis-

pensou.

Em termos institucionais, gostaria de deixar expresso o meu agradecimento às equipas

das bibliotecas das entidades reguladoras — particularmente, da Autoridade Nacional de Co-

municações e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões — bem como às

Bibliotecas da Procuradoria-Geral da República, do Tribunal de Contas, da Ordem dos Advoga-

dos e da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pela disponibilização para consulta

das diversas referências bibliográficas.

Por fim, agradeço ainda à minha família, em particular aos meus pais, irmãs e avós, por

todo o apoio que sempre me deram durante a realização deste trabalho.

III

A Independência Orçamental das Entidades Reguladoras à luz da Nova Lei-Quadro

Resumo

A questão da independência das entidades com funções de regulação da economia sus-

citou, desde sempre, larga discussão na doutrina e, mais recentemente, na jurisprudência.

Atualmente, e atendendo à exigência constante do Memorando de Entendimento assi-

nado com as instituições internacionais, o tema assumiu forte relevância, originando significa-

tivas alterações legislativas.

As referidas alterações traduziram-se, em concreto, na criação, por parte do legislador

português, de um novo diploma — a Lei-Quadro das Entidades Reguladoras — com o qual se

pretendeu fundamentalmente criar um conjunto diversificado de condições e mecanismos para

a consagração e reforço da independência das referidas entidades.

Embora esta questão possa ser abordada de uma dupla perspetiva — independência em

relação ao governo, mas também em relação ao próprio regulado, evitando-se assim situações

de captura do regulador — vamos, para efeitos da presente dissertação, atender essencial-

mente à questão da independência em relação ao executivo.

No sentido de efetivar essa independência são reconhecidos às entidades reguladoras

um conjunto de recursos próprios, bem como autonomia financeira e orçamental para proceder

à sua gestão.

No entanto, a referida autonomia carece sempre de ser conciliada com princípios de boa-

gestão financeira, os quais são inerentes à boa utilização de recursos públicos.

Tendo presente esta ideia, vamos abordar o tema começando pela análise ao regime fi-

nanceiro das entidades reguladoras estabelecido pela Lei-Quadro, comparando as soluções

adotadas com os regimes previstos nos estatutos que vigoraram até 2013.

Em capítulo subsequente, iremos abordar os modelos de financiamento estabelecidos

pelos estatutos de cada regulador, os quais preveem a existência de um conjunto bastante di-

versificado de receitas próprias, enquanto sustento da autonomia financeira (ou independência

financeira, conforme referem algumas das disposições estatutárias).

A análise às disposições dos instrumentos acima referidos não se mostra suficiente para

esgotar o tratamento do tema em análise. Com efeito, a relevância assumida pelo tema levou a

IV

que o mesmo fosse tratado em diversos acórdãos e relatórios de auditoria do Tribunal de Con-

tas, que importa considerar e analisar.

Também ao nível da Lei de Enquadramento Orçamental se operaram alterações com in-

teresse para a questão da independência orçamental das entidades reguladoras. Neste con-

texto, e para efeitos da sua aplicação, este diploma veio considerar tais entidades como entida-

des públicas reclassificadas; em termos práticos, essa caracterização vem permitir uma assimi-

lação das autoridades reguladoras ao regime dos fundos e serviços autónomos, o qual se mostra

suscetível, em termos que desenvolveremos em capítulo próprio, de restringir a sua indepen-

dência orçamental.

Por fim, importa igualmente enquadrar o tema nos ordenamentos jurídicos estrangei-

ros, os quais contém algumas soluções destinadas a atenuar a interferência do governo na ges-

tão financeira das entidades reguladoras, e aferir da possibilidade da sua transposição para a

legislação portuguesa, através de futuras revisões da Lei-Quadro.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar o regime orçamental das entidades

reguladoras estabelecido pelo legislador português na Lei-Quadro das Entidades Reguladoras,

enquadrando as soluções adotadas, tendo em consideração a matriz de reforço da independên-

cia que esteve na base da reforma operada por este diploma.

Palavras-Chave: Regulação; Lei-Quadro; entidades reguladoras independentes; inde-

pendência financeira; orçamento.

V

Abstract

The issue of the independence of the entities with functions of regulation of the economy

has always aroused a great deal of discussion in the doctrine and more recently in jurispru-

dence.

At the present and in response to the requirement of the Memorandum of Understand-

ing signed with international institutions, the subject has assumed a strong relevance, leading

to significant legislative changes.

These changes took place, in concrete terms, into the creation, from the Portuguese leg-

islator, of a new law - the Framework Law on Regulatory Entities - which is fundamentally in-

tended to create a diverse set of conditions and mechanisms to foresee the independence of

these entities.

Although this question can be approached from a double perspective - independence

from the government, but also from the regulated himself, in order to avoid situations of cap-

ture of the regulator - we will, for the purposes of this dissertation, attend essentially to the

matter of independence from the executive.

In order to achieve this independence, a number of own resources, as well as financial

and budgetary autonomy, are recognized for the regulatory authorities.

However, such autonomy must always be reconciled with principles of solid financial

management, which are inherent in the proper use of public resources.

Bearing this in mind, we will approach the subject starting with the analysis of the finan-

cial regime of the regulatory bodies established by the Framework Law, comparing the solu-

tions adopted with the regimes provided for in the statutes which were in force until 2013.

In a subsequent chapter, we will discuss the financing models established by the statutes

of each regulator, which provide for a very diversified set of own revenues, while sustaining

financial autonomy (or financial independence, as stated in some of the statutory provisions).

However, the analysis of the provisions of the above-mentioned instruments is not

enough to exhaust the treatment of the subject under consideration. Indeed, the relevance of

the topic has led it to be dealt with in a number of judgments and audit reports of the Court of

Auditors, which it is important to consider and analyze.

At the level of the Budgetary Framework Law, there were also changes of interest to the

question of the budgetary independence of the regulatory authorities. In this context, and for

VI

the purposes of its application, this law has considered these entities as reclassified public en-

tities; In practical terms, such a characterization will allow the assimilation of regulatory au-

thorities to the autonomous funds and services system, which, in terms that we will develop in

a proper chapter, may restrict their independence from the budget.

Lastly, it is also important to place the issue in foreign legal systems, which contains

some solutions designed to mitigate the interference of the government in the financial man-

agement of regulatory entities, and to verify the possibility of transposing them into Portuguese

law through future revisions of the Law-Frame.

The purpose of this study is to analyse the regulatory regime established by the Portu-

guese legislator in the Framework Law for Regulated Entities, setting out the solutions adopted,

taking into account the matrix of reinforcement of dependency that was the basis of the Reform

operated by this diploma.

Keywords: Regulation; Framework Law; Independent regulatory authorities; financial

independence; budget.

7

Introdução

A exigência de que as entidades públicas com funções de regulação deveriam ser inde-

pendentes constituiu um dos vetores fundamentais do Programa de Assistência Económica e

Financeira, assinado por Portugal a 17 de maio de 2011.

Nesta medida, de forma a que as entidades reguladoras possam efetivamente usufruir

da referida independência, a mesma deve ser plenamente garantida, tanto face ao poder execu-

tivo como quanto aos interesses regulados.

No entanto, a ideia de instituir entidades reguladoras dotadas de independência face ao

poder político não é inovadora, tendo surgido nos Estados Unidos da América no final do século

XIX, sendo transposta para os sistemas europeus nos anos 90 do século XX.

Com efeito, é nesta altura que se assinala a passagem do Estado Regulador — assente

num modelo de “welfare state”, onde cabia ao Estado assumir um papel de interventor direto

na economia — para o modelo de regulação independente, fruto da doutrina da “Public Choice”.2

Concretiza-se assim a perda progressiva da relevância da intervenção direta do Estado

na atividade económica, ditada pelos níveis de despesa pública que essa intervenção acarre-

tava.

Esta questão assume particular relevância no contexto da discussão sobre que funções

devem ser atribuídas ao Estado; de facto, e considerando a regulação como uma das tarefas

fundamentais do Estado, podemos abordar a questão de uma dupla perspetiva: numa versão

maximalista, em que o Estado intervém de forma direta na economia; ou numa versão minima-

lista, centrada nas funções essenciais.3

A referida situação esteve na base da criação das designadas entidades administrativas

independentes que, no caso português, conheceu um desenvolvimento assinalável nas décadas

de 80 e 90, através de uma efetiva transferência de competências da administração direta para

a administração indireta do Estado.

Essa transferência acabou por se refletir na Revisão Constitucional de 1997, que passou

a referir de forma expressa que a lei pode criar autoridades administrativas independentes.4

2 Esta doutrina defendia a incapacidade pública para gerar os resultados económicos e sociais pretendidos, manifestando-

se tal incapacidade, inclusivamente, nas atuações para as quais o Estado deveria estar vocacionado. Cf., com mais desen-

volvimento, Fernando Araújo, Introdução à Economia, 3.ª edição, Almedina, 2006, pp. 612 a 617. 3 Cf. Jaime Melo Baptista / Carlos Lopes Pereira, “A Reforma do Estado e a Regulação de Serviços Públicos essenciais”,

in Textos sobre Regulação, vol. 4, ERSAR, p. 81. 4 Cf. art. 267.º, n.º 3, aditado pela Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro.

8

Deste modo, a passagem do Estado Regulador para o regime de regulação independente,

pressupõe a criação de um conjunto diversificado de entidades administrativas, as quais se in-

serem na administração indireta do Estado, não estando sujeitas a superintendência governa-

mental.

Face ao exposto, e atendendo ao papel desempenhado pelas autoridades administrati-

vas independentes com funções de regulação, às quais passam a estar cometidas funções que,

até aí, eram desempenhadas pelo próprio Estado, afigura-se fundamental garantir que estas

detêm, no exercício dos seus poderes, uma efetiva autonomia de decisão. Assim, para garantir

o exercício pleno da referida autonomia de decisão, a par da consagração de regras que deter-

minem a inamovibilidade de cargos dirigentes das entidades, nomeadamente do Conselho de

Administração, é necessário que as entidades administrativas às quais estão cometidas funções

de regulação detenham recursos próprios para exercerem as suas funções sem sujeição a supe-

rintendência governamental.5

Na linha do que referimos inicialmente, esta foi uma das exigências fundamentais do

Memorando de Entendimento6.

Neste contexto, pretendemos com o presente trabalho analisar de que modo o preten-

dido reforço da independência se concretiza em termos orçamentais, procedendo à análise

deste tema no regime aprovado na sequência do Memorando — a Lei-Quadro das Entidades

Administrativas Independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores

privado, público e cooperativo7 — bem como nos novos Estatutos das entidades reguladoras

sectoriais, aprovados na sequência da referida Lei.

5 Neste sentido, Carlos Blanco de Morais, “O Estatuto híbrido das Entidades reguladoras da economia”, in Estudos em

Homenagem ao Professor Doutor Jorge Miranda, Vol. IV, 2012, p.195. 6 Cf. o Ponto 7.21 do Memorando, nos termos do qual se visava “Garantir que as Autoridades Reguladoras Nacionais

(ARN) têm a independência e os recursos necessários para exercer as suas responsabilidades. [T1‐2012] Nesse sentido:

i. Elaborar um relatório independente (por especialistas reconhecidos internacionalmente) sobre as responsabilidades,

recursos e características que determinam o nível de independencia das principais ARN. O relatório indicara as práticas

de nomeação, as responsabilidades, a independência e os recursos de cada ARN em relação a melhor pratica internacional.

Abrangera igualmente o âmbito da actividade dos reguladores sectoriais, os seus poderes de intervenção, bem como os

mecanismos de coordenação com a Autoridade da Concorrência; [T4‐2011]

ii. Com base no relatório, apresentar uma proposta para implementar as melhores praticas internacionais identificadas, a

fim de reforçar a independencia dos reguladores onde necessario e em plena observância da legislaçãoo comunitaria. [T4‐

2011]” 7 Regime aprovado pela Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, adiante referido como Lei-Quadro.

9

I. O regime atual: A Lei-Quadro das Entidades Reguladoras

i. Enquadramento

A ideia de instituir uma Lei-Quadro das Entidades Reguladoras surgiu em 2002. A pe-

dido do então Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, Dr. Alberto Martins,

foi elaborado pelo Professor Vital Moreira e pela Juíza Conselheira Dra. Fernanda Maçãs um

Projeto de Lei-Quadro das Autoridades Reguladoras Independentes.

Sem prejuízo de existir já um regime comum aos institutos públicos (a Lei-Quadro dos

Institutos Públicos), esse regime não era suscetível de aplicação às chamadas entidades admi-

nistrativas independentes.8

Com efeito, constituindo as autoridades reguladoras independentes um “instrumento in-

dispensável da Administração Pública na nova economia de mercado regulado”, como afirmam

Vital Moreira e Fernanda Maçãs9, e apresentando requisitos de independência, que realçam a

especificidade das Autoridades Reguladoras Independentes (ARI) face aos institutos públicos,

afigurava-se igualmente imperiosa a criação de um regime comum que regulasse a criação de

entidades reguladoras independentes.

Neste contexto, e atendendo a que o Anteprojeto apresentado por Vital Moreira e Fer-

nanda Maçãs acabou por não ser concretizado, fruto da demissão do XIV Governo Constitucio-

nal, a ideia viria a ser recuperada, já em 2011, no âmbito do Programa de Assistência Económica

e Financeira.

Como referimos anteriormente, as instituições internacionais exigiram que fosse reali-

zado um relatório autónomo referente aos recursos e características que determinam o nível

de independência das diversas entidades reguladoras, de forma a implementar medidas que

conduzissem a um efetivo reforço da sua independência. A elaboração do mencionado relatório

foi concretizada pela consultora AT Kearney, não tendo, no entanto, sido objeto de publicação.

De forma a dar cumprimento a estas diretrizes, o Governo apresentou a Proposta de Lei

n.º 132/XII, que viria a dar origem à Lei 67/2013, atualmente vigente.

Importa desde já referir que o citado Memorando não impunha a aprovação de uma Lei-

Quadro, tendo resultado esta solução da livre vontade do legislador.

8 Vd. Vital Moreira/ Fernanda Maçãs, Autoridades Reguladoras Independentes - Estudo e Projeto de Lei-Quadro, Coim-

bra, 2003, p. 259. 9 Vd. Vital Moreira/ Fernanda Maçãs, op. cit., p. 263.

10

ii. O conceito de autonomia

Partindo do paradigma americano das “independent regulatory agencies”, parece possí-

vel qualificar as mesmas de não independentes, porque integradas no quadro dos ministérios

e submetidas à sua hierarquia, e independentes, porque gozam de autonomias funcional, orgâ-

nica e, eventualmente, financeira.

Em Portugal, parece ter-se generalizado a expressão “autoridades administrativas inde-

pendentes”10, adotada pela própria Constituição.

Procurou-se assim dar dignidade constitucional à necessidade de garantir a “desgover-

namentalização” da atividade reguladora, pretendendo-se fundamentalmente assegurar a es-

tabilidade e segurança do quadro regulatório — garantindo-se desta forma que as funções de

regulação não são afetadas pelo ciclo eleitoral ou por mudanças de governo — bem como fa-

vorecer a neutralidade política.11

A neutralidade política das entidades reguladoras constitui-se desta forma como coro-

lário da desintervenção do Estado na economia; deste modo, permite-se que o poder político se

restrinja a funções de orientação política da economia, ficando as tarefas de regulação econó-

mica entregues a autoridades “acentuadamente independentes do governo”, nas palavras de

Marco Capitão Ferreira.12

No entanto, afigura-se-nos preferível, na linha do defendido por Eduardo Paz Ferreira e

Luís Morais13, a designação destas entidades como autoridades com autonomia reforçada, aten-

dendo à considerável importância que reveste a dimensão de accountability das autoridades

reguladoras perante órgãos políticos com legitimidade democrática.

10

Cf. Lucas Cardoso, Entidades Administrativas Independentes e Constituição, Coimbra, 2002. 11

Cf. Vital Moreira / André Matos Forte, “Por uma Regulação ao Serviço da Economia de Mercado e do Interesse Pú-

blico: a “Declaração de Condeixa”, in Revista de Direito Público da Economia, n.º 1, 2003, p. 252 ss. 12

Cf. Marco Capitão Ferreira, Estado e economia : entre o mercado e a tecnocracia, onde fica a res publica?, Dissertação

de Doutoramento, 2015, p. 373. Disponível em http://repositorio.ul.pt/bi-

tstream/10451/17746/1/ulsd070177_td_Marco_Ferreira.pdf (última consulta: 28 de Janeiro de 2017). 13

Cf. Eduardo Paz Ferreira / Luís Silva Morais, “A Regulação Sectorial da Economia: Introdução e Perspetiva Geral, in

Regulação em Portugal: Novos Tempos, Novo Modelo?, p. 29 e Luís Silva Morais, “Lei-Quadro das Autoridades Regu-

ladoras”, p. 102 ss., in C&R, n.º 17, Almedina, 2014.

11

Com efeito, pese embora a qualificação como independentes, é um facto que as autori-

dades reguladoras se encontram integradas na organização administrativa do Estado, no âm-

bito do que alguns autores, como Marco Capitão Ferreira, designam como solução de compro-

misso.14

A questão da qualificação das autoridades reguladoras como independentes parece ter

sido adotada pela Lei-Quadro ao referir expressamente que as entidades reguladoras são pes-

soas coletivas de direito público, com a natureza de “entidades administrativas independentes”,

conforme dispõe expressamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei-Quadro; e ideia esta que se encontra

reafirmada no artigo 6.º da Lei-Quadro, que subordina a criação das entidades reguladoras à

prossecução de atribuições de regulação de atividades económicas, que recomendem, aten-

dendo à necessidade de independência no seu funcionamento, a não submissão à direção do

governo.15

A Lei adota, porém, um conjunto de soluções que se mostram suscetíveis de pôr em

causa essa independência, afirmando que “sem prejuízo da sua independência, cada entidade

reguladora está adstrita a um ministério” — artigo 9.º, n.º 1, da Lei-Quadro.

Nestes termos, e após esta precisão terminológica, parece-nos que esta expressa adstri-

ção ao ministério responsável pela principal área de atividade económica sobre a qual a enti-

dade reguladora exerce as funções, que lhe estão cometidas, permite afirmar que, pese embora

a tradicional expressão constitucionalmente consagrada (desde 1997) de entidades adminis-

trativas independentes, mostra-se mais rigoroso qualificar estas entidades como entidades re-

guladoras autónomas.

De facto, e como ensina Sousa Franco16, a autonomia — e concretamente a autonomia

financeira — consiste num atributo dos poderes financeiros das entidades públicas intraesta-

duais relativamente ao Estado. De forma mais precisa, esta autonomia é entendida como a “me-

dida de liberdade dos poderes financeiros das entidades públicas”17. No entanto, importa des-

tacar que esta liberdade não pode ser entendida no sentido de uma verdadeira soberania finan-

ceira, carecendo, pois, de ser enquadrada com regras e princípios de boa-gestão financeira.

14

Cf. Marco Capitão Ferreira, op. cit., p. 375. 15

Vd. Carlos Blanco de Morais, “A Lei-Quadro das Entidades Reguladoras e o seu Estatuto de Independencia”, in Juris-

mat, 2015, p. 161. Afirma o referido autor que, sem prejuízo da qualificação legal das autoridades como independentes,

exige-se que a Lei concretize essa independência criando para tal pressupostos substanciais que devam ser cumpridos,

sob pena dessa designação de pouco valer. 16

Vd. António de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4.ª edição, Almedina, 2008, p. 152. 17

Vd. António Sousa Franco, op. cit., p. 152.

12

Resumindo: embora se reconheça que os conceitos de autonomia e de independência

pressupõem ambos, in casu, a não subordinação ao poder executivo, com a consequente irres-

ponsabilidade do governo perante o parlamento pela atividade das administrações, importa

realçar que, ao invés do que sucede no âmbito da administração independente, a autonomia

não funciona como um fim em si mesmo, constituindo antes consequência da autoadministra-

ção e da relação de responsabilidade dos respetivos dirigentes perante a sua base social de le-

gitimação.18

II. A Gestão Económico-Financeira das Entidades Reguladoras

i. O Regime Orçamental e Financeiro das Entidades Reguladoras

Atendendo à occasio legis que esteve na origem da aprovação da Lei-Quadro, fortemente

marcada pela situação de emergência financeira que o país atravessava, importa destacar que

tal circunstância se manifestou nas soluções consagradas por este regime.

Com efeito, ao estatuir um conjunto de pressupostos cuja observância é exigida para a

criação das entidades reguladoras, a lei prevê de forma expressa que as referidas entidades

devem observar o princípio da autossuficiência financeira. Significa isto que, em princípio, só

são suscetíveis de constituir entidades reguladoras aquelas que, atendendo ao seu perfil finan-

ceiro, se mostrem não dependentes de outras formas exógenas de financiamento.

O referido princípio pressupõe, pois, a irresponsabilidade do Estado pelo financiamento

dos custos despendidos pelas entidades reguladoras com a prossecução do interesse público.

Por isso, decorre do postulado da autossuficiência financeira que as receitas das entidades re-

guladoras se devem limitar à cobrança de taxas pelos serviços por estas prestados.19

A consagração expressa deste requisito enquadra-se na necessidade sentida pelo legis-

lador de facilitar o autofinanciamento das entidades reguladoras, o qual constituiu, como refe-

rimos acima, um dos fundamentos inerentes à desgovernamentalização da atividade de regu-

lação económica.

Impõe-se, portanto, analisar as receitas das entidades reguladoras, atentando na sua

proveniência, para se aferir a independência (ou não) destas entidades face ao poder executivo.

18

Neste sentido, Lucas Cardoso, op. cit., p. 432, bem como Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Pú-

blicas, Reimp., Coimbra, 2003, pp.131 ss. 19

Cf. Paula Costa e Silva, “As autoridades independentes. Alguns aspectos da regulação económica numa perspectiva

jurídica”, in O Direito, Ano 138, III, Almedina, 2006, pp. 541 a 569, em especial pp. 564 ss. Cf. ainda Marisa Caetano

Ferrão, “As Entidades Administrativas Independentes com funções de regulação económica e a dualidade de jurisdições.

Breves notas”, in O Direito, Ano 139, III, Almedina, 2007, p. 610.

13

Sem prejuízo da relevância da análise das receitas próprias legalmente estipuladas, im-

porta destacar, a título prévio, alguns aspetos do regime orçamental e financeiro estatuído pela

Lei-Quadro.

Nesta sede, a Lei-Quadro refere que as autoridades reguladoras são independentes em

termos orgânicos, funcionais e técnicos, conforme dispõe expressamente a alínea c), do artigo

3.º, n.º 2, estipulando, na alínea a) do citado preceito, que as referidas autoridades dispõem

ainda de autonomia financeira.

Em termos teóricos, e considerando o conceito de autonomia financeira, podemos dis-

tinguir dentro desta diversos tipos de autonomia; assim, e seguindo Sousa Franco20, a autono-

mia financeira pressupõe:

1. autonomia patrimonial, traduzida no poder de ter património próprio, bem como no

poder de tomar decisões relativamente a esse mesmo património;

2. autonomia orçamental, entendida enquanto poder de ter orçamento próprio, bem

como poder para gerir as despesas e receitas, decidindo em relação a elas;

3. autonomia de tesouraria, a qual consiste no poder de gestão autónoma de recursos

monetários próprios, em execução ou não do orçamento.

Esta ideia de autonomia é reafirmada em sede do regime financeiro — consagrado no

Capítulo III da Lei — nomeadamente no n.º 1, do artigo 33.º, o qual contém os princípios gené-

ricos a que se subordina a gestão económica e financeira destas entidades.

Em termos gerais, podemos afirmar que a Lei-Quadro não emprega o conceito de inde-

pendência financeira, reconhecendo apenas que as autoridades reguladoras gozam de autono-

mia, o que implica, como acima referimos, uma dimensão acrescida de accountability face ao

poder executivo.

Constituindo a independência e a autonomia conceitos distintos, conforme salientámos

no capítulo anterior, não podemos acompanhar alguns autores que reconhecem a estas autori-

dades uma independência relativa21 face ao Governo.

Acresce ainda que a ideia de independência orçamental, no contexto da designada inde-

pendência financeira das entidades reguladoras, pressupõe a verificação de um conjunto de ca-

racterísticas: referimo-nos aqui, nomeadamente, à necessidade de uma separação jurídica total

20

Vd. António Sousa Franco, op. cit., p. 152 ss. 21

Cf. Pedro Costa Gonçalves / Licínio Lopes Martins, “Nótulas sobre o novo regime das entidades independentes de

regulação da actividade económica”, in Estudos de Regulação Pública, II, Coimbra, 2015, p. 343 e Calvão da Silva,

“Poderes e Instrumentos Regulatórios das Entidades Reguladoras ao Abrigo da Lei-Quadro das Entidades Administrati-

vas Independentes com Funções de Regulação da Actividade Económica dos Sectores Privado, Público e Cooperativo”,

in Estudos…, II, p. 389.

14

de orçamentos entre a entidade reguladora em causa e o Orçamento do Estado, bem como à

existência de processos próprios de elaboração e aprovação do orçamento do regulador.22

Esta caracterização teórica do conceito de independência orçamental, tratada por Sousa

Franco nos moldes acima referidos, implica a inexistência de subordinação jurídica do orça-

mento da entidade reguladora ao Orçamento do Estado, exigindo-se igualmente a elaboração e

aprovação do orçamento por órgãos próprios.

No âmbito da reflexão sobre a independência — ou autonomia, na aceção por nós defen-

dida — das autoridades reguladoras, e não revestindo esta distinção caráter meramente formal,

tendo impacto efetivo no grau de intervenção governamental na administração das referidas

autoridades, importa salientar que a Lei-Quadro estatui, à semelhança do que já sucedia no An-

teprojeto de Lei-Quadro, a aplicação, a título supletivo, do regime jurídico das entidades públi-

cas empresariais.

Assim, e contrariamente ao que sucedia com os institutos públicos, os quais estão sujei-

tos ao regime dos fundos e serviços autónomos — que se traduz numa limitação significativa

da autonomia financeira — a Lei-Quadro procede a uma equiparação entre as autoridades re-

guladoras e as entidades públicas empresariais, com a consequente isenção das regras de con-

tabilidade pública.

Nesta medida, o regime financeiro das autoridades reguladoras parece pautar-se por um

reforço da independência face ao governo, atendendo a que o afastamento das regras aplicáveis

aos fundos e serviços autónomos se concretiza na inaplicabilidade quer das normas respeitan-

tes à autorização de despesas, quer das que dispõem a transição e utilização dos resultados

líquidos e as cativações de verbas.

Com efeito, constitui característica estruturante do regime jurídico das entidades públi-

cas empresariais a consagração de uma margem apreciável de autonomia, patente na gestão

empresarial.

Esta autonomia implica a atribuição aos órgãos de gestão das entidades reguladoras de

um leque alargado de competências, nomeadamente as que respeitam à elaboração e execução

do orçamento anual bem como ao relatório e contas do exercício. Em sentido semelhante, tam-

bém a arrecadação e gestão das receitas se enquadram no âmbito das competências legalmente

reconhecidas ao conselho de administração.

A Lei-Quadro parece ainda adotar outras soluções destinadas a incentivar a autonomia

financeira. Referimo-nos aqui à consagração, de forma expressa, da possibilidade da previsão

22

Esta caracterização do conceito de independência orçamental foi feita por Sousa Franco, op. cit., p. 155.

15

dos resultados líquidos das entidades reguladoras transitarem para o ano seguinte, em confor-

midade com o disposto no n.º 5, do artigo 38.º.

No entanto, essa autonomia acaba por ser restringida, atendendo a que a Lei-Quadro não

procede a um afastamento absoluto do regime dos fundos e serviços autónomos, estipulando a

sua aplicação às verbas que provenham da utilização de bens do domínio público e de dotações

do Orçamento do Estado, nos termos previstos nos artigos 33.º, n.º 3 e 38.º, n.º 5, primeira

parte, do referido diploma.

Significa isto que as verbas mencionadas são suscetíveis de serem objeto de cativação,

caso em que revertem para o Orçamento do Estado, com a consequente impossibilidade de se-

rem utilizadas no ano seguinte, nomeadamente em benefício dos consumidores ou do setor re-

gulado.

Embora alguns autores considerem que esta equiparação em matéria financeira ao re-

gime dos fundos e serviços autónomos se reveste de caráter residual sob pena de se esvaziar o

princípio da autossuficiência financeira23, o qual constitui, como acima mencionámos, um pres-

suposto fundamental para a criação de entidades reguladoras, consideramos que as especifici-

dades presentes nos diversos estatutos aprovados na sequência da Lei-Quadro, que analisare-

mos no capítulo seguinte24, permitem sustentar a existência de graus diferenciados de autono-

mia orçamental, consoante a maior ou menor aproximação ao regime dos fundos e serviços

autónomos operada pelos referidos estatutos.25

Importa ainda destacar que a posição defendida por Costa Gonçalves e Licínio Martins

parece-nos também improceder na medida em que se mantém, como refere Tânia Cardoso Si-

mões, um elevado espectro de limitação à atuação das entidades independentes, atendendo à

relevância assumida pelas verbas provenientes do Orçamento do Estado no âmbito do financi-

amento das entidades reguladoras.26 A este respeito, parece-nos inequívoco, na linha do defen-

dido por Eduardo Paz Ferreira, que as entidades reguladoras têm sido atingidas por uma “ori-

entação centralizadora” do Ministério das Finanças, que as procura assimilar ao regime dos

fundos e serviços autónomos.27

Neste âmbito, e considerando o regime previsto no artigo 33.º da Lei-Quadro, podemos

distinguir:28

23

Cf. Pedro Costa Gonçalves / Licínio Lopes Martins, op. cit.,p. 345. 24

Cf. Infra, Cap. IV, pp. 31 ss. 25

Neste sentido, Luís Morais, op. cit., in C&R, n.º 17, p. 108, bem como João Confraria, “Estado Regulador, Regulação

Independente e a Lei-Quadro”, in Estudos de Regulação Pública, II, p. 364. 26

Cf. Tânia Cardoso Simões, “Entidades Reguladoras: Um Ano de Lei-Quadro”, in C&R, n.º 17, p. 263. 27

Cf. Eduardo Paz Ferreira, “Em torno da Regulação Económica em Tempos de Mudança”, in C&R, n.º 1, pp. 47 e 48. 28

Neste ponto, e conforme a posição de Luís Morais, op. cit., in C&R, n.º 17, p. 104.

16

a) entidades com autonomia orçamental plena, sendo financiadas integralmente por

receitas próprias;

b) entidades com autonomia orçamental mais limitada, financiadas quer por receitas

próprias, quer por verbas provenientes da utilização de bens do domínio público

ou de dotações do Orçamento do Estado; nestes dois últimos casos, é aplicável o

regime dos fundos e serviços autónomos, com as limitações inerentes à sua utili-

zação pelas entidades reguladoras;

c) entidades com muito reduzida autonomia orçamental, caraterizadas pelo elevado

peso de receitas provenientes de dotações do Orçamento do Estado, bem como da

utilização de bens do domínio público. Nestes casos, como acima destacámos, as-

sume uma maior relevância o regime dos fundos e serviços autónomos, delimi-

tando de forma acentuada a autonomia orçamental destas entidades.

Esta caraterização demonstra que a Lei-Quadro não se mostrou um instrumento ade-

quado à plena concretização de um quadro jurídico comum, subsistindo uma realidade frag-

mentada29, sem embargo de se reconhecerem as vantagens deste regime, particularmente no

que concerne à consagração de um conjunto de regras e princípios transversais às entidades

reguladoras.30

A autonomia orçamental destas entidades mostra-se igualmente condicionada, na me-

dida em que a Lei-Quadro prevê ainda a aplicação do regime da tesouraria do Estado, o que

implica a sujeição das entidades reguladoras aos princípios e regras da unidade de tesouraria,

ex vi o disposto no n.º 3, do artigo 38.º. De facto, a regra da unidade de tesouraria, enquanto

exigência de boa gestão e de controlo financeiro, pressupõe a existência de uma tesouraria in-

tegrada e centralizada, de forma a obter ganhos de eficiência que não seriam atingidos em caso

de dispersão de fundos por diversas caixas. Por outro lado, e no que respeita à vertente de con-

trolo financeiro, o princípio tem subjacente a possibilidade de agilizar a regularidade da co-

brança e a correção da despesa, de forma a impedir abusos por parte das entidades.31

Desta forma, e reconhecendo-se desde já as vantagens inerentes ao princípio da unidade

de tesouraria, é certo que a sua aplicação às entidades reguladoras operada pela Lei-Quadro

mostra-se suscetível de criar um risco adicional para a independência orçamental das mesmas,

29

Como refere Luís Morais, op. cit., in C&R, n.º 17, p. 108. 30

Também destacando as vantagens deste regime, cf. Nuno Cunha Rodrigues, “A nova Lei-Quadro das Entidades Regu-

ladoras”, in Direito & Política, n.º 6, 2014, pp. 89 e 94. 31

Cf. Eduardo Paz Ferreira / Sérgio Gonçalves do Cabo, “A Regra da Unidade de Tesouraria e a Boa Gestão Financeira

do Sector Público”, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. V, Coimbra, 2012, p. 650.

17

como refere João Confraria32, gerando perdas de eficácia gestionária, que não se mostram com-

pensadas pelos eventuais ganhos no plano do financiamento do Setor Público Administrativo.33

Considerando os princípios basilares inerentes ao regime económico-financeiro, pa-

rece-nos possível afirmar que a Lei-Quadro tem como matriz o reforço da independência (rec-

tius, autonomia) gestionária das autoridades reguladoras. No entanto, cumpre assinalar que a

referida autonomia não se reveste de caráter absoluto, subsistindo diversas restrições, das

quais destacamos: por um lado, a equiparação (limitada) ao regime das entidades públicas em-

presariais; por outro, a exigência de uma tesouraria integrada e centralizada que, embora com-

preensível em período de escassos recursos financeiros, parece-nos contribuir de forma signi-

ficativa para uma maior intervenção do poder executivo no âmbito da gestão económico-finan-

ceira dos reguladores, com a consequente restrição da autonomia orçamental das mencionadas

entidades.

Para além dos aspetos fundamentais do regime financeiro acima identificados, importa

ainda referir que a Lei-Quadro prevê a existência de poderes de tutela do Governo, afirmados,

em termos gerais, no artigo 9.º da Lei-Quadro e concretizados, em moldes que abaixo desenvol-

veremos, no artigo 45.º do referido diploma legal.

Impõe-se, pois, proceder ao enquadramento destes poderes de tutela face ao regime fi-

nanceiro desenhado pela Lei, tendo em atenção que a análise deste regime terá que ser sempre

ponderada tomando em consideração o disposto quer nos estatutos de cada uma das entidades

reguladoras, quer na Lei de Enquadramento Orçamental, assim como o disposto nas sucessivas

leis do Orçamento do Estado.

ii. As Receitas das Entidades Reguladoras

ii.a) As Receitas das Entidades Reguladoras na Lei-Quadro

Um dos aspetos mais relevantes e inovadores do regime financeiro das entidades regu-

ladoras previsto pela Lei-Quadro traduziu-se na consagração daquilo que podemos designar

como “regime geral das taxas”.34

32

Cf. João Confraria, “Uma Análise Económica da Lei-Quadro das Autoridades Reguladoras Independentes”, in C&R,

n.º 17, p. 155. 33

Como destacam Eduardo Paz Ferreira e Sérgio Gonçalves do Cabo, op. cit., p. 684. 34

A expressão é de Sérgio Vasques, na sua obra de 2008, “As Taxas de Regulação Económica em Portugal: Uma Intro-

dução”, in As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Almedina, 2008, pp. 38-39.

18

Com efeito, até à entrada em vigor da Lei-Quadro, o enquadramento legal das receitas

das entidades reguladoras era dominado pelas próprias entidades que delas usufruíam, com a

decorrente acentuação das especificidades inerentes a cada uma das entidades, resumindo-se

a intervenção do governo a um nível residual.35

Importa salientar, no entanto, que a Lei-Quadro não procedeu a uma harmonização total

do regime das receitas das autoridades, subsistindo uma estrutura de financiamento muito va-

riada, a qual abrange um conjunto de taxas de regulação ou supervisão com diversos contornos,

bem como coimas resultantes de processos de contra-ordenação, entre outras.36

A própria Lei-Quadro parece-nos confirmar o entendimento de Luís Morais, acima refe-

rido, ao afirmar que se consideram como receitas próprias dos reguladores “…outras receitas

definidas nos termos […] dos estatutos”, conforme se dispõe no número 2, alínea e), do artigo

36.º.

Atendendo ao facto das receitas das entidades constituírem o sustento principal da au-

tonomia financeira a estas reconhecida— consagrada pela Lei-Quadro no artigo 33.º — e sendo

expressamente previsto como requisito para a constituição de entidades reguladoras a capaci-

dade de assegurar condições financeiras de autossuficiência37, a análise à proveniência das re-

ceitas impõe-se como pressuposto da análise à independência (ou autonomia) orçamental des-

tas.

Do ponto de vista financeiro, cumpre salientar que a autonomia relativamente ao poder

público (nomeadamente, em relação ao Governo) pressupõe a existência de recursos próprios

das entidades reguladoras.

Neste contexto — e após proclamar no n.º 1, do artigo 36.º que as entidades reguladoras

dispõem de receitas próprias — a Lei-Quadro enumera, a título exemplificativo, um conjunto

de taxas, contribuições e demais receitas que concretizam o referido conceito de “receitas pró-

prias”.38

35

De facto, quer a Lei-Quadro dos Institutos Públicos - Lei 3/2004, de 15 de Janeiro - como o Anteprojecto de Lei-

Quadro das Autoridades Reguladoras Independentes, mostraram-se omissos no que respeita à fixação de regras de en-

quadramento para as receitas das entidades reguladoras. 36

No mesmo sentido, Luís Morais, op. cit., in C&R, n.º 17, p. 108 e Sérgio Vasques, op.cit., p. 58. 37

Cf. Pedro Costa Gonçalves / Licínio Lopes Martins, op. cit., p. 343. 38

Dispõe o Artigo 36.º, n.º 2: “Consideram-se receitas próprias das entidades reguladoras, nomeadamente:

a) As contribuições, taxas ou tarifas cobradas pelo exercício da atividade reguladora ou pelos serviços prestados ou pela

remoção de um obstáculo jurídico;

b) Os montantes das coimas aplicadas pelas infrações que lhes compete sancionar, nos termos previstos nos respetivos

regimes sancionatórios;

c) Outras contribuições, taxas ou tarifas legalmente impostas aos operadores sujeitos à sua regulação ou aos utilizadores

finais;

d) Supletivamente, as dotações do orçamento do Estado;

e) Outras receitas definidas nos termos da lei ou dos estatutos.”

19

Releva sublinhar que a Lei-Quadro inclui como receitas próprias, ainda que a título su-

pletivo, o financiamento através de dotações provenientes do Orçamento do Estado, conforme

previsto no artigo 36.º, n.º 2, al. d).

O carácter excecional atribuído pelo legislador a estas dotações encontra-se justificado;

Com efeito, num momento em que se pretende um reforço efetivo da independência orçamen-

tal, um financiamento das entidades através de taxas cobradas pelos serviços prestados, bem

como de coimas aplicadas aos operadores e eventuais contribuições a cargo dos consumidores

é garantia de um maior grau de independência face ao poder executivo do que o financiamento

através de dotações do Orçamento do Estado.39

Resulta do preceito em análise que o financiamento das entidades reguladoras deve as-

sentar essencialmente em taxas40 e coimas cobradas aos operadores — concretizando desta

forma o princípio do “regulado pagador”, referido por Vital Moreira41 — e, com menor incidên-

cia, em taxas a cargo dos utilizadores finais. Esta situação leva inclusivamente alguns autores,

como Marco Capitão Ferreira, a apontarem a existência de uma “tradicao orcamental de larga

dependencia de receitas proprias, obtidas pela taxacao das empresas reguladas”.42

No entanto, atendendo ao incremento das funções de regulação das entidades regulado-

ras decorrente da assunção de tarefas até então a cargo da Administração Central — aquando

da passagem do Estado Regulador para o modelo de regulação independente43 — as mencio-

nadas taxas de regulação mostram-se insuficientes para assegurar o integral funcionamento

destas entidades.

Deste modo, e considerando a emergente necessidade de colmatar a falta de recursos

financeiros, a solução encontrada traduziu-se no recurso ao Orçamento do Estado, o qual dei-

xou de ser encarado de forma excecional, passando a constituir um dos principais meios (se

não mesmo o principal) de financiamento dos reguladores.

No âmbito da análise das receitas das entidades reguladoras previstas na Lei-Quadro, é

de destacar igualmente que a intervenção governamental não parece esgotar-se nas verbas pro-

venientes do Orçamento do Estado. Efetivamente, podemos constatar que se mantêm sob a es-

fera de competência do poder executivo um conjunto assinalável de relevantes poderes, os

39

Cf. Calvão da Silva, op. cit., p. 392. Cf. ainda, em sentido idêntico, Tânia Cardoso Simões, op. cit., p. 262. 40

Cf. Carlos Baptista Lobo, “Taxas enquanto instrumento de financiamento público - as responsabilidades acrescidas do

Estado”, in António Carlos dos Santos, Carlos Baptista Lobo, Mário Portugal, Colectânea de Estudos de Fiscalidade e

Contabilidade, Dept. Comunicação e Imagem da OTOC, pp.79 ss. 41

Cf. Vital Moreira, Provas de Agregação, Coimbra, 2012, p.76. (disponível on-line em https://estudoge-

ral.sib.uc.pt/jspui/bitstream/10316/24548/1/Programa%20da%20disciplina%20de%20Direito%20pú-

blico%20da%20regulação.pdf) 42

Cf. Marco Capitão Ferreira, op. cit., p. 412. 43

Cf. Supra, Introdução, p. 8.

20

quais incluem, designadamente, a fixação por portaria governamental da incidência subjetiva e

objetiva, bem como dos montantes, periodicidade, prazos de vigência, e ainda eventuais isen-

ções ou reduções respeitantes a taxas ou tarifas a cargo dos regulados, em conformidade com

o disposto no n.º 3, do artigo 34.º.

Sendo certo — como acima referimos — que o financiamento através de taxas e contri-

buições mostra-se mais apto a garantir a autonomia orçamental quando comparado com o fi-

nanciamento proveniente do orçamento do Estado, também naquelas se reconhece intervenção

do Governo, particularmente dos membros responsáveis pelas finanças e pela principal área de

actividade económica sobre a qual incide a atuação do regulador, nos termos expostos.

Em sentido diverso, parece poder argumentar-se que a Lei-Quadro prevê a existência de

cláusulas de salvaguarda estipulando que, sem prejuízo da intervenção do poder executivo em

matéria de taxas e contribuições, a fixação por portaria está dependente de audição prévia da

entidade reguladora em causa (nos termos previstos no supra mencionado artigo 34.º, n.º 3),

procurando-se desta forma mitigar a intervenção do Governo. Também neste sentido, parecem

apontar o facto da intervenção do governo não contender com a competência reconhecida às

entidades reguladoras de poderem estabelecer, através de regulamento, os modos e prazos de

liquidação e cobrança das contribuições, taxas e tarifas, atento o disposto no n.º 5 do preceito

em análise.

Sem prejuízo destas proclamações serem susceptíveis de interpretação no sentido da

existência de um maior grau de independência orçamental, parece-nos que a Lei-Quadro, no

que ao modelo de financiamento diz respeito, vai no sentido do reforço da governamentalização

da regulação, como defende Calvão da Silva.44

De facto, o modelo de financiamento e a inerente previsão das fontes de financiamento

são matéria definida em concreto para cada entidade reguladora, nos termos previstos nos res-

petivos estatutos, cabendo ao Governo a sua definição e aprovação por decreto-lei, ex vi o pos-

tulado no artigo 7.º, n.º 3, al. e).

Acresce ainda, no contexto do financiamento das entidades reguladoras, que a Lei impõe

o respeito pelo princípio da autossuficiência financeira, o qual constitui, na linha do que refe-

rimos acima, um pressuposto fundamental que tem que ser respeitado aquando da criação da

entidade reguladora. Face ao quadro legal das receitas delineado pela Lei-Quadro, podemos

afirmar que o respeito integral por este requisito acaba por ficar dependente, em última instân-

cia, da vontade do Governo. De facto, e como refere João Confraria45, cabendo ao Governo a

44

Cf. Calvão da Silva, op. cit., p. 393. 45

Cf. João Confraria, op. cit., pp. 149 ss.

21

criação de um quadro legal que permita a obtenção de receitas próprias, tal implica que o Go-

verno, caso pretenda constituir essa autoridade, cria o referido quadro legal, não procedendo a

essa criação caso não pretenda a constituição da referida autoridade. Tal situação mostra-se,

pois, passível de introduzir um elemento arbitrário na constituição das autoridades regulado-

ras.46

Entendemos assim que se mostra de difícil concretização a construção de um modelo de

financiamento das entidades reguladoras sem intervenção do governo, atendendo à necessi-

dade de aprovação por portaria de elementos essenciais das taxas e demais contribuições47,

por uma lado, bem como considerando o postulado da autossuficiência financeira, por outro, os

quais acabam por assumir maior relevância face às diversas soluções da Lei-Quadro no sentido

de uma aparente independência orçamental, supra destacadas.

ii.b) As Receitas das Entidades Reguladoras nos Estatutos: algumas notas funda-

mentais

A Lei-Quadro prevê, como referimos, que cabe ao Governo definir “a incidência subjetiva

e objetiva, o montante ou a alíquota, a periodicidade e, se for caso disso, as isenções e reduções,

totais ou parciais, prazos de vigência e os limites máximos e mínimos da coleta da contribuição

e de cada taxa ou tarifa […]”, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 34.º.

No entanto, esta regra é excecionada pelo n.º 4 do citado artigo, o qual dispõe que nos

casos em que a determinação de tarifas ou preços regulados seja da competência da entidade

reguladora tem lugar a aplicação do disposto nos estatutos, bem como na legislação setorial

aplicável.

Deste modo, e independentemente de procedermos à análise dos estatutos das entida-

des reguladoras em capítulo subsequente, cumpre desde já destacar, de forma sintética, as prin-

cipais soluções adotadas setorialmente no que às receitas diz respeito.

Nesta sede, releva mencionar que subsistem no nosso ordenamento jurídico uma plura-

lidade de taxas que assumem contornos muito diversificados e que a Lei-Quadro não se mos-

trou capaz de harmonizar, como acima destacámos.

Com efeito, as especificidades inerentes a cada setor mostram-se inultrapassáveis, aca-

bando por conduzir à multiplicação de taxas e contribuições de diversa índole.48

46

Cf. João Confraria, op. cit., p. 150. 47

No mesmo sentido, cf. Tânia Cardoso Simões, op. cit., p. 254. 48

No mesmo sentido, cf. Sérgio Vasques, op. cit., p. 27.

22

Assim, podemos distinguir, neste contexto, um conjunto muito diversificado de taxas,

como sejam as contribuições sobre os prémios de seguro, as quais constituem receita da Auto-

ridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), bem como tarifas ou outros mon-

tantes devidos à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em contrapartida de

atos e serviços de registo, aprovações ou autorizações e ainda montantes devidos pela utiliza-

ção do sistema de difusão de informação.

Impõe-se igualmente assinalar a existência de especificidades relevantes no setor dos

serviços energéticos, onde, para além dos meios de financiamento previstos pela Lei-Quadro,

sobressai a existência de diversas contribuições cobradas na tarifa de acesso aos clientes de

eletricidade e gás natural, conforme se dispõe no artigo 50.º, n.º 2, al a) dos Estatutos da Enti-

dade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), aprovados pelo Decreto-Lei 84/2013, de 25

de junho.49

Atentando agora no setor das telecomunicações, importa referir que os estatutos da Au-

toridade Nacional de Comunicações (Anacom) foram também objeto de adaptação ao disposto

na Lei-Quadro, encontrando-se atualmente plasmados no Decreto-Lei 39/2015, de 16 de

março. Também aqui se consagra a independência financeira, conforme previsto no n.º 2 do

artigo 5.º, prevendo-se igualmente a existência de um conjunto de receitas próprias, as quais

incluem diversas taxas e contribuições consagradas nos artigos 37.º e 38.º dos Estatutos. No

que respeita às receitas da Anacom, assume especial relevância no financiamento desta enti-

dade a taxa cobrada no âmbito da gestão do espectro radioelétrico.50

De facto, o espetro radioelétrico, entendido enquanto a gama de frequências que podem

ser utilizadas pelos sistemas de comunicação para transmissão por propagação de ondas ele-

49

Sem prejuízo dos Estatutos da ERSE terem sido aprovados em data anterior à vigência da Lei-Quadro, à data da publi-

cação dos mesmos já teriam sido tomadas as opções de fundo quanto aos aspetos de natureza financeira e administrativa

das entidades reguladoras, considerando a vigente proposta de lei que estabelecia o respetivo regime de enquadramento.

Por outro lado, impunha-se a necessidade de cumprir os compromissos assumidos quanto a esta matéria no âmbito do

Memorando de Entendimento, os quais implicavam uma revisão dos estatutos desta entidade reguladora, em conformi-

dade com aquelas opções e com o disposto nas diretivas do Terceiro Pacote Energético. 50

A preocupação com a disponibilidade e com a utilização mais eficiente do espectro radioelétrico manifestou-se, sobre-

tudo, a partir de 2007, com a COM(2007) 696 final, de 13/11/2007. Com efeito, e atendendo aos desenvolvimentos

tecnológicos e à procura crescente de banda larga sem fios, mostra-se premente assegurar a liberdade de utilização do

espectro, permitindo a sua comercialização e maior utilização sem sujeição a licença. Cf., com mais desenvolvimento,

Sérgio Gonçalves do Cabo, “Regulação e Concorrência no Sector das Comunicações Electrónicas”, in Regulação…, op.

cit., p. 270.

23

tromagnéticas de som, dados e imagem, constitui um recurso limitado, carecendo a sua utiliza-

ção de forte intervenção regulatória51. Nesta medida, a utilização do espetro encontra-se sujeita

a licenciamento, procurando-se desta forma garantir uma maximização deste recurso.52

A cobrança da referida taxa visa assim a promoção de uma utilização mais eficiente do

espetro, atendendo-se na sua fixação ao importante valor cultural, social e económico assumido

pelo conjunto de frequências associadas às ondas radioelétricas, atento o disposto no artigo

15.º, n.º 1, da Lei das Comunicações Eletrónicas.53

Cabe ainda mencionar a existência de especificidades relevantes no setor da aviação ci-

vil, onde se consagra como receita da Autoridade Nacional de Aviação Civil a taxa de segurança,

bem como no caso da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) onde des-

tacamos a existência da taxa de recursos hídricos, e da taxa de gestão de resíduos urbanos.

Na mesma linha, também a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) dispõe de receitas es-

pecíficas, nomeadamente, as taxas de licenciamento, inscrição — liquidadas com a apresenta-

ção do registo pelos operadores junto da ERS — e de manutenção no registo público dos esta-

belecimentos prestadores de cuidados de saúde, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, al.

b), dos Estatutos da ERS.54

No âmbito da regulação transversal, há que atentar nas receitas da Autoridade da Con-

corrência, onde o financiamento é assegurado por taxas cobradas pelos serviços prestados, bem

como pela comparticipação nas taxas dos reguladores sectoriais, nos termos previstos no n.º 1,

do artigo 35.º, dos Estatutos da Autoridade da Concorrência.

É precisamente nestas últimas receitas que reside uma das mais relevantes especialida-

des do regime, tendo o legislador justificado a sua existência com a afirmação de que a Autori-

dade da Concorrência passou a exercer um alargado leque de funções que até então caberiam

aos reguladores setoriais. Por outro lado, é de realçar, como referem Carlos Pinto Correia e Rui

Camacho Palma55, que preside ao modelo de repartição de competências entre a Autoridade da

51

Cf., com mais desenvolvimento, Serena Cabrita Neto e Luís Castilho, “O Sector das Telecomunicações e o Novo

Regime das Taxas de Espectro Radioelétrico”, in Sérgio Vasques, Taxas e Contribuições Sectoriais, Almedina, 2013, pp.

195 ss. 52

Esta finalidade decorre da transposição da Diretiva 2002/20/CE - “Diretiva Autorização”. Antes da vigência da Lei das

Comunicações Eletrónicas, as taxas refletiam a adequação entre o encargo que representam para os titulares das licenças

e o benefício que estes retiram das redes e estações de comunicação. Cf. Serena Cabrita Neto e Luís Castilho, op. cit., pp.

201 ss. 53

Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro, republicada pela Lei 51/2011, de 13 de setembro. 54

Cf. Manuel Anselmo Torres / Mafalda Martins Alfaiate, “As Taxas de Regulação Económica no Sector da Saúde”, in

As Taxas de Regulação Económica em Portugal, 2008, pp. 416 ss., com a evolução histórica destas receitas cobradas pela

ERS. 55

Cf. Carlos Pinto Correia / Rui Camacho Palma, “As Taxas da Autoridade da Concorrencia”, in As Taxas de Regulação

Económica em Portugal, p. 254.

24

Concorrência e os reguladores setoriais o princípio da especialidade. Tal implica que, indepen-

dentemente de pertencerem aos reguladores setoriais um conjunto de competências relacio-

nadas com a proteção da Concorrência, é a Autoridade da Concorrência a entidade competente

para a investigação e eventual aplicação das coimas aos factos reportados, cabendo-lhe por-

tanto uma parte das receitas dos reguladores.

Parece-nos, no entanto, que esta comparticipação prevista pelos Estatutos tem outra

justificação inerente. Com efeito, na maioria dos casos de regulação setorial, é relativamente

fácil identificar os sujeitos das taxas, constituído pelas empresas e demais entidades que atuem

nesse sector regulado, bem como, eventualmente, os próprios consumidores finais. Tal não su-

cede no âmbito da Autoridade da Concorrência — que desempenha funções transversais a to-

dos os setores da economia— sendo difícil uma concreta identificação dos sujeitos sobre os

quais recaem as taxas. Assim, esta forma “imaginativa” de financiamento, como refere João Con-

fraria56, visa precisamente resolver o problema de financiamento inerente à impossibilidade de

fixar as taxas dos regulados como receitas da Autoridade da Concorrência, à semelhança do que

sucede na maior parte dos casos de regulação setorial, acima estudados.57

Ainda neste domínio, entendemos que a justificação avançada por Carlos Pinto Correia

e Rui Camacho Palma suscita problemas no que respeita à caracterização deste tributo cobrado

pela Autoridade da Concorrência como uma taxa. Com efeito, e atendendo ao facto das taxas

implicarem “[…] uma contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou

aproveitada pelo sujeito passivo”, como ensina Sérgio Vasques58, não se vislumbra em que me-

dida estes atributos estariam preenchidos na comparticipação da Autoridade da Concorrência

nas prestações cobradas pelas entidades reguladoras setoriais.

Nesta medida, consideramos que estes tributos são suscetíveis de serem caracterizados

como contribuições59, enquanto terceira categoria tributária, ao lado das taxas e dos impostos.

Com efeito, esta terceira categoria adota parte da natureza dos impostos — em virtude de não

exigir a verificação de uma contrapartida individualizada para cada contribuinte — e parte da

56

Cf. João Confraria, “Estado Regulador…”, op. cit., in Estudos…, p. 364 e João Confraria, “Uma analise…”, op. cit.,

in C&R, p. 150. 57

Caracterizando como duvidosa, à luz da Constituição e da Lei Geral Tributária, que a cobrança de taxas por determi-

nados organismos possa conviver com a obrigação de financiarem outras entidades, Nuno de Oliveira Garcia / Inês Sa-

lema, “As Taxas de Regulação Económica no Sector da Electricidade”, in As Taxas de Regulação Económica em Portu-

gal, p. 288. 58

Cf. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2012, Reimp., p. 203. 59

Na terminologia adotada por Sérgio Vasques, “As Taxas…”, op. cit., p. 32.

25

natureza inerente ao instituto das taxas — pois visa retribuir o serviço prestado por determi-

nada instituição pública a certas entidades que beneficiam da atuação daquela.60

Por conseguinte, podemos afirmar que, ao invés do que sucedia com as contribuições

especiais — designadas como contribuições tradicionais, que eram exigidas em virtude da rea-

lização de obras públicas — estas contribuições representam, como destaca Sérgio Vasques61,

a contrapartida de prestação de que os sujeitos passivos são presumíveis beneficiários, bas-

tando-se assim com a verificação da existência de uma bilateralidade difusa.

Em sede desta distinção, importa ainda mencionar que a qualificação destas contribui-

ções como taxas pode implicar a inconstitucionalidade orgânica destas; de facto, e atendendo a

que a criação e disciplina das taxas de regulação económica está sujeita a intervenção parla-

mentar, à luz do disposto na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição, pode-se discutir

se o tratamento destas matérias por mero decreto-lei — como sucede com os estatutos da Au-

toridade da Concorrência — está ou não em conformidade com o disposto na Constituição.

Defendendo que a disciplina das taxas de regulação económica não pode ser feita por

decreto-lei simples sem a prévia edição de um regime geral que lhes dê o necessário enquadra-

mento, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, Sérgio Vasques afirma ainda que só com a

edição deste regime geral das taxas se pode garantir legitimação material destas contribuições,

evitando a formação de um conjunto de tributos alheios ao consentimento político do Parla-

mento.62

Em sentido semelhante, pode-se argumentar, com Gomes Canotilho e Vital Moreira, que

resulta do disposto no referido artigo, desde a Revisão de 1997, o alargamento da reserva de

lei parlamentar ao regime geral das taxas; concretizando, as taxas e demais contribuições só

estão sujeitas a reserva de lei no que respeita ao seu regime geral, podendo, portanto, ser cria-

das por decreto-lei, desde que observada a lei-quadro competente.63

A razão de ser desta exigência prende-se com o facto de, ao contrário do que sucede com

as taxas, em que o seu valor é determinado pela prestação realizada, as taxas de regulação eco-

nómica se caracterizarem pela existência de um sinalagma difuso, na linha do que acima refe-

rimos.

60

Cf. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Anot. ao art. 103.º, XIII. Cf.

ainda, neste mesmo sentido, Sérgio Vasques, “As Taxas…”, op. cit., p. 34. 61

Cf. Sérgio Vasques, op. cit., p. 34. 62

Como destaca Sérgio Vasques, “As Taxas…”, op. cit., p. 38. 63

Gomes Canotilho / Vital Moreira, op. cit., anot. ao art. 103.º, XIII.

26

Nesta medida, as taxas não se encontram subordinadas ao princípio da legalidade fiscal,

constitucionalmente consagrado no n.º 2, do artigo 103.º e da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º,

não se tornando, por isso, necessária a prévia autorização parlamentar.64

No entanto, tal não obsta a que se possa ainda verificar a eventual existência de uma

inconstitucionalidade material. Nesta linha, atendendo ao disposto quer na Constituição, como

na Lei Geral Tributária, afigura-se duvidoso que a cobrança de taxas por determinados organis-

mos possa conviver com a obrigação de financiarem outras entidades, como enunciam Nuno de

Oliveira Garcia e Inês Salema.65

A consignação de um percentual das taxas cobradas pelos reguladores sectoriais à Au-

toridade da Concorrência constituiu, assim, a forma encontrada pelo legislador de resolver o

problema de financiamento deste regulador, evitando, de forma artificial, o recurso a dotações

provenientes do Orçamento do Estado.

Procurou-se, deste modo, transformar as taxas cobradas pelos reguladores setoriais em

receitas da Autoridade da Concorrência, gerando, de forma aparente, independência orçamen-

tal deste regulador, através de um verdadeiro “financiamento em cascata”.66

Resulta da análise das receitas das entidades reguladoras plasmadas nos diversos esta-

tutos a confirmação da ideia que acima defendemos de que, sem prejuízo da consagração pela

Lei-Quadro de um verdadeiro “regime geral das taxas”, subsistem relevantes especificidades

inerentes a cada entidade reguladora, ilustrativas da tentativa de evitar o financiamento por

via das verbas inscritas no Orçamento do Estado.67

Decorre, no entanto, do regime das receitas das entidades reguladoras a consagração de

um conjunto de receitas próprias onde assume particular proeminência a intervenção do Go-

verno, quer ao nível das dotações do Orçamento do Estado, como na fixação de elementos es-

senciais das taxas e tarifas cobradas pelas entidades reguladoras, conforme resulta do disposto

na Lei-Quadro e nos diversos estatutos das entidades reguladoras setoriais.

64

Neste sentido, Carlos Baptista Lobo, “Reflexoes sobre a (necessária) equivalência económica das taxas”, in Estudos

Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Professor Doutor António de Sousa Franco, vol.I Coimbra, 2006, pp. 430

ss. 65

Nuno de Oliveira Garcia / Inês Salema, “As Taxas de Regulação Económica no Sector da Electricidade”, in As Taxas

de Regulação Económica em Portugal, p. 288. 66

A expressão é de Sérgio Vasques, “As Taxas…”, op. cit., p. 47. 67

Ideia esta já defendida por Vital Moreira, op. cit., p. 110.

27

iii. Da (In)dependência Orçamental das Entidades Reguladoras

Considerando o disposto na Lei-Quadro, deixámos acima expresso que, não obstante a

tentativa de construção de um modelo de verdadeira independência orçamental, foram adota-

das pelo legislador um conjunto de soluções que mitigam essa independência.

Neste contexto, o legislador acabou por estabelecer, no artigo 3.º, n.º 2, al. c), que as en-

tidades reguladoras devem prosseguir as suas atribuições com independência, a qual se reflete

nos domínios orgânico, funcional e técnico.

Paralelamente a esta consagração de independência — ou numa terminologia que con-

sideramos mais adequada, na linha do defendido por Luís Silva Morais, de autonomia reforçada

— a Lei garante a existência de autonomia financeira, nos termos da al. a) do preceito referido.

Sendo verdade que constitui consequência da atribuição de independência às autorida-

des reguladoras a não sujeição destas ao poder de superintendência do Governo, excluindo

desta forma a existência de poderes de orientação sobre as mesmas, importa igualmente des-

tacar que tal circunstância não obsta à existência de um conjunto de poderes de tutela. Significa

o exposto que é vedado ao poder executivo “definir a orientação da conduta alheia”, podendo

apenas, no âmbito dos seus poderes de tutela, “controlar a regularidade ou a adequação do fun-

cionamento de certa entidade”, como ensina Freitas do Amaral.68

Sem prejuízo de diversos autores utilizarem a expressão independência financeira69, já

referimos que nos parece preferível adotar o conceito de autonomia financeira, compatibili-

zando esta noção com uma vertente de accountability e de resposta destas entidades perante

órgãos democraticamente eleitos, conforme defende Luís Silva Morais.

Parece certo que a Lei-Quadro não adota neste âmbito uma solução absoluta, dispondo

o seu artigo 45.º, sob a epígrafe de independência, que as autoridades reguladoras são indepen-

dentes — conforme o n.º 1 do preceito em análise. Em sentido idêntico, parece ir a proibição

legal imposta aos membros do Governo de dirigirem recomendações ou emitirem diretivas aos

órgãos dirigentes das entidades reguladoras que incidam sobre a sua atividade reguladora ou

sobre as prioridades a serem tomadas em conta na prossecução dessa atividade.

68

Cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2001, p. 719. 69

É o caso de Tânia Cardoso Simões, op. cit., p. 262, que defende que a independência financeira constitui um aspeto

central para uma atuação verdadeiramente independente das entidades reguladoras. Em sentido próximo, defendendo que

a “autonomia financeira” compreende a “independencia financeira”, vd. Pedro Costa Gonçalves / Licínio Lopes Martins,

op. cit., p. 342.

28

Cremos, no entanto, que estas soluções no sentido da independência se mostram difíceis

de compatibilizar com a adstrição de cada entidade reguladora ao designado ministério res-

ponsável, prevista no artigo 9.º da Lei, bem como com o disposto no próprio artigo 45.º.

De facto, não obstante a sua epígrafe, este preceito contém um conjunto de soluções que

integram uma “zona cinzenta jurídica”70 de algumas limitações dessa autonomia.

As referidas limitações concretizam-se na necessidade de prévia aprovação pelo execu-

tivo de instrumentos financeiros fundamentais ao funcionamento das entidades reguladoras,

nomeadamente o seu orçamento, bem como dos planos plurianuais, balanço e contas das enti-

dades reguladoras, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 45.º.

Por outro lado, importa ainda referir que a intervenção do poder executivo não se esgota

na aprovação dos instrumentos mencionados, encontrando-se igualmente presente em diver-

sos atos com incidência financeira previstos estatutariamente, em concretização do estabele-

cido no n.º 5 do referido artigo.71

É certo que parece possível argumentar, em sentido diverso, que a Lei-Quadro restringe

a possibilidade de recusa do orçamento e demais instrumentos financeiros nos casos em que

exista ilegalidade ou prejuízo para os fins da entidade reguladora ou para o interesse público,

em conformidade com o artigo 45.º, n.º 6. No entanto, entendemos que estes critérios deveriam

ser objeto de maior concretização legal, sob pena de ser atribuído ao governo um poder subs-

tancial na aprovação dos orçamentos, como defendem Luís Silva Morais72 e João Confraria73.

De facto, e embora esta tutela tenha vindo a ser entendida enquanto “tutela de legali-

dade”, como refere Rute Saraiva74, a estrutural indeterminação que está subjacente a estes con-

ceitos permite afirmar que estamos perante verdadeiros “instrumentos de pressão”75; com

efeito, parece-nos que a Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, ao utilizar os conceitos inde-

terminados acima referidos, acaba por permitir a existência de uma verdadeira tutela de mérito

sobre os orçamentos dos reguladores.

Considerando o regime previsto pela Lei-Quadro no que respeita às relações entre as

autoridades reguladoras e o Governo, parece-nos que a necessidade de aprovação do orça-

70

Como refere Luís Silva Morais, op. cit., p. 109. 71

Cf. Infra, Cap. IV, pp. 31 ss. 72

op. cit., p. 109. 73

op. cit., p. 155. 74

Cf. Rute Saraiva, Direito dos Mercados Financeiros, AAFDL, 2013, p. 140. 75

Cf. Rute Saraiva, op. cit., p. 140.

29

mento e dos instrumentos financeiros necessários à prossecução das funções a cargo das enti-

dades reguladoras constitui um ato de prestação de contas (accountabillity) e de responsiveness,

inerente ao Estado de Direito democrático, como destaca Blanco de Morais76.

Poder-se-á questionar se não seria preferível essa prestação de contas ser efetivada pe-

rante órgãos democraticamente eleitos (nomeadamente, o Parlamento), à semelhança do que

sucede nos Estados Unidos.77 No entanto, atendendo ao objetivo que preside ao modelo de re-

gulação independente, não se afigura que a intervenção parlamentar na aprovação dos orça-

mentos e contas contribua para a eliminação do impacto assumido pelas circunstâncias políti-

cas e ciclos eleitorais no financiamento das entidades reguladoras.78

Em conclusão, importa reconhecer que o regime financeiro e orçamental desenhado

pela Lei-Quadro está profundamente marcado pela circunstância de ter sido aprovado num

contexto de emergência financeira, não tendo, no entanto, sido possível alcançar o pretendido

reforço da independência orçamental. De facto, atendendo a que se mantém uma forte inter-

venção do poder executivo na definição e aprovação de relevantes aspetos com incidência fi-

nanceira, bem como na importância assumida pelas dotações do Orçamento do Estado no fi-

nanciamento das entidades reguladoras, impor-se-ia uma definição concreta dos casos de “in-

teresse público” ou de “prejuízo para os fins das entidades reguladoras” que justificam a não

aprovação pelo governo dos orçamentos, de forma a mitigar a possibilidade de uma interven-

ção arbitrária do executivo neste domínio.

Resulta do exposto que, sob a epígrafe de “independência”, a Lei-Quadro acaba por re-

forçar de forma significativa, no seu artigo 45.º, os poderes de intervenção do Governo, melhor

lhe ficando por isso a epígrafe “Tutela”, a qual já constava do Anteprojeto proposto por Vital

Moreira e Fernanda Maçãs.79

76

Cf. O Estatuto…op. cit., p. 204. Também neste sentido, referindo a necessidade de supervisão democrática da activi-

dade reguladora, vd. João Confraria, op. cit., p. 155. 77

Cf. Infra, pp. 46 ss. Em especial, cf. p. 48. 78

Vd. João Confraria, op. cit., p. 155. 79

Cf. artigo 54.º do Ante-Projecto. Vd. Vital Moreira / Fernanda Maçãs, op. cit., pp. 305 ss.

30

III. A Concretização do conceito de Autonomia Orçamental previsto na Lei-Quadro nos

novos Estatutos das Entidades Reguladoras

i. A Autonomia Orçamental nos Estatutos: notas prévias.

A aprovação da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras veio obrigar, como acima refe-

rimos, a uma revisão dos estatutos vigentes, de forma a harmonizá-los com o disposto naquele

diploma.

No entanto, esta afirmação não é feita sem reservas; na realidade, embora a Lei-Quadro

constitua um regime de parametricidade para as diversas entidades reguladoras, não pode ser

considerada, em termos técnico-jurídicos, como uma lei de valor reforçado. Com efeito, ao invés

do que sucede com a Lei-Quadro das Privatizações, a Constituição não reconhece a Lei-Quadro

das Entidades Reguladoras enquanto lei de valor reforçado. Tal situação assume particular re-

levância no que se refere às relações entre a designada Lei-Quadro das Entidades Reguladoras

e os Estatutos. De facto, gozando as leis e decretos-lei de igual valor, ao abrigo do disposto no

n.º 2 do artigo 112.º, da Constituição, e não estando a Lei-Quadro incluída no catálogo de leis

reforçadas consagrado no n.º 3 do mencionado artigo da Lei Fundamental, parece-nos que os

diversos estatutos aprovados na sequência desta Lei-Quadro podem prevalecer sobre a mesma

— à luz do princípio geral lex specialis derrogat lex generalis.80

No contexto da relação entre a Lei-Quadro e os estatutos, importa, previamente, salien-

tar de forma resumida as principais alterações que a aprovação da Lei-Quadro implicou.

Neste âmbito, até 2013, podemos constatar que se verificava uma transposição para os

estatutos do conjunto de entidades reguladoras que viriam a ser abrangidas pela Lei 67/2013

dos poderes de tutela próprios da administração indireta do Estado. Esta sujeição a uma efetiva

tutela tornava, como refere Tânia Cardoso Simões, muito ténue a fronteira das entidades admi-

nistrativas independentes no seio da administração indireta do Estado.81

Analisando os estatutos das diversas entidades reguladoras em causa que vigoraram até

à aprovação da Lei-Quadro, podemos distinguir:

80

Cf. neste sentido Nuno Cunha Rodrigues, op. cit., p. 89. 81

Cf. Tânia Cardoso Simões, op. cit., p. 248.

31

a) por um lado, um conjunto de entidades que já beneficiavam de um regime de au-

tonomia financeira reforçado, como é o caso do então Instituto de Seguros de Por-

tugal (hoje, ASF), bem como da CMVM e Anacom;

b) No entanto, a par destas entidades, importa realçar a existência de entidades que,

não obstante estarem dotadas de um conjunto de receitas próprias, encontravam-

se sujeitas às regras da contabilidade pública, bem como às regras dos fundos e

serviços autónomos, com as inerentes restrições à autonomia orçamental destas

entidades, que acima enunciámos.82 Tal sucedia com a atual ERSAR (então IRAR)

e a ERSE.

A Lei-Quadro não veio inovar ao caracterizar as entidades administrativas com funções

de regulação como financeiramente autónomas. Com efeito, esta caracterização já se encon-

trava patente nos diversos estatutos então vigentes — veja-se, a título exemplificativo, o dis-

posto nos estatutos da Entidade Reguladora da Saúde, aprovados pelo Decreto-Lei 127/2009,

de 27 de maio, onde se refere expressamente, a par da proclamação da sua natureza de entidade

independente, a existência de tutela ministerial em relação aos atos de gestão financeira da

ERS83. Reconhecemos, no sentido da independência orçamental, que a ERS é financiada por re-

ceitas próprias, destacando-se aqui a relevância assumida pela taxa de registo84; no entanto,

esse financiamento não obsta à existência da referida tutela administrativa ministerial, a qual

se traduz em atos acrescidos de autorização e aprovação por parte dos ministros da Saúde e

das Finanças.85

Este equilíbrio entre independência e tutela também se verifica nos estatutos da CMVM,

embora os poderes de tutela do executivo se reflitam de forma mais atenuada. Referimo-nos

em particular, ao facto de existir já uma autonomia orçamental não totalmente submetida ao

controlo do executivo, não se baseando, como destaca Luís Guilherme Catarino86, em princípios

de hierarquia ou subordinação — concretizando a existência de um regime reforçado de auto-

nomia orçamental, que acima enunciámos.

82

Cf. Supra, Cap. III, i, p. 16. 83

Cf. Licínio Lopes, “Direito Administrativo da Saúde”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume III, p.

296. 84

Cf. Relatório de Auditoria n.º 18/2008 — 2.ª Secção. Relator: Conselheiro Dr. Carlos Moreno), p. 25. Disponível em

http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2008/audit-dgtc-rel018-2008-2s.pdf (última consulta: 27 de Março de 2016). 85

Cf. Relatório de Auditoria n.º 18/2008 — 2.ª Secção, Supra referido, p. 24. 86

Cf. Luís Guilherme Catarino, “Direito Administrativo dos Mercados de Valores Mobiliarios”, in Tratado… op. cit., p.

446.

32

Sem prejuízo dessa autonomia orçamental reforçada, a qual leva Calvão da Silva a reco-

nhecer à CMVM o grau máximo de autonomia em relação à tutela87, importa salientar que os

poderes de tutela reconhecidos ao executivo, embora não permitindo intromissões na concreta

esfera de decisão desta autoridade, conferem ao Governo o poder de emitir instruções genéri-

cas relacionadas com a política financeira prosseguida.88

Também o Instituto de Seguros de Portugal era caracterizado pela autonomia orçamen-

tal reforçada, sem prejuízo da tutela ministerial exercida pelo ministro das finanças.89

Atentando no caso da Anacom, os estatutos revogados pela Lei-Quadro previam, no seu

artigo 50.º, n.º 2, que careciam de aprovação ministerial o plano de atividades, bem como o

orçamento e as contas. No entanto, estes poderes de tutela reconhecidos ao Governo apenas

poderiam ser exercidos na estrita medida em que estamos perante documentos de gestão pre-

visional e de prestação de contas90, de forma a evitar a criação de situações de “irresponsabili-

dade total”91, o que confirma o regime de alargada autonomia orçamental estatutariamente re-

conhecido a esta entidade.

É igualmente ilustrativo desta situação de autonomia reforçada o facto do seu financia-

mento ser assegurado por receitas próprias, assentando fundamentalmente na cobrança de di-

versas taxas, multas e outras penalidades.92

Diversamente do que sucedia com a ASF, CMVM e ANACOM, destaca-se a existência de

outras entidades onde a autonomia face ao Governo se apresentava mais limitada, como era o

caso, nomeadamente, da ERSAR e da ERSE.

No que respeita à ERSAR, essa restrição encontra-se patente no artigo 1.º, dos Estatutos

do IRAR, aprovados pelo Decreto-Lei 277/2009, o qual assimilava esta entidade a um “instituto

público integrado na administração indireta do Estado”, o que permite contrapor esta entidade

àquelas que acima referimos gozarem de autonomia reforçada.93

87

Cf. Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros. Direito Europeu e Português, I, Parte Geral, 4.ª edição, Almedina, 2013,

p. 47. 88

Cf. Paulo Câmara, “Regulação e Valores Mobiliarios”, in Regulação…, op. cit., pp.160 ss. 89

Cf. Maria José Rangel de Mesquita, “Regulação da Actividade Seguradora: Traços Fundamentais”, in Regulação…,

op. cit., p.190. 90

Cf. Nuno Peres Alves, “Direito Administrativo das Telecomunicaçoes”, in Tratado… op. cit., Vol. V, p. 378. 91

Cf. Pedro Costa Gonçalves, Regulação, Electricidade e Telecomunicações - Estudos de Direito Administrativo da

Regulação, Coimbra, 2008, p. 223. 92

As receitas próprias da ANACOM representam 99,9% do total dos fundos afetos a esta entidade reguladora.

Neste âmbito, reveste-se de especial relevo a parcela relativa a “Taxas, multas e outras penalidades”, cujo peso, no triénio

2010-2012, se situou entre 93,2% e 98,7%, de acordo com a auditoria financeira ao ICP - ANACOM — Relatório 16/14,

2.ª Secção, de Julho de 2014, pp. 20 ss. Disponível em http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2014/2s/audit-

dgtc-rel016-2014-2s.pdf. Última consulta: 20 de Março de 2016. 93

Cf., neste sentido, Eduardo Paz Ferreira, “Em torno da Regulação…”, op. cit., in C&R, p. 46.

33

Sem prejuízo do seu financiamento ser assegurado por taxas cobradas às entidades re-

guladas (como as entidades gestoras de serviços de abastecimento público da água, de sanea-

mento e gestão de resíduos, entre outras), o que poderia levar a afirmar um maior grau de au-

tonomia orçamental, os critérios inerentes à sua fixação são definidos em portaria governa-

mental, cabendo a sua aprovação ao ministro da tutela, como refere Fernanda Maçãs.94

Quanto à ERSE, e apesar de lhe ser estatutariamente reconhecido o gozo de um elevado

nível de autonomia financeira, que leva Gonçalo Anastácio a caracterizar esta entidade como

um dos reguladores com estatuto de maior independência na Europa95, importa mencionar, no

entanto, que a integração desta entidade no Orçamento de Estado acaba por limitar a sua inde-

pendência; com efeito, a referida entidade encontra-se sujeita à aplicação de um regime finan-

ceiro de efetiva intervenção governamental, nomeadamente, no respeitante a cabimento das

despesas, bem como regime e requisitos de autorização de despesas.96

Impõe-se ainda referir, no âmbito do sector da aviação civil, a consagração do Instituto

Nacional de Aviação Civil (INAC) como instituto público integrado na administração indireta do

Estado. Consequentemente, para além da sujeição a poderes de tutela, comuns às demais enti-

dades reguladoras acima analisadas, o INAC encontrava-se igualmente sujeito a superintendên-

cia governamental, estando obrigado ao cumprimento de orientações gerais no âmbito da sua

atuação. No entanto, o seu regime financeiro era caracterizado pela equiparação às entidades

públicas empresariais, o que conduz a uma maior margem de autonomia e liberdade de gestão.

Esta equiparação permite assinalar que, pese embora o facto de estarmos perante um

instituto público —e não uma entidade independente —, a aplicação, no âmbito do regime fi-

nanceiro, do regime das entidades públicas empresariais constitui uma garantia da indepen-

dência do regulador, como defendem António Moura Portugal e Inês Teixeira97, a que acresce a

inexistência de tutela de mérito dos atos praticados, incluindo os orçamentos.

Em termos gerais, podemos afirmar que a “regulação independente” nos diversos seto-

res acima referidos caracterizava-se por um conjunto de relevantes constrangimentos, nomea-

damente ao nível da falta de coerência e estabilidade dos vários estatutos, a que acresce a es-

cassez de recursos financeiros.98

94

Cf. Fernanda Maçãs, “Serviços Públicos de Abastecimento de Água, Saneamento de Águas Residuais Urbanas e Re-

síduos Urbanos”, in Regulação, op. cit., p. 549. 95

Cf. Gonçalo Anastácio, “Regulação da Energia”, in Regulação…, op. cit., p. 325. 96

Cf. Gonçalo Anastácio, op. cit., p. 328. 97

Cf. António Moura Portugal / Inês Teixeira, “Regulação da Aviação Civil”, in Regulação…, op. cit., p. 454. 98

Já em 2008, o Tribunal de Contas chamava a atenção para estes aspectos, os quais eram considerados como imperfei-

ções susceptíveis de interferirem com o exercício pleno da regulação independente. Cf. relatório Síntese sobre a temática

da Regulação, Abril de 2008, p. 15. (Relatório de Auditoria n.º 18/2008 — 2.ª Secção. Relator: Conselheiro Dr. Carlos

34

Paralelamente, importa realçar, acompanhando a posição de Vital Moreira99, que os re-

gimes das autoridades reguladoras eram marcados por um défice de accountability, situação

que, em nosso entender, a Lei-Quadro procurou solucionar — eventualmente de forma exces-

siva — acabando por conferir ao Governo amplos poderes de tutela.

Decorre desta breve síntese, que o regime orçamental e financeiro das entidades regu-

ladoras era pautado por uma grande diversidade de regimes orçamentais, que justificavam a

adoção de “um quadro jurídico comum”, o qual deveria conter um conjunto de “[…] princípios

gerais de independência, modelos de governo, princípios de gestão administrativa e financeira e

requisitos de transparência e prestação de contas”, conforme consta da exposição de motivos da

Proposta de Lei 132/XII, que viria a dar lugar à Lei-Quadro das Entidades Reguladoras.

ii. A Autonomia Orçamental nos Novos Estatutos das Entidades Reguladoras

Como observámos no ponto i do presente Capítulo, a aprovação da Lei-Quadro das En-

tidades Reguladoras veio obrigar à execução de um processo de revisão dos estatutos das di-

versas entidades reguladoras, de forma a reforçar a “independência” das autoridades regula-

doras, designadamente em termos orçamentais. Procurava-se desta forma garantir que as en-

tidades reguladoras detinham recursos próprios para a prossecução das funções que lhes esta-

vam cometidas.

Em termos gerais, cumpre destacar que todos os estatutos das entidades abrangidas

pelo âmbito da Lei-Quadro se adaptaram ao disposto na mesma, o que permite confirmar a ideia

que avançámos de que esta lei constitui um regime de parametricidade, sem prejuízo da inexis-

tência de reconhecimento de valor reforçado por parte da Constituição.

Assim, verificamos que surge como transversal à globalidade dos estatutos das entida-

des abrangidas pela Lei a referência à autonomia financeira, enquanto garantia da existência de

independência dos reguladores.100

No entanto, cumpre realçar desde já uma certa incoerência de conceitos, que se mani-

festa no facto de ser reconhecida no conjunto de diplomas que constituem os estatutos das di-

versas entidades reguladoras, a existência de independência financeira.101

Moreno). Disponível em http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2008/audit-dgtc-rel018-2008-2s.pdf (última con-

sulta: 27 de Março de 2016). 99

Cf. Vital Moreira, Provas…, op. cit., p. 109. 100

Mantemos as reservas, que já deixámos expressas, a respeito do entendimento da Lei-Quadro de que as autoridades

reguladoras são independentes, entendimento esse que é replicado pelos diversos estatutos. 101

Artigos 5.º, n.º 2, dos estatutos da Anacom e 6.º, n.º 2, dos estatutos da ERS, respetivamente.

35

É de notar que, ao contrário do que sucede com a Lei-Quadro, os estatutos empregam o

conceito de “independência financeira”. Nesta sede, importa atentar na especificidade dos esta-

tutos da ANACOM, os quais após consagrarem a autonomia financeira destas — cf. artigo 1.º,

n.º 1, do Decreto-Lei 39/2015 — proclamam que a ANACOM constitui uma autoridade “finan-

ceiramente independente”, conforme se dispõe expressamente no n.º 2 do artigo 5.º. Esta pro-

clamação de independência financeira mostra-se, em nossa opinião, dificilmente compatível

com a aplicação à ANACOM do regime tesouraria do Estado102, nos termos do disposto no artigo

35.º, n.º 6, bem como com a definição de elementos das taxas e tarifas103 por portaria — vd.

artigo 37.º, n.º 2. Acresce ainda que os orçamentos e demais instrumentos com incidência fi-

nanceira carecem de aprovação do Governo, nos termos do artigo 48.º. Importa realçar que o

referido preceito concretiza o disposto no artigo 45.º da Lei-Quadro, tendo inclusivamente uma

redação muito semelhante, exceto no que respeita à epígrafe, corretamente denominada de

“aprovações prévias”.

Os referidos constrangimentos à independência financeira deste regulador permitem

afirmar que o poder de autogestão reconhecido à ANACOM não se traduz num poder “absoluto

e incondicional”104, nem numa absoluta soberania, mas implica que se estabeleçam um con-

junto de mecanismos de gestão —orçamentos separados e recursos financeiros necessários —

destinados a assegurar, “na medida do estritamente necessário”105, um exercício sem interfe-

rências governamentais. Significa isto que o próprio Tribunal de Contas reconhece que há limi-

tes para a independência orçamental, sobressaindo a necessidade de compatibilizar essa inde-

pendência (rectius, autonomia) com uma dimensão de resposta perante o executivo, nomeada-

mente, por estar em causa a utilização de recursos públicos.106

Atendendo ao acentuado poder de tutela do executivo na definição de relevantes pode-

res, que se manifestam quer na definição de elementos essenciais das taxas, tarifas e demais

102

Até ao final de 2012, importa notar que o princípio da unidade de tesouraria do Estado não foi observado pela ANA-

COM, sendo essa inobservância suscetível de gerar eventual responsabilidade financeira sancionatória. Cfr. ponto 18 da

auditoria financeira ao ICP - ANACOM, de Julho de 2014, p. 9. Disponível em http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_audi-

toria/2014/2s/audit-dgtc-rel016-2014-2s.pdf. Última consulta: 20 de Março de 2016. 103

O financiamento por taxas e tarifas - garantia de maior autonomia financeira, quando comparado com o financiamento

por via das dotações do Orçamento do Estado - registou um decréscimo acentuado no triénio 2010-2012 (-32%). Cf. 3.4.1,

p. 22 da auditoria referida. 104

Cf. considerando 21 do Ac. 15/2015, de 9 nov. — 1ª S/SS (Relat.: Cons. Helena Abreu Lopes) — disponível em

http://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos/2015/1sss/ac015-2015-1sss.pdf — última consulta em 29 de março de

2016. 105

Cf. considerando 21 do Ac. 15/2015, de 9 nov. — 1ª S/SS (Relat.: Cons. Helena Abreu Lopes) — disponível em

http://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos/2015/1sss/ac015-2015-1sss.pdf — última consulta em 29 de março de

2016. 106

Como é destacado no considerando 92 do Ac. 1/2016, de 26 jan. — 1ª S/PL (Relat.: Cons. José Mouraz Lopes) —

disponível em http://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos/2016/1spl/ac001-2016-1spl.pdf — última consulta em 26

de abril de 2016.

36

contribuições, como na necessidade de aprovação de relevantes instrumentos financeiros onde

se inclui o orçamento desta entidade, mantemos que a qualificação estatutária de independên-

cia financeira expressamente reconhecida à ANACOM mostra-se enganadora, sendo preferível

qualificar esta entidade como financeiramente autónoma.

Situação semelhante ocorre no setor da saúde onde, após se dispor que a Entidade Re-

guladora da Saúde constitui uma pessoa coletiva de direito público dotada de autonomia finan-

ceira — artigo 1.º —, surge a referência a que esta entidade é “financeiramente independente”,

conforme resulta do n.º 2, do artigo 6.º.

Mais uma vez, esta proclamação de independência mostra-se contraditória com a previ-

são de aplicação do princípio da unidade de tesouraria, a que alude o disposto no n.º 2 do artigo

59.º, bem como com a intervenção do Governo na definição de elementos das receitas da ERS

— nos termos previstos no artigo 56.º, n.º 3. Também se encontram previstos diversos poderes

de tutela, consubstanciados na necessidade de aprovação ministerial dos orçamentos e demais

atos com incidência financeira, bem como um relevante controlo prévio quando estão em causa

aquisições ou alienações de imóveis, que se mostra de difícil compatibilização com a pretensa

independência financeira estatutariamente consagrada.107

Assim, importa destacar, na linha do defendido por Nuno Cunha Rodrigues, que a inde-

pendência da ERS continua a não ser afirmada de forma plena108, subsistindo um conjunto de

limitações relevantes que se projetam em diversos planos, incluindo no domínio financeiro.109

Em sentido diverso, os estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários

(CMVM) não falam em independência financeira, dispondo-se no artigo 1.º que a CMVM goza

de autonomia financeira, ideia concretizada no artigo 30.º, n.º 2. De facto, esta solução parece-

nos mais adequada, atendendo à aplicação do regime dos fundos e serviços autónomos, con-

forme resulta das disposições conjugadas dos artigos 30.º, n.º 5 e 32.º, n.ºs 3 e 4, a que se soma

a intervenção do governo na fixação de elementos das taxas e contribuições cobrados por esta

entidade.

Decorre dos fatores enunciados que a CMVM passa a estar adstrita ao membro do go-

verno responsável pela área das finanças e obrigada ao respeito pelo princípio da unidade de

tesouraria, o que se traduz numa relevante restrição ao grau máximo de autonomia que até

então era reconhecido a esta entidade.

107

Cf. Ana Paula Cabral, “Regulação Independente em Saúde”, in Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de

Almeida, Coimbra, 2007, p. 268. 108

Cf. Nuno Cunha Rodrigues, “Regulação Independente em Saúde”, in Regulação…, op. cit., p. 635. O A. refere-se aos

estatutos aprovados pelo Decreto-Lei 309/2003, mas as considerações mantêm-se relevantes face ao disposto nos estatu-

tos atualmente vigentes. 109

Cf. Nuno Cunha Rodrigues, op. cit., p. 637.

37

As soluções enunciadas não obstam à consagração de uma autonomia reforçada deste

regulador, à semelhança do que já sucedia com os estatutos vigentes até à aprovação da Lei-

Quadro. Esta ideia encontra-se particularmente efetivada na ausência de qualquer referência,

a nível estatutário, dos poderes de tutela na autorização e aprovação de orçamentos e demais

instrumentos financeiros que encontramos na generalidade dos restantes estatutos.110

Também neste sentido parece-nos ir a salvaguarda da natureza privada da gestão finan-

ceira da CMVM, prevista no n.º 4 do artigo 30.º, bem como a previsão da possibilidade de tran-

sição dos resultados líquidos para o ano seguinte, constante do n.º 10 do mencionado artigo.

Acresce ainda, no âmbito do seu financiamento, o fato deste ser realizado exclusiva-

mente por receitas próprias, à luz do denominado princípio do autofinanciamento. Este princí-

pio traduz-se, como referem Sousa Franco e Sérgio do Cabo111, na atribuição à CMVM de um

conjunto de receitas próprias, permitindo-lhe deste modo fazer face às despesas inerentes ao

seu funcionamento, por um lado, e legitimar o regime de autonomia financeira a que está sujeita

por força dos estatutos. Tal facto não obsta a que se possa recorrer, se necessário, ao Orçamento

do Estado — cf. artigo 32.º, n.ºs 3 e 4 — embora esse recurso seja efetivamente excecional no

caso da CMVM.112

Resulta do exposto que se mantém o grau máximo de autonomia já reconhecido a esta

entidade por Calvão da Silva, nos termos que acima enunciámos. Esta situação leva Gonçalo

Castilho dos Santos a reconhecer à CMVM uma verdadeira “independência autonómica”113; em-

bora não concordemos com esta expressão, acompanhamos a posição do referido autor, parti-

cularmente quando destaca que estamos perante um “… regime especial e qualificado de auto-

110

Importa realçar que, independentemente destas proclamações de autonomia reforçada transversais aos estatutos da

CMVM pré-Lei-Quadro e novos estatutos, podemos retirar do Código de Valores Mobiliários um acentuar dos poderes

de tutela do Governo, nomeadamente quando estatui que, através do Ministro das Finanças, pode o Governo exercer

poderes de tutela conferidos pelos estatutos desta entidade. Cfr., neste sentido, Eduardo Paz Ferreira, “Sectores Estraté-

gicos e Intervenção do Estado no mercado de valores mobiliarios”, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. III, Coimbra,

2001, p. 25. 111

Cf. António de Sousa Franco / Sérgio Gonçalves do Cabo, “O Financiamento da Regulação e Supervisão do Mercado

de Valores Mobiliários”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. V, Almedina,

2003, p. 451. 112

Defendendo que a CMVM é uma autoridade administrativa independente, pelo facto de ter receitas próprias, não

dependendo em nada do Orçamento, nem podendo receber instruções técnicas do Governo, cf. José Nunes Pereira, “Re-

gulação do Mercado de Capitais”, in Conferências ERSE: A Regulação em Portugal, ERSE, 2000, p. 18. 113

Cf. Gonçalo Castilho dos Santos, “A Independência da CMVM no contexto da adstrição administrativa e da regulação

financeira em rede”, in Cadernos de Mercados de Valores Mobiliários, vol. 2, 2015, p. 102. (disponível on-line, em

http://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Docu-

ments/CMVM_Amadeu%20Ferreira%20Vol%20II.pdf). Última consulta em: 14 de março de 2016.

38

nomia orçamental e financeira que vincula o aplicador e o intérprete a uma concatenação nor-

mativa entre este recorte excecional do regime orçamental e financeiro aplicado a CMVM […] e

o enquadramento legal que rege a execução do Orçamento do Estado […].”114

À semelhança do que sucedia com a CMVM, também ao ISP era reconhecido um grau

reforçado de autonomia financeira. Os novos estatutos deste regulador (que procedem inclusi-

vamente à sua redenominação) consagram igualmente um grau reforçado de autonomia finan-

ceira, mantendo um quadro de financiamento com recurso a receitas próprias, bem como a pos-

sibilidade de transição dos resultados líquidos da ASF para o ano subsequente.115

Esta autonomia reforçada da ASF surge confirmada pela análise dos orçamentos desta

entidade, onde fica demonstra a relevância assumida pelas taxas e contribuições no financia-

mento desta entidade quando comparada com o financiamento através de receitas provenien-

tes do orçamento do Estado.116

Quanto aos estatutos da ERSE, o Decreto-lei passa a proclamar a sua autonomia finan-

ceira, conforme se destaca no artigo 49.º-A, n.º 1. Surgem igualmente reforçadas as suas recei-

tas próprias, passando a dispor o n.º 1 do artigo 50.º que estas deveriam respeitar o princípio

da autossuficiência financeira. No entanto, tal não se traduz num reforço da autonomia finan-

ceira; de facto, e embora o n.º 1 do artigo 58.º afirme a independência da ERSE, essa indepen-

dência mostra-se seriamente comprometida pelos poderes de tutela reconhecidos ao governo,

que incluem a aprovação dos orçamentos (51.º, n.º 3, e 58.º, n.º 2 dos estatutos), a qual pode

ser recusada de forma arbitrária pelo executivo, bastando para tal a alegação de interesse pú-

blico ou prejuízo para os fins da ERSE, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 58.º.

Os estatutos da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) também foram objeto de

adaptação ao disposto na Lei-Quadro, dispondo-se que esta entidade goza de autonomia finan-

ceira (artigo 1.º, n.º 1), estando dotada dos recursos financeiros “necessários e adequados”117,

sem sujeição a tutela ou superintendência governamental. Não obstante esta aparência de au-

tonomia reforçada, os estatutos desta entidade procedem à expressa sujeição do orçamento e

demais instrumentos financeiros ao disposto no artigo 45.º da Lei-Quadro, passando a existir

114

Cf. Gonçalo Castilho dos Santos, op. cit., p. 102. 115

No orçamento da ASF para 2017, transitaram do saldo anterior um total de € 2 743 633,00, que ficaram na posse da

ASF 116

No orçamento da ASF para 2017, constatamos que esta entidade é financiada por taxas diversas — no valor total de

€ 16 200 000,00 —e, residualmente, por dotações do Orçamento do Estado — € 167 000,00. 117

De acordo com a auditoria do Tribunal de Contas ao INAC —relatório de auditoria 22/2015 - 2.ª Secção — o finan-

ciamento desta entidade tem origem exclusivamente em receitas próprias, as quais assumem um peso entre 97,5% e

98,7%. Cf. página 20, Quadro 3, do referido relatório. Disponível em http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_audito-

ria/2015/2s/audit-dgtc-rel022-2015-2s.pdf (última consulta: 22 de Março de 2016)

39

uma efetiva tutela de mérito dos orçamentos da ANAC, por contraponto com o regime até então

vigente — onde inexistia tal poder, como acima observámos.

Para além deste poder reconhecido ao ministro das finanças, assume especial relevância

o facto de se passar a prever igualmente a aplicação do disposto no artigo 67.º da Lei de Enqua-

dramento Orçamental, nos termos do qual é exigido às entidades reguladoras a prestação de

um conjunto de informações, que incluem, nomeadamente, contas e relatórios referentes à exe-

cução orçamental, bem como um conjunto de documentos de prestação de contas.

É certo que, atendendo ao valor reforçado da Lei de Enquadramento Orçamental118, esta

remissão operada pelos estatutos afigura-se desnecessária; no entanto, esta previsão confirma

o acentuar dos poderes de tutela governamental, permitindo-nos afirmar que os estatutos da

ANAC vão claramente no sentido da governamentalização do regime financeiro, na linha do re-

gime definido pela Lei-Quadro.

Os diversos estatutos contemplam ainda, para além dos traços fundamentais do regime

financeiro acima enunciados, todo um conjunto de receitas próprias, enquanto sustento funda-

mental da autonomia financeira de cada entidade reguladora. De facto, a Lei-Quadro procurou

estabelecer um verdadeiro regime geral das taxas, especificando-se nos estatutos um conjunto

de outras receitas afetas a estas entidades. Esta diversidade encontra justificação na tentativa

de evitar a sobredotação por verbas provenientes do orçamento do Estado, de forma a instituir

uma verdadeira independência financeira (ou, pelo menos, uma autonomia reforçada).119

Não cremos que esse objetivo tenha sido conseguido; em cumprimento do disposto na

Lei-Quadro, os estatutos consagram igualmente diversos poderes de intervenção do Governo,

os quais se manifestam tanto na definição de elementos das receitas, como na existência de

poderes de tutela — com exceção da CMVM, que goza de um acentuado grau de autonomia, não

se encontrando abrangida pela tutela governamental.

No entanto, e atendendo ao disposto nos estatutos das entidades reguladoras analisa-

das, podemos distinguir, a par de entidades com autonomia reforçada (casos da Autoridade de

Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e

da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), outras entidades com uma autonomia orça-

mental mais limitada (casos da Entidade Reguladora da Saúde, bem como da Autoridade Naci-

onal de Comunicações e ainda da Autoridade Nacional de Aviação Civil).

Resulta do exposto que os mencionados poderes de tutela não se manifestam de igual

forma nas entidades analisadas, mantendo-se um quadro diversificado, atendendo à maior ou

118

Cf. Infra, pp. 42 ss. 119

Cf. Supra, Cap. III, ii, p. 27.

40

menor relevância assumida pelas dotações do Orçamento do Estado no contexto do regime or-

çamental e financeiro de cada entidade reguladora.

No entanto, importa salientar que se deram alterações significativas a nível estatutário.

Considerando, em concreto, os casos em que a entidade reguladora setorial estava instituída

sob a forma de instituto público — referimo-nos ao então IRAR, ISP e INAC — e não autoridade

reguladora, tais entidades estavam sujeitas quer a superintendência, quer a tutela. Com as alte-

rações estatutárias decorrentes da Lei-Quadro, tais entidades passaram a estar configuradas

como autoridades reguladoras, deixando por isso de estar sujeitas aos poderes de superinten-

dência por parte do Governo. Consequentemente, e como referido no capítulo que antecede, tal

implica que se deixa de reconhecer ao Governo o poder de definição da orientação da conduta

das entidades reguladoras. De facto, e ao abrigo dos seus poderes de tutela, o que está em causa

é apenas a existência de um mero controlo da regularidade ou da adequação do funcionamento

da entidade reguladora.120

Não consideramos que tal se traduza necessariamente num reforço da independência

financeira e orçamental das entidades reguladoras abrangidas; de facto, importa considerar

que a instituição de alguns dos institutos públicos como autoridades reguladoras operada pelos

estatutos aprovados após a Lei-Quadro das Entidades Reguladoras não nos parece, por si só,

garantia de uma verdadeira independência financeira, carecendo de ser enquadrada com o fato

do executivo poder recusar orçamentos através de uma verdadeira tutela de mérito.

Em conclusão, embora alguns dos estatutos analisados no presente capítulo empreguem

o conceito de independência financeira, importa atender ao facto das entidades reguladoras em

causa se financiarem por via do Orçamento do Estado, bem como à intervenção do executivo na

definição dos elementos constitutivos das taxas cobradas, a que se somam amplos poderes de

mérito na aprovação dos orçamentos, fatores que, em nosso entender, contribuem para uma

relevante compressão da proclamada independência.

120

Cf. Supra, Cap. III, iii, p. 28.

41

IV. O conceito de Autonomia Orçamental previsto na Lei-Quadro e nos novos Estatutos

das Entidades Reguladoras à luz da Nova Lei de Enquadramento Orçamental

i. Enquadramento

A análise à questão da autonomia orçamental das entidades reguladoras pressupõe, ne-

cessariamente, uma reflexão sobre os constrangimentos que as entidades reguladoras enfren-

tam, nomeadamente, de cariz financeiro.

Como acima observámos, os referidos constrangimentos a uma atuação verdadeira-

mente independente decorrem do reconhecimento ao poder executivo de um conjunto alar-

gado de significativos poderes de tutela, os quais podem incluir a recusa de orçamentos medi-

ante a simples alegação de contrariedade ao interesse público.

No entanto, importa notar que a Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, assim como os

diversos estatutos aprovados na sequência desta, não esgotam as limitações a uma atuação ver-

dadeiramente independente das entidades reguladoras.

De facto, atendendo ao contexto europeu vigente, marcado fundamentalmente por um

conjunto de instrumentos — como o Tratado Orçamental, o “Six-Pack” e o “Two-Pack” 121—

foram criadas relevantes restrições que se refletiram na condução da política orçamental naci-

onal.

Foi neste contexto, atendendo à necessidade de transposição destas normas europeias,

que o executivo acabou por publicar a Lei 151/2015, de 11 de setembro, a qual aprova a nova

Lei de Enquadramento Orçamental.122

De forma resumida, cumpre destacar que a nova Lei procurou fundamentalmente, para

além de efetivar a vigência da legislação emanada de instituições europeias, proceder à criação

de uma área de Contabilidade e Relato, no âmbito do Ministério das Finanças; pretendia-se ma-

ximizar o relato e a monitorização dos fluxos de caixa e económicos, nomeadamente, no que

respeita aos ativos e passivos, bem como rendimentos, gastos, despesas e receitas.

121

O “Six Pack” é constituído por um conjunto de medidas legislativas comunitárias, as quais visavam introduzir uma

maior vigilância económica e orçamental. Estes objetivos foram posteriormente reforçados, com a adoção do denominado

“Two Pack”. Cf. Joaquim Miranda Sarmento, “O Tratado Orçamental, Semestre Europeu, Six-pack e Two-pack: A ar-

quitetura orçamental da União Europeia”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 8, n.º 2, Verão, Alme-

dina, 2015, pp. 90 e ss. 122

Seguimos, neste ponto, as considerações de Joaquim Miranda Sarmento, A Nova Lei de Enquadramento Orçamental,

in Cadernos IDEFF, n.º 20, Almedina, 2016.

42

Impõe-se agora analisar como é que esta maximização do controlo do Ministério das

Finanças se compatibiliza com o reconhecimento de uma maior independência orçamental, exi-

gida pelo Memorando de Entendimento assinado pelo Estado português, o qual esteve, inclusi-

vamente, na base da aprovação da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras.

ii. As Entidades Públicas Reclassificadas

À semelhança do que já sucedia com a anterior Lei de Enquadramento Orçamental —

aprovada pela Lei 91/2001, de 20 de agosto — a nova LEO tem como objeto o estabelecimento

de um conjunto de regras e princípios aplicáveis ao subsetor da administração central.

No entanto, a nova LEO — Lei 151/2015, de 11 de setembro — introduz relevantes ino-

vações, destacando-se o facto de se passar a prever expressamente a sua aplicação a um con-

junto de entidades que tenham sido incluídas no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacio-

nais e Regionais.123 Estas entidades, denominadas de entidades públicas reclassificadas, pas-

sam a estar abrangidas pela LEO, numa tentativa de redução do âmbito da desorçamentação.

Em termos concretos, podemos referir que esta questão apresenta relevância jurídico-

orçamental, constituindo a reclassificação operada pela Lei de Enquadramento Orçamental de

2015 uma verdadeira integração no perímetro das administrações públicas.

É certo que, desde 2012, as mencionadas entidades públicas reclassificadas já se encon-

travam contempladas no Orçamento do Estado, relevando, consequentemente, para efeitos de

apuramento do défice orçamental e da dívida pública. Tal situação parece justificar-se, aten-

dendo a que, como refere Joaquim Miranda Sarmento, a integração destas entidades objeto de

reclassificação poderá contribuir significativamente para o incremento da transparência orça-

mental124, bem como um acréscimo da accountability destas entidades.

No entanto, as vantagens decorrentes da reclassificação não obstam ao reconhecimento

de que a nova LEO procede à equiparação destas entidades a Fundos e Serviços Autónomos,

conforme se dispõe expressamente no n.º 5, do artigo 2.º. Esta equiparação permite-nos afirmar

que a LEO restringe de forma significativa o grau de autonomia orçamental das entidades re-

123 Casos da Autoridade da Concorrência, ERS, ERSAR, ERSE, ICP/ANACOM e INAC. Cfr. Tabelas com a lista de

entidades que, em 2015, integravam o sector institucional das administrações públicas. Disponível on-line em

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_cnacionais (última consulta em 08 de maio de 2016). 124

Cf. Joaquim Miranda Sarmento, op. cit., p. 296.

43

guladoras, atendendo a que a assimilação das entidades reguladoras a fundos e serviços autó-

nomos é contrária ao maior âmbito de autonomia gestionária inerente ao regime das entidades

públicas empresariais.125

A mencionada assimilação ao regime dos fundos e serviços autónomos é igualmente

confirmada pela inserção de um conjunto relevante de entidades reguladoras nos Mapas onde

se encontram previstas as receitas e despesas destes; de facto, e considerando o disposto nos

diversos orçamentos do Estado que vigoraram após a Lei-Quadro, podemos verificar que se

procedeu à inserção de um conjunto relevante de entidades reguladoras nos mapas das receitas

e despesas respeitantes aos serviços e fundos autónomos.126

Acresce ainda que, contrariamente ao que sucede com a Lei-Quadro das Entidades Re-

guladoras, a Lei de Enquadramento Orçamental é uma lei de valor reforçado, sendo como tal

constitucionalmente reconhecida.

Resulta daqui que o disposto nesta Lei prevalece sobre a Lei-Quadro e demais estatutos

das entidades reguladoras que estabeleçam regimes contrários, nos termos previstos no artigo

3.º da LEO.

Nesta medida, consideramos que a aplicação supletiva do regime das entidades públicas

empresariais — prevista no artigo 4.º, n.º 2, da Lei-Quadro — a qual já encontrava diversas

limitações no âmbito da aplicação da Lei-Quadro e dos estatutos das entidades setoriais, mos-

tra-se fortemente restringida com a assimilação operada pela Lei de Enquadramento Orçamen-

tal destas entidades públicas reclassificadas a fundos e serviços autónomos.

Atendendo ao exposto, e embora acompanhemos a posição de Joaquim Miranda Sar-

mento, particularmente na necessidade de se garantir uma maior transparência orçamental e

um reforço da accountabillity das entidades reguladoras, afigura-se-nos que a aplicação da Lei

de Enquadramento Orçamental às entidades reguladoras que tenham sido objeto de reclassifi-

cação conduz à implementação de diversas limitações à autonomia orçamental destas entida-

des. Nesta sede, assume particular relevância o facto de constituir obrigação das entidades re-

classificadas a prestação de um conjunto de informações, nomeadamente a que respeita ao ba-

lancete analítico mensal — conforme resulta do artigo 47.º, n.º 1, do Decreto-Lei de Execução

orçamental de 2011 — podendo igualmente ser solicitada “(…) qualquer outra informação de

carácter financeiro necessária à análise do impacto das contas destas entidades no saldo das

125

Cf. Supra, p. 15. 126

Em termos concretos, constam do Orçamento do Estado para 2014, nos mapas que preveem as receitas e despesas dos

FSA, as seguintes entidades: ISP, Autoridade da Concorrência, ICP/Anacom, INAC, ERSAR, ERSE e ERS. Quanto ao

Orçamento do Estado para 2015, constam nos Mapas respeitantes a Fundos e Serviços Autónomos a Autoridade da Con-

corrência, a Autoridade Nacional de Comunicações, a ANAC e ainda a ERS.

44

administrações públicas”127, nos termos previstos no n.º 2 do referido preceito. A possibilidade

reconhecida ao executivo de exigir a prestação de qualquer informação afigura-se-nos como

suscetível de potenciar uma intervenção arbitrária do governo na gestão das entidades regula-

doras, restringindo de forma acentuada a pretendida independência financeira destas entida-

des.

O Decreto-Lei de Execução Orçamental em análise estabelece ainda um conjunto de pe-

nalizações a aplicar em caso de incumprimento da prestação das referidas informações, as

quais incluem restrições das transferências provenientes do Orçamento do Estado.

Constituindo as dotações do Orçamento do Estado uma fonte relevante de financia-

mento da generalidade das entidades reguladoras abrangidas pela Lei-Quadro, esta sanção

mostra-se uma punição severa às entidades incumpridoras dos deveres de informação, refor-

çando de forma acentuada a intervenção do poder executivo na gestão financeira e orçamental

das entidades reguladoras, a qual, embora necessária no contexto de emergência financeira vi-

gente ao momento da aprovação deste diploma, se revela contrária à ideia de reforço da inde-

pendência orçamental que presidiu à instituição da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras.

A breve análise que acima efetuámos do Decreto-Lei de execução orçamental de 2011

— relevante para o tema, atentando nas soluções adotadas, nomeadamente no respeitante à

exigência de informações de cariz orçamental — permite-nos constatar que se encontra bem

presente a preocupação em estabelecer mecanismos de controlo da utilização dos recursos das

entidades reguladoras, que embora constituam recursos próprios destas entidades são, em úl-

tima análise, recursos públicos, como referimos em capítulo anterior.

Esta preocupação continua a ser patente no Decreto-Lei de execução orçamental de

2016, o qual estabelece a aplicação de um regime especial às entidades reguladoras objeto de

reclassificação para efeitos de aplicação da Lei de Enquadramento Orçamental. Com efeito, este

regime especial, embora estabeleça a exclusão de determinadas regras deste diploma às deno-

minadas entidades públicas reclassificadas, mantém a obrigação de prestação de um conjunto

de informações conforme resulta genericamente do n.º 1 do artigo 20.º. Esta previsão é concre-

tizada na exigência de, em data a indicar na circular de preparação do Orçamento do Estado, as

entidades reclassificadas procederem a apresentação do balancete analítico e das demonstra-

ções financeiras previsionais para o ano em curso e para o ano subsequente, nos termos do

disposto no n.º 6 do artigo 64.º do Decreto-Lei de execução orçamental de 2016.

127

Itálico nosso.

45

Releva ainda referir que o mencionado Decreto de execução orçamental continua a re-

conhecer à Direção Geral do Orçamento a possibilidade de exigir a prestação de qualquer infor-

mação, não se vislumbrando qualquer preocupação no sentido de minimizar os efeitos de uma

ingerência excessiva da tutela em matéria de gestão financeira e dos recursos próprios destas

entidades.

Da análise dos regimes previstos quer na Lei de Enquadramento Orçamental, como nos

diversos decretos-lei de execução orçamental, resulta a qualificação das entidades reguladoras

como entidades públicas reclassificadas, com a inerente sujeição ao regime dos fundos e servi-

ços autónomos, a que acrescem diversas limitações a uma atuação verdadeiramente indepen-

dente, no que respeita aos domínios financeiro e orçamental.

Em conclusão, parece-nos que se mostra de difícil concretização a conciliação da inde-

pendência orçamental estatutariamente reconhecida às entidades reguladoras com um maior

controlo, nomeadamente por parte do ministério das finanças, dos orçamentos destas, facto

que nos permite afirmar, como faz Fernanda Maçãs, a existência de um verdadeiro “paterna-

lismo orçamental”.

V. A Independência Orçamental das Entidades Reguladoras nos Sistemas Continentais

e Anglo-Saxónicos: Estudo Comparado

i. Enquadramento

O modelo económico-financeiro adotado pelo legislador português em 2013, nos termos

acima analisados, não se pode desligar das conceções que presidiram à instituição das comis-

sões reguladoras independentes norte-americanas. De facto, foi neste ordenamento jurídico

que nasceu a ideia de regulação independente do poder político, a qual foi posteriormente

transposta para os sistemas continentais.

A passagem do modelo do Estado Regulador para o modelo de regulação independente

conduziu à proliferação de um conjunto de entidades reguladoras, as quais se substituíram à

intervenção estatal, procurando-se desta forma instituir um modelo de regulação independente

do poder político através de processos de desintervenção pública.

A consagração das denominadas independent regulatory comissions constituiu a forma

encontrada pelo legislador norte-americano de proceder à subtração da função reguladora do

46

domínio político, solução que foi posteriormente adotada na Europa, a partir da década de 80

do século XX.

Assim, impõe-se enquadrar o regime económico-financeiro desenhado pela Lei-Quadro

das Entidades Reguladoras, partindo das soluções propostas pelo sistema americano, e to-

mando em consideração o regime adotado nos sistemas jurídicos de matriz continental (nome-

adamente, em França e Espanha), bem como no sistema administrativo vigente no Reino Unido

— o primeiro país no contexto europeu a implantar este tipo de modelo organizacional no que

às entidades reguladoras diz respeito.

O referido enquadramento pressupõe uma breve análise de direito estrangeiro dos paí-

ses acima mencionados, atentando nas concretas soluções adotadas no que respeita ao regime

orçamental, assim como nas relações que se estabelecem entre os diversos reguladores e a tu-

tela parlamentar e / ou governamental.

Em termos sistemáticos, vamos abordar, de forma necessariamente sucinta, os regimes

económico-financeiros vigentes nos ordenamentos jurídicos acima enunciados, de modo a pro-

cedermos, em seguida, ao estudo de direito comparado — analisando as soluções adotadas por

esses sistemas à luz do regime orçamental instituído pela Lei-Quadro das Entidades Regulado-

ras.

ii. Estudo de Direito Estrangeiro

Tomando como ponto de partida deste estudo as designadas independent regulatory

agencies americanas — modelo inovador estabelecido em 1887 com a implementação da In-

terstate Commerce Comission — importa desde já notar que estas entidades não podem ser qua-

lificadas como gozando de uma total independência.128

Com efeito, o aparecimento das Independent Regulatory Agencies não pode ser desligado

das conceções montesquianas da separação de poderes e da consagração de mecanismos de

checks and balances, os quais implicam o reconhecimento de que cada um dos poderes controla

os demais.

Esta teoria, se entendida na sua vertente máxima, mostra-se contrária à existência de

uma independência absoluta das entidades reguladoras.

128

Como destaca Susan Rose-Ackerman, “The Regulatory State”, in The Oxford Handbook of Comparative Constitu-

tional Law, Oxford University Press, 2012, p. 676.

47

Partindo da doutrina da separação de poderes, podemos afirmar que constitui caracte-

rística fundamental do sistema regulador americano a submissão das propostas dos orçamen-

tos das entidades reguladoras ao Congresso.129

No entanto, o papel do Congresso no que diz respeito à supervisão dos orçamentos dos

reguladores americanos nem sempre conheceu a relevância de que goza atualmente.

Atentando na história da regulação americana, desde a década de 20 do século passado

que as entidades reguladoras submetiam as suas propostas de orçamento ao Bureau of The

Budget — e, posteriormente, ao organismo que lhe sucedeu: o Office of Management and Budget

— detendo estas entidades um conjunto relevante de poderes, que incluíam a possibilidade de

introduzir alterações às propostas apresentadas. Esta situação mereceu forte contestação de

diversas autoridades reguladores, levando o Congresso a permitir que as propostas de orça-

mento lhe fossem diretamente apresentadas pelos reguladores — o que, sem prejuízo de per-

mitir ao Office of Management and Budget a apresentação de alterações, constitui garantia de

que o Congresso tem a possibilidade de se pronunciar sobre a proposta original apresentada

pelo regulador.

Tal facto reveste-se de importância considerável, atendendo à forte legitimidade demo-

crática imediata deste órgão, permitindo — em teoria — uma maior conciliação entre a preten-

dida independência orçamental, por um lado, e a necessidade de supervisão democrática dos

orçamentos e demais instrumentos financeiros das entidades cometidas de funções de regula-

ção da economia, por outro.

O modelo adotado nos Estados Unidos acabou por influenciar decisivamente a política

de regulação nos diversos países da Europa continental, tendo sido moldado às especialidades

de cada um destes países.

Tendo-se tornado o primeiro país a adotar o modelo americano, o Reino Unido implan-

tou igualmente um conjunto diversificado de mecanismos destinados a assegurar um certo grau

de accountability perante o Parlamento, carecendo os orçamentos das entidades reguladoras

de aprovação por parte deste órgão.

Considerando a necessidade de atenuar a interferência do poder político no domínio da

regulação, também em França foram criadas diversas entidades sectoriais com função de regu-

lação, nomeadamente no domínio das telecomunicações e da eletricidade.

Estas entidades foram caracterizadas pelo legislador francês como sendo independentes

do poder político, estando dotadas de orçamentos autónomos.

129

Cf. Marshall J. Berger, “The Modern Independent Agency in The United States”, in Estudos em Homenagem ao

Professor Doutor Paulo de Pitta Cunha, vol. II, Coimbra, 2010, p. 576. Cf. ainda Susan Rose-Ackerman, op. cit., p. 676.

48

Tal proclamação leva-nos a afirmar que a consagração das designadas “autorités admi-

nistratives indépendants” tem como consequência necessária o reconhecimento de que estas

gozam de um conjunto de recursos, de modo a assegurar a sua independência orçamental. In-

dependentemente deste facto, e como destaca Marie-Anne Frison-Roche, a independência or-

çamental das autoridades reguladoras francesas não é absoluta, coexistindo com um conjunto

de limitações decorrentes da aplicação da Lei de Finanças a estas entidades.130 De facto, a com-

patibilização entre as autorités administratifs independants e a Lei de Finanças afigura-se-nos

problemática, na medida em que este diploma estabelece de forma expressa a afetação de todos

os recursos que provenham do Orçamento do Estado à realização dos fins que justificaram a

entrega dessas verbas.

A referida afetação tem subjacente a inserção dos reguladores no designado programa

de governo, o qual implica uma concreta definição no que respeita à aplicação destes recursos,

discriminando-se os objetivos a atingir, tomando em consideração o interesse geral.

Também neste sentido, importa assinalar a existência de um caderno de encargos, con-

cretizado pelo Parlamento, onde se encontram igualmente discriminados os diversos objetivos

a atingir.131

Desta forma, parece-nos que está posta em causa a independência orçamental dos regu-

ladores franceses, havendo a possibilidade de o governo intervir em aspetos essenciais da ges-

tão orçamental, não estando acautelada a construção de um modelo financeiramente indepen-

dente do poder político. É verdade que a Lei de Finanças francesa proclama a exclusão das en-

tidades reguladoras do controlo orçamental; no entanto, o referido diploma estatui igualmente

que é da competência do Governo a definição e atribuição de receitas aos reguladores, o que

constitui, como nota Marie-Anne Frison-Roche, um risco para a independência dos reguladores,

os quais podem ver as suas dotações reduzidas face a decisões que tomem e que sejam passíveis

de desagradar ao poder executivo.132

Parece possível alegar que a atribuição das referidas competências ao Governo está li-

gada a uma ideia de prestação de contas, de accountability, essencial num estado de Direito

democrático. Independentemente desse facto — que aceitamos plenamente — há que reconhe-

cer que o diretor do programa acima referido detém um conjunto de poderes, onde se inclui

130

Cf. Marie-Anne Frison-Roche, “Régulateurs indépendants versus LOLF”, in Revue Lamy Concurrence, 2006, pp.70-

71. 131

Cf. Jean-Jacques Laffont / Jean Tirole, “Risque et autorité de régulation”, in Problèmes Économiques. - Paris. - No.

2736, Novembre 2001, p. 7-8. 132

Cf. Marie-Anne Frison-Roche, op.cit., p. 70.

49

quer a redução dos orçamentos dos reguladores, como a possibilidade de uma interferência

direta na gestão financeira das entidades.

Os traços fundamentais do regime económico-financeiro das entidades reguladoras

francesas, que abordámos de forma sucinta nos parágrafos que antecedem, permitem-nos afir-

mar a inexistência de uma verdadeira independência orçamental, estando os recursos proveni-

entes do orçamento de Estado consignados aos fins para que foram atribuídos, por força da Lei

de Finanças.

Também em Espanha a questão da independência dos reguladores tem sido objeto de

discussão. Desde logo, impõe-se aferir a compatibilidade das designadas “autoridades adminis-

trativas independientes” com a consagração pela Constituição espanhola de um poder de dire-

ção do Governo sobre as Administrações Civis.

Efetivamente, o reconhecimento da existência do referido poder de direção carece de

ser equacionado tendo em conta que o legislador espanhol caracterizou estes organismos re-

guladores como organismos públicos, dotados de personalidade jurídica e gozando de indepen-

dência funcional. Atendendo a esse poder do Governo, parece-nos que o ordenamento jurídico

espanhol estabelece que a referida independência funcional não obsta ao reconhecimento da

existência de diversos poderes do ministério setorial correspondente, ao qual as entidades re-

guladoras espanholas se encontram adstritas.133

Recentemente, e tendo em vista alcançar um maior grau de transparência no funciona-

mento da regulação, deu-se em Espanha uma profunda alteração no modelo institucional vi-

gente. Esta alteração traduziu-se na unificação dos reguladores setoriais e da autoridade da

concorrência, tendo em vista aproveitar economias de escala, adotando uma visão integradora

na regulação dos diversos setores.

Da unificação dos reguladores resultou a criação, em outubro de 2013, de um novo or-

ganismo: a Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (CNMC). Esta solução teve em

vista maximizar o aproveitamento de economias de escala, evitando os custos inerentes ao con-

trolo de uma pluralidade de reguladores. Com a sua criação procurou-se fundamentalmente

garantir de forma mais eficiente o funcionamento dos mercados, bem como dos diversos seto-

res produtivos.

Em termos gerais, o referido organismo é caracterizado pelo gozo de personalidade ju-

rídica própria, bem como pela sua independência face ao governo, estando sujeito unicamente

a controlo pelo Parlamento.

133

Como salienta José Luis Meilan Gil, “Una Aproximación Jurídica a la regulación Económica y Financiera”, in Estudos

em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, 2010, p. 1252.

50

Na linha do que defendemos supra, o reconhecimento de que os organismos de regula-

ção se encontram dotados de independência face ao governo não significa nem pressupõe que

estes estejam isentos de prestar contas da sua gestão. De facto, a sujeição da CNMC à obrigação

de prestação de contas constitui, como realça Javier Garcia-Verdugo134, uma das características

principais que presidiram à instituição deste novo regulador.

No que respeita ao regime económico e financeiro desta entidade, importa começar por

referir que constitui característica da CNMC a sua “autonomía orgánica y funcional y plena in-

dependencia del Gobierno”, conforme o disposto no artigo 2.º, n.º 1, da Ley 3/2013 — que pro-

cedeu à criação deste organismo. As características enunciadas traduzem-se no reconheci-

mento de que este organismo se encontra dotado de património próprio e independente.

No entanto, estas disposições não obstam a que a CNMC esteja sujeita a um efetivo con-

trolo parlamentar, estando também formalmente adstrita ao ministério da economia — nos

termos do artigo 2.º, n.º 4 do referido diploma legal.

Importa ainda considerar outro fator que, em nosso entender, contribui para compro-

meter a independência deste organismo; assim, a consagração de que esta entidade goza de

património próprio tem que ser conciliada com o facto de recorrer ao Orçamento do Estado

para assegurar de forma cabal as suas necessidades de financiamento. Na linha do que acima

defendemos, mantemos que esta solução comporta riscos para a independência dos organis-

mos reguladores, potenciando a possibilidade do Governo reduzir o financiamento nos casos

em que as decisões tomadas pela administração dos reguladores sejam divergentes de orienta-

ções políticas exógenas a estes.

A solução de englobar os diversos reguladores setoriais numa única entidade foi igual-

mente adotada na Holanda e na Alemanha.

Todavia, este modelo de entidade reguladora transversal aos diversos sectores econó-

micos não é aplicado uniformemente. Deste modo, no caso holandês foi criada, em inícios de

2013, a “Autoriteit Consument en Markt” (ACM), a qual — à semelhança do que vimos suceder

em Espanha — veio substituir não apenas os diversos reguladores setoriais, como também a

Autoridade da Concorrência.

Com a instituição desta entidade pretendeu-se fundamentalmente dar uma resposta

concreta às necessidades de reforço da independência dos reguladores; no entanto, e no sen-

tido do que vimos suceder nos ordenamentos acima descritos, mantêm-se relevantes limitações

à pretendida independência. Referimo-nos aqui em concreto ao facto dos montantes cobrados

134

Cf. Javier Garcia-Verdugo, “El diseño institucional de la CNMC: Análisis crítico y propuestas de reforma”, in Regu-

lación y política de defensa de la competencia en España, nº 145, 2015. Disponível em https://www.funcas.es/Publi-

caciones/Sumario.aspx?IdRef=1-01145 - última consulta em 24 de dezembro de 2016.

51

por esta entidade serem de depósito obrigatório no ministério correspondente — nos termos

do disposto no n.º 7, da Secção 6a, do Regulamento que estabelece a ACM.

Em sentido divergente ao assinalado nos regimes espanhol e holandês, a opção do legis-

lador alemão passou pela instituição de uma entidade reguladora comum ao setor das utilities,

mantendo -se a funcionar de forma plena a Autoridade da Concorrência.

Tal entidade — o Bundesnetzagentur —foi constituída em 1998, desempenhando fun-

ções nas áreas da regulação do setor das telecomunicações e serviços postais; em momento

posterior acabou por abranger igualmente outros setores, nomeadamente nas áreas da eletri-

cidade, gás e setor ferroviário.

No que respeita à sua gestão financeira, destacamos que as receitas e despesas deste

regulador encontram-se previstas no orçamento federal.

Atendendo à análise acima efetuada, podemos afirmar que a consagração deste novo

modelo não se traduziu na adoção de um regime unitário; de facto, enquanto em Espanha e na

Holanda a nova autoridade criada englobou os reguladores das utilities bem como a própria

Autoridade da Concorrência, na Alemanha a solução adotada passou apenas pela fusão dos re-

guladores setoriais, continuando a Autoridade da Concorrência a funcionar de forma autónoma.

Considerando os diversos modelos acima referenciados, e atentando em concreto no seu

modo de financiamento, parece-nos que este novo modelo de fusão dos diversos reguladores

de carácter setorial comporta algumas vantagens. Referimo-nos em concreto ao facto de presi-

dir a esta nova organização institucional uma matriz de redução dos custos inerentes ao finan-

ciamento das diversas entidades reguladoras. Com efeito, procurou-se desta forma afetar os

recursos disponíveis a uma única entidade, de modo a evitar a sua dispersão, tendo em vista a

garantia de uma maior eficiência na gestão dos mesmos.

As vantagens inerentes a esta nova organização regulatória não obstam, no entanto, ao

reconhecimento de que a sua adoção não nos parece dar resposta à questão fundamental da

falta de independência face ao poder político. De facto, importa considerar que se mantém um

quadro de financiamento dependente de dotações do Orçamento do Estado, a que se soma a

adstrição destas ao Parlamento ou perante o Governo, nomeadamente no que respeita à apro-

vação de orçamentos e demais instrumentos financeiros essenciais à sua gestão.

Em síntese, constatamos que se verifica atualmente nos países europeus uma tendência

no sentido da alteração dos modelos institucionais vigentes, passando-se do modelo tradicional

de uma pluralidade de entidades reguladoras para um modelo de regulador único (incluindo a

Autoridade da Concorrência) ou para um modelo “dualista” (onde apenas se fundem os diver-

sos reguladores setoriais, mantendo-se a existência autónoma da Autoridade da Concorrência).

52

iii. Estudo de Direito Comparado

Da análise dos diversos ordenamentos jurídicos acima efetuada podemos retirar um

conjunto relevante de soluções destinadas a garantir que a atividade dos diversos organismos

reguladores é exercida sem interferências governamentais.

É neste contexto que se enquadram a criação das Independent Regulatory Agencies ame-

ricanas e de entidades equivalentes existentes no Reino Unido; em ambos os casos destacamos

que a obrigação de prestação de contas se efetiva perante o Parlamento (rectius, o Congresso,

no caso dos Estados Unidos), enquanto órgão com legitimidade democrática imediata.

Em sentido diverso, podemos equacionar regimes financeiros que consagram que a

obrigação de prestação de contas a cargo das entidades reguladoras deverá ser efetivada pe-

rante o Governo — foi esta a solução adotada em França, Espanha e, também, em Portugal.

Em ambos os casos, importa notar que estamos perante soluções destinadas a criar uma

maior accountability entre “governo” e reguladores, enquanto resposta à transferência de fun-

ções do poder político para as entidades reguladoras, como destacam Martin Lodge e Lindsay

Stirton135.

De facto, a própria conceção da separação de poderes de Montesquieu, que serviu de

base à criação das entidades reguladoras americanas, tem subjacente a ideia de que cada um

dos poderes controla os demais; nesta medida, e entendendo-se as entidades reguladoras en-

quanto um verdadeiro “quarto poder” ou um “Estado integrado dentro do Estado” na linha do

defendido por Rute Saraiva136, parece-nos que esta teoria se opõe a uma independência total

das entidades reguladoras, como acima deixámos expresso.

Considerando o exposto nos parágrafos que antecedem, entendemos que a atribuição

de poderes de aprovação ao Parlamento não contribui de forma decisiva para um incremento

da independência das autoridades reguladoras da economia. De facto, em qualquer dos casos,

parece-nos haver o risco da existência de influências exógenas à atividade reguladora nos or-

çamentos destas, por força de uma verdadeira tutela de mérito, que a intervenção parlamentar

— por si só — não se mostra capaz de eliminar; desta forma, entendemos não estar devida-

135

Cf. Martin Lodge / Lindsay Stirton, “Accountability in The Regulatory State”, in Robert Baldwin, Martin Cave, Mar-

tin Lodge, The Oxford Handbook of Regulation, Oxford University Pess, 2010, p. 355. 136

Cf. Rute Saraiva, op. cit., p.135 .

53

mente assegurada a garantia de uma efetiva independência orçamental, subsistindo uma pos-

sibilidade real das autoridades reguladoras verem o seu orçamento substituído por juízos po-

líticos alheios à sua atividade.

Parece-nos assim que o facto do legislador português ter optado por atribuir as funções

de tutela ao poder executivo, em lugar de ter adotado a solução de exercer esse poder através

de órgãos desgovernamentalizados (como é o caso do Parlamento), não se traduz necessaria-

mente numa limitação mais severa à autonomia orçamental das entidades reguladoras. Com

efeito, resulta da análise aos regimes espanhol, francês, bem como ao regime britânico, que o

desempenho das funções de aprovação de orçamentos pelo Parlamento não obsta a que os seus

orçamentos sejam objeto de tutela também por parte do Governo.

Por outro lado, a análise efetuada dos diversos ordenamentos jurídicos de matriz conti-

nental demonstra que o fato dos orçamentos serem sujeitos a aprovação parlamentar não con-

tribui para travar a interferência de juízos políticos na gestão económica e financeira das enti-

dades reguladoras.

Estamos, pois, perante um problema de resolução complexa; sendo certo que a indepen-

dência orçamental das entidades reguladoras não pode ser absoluta, é igualmente verdade que

se mostra necessário encontrar uma solução para atenuar a possibilidade de intervenções ar-

bitrárias por parte do poder político nas entidades com funções de regulação da economia, sob

pena de regressarmos ao modelo de “Estado Regulador”.

Poderia equacionar-se a possibilidade dessa solução passar pelo modelo de entidade re-

guladora única — com ou sem integração da Autoridade da Concorrência — o qual tem sido

adotado em diversos países da União Europeia, nos moldes acima expostos.

Neste âmbito, já tivemos oportunidade de afirmar que não consideramos que esse mo-

delo contribua de forma decisiva para um incremento da independência (rectius, autonomia)

das entidades reguladoras, subsistindo diversas limitações a uma atuação verdadeiramente in-

dependente do poder político e da administração pública.

Acresce ainda, no que respeita à possível fusão dos reguladores sectoriais e da Autori-

dade da Concorrência, solução posta em prática na Holanda e em Espanha, que entendemos que

as relações entre esta entidade e os demais reguladores setoriais podem ser qualificadas, como

faz Carlos Pinto Correia137, como uma questão de competência.

137

Cf. Carlos Pinto Correia, “As Relações entre a Autoridade da Concorrência e os reguladores sectoriais”, in Regula-

ção…, op. cit., p. 725.

54

Significa o exposto que a Autoridade da Concorrência não pode ser entendida como uma

entidade reguladora com esfera de ação própria e separada, havendo algumas áreas de sobre-

posição — é o caso das competências dos reguladores setoriais em matéria de tutela da concor-

rência, nomeadamente questões de acesso ao mercado ou determinação de preços.

No entanto, a verdade é que, de outra perspetiva, também aos reguladores estão come-

tidas funções específicas, as quais não se confundem com a tutela da concorrência.

Neste contexto, importa ainda considerar que regulação e concorrência partem de pres-

supostos inversos e têm esferas de atuação distintas138; com efeito, e nas palavras de Eduardo

Paz Ferreira e Luís Silva Morais, enquanto que no domínio da regulação está em causa funda-

mentalmente o estabelecimento de um conjunto de “[…]condicões relativamente padronizadas

de exercício de certas atividades económicas […]”, o direito da Concorrência, por sua vez, pres-

supõe “[…] a verificação em concreto de determinados comportamentos das empresas, objeto de

avaliação face à sua compatibilidade ou não com valores de mercado e de salvaguarda da con-

corrência efectiva […]”.139 Concretizando este último aspeto, e em suma, enquanto a atuação

das entidades reguladoras é uma atuação ex ante, a autoridade da Concorrência pauta-se por

uma atuação ex post.140

Nestes termos, não cremos que a solução adotada em Espanha e na Holanda — onde se

criou uma única entidade com funções no domínio da regulação, a qual englobou também a

Autoridade da Concorrência — tenha vantagem em ser aplicada em Portugal.

Considerando igualmente a solução alemã, onde foi criada uma entidade resultante da

fusão dos reguladores setoriais, excluindo-se desta solução a Autoridade da Concorrência, man-

temos que esta solução também não se mostra capaz de contribuir para ultrapassar os proble-

mas que identificámos como situações que mitigam a proclamada independência das entidades

reguladoras.

Sendo inegável que se pode falar numa tendência europeia para a constituição de um

novo modelo de regulação, o qual se caracteriza por uma maior eficiência em termos de gestão

de recursos financeiros — recursos que ficariam consignados a uma única entidade, evitando-

se a sua dispersão por um conjunto de reguladores — também é verdade que essa solução con-

tinua a não dar resposta à questão da garantia de autossuficiência financeira das entidades re-

guladoras, mantendo-se a existência de um conjunto de interferências de órgãos políticos exte-

riores à administração dos reguladores.

138

Cf. Vítor Calvete, “As semelhanças e as diferenças: Regulação, Concorrência e all that jazz”, in Julgar, n.º 9, 2009,

p. 90. 139

Cf. Eduardo Paz Ferreira / Luís Morais, op. cit., p. 22. 140

Cf. Eduardo Paz Ferreira / Luís Morais, op. cit., p. 22.

55

VI. A Regulação em Portugal: perspetivas para o futuro

Os diversos modelos de regulação que analisámos no Capítulo precedente demonstram

que são patentes diversos limites à construção de um modelo económico-financeiro isento de

intervenções exógenas às entidades reguladoras.

No caso português, a Lei-Quadro das Entidades Reguladoras instituiu, sob a aparência

de um reforço de independência, um conjunto de normas que a esvaziam ou limitam. Sendo

verdade que não é possível analisar as soluções adotadas por este diploma sem tomar em con-

sideração a situação de emergência económico-financeira que o país atravessava aquando da

sua aprovação, também é verdade que as normas ligadas ao Programa de ajustamento deve-

riam ser tratadas em legislação própria, nomeadamente, em sede de Lei do Orçamento do Es-

tado.141

Assim, entendemos que o propósito de reforçar a independência das autoridades regu-

ladoras subjacente à Lei-Quadro seria melhor alcançado se as normas ligadas ao programa de

ajustamento financeiro fossem retiradas do diploma em causa, devendo antes constar de outros

diplomas. Nestes termos, apenas se manteriam na Lei-Quadro um conjunto de normas e prin-

cípios transversais à função de enquadramento e de estabilidade normativa que presidiram à

concretização deste diploma.

Tomando igualmente em consideração a necessidade de minimizar o impacto das cir-

cunstâncias políticas na definição do quadro orçamental das entidades reguladoras, podemos

distinguir diversas soluções, as quais podem consistir:

- na atribuição dos poderes de tutela orçamental a entidades com legitimidade demo-

crática imediata, à semelhança do que sucede nos Estados Unidos, bem como no Reino Unido;

- na substituição da tutela de mérito por tutela de legalidade, em que os orçamentos

apenas poderiam ser recusados nos casos em que fossem contrários à lei, não relevando juízos

políticos de oportunidade nem conveniência; ou ainda,

141

Cf. Parecer sobre a Proposta de Lei 132/XII, que aprova a Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, elaborado pela

ANACOM, p.1. Disponível em http://app.parlamento.pt/webu-

tils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a5355786c5a7939

44543030764e554e50526b46514c305276593356745a57353062334e4a626d6c6a6157463061585a68513239

7461584e7a595738765a6a6c6c4f4745794d7a49745a4755785a6930305a444a684c5745785a5441744e7a466

c4d7a51774d4467304d6d49314c6e426b5a673d3d&fich=f9e8a232-de1f-4d2a-a1e0-71e3400842b5.pdf&In-

line=true (última consulta: 15 de Janeiro de 2017).

56

- na concretização dos conceitos indeterminados utilizados pela Lei-Quadro, que consti-

tuem fundamento para recusa dos orçamentos.

Neste contexto, e tomando em linha de conta a análise de direito estrangeiro nos termos

acima explanados, parece-nos que a resposta a este problema teria que passar não tanto pela

atribuição de poderes de tutela ao Parlamento, afigurando-se-nos preferível a concretização

dos conceitos indeterminados utilizados pela Lei-Quadro.

Outra solução possível consiste na substituição da opção de recusa de orçamentos com

base em juízos de mérito, devendo esta recusa passar a ser fundamentada atendendo unica-

mente a juízos de legalidade — critério que a Lei-Quadro também prevê.

De facto, e considerando que o conceito de “interesse público” está marcado por um “ele-

vado grau de indeterminação”, como referem Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Ma-

tos142, não permitindo uma definição concreta quanto à melhor forma de o prosseguir, enten-

demos que a sua utilização pelo legislador contribui para potenciar uma intervenção do go-

verno na definição da política orçamental das entidades reguladoras.

No mesmo sentido, também a utilização do conceito de “prejuízo para os fins das enti-

dades reguladoras” carece de ser devidamente delimitado.

Da análise do regime estabelecido pela Lei-Quadro, resulta a omissão do que se deve

entender por “fins das entidades reguladoras”, estabelecendo unicamente o artigo 3.º da Lei-

Quadro que “as entidades reguladoras têm atribuições em matéria de regulação da atividade

económica, de defesa dos serviços de interesse geral, de proteção dos direitos e interesses dos

consumidores e de promoção e defesa da concorrência dos setores privado, público, coopera-

tivo e social.”

Independentemente desta divergência de conceitos, que poderá ser corrigida em futuras

revisões do diploma, entendemos que a concretização do conceito de prejuízo para os fins das

entidades reguladoras poderia passar pela equivalência deste conceito ao conceito de “atribui-

ções”; assim, os orçamentos apenas poderiam ser objeto de recusa nos casos em a sua aplicação

conduzisse a resultados contrários à defesa das atribuições dos reguladores, tal como definidas

na Lei-Quadro.

142

Cf. Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., reimp., D.

Quixote, 2008, p. 209.

57

Precisando o conceito, podemos delimitar as atribuições das autoridades reguladoras

em regulação da atividade económica, por um lado, e promoção e defesa da concorrência, por

outro.143

Considerando a possibilidade de os orçamentos passarem a ser objeto de recusa apenas

com fundamento em critérios de legalidade — ao invés da utilização de critérios que incidem

sobre o mérito, conforme resulta da Lei-Quadro — importa referir que o mérito engloba a apre-

ciação da “oportunidade” e da “conveniência”.144 Significa o exposto que a utilidade da concreta

atuação administrativa para a prossecução do interesse público pode ser vista perante dois

prismas distintos:

No primeiro caso, está em causa a apreciação da utilidade da concreta decisão adminis-

trativa à luz da prossecução do interesse público legalmente definido. Em sentido diverso, no

caso da apreciação da conveniência, essa utilidade é definida considerando os demais interes-

ses públicos envolvidos.

No entanto, importa considerar que, em ambos os casos, o que se discute é a afirmação

de que uma determinada atuação administrativa prossegue, melhor ou pior, o interesse público,

não estando em causa a consideração da sua legalidade.

Com a substituição de critérios com base no mérito por critérios que apenas atendem à

legalidade das decisões administrativas, consideramos que estaria assegurada menor interfe-

rência do executivo na gestão orçamental das entidades reguladoras. De facto, neste caso, a atu-

ação do executivo ficaria limitada, apenas podendo recusar os orçamentos propostos pelos re-

guladores nas situações em que este fosse contrário à lei.

Assim, entendemos que, mais do que atribuir as competências de aprovação de orça-

mentos das entidades reguladoras — que não discutimos, e propugnamos como necessárias à

luz do princípio do Estado de Direito democrático plasmado constitucionalmente — ao Parla-

mento ou ao executivo, parece-nos que a solução estaria em definir de forma precisa os concei-

tos indeterminados utilizados pela Lei-Quadro, como avança João Confraria.

Reconhecemos, no entanto, que esta solução poderá levantar algumas questões ao ser

posta em prática. Com efeito, e como observámos nos parágrafos que antecedem, não é fácil

143

Neste sentido, vd. Parecer da Autoridade da Concorrência sobre a Proposta de Lei n.o 132/XII/2 Lei-Quadro das

Entidades Reguladoras, p. 3. Disponível em http://app.parlamento.pt/webu-

tils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a5355786c5a793944543030

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2017). 144

Cf. Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, op. cit., p. 185 ss.

58

proceder à delimitação destes conceitos, o que permite uma margem significativa de interven-

ção de fatores exógenos às entidades reguladoras na concreta definição das políticas orçamen-

tais destas.

Sendo verdade que esta circunstância não contribui para eliminar a intervenção de ór-

gãos políticos na gestão orçamental das entidades reguladoras, parece-nos, no entanto, a me-

lhor resposta para garantir a existência da autonomia orçamental legalmente reconhecida a

estas entidades, enquanto pressuposto necessário à sua criação.

VII. Conclusões

A passagem do Estado Regulador para o modelo de regulação independente conduziu à

criação de um conjunto de entidades administrativas dotadas de recursos próprios, de forma a

assegurar que a atividade reguladora é exercida sem interferências do poder executivo.

A referida preocupação reveste-se de plena atualidade, estando subjacente à criação da

Lei-Quadro das Entidades Reguladoras bem como às diversas revisões estatutárias que se im-

puseram.

Nesta medida, e no sentido de uma afirmação de independência, cumpre referir, a par

da consagração do princípio da autossuficiência financeira enquanto requisito necessário à cri-

ação de qualquer entidade reguladora, a equiparação genérica ao regime das entidades públicas

empresariais.

Estas soluções são igualmente acompanhadas da subtração das entidades reguladoras

da economia ao regime dos institutos públicos; tal situação assume particular relevância nos

casos em que as autoridades reguladoras estavam instituídas sob a forma de instituto público,

como sucedia com o INAC, o IRAR, bem como com o ISP. Concretamente, esta alteração operada

pela Lei-Quadro implica que estas entidades deixam de estar sujeitas ao poder de orientação

do ministério responsável.

Considerando o regime estabelecido pela Lei-Quadro importa, no entanto, destacar que

estes princípios gerais carecem de ser conciliados com as soluções concretas adotadas em sede

de regime económico-financeiro.

Assim, cremos ser necessário referir que o pretendido reforço da independência não foi

plenamente alcançado, persistindo diversas limitações.

Com efeito, as proclamações de independência subjacentes a este diploma legal encon-

tram relevantes constrangimentos, dos quais destacamos:

59

Por um lado, a utilização por parte da Lei-Quadro de conceitos indeterminados, o que

possibilita uma intervenção do Governo em aspetos essenciais do plano orçamental, nomeada-

mente na recusa de orçamentos, bastando para tal a simples alegação de prejuízo para o inte-

resse público ou para os fins das entidades reguladoras. De facto, e considerando que a Lei-

Quadro, assim como os estatutos aprovados, são omissos na caracterização destes conceitos, o

executivo poderá recusar instrumentos financeiros essenciais à gestão corrente das entidades

reguladoras de forma arbitrária, manifestando-se de forma patente uma ingerência governa-

mental na gestão orçamental destas entidades, que se traduz numa verdadeira tutela de mérito

sobre os orçamentos.

Acresce ainda que a independência orçamental, entendida enquanto efetiva capacidade

de planeamento não sujeita a interferências ou pressões externas, mostra-se dificilmente com-

patível com a previsão genérica de adstrição das entidades a tutela ministerial, concretizada

num conjunto amplo de poderes de aprovação dos orçamentos.

De forma a assegurar um maior grau de autonomia em termos orçamentais, seria rele-

vante que a Lei-Quadro procedesse a uma enunciação, de forma taxativa, dos casos de interesse

público e de prejuízo para os fins das entidades reguladoras que justificam a recusa de aprova-

ção dos orçamentos.

Por outro lado, pode equacionar-se a hipótese desse controlo ser feito, em primeira li-

nha, pelo Parlamento, enquanto órgão com legitimidade democrática imediata, ao invés de o

ser pelo Governo. No entanto, esta solução não obsta a que se mantenha um grau de intervenção

de órgãos políticos na gestão orçamental das entidades reguladoras, subsistindo um conjunto

de restrições e/ ou reservas que conduzem, necessariamente, à inexistência de uma verdadeira

independência.

Parece-nos evidente que não pode haver independência sem responsabilidade (accoun-

tability), considerando que os recursos destas entidades, embora próprios, são recursos públi-

cos. Desta forma, a necessidade de aprovação dos orçamentos traduz-se num ato de prestação

de contas, inerente ao Estado democrático. Esta premissa, por si só, não introduz, compulsiva-

mente, um vício no conceito de autonomia [sendo certo que a autonomia não é sinónimo de

ausência de controlo]; neste contexto, o que se afigura fundamental é que a Lei procure definir

e garantir de forma inequívoca a imparcialidade do órgão de controlo, de modo a que essa im-

portante função seja cumprida na sua integralidade, fortalecendo a estrutura e a própria natu-

reza da entidade reguladora, sem que tenha de entrar em rota de colisão com a essência de

qualquer entidade reguladora — a autonomia plena, a qual não deverá ser sequer mitigada, sob

pena da entidade reguladora deixar de o ser.

60

Resulta do presente trabalho a incapacidade por parte da Lei-Quadro em estabelecer um

modelo de regulação verdadeiramente independente do poder político, constatando-se a difi-

culdade em conciliar a pretendida independência financeira das entidades reguladoras com os

princípios da plenitude e do controlo orçamental, os quais assumiram particular relevância no

contexto económico-financeiro em que o diploma foi aprovado.

61

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- Ac. 15/2015, de 9 nov. — 1ª S/SS (Relat.: Cons. Helena Abreu Lopes);

- Relatório de Auditoria n.º 22/2015 - 2.ª Secção, de Agosto de 2015. Relator: Conselheiro Dr.

António Augusto Pinto dos Santos Carvalho;

- Relatório de Auditoria n.º 16/2014, 2.ª Secção, de Julho de 2014. Relator: Conselheiro Dr. An-

tónio Augusto Pinto dos Santos Carvalho;

- Relatório de Auditoria n.º 18/2008 — 2.ª Secção, de Abril de 2008. Relator: Conselheiro Dr.

Carlos Moreno;

66

Índice

Agradecimentos ......................................................................................................................................... II

Resumo ......................................................................................................................................................... III

Abstract .......................................................................................................................................................... V

Introdução ..................................................................................................................................................... 7

I. O regime atual: A Lei-Quadro das Entidades Reguladoras ................................................... 9

i. Enquadramento ................................................................................................................................................. 9

ii. O conceito de autonomia ............................................................................................................................. 10

II. A Gestão Económico-Financeira das Entidades Reguladoras .......................................... 12

i. O Regime Orçamental e Financeiro das Entidades Reguladoras ............................................... 12

ii. As Receitas das Entidades Reguladoras ................................................................................................ 17

iii. Da (In)dependência Orçamental das Entidades Reguladoras .................................................... 27

III. A Concretização do conceito de Autonomia Orçamental previsto na Lei-Quadro nos

novos Estatutos das Entidades Reguladoras .......................................................................... 30

i. A Autonomia Orçamental nos Estatutos: notas prévias. ............................................................... 30

ii. A Autonomia Orçamental nos Novos Estatutos das Entidades Reguladoras ....................... 34

IV. O conceito de Autonomia Orçamental previsto na Lei-Quadro e nos novos Estatutos

das Entidades Reguladoras à luz da Nova Lei de Enquadramento Orçamental ......... 41

i. Enquadramento .............................................................................................................................................. 41

ii. As Entidades Públicas Reclassificadas ................................................................................................... 42

V. A Independência Orçamental das Entidades Reguladoras nos Sistemas Continentais

e Anglo-Saxónicos: Estudo Comparado .................................................................................... 45

i. Enquadramento .............................................................................................................................................. 45

ii. Estudo de Direito Estrangeiro................................................................................................................... 46

iii. Estudo de Direito Comparado ................................................................................................................... 52

VI. A Regulação em Portugal: perspetivas para o futuro .......................................................... 55

VII. Conclusões .......................................................................................................................................... 58

Bibliografia ................................................................................................................................................ 61

Jurisprudência e Relatórios de Auditoria ....................................................................................... 65