a incrível aventura de um grupo de brasileiras em terras japonesas

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Lost In Translation A incrível aventura de um grupo de brasileiras em terras japonesas serve de moldura para a coleção de verão de Paula Raia e faz um convite à contemplação e à descoberta de novos horizontes. Nas próximas páginas, a estilista conta como foi a odisseia, num diário que mescla informação, emoção e reflexão. Arigatô, Paula! Por Paula Raia Direção de arte Camila Bossolan Fotos Tinko Czetwertynski Em meio a The Secret of the Sky, obra de Kan Yasuda no Benesse House Museum, em Naoshima, Paola de Orleans e Bragança, Mariana Caa Preta, Camila Bossolan e Paula Raia vestem peças do verão 2015/16 da grife de Paula

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Page 1: A incrível aventura de um grupo de brasileiras em terras japonesas

Lost InTranslation

A incrível aventura de um grupo de brasileiras em terras

japonesas serve de moldura para a coleção de verão de

Paula Raia e faz um convite à contemplação e à descoberta

de novos horizontes. Nas próximas páginas,

a estilista conta como foi a odisseia, num diário que mescla

informação, emoção e reflexão. Arigatô, Paula!

Por Paula Raia Direção de arte Camila Bossolan

Fotos Tinko Czetwertynski

Em meio a The Secret of the Sky, obra de Kan Yasuda no Benesse House Museum, em Naoshima, Paola de Orleans e Bragança, Mariana Catta Preta,

Camila Bossolan e Paula Raia vestem peças do verão 2015/16 da grife de Paula

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uando esta coleção do verão 2016 estava ainda em seu longo processo embrioná-rio, percorrendo o campo das ideias e sen-sações, alguns conceitos surgiram como guias: comunhão, harmonia, vastidão,

equilíbrio, generosidade, paz, silêncio. Essas palavras de ordem causaram em mim uma sensação anterior à estética, então, quando sentei para desenhar os pri-meiros vestidos, me imaginei no papel de um tradu-tor. A coleção nasceu e, no momento em que deu seus

primeiros passos, no desfile de lançamento na minha casa, em abril passado, ela caminhou clara, off-white, crua. Foram 16 tons de cru, mantendo o tecido livre de processos químicos. Talvez para equilibrar toda essa li-berdade, surgiu o Shibari, técnica japonesa de amarra-ção artística que se entrelaçou na coleção. Seria o Japão me chamando? A verdade é que eu não sabia. Porque desde o começo eu pensava em ir para a Islândia. Acha-va que o país nórdico seria o cenário perfeito para foto-grafar, como já faço tradicionalmente, para estas pági-

Paola e, à esquerda, Paula posam na mesma instalação de Kan Yasuda, no complexo em Naoshima com assinatura do premiado arquiteto Tadao Ando

Q

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nas de Vogue. Queria um lugar de cores neutras que emoldurasse a co-leção, um ambiente que trouxesse também a bri-sa daquelas palavras que me guiaram no começo – eu buscava o silêncio. Que bom que não fui. “Paula, eu tenho o lugar certo para você”, me disse Chris Bicalho, amiga e dona da agência de viagens STB, ao ouvir meus devaneios. “O que você busca está em Naoshima!” Era o Ja-pão surgindo novamente. Tentei não me empolgar: por mais incrível que me parecesse fotografar em terras japonesas, aque-la viagem era um sonho distante, e a logística, im-possível.

Fui pesquisar. E des-cobri que Naoshima é a materialização do sonho de Soichiro Fukutake, que em 1992, ao lado do genial arquiteto e amigo Tadao Ando, iniciou um pro-jeto de reposicionamento da remota ilha. Naoshima estava envelhecida, perdendo sua comunidade jo-vem. Mas Fukutake fez daquele espaço um absurdo encontro de arte, arquitetura e natureza. E Tadao tra-duziu o desejo do amigo numa arquitetura de expe-riência extremamente tocante, que, além da estética de peso, faz um convite à contemplação. O resultado é completamente surreal e mágico.

Eu desejei o Japão e, principalmente, almejei

Naoshima. Mas como conseguir fotografar lá? Os japoneses são muito conservado-res. Entrar numa ilha tão protegida com esse objetivo é difí-cil e requer um sem--fim de autorizações. Decidimos tentar. Fomos persistentes. Estudei a fundo e criei um moodboard para mostrar a eles a sinergia entre as mi-nhas peças e a arqui-tetura de lá. Com toda a formalidade japo-nesa, responderam que precisaríamos do aval de todos os artis-tas que tivessem suas criações expostas no editorial. Bom, deu um trabalho danado (many thanks, Chris Bicalho e Gabriela Saad, da Vogue, que mergulha-ram com a mesma de-

terminação que eu!). A uma semana da viagem, ainda não sabíamos se poderíamos fotografar nas locações. Embar-quei no escuro para a terra do sol nascente.

Se chegar no Japão é uma experiência paralela, fazer essa viagem com uma equipe de 11 pessoas é delicio-samente confuso. A excitação era tanta que passamos incólumes ao fuso horário, mesmo com as 30 horas de voo e as 12 de diferença. Tóquio, nossa primeira parada, é pulsante e cheia de frescor. Lá, tudo é vanguardista, ainda que antigo: a educação, a gentileza, o respeito,

Naoshima é a materialização do sonho de Soichiro Fukutake, que em 1992, ao lado do genial

arquiteto e amigo Tadao Ando, iniciou um projeto de reposicionamento da remota ilha

Abaixo, Camila e, à direita, Mariana em momento de contemplação no museu

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Paola na plantação de chá Obubu, em Kyoto. Na página ao lado, a modelo japonesa Yuka Sekimizu na casa de chá Yamamoto-Tei, em Tóquio

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Paula, no bambuzal de Arashiyama, um dos cenários mais espetaculares dos arredores de Kyoto. À esquerda, escada de vidro do Go-Oh Shrine, de Hiroshi Sugimoto, parte do Art House Project, em Naoshima

o silêncio, a limpeza das ruas, que, mesmo sem li-xeiras, seguem limpas por pura questão de civilida-de. Mesmo com uma volumosa massa de gente nas ruas, existe uma habilidade de convivência admirá-vel. Eles andam em filas e numa marcha harmonio-sa. Tóquio te ensina sobre respeito, ao mesmo passo em que te impulsiona ao novo.

Nossa equipe era formada por 11 pessoas, entre elas as três “mulheres reais” que foram convidadas para fazer as vezes de modelos: Paola de Orleans e Bragan-ça, princesa pop, doce, leve e educada; Mariana Catta Preta, brasileira que vive em Londres, espirituosa, in-teligente e dona da risada mais gostosa do mundo; e

Camila Bossolan, modelo de ocasião e também direto-ra de arte, que se revelou muitas em uma só: disposta, amável, autêntica, forte e frágil, engraçada.

Em caravana, nos aventuramos na cômica jor-nada pelas ruas de Tóquio. Um tremendo desafio, já que viemos todos de voos malucos e não dormidos, tentando entender as mil e uma variações de bi-lhetes de metrô, curiosos para desvendar bairros e experiências em uma única tarde. Nos perdemos e nos encontramos até as ofuscantes luzes da cidade acenderem. O day after começou com a nossa pri-meira sessão de fotos, feita numa tradicional casa de chá local. O restante do dia foi dedicado aos pre-

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Acima, Mariana e a hair stylist Keiko Tada nas plantações de chá Obubu, a uma hora de Kyoto

parativos para a viagem a Naoshima. Era preciso transportar malas pessoais, malas de produção, ma-las de maquiagem e muito equipamento fotográfico. Fazer caber a imensa bagagem (vezes 11), em tempo cronometrado, no bagageiro do trem-bala, que vai de Tóquio a Okayama em quatro horas, foi um dos capítulos mais divertidos e emocionantes da saga. Superlotamos alguns vagões, mas deu certo. Depois, mais uma hora de van e 30 minutos em um ferry boat nos levaram até o destino final.

Naoshima fica no meio do nada. Logo na entrada, as obras redondas, coloridas e bem-humoradas da artista Yayoi Kusama dão as boas-vindas, assim como Mitsue, pequena japonesa de alma bem grande. Relações-pú-blicas do lugar, ela nos olhou (eu, a equipe e as dezenas de malas) desconfiada. E nos levou para conhecer as locações. Estava há dias tentando incorporar uma for-ma de expressão mais contida e acatada como a dos japoneses, mas brasileira que sou logo caí no choro. Me

sentia extremamente especial por estar ali, num lugar tão único, acompanhada dos melhores cúmplices.

Ao fechar os olhos, ainda enxergo com clareza o primeiro lugar que fui conhecer. Difícil descrever o templo de vidro. Obra do artista Hiroshi Sugimoto, tem uma escada de vidro que sai de um pequeno túnel subterrâneo e termina num lindo santuário ao ar livre, unindo terra e céu. Sim, as instalações ficam espalha-das, imersas na natureza. As obras e imensas formas geométricas te surpreendem quando brotam camufla-das em meio às paisagens. Foi assim que me deparei com o Chichu Art Museum, um dos quatro museus da ilha e um dos projetos mais impressionantes que já vi na vida – para não comprometer o visual ao redor, ele foi construído praticamente inteiro subterrâneo, e, mesmo posicionado abaixo da terra, uma abundante luz natural ilumina todo o espaço, transformando as obras de acordo com a hora do dia e a estação em curso. E que obras! Claude Monet, James Turrell e Walter De

Maria são alguns dos nomes que por ali te abraçam. A ilha é a antítese do museu ocidental, fechado e

lotado. Faz um convite a experimentar o silêncio e a reflexão. Ao entrar no Oval Room, obra-prima de Ta-dao Ando, todos os nãos passam a fazer sentido – ali não pode fotografar por mais de uma hora, não pode subir o volume da conversa e também não pode fo-tografar se chover.

Em Naoshima você pode se hospedar em modestas guest-houses ou optar pela inimaginável experiência de dormir dentro de um museu, num quarto projetado por Tadao, caso do Benesse House. Foi nossa escolha, claro! O make-up rolava na varanda do quarto, onde o presente era uma deliciosa vista para obras espalhadas em um perfeito gramado com fundo de mar. Pelos cor-redores, não se ouvia ou encontrava ninguém, exceto no café da manhã. O público? Os gringos mais cults do planeta, galeristas, artistas e entusiastas, mulheres chiquérrimas de cabelos brancos e camisas de linho e

homens estilosos com seus óculos de armações largas. Era a única refeição que fazíamos no hotel.

Durante o dia, comíamos nos pequenos restauran-tes da vila ou em singelas e íntimas casas de famílias, que passavam o dia inteiro preparando pratos típicos e exóticos (nada de sushi!): sensacionais peixes desi-dratados, legumes com molhos diferentes, sopas de peixe, bateras, udons... Enquanto saboreávamos tanto mundo novo, dividíamos nossas histórias com essas queridas figuras locais que surgiam no nosso roteiro. Indo embora da ilha, já na balsa, tenho a lembrança de ver de longe Mitsue, nossa impecável anfitriã, pulan-do e acenando mesmo a muitos metros de distância. Lágrimas de adeus, tivemos uma conexão quase que telepática!

A próxima e última parada seria Kyoto. Antiga capi-tal do império japonês, um balneário sem clima de bal-neário, a cidade abriga a essência da cultura e história japonesas: os santuários e templos budistas, os mais

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Paola, Camila, Paula e Mariana no Oval, a área mais exclusiva do Benesse House, em Naoshima,

que apenas pode ser visitada por seus hóspedes

Ao entrar no Oval Room, obra-prima de Tadao Ando, todos os nãos passam a fazer sentido – ali não pode fotografar

por mais de uma hora, não pode subir o volume da conversa e também não pode fotografar se chover

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Mariana no ferry boat que levou o grupo a Naoshima. À esquerda, Paola no bambuzal de Arashiyama, nos arredores de Kyoto.

Produção: Camila Schnarndorf e Isabel Pimenta Bueno Produção executiva: Marcio Edagi Assistente de produção: Fabiana Tanaka Modelo: Yuka Sekimizu (Satoru Japan)

Hair stylist: Keiko Tada Maquiagem: Ban Fumihiro Styling: equipe Paula Raia Locações: Image Field Inc

sublimes jardins, as gueixas apressadas na rua... tudo te convida a transitar em outro tempo; é um respiro da loucura de Tóquio. Em Kyoto teríamos os dois últi-mos dias da maratona de 12. No primeiro fomos para a Obubu Tea Plantation, a uma hora da cidade. Que equação perfeita de paisagem! O desenho daquelas plantações trouxe um pano de fundo escultural para as fotos, parecia mentira. No segundo e último dia, caí-mos da cama bem cedinho para pegar a luz perfeita da plantação do Arashiyama Bamboo Grove. Mais uma locação que revelou o poder e a harmonia da natureza no Japão. E mais um dia de céu azul, amém! É que, segundo a previsão do tempo, estávamos nas duas semanas com maior probabilidade de chuvas do

ano. Fui com fé. E o sol se abriu a cada dia de foto.No Japão encontrei muito mais que o cenário per-

feito para as lindas imagens destas páginas. Pude sentir aquelas palavras de ordem que me guiaram no início da coleção serem refletidas na geografia da terra e nas pessoas: o silêncio da ilha de Naoshima; a comu-nhão das amizades que surgem, ou se fortalecem, de maneira única quando estamos viajando; o equilíbrio de Kyoto e a harmonia das plantações de chá; a gene-rosidade do povo japonês; a paz dos templos budistas; a vastidão dos caminhos de Tóquio. Minha expectati-va era enorme, mas não poderia prever o quanto fui surpreendida. Se cada viagem nos faz maiores, dessa sinto que regressamos enormes!

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No metrô de Tóquio, a primeira parada: a partir da esquerda,

Isabel Pimenta, Paola de Orleans, Tinko, Mariana Catta Preta, Camila Bossolan, Paula

Raia e Camila Schnarndorf

Paula, Mariana e Camila Bossolan no café da manhã do Ritz Carlton após as fotos no bambuzal

A turma na praia, em Naoshima

Na plantação de chá em Obubu: pano de fundo escultural para as fotos

Tinko no bambuzal Arashyama, em Kyoto

Paula Raia no Ritz Carlton, em Kyoto

Durante as fotos na plantação, todas usaram sapatos para se proteger das cobras

Mariana Catta Preta, com uma vara para espantar as cobras da plantação de chá, e a hair stylist Keiko Tada

Paola e Paula no Oval Room, obra-prima

de Tadao Ando

IntrépidaAlém das três convidadas especiais e de Tinko Czetwertynski, fotógrafo belga radicado no Brasil (mas que vive pelo mundo), nossa equipe era formada pelo produtor brasileiro Márcio Edagi (nosso anjo da guarda, que vive no Japão há 20 anos, sem ele as fotos simplesmente não teriam acontecido); por Isabel Pimenta e Camila Schnarndorf (meus braços direito e esquerdo até, e principalmente, do outro lado do planeta); pelo maquiador Ban Fumihiro e a hair stylist Keiko Tada, ambos japoneses; e por Fabiana Tanaka, minha amiga da vida, que tem um incrível dom de agregar as pessoas.

Um dos blocos do hotel-museu Benesse House,

o Oval Room tem quatro quartos disponíveis

Paola Orleans e a modelo japonesa

Yuka Sekimizu (abaixo)

Camila Bossolan e Paula em cima da van, posando para as fotos no bambuzal Arashyama

Agradecimentos: Chris Bicalho, Mark Harris, Mandarin Oriental Tokyo, Xmart, The Ritz-Carlton Kyoto, Fukutake Foundation, Mitsue Nagase e equipe Benesse Art Site Naoshima

TRUPE

FOTO

S: IS

ABEL

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ENTA