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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A (IN) CONSTITUCIONALIDADE E A (I) LEGALIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA
MILITAR DE SANTA CATARINA
CÉSAR AUGUSTO CAON DEMARCHI
Itajaí, novembro de 2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A (IN) CONSTITUCIONALIDADE E A (I) LEGALIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA
MILITAR DE SANTA CATARINA
CÉSAR AUGUSTO CAON DEMARCHI
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar
Itajaí, novembro de 2010
AGRADECIMENTO
Aos meus pais, Sebastião e Ivone, que muito
batalharam pela minha formação, resultando no
que sou hoje.
À minha família, pelo amor, educação e bons
princípios dados, que ajudaram na formação do
meu caráter.
À minha namorada, Ana Paula Corrêa de Mello,
por ter me ensinado o verdadeiro sentido da vida
e por me apoiar em todos os momentos difíceis.
Ao meu orientador, Professor Doutor Zenildo
Bodnar, pelos conselhos, paciência e
ensinamentos, que ajudaram na minha
aprendizagem e no bom andamento desta
monografia.
Aos amigos que sempre me apoiaram em todas
as decisões e me ensinaram os valores de uma
boa amizade.
Aos antigos colegas da Polícia Civil de Brusque,
que apesar de todas as adversidades, sempre
trabalharam arduamente e honestamente em
busca do bem da sociedade.
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Sebastião Demarchi e Ivone
Maria Camatti Demarchi, e à minha namorada,
amor da minha vida, Ana Paula Corrêa de Mello,
pelo incentivo, apoio, paciência e carinho dados
nessa difícil caminhada.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí/SC, 26 de novembro de 2010.
César Augusto Caon Demarchi Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando César Augusto Caon Demarchi,
sob o título A (in) constitucionalidade e a (i) legalidade do termo circunstanciado
lavrado pela Polícia Militar de Santa Catarina, foi submetida em 26 de novembro
de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Zenildo
Bodnar (Orientador), Carlos Roberto da Silva (Examinador) e Osmar Dinis
Facchini (Examinador), e aprovada com a nota
Itajaí, 26 de novembro de 2010.
Professor Doutor Zenildo Bodnar Orientador e Presidente da Banca
Professor Mestre Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CESC/89 Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989 CPP
Código de Processo Penal
CRFB/88
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
STJ STF
Superior Tribunal de Justiça Supremo Tribunal Federal
ROL DE CATEGORIAS
Ato administrativo
“manifestação ou declaração da administração pública, nesta qualidade, ou de
particulares no exercício de prerrogativas públicas, que tenha por fim imediato a
produção de efeitos jurídicos determinados, em conformidade com o interesse
público e sob regime predominante de direito público1.”
Autor do fato
“[...] aquele que cometeu a infração de menor potencial ofensivo [...]2.”
Autoridade policial
“[...] O conceito de „autoridade policial‟ tem seus limites fixados no léxico e na
própria legislação processual. “Autoridade” significa poder, comando, direito e
jurisdição, sendo largamente aplicada na terminologia jurídica a expressão como
o “poder de comando de uma pessoa”, o “poder de jurisdição” ou “o direito que se
assegura a outrem para praticar determinados atos relativos a pessoas, coisas ou
atos”. É o servidor que exerce em nome próprio o poder do Estado, tomando
decisões, impondo regras, dando ordens, restringindo bens jurídicos e direitos
individuais, tudo nos limites da lei. Não têm esse poder, portanto, os agentes
públicos que são investigadores, escrivães, policiais militares, subordinados que
são às autoridades respectivas3.”
Decretos de execução
“Os decretos de execução ou regulamentares costumam ser definidos como
regras jurídicas gerais, abstratas e impessoais, editadas em função de uma lei
1 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São
Paulo: Método, 2010. p. 410-411.
2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais.
7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 87.
3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 86.
cuja aplicação de algum modo envolva atuação da administração pública, visando
a possibilitar a fiel execução dessa lei4.” (grifo do autor)
Habeas Corpus
“Remédio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a
coação à liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder5.”
Ministério Público
“O Ministério Público é, na sociedade moderna, a instituição destinada à
preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade. Define-o
a Constituição como „instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis6.”
“O Ministério Público é o órgão que, no processo penal, é o titular da ação penal
pública e o fiscal da correta aplicação da lei7.”
Polícia administrativa
“[...] que tem por fim prevenir crimes, evitar perigos, proteger a coletividade,
assegurar os direitos de seus componentes, manter a ordem e o bem-estar
públicos [...]. Sua ação se exerce antes da infração da lei penal, sendo por isso
também chamada de Polícia Preventiva. As vastas atribuições desse ramo da
polícia são disciplinadas por leis, decretos, regulamentos e portaria [...]8.”
Polícia judiciária
“[...] destinada a investigar os crimes que não puderam ser prevenidos, descobrir-
lhes os autores e reunir provas e indícios contra estes, no sentido de levá-los ao
4 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São
Paulo: Método, 2010. p. 230.
5 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 760.
6 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelledrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 210.
7 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 235.
8 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium,
2002. p. 35.
juízo e, consequentemente, a julgamento; a prender em flagrante os infratores da
lei penal, a executar os mandados de prisão expedidos pelas autoridades
judiciárias, e a atender às requisições destas. Assume aí o caráter de órgão
judiciário auxiliar. Sua atividade só se exerce após a consumação do fato
delituoso, pelo que se dá à polícia judiciária também a denominação de Polícia
Repressiva [...]9.”
Representação criminal
“manifestação da vontade do ofendido ou de seu representante legal no sentido
de autorizar o Ministério Público a desencadear a persecução penal10.”
Suspensão condicional do processo
“A suspensão condicional do processo é, também, uma verdadeira transação. É
transação penal e processual. A parte acusadora a propõe e a Defesa tanto pode
aceitá-la como rejeitá-la. A diferença, contudo, quanto à transação disciplinada no
art. 76 é gritante. Esta só pode ser admitida em se tratando de contravenções ou
de crimes cuja pena máxima in abstracto não ultrapasse dois anos. Já a
suspensão condicional é perfeitamente admissível não só em relação a essas
infrações como também no que respeita a quaisquer outras, dês que a pena
mínima cominada não supere um ano11.”
Termo circunstanciado
“O termo circunstanciado tem por objeto a descrição de uma infração penal de
pequeno potencial ofensivo e suas circunstâncias, bem como eventual
qualificação de testemunhas e indicação das requisições de exames necessários
à prova da materialidade da infração. Dele também deverá constar, se não houver
a apresentação imediata do agente ao juiz, o compromisso de aquele comparecer
9 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium,
2002. p. 35.
10 FRANCO, Alberto Silva; BETANHO, Luiz Carlos; FELTRIN, Sebastião Oscar. Código penal e
sua interpretação jurisprudencial. v.1. t.2. São Paulo: RT, 1979. p. 48.
11 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais
Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 226.
em juízo, a fim de que não se imponha a prisão em flagrante ou se exija a
fiança12.”
Transação penal
“A transação que a Constituição permite possa ser feita, dizem, nada mais é que
um sucedâneo da ação penal. É como se a lei dissesse: a hipótese enseja
propositura da ação penal, mas, tratando-se de infração de menor potencial
ofensivo, a denúncia pode ser substituída por uma proposta de multa ou medida
restritiva de direito, sem a necessidade de se instaurar processo a respeito13.”
Verdade real
“Característico do processo penal, dado o caráter público do direito material sub
judice, excludente da autonomia privada. É dever do magistrado superar a
desidiosa iniciativa das partes na colheita do material probatório, esgotando todas
as possibilidades para alcançar a verdade real dos fatos, como fundamento da
sentença. Por óbvio, é inegável que mesmo nos sistemas em que vigora a livre
investigação das provas, a verdade alcançada será sempre formal, porquanto „o
que não está nos autos, não está no mundo‟14.”
12
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 94.
13 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais
Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 126.
14 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 24-25.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................... X
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 .......................................................................................... 4
ATIVIDADE POLICIAL NO BRASIL ..................................................... 4
1.1 ORIGENS DO VOCÁBULO “POLÍCIA”, BREVE HISTÓRICO E ATUAL ESTRUTURA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ............................. 4
1.1.1 BREVE HISTÓRICO DA POLÍCIA ..................................................................... 5 1.1.2 ATUAL ESTRUTURA DA POLÍCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ..... 13
1.2 POLÍCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................... 17 1.2.1 PODER DE POLÍCIA ................................................................................... 17 1.2.2 POLÍCIA ADMINISTRATIVA ......................................................................... 18 1.2.3 POLÍCIA JUDICIÁRIA.................................................................................. 21 1.2.4 INQUÉRITO POLICIAL ................................................................................ 25
1.3 ESTRUTURAS ORGANIZACIONAIS DAS POLÍCIAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA .............................................................................................. 27
1.3.1 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA
CATARINA ........................................................................................................ 27 1.3.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA
CATARINA ........................................................................................................ 29
CAPÍTULO 2 ........................................................................................ 35
ASPECTOS DESTACADOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ........................................................................................... 35
2.1 BREVE HISTÓRICO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL........................... 35 2.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES ....................................................................... 40
2.2.1 PRINCÍPIO DA ORALIDADE ......................................................................... 41 2.2.2 PRINCÍPIO DA SIMPLICIDADE...................................................................... 44 2.2.3 PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE .................................................................. 45 2.2.4 PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL ..................................................... 46 2.2.5 PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL .................................................. 47
2.3 COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS .......................... 48 2.3.1 INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO ............................................... 49 2.3.2 JUIZ TOGADO E JUIZ LEIGO ........................................................................ 52 2.3.3 CONCILIAÇÃO .......................................................................................... 54 2.3.4 TRANSAÇÃO PENAL .................................................................................. 56 2.3.4.1 TRANSAÇÃO PENAL NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA ....................... 58 2.3.4.2 OBRIGATORIEDADE DE PROPOSITURA DA TRANSAÇÃO PENAL QUANDO
INEXISTENTES OS IMPEDIMENTOS DO ART. 76, §2º, DA LEI 9.099/95 ...................... 60 2.3.5 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO .................................................. 62
2.3.5.1 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO NOS CRIMES DE AÇÃO PENAL
PRIVADA ........................................................................................................... 65 2.3.5.2 OBRIGATORIEDADE DE PROPOSITURA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO
PROCESSO QUANDO INEXISTENTES OS IMPEDIMENTOS DO ART. 81, CAPUT, DA LEI
9.099/95 E ART. 77 DO CÓDIGO PENAL .............................................................. 66 2.3.6 INSTRUÇÃO E JULGAMENTO ....................................................................... 68 2.3.7 RECURSO DE APELAÇÃO ........................................................................... 74 2.3.8 EXECUÇÃO .............................................................................................. 76
CAPÍTULO 3 ........................................................................................ 78
AUTORIDADE COMPETENTE PARA A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO .......................................................................... 78
3.1 O TERMO CIRCUNSTANCIADO ................................................................... 78 3.1.1 PROCEDIMENTOS PARA A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO DA
POLÍCIA MILITAR ............................................................................................... 81 3.1.2 O TERMO CIRCUNSTANCIADO COMO MATERIALIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE
POLÍCIA JUDICIÁRIA ........................................................................................... 84 3.2 CONCEITO DE AUTORIDADE POLICIAL PARA A LEI 9.099/95 ................. 86 3.3 O DECRETO 660 DE 26 DE SETEMBRO DE 2007 ....................................... 93
3.3.1 CONCEITO DE DECRETO ............................................................................ 93 3.3.2 ILEGALIDADE DO DECRETO 660/07 ............................................................ 95
3.4 DIVERGÊNCIAS SOBRE A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO EM ALGUNS TRIBUNAIS E UNIDADES DA FEDERAÇÃO ............................... 99
3.4.1 ESTADO DE SANTA CATARINA ................................................................... 99 3.4.2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ............................................................ 101 3.4.3 ESTADO DE SÃO PAULO ......................................................................... 103 3.4.4 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ............................................................ 109 3.4.5 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ................................................................ 110
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 112
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ........................................ 115
ANEXOS ............................................................................................ 120
RESUMO
A presente pesquisa tem como objeto a abordagem da inconstitucionalidade e a
ilegalidade do termo circunstanciado lavrado por policiais militares, mormente no
Estado de Santa Catarina, realizando uma análise sobre dispositivos promulgados
na Constituição Federal e em legislações esparsas do ordenamento jurídico
brasileiro e catarinense. Para se chegar ao ponto principal, foram estudados os
mais relevantes marcos históricos que envolveram a polícia no mundo e no Brasil,
evoluindo a pesquisa até os dias atuais, demonstrando a sua atual organização e
diferenciação entre suas estruturas, bem como suas relações com o direito
administrativo. Em segundo momento, o estudo foi direcionado aos aspectos
destacados dos Juizados Especiais Criminais, com a abordagem de seus
institutos e procedimentos. Referente a esta pesquisa, procurou-se abordar
profundamente as competências existentes nos Juizados Especiais Criminais,
aprofundando questões importantes como o conceito de conciliação, infração
penal de menor potencial ofensivo, transação penal, suspensão condicional do
processo, juiz togado e juiz leigo, além de procedimentos processuais, como a
instrução e julgamento, os recursos e a execução. Ao final, o estudo foi
direcionado à pesquisa de qual autoridade policial seria competente para a
lavratura do termo circunstanciado. Nesse ponto, o termo circunstanciado foi
analisado como procedimento apurador de infrações penais de menor potencial
ofensivo na fase pré-judicial, buscando-se o seu conceito principalmente no
entendimento doutrinário. Foi abordado também o procedimento atualmente
adotado em Santa Catarina para lavratura do termo circunstanciado por policiais
militares e o entendimento de que o referido caderno investigativo materializa a
atividade de competência da polícia judiciária. Aprofundando-se nas pesquisas, o
estudo procurou buscar o verdadeiro conceito de autoridade policial positivado no
art. 76 da lei 9.099/95, entendendo-se esta como o delegado de polícia, e
levantou a ilegalidade do decreto 660/07 do Estado de Santa Catarina, sendo este
o ato administrativo que legitimou a lavratura do termo circunstanciado pela
Polícia Militar do Estado de Santa Catarina. Ao término, foram estudadas as
divergências sobre o tema existentes em algumas unidades da federação,
xi
principalmente entre seus respectivos Tribunais de Justiça e Poderes Executivos,
além de serem trazidas jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e
Supremo Tribunal Federal. Por meio da pesquisa, com a utilização do método
indutivo, obtiveram-se os entendimentos de que o termo circunstanciado é
procedimento inerente à atividade de polícia judiciária; a lavratura do termo
circunstanciado por parte da Polícia Militar de Santa Catarina está revestida de
inconstitucionalidade e de ilegalidade, porquanto ofende aos princípios da ampla
defesa e do devido processo legal; e, por fim, a expressão “autoridade policial”
para os efeitos do art. 76 da lei 9.099/95 deve ser entendida como sendo o
delegado de polícia, em razão de seu conhecimento técnico e jurídico.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto o estudo do termo
circunstanciado lavrado pela Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, com
análise específica de sua constitucionalidade e legalidade.
O seu objetivo institucional é a obtenção do Título de
Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas, campus Itajaí.
O objetivo geral é o estudo das instituições da Polícia Civil,
Polícia Militar e Juizados Especiais Criminais, verificando suas competências e
atribuições de acordo com o disposto na CRFB/88, na lei 9.099/95 e em outras
legislações pertinentes.
Tem-se ainda o objetivo específico, que é a análise da
inconstitucionalidade do termo circunstanciado lavrado pela Polícia Militar, a
caracterização deste como atividade de polícia judiciária e a conceituação do
termo “autoridade policial” para os efeitos da lei 9.099/95. É abordado também o
posicionamento da doutrina e da jurisprudência e a ilegalidade do decreto
estadual nº 660/07, que regulamentou a lavratura do termo circunstanciado pelos
policiais militares.
A escolha do tema se deu porque atualmente existe uma
grande divergência tanto doutrinária quanto jurisprudencial de posicionamentos
sobre a constitucionalidade do termo circunstanciado lavrado pela Polícia Militar.
Não existe ainda um entendimento pacificado, sendo que algumas unidades da
federação não autorizam o procedimento.
O estudo principia-se no Capítulo 1, tratando da história da
polícia no mundo e no Brasil. Estudar-se-á também a atual divisão policial
existente dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a atividade policial no
2
contexto da administração pública e a estrutura organizacional da Polícia Civil e
da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina.
No Capítulo 2, tratando de uma breve história dos Juizados
Especiais, dos princípios norteadores, do conceito de infração de menor potencial
ofensivo e das diversas competências existentes nos Juizados Especiais
Criminais, atribuídas pela CRFB/88 e pela lei 9.099/95.
No Capítulo 3, tratando de abordar diretamente a
inconstitucionalidade e a ilegalidade do termo circunstanciado instaurado pela
Polícia Militar de Santa Catarina. Para isso, tem-se o estudo do termo
circunstanciado como procedimento processual penal de competência da polícia
judiciária, além da essência da expressão “autoridade policial”, do decreto
estadual de Santa Catarina nº 660/07, e, por fim, das divergências existentes
entre diversos tribunais e a administração pública sobre o tema.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a inconstitucionalidade e a ilegalidade do termo circunstanciado lavrado
pela Polícia Militar de Santa Catarina, bem como do real significado trazido pela
lei 9.099/95 quando inclui o termo “autoridade policial” em seu texto legal.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
1ª O termo circunstanciado, mesmo sendo procedimento
dotado de informalidade e simplicidade, é de competência exclusiva da polícia
judiciária, pois se trata de caderno investigativo destinado a apurar infrações
penais, ainda que de menor potencial ofensivo.
2ª A lavratura do termo circunstanciado pela Polícia Militar
do Estado de Santa Catarina ofende princípios inclusos na Constituição da
República Federativa do Brasil, bem como se reveste de ilegalidade dentro da
legislação catarinense.
3
3ª A expressão “autoridade policial” inclusa na lei 9.099/95
deve ser interpretada como sendo unicamente o delegado de polícia, em razão da
necessidade de conhecimento técnico e jurídico que este deve ter para exercer
suas atribuições dentro da estrutura policial existente no ordenamento jurídico
pátrio.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação15 foi utilizado o Método Indutivo16, na Fase de Tratamento de
Dados o Método Cartesiano17, e, o Relatório dos Resultados expresso na
presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente18, da Categoria19, do Conceito Operacional20 e da
Pesquisa Bibliográfica21.
15
“[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.
16 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.
17 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
18 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.
19 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.
20 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.
21 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.
CAPÍTULO 1
ATIVIDADE POLICIAL NO BRASIL
1.1 ORIGENS DO VOCÁBULO “POLÍCIA”, BREVE HISTÓRICO E ATUAL
ESTRUTURA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A polícia em sentido amplo é o órgão estatal que tem a
função de garantir a segurança da coletividade, por meio da prevenção e
repressão de delitos, manutenção da ordem pública e auxílio à Justiça, utilizando-
se de métodos de patrulhamento, investigação e cumprimento de atos expedidos
pelos órgãos judiciários.
O termo teve origem na palavra grega politeia, vocábulo que
era utilizado para designar as atividades das antigas cidades-estados gregas
(polis), não havendo, no sentido atual da palavra polícia, qualquer relação com o
antigo significado da expressão22.
Sua existência pode ser considerada fundamental para a
manutenção da sociedade contemporânea, pois entre suas principais finalidades
está a de promover a segurança da coletividade e, em outros casos, aplicar as
determinações do Estado.
O renomado doutrinador MIRABETE traz o amplo conceito
de polícia:
A Polícia, instrumento da administração, é uma instituição de
direito público, destinada a manter e a recobrar, junto à sociedade
e na medida dos recursos de que dispõe, a paz pública ou a
segurança individual. Segundo o ordenamento jurídico do País, à
polícia cabem duas funções: a administrativa (ou de segurança) e
a judiciária. Com a primeira, de caráter preventivo, ela garante a
ordem pública e impede a prática de fatos que possam lesar ou
22
Nesse sentido, DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 115.
5
pôr em perigo os bens individuais ou coletivos; com a segunda, de
caráter repressivo, após a prática de uma infração penal recolhe
elementos que o elucidem para que possa ser instaurada a
competente ação penal contra os autores do fato23.
Pode-se verificar que a polícia é dividida em dois grandes
grupos, que atendem à demanda social tanto na preservação da ordem pública
quanto na apuração dos delitos já cometidos. A divisão das polícias, em polícia
administrativa e polícia judiciária, será tratada posteriormente neste capítulo.
Apesar de existirem diversos órgãos policiais no Brasil
instituídos com o propósito de promover a segurança pública em áreas variadas,
a presente pesquisa procurará se aprofundar com mais detalhes às instituições da
Polícia Militar e Polícia Civil, tendo em vista que estes são os órgãos
responsáveis, a nível estadual, pela preservação da ordem pública e pela
investigação criminal, bem como estão envolvidos diretamente na confecção do
termo circunstanciado positivado pela lei 9.099/95.
1.1.1 Breve histórico da polícia
Iniciando o estudo do caminho histórico percorrido pelas
instituições policiais, colhe-se da doutrina de THOMÉ um pouco sobre os
princípios da polícia e a sua introdução na sociedade. A existência desses órgãos
tem suas origens ainda na antiguidade:
A História Antiga não permite a análise científica das primeiras
organizações policiais. Jean-François Champolion (1790-1832),
orientalista francês que decifrou os hieróglifos egípcios e autor das
“Cartas sobre o Egito e a Núbia” narra a existência, naquela
região, desde os tempos remotos, de uma polícia repressiva e
auxiliar da instrução pública (com julgamento secreto), cuja
acusação era dever cívico das testemunhas. Menés, primeiro Rei
do Egito e unificador do país dizia que a polícia é „o principal e o
maior bem de um povo‟24. [...] Os hebreus sentiram a necessidade
de uma guarda constante nos depósitos de alimentação enquanto
vagueavam pelo deserto. Já em Jerusalém, dividiram a cidade em
23
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 57.
24 THOMÉ apud HERMES VIEIRA. Formação histórica da polícia de São Paulo. 1965. p. 2.
6
quatro partes e confiaram a vigilância delas a um Intendente de
Polícia. Os romanos evoluíram de uma polícia sem qualquer
organização para uma força repressiva sujeita à forma solene25.
Ainda na Roma antiga, THOMÉ explica que em 510 a.C.,
após a queda da Monarquia, foi estabelecida a República, onde o Senado e o
Povo exerceriam a jurisdição criminal escolhendo para tanto um Cônsul, eleito
com mandato de um ano que, além de ostentar funções de magistrado,
juntamente com um segundo Cônsul, teria o poder de exercer as atribuições de
polícia26.
Em 388 a.C. surge na Roma Antiga o cargo de Pretor, com
competências de magistrado e encarregado da justiça, e a figura dos inspetores,
agentes que tinham a atribuição de servir como auxiliares de polícia27.
Otaviano assume o título de Augusto em 31 a.C.,
administrando Roma como Imperador, porém mantendo o governo sob aparência
republicana. Neste período são criados os cargos de proefectus vigilum e
proefectus urbi, autoridades que detinham conhecimento acerca dos crimes não
punidos com a pena capital e eram assistidos por quatorze curadores. A estes
curadores, estavam subordinados os agentes policiais que deveriam investigar os
crimes e prender os seus autores, realizar interrogatórios, buscas e apreensões e,
por fim, esclarecer tudo formalmente por escrito, direcionado os documentos
elaborados à autoridade competente28.
Posteriormente, após a queda de Roma, já na idade média,
cada país possuía sua própria organização policial. Na Espanha do século XI, a
polícia era organizada e conhecida como hermandades, grupos que se
25
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 10-11.
26 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 11.
27 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 11.
28 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 11.
7
dedicavam a perseguir criminosos. Já a polícia inglesa, no século XII, atuava por
intermédio dos constables29.
Em relação às atividades policiais portuguesas da idade
média, THOMÉ ensina que seus princípios tinham origem no ano de 1020,
quando foi editado o documento conhecido como “Fuero de Leon”, trazendo à
nossa baila outros dispositivos que regulavam a polícia lusitana:
A organização policial portuguesa pode ser identificada já no ano
de 1020, baseada em documento conhecido como “Fuero de
Leon”, quando D. Afonso V, Rei de Castella, estabeleceu e
implantou regras de administração policial, entre outras, para
serem obedecidas na cidade de Leão e que foram observadas em
outras vilas e lugares. D. Diniz, em 1279, ordenou a Lei das
Pontarias que previa a possibilidade da prisão dos malfeitores por
Alcaides, Juízes, Alvazis, Comendadores e Meirinhos. O Rei
Fernando I, de Portugal (1367 – 1383), criou em 12 de setembro
de 1383 o “Regimento de Quadrilheiros” com o objetivo de conter
os assaltos nas estradas. No final deste período histórico, em
1446, surgem as Ordenações Afonsinas, seguindo-se as
Manoelinas (1521 – 1603) e Filipinas (1603 – 1867), todas
legislações que trataram do processo penal. Na época do
descobrimento do Brasil, estavam em vigor, em Portugal, as
Ordenações Afonsinas30.
Na era moderna e contemporânea, THOMÉ expõe sobre a
evolução das organizações policias:
A história recente possibilita a análise clara de que a polícia
evoluiu à condição científica experimentada em todo o mundo.
Com característica investigativa evidente, esclarecendo infrações
penais e sua autoria, a polícia afastou-se dos conceitos
repressivos. A criminologia reconhecida como ciência e integrada
às atividades policiais, o reconhecimento do impacto do meio
sobre o homem e o estímulo à educação social como fator
29
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 11.
30 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 12.
8
preventivo da criminalidade são alguns aspectos que modificaram
o trabalho policial31.
Na obra, o autor relata sobre fatos que se iniciaram na
Revolução Francesa (1789), elevando o patamar da polícia até os dias atuais32.
Em 1808, Napoleão Bonaparte estabeleceu na França o
sistema acusatório formal através da criação do Código de Instrução Criminal.
Suas idéias se difundiram por toda a Europa e chegou até a América Latina
através da Venezuela33.
Na Inglaterra de 1829, os policiais começaram a patrulhar as
ruas da capital Londres em trajes civis, cujo objetivo inicial era convencer a
população de que não eram soldados, mas sim pessoas comuns do próprio povo
que tinham a atribuição de promover a proteção de todos. Posteriormente, em
1842, alguns policiais abandonaram definitivamente os uniformes e assumiram
funções de investigadores34.
O Código de Processo Penal Suíço de 1851 descrevia
atribuições da polícia judiciária, entre elas reunir provas e entregar indiciados à
autoridade judiciária, além de tomar precauções para a preservação dos vestígios
no local de crime35.
No ano de 1933, os Estados Unidos da América sofriam com
a onda de quadrilhas que financiavam a prática de crimes visando vantagens
patrimoniais. Foi neste período, em que surgiram os gangsters, que se utilizou
pela primeira vez a expressão “Crime Organizado”, tendo Al Capone como um
dos criminosos mais conhecidos. O governo estadunidense, para coibir a prática
31
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 13.
32 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 13.
33 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 13.
34 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 13.
35 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 13.
9
do crime organizado, formou uma estrutura repressiva com competência federal,
reforçando a instituição hoje conhecida como FBI (Federal Bureau of
Investigations)36.
Voltando-se ao estudo das origens policiais no Brasil,
inicialmente cabe destacar que as leis processuais denominadas Ordenações
Afonsinas, que tiveram vigência em Portugal entre os anos de 1446 e 1521, foram
as primeiras normas jurídicas de procedimento penal a ter validade em território
brasileiro. É fato que as Ordenações Afonsinas praticamente não tiveram
aplicação no Brasil, pois foram revogadas em 1521, considerando que, até 1530,
houve pouquíssimo interesse da Coroa portuguesa pelo território recém
descoberto. Havia, nessa época, um rudimentar sistema policial:
O Brasil foi praticamente abandonado por Portugal nos primeiros
trinta anos de seu descobrimento, tendo o Rei Dom Manuel
providenciado tão-somente a instalação de algumas “Feitorias”
que garantiam a posse e serviram para o reabastecimento de
navios e para fiscalizar e inibir a ocorrência de contrabando, num
rudimentar sistema policial que se confundia com a defesa
econômico-militar da terra37.
Apenas no ano de 1530, quando Portugal já se encontrava
sob o regime das Ordenações Manoelinas, houve um maior interesse da Coroa
portuguesa pelo Brasil, que visava então a exploração, colonização e povoamento
do território, consequentemente ampliando as possibilidades de aplicação das
normas vigentes:
Somente em 1530, decidiu o Rei Dom João III enviar uma
expedição ao Brasil, com três missões: explorar a costa, desde o
Maranhão até o rio da Prata, impedir o comércio dos outros países
36
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 13.
37 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 14.
10
europeus e fundar as primeiras Vilas, com o objetivo de
colonização38.
Atreladas às ordenações vigentes, a polícia, segundo
THOMÉ, iniciou suas atividades em território brasileiro na mesma época, quando
foi formado um aparato estatal que unia as funções militares, policiais e judiciais:
Nesta fase histórica, a ação militar em defesa da posse, a função
policial e a função de julgar não estavam separadas.
Subordinados aos Juízes ordinários estavam os “Meirinhos”, com
função de oficial de justiça; os “Jurados”, que prestavam
juramento e passavam a cumprir os deveres de polícia e os
“Vintaneiros”, que eram os policiais das localidades. Os
“Quadrilheiros” faziam o policiamento interno das Vilas, em favor
da ordem pública. Havia ainda o “Alcaide” e os “Carcereiros” 39.
O Alcaide, consoante estudo de RAMOS, possuía
atribuições bastante semelhantes com as funções dos atuais delegados de
polícia:
O Alcaide-mor dos castelos também era nomeado, e possuía a
função precípua de proteger os castelos, bem como todas as
pessoas. A eles pertenciam todas as carceragens dos presos e as
armas que à Alcaiadaria fossem apreendidas, e a indicação de
três pessoas, a fim de que uma delas fosse escolhida para
desempenhar a função de Alcaide Pequeno da Cidade e da Vila,
por três anos. Os Alcaides Pequenos das Cidades e Vilas
exerciam em sua área de atuação, atribuições semelhantes às
desenvolvidas atualmente por delegados de polícia. Além de
atender às requisições judiciais, como apresentar presos a
audiências, prender pessoas e soltá-las, exercia a função do
policial ao investigar crimes, prender pessoas em flagrante delito,
lavrando termo e apresentando imediatamente ao juiz da cidade,
38
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 14.
39 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 15.
11
caso houvesse possibilidade, ou, não havendo, solicitavam
autorização do alcaide-mor para mantê-los presos40.
THOMÉ continua sua pesquisa sobre a história da polícia
brasileira, trazendo ao conhecimento vários fatos e datas importantes para a
polícia, demonstrando ainda a evolução da legislação processual penal. Em 25 de
junho de 1760, foi editado o “Alvará do Rei de Portugal”, regulando a atividade
policial preventiva e repressiva. Esta legislação utilizou expressões que hoje
possuem semelhanças no vocabulário jurídico, tais como “Delegados de
Província”, “comissários constituídos nas cabeças de Comarcas”, “réus de delito”
e “autuando-os em processos”41.
Quase vinte anos depois, em 15 de janeiro de 1760, foi
editado um novo “Alvará do Rei de Portugal”, que dispôs sobre a polícia de
segurança e tranquilidade pública42.
Um fato histórico que contribuiu para a ampliação das forças
policiais no Brasil foi a vinda da família real portuguesa, em 22 de janeiro de 1808,
época em que ocorriam as invasões napoleônicas na Europa. Com a chegada da
Coroa, ocorreu um rápido desenvolvimento econômico e social no país, o que
acarretou na necessidade do reforço e organização dos serviços policiais. Assim
é que o Alvará de 10 de maio de 1808 criou o embrião da polícia judiciária
brasileira. No alvará, foi estabelecida a Intendência Geral de Polícia da Corte e do
Estado do Brasil, com competência de cumprir as normas da legislação criminal
vigente à época, utilizando o vocábulo “Delegado” para designar a autoridade
policial da Província, que representava o Intendente Geral. A norma ainda
ratificou e fez observar no Brasil os outros dois Alvarás do Rei de Portugal acima
apresentados43.
40
RAMOS, Humberto da Silva. O direito brasileiro ao tempo da colônia. Revista da ADPESP, Ano 16, nº 20. v. I. São Paulo: Iglu, 1995. p.57
41 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 15.
42 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 15.
43 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 15-16.
12
O registro dos primórdios da Polícia Militar também é
apresentado na obra de THOMÉ, antes e após a independência nacional:
O primeiro registro histórico associado à Polícia Militar é datado
de 13 de maio de 1809, praticamente um ano após a criação da
polícia judiciária, quando foi instituída a Divisão Militar da Guarda
Real de Polícia para “prover a segurança e tranquilidade desta
heróica e mui leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”.
Muito tempo depois, o Ato Adicional à Constituição, promulgado
em 25 de março de 1824, instituiu a Polícia Militar do Estado do
Rio de Janeiro e dos demais Estados, com características de
milícias particulares dos Presidentes das Províncias. A justificativa
do Príncipe Regente para a criação da Divisão Militar da Guarda
Real de Polícia afirmava que deveria ter “possível semelhança
daquela que com tão reconhecidas vantagens estabeleci em
Lisboa”44.
A lei 261 de 03 de dezembro de 1841, portanto já após a
independência do Brasil, promulgou o Código de Processo Penal do Império,
instituindo no município da Corte e em todas as províncias um Chefe de Polícia e
os respectivos Delegados de Polícia e subdelegados, todos nomeados pelo
Imperador ou pelos Presidentes das Províncias. Estas autoridades possuíam a
competência de “vigiar e providenciar sobre tudo que pertence à prevenção dos
delitos e manutenção da segurança e tranqüilidade pública” e “remeter todos os
dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma
exposição do caso e suas circunstâncias”45.
No ano de 1842, o decreto 120, datado de 31 de janeiro,
regulamentou a lei 261 e mencionou expressamente a “competência da polícia
judiciária”, que à época possuía atribuições, entre elas julgar crimes considerados
de menor potencial ofensivo, adotando uma política nacional de segurança
pública. O artigo 10 da referida norma estabeleceu que “Na Corte e nas capitais
das Províncias, mencionadas no Art. 5º, haverá uma casa privativamente
44
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 16.
45 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 16.
13
destinada para o expediente ordinário da polícia”. Este dispositivo criou as
repartições públicas nos moldes das atuais delegacias de polícia46.
THOMÉ relata a ocorrência de reformas no sistema
processual penal no ano de 1871, que ordenaram a separação da polícia
judiciária e da Justiça, ocasião em que foi instituída também a figura do Inquérito
Policial:
Já no ano de 1871, houve nova Reforma Processual, através da
Lei 2.033 e do Decreto 4.824, separando a polícia judiciária da
Justiça e instituindo o Inquérito Policial, como diligência
necessária à denúncia ou à queixa e que consistia “em todas as
diligências necessárias para o descobrimento dos fatos
criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices,
devendo ser reduzido a instrumento escrito”47.
Dando um salto no tempo, já bem próximo dos dias atuais, o
autor traz ao conhecimento o registro de três legislações que estabeleceram a
formação das polícias civis e militares no Brasil:
Decreto 66.862/70 e Decretos-Lei 667 e 1.072/69 impuseram a
formação de uma polícia civil e uma polícia militar, a primeira com
função de polícia judiciária e a segunda, fardada e reserva do
Exército, para exercer o policiamento ostensivo48.
Após uma longa caminhada histórica por diversas fases da
sociedade, chega-se ao atual paradigma da segurança pública no Brasil, que será
a seguir estudado.
1.1.2 Atual estrutura da polícia no ordenamento jurídico brasileiro
A mais recente estrutura da polícia no Brasil está positivada
pelo artigo 144 da CRFB/88, que trata da segurança pública, e, em seus incisos,
46
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997. p. 16-17.
47 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 16-17.
48 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis:
Editora do Autor, 1997. p. 16-17.
14
estabelece a divisão e a denominação de cada uma das polícias existentes no
país:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal
II – polícia rodoviária federal
III – polícia ferroviária federal
IV – polícias civis
V – polícias militares e corpo de bombeiros militares.
É necessário ressaltar, como já dito anteriormente, que o
ordenamento jurídico brasileiro prevê atualmente dois grupos principais de polícia,
dividindo-se entre as instituições que compreendem a polícia administrativa
(também conhecida como ostensiva ou de segurança) e as instituições que
compreendem a polícia judiciária. Essa divisão será vista adiante, no item que
trata da polícia na administração pública.
Além das instituições policiais tradicionais descritas no artigo
constitucional supracitado, deve-se incluir ainda como órgãos integrantes do
conceito de segurança pública as guardas municipais, que tiveram suas criações
autorizadas pelo §8º do artigo supra mencionado:
§8.º Os Municípios poderão constituir guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme dispuser a lei.
Ainda, para contribuir ao conhecimento, é de se trazer outras
duas instituições policiais brasileiras pouco conhecidas, que atuam na segurança
das câmaras legislativas federais.
15
Uma delas é a Polícia do Senado Federal, que está
constitucionalmente prevista no artigo 52, XIII da CRFB/88 e detém as funções a
seguir definidas, regidas pela resolução interna nº 59/02 da referida casa
legislativa:
Art. 2º A Secretaria de Polícia do Senado Federal, unidade
subordinada à Diretoria-Geral, é o órgão de Polícia do Senado
Federal.
§ 1º São consideradas atividades típicas de Polícia do Senado
Federal:
I – a segurança do Presidente do Senado Federal, em qualquer
localidade do território nacional e no exterior;
II – a segurança dos Senadores e autoridades brasileiras e
estrangeiras, nas dependências sob a responsabilidade do
Senado Federal;
III – a segurança dos Senadores e de servidores em qualquer
localidade do território nacional e no exterior, quando determinado
pelo Presidente do Senado Federal;
IV – o policiamento nas dependências do Senado Federal;
V – o apoio à Corregedoria do Senado Federal e às comissões
parlamentares de inquérito;
VI – as de revista, busca e apreensão;
VII – as de inteligência;
VIII – as de registro e de administração inerentes à Polícia;
IX – as de investigação e de inquérito.
A outra instituição policial legislativa é o Departamento de
Polícia Legislativa, prenunciado no artigo 51, IV da Carta Magna e regido pela
resolução nº 18/03 da Câmara dos Deputados, tem como competências:
16
Art. 2º O Departamento de Polícia Legislativa é o órgão de Polícia
da Câmara dos Deputados.
Art. 3º São consideradas atividades típicas de Polícia da Câmara
dos Deputados:
I - a segurança do Presidente da Câmara dos Deputados, em
qualquer localidade do território nacional e no exterior;
II - a segurança dos Deputados Federais, servidores e
autoridades, nas dependências sob a responsabilidade da
Câmara dos Deputados;
III - a segurança dos Deputados Federais, servidores e quaisquer
pessoas que eventualmente estiverem a serviço da Câmara dos
Deputados, em qualquer localidade do território nacional e no
exterior, quando determinado pelo Presidente da Câmara dos
Deputados;
IV - o policiamento nas dependências da Câmara dos Deputados;
V - o apoio à Corregedoria da Câmara dos Deputados;
VI - a revista, a busca e a apreensão;
VII - as de registro e de administração inerentes à Polícia;
VIII - a investigação e a formação de inquérito.
Verificando os diversos organismos policiais existentes no
ordenamento jurídico pátrio, cumpre relembrar que a presente pesquisa estará
restrita ao estudo da Polícia Militar e da Polícia Civil, por serem as instituições que
mais atuam diretamente na elaboração e lavratura do termo circunstanciado.
17
1.2 POLÍCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.2.1 Poder de Polícia
Para entender melhor as funções da polícia no sistema
jurídico pátrio atual, deve-se entrar na ótica da administração pública e estudar o
conceito do poder de polícia.
Poder de polícia é, para o Direito Administrativo, “a atividade
do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício
do interesse público”49.
A consistência desses interesses públicos se estabelece no
direito que o cidadão possui perante os mais variados setores da sociedade,
incluindo a segurança, a saúde, a propriedade, meio ambiente, entre outros. É
dever do Estado garantir que esses direitos sejam atendidos para impedir que
abusos sejam cometidos por particulares e assim se inicie a ocorrência de
desordem social, enfraquecendo o Estado, que passa a se tornar inepto e
desnecessário a medida que não possui força para interferir e garantir o interesse
público de bem-estar social.
O poder de polícia é tão importante para a administração
pública que veio a ser positivado no Código Tributário Nacional, no caso, apenas
como método para dar legitimidade à cobrança do tributo denominado taxa, mas,
sem dúvida, muito conveniente como fonte de interpretação:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração
pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão
de interesse público concernente à segurança, à higiene, à
ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado,
ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade
pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais e coletivos. (grifou-se)
49
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 117.
18
Por essa via, verifica-se que o poder de polícia é a atribuição
que o Estado possui para garantir que o interesse público esteja acima do
interesse particular, fazendo-o através da limitação ou disciplina de direito,
interesse ou liberdade, podendo também atuar na defesa dos direitos individuais e
coletivos, porém, sempre com o objetivo de proteger a vontade pública.
No tocante ao interesse público da segurança, pode-se
dividir a atuação do poder de polícia em polícia administrativa e polícia judiciária,
cujas características serão estudadas a seguir.
1.2.2 Polícia Administrativa
Analisando pela ótica da segurança pública, a polícia
administrativa, também conhecida por polícia preventiva ou de segurança, é
aquela utilizada pelo Estado com a função de manter a ordem pública e realizar o
policiamento ostensivo, a fim de prevenir a ação delituosa, ou seja, evitar, impedir
que a infração penal ocorra antes da sua execução.
Para isso, é comum que a polícia administrativa de
segurança pública utilize uniformes na realização de seus trabalhos, pois, como
exerce função ostensiva, é necessário que os seus integrantes sejam
prontamente identificados para o atendimento à população.
SILVA traz o conceito de Polícia Administrativa,
exemplificando como máxime de suas prerrogativas a proteção da coletividade e
dos direitos dos cidadãos, bem como a manutenção da ordem e bem-estar
públicos:
Polícia Administrativa – que tem por fim prevenir crimes, evitar
perigos, proteger a coletividade, assegurar os direitos de seus
componentes, manter a ordem e o bem-estar públicos [...]. Sua
ação se exerce antes da infração da lei penal, sendo por isso
também chamada de Polícia Preventiva. As vastas atribuições
19
desse ramo da polícia são disciplinadas por leis, decretos,
regulamentos e portaria [...]50. (grifo do autor)
Por isso, em razão das atribuições da polícia administrativa,
observa-se que ela é um dos meios utilizados pelo Estado para aplicar o poder de
polícia, uma vez que é a responsável pela garantia da ordem pública, sendo a que
atua mais diretamente com a população.
O órgão que a nível estadual exerce as funções de polícia
administrativa é a Polícia Militar, constituída e com atribuições definidas no artigo
144, §5º da CRFB/88:
§5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública; [...]
Já o artigo 107 da CESC/89 institui as diretrizes específicas
da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina:
Art. 107 - À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar,
reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na
disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos
limites de sua competência, além de outras atribuições
estabelecidas em lei:
I - exercer a polícia ostensiva relacionada com:
a) a preservação da ordem e da segurança publica;
b) o rádiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial;
c) o patrulhamento rodoviário;
d) a guarda e a fiscalização do transito urbano;
e) a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais;
f) a polícia judiciária militar;
50
SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium, 2002. p. 35.
20
g) a proteção do meio ambiente;
Além da Constituição Estadual, é de se observar ainda o
artigo 3º do decreto-lei 667/69, com redação alterada pelo decreto-lei 2.010/83,
que estipula as regras gerais para atuação e competência das Polícias Militares:
Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e
segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito
Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas
respectivas jurisdições:
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares
das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado
pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da
lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes
constituídos;
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em
locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a
perturbação da ordem;
c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da
ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;
d) atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo
Federal em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir
grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção,
subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas
atribuições específicas de polícia militar e como participante da
Defesa Interna e da Defesa Territorial;
e) além dos casos previstos na letra anterior, a Polícia Militar
poderá ser convocada, em seu conjunto, a fim de assegurar à
Corporação o nível necessário de adestramento e disciplina ou
ainda para garantir o cumprimento das disposições deste Decreto-
lei, na forma que dispuser o regulamento específico.
Convém lembrar também que a polícia administrativa não
atua apenas no âmbito da segurança pública, pois, além da Polícia Militar, podem
21
ser considerados polícia administrativa todos aqueles órgãos utilizados pela
administração pública para a fiscalização e promoção do bem-estar social:
[...] a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da
administração, além da própria Polícia Militar, os vários órgãos de
fiscalização aos quais a lei atribua esse mister, como os que
atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho, previdência e
assistência social51.
Todavia, como a presente pesquisa visa aprofundar o estudo
na questão da segurança pública estadual relacionada com o termo
circunstanciado, será mantido restrito o conceito de polícia administrativa à Polícia
Militar catarinense.
1.2.3 Polícia Judiciária
A polícia judiciária, também conhecida como polícia
repressiva ou investigativa, tem como principais atribuições a investigação e
repressão aos crimes e contravenções que não puderam ser evitados na esfera
de competência da polícia administrativa. Percebe-se, então, que a partir do
cometimento do delito, há a transferência da competência repressiva à infração
penal, que agora passa a ser atribuição da polícia judiciária, devendo ela realizar
a investigação policial para juntar elementos e provas a fim de auxiliar na
elucidação do fato.
Nos estados federados, os órgãos competentes para realizar
as funções de polícia judiciária são as Polícias Civis, enunciadas no artigo 144,
§4º da CRFB/88:
§4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
51
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 118.
22
Analisando o dispositivo constitucional, constata-se que à
Polícia Civil incumbem duas funções: a de polícia judiciária e a de apuração de
infrações penais, exceto as militares.
Funções de polícia judiciária são aquelas descritas no artigo
13 do Código de Processo Penal, que determina procedimentos formais para a
instrução do Inquérito Policial52:
Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:
I – fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias
à instrução e julgamento dos processos;
II – realizar diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério
Público;
III – cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades
judiciárias;
IV – representar acerca da prisão preventiva.
Esses procedimentos são realizados pela autoridade policial
com o objetivo de auxiliar o poder judiciário, na medida em que atende às
determinações da autoridade judiciária e requisições do Ministério Público na
busca de provas e cumprimento de atos necessários ao andamento do processo
penal. Por isso, a polícia, ao exercer funções de polícia judiciária, também pode
ser considerada órgão auxiliar da justiça, visto que pratica atos tendentes a ajudar
o juiz na busca da verdade real.
Em relação à apuração de infrações penais, deve-se notar
que o ordenamento jurídico brasileiro considera apenas duas modalidades de
infração penal: crime e contravenção, conforme o artigo 1º do Decreto-lei 3.914/41
- Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei das Contravenções Penais:
Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina
pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer
52
Nesse sentido, TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 65.
23
alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;
contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente,
pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou
cumulativamente.
Partindo assim, à Polícia Civil cabe a apuração e a
investigação dos crimes e contravenções penais de qualquer natureza, exceto
militares e as de competência da União.
Da doutrina, colhe-se o conceito de SILVA referente à polícia
judiciária e suas atribuições, definindo-a como a polícia competente para
investigar e auxiliar a justiça:
Polícia Judiciária – destinada a investigar os crimes que não
puderam ser prevenidos, descobrir-lhes os autores e reunir provas
e indícios contra estes, no sentido de levá-los ao juízo e,
consequentemente, a julgamento; a prender em flagrante os
infratores da lei penal, a executar os mandados de prisão
expedidos pelas autoridades judiciárias, e a atender às
requisições destas. Assume aí o caráter de órgão judiciário
auxiliar. Sua atividade só se exerce após a consumação do fato
delituoso, pelo que se dá à polícia judiciária também a
denominação de Polícia Repressiva [...]53. (grifo do autor).
É obvio que a polícia judiciária também exerce o poder de
polícia do Estado, pois não apenas o policiamento preventivo, mas também o
repressivo é providência da administração pública para atender o interesse da
coletividade à segurança, uma vez que a apuração criminal tende a coibir e trazer
a verdade sobre determinado fato delituoso, objetivando, por fim, em caso de
condenação, tirar do seio da sociedade o indivíduo que cometeu a infração penal
e ressocializá-lo, para que não volte a transgredir novamente.
No Estado de Santa Catarina, o órgão competente para
exercer as funções de polícia judiciária e apuração de infrações criminais é a
Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, instituída e com competências definidas
pelo artigo 106 da CESC/89:
53
SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium, 2002. p. 35.
24
Art. 106 - A Polícia Civil, dirigida por delegado de polícia,
subordina-se ao Governador do Estado, cabendo-lhe:
I - ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares;
[...]
III - a execução dos serviços administrativos de trânsito;
IV - a supervisão dos serviços de segurança privada;
[...]
VI - a fiscalização de jogos e diversões públicas.
Interessante levantar também a questão que em
determinados casos, as competências da Polícia Militar e Polícia Civil se
confundem nos conceitos de polícia administrativa e polícia judiciária.
Isto ocorre porque a competência de cada uma não é
restrita, pois a Polícia Militar, quando da apuração de infrações penais por parte
de seus integrantes, atua como polícia judiciária, instaurando o chamado Inquérito
Policial Militar (que será brevemente estudado adiante) e levantando provas e
elementos para auxílio na busca da verdade real pelo órgão judiciário
competente, para o julgamento dos chamados crimes militares. Essa competência
está implícita no artigo 144, § 4º da CRFB/88, que exclui da competência das
Polícias Civis a investigação das infrações penais militares e explícita no artigo
107, I, alínea “f” da CESC/89, já estudado anteriormente, que inclui entre as
atribuições da Polícia Militar de Santa Catarina exercer a polícia ostensiva
relacionada com a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal.
Por outro lado, observa-se que a Polícia Civil de Santa
Catarina além de suas competências investigativas, também exerce atribuições
de polícia administrativa, sob a ótica extensiva da administração pública, ao
realizar, por exemplo, a execução de serviços administrativos de trânsito e a
25
fiscalização de jogos e diversões públicas, competências estas definidas no artigo
106, III e VI da CESC/89.
1.2.4 Inquérito Policial
Como resultado das pesquisas das atividades policiais,
considera-se importante remeter ao breve estudo do inquérito policial, que é o
resultado material das investigações da polícia judiciária. No terceiro capítulo,
será estudado o termo circunstanciado, positivado pela lei 9.099/95 que, apesar
de maneira mais simplificada, assemelha-se muito com o procedimento adotado
no inquérito policial.
A origem da palavra inquérito provém do vocábulo latino
quaeritare, que significa ir à busca de, pesquisar, perguntar, procurar. Segundo
FERREIRA, inquérito policial é o que “a autoridade policial promove pra descobrir
fatos criminosos, suas circunstâncias e seus autores54.”
NUCCI adota o conceito de Inquérito Policial como sendo o
instrumento escrito, onde constam as diligências necessárias para a elucidação
de delitos:
O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias
para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas
circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser
reduzido a instrumento escrito. Passou a ser função da polícia
judiciária a sua elaboração55.
Essas diligências que devem ser adotadas estão explícitas
no artigo 6.º do Código de Processo Penal, que define a atuação necessária da
autoridade policial ao tomar conhecimento do fato ilícito, a saber:
Art. 6.º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal,
a autoridade policial deverá:
54
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário da língua portuguesa. 10. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972. p. 676.
55 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 6. ed., revista,
atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 62.
26
I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o
estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos
criminais;
II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após
liberados pelos peritos criminais;
III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do
fato e suas circunstâncias;
IV – ouvir o ofendido;
V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do
disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o
respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe
tenham ouvido a leitura;
VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a
acareação;
VII – determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo
de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo
datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de
antecedentes;
IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista
individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e
estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e
quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação
do seu temperamento e caráter.
Portanto, o inquérito policial é o conjunto de atos e
procedimentos adotados pela autoridade policial, com a finalidade de apurar,
investigar e obter informações que cercam o cometimento de um fato delituoso.
Na esfera militar, o caderno investigativo responsável pela
apuração das infrações penais militares é o inquérito policial militar, positivado
pelo Código de Processo Penal Militar:
27
Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato,
que, nos têrmos legais, configure crime militar, e de sua autoria.
Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a
de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.
Este procedimento será tomado por uma polícia judiciária
militar e dirigido por uma autoridade militar. Todavia, o inquérito policial militar
somente poderá ser adotado quando há ocorrência de crime militar, sendo
considerados como tal os delitos descritos nos artigos 9º e 10 do Código Penal
Militar.
1.3 ESTRUTURAS ORGANIZACIONAS DAS POLÍCIAS DO ESTADO DE
SANTA CATARINA
1.3.1 Estrutura organizacional da Polícia Militar do Estado de Santa
Catarina
A estrutura da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina é
regida pelo decreto-lei 667/69, que estipula normas gerais quanto à organização
das instituições militares estaduais; pela Constituição Estadual, em seu artigo
107; e pelo Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Santa Catarina, lei
estadual nº 6.218, de 10 de fevereiro de 1983.
As normas gerais tratadas pelo decreto-lei 667/69
determinam quanto ao pessoal e a estrutura que as polícias militares devem
adotar. Para os efeitos dessa legislação, a hierarquia policial militar foi dividida em
três grupos: oficiais de polícia, praças especiais de polícia e praças de polícia.
Na divisão específica determinada pelo decreto-lei, em seu
artigo 8º, o grupo de oficiais de polícia compreende os postos de 2º tenente, 1º
tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel, este o posto mais alto atingível
dentro da Polícia Militar. As praças especiais de polícia compreendem as
graduações de aspirante a oficial e aluno da escola de formação de oficiais de
polícia. Por fim, as praças de polícia compreendem as graduações de subtenente,
3º sargento, 2º sargento, 1º sargento, cabo e soldado, podendo esta ser dividida
em até três classes.
28
Em Santa Catarina, o estatuto dos policiais militares
reconhece a hierarquia e a disciplina como a base institucional da Polícia Militar,
prevendo o crescimento da autoridade e da responsabilidade de acordo com o
grau hierárquico:
Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional da
Polícia Militar. A Autoridade e a responsabilidade crescem com o
grau hierárquico.
§ 1º A hierarquia policial-militar é a ordenação da autoridade em
níveis diferentes dentro da estrutura da Polícia Militar. A
ordenação se faz por postos ou graduações; e dentro de um
mesmo posto ou graduação, se faz pela antigüidade. O respeito à
hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à
seqüência de autoridade.
§ 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral
das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o
organismo policial-militar e coordenam seu funcionamento regular
e harmônico traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por
parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.
§ 3º A disciplina e o respeito á hierarquia devem ser mantidos em
todas as circunstâncias, entre policiais-militares da ativa, da
reserva e reformados.
Denota-se, pelo §2º do artigo supracitado, que há uma
grande preocupação com a obediência às normas legais e regulamentares, como
forma de manter a disciplina e a ordem dentro da Polícia Militar.
Conferindo competências a cada grupo de grau hierárquico,
os artigos 37, 38 e 39 do estatuto dos policiais militares catarinenses separam as
atribuições de cada grupo, designando maior responsabilidade conforme a
hierarquia:
Art. 37. O Oficial é preparado, ao longo da carreira, para o
exercício do comando, da chefia e de direção das organizações
policiais-militares.
29
Art. 38. Os Subtenentes e Sargentos auxiliam e complementam
as atividades dos oficiais que no adestramento e no emprego dos
meios quer na instrução e na administração policial-militar, bem
como são ainda empregados na execução de serviços de
policiamento ostensivo peculiares a Policia Militar.
Parágrafo único. No exercício das atividades mencionadas no
caput deste artigo e no comando de elementos subordinados, os
Subtenentes e Sargentos deverão impor-se pela lealdade,
exemplo e capacidade profissional e técnica, incumbindo-lhes
assegurar a observância minuciosa a ininterrupta das ordens,
regras do serviço e normas operativas pelas praças que lhes
estiverem diretamente subordinadas, bem como pela manutenção
da coesão e do moral, em todas as circunstâncias.
Art. 39. Os cabos e soldados são essencialmente elementos de
execução.
Art. 40. Às praças especiais cabe a rigorosa observância das
prescrições dos regulamentos que lhes são pertinentes, exigindo-
se-lhes inteira dedicação ao estudo e ao aprendizado técnico-
profissional.
Expõe-se, por fim, que acima de toda a hierarquia da Polícia
Militar está o comando-geral, que, conforme prescreve o artigo 108 da CESC/89,
deve ser exercido por oficial da ativa do último posto da corporação.
1.3.2 Estrutura organizacional da Polícia Civil do Estado de Santa
Catarina
A Polícia Civil do Estado de Santa Catarina é organizada
com base no artigo 144, §4º da CRFB/88, que determina a direção das polícias
civis por Delegados de Polícia de carreira; pelo artigo 106 da CESC/89, bem
como pelo novo Plano de Carreira dos Policiais Civis do Estado de Santa
Catarina, lei complementar estadual nº 453/09.
O artigo 106, §1º da CESC/89, define que o “Chefe da
Polícia Civil, nomeado pelo Governador do Estado, será escolhido dentre os
Delegados de Polícia.”
30
A lei complementar estadual nº 453/09 estabelece que a
divisão da Polícia Civil de Santa Catarina seja partida em dois grupos
organizacionais: a autoridade policial e os agentes da autoridade policial. Dentro
de cada grupo estão inclusos os cargos integrantes das carreiras policiais civis,
quais sejam:
Art. 2º Considera-se Autoridade Policial:
I - os Delegados de Polícia.
Pelo artigo mencionado, a legislação estadual reconhece
que autoridade policial são os delegados de polícia. As suas responsabilidades
estão inclusas no anexo VIII da citada norma, compreendendo:
DESCRIÇÃO SUMÁRIA: Planejar, programar, organizar, dirigir,
coordenar, supervisionar e controlar as atividades de polícia
judiciária, de apuração de infrações penais e de polícia
administrativa, no âmbito das suas atribuições constitucionais e
legais.
RESPONSABILIDADE: Chefia das atividades de polícia judiciária
do Estado e de apuração de infrações penais, exceto as militares
e de atividades meio de interesse policial civil e de segurança
pública.
Dessa forma, as atribuições dos delegados de polícia estão
em consonância com o que dispõe a Constituição Federal, que designa a direção
das polícias civis aos integrantes dessa carreira, como já visto anteriormente.
Na outra esfera, pelo artigo 3º da lei complementar estadual
nº 453/09, encontra-se os cargos considerados agentes da autoridade policial:
Art. 3º Considera-se Agentes da Autoridade Policial:
I - os Agentes de Polícia;
II - os Escrivães de Polícia; e
III - os Psicólogos Policiais.
31
Agentes de polícia são os agentes da autoridade policial
incumbidos de exercer, entre outros, o serviço externo da Polícia Civil. É a eles
outorgado o atendimento a diligências policiais, bem como o cumprimento dos
atos e serviços de polícia judiciária ou administrativa. Suas atribuições estão
descritas no Anexo IX da lei complementar estadual 453/09, que confere aos
agentes de polícia a competência para “executar os serviços de polícia judiciária e
investigativa ou administrativa, sob a direção da autoridade policial ou do superior
imediato, além de todas as atividades previstas em lei, inerentes ao exercício de
seu cargo.”
Entre essas competências, podem-se exemplificar algumas
dispostas pela lei complementar 453/09: Entregar correspondências e intimações
que lhe forem determinadas; Informar a unidade policial, através de relatório
sobre a conclusão de diligências que lhe forem incumbidas; Proceder à
investigação criminal, mediante ciência e supervisão da autoridade policial,
valendo-se de todos os mecanismos legais disponibilizados; Realizar
levantamento preliminar de local de crime ou que demande investigação policial,
colhendo materiais e informações necessárias às providências da autoridade
policial, quando houver risco de graves prejuízos à formação da prova pela
ausência de perito oficial; Emitir relatórios circunstanciados do curso das
investigações; Cumprir, quando designado, mandados policiais e judiciais;
Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança
pública.
Já o escrivão de polícia é fundamental à prática do exercício
de polícia judiciária e investigativa, e sua atividade compreende, basicamente, o
exercício dos serviços cartorários policiais, entre eles a lavratura de termos,
cumprimento de despachos determinados pela autoridade policial e colheita de
depoimentos e interrogatórios. Suas atribuições estão prescritas no anexo X da lei
complementar estadual 453/09, que confere aos escrivães de polícia o encargo
para “lavrar e subscrever os autos e termos de sua competência, adotados na
atividade de polícia judiciária, de forma contínua, providenciando sua tramitação
normal, sob orientação do Delegado de Polícia.”
32
Podem-se exemplificar algumas atribuições designadas pela
legislação estadual ao escrivão de polícia: Cumprir ordens, despachos e outras
determinações legais emanadas do Delegado de Polícia; Executar os trabalhos
cartorários das unidades policiais; Lavrar e subscrever os autos e termos de sua
competência, adotados na atividade de polícia judiciária, de forma contínua,
providenciando sua tramitação normal, sob orientação do Delegado de Polícia;
Adotar providências necessárias à expedição de mandados, dentre outros, de
intimação às partes e requisição de servidores públicos, a fim de serem inquiridos;
Expedir certidões e providenciar cópia de documentos, após deferimento do
Delegado de Polícia.
Por fim, o psicólogo policial é o agente da autoridade policial
a quem compete a expedição de laudos psicológicos. A sua atuação é dirigida
tanto à sociedade quanto aos próprios policiais civis.
Suas atribuições descritas no anexo XI da lei complementar
453/09 incluem prestar atendimento em psicoterapia aos policiais envolvidos com
alcoolismo e drogas, ou em qualquer outra necessidade de natureza emocional
e/ou funcional e, quando necessário, providenciar o encaminhamento a
profissionais e instituições congêneres, bem como orientar seus familiares. Além
dessas, são também atribuições do psicólogo policial: Realizar, por solicitação de
órgãos das Secretarias de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão e
da Administração, avaliações psicológicas dos servidores que prestam serviços
na área de segurança pública, em especial, nos casos de desajuste funcional ou
qualquer outro problema de ordem comportamental; Conduzir viaturas,
acompanhar os policiais em locais de infração, nos quais haver partes
emocionalmente alteradas; Emitir laudos psicológicos nos casos de suicídio, de
personalidade de criminosos e adolescentes infratores, quando solicitado pela
autoridade policial; Proceder, quando solicitado por autoridade policial ou
judiciária ou por membros do Ministério Público, apoio psicológico e perícias na
sua área profissional como avaliações, pareceres e laudos psicológicos; Prestar,
quando solicitado pela autoridade competente, atendimento psicológico à criança,
ao adolescente, à mulher, e/ou ao homem envolvidos em infração criminal (na
33
condição de vítima ou infrator) e, quando necessário, providenciar o
encaminhamento aos órgãos competentes.
Diferente da Polícia Militar, a Polícia Civil é uma polícia
desmilitarizada, ou seja, não existe hierarquia militar com diferentes postos e
graduações dentro de sua estrutura. Ainda assim, não significa dizer que não há
hierarquia e disciplina dentro da Polícia Civil.
A lei complementar estadual 453/09 também reconhece a
hierarquia e a disciplina como fundamento da estrutura policial civil:
Art. 25. A função policial civil está fundamentada nos princípios da
hierarquia e da disciplina.
Art. 26. A estrutura hierárquica constitui valor moral e técnico-
administrativo, sendo instrumento de controle e eficácia dos atos
operacionais e, subsidiariamente, indutora da boa convivência
profissional na diversidade de níveis, carreiras, cargos e funções
que compõem a Polícia Civil, visando assegurar a disciplina, a
ética e o desenvolvimento do espírito de equipe e de mútua
cooperação, em ambiente de estima, confiança, lealdade e
respeito recíproco.
§ 1º Independentemente da carreira, da classe e da entrância
funcional, o regime hierárquico não autoriza qualquer violação de
consciência e de convencimento técnico ou científico
fundamentado.
§ 2º Sempre que possível, serão observados os níveis hierárquicos
na designação para funções de direção, chefia e assessoramento.
§ 3º A hierarquia da função prevalece sobre a hierarquia do cargo.
§ 4º As carreiras de Agente de Polícia Civil, Escrivão de Polícia
Civil e Psicólogo Policial Civil, do Subgrupo Agente da Autoridade
Policial, não apresentam divisão hierárquica entre si.
Art. 27. A disciplina é o valor que agrega atitude de fidelidade
profissional às disposições legais e às determinações técnicas e
científicas fundamentadas e emanadas da autoridade competente.
34
Dessa feita, exposta a organização da Polícia Civil do
Estado de Santa Catarina, verificaram-se as diferenças básicas entre as duas
forças policiais existentes no estado, bem como as variações entre os cargos e as
carreiras e suas atribuições dispostas na Constituição Federal, Estadual e nas leis
infraconstitucionais.
CAPÍTULO 2
ASPECTOS DESTACADOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS
CRIMINAIS
2.1 BREVE HISTÓRICO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL
A busca por uma justiça célere e efetiva vem desde os
primórdios do Poder Judiciário. Desde o princípio, cada dia mais pessoas vinham
batendo à porta da justiça, na ânsia de ver seus desejos e direitos atendidos. A
realidade é que, na maioria dos casos, o efetivo da justiça não crescia na mesma
proporção da população, nem da sua demanda, o que muitas vezes acarretava o
embaraço do judiciário e a paralisação e atraso de diversos procedimentos
judiciais.
Como explicita a doutrina de GRINOVER e outros, já havia
de longa data uma grande preocupação dos operadores do direito no âmbito da
esfera penal, que acarretava em buscas por uma reforma na legislação penal e
processual penal visando melhorar o atendimento e aproximação do Poder
Judiciário à população, além de desafogar da apreciação deste os inúmeros
processos existentes, que aumentavam a cada dia:
Há muito tempo o jurista brasileiro preocupa-se com um processo
penal de melhor qualidade, propondo alterações ao vetusto
Código de 1940, com o intuito de alcançar um “processo de
resultados”, ou seja, um processo que disponha de instrumentos
adequados à tutela de todos os direitos, com o objetivo de
assegurar praticamente a utilidade das decisões. Trata-se do tema
da efetividade do processo, em que se põe em destaque a
instrumentalidade do sistema processual em relação ao direito
material e aos valores sociais e políticos da Nação.
Por outro lado, a idéia de que o Estado possa e deva perseguir
penalmente toda e qualquer infração, sem admitir-se, em hipótese
alguma, certa dose de disponibilidade da ação penal pública,
36
havia mostrado, com toda evidência, sua falácia e hipocrisia.
Paralelamente, havia-se percebido que a solução das
controvérsias penais em certas infrações, principalmente quando
de pequena monta, poderia ser atingida pelo método
consensual56.
Pela exposição acima, verifica-se que antigamente, no
ordenamento jurídico brasileiro, a aplicabilidade do Direito Penal se dava com a
idéia de que o Estado deveria perseguir a infração penal sem dispor da ação
penal cabível, ou seja, o procedimento deveria seguir em sua totalidade, não
podendo procurar vias alternativas para a conciliação ou transação.
Com o passar dos anos, desde a elaboração do Código
Penal em 1940 e do Código de Processo Penal em 1941, esse método de
aplicabilidade foi se tornando arcaico à medida que a sociedade se modificava e a
criminalidade aumentava, sobretudo no tocante aos delitos cujas penas eram
mais brandas e às contravenções penais. Essa progressão não foi acompanhada
pelo Poder Judiciário, fato que resultou no entupimento das vias judiciais criminais
com inúmeras ações penais cuja outra medida não poderia ser tomada senão o
simples prosseguimento do processo em sua totalidade, como dispunha a
legislação processual à época.
O doutrinador TOURINHO FILHO explica as adversidades
que o Judiciário enfrentava antes da criação dos Juizados Especiais Criminais,
mais precisamente à época da reunião da assembléia constituinte de 1988:
Os constituintes de 1988, impressionados com o número
astronômico de infrações de pouca monta a emperrar a máquina
judiciária sem nenhum resultado prático, uma vez que, regra geral,
quando da prolação da sentença, ou os réus eram beneficiados
pela prescrição retroativa, ou absolvidos em virtude da dificuldade
de se fazer a prova, e principalmente considerando a tendência do
mundo moderno de adotar um Direito Penal mínimo, procuraram
medidas alternativas que pudessem agilizar o processo,
possibilitando uma resposta rápida do Estado à pequena
56
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 35
37
criminalidade, sem o estigma do processo, à semelhança do que
ocorria com a legislação de outros países.
Impressionados, também, com o número excessivo de
encarcerados, número esse desproporcional ao de celas
(enquanto tínhamos cerca de 110 mil presos, as celas não
chegavam a 60 mil), o que ocasionava constantes rebeliões nas
penitenciárias e casas de detenção (situação essa que
infelizmente perdura e em circunstâncias mais alarmantes), e
entusiasmados com as novidades introduzidas nos ordenamentos
europeus (a Lei n. 689/81, da Itália, que se converteu no art. 444
do atual Codice de Procedura Penale, o Código português e o
ordenamento processual penal francês, entre outros), bem como
com os excelentes resultados que o Juizado Especial de
Pequenas Causas vinha apresentando no cível desde 1984, os
legisladores constituintes procuraram solução para o processo e
julgamento das infrações de menor potencial ofensivo57.
A legislação que instituiu o Juizado Especial de Pequenas
Causas, citada pelo autor, trata-se da lei nº 7.244, de 07 de novembro de 1984,
que trouxe em seu artigo 2º os princípios norteadores das pequenas causas, além
da busca possível pela via conciliatória, que posteriormente viriam a ser aplicados
também na norma penal. Assim determinava o dispositivo citado:
Art. 2º - O processo, perante o Juizado Especial de Pequenas
Causas, orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando
sempre que possível a conciliação das partes.
Em 1988, com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil, definiu-se pela primeira vez sobre a criação dos Juizados
Especiais Criminais.
O artigo 98, I da CRFB/88 dispõe:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os
Estados criarão:
57
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 11.
38
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e
leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a
execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações
penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos
oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a
transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de
primeiro grau;
Todavia, mesmo com a definição constitucional, as medidas
para a aprovação da lei regimental dos Juizados Especiais Criminais não foram
tomadas imediatamente pelo Congresso Nacional, como relata TOURINHO
FILHO:
Malgrado a norma datasse de 1988, nenhuma providência foi
tomada pelo Congresso no sentido de dizer quais seriam essas
infrações de menor potencial ofensivo, como se daria a transação
e como seria esse procedimento sumariíssimo. E, é óbvio, as
diretrizes teriam de vir do Congresso, já que era indispensável
uma lei que dissesse quais as infrações penais de menor
potencial ofensivo, matéria eminentemente penal. A competência
seria, portanto, dele, nos precisos termos do art. 22, I, da CF58.
Em 1990, ainda antes da promulgação pelo Congresso
Nacional da lei que instituiria os Juizados Especiais, surgiu no Brasil o primeiro
Juizado Especial Criminal nos moldes da Constituição. TOURINHO FILHO ensina
que o Estado do Mato Grosso do Sul, que já havia iniciado em 1989 estudos para
a instalação do instituto em seu território, promulgou a lei estadual n. 1.071, de 11
de julho de 1990, tornando-se esta a primeira norma em território nacional a
disciplinar sobre o tema:
Tratava-se da Lei estadual n. 1.071, de 11 de julho. Seu art. 69
dizia serem de menor potencial ofensivo os crimes dolosos
punidos com reclusão até um ano, ou detenção até dois anos, os
crimes culposos e as contravenções. Mais tarde, seguiu-lhe as
pegadas o Estado da Paraíba, com a Lei n. 5.466/91, cujo art, 59
58
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 17.
39
definia as infrações de menor potencial ofensivo, adotando o
mesmo critério do legislador mato-grossense.59
Não obstante a boa intenção dos legisladores estaduais em
definirem seus procedimentos processuais específicos, a definição de infração de
menor potencial ofensivo e a criação de normas processuais de aspecto geral não
poderiam ser levantadas por uma lei estadual, tendo em vista que tal matéria é
penal e processual o que, como já visto, é matéria de competência privativa da
União, acarretando assim em manifesta inconstitucionalidade das normas
estaduais.
GRINOVER e outros comentam sobre este fato ocorrido
antes da promulgação da lei federal disciplinadora dos Juizados Especiais
Criminais:
Mas, antes da edição da Lei 9.099/95, alguns Estados (como Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba) criaram os Juizados
Especiais Criminais por intermédio de leis estaduais, que foram
instalados e vêm funcionando regularmente.
Pairavam dúvidas sobre a constitucionalidade das leis estaduais
que os haviam instituído. Até que o Supremo Tribunal Federal
finalmente decidiu que a criação dos Juizados Criminais pelos
Estados dependia de lei federal, sendo inconstitucional a norma
estadual que outorgara competência penal a Juizados Especiais
(HC 71713-PB). O entendimento foi reiterado no HC 72.582-1-PB
(DJU 20.10.95, p.35.258)60.
Importante a transcrição da ementa do Habeas Corpus
71713-PB, que verificou existir inconstitucionalidade dos Juizados Especiais à
época:
[...] II. Juizado especial: competência penal: "infrações penais de
menor potencial ofensivo": critério e competência legislativa para
defini-las: exigência de lei federal. 1. As penas cominadas pela lei
59
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 18.
60 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5 ed. São Paulo: RT, 2005. p. 38.
40
penal traduzem presumidamente a dimensão do potencial
ofensivo das infrações penais, sendo legítimo, portanto, que as
tome a lei como parâmetro da competência do Juizado Especial.
2. A matéria, contudo, é de processo penal, da competência
legislativa exclusiva da União. 3. Dada a distinção conceitual entre
os juizados especiais e os juizados de pequenas causas (cf. STF,
ADIn 1.127, cautelar, 28.9.94, Brossard), aos primeiros não se
aplica o art. 24, X, da Constituição, que outorga competência
concorrente ao Estado-membro para legislar sobre o processo
perante os últimos. 4. Conseqüente inconstitucionalidade da lei
estadual que, na ausência de lei federal a respeito, outorga
competência penal a juizados especiais e lhe demarca o âmbito
material61.
Após discussões sobre o tema e a declaração da
inconstitucionalidade das normas estaduais pelo STF, foi editada e promulgada a
festejada Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, instituindo a figura dos Juizados
Especiais no âmbito nacional.
2.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES
Como já explanado anteriormente, a Lei 9.099/95 aportou no
ordenamento jurídico pátrio com o objetivo de regular os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais.
Os dois primeiros artigos da lei definem:
Art. 1º Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da
Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e
nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo,
julgamento e execução, nas causas de sua competência.
Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,
buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
Já nos dispositivos iniciais se verifica a intenção dos
Juizados Especiais em atender às necessidades da população, ao adotar critérios
61
STF, HC 71713-PB, Tribunal Pleno, Relator Sepúlveda Pertence. Julgado em 26.10.94
41
que buscam uma justiça ágil e eficiente, que procura a via da conciliação e da
transação sempre que possível.
Para atender a esse interesse de reduzir a burocracia,
entenderam os legisladores que os Juizados Especiais Cíveis e Criminais
deveriam se orientar por cinco princípios: a oralidade, a simplicidade, a
informalidade, a economia processual e a celeridade, todos analisados a seguir.
2.2.1 Princípio da Oralidade
O princípio da oralidade se baseia no entendimento de que
os Juizados Especiais devem adotar a forma oral para a elaboração da maioria de
seus procedimentos, por justificar que esta medida é mais benéfica, ou seja,
afirma-se que as declarações prestadas perante os juízes e tribunais possuem
mais eficácia quando formuladas verbalmente.
MIRABETE traz o benefício da oralidade nos procedimentos
judiciais:
A experiência tem demonstrado que o processo oral é o melhor e
mais de acordo com a natureza da vida moderna, como garantia
de melhor decisão, fornecida com mais economia, presteza e
simplicidade62.
MELO também defende a importância da oralidade no
procedimento do Juizado Especial ao ensinar que o princípio, de certa forma,
incentiva o jurista a conhecer e estudar sobre a causa discutida, pois a não
compreensão do fato estudado pode levar a algum prejuízo para qualquer das
partes, sobretudo porque não há muito espaço para formalidades escritas. Assim,
terá mais vantagem aquele que estiver preparado para requerer ou se manifestar
oralmente:
No sistema especial tudo será rápido. Quem não estudar
anteriormente a Lei 9.099/95, sairá da audiência com a sensação
de que é muito simples. Porém, provavelmente, terá perdido a
oportunidade de realizar algum ato importante, pois não haverá
62
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 32
42
tempo para levar o processo para casa, ou consultar algum
colega.
Dentre os princípios introduzidos, a oralidade é o que mais
forneceu dinâmica ao procedimento do Juizado, sobretudo no
concernente às audiências de instrução e julgamento. Nesta
atuação moderna, a utilização da palavra falada tem supremacia,
motivo que por si só impõe ao jurista uma preparação prévia de
toda a matéria argumentativa e probatória utilizada em juízo63.
Todavia, é de se levantar que a intenção do legislador não é
de transformar o procedimento dos Juizados Especiais em um processo
exclusivamente verbal, mesmo porque a escrita não é um feito totalmente
excluído, estando previsto na própria lei 9.099/95, em seu artigo 65, §3º, a
exigência do registro escrito nos atos havidos por essenciais:
Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que
preencherem as finalidades para as quais foram realizados,
atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei.
[...]
§3º Serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos
havidos por essenciais. Os atos realizados em audiência de
instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou
equivalente.
A lei, porém, não definiu o que seriam estes atos essenciais.
TOURINHO FILHO leciona que o intérprete da norma deve se valer do bom senso
e identificar quais seriam os atos essenciais:
Ao contrário do inciso III do art. 564 do CPP, que elencou os atos
essenciais ou estruturais, o §3º ora em exame limitou-se a dizer
“os atos havidos por essenciais”. Não os enumerou. Cabe, assim,
ao intérprete, valendo-se do bom senso, identificar no processo da
competência do Juizado quais sejam esses atos. Alguns são
facilmente individualizáveis: a intimação do autor do fato (para a
audiência preliminar), a citação do réu (quando for instaurado
63
MELO, André Luís Alves de. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais comentada. São Paulo: Iglu, 2000. p. 15-16.
43
procedimento sumariíssimo – art. 78); a composição dos danos,
nos termos do art. 74; a homologação do acordo a que se refere o
parágrafo único do art. 74; a representação do ofendido ou de
quem suas vezes fizer – ainda que feita oralmente, deverá ser
reduzida a escrito (art. 75); o pedido de arquivamento formulado
pelo Ministério Público; a proposta formulada pelo Ministério
Público, indicando qual das penas, restritiva de direito ou multa
(art. 76); a aceitação da proposta formulada pela Defesa ou
eventual contraproposta (art. 76, § 3º); a homologação do acordo
celebrado entre acusador e autor do fato (art. 76, § 4º); a denúncia
ou queixa feitas oralmente, quando então devem ser reduzidas a
escrito (art. 78); o recebimento da denúncia ou queixa (art. 81); a
sentença; os recursos64.
Apesar do que dispõe o artigo supracitado, não é proibido
que as provas levantadas em audiências de instrução e julgamento sejam
reduzidas a termo, devendo ficar a critério da autoridade judicial que estiver
conduzido o ato. Isso se dá porque o dispositivo define que os atos realizados em
audiência de instrução e julgamento poderão, excluindo assim a obrigatoriedade,
ser registrados por fita magnética ou qualquer outro meio tecnológico equivalente.
Mas é certo que o levantamento de tal hipótese pelo
legislador foi trazido com a intenção de beneficiar o procedimento do Juizado
Especial, assim como descreve TOURINHO FILHO:
Nada impede, também, possam as provas colhidas na audiência
ser reduzidas a escrito. Quanto a estas, contudo, a lei permite
sejam gravadas em fita magnética (fita cassete, fita de vídeo) ou
equivalente. Com a evolução da informática é possível, nas
audiências, serem colhidos interrogatórios, depoimentos,
declarações, alegações orais (debates) e outros atos importantes
por meio de digitação ou mesmo gravação, transformando tais
informações em bytes, que, por sua vez, formarão banco de
dados eletrônicos relativos ao processo e que poderão ser
armazenados em disquetes, ou num sistema mais abrangente que
possibilite consulta ou leitura e, eventualmente, degravação, se se
pretender ingressar no Juízo revidendo. Como exemplo, podemos
citar o CD gravável ou o MD gravável. Tudo isso será possível,
64
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 74-75.
44
quando não em todo o território nacional, pelo menos nos grandes
centros65.
Então, como exposto, o princípio norteador da oralidade é de
extrema importância para o rito do Juizado Especial Criminal, por ser um dos
pilares sustentadores da celeridade requisitada pelo rito da Lei 9.099/95. Se a
oralidade não fosse adotada, dando-se preferência a procedimentos escritos com
prazos dilatados, de nada adiantaria promulgar uma lei que instituísse o rito
especial, pois este não teria eficiência para dar a agilidade que o judiciário
necessita.
2.2.2 Princípio da Simplicidade
Pelo princípio da simplicidade busca-se a diminuição do
volume de atos jurídicos e procedimentos adotados no rito da lei dos Juizados
Especiais. Como forma de buscar uma justiça mais ágil, entendeu o legislador
que o procedimento da lei dos Juizados Especiais deveria buscar com primazia
somente o necessário à elucidação do fato e evitar que a extensão de atos
burocráticos provocasse a demora na resolução da lide.
Segundo MIRABETE, pelo princípio da simplicidade “tem-se
a tarefa de simplificar a aplicação do direito abstrato aos casos concretos, quer na
quantidade, quer na qualidade dos meios empregados para a solução da lide,
sem burocracia”66.
Conforme orientação do mesmo autor é possível verificar
que o princípio da simplicidade está implícito em diversos artigos da Lei 9.099/95,
com dispositivos que visivelmente foram positivados com a intenção de diminuir a
burocracia dos Juizados Especiais.
O artigo 77, §1º da referida norma, por exemplo, determina
que quando for dispensado o inquérito policial para o oferecimento da denúncia, a
prova da materialidade prescinde de exame de corpo de delito, podendo ser
65
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 75.
66 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 35.
45
utilizado, para o devido fim, boletim médico ou prova equivalente. O artigo 77, §2º,
autoriza o Ministério Público a requerer o encaminhamento dos autos à justiça
comum, quando, pela complexidade ou circunstâncias do caso não permitam o
oferecimento da denúncia pelo representante ministerial. Também o artigo 65, §1º
declara que “não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido
prejuízo”, ou, o artigo 81, §3º, que dispensa a necessidade do relatório na
sentença.
2.2.3 Princípio da Informalidade
Este princípio procura diminuir nos Juizados Especiais a
formalidade desnecessária em determinados procedimentos. Pela adoção do
preceito, o legislador entendeu que o maior objetivo da Lei 9.099/95, que é buscar
a resolução da lide com agilidade e simplicidade, era incompatível com a
formalidade rigorosa comum no processo civil e processo penal.
Assim, foram adotados diversos dispositivos que
regulamentam os atos dos Juizados Especiais, tornando-os válidos sempre que
preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios
estabelecidos na lei, conforme disposto no artigo 65 da Lei 9.099/95.
O princípio da informalidade pode ser observado, na Lei
9.099/95, pelo artigo 67, que autoriza que a intimação seja feita por
correspondência com aviso de recebimento (AR), ou pelo artigo 65, §2º, que
permite que a prática de atos processuais em outras comarcas seja solicitada por
qualquer meio hábil de comunicação. Também a informalidade se encontra
presente nas chamadas audiências preliminares onde, reunidos o autor do fato, a
vítima, o representante do Ministério Público e o responsável civil, é feita a
proposta de conciliação (artigo 72), ou, após feita a representação, no caso dos
Juizados Especiais Criminais, a proposta de transação penal (artigo 76, caput).
Mesmo sendo um dos pilares dos Juizados Especiais, deve-
se entender que a informalidade não significa que o rito da Lei 9.099/95 deva ser
conduzido de qualquer forma. Na verdade, há um mínimo de formalidade que os
operadores do direito em contato com a lei devem observar. MIRABETE faz a
46
ressalva dos pontos importantes que devem sempre ser observados no Juizado
Especial Criminal:
Não se deve esquecer, porém, que não se pode, a pretexto de
obediência ao citado princípio, afastar regras gerais do processo
quanto a atos que possam ferir interesses da defesa ou da
acusação ou causar tumulto processual, dispondo aliás a lei que
devem ser aplicadas subsidiariamente nos Juizados as
disposições do Código de Processo Penal no que não forem
incompatíveis com ela (art. 92).
Sem dúvida o Juiz não está isento de observar um mínimo de
formalidades essenciais para a prática de determinados atos
processuais. Não se trata, portanto, de excluir atos processuais,
mas sim da possibilidade de praticá-los de forma livre, de modo
plausível, desde que sejam aptos a atingir sua finalidade. Essa
liberdade, porém, não existe quando a própria lei determina forma
procedimental exclusiva, como ocorre com relação à citação do
acusado, que será sempre pessoal, no Juizado ou por mandado
(art. 66)67.
Pode-se então concluir que a informalidade é característica
marcante do rito dos Juizados Especiais, pois ela busca diminuir a preocupação
com formas rígidas, e, segundo entendimento do legislador, desnecessárias para
a resolução das pequenas lides abordadas pela Lei 9.099/95.
2.2.4 Princípio da Economia Processual
O preceito da economia processual é adotado pelos
Juizados Especiais como forma de reduzir a onerosidade ao Estado e às partes
envolvidas em determinado processo. Conforme MIRABETE, o princípio da
economia processual procura “sempre buscar o máximo resultado na atuação do
direito com o mínimo possível de atos processuais ou despachos de
ordenamentos, desprezando-se os inúteis68”.
67
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 35.
68 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 36.
47
Não se trata, porém, da supressão de atos previstos na Lei
9.099/95, mas sim a possibilidade de escolha entre caminhos que possam facilitar
a instrução processual e evitar a repetição de atos processuais desnecessários,
consequentemente reduzindo o gasto de tempo e de recursos.
MIRABETE levanta alguns exemplos onde o princípio da
economia processual se faz presente:
Exemplos dessa orientação são a abolição do inquérito policial e a
disposição que prevê a realização de toda a instrução e o
julgamento em uma única audiência, evitando-se tanto quanto
possível a sua multiplicidade. Além disso, preconiza-se o
aproveitamento dos atos processuais, tanto quanto possível,
poupando-se tempo precioso, tão escasso nas lides forenses
diante da pletora de ações propostas. [...] Nada impede, ao
contrário, é recomendável que, para a documentação dos atos
processuais, sejam utilizados formulários impressos com espaços
para serem preenchidos pelos auxiliares da justiça, poupando-se
o tempo de redação integral desses documentos69.
Assim sendo, conclui-se a importância do princípio da
economia processual na busca de atingir o objetivo dos Juizados Especiais,
reduzindo custos e buscando encurtar o caminho para se chegar à resolução da
lide.
2.2.5 Princípio da Celeridade Processual
Celeridade processual, nos Juizados Especiais, é a busca
pela rapidez e agilidade dos procedimentos submetidos ao rito da Lei 9.099/95,
com o fim de se chegar à resolução da lide no menor espaço de tempo possível.
Em se tratando do Juizado Especial Criminal, a aplicação desse princípio tem o
escopo de reduzir a distância entre a prática da infração penal e a solução do
caso.
Novamente trazem-se os exemplos de MIRABETE para
demonstrar a aplicação do princípio:
69
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 36.
48
[...] prevê a lei que a autoridade policial, tomando conhecimento
da ocorrência, deve lavrar o termo circunstanciado, remetendo-o
com o autor do fato e a vítima, quando possível, ao Juizado.
Estando presentes estes no Juizado, já se pode realizar a
audiência preliminar, propondo-se a composição e, em, seguida, a
transação, que, obtidas, serão homologadas pelo juiz. Permite-se,
ainda, em termos gerais, que os atos processuais sejam
realizados em horário noturno e em qualquer dia da semana (art.
64). Nesse mesmo sentido de celeridade, dispõe a lei que a
citação pode ser feita no próprio Juizado, que nenhum ato será
adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução
coercitiva de que deva comparecer (art. 80) etc.70
Ainda sobre o mesmo princípio, MIRABETE71 ensina que a
celeridade processual, quando utilizada pela busca rápida da solução
jurisdicional, evita a impunidade pela prescrição e dá uma resposta rápida à
sociedade na realização da Justiça Penal. O desfecho do conflito de interesses
nessa modalidade é desejo coletivo da sociedade, por isso, a busca rápida pela
resolução das infrações penais é uma exigência da estabilidade e tranqüilidade
social.
2.3 COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
A competência dos Juizados Especiais Criminais foi
delimitada pela primeira vez com a promulgação da CRFB/88, que, em seu artigo
98, I, já anteriormente citado, determinava que a União, no Distrito Federal e nos
Territórios e os Estados criassem Juizados Especiais, providos por juízes
togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a
execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.
Tratava-se de uma norma programática, pois como já visto,
era necessária a edição de uma lei federal que desse o conceito de infração de
menor potencial ofensivo e assim fixasse a competência dos Juizados Especiais
Criminais.
70
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 37.
71 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 37.
49
Com a promulgação da Lei 9.099/95, o artigo 60, caput,
tratou de reafirmar o que dispunha a Constituição, sendo o mesmo ora transcrito
in verbis, com a alteração dada pela Lei 11.313/06, modificação esta que apenas
tratou de incluir a observância das regras de conexão e continência:
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados
ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o
julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial
ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
Explicitado o artigo que delimita as competências dos
Juizados Especiais Criminais, passa-se a analisar cada uma delas
separadamente.
2.3.1 Infração de menor potencial ofensivo
A definição de infração penal de menor potencial ofensivo
veio inclusa no artigo 61 do mesmo diploma legal, que, à época de sua
promulgação, considerava para seus efeitos apenas as contravenções penais e
os crimes cuja pena máxima não fosse superior a um ano, excetuados os casos
em que a legislação previsse procedimento especial.
Essa situação perdurou até a promulgação da Lei 10.259/01,
que instituiu no Brasil os Juizados Especiais Federais e fixou a sua competência.
Para os efeitos da Lei 10.259/01, foram trazidas duas
inovações: a determinação de que os crimes de menor potencial ofensivo seriam
aqueles cuja pena máxima não excedesse dois anos, e que todos estes, mesmo
os sujeitos a procedimentos especiais, estariam submetidos ao rito do Juizado
Especial Federal, conforme se observa da antiga redação do seu artigo 2º e
parágrafo único, antes de sua alteração pela Lei 11.313/06:
Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e
julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às
infrações de menor potencial ofensivo.
50
Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine
pena máxima não superior a dois anos, ou multa.
A partir disso, iniciaram-se discussões acerca da
aplicabilidade dessas inovações aos Juizados Especiais Criminais estaduais, pois
a Lei 10.259/01 dispunha que somente para efeitos do Juizado Especial Federal
seriam consideradas infrações de menor potencial ofensivo com as características
citadas.
Além disso, também havia o artigo 20 da Lei, que vedava a
sua aplicação à justiça estadual:
Art. 20. Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser
proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro
definido no art. 4º da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995,
vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual.
Todavia, a doutrina nacional deu por entender que era
incabível criar dois conceitos de infração penal de menor potencial ofensivo,
passando a defender que a pena máxima de dois anos e a abrangência aos
crimes inclusos em procedimentos especiais deveria também ser submetida ao
rito da Lei 9.099/95.
GRINOVER e outros contribuíram com seus ensinamentos
acerca do tema:
Como a Lei 9.099, também a Lei 10.259, de 12.07.2001, que
dispôs sobre os Juizados Especiais Federais, ao definir as
infrações de menor potencial ofensivo, de maneira expressa
especificou que essa definição só devia ser considerada “para os
efeitos” daquela lei (art. 2.º, parágrafo único). Consta da Lei dos
Juizados Federais que não seria aplicada ao “juízo estadual” (art.
20). Contudo, como as mesmas infrações podem ser, na grande
maioria das vezes, de competência das Justiças Estadual e
Federal, firmando-se a competência destas Justiças por outros
critérios, não poderia o legislador ordinário, em face do disposto
no art. 98, I, da CF, considerar a mesma infração como de menor
potencial ofensivo para a Justiça Federal e não atribuir-lhe a
51
mesma qualidade para a Justiça Estadual. Por isso, apesar da
vedação, sustentamos a aplicação da Lei 10.259 à Justiça
Estadual72.
Depois de reiteradas discussões ao redor da aplicabilidade
ou não da lei 10.259/01 aos Juizados Especiais Criminais estaduais, a matéria foi
superada com a promulgação da Lei 11.313/06, que alterou o artigo 61 da Lei
9.099/95, passando a ter o seguinte texto:
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois)
anos, cumulada ou não com multa.
Nota-se também que foi excluído o dispositivo que retirava
dos Juizados Especiais Criminais a competência para a análise de crimes
submetidos a procedimentos especiais.
Sobre a nova redação do artigo 61, o doutrinador
TOURINHO FILHO discorre:
O legislador, aqui, dando nova redação ao art. 61, pela Lei n.
11.313/2006, considerou de menor potencial ofensivo “as
contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena
máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa”.
Infrações de menor potencial ofensivo são, em primeiro ligar, as
contravenções, pouco importando a pena cominada.
Finalmente, o legislador não ressalvou os crimes sujeitos a
procedimento especial. E assim agiu porque ele mesmo já havia
entendido dessa maneira com a promulgação da Lei n.
10.259/2001. Foi apenas coerente73.
Conclui-se pelo exame dos atuais dispositivos da Lei
9.099/95, que as infrações penais de menor potencial ofensivo são as
72
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 76 73
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 42.
52
contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não exceda a dois anos,
estando estes submetidos ou não a legislação especial.
2.3.2 Juiz togado e juiz leigo
O artigo 60 da Lei 9.099/95 determina que o Juizado
Especial Criminal seja provido por juízes togados ou togados e leigos, construindo
uma discricionariedade acerca da sua constituição. Nota-se, então, que podem
existir duas estruturas de Juizados Especiais Criminais, aqueles providos apenas
por juízes togados e os providos por juízes togados e leigos.
Juiz togado é aquele que exerce a função jurisdicional em
sua plenitude. São os popularmente conhecidos “juízes de carreira” e suas
competências e atribuições são regidas pela CRFB/88, pela Lei Orgânica da
Magistratura Nacional – LOMAN (lei complementar federal nº 35/79) e, em Santa
Catarina, pelo Estatuto da Magistratura do Estado de Santa Catarina (lei
complementar estadual nº 367/06). Os juízes togados necessitam realizar
concurso público para ingressar na magistratura e, dependendo da organização
judiciária de cada tribunal, são promovidos de entrância para entrância, iniciando
a carreira no cargo de juiz substituto. Essa matéria é regulada pelo artigo 93 da
CRFB/88, que trata dos princípios da magistratura.
Já o cargo do juiz leigo está positivado na Lei 9.099/95, que
o considera, em seu artigo 7º, um auxiliar da justiça. Apesar da nomenclatura,
somente poderá ser juiz leigo o advogado com mais de cinco anos de
experiência:
Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça,
recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em
Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos
de experiência.
A Lei dos Juizados Especiais garantiu amplas atribuições ao
juiz leigo, ao explicitar que ele poderá dirigir a instrução processual, sob a
supervisão de juiz togado (artigo 37), e proferir decisão, devendo ser analisada
também por juiz togado que a homologará, proferirá outra em substituição ou
53
determinará a realização de atos probatórios indispensáveis antes de se
manifestar (artigo 40).
Apesar da tentativa da lei em revolucionar a justiça com a
criação do juiz leigo, tal medida vem encontrando resistência e, em Santa
Catarina, a utilização desses auxiliares é bastante tímida, como se observa da
citação retirada do Manual do Juiz Leigo, editado pelo Tribunal de Justiça de
Santa Catarina:
Podem-se apontar várias justificativas para a timidez na utilização
dos juízes leigos no Estado. O só fato de se cuidar de uma
proposta inovadora é motivo para receios, que são
potencializados pelo infeliz adjetivo “leigo”, utilizado pelo texto
legal. A idéia de um terceiro, leigo, presidindo a fase instrutória e,
ainda, lavrando sentença, encontra resistência dentre os
magistrados.
Uma outra dificuldade para a atuação de juízes leigos encontra-se
na própria Lei nº 9.099/95, que exige que a sua nomeação recaia
sobre advogados com cinco anos de prática. Essa circunstância
impede, por exemplo, que assessores e funcionários do Poder
Judiciário ou do Ministério Público, ou professores universitários
sejam nomeados juízes leigos.
Além disso, observa-se que, em Santa Catarina, a matéria foi
regulamentada por meio do Ato Regimental nº 27/95 e da
Resolução nº 6/95 - GP, que cuidaram mais de outros aspectos
dos juizados especiais. Não existia, até julho de 2006, disposição
específica quanto à designação e à atuação do juiz leigo.
A ausência de regulamentação, entretanto, não inviabiliza a
atuação do juiz leigo, nos moldes do art. 7º da Lei nº 9.099/95,
motivo por que é conveniente afastarem-se, desde logo, alguns
preconceitos74.
A proposta da legislação na adoção de juízes leigos veio
como forma de atribuir mais celeridade ao processo do Juizado Especial Criminal,
74
TJSC. Manual do juiz leigo no Juizado Especial Cível. Florianópolis, 2006. p. 5. Disponível em < http://www.tj.sc.gov.br/institucional/especial/coordjuzesp/modelos_relacionados/manual_juiz_ leigo.pdf >. Acesso em 27.08.2010.
54
pois sem a rigidez da necessidade de investidura na magistratura, diversos
julgadores poderiam auxiliar para se chegar ao rápido andamento processual, no
mesmo ritmo que a justiça precisa andar para atender a população.
2.3.3 Conciliação
Mais que competência, a conciliação é um dos objetivos do
Juizado Especial Criminal. O artigo 2º da Lei 9.099/95, já visto, é manifesto em
afirmar que o processo dos juizados especiais deve buscar sempre que possível a
conciliação e a transação.
TOURINHO FILHO descreve a conciliação como a
“satisfação do dano decorrente das infrações de menor potencial ofensivo, bem
como ao seu processo, julgamento e execução75”.
MIRABETE aprofunda o tema, descrevendo a conciliação
como uma proposição criada de forma a reparar imediatamente os danos sofridos
pela vítima em decorrência da infração penal:
A infração penal, além de ofender o interesse público, pode gerar
a responsabilidade civil, cujo fundamento legal é o art. 159 do
Código Civil. Uma das proposições da Lei 9.099/95 é facilitar a
reparação imediata dos danos sofridos pelo ofendido em
decorrência do ilícito penal, preocupação dos mais recentes
estudos da Vitimologia e outras ciências penais, em que se
condena o esquecimento da vítima do delito, desprotegida pelo
ordenamento jurídico [...]. A composição amigável, incluída na
expressão conciliação prevista pelo art. 98, I, da Constituição
Federal, não só pode pôr fim à pretensão punitiva, nos casos em
que implica renúncia ao direito de queixa ou representação, como
é também instrumento jurídico rápido para se alcançar a
reparação dos danos materiais causados pelo autor do fato76.
Ante isso, infere-se que a proposta da conciliação no rito do
Juizado Especial Criminal é trazer a participação da vítima ao processo, de forma
75
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 33.
76 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p.
104.
55
que ela e o autor do fato possam discutir juntos, de forma amigável, e compor as
suas desavenças, resolvendo o problema e retirando o peso ao Estado de ter que
mover seu aparato para encontrar uma solução.
O autor chama a atenção também para o fato de que a
conciliação não é possível quando a vítima do ilícito é uma coletividade sem
personalidade jurídica, ou o Estado, incluindo contra este as contravenções
penais e diversos crimes, como exemplo os cometidos contra a administração
pública e outros inclusos no Código Penal e legislação esparsa:
Há que se ressaltar, porém, a impossibilidade de conciliação nas
hipóteses em que o sujeito passivo do ilícito é somente o Estado.
Assim, ela é inadmissível, como regra, nas contravenções penais,
quase sempre infrações de perigo comum, e em inúmeros crimes
(arts. 166, 237, 301, caput, 302, caput e parágrafo único, 307 etc.,
todos do Código Penal). O mesmo se diga quando o ofendido é
uma coletividade destituída de personalidade jurídica (arts. 209,
caput, 233, 252, parágrafo único, 264, 271, parágrafo único etc.,
todos do mesmo Estatuto). Em outros ilícitos, em que são sujeitos
passivos o Estado e um particular, a composição é possível
quanto a este, mas não impedirá a instauração da ação penal,
podendo ser considerada apenas como eventual circunstância
atenuante. Nessas hipóteses, a ação penal é pública
incondicionada, o que impede a extinção da punibilidade pela
renúncia [...]. Restará apenas, nesses casos, a possibilidade da
apresentação da proposta de imposição imediata de pena não
privativa de liberdade77.
Para presidir a audiência de conciliação, o teor do artigo 73
da Lei 9.099/95 ordena que “a conciliação será conduzida pelo Juiz ou por
conciliador sob sua orientação”. Nessa tarefa, tanto o juiz quanto o conciliador
deverão apenas presidir a audiência de conciliação, ato que se destina à
satisfação dos danos, e sua atividade somente se estende a este ato. Não é
possível, por exemplo, que o conciliador interfira na proposta da transação penal
pelo Ministério Público, que será estudada adiante.
77
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 105.
56
2.3.4 Transação penal
Restando infrutífera a conciliação entre o autor do fato e a
vítima, nos casos de ação penal condicionada à representação, ou sendo ação
penal incondicionada, a lei 9.099/95 em seu artigo 76, autoriza ao Ministério
Público a aplicação imediata de uma pena restritiva de direitos ou multa:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação
penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o
Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
Trata-se do instituto da transação penal, prenunciado pelo
artigo 98, I da CRFB/88 e, segundo a lei 9.099/95, é uma faculdade que o
Ministério Público possui para dispensar a ação penal tendente a apurar infrações
de menor potencial ofensivo, desde que o autor da infração aceite a proposta do
órgão ministerial.
TOURINHO FILHO discorre trazendo um conceito prático do
instituto da transação penal:
A transação que a Constituição permite possa ser feita, dizem,
nada mais é que um sucedâneo da ação penal. É como se a lei
dissesse: a hipótese enseja propositura da ação penal, mas,
tratando-se de infração de menor potencial ofensivo, a denúncia
pode ser substituída por uma proposta de multa ou medida
restritiva de direito, sem a necessidade de se instaurar processo a
respeito78.
Na doutrina de GRINOVER e outros, é ensejado que a
transação nada mais é que uma concessão mútua entre as partes e os partícipes
envolvidos em infrações de menor potencial ofensivo. No entanto, apesar de
prevista na Constituição Federal, a lei 9.099/95 procurou restringir a liberdade de
transação, de modo que se preferiu adotar a conciliação dirigida por juiz ou
conciliador:
78
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 126.
57
A transação, consistente em concessões mútuas entre as partes e
os partícipes, foi expressamente autorizada pela Constituição
Federal para as infrações de menor potencial ofensivo (artigo 98,
I).
Contudo, não permitiu a lei uma ampla liberdade às partes
envolvidas para transacionar, preferindo a conciliação dirigida por
juiz ou conciliador.
Assim, o Ministério Público não pode deixar de oferecer acusação
em troca da confissão de um crime menos grave ou da
colaboração do suspeito para a descoberta de co-autores, como
ocorre no sistema do plea bargaining dos Estados Unidos da
América [...].
Há balizas para a proposta do Ministério Público porque, além da
necessidade de serem preenchidas determinadas condições para
a transação que antecede a acusação, ficou a transação
restringida às seguintes possibilidades [...]:
opção entre a pena de multa ou a pena restritiva;
a fixação do valor da pena de multa;
a espécie, o tempo e a forma de cumprimento da pena restritiva79.
As penas restritivas de direitos, que podem ser aplicadas
imediatamente na transação penal, são aquelas previstas na parte geral do
Código Penal, artigo 43, consistindo no pagamento de prestação pecuniária, a
perda de bens e valores, a prestação de serviço à comunidade ou a entidades
públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de semana.
Já a pena de multa está positivada no artigo 49 do Código
Penal:
Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo
penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-
79
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 68.
58
multa. Será, no mínimo de 10 (dez) e, no máximo, de 360
(trezentos e sessenta) dias-multa.
§1.º O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser
inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao
tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.
Compreende-se então que a transação penal é um acordo
celebrado entre o autor do fato e o Ministério Público, onde, depois de restada
infrutífera a conciliação com o ofendido, ou sendo caso de ação penal
incondicionada, e atendidos os requisitos do artigo 76, §2º, é proposta a aplicação
imediata de uma pena restritiva de direitos ou multa, para dispensar o
oferecimento da denúncia e a consequente instauração de ação penal.
2.3.4.1 Transação penal nos crimes de ação penal privada
De acordo com o que se extrai da previsão legal do artigo
76, entende-se que somente o Ministério Público tem o poder de ofertar a
transação penal, ou seja, dentro de sua competência já vista, apenas em casos
de ação penal pública. Estaria então desautorizada a proposta nos crimes de
ação penal privada, pois ao Promotor de Justiça não caberia tomar qualquer
medida, sendo que nesta situação atuaria apenas como fiscal da lei, e não como
acusador, uma vez que esta competência cabe ao próprio ofendido.
Ainda assim, tem-se entendido entre a doutrina que também
a ação penal privada pode ser atingida pela alçada da proposta. O
posicionamento de CARVALHO defende que não apenas é cabível a transação
penal nos crimes de ação penal privada, como o próprio ofendido pode ofertá-la:
Pela redação do artigo 76, teria sido excluída a possibilidade de
transação nos crimes de iniciativa privada. Consistiria isso simples
omissão do legislador ou uma vedação consciente? Quando a lei
confere ao particular a legitimidade para o exercício da ação
penal, o faz na condição de substituto processual do Estado, que
é o titular da pretensão punitiva. Como se sabe, na legitimação
extraordinária o substituto não tem poderes para transacionar com
os direitos do substituído. Portanto, o querelante só poderia
oferecer transação penal quando houvesse autorização legal. A
Lei nº 9099/95 não lhe dá tal autorização. Ocorre que é princípio
59
geral de interpretação que quem pode o mais, pode o menos. Ou
seja, quem pode deduzir em juízo uma pretensão condenatória
pode também transacionar a pretensão, reduzindo o seu alcance,
ainda mais consensualmente. Além disso, e mais importante, o
querelante pode até perdoar e ocasionar a extinção da
punibilidade, conforme autorizam os artigos 51 do Código de
Processo Penal e 105 do Código Penal. Desse modo, a
autorização para que o querelante transacione a pretensão
punitiva está assentada nos sistemas processual penal e penal
que devem ser aplicados à Lei nº 9099/95, à falta de dispositivo
específico80.
TOURINHO FILHO também discorre que não há obstinação
para que o ofendido apresente a proposta de transação penal:
Se estiverem presentes todos os requisitos exigidos em lei para
que se proceda à “transação”, nada obsta possa o ofendido
formulá-la. Nesse sentido, a 11ª conclusão da Comissão Nacional
da Escola Superior da Magistratura: “O disposto no art. 76
abrange os casos de ação penal privada”. É verdade que a lei só
faz referência ao Ministério Público. Parece-nos, contudo,
induvidoso possa o ofendido, nesses delitos, formulá-la. Não tem
sentido vedar-se-lhe esse direito. Do contrário, haveria uma
discriminação odiosa, e, além do mais, ferir-se-ia o princípio da
isonomia. Se na ação pública o autor do fato faz jus ao benefício,
por que não em se tratando de ação privada? Se o ofendido,
titular da ação como substituto processual, dispõe de poderes
para promover, ou não, a ação penal, e, uma vez intentada, dela
desistir, seja pelo perdão, seja pela perempção, mais ainda os
terá para formular a proposta, pois poderá pretender, em vez do
processo, uma simples multa ou pena restritiva de direito. Quem
pode o mais, pode o menos81.
Em que pese às discussões acirradas acerca da propositura
da transação penal nas ações penais privadas, a jurisprudência vem pacificando o
entendimento de que a proposta é cabível, mas ainda assim incumbe ao
Ministério Público fazê-la.
80
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais comentada e anotada. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 434.
81 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais
Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 130.
60
No sentido, há precedente da Turma Recursal Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO. QUEIXA-CRIME. ARTIGOS 139 E 140 DO CÓDIGO
PENAL. TRANSAÇÃO PENAL OPERADA. INCONFORMIDADE
DO QUERELANTE. Cabe ao Ministério Público propor a
transação penal, ainda que em ação penal privada. A
disponibilidade material da vítima reside na fase prévia de
composição dos danos e iniciativa processual. NEGARAM
PROVIMENTO82.
Por fim, o recente enunciado 112 do FONAJE – Fórum
Nacional dos Juizados Especiais – pronuncia que na ação penal de iniciativa
privada, cabem transação penal e a suspensão condicional do processo,
mediante proposta do Ministério Público83, acabando com as dúvidas que existiam
em torno da matéria.
2.3.4.2 Obrigatoriedade de propositura da transação penal
quando inexistentes os impedimentos do art. 76, §2º, da lei
9.099/95
Para que o autor da infração faça jus ao benefício da
transação penal, é necessário que ele atenda a alguns requisitos, conforme
disposto no §2º do artigo 76 da lei 9.099/95:
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à
pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco
anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste
artigo;
82
TJRS, RC 71001420520, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator Alberto Delgado Neto, julgado em 12.11.2007.
83 Enunciado aprovado no XXVII FONAJE, realizado nos dias 26, 27 e 28 de maio de 2010, em
Palmas/TO. Disponível em < http://www.fonaje.org.br/enunciados.asp >. Acesso em 27.08.2010.
61
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
Não obstante a regra do artigo 76 da lei 9.099/95 prever que
a proposta de transação penal é uma faculdade do Ministério Público, já que
fixado que ele poderá propor a aplicação imediata de pena, entende a doutrina de
TOURINHO FILHO que, inexistindo alguma das hipóteses previstas acima que
impedem a propositura, o Promotor de Justiça é obrigado a oferecer a transação
penal:
Muito embora o caput do art. 76 diga que o Ministério Público
“poderá” formular a proposta, evidente que não se trata de mera
faculdade. Não vigora, entre nós, o princípio da oportunidade.
Uma vez satisfeitas as condições objetivas e subjetivas para que
se faça a transação, aquele poderá converte-se em deverá,
surgindo para o autor do fato um direito a ser necessariamente
satisfeito. O Promotor de Justiça não tem a liberdade de optar
entre ofertar a denúncia e propor simples multa ou pena restritiva
de direitos. Formular ou não a proposta não fica à sua discrição.
Ele é obrigado a formulá-la. E esse deverá é da Instituição. [...]84.
O mesmo caminho é seguido pela doutrina de GRINOVER e
outros, argumentando que o não oferecimento fere o princípio da isonomia:
[...] permitir ao Ministério Público (ou ao acusador privado) que
deixe de formular a proposta de transação penal, na hipótese de
presença dos requisitos do § 2.º do art. 76, poderia redundar em
odiosa discriminação, a ferir o princípio da isonomia e a
reaproximar a atuação do acusador que assim se pautasse ao
princípio de oportunidade pura, que não foi acolhido pela lei85.
Mesmo que necessária a proposta, a aceitação por parte do
ofendido não é obrigatória, podendo ele recusá-la se entender assim ser melhor.
84
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 125.
85 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 153.
62
Contudo, se houver divergência entre a vontade do autor do fato e de seu
defensor, deve ser considerada a vontade daquele:
Cabe ao autor do fato e ao seu Defensor aceitar ou não a
proposta. Na hipótese de dissenso, deve prevalecer a vontade
daquele, tanto mais quanto a transação não lhe ocasiona nenhum
prejuízo86.
Com isto, ainda que legalmente explícito que a transação
penal é uma faculdade, o Ministério Público, quando o autor do fato atender a
todos os requisitos, não possui discricionariedade quanto à oferta, sendo obrigado
a apresentar a proposta.
2.3.5 Suspensão condicional do processo
No rito da lei 9.099/95 existe, além da transação penal, a
inovação da suspensão condicional do processo, positivada em seu artigo 89:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou
inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério
Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do
processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja
sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,
presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão
condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
Entende-se pela doutrina que a suspensão condicional do
processo também é uma espécie de transação, entretanto, na transação penal, a
oferta é feita antes do oferecimento da denúncia, e ao autor do fato é proposto
pagar uma pena de multa ou restritiva de direitos para evitar a ação penal. Na
suspensão condicional do processo, a diferença é que a proposta é feita no
oferecimento da denúncia, e a aceitação do instituto não impede o início do
processo, visto que este já está iniciado com o recebimento da inicial acusatória.
O processo é apenas suspenso por um prazo determinado, ou seja, caso aceitas
as condições da proposta, a ação penal permanece imóvel, sem prosseguimento,
86
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 141.
63
desde que o denunciado cumpra com as obrigações acordadas pelo prazo
firmado.
TOURINHO FILHO menciona a suspensão condicional do
processo, denominado-a também “sursis” antecipado:
A suspensão condicional do processo é, também, uma verdadeira
transação. É transação penal e processual. A parte acusadora a
propõe e a Defesa tanto pode aceitá-la como rejeitá-la. A
diferença, contudo, quanto à transação disciplinada no art. 76 é
gritante. Esta só pode ser admitida em se tratando de
contravenções ou de crimes cuja pena máxima in abstracto não
ultrapasse dois anos. Já a suspensão condicional é perfeitamente
admissível não só em relação a essas infrações como também no
que respeita a quaisquer outras, dês que a pena mínima
cominada não supere um ano.
Ademais, a transação não pressupõe denúncia, ressalvada a
hipótese de ser ela formulada no procedimento sumariíssimo; já o
“sursis” antecipado, sim. Após a oferta da denúncia e depois de o
Juiz proceder ao exame de admissibilidade da demanda (art. 395,
I, II e III do CPP) é que deverá ocorrer a audiência para
apreciação da proposta de suspensão do processo. Na transação
é imposta ao autor do fato uma multa ou medida restritiva de
direitos; na suspensão condicional do processo, não haverá multa
nem medida restritiva de direitos, apenas a promessa de
cumprimento de algumas condições que podem ser impostas, à
semelhança do que se dá com a suspensão condicional da
pena87.
Interessante é o ensinamento do autor, que afirma ser
possível a aplicação da suspensão condicional nos processos cujos crimes a
pena mínima não ultrapasse um ano. Assim, diferentemente da transação penal,
estariam incluídos também aqueles delitos não considerados de menor potencial
ofensivo, mas qualquer outro, desde que sua pena mínima não ultrapasse um
ano.
87
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 226.
64
Esse posicionamento também é seguido pela doutrina de
GRINOVER e outros:
Em razão do disposto no art. 89 da Lei 9.099/95 tornou-se
possível a suspensão condicional do processo “nos crimes em
que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano”.
Desde logo cabe ressaltar que, diferentemente do que ficou
estatuído no art. 61, não fez o legislador aqui nenhuma ressalva
quanto aos “procedimentos especiais” previstos em lei. Não
importa, destarte, se o delito tem ou não procedimento especial
(envolve, portanto, em tese, crimes eleitorais, porte ilegal de droga
para uso próprio etc.); não importa, de outro lado, se o delito está
previsto no Código Penal ou em lei especial (envolve, portanto,
em tese, sonegação fiscal – alguns crimes –, crimes falimentares,
eleitorais, ecológicos etc.)88.
Caso aceita a proposta por parte do acusado, cabe ao juiz o
oferecimento das condições suspensivas do processo, que poderá suspender o
processo e submeter o acusado às condições do §1º e incisos do art. 89 e,
entendendo ser cabível, adotar outras que julgar adequadas.
§1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença
do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o
processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as
seguintes condições:
I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II – proibição de frequentar determinados lugares;
III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem
autorização do Juiz;
IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente,
para informar e justificar suas atividades.
88
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 267.
65
§2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica
subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à
situação pessoal do acusado.
Por fim, para que o acusado tenha direito ao benefício da
suspensão condicional do processo, também é necessário que ele atenda aos
requisitos de não estar sendo processado ou não ter sido condenado por outro
crime, expostos no caput do artigo 89.
Além disso, o texto legal também traz outras determinações,
remetendo às que seriam necessárias para a suspensão condicional da pena,
trazidas pelo artigo 77 do Código Penal. Estão entre elas a condição de não ser
reincidente em crime doloso e que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,
autorizem a concessão do benefício.
2.3.5.1 Suspensão condicional do processo nos crimes de
ação penal privada
Assim como no instituto da transação penal, pairavam
dúvidas se a suspensão condicional do processo poderia ser aplicada na ação
penal privada. Nesse caso, o artigo 89 confere ao Ministério Público a
competência para ofertar a suspensão condicional do processo, do mesmo modo
que é feita a propositura da transação penal. Porém, a diferença da suspensão
condicional do processo reside no fato de que ela deve ser proposta no
oferecimento da denúncia.
Com isto, residem duas condições no texto legal. Uma é que
o benefício deve ser oferecido pelo Ministério Público, e a outra, é que a
propositura deve ser feita junto com a denúncia, que é a peça inicial das ações
penais públicas. Ainda assim, apesar da determinação legal, a matéria já se
encontra superada.
O ensinamento de GRINOVER e outros propala que a
menção exclusiva de Ministério Público e denúncia não impede a suspensão
66
condicional do processo na ação penal privada, em razão da analogia que vem
sendo reconhecida na matéria da transação penal89.
A possibilidade da medida na ação penal privada também já
foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça, que aduziu caber ao querelante a
legitimidade para a propositura da suspensão processual:
A Lei nº 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos
autorizadores, permite a suspensão condicional do processo,
inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada,
sendo que a legitimidade para o oferecimento da proposta é do
querelante90. (grifou-se)
Cumpre-se, ainda, relançar o enunciado 112 do FONAJE –
Fórum Nacional dos Juizados Especiais – manifestando que o Ministério Público é
o órgão competente para propor, tanto a transação penal, como a suspensão
condicional do processo nos crimes de ação penal de iniciativa privada.
2.3.5.2 Obrigatoriedade de propositura da suspensão
condicional do processo quando inexistentes os
impedimentos do art. 89, caput, da lei 9.099/95 e art. 77 do
Código Penal
Da mesma forma que na transação penal, o agente, para ter
direito ao benefício da suspensão condicional do processo, precisa atender a
alguns requisitos, conforme disposto no artigo 89, caput, da lei 9.099/95 e artigo
77 do Código Penal, ambos já analisados acima.
Na hipótese, ainda que a proposta seja uma “opção” do
Ministério Público, pois a lei, no artigo 89, novamente afirma que ele poderá
propor a suspensão do processo, é também entendimento pacífico da doutrina
que, atendendo o autor da infração aos requisitos legais, o não oferecimento do
benefício caracteriza nulidade por cerceamento de defesa.
89
Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 283.
90 STJ, AP 390/DF, Corte Especial, Relator Felix Fischer, julgado em 06.03.2006.
67
Essa é a inteligência da doutrina de GRINOVER e outros,
argumentando que o Ministério Público possui o dever de apresentar a proposta,
uma vez que é o defensor da ordem jurídica:
A lei diz que o Ministério Público poderá propor a suspensão do
processo. Tal como já se passa com tantas outras situações em
que o verbo poder foi transformado em poder-dever (v., por
exemplo, a interpretação do verbo “poderá” contido no art. 77 do
CP), uma vez mais, a outra conclusão não se pode chegar. A
dupla face do princípio da oportunidade regrada bem explica tudo:
por força deste princípio, pode o Parquet agora, em lugar da via
clássica (repressiva), também direcionar-se à via alternativa
(despenalizadora) (isso nunca lhe foi possível, agora pode). Essa
opção, no entanto, deve seguir rigorosamente os critérios legais,
não pessoais. De outro lado, preenchidos os critérios que foram
eleitos pelo legislador para a suspensão do processo, o Ministério
Público, como é defensor da ordem jurídica (art. 129 da CF), além
de poder, se quer adstringir-se à legalidade, deve formular a
proposta prevista no citado art. 89. Do contrário, se afastaria da
legalidade, deslegitimando sua atuação91.
Interessante também colher o seguinte precedente do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CRIME. OUTRAS INFRAÇÕES PENAIS. ESTATUTO
DO IDOSO. APROPRIAÇÃO DE VALORES RELATIVOS À
ALVARÁ. ADVOGADO. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL
OFENSIVO. PROCESSAMENTO PELA LEI Nº 9.099/95.
INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO. NULIDADE RECONHECIDA DE
OFÍCIO.
O apelante foi denunciado e condenado pela prática de crime que
perquire processamento pelo rito previsto na Lei nº 9.099/95.
Cerceamento de defesa configurado, na medida em que ausente
oferta de suspensão condicional do processo, consoante
preconizado em seu art. 89. Nulidade detectada. Sentença
desconstituída a fim de que seja oportunizado ao Ministério
91
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 316-317.
68
Público que se manifeste sobre o benefício referido. Apelo
prejudicado. Precedente. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA92.
Assim como na transação penal, a aceitação da suspensão
condicional da proposta não é obrigação do autor da infração, se não a quiser,
prevalecendo a sua vontade sobre a de seu defensor:
Formulada a proposta, pode a Defesa recusá-la. Óbvio. O
entendimento majoritário é o de que, se houver divergência entre
o acusado e o Defensor quanto à aceitação da proposta, há de
prevalecer a vontade daquele. Nem teria sentido devesse ser
acolhido o entendimento do Defensor, mesmo porque não seria
justo que o réu ficasse submetido a um processo sem a certeza
absoluta de um decreto absolutório93.
Ante o exposto, a apresentação da suspensão condicional
do processo, quando presentes todos os requisitos, é um dever do Ministério
Público, da mesma forma como ocorre com a transação penal.
2.3.6 Instrução e julgamento
Sendo infrutíferas as propostas de transação penal ou
suspensão condicional do processo, seja porque o autor do fato não atende aos
requisitos necessários, ou porque não quis aceitar nenhuma das ofertas, tem
início a instrução e julgamento, que são atos realizados em uma única audiência.
A teor do que dispõe o artigo 81 da lei 9.099/95, essa
audiência será o momento de realizar diversos atos, como oferecer resposta à
acusação por parte do defensor, recebimento da denúncia, inquirição de
testemunhas, interrogatório, debates orais e, por fim, a prolação da sentença:
Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para
responder à acusação, após o que o juiz receberá, ou não, a
denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima
e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir
92
TJRS, AC 70032743908, Sétima Câmara Criminal, Relatora Naele Ochia Piazzeta, julgado em 06.05.2010.
93 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 227.
69
o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates
orais e à prolação da sentença.
§1º Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e
julgamento, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar
excessivas, impertinentes ou protelatórias.
§2º De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado
pelo Juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos
relevantes ocorridos em audiência e a sentença.
§3º A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos
de convicção do Juiz.
A aludida resposta à acusação é uma novidade trazida pela
lei dos juizados especiais criminais, pois ela é apresentada, pela defesa, antes do
recebimento da denúncia ou da queixa-crime. Segundo GRINOVER e outros, a
medida evita o prosseguimento de “acusações infundadas ou temerárias, pela
possibilidade de que a defesa se manifeste previamente à decisão judicial sobre a
admissibilidade da ação penal”94.
Continuando o estudo, a autora descreve as argumentações
a serem adotadas pelo ato:
Nessa fase [...] devem ser arguidos todos e quaisquer vícios que
poderiam levar à rejeição da denúncia e da queixa, nos termos do
art. 43 do CPP, e também a eventual falta de justa causa (o fumus
boni iuris), que igualmente caracteriza a ilegalidade da persecução
(art. 648, I, CPP)95.
Após a apresentação da resposta, o juiz pode adotar os
fundamentos da defesa e rejeitar a denúncia ou queixa. Por outro lado, se recebê-
la, dará prosseguimento à audiência com a sequência de atos.
94
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 190.
95 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 190.
70
No próximo passo é feita a inquirição da vítima e das
testemunhas. Em muitos aspectos, nesta etapa, são aplicados subsidiariamente
dispositivos do Código de Processo Penal, corroborando o que determina o artigo
92 da lei 9.099/95.
Assim, em relação à oitiva do ofendido, adota-se a regra do
artigo 201 do CPP, que impõe a obrigatoriedade do ato, podendo ele ser
conduzido se, intimado, deixar de comparecer sem fundado motivo, nos termos
do §1º do mesmo artigo.
Quanto às testemunhas, a lei não estabelece um número
máximo para o arrolamento. Tampouco se encontra no Código de Processo Penal
a subsidiariedade clara a ser aplicada ao caso.
Segundo CABETTE, a análise da questão deve abordar
alguns dispositivos do CPP. Entre eles, o artigo 394, §5º dispõe que são
aplicáveis, subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo
as disposições do procedimento ordinário. Em tese, este artigo, aliado ao artigo
92 da lei 9.099/95, a primeira vista, dá a conclusão de que o número máximo de
testemunhas é oito, pois o artigo 401 do CPP, que trata do número de
testemunhas, não conflita com nenhum outro dispositivo da lei dos juizados
especiais criminais.
Entretanto, o artigo 538 do CPP aduz que nos casos de
infrações de menor potencial ofensivo que forem encaminhados ao juízo comum,
são aplicáveis as regras do rito sumário, que, no artigo 532 do mesmo diploma
legal, define o máximo de cinco testemunhas.
Em assim sendo, o autor conclui que, para regramento do
total de testemunhas a serem arroladas, deve-se considerar o máximo de cinco,
adotando-se subsidiariamente a norma do processo sumário no CPP, e baseando
a hipótese nos princípios da celeridade, simplicidade e economia processual:
Em primeiro lugar passou a dispor o artigo 394, § 5º., CPP, que
"aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial,
sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário"
71
(grifo nosso). Esse dispositivo, aliado ao artigo 92 da Lei 9099/95,
que manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código de
Processo Penal que não conflitarem com aquele diploma, leva a
crer que o número máximo de testemunhas, a partir do momento
que não é explicitado na lei de regência, passa a ser aquele do
procedimento ordinário, que se aplica subsidiariamente, ou seja,
oito testemunhas (artigo 401, CPP).
Não obstante, estabelece o artigo 538, CPP, que naqueles casos
de infrações de menor potencial que forem encaminhados ao
Juízo Comum, nos termos dos artigos 66, Parágrafo Único e 77, §
2º., da Lei 9099/95, aplicar-se-ão as normas do procedimento
sumário. Agora, à vista deste outro dispositivo do mesmo Código
de Processo Penal e novamente sua conjunção com o artigo 92
da Lei dos Juizados Especiais Criminais, parece que o número de
testemunhas pode ser de cinco e não de oito, de acordo com o
disposto no artigo 532, CPP. Ora, se as infrações afetas
normalmente ao procedimento sumaríssimo devem assumir as
regras do sumário quando remetidas ao juízo comum, parece
sustentável que no silêncio da Lei 9099/95 quanto ao número de
testemunhas deva prevalecer o número previsto para o
procedimento sumário, mais próximo do sumaríssimo, inclusive
tendo em vista os princípios de celeridade, simplicidade e
economia processual que regem os Juizados Especiais
Criminais96.
Sobre a produção de provas, é de se levantar que o §1º do
artigo 81 da lei 9.099/95 não deve ser seguido à risca, pois há casos em que é
necessária a expedição de precatória para ouvir uma testemunha em outra
comarca, ou que as partes requeiram alguma outra diligência, ou que juntem
documentos em qualquer fase do processo, adotando-se, neste caso, o texto do
artigo 231 do CPP:
A regra de que todas as provas serão produzidas na audiência
não apresenta rigor absoluto: uma testemunha, por exemplo, pode
ser ouvida por precatória, como um documento poderá ser juntado
aos autos em qualquer fase procedimental, na dicção do art. 231
96
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Número máximo de testemunhas no procedimento sumaríssimo. Um problema não solucionado expressamente na reforma do Código de Processo Penal. Teresina: Jus Navigandi, 2009. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13714 >. Acesso em 17.07.2010.
72
do CPP. Nada impede que a Acusação ou a Defesa requeira, nos
debates, a inquirição de alguma testemunha referida, ou outra
diligência conforme o caso, mesmo porque o §5º do art. 394 do
CPP determina que as disposições do procedimento ordinário
podem ser aplicadas subsidiariamente aos procedimentos
especial, sumário e sumariíssimo. Contudo, a concentração, na
medida do possível, é necessária, inclusive para obedecer ao
princípio da celeridade reclamado pelo art. 62 da mesma lei97.
Posterior à oitiva do ofendido e das testemunhas, tem-se vez
o interrogatório do autor da infração. GRINOVER e outros evidenciam que o
interrogatório é um importante momento para o acusado se defender e fornecer a
sua versão pessoal dos fatos:
Na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é o
momento mais importante da auto-defesa; é a ocasião em que o
acusado pode fornecer ao juiz sua versão pessoal sobre os fatos
e sua realização após a colheita da prova permitirá, sem dúvida,
um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pela
faculdade de permanecer em silêncio (art. 5.º, LVIII, CF).
O interrogatório do réu presente constitui ato essencial do
processo penal e sua falta caracteriza nulidade insanável (art.
564, III, e, segunda parte, CPP). Se for revel, mas posteriormente
comparecer, deve ser obrigatoriamente interrogado, mesmo
depois da prolação da sentença98.
Como a norma não prevê peculiaridades nos interrogatórios
do Juizado Especial Criminal, aplica-se, também, o CPP de forma subsidiária,
buscando a regulamentação no artigo 185 a 196 do diploma processual penal.
Terminado o interrogatório, tem-se início os debates. Para
GRINOVER e outros99, trata-se da oportunidade que a acusação e a defesa tem
de apresentar suas alegações orais, argumentando sobre as provas produzidas,
97
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 157.
98 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al.. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 192.
99 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 192.
73
as versões do fato e demonstrar os direito aplicável ao caso, na iniciativa de
influenciar o convencimento judicial.
A lei 9.099/95 também silencia sobre o tempo que a defesa
e acusação tem para fazer seus pronunciamentos orais. Conforme orienta
TOURINHO FILHO100, deverá ser aplicado por analogia as disposições do CPP.
Apesar de o autor remeter ao artigo 531 da norma processual, entende-se que a
menção correta seria ao art. 534, que, como exemplifica a sua obra, confere à
acusação e defesa o tempo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez para a
apresentação das alegações finais orais.
Após os debates, o juiz prolatará a sentença, em
conformidade com o artigo 381 do Código de Processo Penal, sendo dispensável
o relatório. Consoante o artigo 81, 2º da lei 9.099/95, será lavrado termo da
audiência de instrução e julgamento, contendo “breve resumo dos fatos
relevantes em audiência”. No mesmo termo, será prolatada a sentença. De
acordo com a doutrina de MIRABETE, a dispensa do relatório não acarreta em
prejuízo em razão da referência às ocorrências ocorridas no ato oficial.
O autor também menciona outros requisitos a serem
cumpridos pela sentença, nos casos de absolvição ou condenação, além de que,
se em determinados casos não for possível a colheita de todas as provas em um
único ato, poderá postergar a instrução dando ciência as partes para uma nova
audiência ou, sendo esta desnecessária, poderá prolatar a sentença devendo
intimar acusação e defesa regularmente:
Efetuados os debates, [...] deve o juiz proferir a sentença, com os
requisitos previstos pelo art. 381 do Código de Processo Penal,
exceto o relatório, dispensado expressamente pelo art. 81, §3º,
sendo indispensável a motivação, ou seja, sua fundamentação e
evidentemente, a disposição, sob pena de nulidade. Embora
dispensado o relatório, o “breve resumo dos fatos relevantes
ocorridos em audiência”, previsto no art. 81, §2º, na verdade, o
substitui, não havendo portanto nenhum prejuízo para o
procedimento.
100
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 157.
74
Se for absolutória a decisão, deverá preencher os requisitos do
art. 386, e se condenatória os do art. 387, ambos do mesmo
Estatuto. É evidente que a sentença deve ser registrada
integralmente no termo.
Impossibilitado de proferir a sentença (falta de juntada de carta
precatória ou de outra prova a ser obtida em diligência, excesso
de audiências etc.), deve o juiz adiar a audiência,
complementando-se a instrução, se necessário, em data
designada da qual devem sair cientes os interessados. Se,
oferecidas as alegações orais, não houver prova a ser produzida,
desnecessária é a realização dessa audiência, podendo prolatar a
sentença, da qual devem ser as partes intimadas regularmente101.
Da sentença, são cabíveis embargos de declaração e
apelação, e os erros materiais podem ser corrigidos de ofício, hipóteses previstas
no artigo 83, caput, artigo 82 e artigo 83, §3º, respectivamente, todos da lei
9.099/95.
2.3.7 Recurso de apelação
Importante é o estudo do citado artigo 82, que se refere à
apelação nos seguintes termos:
Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da
sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma
composta de 3 (três) juízes em exercício no primeiro grau de
jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
Nos Juizados Especiais, o recurso de apelação é cabível em
dois casos: contra a decisão que rejeitou a denúncia ou queixa ou contra a
sentença. Conforme GRINOVER e outros102, a apelação é o “recurso ordinário por
excelência, permitindo a rediscussão de todas as questões de fato e de direitos
suscitadas na causa.”
101
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 185-186.
102 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 204.
75
A inovação trazida por esse artigo, baseada no artigo 98, I
da CRFB/88, procurou dar maior celeridade aos recursos aplicáveis ao Juizado
Especial Criminal, pois é possível atingir o duplo grau de jurisdição com maior
brevidade, ao facultar que três juízes de primeiro grau decidam a causa apelada,
evitando-se que o processo suba ao Tribunal de Justiça. Além da celeridade, a
proposta das Turmas de Recursos também é uma clara adoção dos princípios da
simplicidade e economia processual.
No entanto, quando a lei estipula que a apelação poderá ser
julgada por turma composta de três juízes de primeiro grau, atribui-se apenas
uma faculdade a cada estado para instalar a turma recursal. Em caso de não
existir em determinado estado a previsão da Turma de Recursos, a apelação será
julgada pelo Tribunal de Justiça:
Como já se observou, a Lei 9.099/95, com aparo no art. 98, I, da
Constituição, abriu a possibilidade de julgamento das apelações
contra decisões proferidas pelos Juizados Especiais por turmas
recursais integradas por três juízes em exercício em primeiro grau
de jurisdição. Atende-se, com isso, à garantia do duplo grau de
jurisdição, sem comprometimento dos princípios de simplicidade,
celeridade e economia processual, que devem informar a
atividade jurisdicional relacionada às pequenas infrações penais.
Trata-se, no entanto, como se vê tanto no texto legal como no
constitucional, de mera faculdade atribuída ao legislador local.
Assim, podem os Estados omitir ou adiar a criação dessas turmas
e, nessa situação, todos os recursos relativos às causas de
competência dos Juizados continuarão a ser julgados pelos
tribunais existentes103.
Em Santa Catarina, as Turmas de Recursos são
reconhecidas como órgãos do Poder Judiciário pela lei complementar estadual nº
339/06, que trata da Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina, e, em
seu artigo 47, regulamenta a estrutura das mesmas:
103
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 204.
76
Art. 47. As Turmas de Recursos Cíveis e Criminais, de que trata a
Lei n. 9.099, de 1995, são compostas por Juízes de Direito de
entrância especial ou, não sendo possível, por Juízes de Direito
de entrância igual ou superior à do prolator da sentença, com
jurisdição na sede de sua Comarca ou de Comarca que integre o
seu grupo jurisdicional, indicados pelo Tribunal de Justiça para um
período de três anos, permitida uma recondução.
§ 1º Compete ao Presidente da Turma de Recursos exercer juízo
de admissibilidade dos recursos e prestar informações quando
requisitadas.
§ 2º A Secretaria da Presidência da Turma de Recursos
funcionará para os atos de julgamento e processamento de
eventuais recursos contra as suas decisões.
Percebe-se que apesar de a competência ser atribuída a
juízes de primeiro grau, a legislação estadual ainda preza pela experiência dos
magistrados que irão rediscutir a matéria, ao definir que o segundo grau de
jurisdição dos Juizados Especiais seja composto por juízes de entrância especial
ou, em não existindo, por julgadores de entrância igual ou superior ao daquele
prolator da decisão de primeiro grau.
2.3.8 Execução
Pela letra do artigo 86 da lei 9.099/95, ao Juizado Especial
Criminal compete somente a execução da pena de multa, sendo as penas
privativas de liberdade ou restritivas de direito, ou a pena de multa cumulada com
alguma destas, processadas pelo “órgão competente”, nos termos da lei.
TOURINHO FILHO argumenta que o legislador, ao escrever
o artigo citado, aparentou tentar diminuir a extensão da competência fixada pelo
artigo 60 do mesmo diploma legal. Entende o autor que a competência para a
execução estende-se apenas à pena de multa, e, no caso de inadimplência,
atribui-se a execução da dívida à Fazenda Nacional ou Estadual:
Parece-nos que o legislador, no artigo sob comento, diminuiu a
extensão da competência fixada no art. 60. Daí, a nosso ver, a
competência do Juizado, na área da execução, restringe-se à
77
multa, e, assim mesmo, se houver inadimplemento, desloca-se
para a Fazenda Nacional ou Estadual, [...] ou, se se tratar de
multa resultante de transação, não sendo possível sua cobrança,
nenhuma medida pode ser tomada, ante a falta de previsão
legislativa104.
Com relação à execução das outras penas, o doutrinador
remete a competência à lei de execuções penais (lei nº 7.210/84), a ser aplicada
pelo Juízo das Execuções Penais:
Já observamos que o fato de uma infração ser de menor potencial
ofensivo não constitui empecilho à imposição de pena restritiva de
liberdade. Assim, se não for possível a transação por um dos
motivos previstos em lei, invocar-se-á o procedimento
sumariíssimo ou até mesmo o procedimento comum, nos termos
do art. 538 do CPP, oportunidade em que poderá ser imposta
pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. E, nesses
casos, de quem é a competência para a execução? Por certo que
do Juízo das Execuções Penais, consoante as regras dos arts.
105 a 146 e 147 a 163 da Lei de Execução Penal105.
Com isto, quando o artigo relata “nos termos da lei”,
entende-se que a atribuição para regulamentar a aplicação das penas privativas
de liberdade e restritivas de direitos, ou de multa cumulada com estas, submete-
se ao regramento da lei de execuções penais.
104
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 211.
105 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais
Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 212.
78
CAPÍTULO 3
AUTORIDADE COMPETENTE PARA A LAVRATURA DO TERMO
CIRCUNSTANCIADO
3.1 O TERMO CIRCUNSTANCIADO
O termo circunstanciado é uma das novidades trazidas pela
lei 9.099/95, como instrumento hábil para apurar as infrações de menor potencial
ofensivo e definir a sua autoria, posteriormente encaminhado os fatos ao Juizado
Especial Criminal.
Apesar disso, a legislação, em nenhum de seus artigos, traz
uma definição explícita do que é o termo circunstanciado, abstendo-se apenas a
determinar que ele seja lavrado pela autoridade policial que tomar conhecimento
da ocorrência.
Ele está previsto no art. 69 da lei 9.099/95 que assim trata:
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da
ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará
imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima,
providenciando-se as requisições dos exames periciais
necessários.
Segundo TOURINHO FILHO, o termo circunstanciado “nada
mais representa senão um boletim de ocorrência mais completo [...]106”. O autor
ainda complementa a descrição, informando todos os requisitos necessários à
elaboração do documento:
Deve conter a qualificação dos envolvidos e de eventuais
testemunhas, se possível com a indicação do número de seus
telefones, uma súmula das suas versões e o compromisso que as
106
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 92.
79
partes assumiram de comparecer perante o Juizado. Se houver
necessidade, serão requisitados exames periciais, cujos laudos,
se possível, deverão ser anexados ao “Termo”107.
Já MIRABETE traz ao conhecimento os elementos do termo
circunstanciado, definindo-o como o relato de um fato tido como infração de
menor potencial ofensivo, a ser elaborado pela autoridade policial:
Deve a autoridade policial lavrar um “termo circunstanciado” da
ocorrência, ou seja, elaborar um relato do fato tido como infração
penal de menor potencial ofensivo. Esse termo de ocorrência não
exige requisitos formalísticos, mas deve conter os elementos
necessários para que se demonstre a existência de um ilícito
penal, de suas circunstâncias e da autoria, citando-se de forma
sumária o que chegou ao conhecimento da autoridade pela
palavra da vítima, do suposto autor, de testemunhas, de policiais
etc. Em resumo, devem ser respondidas as tradicionais questões:
Quem? Que meios? O que? Por quê? Onde? e Quando? Nada
impede que o termo de ocorrência seja elaborado com o
preenchimento dos espaços em branco de formulários impressos,
o que, aliás, facilita sua feitura e previne omissões108.
GRECO FILHO, ao ensinar sobre as disposições do termo
circunstanciado, faz um importante aprofundamento relativo à matéria ao analisar
a sua natureza jurídica. Para ele, o termo circunstanciado é um ato administrativo,
e como tal, deve atender cinco elementos essenciais: objeto lícito, forma legal,
competência da autoridade, motivo e finalidade. O objeto do termo
circunstanciado é descrito pelo autor:
O termo circunstanciado tem por objeto a descrição de uma
infração penal de pequeno potencial ofensivo e suas
circunstâncias, bem como eventual qualificação de testemunhas e
indicação das requisições de exames necessários à prova da
materialidade da infração. Dele também deverá constar, se não
houver a apresentação imediata do agente ao juiz, o compromisso
107
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 92.
108 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p.
86.
80
de aquele comparecer em juízo, a fim de que não se imponha a
prisão em flagrante ou se exija a fiança109.
Continuando em seu raciocínio, o autor atribui ao termo
circunstanciado não apenas a simples descrição de um fato, mas também a
criação de um juízo de valor sobre determinada prática infracional:
Termo circunstanciado não é apenas um ato descritivo ou de
constatação mecânica ou fotográfica. É um juízo de valor sobre a
prática de uma infração penal que vai desde o entendimento
responsável da tipicidade ou atipicidade de uma conduta que leva,
ou não, a submeter alguém ao ônus de um procedimento de
natureza penal até a formulação de um enquadramento típico
quanto à natureza da infração, de pequeno potencial ofensivo ou
não.
Terminada a lavratura do termo circunstanciado, em estando
presentes todos os elementos elucidativos, ele deverá ser encaminhado ao
Juizado Especial Criminal, que irá definir a sua procedibilidade conforme já visto
no capítulo 2, podendo ser proposta conciliação, transação penal, suspensão
condicional do processo ou se prosseguir à instrução e julgamento. Cabe
ressaltar que o Ministério Público, por força do artigo 76 da lei 9.099/95, pode
solicitar o arquivamento do feito quando entender que o fato descrito é atípico ou
se trata de infração de bagatela110.
O parágrafo único, primeira parte do art. 69 ainda trata que
se o autor do fato, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao
Juizado ou assumir compromisso de nele comparecer, não será autuado em
flagrante e nem se exigirá fiança. É possível, portanto, que o autor do fato,
mesmo no cometimento de infração de menor potencial ofensivo, seja preso em
flagrante quando se negue a comparecer ao Juizado, devendo ser arbitrada
fiança quando exigível.
109
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 94.
110 Nesse sentido, TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados
Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 124.
81
MIRABETE ensina nesse caminho:
Segundo o parágrafo único do art. 69, nas infrações de menor
potencial ofensivo não será formalizada a prisão em flagrante
delito, nem se exigirá fiança do autor do fato quando for este
conduzido com o termo circunstanciado ao Juizado Especial ou,
na impossibilidade de encaminhamento imediato das partes,
quando assumir o compromisso de comparecer em Juízo. A
contrario sensu, caso não seja ele encaminhado imediatamente e
não preste tal compromisso, permite-se a lavratura do auto de
prisão em flagrante, exigindo-se a fiança quando cabível. Nessa
hipótese, deve a autoridade policial fazer constar do auto que o
autuado não quis comprometer-se ao comparecimento ao
juizado111.
Diante do estudado, inegável concluir que o termo
circunstanciado revolucionou o processo penal pátrio. Este é o resultado da busca
pelos princípios dos Juizados Especiais, revertendo-se o termo circunstanciado
em um procedimento mais simples e célere que o inquérito policial e,
consequentemente, menos penoso ao autor do fato, assim como deve ser a
pretensão punitiva das infrações penais de menor potencial ofensivo.
3.1.1 Procedimentos para a lavratura do termo circunstanciado da Polícia
Militar
A lavratura do termo circunstanciado da Polícia Militar é
regida pelo decreto executivo estadual nº 660/07. Nele são incluídos nove artigos
que tem o objetivo de regulamentar a atividade policial militar na lavratura do
termo. Serão analisados os mais importantes.
O artigo 1º da norma estabelece que o termo
circunstanciado pode ser lavrado no próprio local da ocorrência, por policial militar
que a atender, ou na delegacia, caso seja a intenção do cidadão a esta recorrer:
Art. 1º O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado na delegacia
de polícia, caso o cidadão a esta recorra, ou no próprio local da
111
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 86.
82
ocorrência pelo policial militar ou policial civil que a atender,
devendo ser encaminhado ao Juizado Especial, nos termos do art.
69 da Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Nota-se que o dispositivo ainda prevê a possibilidade da
lavratura por policial civil, também no local da ocorrência, caso este a atenda.
Pela redação do artigo, infere-se que este policial civil pode ser qualquer agente,
não necessariamente o delegado de polícia.
Ademais, o artigo determina que o termo circunstanciado
seja lavrado na delegacia de polícia no caso de o cidadão a esta recorrer.
Verifica-se que apesar do decreto procurar regulamentar a lavratura do termo por
policiais militares e civis, ainda houve a preocupação de garantir ao cidadão o
direito de recorrer a uma delegacia de polícia, se assim preferir.
A redação do artigo não define qual das partes envolvidas
tem o direito de requerer a lavratura na delegacia de polícia, pois o texto se
restringiu apenas em conferir a escolha ao “cidadão”. Cidadão, segundo
FERREIRA112, “é o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado”,
ou simplesmente o “indivíduo, sujeito”. Apesar do sentido amplo, pode-se
entender que a essência do vocábulo “cidadão”, quando incluído no decreto,
procurou se restringir apenas às partes, podendo ser tanto o autor do fato quanto
a vítima.
Além da escolha acima referida, existem também outras
restrições que determinam a lavratura do termo circunstanciado na delegacia de
polícia. Uma delas, prevista no §1º do artigo 1º, impõe a condução das partes à
delegacia no caso de maior complexidade relacionada ao fato, ou se for
necessária a posterior expedição de carta precatória:
§ 1º Para os casos de infração penal de menor potencial ofensivo,
cuja lavratura do Termo Circunstanciado se revista de maior
complexidade, ou que necessitem de expedição de carta
precatória para posteriores diligências, as partes devem ser
conduzidas à Delegacia de Polícia.
112
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 120.
83
Novamente, o dispositivo não aprofunda o que seria “maior
complexidade”. É possível entender que seja a necessidade de requisitar exames
periciais, que, como já estudado, é cabível na lavratura do termo circunstanciado.
Também há previsão da retirada dos envolvidos na infração
penal de menor potencial ofensivo, encaminhando-os à delegacia de polícia ou a
qualquer outro local adequado, a fim de preservar a integridade física ou procurar
a pacificação do conflito. Todavia, é expressamente proibida a criação de cartório
ou a condução para o interior de quartéis, com o objetivo da lavratura do termo:
§ 2º Nos casos em que houver a necessidade de retirar do local
os envolvidos na infração penal de menor potencial ofensivo, a fim
de preservar-lhes a integridade física, ou ainda objetivando a
pacificação do conflito, estes devem ser conduzidos às Delegacias
de Polícia ou, em caso de impedimento, a outro local adequado,
ficando vedada a criação de cartório e a condução para o interior
dos Quartéis da Polícia Militar, para a lavratura do Termo
Circunstanciado.
Após o encaminhamento do termo circunstanciado ao
Juizado Especial Criminal, é possível que o Ministério Público ou o juiz requeiram
diligências complementares para a fiel elucidação dos fatos. Nesse caso, as
diligências devem ser procedidas pela Polícia Civil, exceto se o requisitante
requerer sejam as mesmas procedidas pela Polícia Militar.
§ 3º Havendo requisição de diligências complementares por parte
do Poder Judiciário ou do Ministério Público para fatos atinentes a
infração penal de menor potencial ofensivo, comunicado ao
Juizado por meio de Termo Circunstanciado, caberá à Polícia Civil
assim proceder, salvo quando por razões técnicas a instituição
requisitante o fizer diretamente à Polícia Militar.
Não havendo situação de flagrância, a Polícia Militar deve
lavrar um boletim de ocorrência na modalidade de comunicação de ocorrência
policial. Este boletim, no entanto, não irá gerar o termo circunstanciado da Polícia
Militar, pois deve ser encaminhado à Polícia Civil para apuração da infração
penal:
84
Art. 2º A Polícia Militar lavrará Boletim de Ocorrência na
modalidade de Comunicação de Ocorrência Policial, nos casos
em que não se configure a situação de flagrância, devendo
encaminhar a Polícia Civil, para a devida apuração da infração
penal, no primeiro dia útil após o registro.
Os artigos 4º e 5º evitam que as duas polícias estaduais
invadam a competência uma da outra. À Polícia Militar é vedada a prática de
quaisquer atos de polícia judiciária, com a exceção de cumprimento de mandado
de busca e apreensão por determinação judicial:
Art. 4º É vedado à Polícia Militar praticar quaisquer atos de Polícia
Judiciária, dentre os quais apuração de infrações penais, pedidos
de mandados de busca e apreensão, interceptação telefônica,
escuta de ambiente e representações de prisões temporárias e
preventivas, bem como, cumprimento de mandados de busca e
apreensão, exceto, neste caso, por determinação judicial.
Já à Polícia Civil é vedada a execução de policiamento
ostensivo, exceto quando em conjunto com a Polícia Militar:
Art. 5º É vedado à Polícia Civil executar ações de polícia
ostensiva de preservação da ordem pública, privativas da Polícia
Militar, exceto em operações conjuntas.
A despeito da nobre finalidade em regulamentar uma
atividade policial que, em tese, realçaria os princípios norteadores do Juizado
Especial Criminal, tem-se que o decreto possui vícios de inconstitucionalidade e
ilegalidade, como será visto mais adiante.
3.1.2 O termo circunstanciado como materialização da atividade de
polícia judiciária
De forma já vista no primeiro capítulo desta pesquisa, as
atribuições de polícia judiciária, genericamente, são aquelas descritas no artigo 13
do Código de Processo Penal, compreendendo, especialmente, a realização de
diligências e o fornecimento às autoridades judiciárias de informações
85
necessárias à instrução e julgamento dos processos, conforme requerido pelo
Ministério Público ou juiz.
Relembrando ainda, à polícia judiciária também compete a
investigação de crimes que não puderam ser prevenidos, devendo descobrir-lhes
os autores e reunir provas que ajudarão na persecução, instrução e julgamento
penal. Ao atuar nesses sentidos, a polícia judiciária assume características
investigativas e de órgão auxiliar do Poder Judiciário.
Colhendo essas informações, não há como se negar que o
termo circunstanciado seja um procedimento materializador da persecução penal,
atividade esta de polícia judiciária, com fornecimento às autoridades judiciárias e
ao Ministério Público de informações necessárias à instrução e julgamento dos
processos.
Apesar de ser um procedimento sem maiores formalidades,
o termo circunstanciado conta com vários elementos probatórios na busca da
autoria e materialidade da infração penal de menor potencial ofensivo, não
apenas relata brevemente o ocorrido, mas também levanta as circunstâncias,
colhe a qualificação de testemunhas e até mesmo requisita a produção de provas
periciais necessárias para comprovar a materialidade do ilícito.
GRECO FILHO ensina, como já visto anteriormente, que o
objeto do termo circunstanciado é a descrição de uma infração penal de menor
potencial ofensivo, contendo suas circunstâncias, qualificação de testemunhas e
requisições de exames necessários à comprovação da materialidade delitiva.
Continuando o ensinamento, o autor também traz o motivo e a finalidade do termo
circunstanciado e faz uma analogia ao inquérito policial, elevando cada vez mais
a certeza de que o procedimento é ato específico de polícia judiciária:
O seu motivo, no sentido que o Direito Administrativo empresta a
esse termo, é a existência suficientemente caracterizada de uma
infração penal qualificada como de pequeno potencial ofensivo.
Sua finalidade é a de dar elementos, somados à prova técnica
requisitada, para a formação da opinio delicti do Ministério Público
para a propositura de ação penal ou das outras alternativas
previstas na lei especial. Da mesma forma que o inquérito policial
86
para as demais infrações penais, o termo circunstanciado deverá
conter os elementos suficientes para sustentar a acusação e as
providências penais, na proporção exigida pela natureza da
infração (de pequeno potencial ofensivo) mas indispensável para
que tenham justa causa113.
Diante disso, é evidente que o termo circunstanciado é a
materialização da atividade de polícia judiciária, pois atende a todos os
pressupostos desta. Sendo assim, a sua lavratura para apuração de delitos da
competência estadual incumbe à Polícia Civil e deve ser determinada por
delegado de polícia de carreira, em conformidade com o que determina o artigo
144, §4º da CRFB/88, já estudado.
3.2 CONCEITO DE AUTORIDADE POLICIAL PARA A LEI 9.099/95
Com a promulgação da lei 9.099/95 iniciaram-se algumas
discussões entre seus dispositivos. Uma das mais famosas gira em torno do
artigo 69, que vem dividindo os doutrinadores e a jurisprudência acerca de sua
aplicação.
A divisão existente é referente à interpretação do termo
“autoridade policial”.
Em tese, no estudo da matéria do Direito Processual Penal,
entende-se que “autoridade policial” é o delegado de polícia, sendo ele o agente
público competente para instaurar o inquérito policial ou lavrar auto de prisão em
flagrante (artigo 304 do CPP)114.
Todavia, tem-se discutido que, para aplicação da lei
9.099/95 e lavratura do termo circunstanciado, o conceito de autoridade policial
seria extensivo, aplicando-se a “qualquer autoridade policial”, podendo ela ser civil
ou militar.
113
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 94.
114 Nesse sentido, MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 2000. p. 85.
87
Muito se discute entre doutrinadores e juristas qual é a real
interpretação que a lei 9.099/95 quis dar ao se referir, em seu artigo 69, caput, à
autoridade policial.
Alguns doutrinadores, como TOURINHO FILHO, entendem
que autoridade policial, mesmo para efeitos da lei 9.099/95, é apenas o delegado
de polícia, atribuindo-se a ele a competência para a instauração do termo
circunstanciado, baseado no que dispõe o artigo 144, §4º da CRFB/88, que define
as atribuições da Polícia Civil:
Que Autoridade Policial tem competência para determinar esse
TC (Termo Circunstanciado)? Sempre se entendeu, entre nós,
que Autoridade Policial é o Delegado de Polícia. O art. 144, §4º,
da Constituição dispõe que “Às policias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares”115.
MIRABETE também defende a tese nesse sentido:
[...] O conceito de “autoridade policial” tem seus limites fixados no
léxico e na própria legislação processual. “Autoridade” significa
poder, comando, direito e jurisdição, sendo largamente aplicada
na terminologia jurídica a expressão como o “poder de comando
de uma pessoa”, o “poder de jurisdição” ou “o direito que se
assegura a outrem para praticar determinados atos relativos a
pessoas, coisas ou atos”. É o servidor que exerce em nome
próprio o poder do Estado, tomando decisões, impondo regras,
dando ordens, restringindo bens jurídicos e direitos individuais,
tudo nos limites da lei. Não têm esse poder, portanto, os agentes
públicos que são investigadores, escrivães, policiais militares,
subordinados que são às autoridades respectivas.
No sentido legal e constitucional, as polícias civis são dirigidas por
“delegados de polícia de carreira” (art. 144, § 4º, da CF). O
Delegado de Polícia é a autoridade competente para a
instauração e presidência do inquérito policial (embora por lei
possa ser atribuída a outras, expressamente, essa função – art. 4º
115
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 93.
88
e seu parágrafo único, do CPP) e para a lavratura do auto de
prisão em flagrante (art. 304 do CPP). A expressão “autoridade
policial”, aliás, é citada em outros dispositivos da lei processual
comum (arts. 5º, §§ 3º e 5º, 6, 7, 9, 10, §§1 a 3, 13 a 17, 20 e
parágrafo único; 21, parágrafo único, 22 e 23, 39, §§ 1, 3 e 4, 46,
241, 301, 307, 308, 311, 325, 326, 332 etc.), sempre com única
referência ao delegado de polícia. A distinção da figura da
autoridade policial e dos demais agentes policiais é registrada no
Código de Processo Penal, que se refere “às autoridades ou
funcionários” (art. 47 do CPP), ou a autoridades e “seus agentes”
(art. 301)116.
Por outro lado, doutrinadores como GRINOVER e outros
entendem que “qualquer autoridade policial” pode ser responsável pela lavratura
do termo circunstanciado, podendo ela ser civil ou militar. Este posicionamento
provoca o entendimento de que a autoridade policial não é apenas o delegado de
polícia, mas qualquer agente estatal investido nas atividades que possuem
atribuições policiais, inclusive policiais militares:
Qualquer autoridade policial poderá ter conhecimento do fato que
poderia configurar, em tese, infração penal. Não somente as
polícias federal e civil, que têm a função institucional de polícia
judiciária da União e dos Estados (art. 144, § 1.º, inc. IV, e § 4.º),
mas também a polícia militar117.
A autora também traz ao conhecimento uma das primeiras
conclusões sobre a expressão “autoridade policial”, formulada pela Comissão
Nacional da Escola Superior da Magistratura, a seguir transcrito in verbis:
Exatamente neste sentido, a Comissão Nacional da Escola
Superior da Magistratura, encarregada de formular as primeiras
conclusões sobre a interpretação da lei (v. n. 13 das
considerações introdutórias à Seção), apresentou a seguinte:
Nona Conclusão: “A expressão autoridade policial referida no art.
69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei,
116
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 86.
117 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de
26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 118.
89
podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de
ocorrência e tomar as providências devidas no referido artigo118.
No mesmo caminho, o provimento 04/99 da Corregedoria-
Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina esclarece, em seu artigo 1º, o
conceito de autoridade policial com um sentido bastante amplo:
Art. 1° - Esclarecer que autoridade, nos termos do art. 69 da Lei
n° 9.099/95, é o agente do Poder Público com possibilidade de
interferir na vida da pessoa natural, enquanto o qualificativo
policial é utilizado para designar o servidor encarregado do
policiamento preventivo ou repressivo.
Em que pesem as divergências entre os que adotam o
sentido extensivo de autoridade policial e os que preferem o sentido estrito,
atribuindo-o apenas ao delegado de polícia, é de se analisar a brilhante doutrina
de GRECO FILHO, que não apenas vislumbra o conceito, mas também a
essência do significado de autoridade policial para a lei 9.099/95.
O autor argumenta com muita pertinência, baseando-se no
entendimento de Adroaldo Furtado Fabrício em banca de mestrado na Faculdade
de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, que o processo
penal, no qual integram o inquérito policial, o auto de prisão em flagrante e o
termo circunstanciado, é uma sucessão de “verdades provisórias”. Existe a
verdade provisória da autoridade policial, que instaura o inquérito ou lavra auto de
prisão em flagrante ou termo circunstanciado; a verdade provisória do
representante do Ministério Público, que forma sua opinio declicti, podendo
oferecer denúncia ou propor as medidas do artigo 76 ou 89 da lei 9.099/95; a
verdade provisória do magistrado, quando recebe a denúncia e, por fim, a
verdade provisória da sentença recorrível. No processo penal, ainda, só existe
verdade definitiva se a sentença transitada em julgado for absolutória, pois a
condenatória pode ser objeto de revisão criminal119.
118
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 118.
119 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.
90
GRECO FILHO argumenta que cada uma das etapas de
convicção acima “envolve aspectos em função de um sentido garantista do
processo penal, essencial no Estado Democrático de Direito.” Por isso, são
necessárias: “1) a formação técnica da autoridade que a formula; 2) a investidura
formal da autoridade; 3) a assunção da responsabilidade pela coação decorrente
do ato que se pratica em face do suspeito, indiciado ou acusado120”.
Continuando o raciocínio do autor:
Se a ação penal indevida e sem justa causa já significa coação
ilegal passível de ser trancada por meio de habeas corpus, assim
também o inquérito policial e a lavratura do termo circunstanciado
na medida em que este último submete alguém ao ônus de
comparecer em juízo sob a ameaça da lavratura do flagrante ou
de ser compelido a prestar fiança. Com a lavratura do flagrante ou
do Termo Circunstanciado, a autoridade assume a coação
processual e torna-se autoridade coatora, responsável para ser o
impetrado no writ constitucional do habeas corpus121.
Com esse pressuposto, GRECO FILHO passa a concluir que
a única autoridade competente para a lavratura do termo circunstanciado é o
delegado de polícia, pois no meio policial, é o único investido de formação técnica
jurídica (o delegado de polícia necessita ser bacharel em direito), tem investidura
formal em cargo público, destinada à atuação repressiva e investigativa, e
assume a responsabilidade pela coação decorrente do ato que pratica122.
Avançando ainda mais, GRECO FILHO abrange no sentido
de que a lavratura do termo circunstanciado pelo delegado de polícia é um direito
do imputado, pois este somente pode ser assim considerado por quem atenda
aos requisitos acima:
Insta-se que a questão não é apenas formal, de interpretação da
letra do texto constitucional, mas da substância da garantia
constitucional do devido processo legal e da ampla defesa. O
suspeito, o indiciado ou o acusado têm o direito de somente assim
120
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.
121 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.
122 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.
91
ser colocados pela autoridade que tenha a formação técnica
especializada, a investidura e a responsabilidade constitucional e
tal direito está ligado à garantia das liberdades públicas e da
dignidade da pessoa humana123.
Pela exposição do autor, conclui-se que a divergência não
se trata apenas de verificar quem é ou o que significa ser autoridade policial.
Deve-se ver também pelo lado daquele a quem é imputada a prática criminosa. A
lavratura do termo circunstanciado por qualquer agente policial que não o
delegado de polícia pode acarretar em grave insegurança jurídica ao ofender os
princípios do devido processo legal e da ampla defesa.
Abrindo parênteses, GRECO FILHO explica sobre os
princípios do devido processo legal e da ampla defesa:
Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal (CF, art 5º, LIV). A garantia do due process of law
é dupla. O processo, em primeiro lugar é indispensável à
aplicação de qualquer pena, conforme a regra nulla poena sine
judicio, significando o devido processo como o processo
necessário. Em segundo lugar, o devido process legal significa o
adequado processo, ou seja, o processo que assegure a
igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa. [...]124.
Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e
completa da acusação, que deve ser formulada de modo que
possa o réu contrapor-se a seus termos. É essencial, portanto, a
descrição do fato delituoso em todas as suas circunstâncias. Uma
descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fato típico
penal gera a inépcia da denúncia e nulidade do processo, com a
possibilidade de trancamento por meio de habeas corpus, se o juiz
não rejeitar desde logo a inicial. Para que alguém possa preparar
e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o
fato de que deve defender-se125.
123
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 95.
124 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 47.
125 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 57.
92
O agente público que não possui a formação técnica
necessária e a investidura no cargo destinado à investigação criminal, pode estar
mais suscetível a cometer equívocos, inclusive em relação aos procedimentos a
serem realizados ou à tipificação da infração penal a ser imputada. Há assim o
risco de se atribuir um delito mais grave a alguém ou de se prender, em situação
de flagrância, aquele que deveria apenas assinar um termo de compromisso ou
ser encaminhado ao Juizado Especial Criminal.
É claro que a formação dos delegados de polícia não exclui
a possibilidade de estes também cometerem erros, mesmo porque se tratam de
seres humanos como qualquer outro agente público. O que ocorre é que os
requisitos para investidura do cargo de delegado de polícia e as suas
responsabilidades atribuem maior segurança jurídica ao imputado, pois este
somente será assim considerado por um agente público que assuma a
responsabilidade do ato, com formação técnica e jurídica, e que necessita ser
investido em cargo especificamente destinado à condução da persecução criminal
e produção de prova antes da ação penal (atividade de polícia judiciária),
procedimento que se materializa por meio do termo circunstanciado, inquérito
policial ou auto de prisão em flagrante.
É nesse sentido que GRECO FILHO, mencionando a obra
Lezioni sul processo penale, da autoria de Francesco Carnelutti, adverte:
[...] a afirmação de determinada convicção a respeito da prática de
uma infração penal deve ser técnica e dotada da responsabilidade
funcional da autoridade pública que a formula, para que a
sucessão dos atos tendentes a uma sentença penal de mérito,
passível, em tese, de ser condenatória, tenha um mínimo de
garantia básica contra acusações infundadas que, se assim forem,
sequer devem ser levadas à apreciação do juiz126.
Por isso, a autorização para que qualquer agente investido
na função policial lavre termo circunstanciado acarreta em insegurança jurídica, e,
concluindo, é uma evidente ofensa aos princípios constitucionais do devido
processo legal e da ampla defesa.
126
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 94.
93
Em Santa Catarina, aliás, a questão sobre quem é
autoridade policial já foi dirimida com a promulgação da lei complementar
estadual nº 453/09, que em seu artigo 2º, I, considera como tal o delegado de
polícia, de forma já vista no primeiro capítulo da pesquisa. Registre-se que, em
Santa Catarina, não se encontra outra norma estadual conferindo a designação
de autoridade policial a qualquer outro agente público.
Em assim sendo, infere-se que a única autoridade policial
competente para lavrar o termo circunstanciado da lei 9.099/95 é o delegado de
polícia. Isso em razão da sua formação técnica e jurídica, investidura em cargo
público, cuja função é a investigação de delitos, e a possibilidade de ser
responsabilizado em virtude da coação processual. Além do mais, como já citado
anteriormente, em Santa Catarina há dispositivo legal promulgado reconhecendo
o delegado de polícia como autoridade policial.
3.3 O DECRETO 660 DE 26 DE SETEMBRO DE 2007
Em Santa Catarina, é autorizado que a Polícia Militar lavre o
termo circunstanciado ao atender ocorrência policial, percebendo se tratar de
infração de menor potencial ofensivo. A matéria em questão é regulada pelo
decreto nº 660 de 26 de setembro de 2007, expedido pelo governo estadual.
3.3.1 Conceito de decreto
Antes de aprofundar a matéria, é necessário entender o que
é um decreto e qual a sua finalidade dentro da sistemática jurídica brasileira.
Baseando-se na doutrina de ALEXANDRINO e PAULO127,
tem-se que os decretos são atos administrativos que estão incluídos no poder
regulamentar da administração pública. Esses atos são expedidos pelo Chefe do
Poder Executivo e podem ser destinados a cidadãos em geral, abrangendo sobre
todos os fatos ou situações que estão dentro das hipóteses que os atos procuram
prever, ou então, dirigidos à organização da administração pública.
127
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 229.
94
Segundo os autores, no estudo do Direito Administrativo
existem dois tipos de decreto: os decretos de execução ou regulamentares e os
decretos autônomos.
Decretos de execução ou regulamentares são aqueles
destinados a atingir um número indeterminado de pessoas e são editados com o
objetivo de aplicar e executar fielmente as disposições uma lei já promulgada que
preveja a atuação da administração pública:
A edição de decretos de execução, embora decorra de
competência constitucional expressa, tem como pressuposto a
existência de uma lei, que é o ato primário a ser regulamentado. O
decreto de execução deve restringir-se aos limites e ao conteúdo
da lei, explicitando-o, detalhando seus dispositivos. As leis devem
ser redigidas em termos gerais; o detalhamento necessário à sua
aplicação é efetuado pelo Poder Executivo, o qual não pode
restringir, nem ampliar, muito menos contrariar, as hipóteses nela
previstas128.
A competência constitucional para a edição dos decretos de
execução ou regulamentares está positivada pelo artigo 84, IV da CRFB/88,
sendo ela atribuída, por simetria, aos chefes do Poder Executivo dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios, conforme previsto em suas Constituições ou
Leis Orgânicas.
No Estado de Santa Catarina, o dispositivo que atribui
idêntica competência ao Governador é o artigo 71, III da CESC/89.
De outra parte, partindo ainda da lição de ALEXANDRINO e
PAULO, o decreto autônomo é o ato administrativo primário, expedido pelo chefe
do Poder Executivo com a função externa de conferir normas dirigidas aos
cidadãos de modo geral, ou interna, que se destina à organização, competência e
funcionamento da administração pública:
Consoante o magistério de Carlos Mário da Silva Velloso, alguns
sistemas constitucionais conferem ao Poder Executivo a
128
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 230-231.
95
prerrogativa de editar regulamentos como atos primários,
diretamente derivados da Constituição. Esses atos são
classificados como regulamentos independentes ou autônomos e
se dividem em: (a) externos, que contêm normas dirigidas aos
cidadãos de modo geral; e (b) internos, que dizem respeito à
organização, competência e funcionamento da administração
pública129.
A autorização para o Poder Executivo expedir tais normas
surgiu após a promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001, quando passou
a ser expressamente previsto, no artigo 84, VI “a” e “b” da Carta Magna, a edição
de decretos autônomos exclusivamente para dispor sobre a “organização e
funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” ou para promover a
“extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.”
Na CESC/89, não há previsão de decretos autônomos
expedidos pelo Governador do Estado.
3.3.2 Ilegalidade do decreto 660/07
Do decreto 660/07, já estudado anteriormente, é de se
concluir que a sua natureza jurídica é executiva (ou regulamentadora). No caso, o
ato administrativo tem o objetivo de regulamentar matéria da lei 9.099/95, que é
uma norma federal.
Pelo artigo 1º do decreto, já visto, tem-se a determinação
que o termo circunstanciado deve ser lavrado na delegacia de polícia, caso o
cidadão a esta recorra, ou no próprio local do fato, pelo policial militar ou civil que
atender a ocorrência. É inconteste que o dispositivo veio para regulamentar o
artigo 69 da lei 9.099/95, ao dispor sobre o procedimento da lavratura do termo
circunstanciado e, sendo assim, evidente concluir que ele dá interpretação
extensiva, ainda que implícita, do termo “autoridade policial”, atribuindo-o a
qualquer policial civil ou militar.
129
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 230-231.
96
É necessário relembrar que a finalidade do decreto é
regulamentar uma lei, devendo, portanto, ter como pressuposto a existência
desta. Tendo o objetivo regulamentador e dependendo da existência da lei, é
inevitável concluir que o decreto seja subordinado a ela, não podendo contrariá-la,
criar ou estender interpretações que vão além dos limites legais definidos, ou
seja, o decreto somente pode regulamentar dentro daquilo que a lei permitiu.
Apesar de não haver restrições impostas pela lei 9.099/95, o
que inicialmente se autorizava a interpretação da autoridade policial como sendo
qualquer policial militar ou civil, conforme algumas doutrinas e jurisprudências, é
preciso verificar que posteriormente foi promulgada no Estado de Santa Catarina
a lei complementar 453/09, que, no artigo 2º, I, confere a atribuição de autoridade
policial apenas aos delegados de polícia, tornando a interpretação extensiva ao
artigo 69 da Lei 9.099/95, contrária à lei complementar referida e, portanto, ilegal.
Lembra-se que apesar da lei complementar 453/09 tratar do
plano de carreira da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, ela não deixa de
produzir efeitos erga omnes no que couber, por ser uma das características das
leis o princípio da generalidade, dirigidas a todos os cidadãos indistintamente e
com efeitos abstratos130.
Para se entender a ilegalidade do decreto, é necessário
estudar ainda o princípio da legalidade da administração pública. Sob a ótica da
doutrina, o princípio da legalidade comumente é dividido em duas faces. Perante
o particular, o artigo 5º, II da CRFB/88, dispõe que “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.”
Diante do princípio acima, existe a autonomia da vontade,
que confere ao particular o direito de praticar todas as suas vontades, ou deixar
de praticar aquilo que não lhe convém, desde que não haja lei que o impeça ou
determine de fazê-lo. Esta regra constitucional está inclusa no capítulo que trata
130
Nesse sentido, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: parte geral. Coleção Sinopses Jurídicas. 17. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 26.
97
dos direitos individuais e coletivos, e teve suas origens ainda no liberalismo do
século XVIII, como forma de proteger o particular contra os abusos do Estado131.
Já na previsão do artigo 37, caput, da CRFB/88, o princípio
da legalidade direcionado à administração pública, incluindo-se nesta o Poder
Executivo, possui uma interpretação muito mais restrita, não sendo aplicável a ela
a autonomia da vontade. Na realidade, administração pública não possui vontade
própria, estando adstrita à lei. A lei, como ensinam ALEXANDRINO e PAULO, é a
vontade geral, pública, que é manifestada pelos representantes do povo:
Deveras, para os particulares a regra é a autonomia da vontade,
ao passo que a Administração Pública não tem vontade
autônoma, estando adstrita à lei, a qual expressa a “vontade
geral”, manifestada pelos representantes do povo, único titular
originário da “coisa pública”. Tendo em conta o fato de que a
Administração Pública está sujeita, sempre, ao princípio da
indisponibilidade do interesse público – e não é ela quem
determina o que é de interesse público, mas somente a lei (e a
própria Constituição), expressão legítima da “vontade geral” –, não
é suficiente a ausência de proibição em lei para que a
Administração Pública possa agir; é necessária a existência de
uma lei que imponha ou autorize determinada atuação
administrativa132
Por isso, o decreto, sendo ato administrativo expedido pelo
Poder Executivo (órgão integrante da administração pública), não pode contrariar
o que está disposto nas leis, pois estas são a materialização da vontade geral do
povo.
Completando o acima estudado, colhe-se a doutrina de
MELLO, que também ensina que o administrador público, ao expedir decretos
(que o autor prefere denominá-los regulamentos), necessita de uma anterior
previsão legal que o faculte ou imponha a obrigação de atuar:
131
Nesse sentido, ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 193.
132 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed.
São Paulo: Método, 2010. p. 193.
98
Ressalte-se que, dispondo o art. 5º, II, da Constituição que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei”, com isto firmou o princípio da garantia da
liberdade como regra, segundo o qual “o que não está proibido
aos particulares está, ipso facto, permitido”. Ante os termos do
preceptivo, entende-se: “o que não está por lei proibido, está
juridicamente permitido”.
De outro lado, conjugando-se o disposto no artigo citado com o
estabelecido no art. 84, IV, que só prevê regulamentos para “fiel
execução das leis”, e com o próprio art. 37, que submete a
administração ao princípio da legalidade, resulta que vige, na
esfera do Direito Público, um cânone basilar – oposto ao da
autonomia da vontade –, segundo o qual: o que, por lei, não está
antecipadamente permitido à Administração está, ipso facto,
proibido, de tal sorte que a Administração, para agir, depende
integralmente de uma anterior previsão legal que lhe faculte ou
imponha o dever de atuar.
Por isto deixou-se dito que o regulamento, além de inferior,
subordinado, é ato dependente de lei133.
Em Santa Catarina, não há previsão legal que autorize ao
governador do estado em atribuir o conceito de autoridade policial a qualquer
agente policial. Existe justamente o contrário, uma lei que define que autoridade
policial é o delegado de polícia.
Assim, ainda que houvesse entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais à época da edição do decreto 660/07 favoráveis à interpretação
extensiva do termo autoridade policial, ele passou a se tornar ilegal a partir da
promulgação da lei complementar 453/09, por explicitamente contrariar dispositivo
desta norma.
133
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 342-343.
99
3.4 DIVERGÊNCIAS SOBRE A LAVRATURA DO TERMO
CIRCUNSTANCIADO EM ALGUMAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO
Em diversos estados brasileiros, a confecção do termo
circunstanciado pela Polícia Militar vem sendo aceita pelos tribunais, Ministério
Público e órgãos do Poder Executivo. Porém, não existe um entendimento
pacífico e unificado em todo o território nacional, sendo que em algumas regiões o
aludido procedimento, quando lavrado por policiais militares, não vem sendo
aceito, muitas vezes pelas controvérsias relacionadas ao conceito de autoridade
policial ou polícia judiciária, estudadas no presente capítulo.
3.4.1 Estado de Santa Catarina
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina já vinha
reconhecendo o termo circunstanciado lavrado por policiais militares desde a
edição do provimento nº 04/99, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de
Santa Catarina.
O artigo 1º do provimento, como já analisado, disciplina que,
para os efeitos do artigo 69 da lei 9.099/95, autoridade é o agente do poder
público com possibilidade de interferir na vida da pessoa natural, enquanto o
qualificativo policial é utilizado para designar o servidor encarregado do
policiamento preventivo ou repressivo.
O artigo 2º orienta aos magistrados de que não há
obstáculo, sob o ângulo correcional, para que conheçam e aceitem os termos
circunstanciados lavrados por qualquer agente público investido na função
policial:
Art. 2° - Ressalvando o parágrafo único do art. 4° do Código de
Processo Penal, a atividade investigatória de outras autoridades
administrativas, ex vi do art. 144, parágrafo 5°, da Constituição da
República, nada obsta, sob o ângulo correicional, que os Exmos.
Srs. Drs. Juízes de Direito ou Substitutos conheçam de "Termos
Circunstanciados" realizados, cujo trabalho tem também caráter
preventivo, visando assegurar a ordem pública e impedir a prática
de ilícitos penais.
100
A jurisprudência estadual também é pacífica no relativo ao
conhecimento e aceitação do termo circunstanciado da Polícia Militar. A seguir
tem-se o julgado de um habeas corpus impetrado contra a instauração de
inquérito policial para apurar suposto crime de usurpação de função pública
(artigo 328 do Código Penal), atribuído a policial militar que lavrou termo
circunstanciado. No acórdão, reconheceu-se a legitimidade do policial militar para
lavrar o termo circunstanciado, argumentando que a Constituição Federal atribuiu
às infrações de menor potencial ofensivo um sistema penal e processual penal
com filosofia e princípios próprios:
HABEAS CORPUS – LEI N. 9.099/95 – AUTORIDADE POLICIAL
– POLICIAL MILITAR – LAVRATURA DE TERMO
CIRCUNSTANCIADO – POSSIBILIDADE – INDICIAMENTO EM
INQUÉRITO POLICIAL POR PRETENSA USURPAÇÃO DE
FUNÇÃO – INADMISSIBILIDADE DIANTE DOS PRINCÍPIOS
REGEDORES DA LEI N. 9.099/95 – FALTA DE JUSTA CAUSA –
TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL – ORDEM
CONCEDIDA.
A Constituição Federal, ao prever uma fase de consenso entre o
Estado e o agente, nas infrações penais de menor potencial
ofensivo, criou um novo sistema penal e processual penal, com
filosofia e princípios próprios.
Para a persecução penal dos crimes de menor potencial ofensivo,
em face do sistema previsto na Lei dos Juizados Especiais
Criminais, e dando-se adequada interpretação sistemática à
expressão – autoridade policial – contida no art. 69 da Lei n.
9.099/95, admite-se lavratura de termo circunstanciado por policial
militar, sem exclusão de idêntica atividade do Delegado de Polícia.
O termo circunstanciado, que nada mais é do que – um registro
oficial da ocorrência, sem qualquer necessidade de tipificação
legal do fato –, prescinde de qualquer tipo de formação técnico-
jurídica para esse relato (Damásio E. de Jesus)134.
134
TJSC, HC 2000.002909-2, Segunda Câmara Criminal, Relator Nilton Macedo Machado, julgado em 18.04.2000.
101
O Poder Executivo estadual admite e regulamenta a
atividade por meio do decreto nº 660/07.
Em recente requerimento da 11ª Promotoria de Justiça da
Comarca de Blumenau, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, nos
autos 008.10.006132-7, argumentou que o termo circunstanciado lavrado pela
Polícia Militar somente deve ser recebido como peça informativa, e não como
procedimento investigativo. Para tanto, a promotoria invocou o parecer jurídico
“Persecução Penal Preliminar”, de autoria do Procurador de Justiça Antenor
Chinato Ribeiro, ressaltando três pontos: “a polícia judiciária só pode ser exercida
pelas Polícias Federal e Civil, nos âmbitos (sic) das respectivas competências;
excepcionalmente, a Polícia Militar exerce a polícia judiciária, mas somente
quanto aos crimes militares; autoridade policial é o Delegado de Polícia135.”
Não obstante, em razão da aceitação do Tribunal de Justiça
estadual e da regulamentação pelo Poder Executivo, a Polícia Militar do Estado
de Santa Catarina vem sendo autorizada a lavrar o termo circunstanciado.
3.4.2 Estado do Rio Grande do Sul
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul aceita
a lavratura do termo circunstanciado pela Polícia Militar.
O seguinte precedente decide que o termo circunstanciado
não se presta para realizar investigação ou instrução, pois tem o objetivo de
apenas coletar dados na ocasião dos fatos. Também relata que a autoridade
policial, para a lei 9.099/95 é qualquer agente investido na função policial:
HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
VALIDADE DE TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA
POLÍCIA MILITAR RODOVIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA
PORTARIA Nº172 DA SJS. Não se realiza investigação ou
instrução em termo circunstanciado, que tem o objetivo de coletar
dados na ocasião dos fatos. A expressão autoridade policial
referida no art. 69 da Lei nº 9.099/95 compreende quem se
135
Disponível em < http://blogdodelegado.wordpress.com/2010/05/28/pm-nao-pode-lavrar-termo-circunstanciado-diz-ministerio-publico/ >. Acesso em 08.10.2010.
102
encontra investido em função policial, ou seja, a qualquer
autoridade. Não configurada coação ilegal. ORDEM
DENEGADA136.
Outro precedente decide pela competência da Brigada
Militar (Polícia Militar do Rio Grande do Sul) para lavrar o termo circunstanciado,
especialmente quando o autor do fato assina termo de comparecimento ao
Juizado Especial Criminal:
DESACATO (ART. 331, CP). APELAÇÃO DEFENSIVA.
PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA DA BRIGADA MILITAR PARA
LAVRAR O TERMO CIRCUNSTANCIADO. AFASTADA.
A Brigada Militar também possui competência para a lavratura do
Termo Circunstanciado, especialmente tendo o autor do fato
assinado o termo de comparecimento ao Juizado Especial
Criminal.
Havendo prova do fato, deve ser mantida a sentença
condenatória.
NEGARAM PROVIMENTO137.
O Poder Executivo estadual regulamenta a lavratura do
termo circunstanciado por policiais militares por meio da portaria nº 172/00, da
Secretaria da Justiça e Segurança. No ato, os dispositivos principais se prestam a
definir a competência da polícia civil e militar para a lavratura do termo, bem como
este deve ser lavrado no próprio local da ocorrência, e encaminhado no mesmo
dia ao Juizado Especial. Interessante verificar também que a lavratura do termo
circunstanciado por policiais militares somente se procede nas comarcas onde
houver acordo entre estes e o Ministério Público:
I – Todo policial, civil ou militar, é competente para lavrar o Termo
Circunstanciado previsto no artigo 69 da Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995.
136
TJRS, HC 71002724094, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relatora Laís Ethel Corrêa Pias, julgado em 30.08.2010
137 TJRS, RC nº 71000863100, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator Alberto
Delgado Neto, julgado em 04.12.2006
103
II – A lavratura do Termo Circunstanciado por policiais militares
somente ocorrerá nas Comarcas em que houver acordo sobre o
tema entre a Polícia Estadual e o(s) representante(s) do Ministério
Público.
III – O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado no próprio local
da ocorrência, pelo policial que a atender, e encaminhado no
mesmo dia ao juizado Especial.
Dada a aceitação pelo Tribunal de Justiça, e havendo
regulamentação da Secretaria de Justiça e Segurança, a Brigada Militar do
Estado do Rio Grande do Sul (Polícia Militar) está autorizada a lavrar os termos
circunstanciados, desde que haja, na respectiva comarca, acordo com o
Ministério Público.
3.4.3 Estado de São Paulo
Sem dúvida, a mais interessante análise de divergências
acerca do tema se encontra no Estado de São Paulo.
A receptividade, pelo Tribunal de Justiça, do termo
circunstanciado lavrado por policial militar, vinha sendo regulada pelo provimento
nº 1670, de 19 de maio de 2009, editado pelo Conselho Superior da Magistratura
daquele Estado, que consolida as normas relativas aos Juizados de Conciliação e
aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Os itens 51 e 51.1 reconheceram a autoridade policial como
sendo aquela que atua no policiamento ostensivo ou investigatório (remetendo-se
aos policiais militares e civis) e autorizaram o juiz a receber os termos
circunstanciados elaborados pela Polícia Militar, com a condição de que sejam
assinados por oficial:
51. A autoridade policial que atue no policiamento ostensivo ou
investigatório, ao tomar conhecimento da ocorrência, lavrará
termo circunstanciado, que encaminhará imediatamente ao
Juizado.
104
51.1. O Juiz de Direito responsável pelas atividades do Juizado é
autorizado a tomar conhecimento dos termos circunstanciados
elaborados por policiais militares, desde que também assinados
por Oficial da Polícia Militar.
Todavia, foi editada pela Secretaria de Segurança Pública
do Estado de São Paulo a resolução nº 233 de 09 de setembro de 2009. Nela, o
Secretário de Segurança Pública tece considerações, invocando o artigo 144 da
CRFB/88, de que os órgãos policiais devem desempenhar suas funções em
estrita obediência ao disposto no texto constitucional. Aduz também que compete
à respectiva secretaria organizar os serviços de seus órgãos e agentes, atentando
ao que dispõe a legislação no tocante à divisão de funções:
Considerando que, em cumprimento aos princípios constitucionais
da eficiência e da legalidade, devem os órgãos policiais
desempenhar suas funções com estrita obediência às atribuições
rigidamente fixadas pelo artigo 144 da Constituição Federal;
[...]
Considerando, por fim, sua competência para, no âmbito interno
da Segurança Pública, organizar os serviços de seus órgãos e
agentes, prestigiando a legal repartição de funções,
[...]
O artigo 1º da resolução passou a determinar que o policial,
seja ele civil ou militar, comunique imediatamente à “autoridade policial da
Delegacia de Polícia” ao se deparar com uma infração de menor potencial
ofensivo.
No texto normativo, verifica-se perfeitamente que o conceito
de autoridade policial é atribuído ao delegado de polícia, pois considera que a
este compete, “por sua qualificação profissional”, tipificar o fato penalmente
punível:
Artigo 1º – O policial, civil ou militar, que tomar conhecimento de
prática de infração penal que se afigure de menor potencial
105
ofensivo, deverá comunicá-la, imediatamente, à autoridade policial
da Delegacia de Polícia da respectiva circunscrição policial, a
quem compete, por sua qualificação profissional, tipificar o fato
penalmente punível.
Parágrafo Único – A comunicação prevista neste artigo, sempre
que possível, far-se-á com a apresentação dos autores, vítimas e
testemunhas.
Recentemente, em 15 de julho de 2010, foi julgado pela 5ª
Vara da Fazenda Pública de São Paulo, nos autos nº 053.09.035111-0, um
mandado de segurança da Associação dos Oficiais da Policia Militar do Estado de
São Paulo, que fora impetrado para combater a resolução 233/2009, nos
seguintes termos:
Cuida-se de mandado de segurança impetrado por ASSOCIAÇÃO
DOS OFICIAIS DA POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO
PAULO, parte qualificada na inicial em face de suposto ato coator
de SECRETÁRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, sustentando que o impetrado atribuiu à competência
para elaboração dos termos circunstanciados exclusivamente aos
Delegados de Polícia, discordando do que determina o artigo 69
da Lei 9.099/95. Em face disso se pede a concessão da liminar
para que seja suspenso o ato concreto e imediato previsto no
artigo 1º, caput, e seu parágrafo único, da Resolução 233 SSP de
2009, anulando a citada Resolução.
Foi indeferida a liminar, decisão da qual resultou agravo de
instrumento.
Notificada, a impetrada apresentou informações, com preliminar
de ausência de direito líquido e certo, com ausência de prova de
representação. No mérito, alegou que se trata de atuação
integrada e harmônica entre as Polícias, já que a Resolução ora
impugnada estabeleceu tarefas para as duas Polícias, havendo
competências distintas em obediência à Constituição Federal.
Requereu ao final o indeferimento da petição inicial ou a carência
da impetração ou ainda fosse denegada a segurança.
106
O MINISTÉRIO PÚBLICO opinou pela denegação da ordem138.
Na decisão, o juiz Kenichi Koyama fundamentou que não é
possível concluir que o termo “autoridade policial” excluiria a polícia judiciária,
mas também não há como se interpretar, de pronto, pela ilegalidade do termo
circunstanciado lavrado pela Polícia Militar. O magistrado em sua fundamentação
também levanta a questão da interpretação extensiva do conceito de autoridade
policial:
Por um lado é absolutamente inconteste e creio não existir maior
indagação que o dispositivo seguramente tem um núcleo duro do
qual não pode existir qualquer interpretação divergente, na qual se
tem por cediço que na locução “autoridade policial” é
absolutamente impossível subtrair a presença da polícia judiciária,
por outro lado, não é possível de pronto interpretar pela
ilegalidade da lavratura pela Polícia Militar. Realço, nesse ponto,
apenas que inviável decotar a legitimidade da polícia judiciária
como mínima destinatária do artigo em comento. Nessa base, a
dúvida que se impõe é justamente o alcance de “autoridade
policial”, controvertendo jurisprudência e doutrina se ali se alcança
também a polícia ostensiva preventiva a cargo dos Policiais
Militares139.
Continuando, o magistrado fundamenta sua decisão na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 2.862/SP, argumentando que, mesmo não
tendo sido reconhecida pelo STF em razão da inadequação, por esta via, de se
pronunciar a constitucionalidade de atos normativos secundários, concluiu-se que
não há inconstitucionalidade material no tocante a ofensas ao artigo 144 da
CRFB/88:
De um lado é certo que já se dissipou o impacto inicial sobre a
legitimidade para lavratura de infração de menor potencial
ofensivo, porque no julgado tomado no C. Supremo Tribunal
Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade
2.862/SP, ainda que não conhecida dada a inadequação da via
138
Disponível em <http://www.operacoesespeciais.com.br/ocorrenciapolicial.php?nid=2127>. Acesso em 08.10.2010.
139 Disponível em <http://www.operacoesespeciais.com.br/ocorrenciapolicial.php?nid=2127>.
Acesso em 08.10.2010.
107
pra pronunciar constitucionalidade de atos normativos
secundários, afastou-se em caso de superação da preliminar a
pecha de inconstitucionalidade material, seja por suposta invasão
das competências legislativas privativas, seja por contrariar os
parágrafos do artigo 144, concluindo na discussão pela
possibilidade de policiais militares encaminharem termo
circunstanciado de ocorrência para a polícia judiciária. A
conclusão somente não foi cristalizada pelo acolhimento da
preliminar, mas tal não desautoriza as lições ali lançadas. Seja
como for, em São Paulo, dentro do que este juízo tem notícia,
foram elaborados atos normativos estaduais que atribuíam à
Polícia Militar a possibilidade de elaborar termos circunstanciados,
a saber Provimento 758/2001, consolidado pelo Provimento n.
806/2003, do C. Conselho Superior da Magistratura do E. Tribunal
de Justiça de São Paulo, e Resolução SSP n. 403/2001,
prorrogada pelas Resoluções SSP ns. 517/2002, 177/2003,
196/2003, 264/2003 e 292/2003, da Secretaria de Segurança
Pública do Estado de São Paulo, agora revogadas por novidade e
incompatibilidade com a Resolução SSP 233/09140.
Ao término, foi concedida a segurança em parte, para anular
a resolução nº 223/2009, podendo a Polícia Militar voltar a lavrar os termos
circunstanciados, com a condição de serem assinados por oficial:
Isso posto, CONCEDO A SEGURANÇA EM PARTE para anular a
Resolução SSP 233/2009, permanecendo a necessidade de
assinatura concomitante de Oficial da Polícia Militar. Oficie-se-
lhe141.
Não obstante a profunda fundamentação do juiz da 5ª Vara
da Fazenda Pública de São Paulo, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo decidiu por suspender os efeitos da sentença até o seu trânsito em
julgado. Na decisão, o Presidente do Tribunal entendeu que o provimento nº
1670/2009 do Conselho Superior da Magistratura era anterior à resolução nº
233/2009 da Secretaria de Segurança Pública, e que aquele não tinha a intenção
de impedir que o secretário da segurança pública utilizasse de suas atribuições de
140
Disponível em http://www.operacoesespeciais.com.br/ocorrenciapolicial.php?nid=2127. Acesso em 08.10.2010.
141 Disponível em http://www.operacoesespeciais.com.br/ocorrenciapolicial.php?nid=2127. Acesso
em 08.10.2010.
108
chefia e organização para estabelecer a competência da lavratura dos termos
circunstanciados apenas aos delegados de polícia.
Também ressaltou no sentido de que a lavratura do termo
circunstanciado deve ser realizada, a princípio, pelo delegado de polícia,
conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça decorrente do habeas
corpus 7.199/PR, não havendo, porém, ilegalidade na utilização do contingente da
Polícia Militar para também exercer esta função.
Por fim, relatou o Presidente que a execução imediata da
sentença pode trazer grave violação à ordem pública, pois poderia levantar
antigas divergências existentes entre as polícias Civil e Militar, além de gerar
prejuízos e incertezas no tocante à organização e administração das polícias e
políticas de segurança pública:
Não se olvida que o PROVIMENTO CSM Nº 1.670/2009, que
revogou o Provimento n. 758/2001, citado na r. sentença,
estabeleceu que: “51. A autoridade policial que atue no
policiamento ostensivo ou investigatório, ao tomar conhecimento
da ocorrência, lavrará termo circunstanciado, que encaminhará
imediatamente ao Juizado. 51.1. O Juiz de Direito responsável
pelas atividades do Juizado é autorizado a tomar conhecimento
dos termos circunstanciados elaborados por policiais militares,
desde que também assinados por Oficial da Polícia Militar”.
Porém, este Provimento datado de 19 de maio de 2009, que é
anterior da Resolução SSP n. 233 de 09 de setembro de 2009,
não teve a intenção de impedir que o Senhor Secretário de
Segurança Pública, no uso de suas atribuições, na administração
e chefia geral da organização policial em todo o Estado de São
Paulo, estabelecesse a competência funcional privativa dos
Delegados de Polícia, para a elaboração dos termos
circunstanciados.
Deve-se ressaltar que é a antiga a discussão quanto a
possibilidade da Polícia Militar também elaborá-los, devendo-se
considerar o entendimento do Superior Tribunal de justiça,
constante do Habeas Corpus n. 7.199/PR, Relatado pelo Ministro
Vicente Leal, no sentido de que: “tal providência deve ser
realizada, a priori, pela Polícia Judiciária, através do Delegado de
109
Polícia”, aduzindo não consubstanciar: “todavia, ilegalidade a
circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar,
em face da deficiência dos quadros da Polícia Civil”.
Nas circunstâncias, a execução imediata da sentença resultará
em grave violação à ordem e segurança públicas, na medida em
que pode aviventar antigas divergências entre as Polícias Civil e
Militar, que motivaram a edição da Resolução SSP n. 233/2009,
bem como gerar dúvidas e incertezas e prejuízo à administração
das polícias e ao gerenciamento das políticas públicas de
segurança.
Assim sendo, o presente pedido é mesmo de ser deferido, eis que
existem elementos ensejadores da suspensão142.
No momento, dada a suspensão da decisão da 5ª Vara da
Fazenda Pública de São Paulo, não havendo ainda trânsito em julgado para
definir a matéria, a Polícia Militar do Estado de São Paulo continua desautorizada
a lavrar o termo circunstanciado.
3.4.4 Superior Tribunal de Justiça
O Superior Tribunal de Justiça, como já brevemente
abordado no tópico anterior, decidiu, no habeas corpus nº 7.199/PR, que a Polícia
Militar tem legitimidade para lavrar o termo circunstanciado, não havendo
impedimento legal para que o Estado se utilize do contingente da mesma quando
há deficiência dos quadros da Polícia Civil:
Ora, tal fato não consubstancia qualquer ilegalidade, nem afronta
ao direito de locomoção do paciente.
É certo que, como acentuado no parecer do Ministério Público, tal
providência deve ser realizada, a priori, pela Polícia Judiciária,
através do Delegado de Polícia.
Todavia, não tendo a Polícia Civil estrutura para atender a
demanda desses serviços, não há impedimento legal que
desautorize o Poder Executivo Estadual a utilizar os órgãos da
142
TJSP, Suspensão de Execução de Sentença nº 990.10.362786-5, Gabinete da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relator Viana Santos, julgado em 10.08.2010.
110
Polícia Militar, em regra destinados à relevante tarefa de
policiamento ostensivo fardado.
A propósito, transcreva-se excerto do parecer mencionado:
“Outrossim, tecnicamente também não há prejuízo algum para o
Paciente. Como não se trata de inquérito policial, não se deve
exigir a exclusividade do Delegado para lavrar o termo, como
afirma o Impetrante, em vista de seus conhecimentos técnicos.
Ora, a Polícia Militar está qualificada para atender a chamados de
ocorrência de delitos e, com certeza, saberá identificá-los, não
com o rigor técnico de um profissional do Direito, mas com a
experiência de sua digna atividade. Ademais, o termo
circunstanciado não é meticuloso na análise do fato típico, mas
apenas informa a ocorrência do delito e a data em que haverá
audiência perante o Juiz”[...]143. (grifo do relator)
3.4.5 Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal, em 26 de março de 2008,
julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2862, interposta pelo Partido da
República, que postulava pela declaração de inconstitucionalidade de
provimentos editados pelo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo e de
resoluções, editadas pela Secretaria de Segurança Pública do mesmo estado.
Na decisão, o tribunal pelo, por unanimidade, decidiu por
não conhecer da ação, pois os atos impugnados se tratavam de atos normativos
secundários e não afrontavam diretamente a Constituição. No caso, porém, a
relatora fundamentou no sentido de que há a possibilidade de haver
inconstitucionalidade indireta:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATOS
NORMATIVOS ESTADUAIS QUE ATRIBUEM À POLÍCIA
MILITAR A POSSIBILIDADE DE ELABORAR TERMOS
CIRCUNSTANCIADOS. PROVIMENTO 758/2001,
CONSOLIDADO PELO PROVIMENTO N. 806/2003, DO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, E RESOLUÇÃO SSP N. 403/2001,
143
STJ, HC 7.199/PR, Sexta Turma, Relator Vicente Leal, julgado em 01.07.1998.
111
PRORROGADA PELAS RESOLUÇÕES SSP NS. 517/2002,
177/2003, 196/2003, 264/2003 E 292/2003, DA SECRETARIA DE
SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATOS
NORMATIVOS SECUNDÁRIOS. AÇÃO NÃO CONHECIDA.
1. Os atos normativos impugnados são secundários e prestam-se
a interpretar a norma contida no art. 69 da Lei n. 9.099/1995:
inconstitucionalidade indireta.
2. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacífica quanto à
impossibilidade de se conhecer de ação direta de
inconstitucionalidade contra ato normativo secundário.
Precedentes.
3. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida144.
Dessa feita, ainda não há posição do STF acerca da
matéria, pois no caso julgado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade atacava um
ato normativo secundário, que em tese não afronta diretamente a Constituição
Federal, mas sim uma lei, na situação, a lei 9.099/95. Não havendo decisão do
Supremo Tribunal Federal, as divisões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a
inconstitucionalidade do termo circunstanciado lavrado pela Polícia Militar
continuam divergindo em opiniões e decisões favoráveis ou contrárias.
144
STF, ADI 2862/SP, Tribunal Pleno, Relatora Carmen Lúcia, julgado em 26.03.2008.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a promulgação do artigo 98, I da CRFB/88 e da lei
9.099/95, pode-se dizer que iniciou uma nova fase no processo penal brasileiro.
Uma fase que procura diminuir a formalidade e a burocracia nos procedimentos
que visam a apuração das infrações penais de menor potencial ofensivo. Uma
fase que tira do autor do fato o peso da responsabilização penal e da morosidade
da instrução penal ordinária, que muitas vezes leva meses para se chegar a uma
conclusão. Uma fase que permite que o autor do fato negocie com a vítima ou
transacione com o Ministério Público, como forma mais ágil e eficiente de se
resolver o fato delituoso apurado.
É certo que o Juizado Especial Criminal está aí para
beneficiar a população, com os seus procedimentos ágeis e desburocratizados.
Uma justiça rápida e simples resulta em menor impunidade, melhor resposta do
Estado e maior satisfação da sociedade com este.
Não é possível negar que a lavratura do termo
circunstanciado por policiais militares é uma nobre busca pela satisfação social e
mais agilidade na resposta do Estado às infrações penais de menor potencial
ofensivo. Todavia, é preciso tomar cuidado para, quando na busca desse máxime,
não ofender dispositivos e princípios constitucionais ou incorrer em ilegalidades.
A CRFB/88 delimita especificamente as competências de
cada polícia, incluídas aí a Polícia Militar e a Polícia Civil. A esta foi atribuída a
competência para exercer as funções de polícia judiciária e a apuração das
infrações penais, e é justamente neste contexto que o termo circunstanciado se
encaixa. Ele é o procedimento materializador da apuração das infrações penais,
no caso, as de menor potencial ofensivo. Não há como se chegar à conclusão de
que seja apenas um procedimento escrito contendo o relato de um fato tido como
delituoso. Nesse termo escrito, formalizado, está a construção de uma verdade
provisória sobre uma suposta infração penal, e, junto com esta, o destino de uma
pessoa, que foi imputada como “autor do fato”.
113
É a partir do termo circunstanciado que o Ministério Público
formará a sua opinião sobre o fato, podendo chegar à conclusão da ocorrência de
um delito e, dependendo do caso, oferecer denúncia. O juiz, ao analisar as provas
e presidir a instrução processual na busca da verdade real, irá considerar tudo o
que foi levantado no procedimento, inclusive na fase pré-judicial.
Dessa forma, confirma-se a primeira hipótese, concluindo
que o termo circunstanciado é procedimento materializador da apuração de
infrações de menor potencial ofensivo e da atividade de polícia judiciária e de
investigação, sendo, portanto, a nível estadual, de competência das Polícias
Civis.
Também se deve lembrar que a autoridade policial, quando
da lavratura do termo circunstanciado, necessita possuir conhecimento técnico e
jurídico e estar investido em cargo que preveja tal atribuição, não apenas para
saber se está diante da ocorrência de uma infração penal de menor potencial
ofensivo, mas também para saber quais provas levantar e como conduzir o
procedimento.
O cargo representado pela autoridade policial também deve
se revestir da responsabilidade da assunção pelos equívocos eventualmente
cometidos no exercício de suas funções, incluídas aí a lavratura do termo
circunstanciado. Isso se trata muito mais do que a simples discussão sobre quem
é autoridade policial, trata-se de verdadeira aplicação das garantias
constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa em benefício do autor
do fato que, quando imputado dessa forma, não pode ser de maneira alguma
afastado desses preceitos.
A lavratura do termo circunstanciado por policiais militares
também não pode se revestir de ilegalidade, contrariando norma legal que atribui
o conceito de autoridade policia aos delegados de polícia, como se verifica na lei
complementar nº 453/09 do Estado de Santa Catarina.
Com isso, também está confirmada a segunda hipótese,
tendo que a lavratura do termo circunstanciado por policiais militares está eivada
114
de inconstitucionalidade, pois esses servidores, ainda que atuantes na nobre
função de policiamento preventivo, não estão investidos em cargo que exija
conhecimento técnico e jurídico, atribuições e responsabilidades necessárias para
lavratura do procedimento.
Partindo dessas considerações, tem-se também confirmada
a terceira hipótese, chegando-se à conclusão de que a autoridade policial é o
delegado de polícia, pois no ordenamento jurídico pátrio, ele é o único, dentro do
círculo policial, revestido de conhecimento técnico e jurídico, investido em cargo
com atribuições específicas de instruir a apuração das infrações penais e que
possui a responsabilidade necessária para assumir eventuais equívocos ou
abusos cometidos no exercício dessas atribuições.
No que tange as conclusões acima apontadas, ainda
existem diversos entendimentos espalhados pela doutrina e pela jurisprudência
nacional. Há, como já exaustivamente estudado na presente pesquisa, os
entendem que o termo circunstanciado não é procedimento investigativo ou de
atribuição de polícia judiciária e que o termo autoridade policial, para efeitos do
Juizado Especial Criminal, deve ser estendido para qualquer agente investido na
função policial.
Apesar de as diferentes opiniões estarem sendo levantadas
há tempos, ainda há muito que se discutir para se chegar ao real sentido que a lei
9.099/95 quis dar quando se referiu ao “termo circunstanciado” e à “autoridade
policial”, o que somente poderá ser concluído com muito estudo e pesquisa
acerca do tema e com a consequente evolução da doutrina e da jurisprudência.
115
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
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BRASIL. Câmara dos Deputados. Resolução nº 18, de 18 de dezembro de 2003.
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______. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del3689.htm >. Acesso em 16 de outubro de 2010.
116
______. Decreto-lei nº 3.914, de 09 de dezembro de 1941. Lei de introdução do
Código Penal (decreto-lei n. 2.848, de 7-12-940) e da Lei das Contravenções Penais (decreto-lei n. 3.688, de 3 outubro de 1941). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del3914.htm >. Acesso em 16 de outubro de 2010.
______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema
Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm >. Acesso em 16 de outubro de 2010.
______. Lei nº 7.244, de 07 de novembro de 1984. Dispõe sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas. União, Estados e Municípios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em < http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1984/7244.htm >. Acesso em 16 de outubro de 2010.
______. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados
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119
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______. Secretaria de Segurança Pública. Resolução nº 233, de 09 de setembro
de 2009. Regulamenta a elaboração de Termo Circunstanciado, previsto no artigo 69 da Lei 9.099, de 26-9-1995. São Paulo, SP. Disponível em < http://www.aipesp.com.br/novo/noticias.asp?id=51 > Acesso em 16 de outubro de 2010.
SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 4. ed., Campinas: Millenium, 2002.
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. 1. ed. Florianópolis: Editora do Autor, 1997.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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XXVII FORUM NACIONAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS. Palmas, 2010. Disponível em < http://www.fonaje.org.br/enunciados.asp >. Acesso em 16 de outubro de 2010.
ANEXOS
I – Decreto nº 660, de 26 de setembro de 2007, expedido pelo Poder Executivo do Estado de Santa Catarina:
DECRETO No 660, de 26 de setembro de 2007
Estabelece diretriz para a integração dos
procedimentos a serem adotados pelos órgãos da
Segurança Pública, na lavratura do Termo
Circunstanciado, conforme previsto no art. 69 da Lei
Federal n° 9.099, de 26 de setembro de 1995.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA,
usando da competência privativa que lhe confere o art. 71, incisos I e III, da
Constituição do Estado,
D E C R E T A:
Art. 1º O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado na
delegacia de polícia, caso o cidadão a esta recorra, ou no próprio local da
ocorrência pelo policial militar ou policial civil que a atender, devendo ser
encaminhado ao Juizado Especial, nos termos do art. 69 da Lei Federal nº 9.099,
de 26 de setembro de 1995.
§ 1º Para os casos de infração penal de menor potencial
ofensivo, cuja lavratura do Termo Circunstanciado se revista de maior
121
complexidade, ou que necessitem de expedição de carta precatória para
posteriores diligências, as partes devem ser conduzidas à Delegacia de Polícia.
§ 2º Nos casos em que houver a necessidade de retirar do
local os envolvidos na infração penal de menor potencial ofensivo, a fim de
preservar-lhes a integridade física, ou ainda objetivando a pacificação do conflito,
estes devem ser conduzidos às Delegacias de Polícia ou, em caso de
impedimento, a outro local adequado, ficando vedada a criação de cartório e a
condução para o interior dos Quartéis da Polícia Militar, para a lavratura do Termo
Circunstanciado.
§ 3º Havendo requisição de diligências complementares por
parte do Poder Judiciário ou do Ministério Público para fatos atinentes a infração
penal de menor potencial ofensivo, comunicado ao Juizado por meio de Termo
Circunstanciado, caberá à Polícia Civil assim proceder, salvo quando por razões
técnicas a instituição requisitante o fizer diretamente à Polícia Militar.
Art. 2º A Polícia Militar lavrará Boletim de Ocorrência na
modalidade de Comunicação de Ocorrência Policial, nos casos em que não se
configure a situação de flagrância, devendo encaminhar a Polícia Civil, para a
devida apuração da infração penal, no primeiro dia útil após o registro.
Art. 3º O Instituto Geral de Perícias receberá as requisições
de Exames Periciais emitidas, providenciando os exames e respectivos Laudos
Periciais e encaminhando para o órgão que o requisitou.
Art. 4º É vedado à Polícia Militar praticar quaisquer atos de
Polícia Judiciária, dentre os quais apuração de infrações penais, pedidos de
mandados de busca e apreensão, interceptação telefônica, escuta de ambiente e
representações de prisões temporárias e preventivas, bem como, cumprimento de
mandados de busca e apreensão, exceto, neste caso, por determinação judicial.
Art. 5º É vedado à Polícia Civil executar ações de polícia
ostensiva de preservação da ordem pública, privativas da Polícia Militar, exceto
em operações conjuntas.
122
Art. 6º Fica criada comissão presidida pelo Diretor de
Integração e composta por 2 (dois) integrantes da Polícia Militar e 2 (dois) da
Polícia Civil, indicados pelo Comandante-Geral e pelo Delegado-Geral da Polícia
Civil, respectivamente, para no prazo de 60 (sessenta dias), elaborar e apresentar
projeto de implantação de boletim de ocorrência e banco de dados policial
unificados, regulamentado por portaria do Secretário de Estado da Segurança
Pública e Defesa do Cidadão.
Art. 7º Os casos omissos e conflitantes serão regulados por
atos do Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.
Art. 8º O disposto neste Decreto não se aplica aos crimes
militares.
Art. 9º Este Decreto entra em vigor na data de sua
publicação.
Florianópolis, 26 de setembro de 2007.
LUIZ HENRIQUE DA SILVEIRA
Governador do Estado
123
II – Resolução nº 233, de 09 de setembro de 2009, expedida pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo:
RESOLUÇÃO SSP - 233, DE 9-9-2009
Regulamenta a elaboração de Termo
Circunstanciado, previsto no artigo 69 da Lei 9.099,
de 26-9-1995.
O Secretário da Segurança Pública,
Considerando que, em cumprimento aos princípios
constitucionais da eficiência e da legalidade, devem os órgãos policiais
desempenhar suas funções com estrita obediência às atribuições rigidamente
fixadas pelo artigo 144 da Constituição Federal;
Considerando o reduzido alcance da Resolução SSP
339/03, que ao atribuir a elaboração de Termo Circunstanciado, de forma
concorrente, à Polícia Militar, condicionou sua atuação em restritas áreas da
Capital e Região Metropolitana e numa só região do Interior, em contraste com a
grande extensão territorial do Estado de São Paulo, onde a atribuição
permaneceu afeta exclusivamente à Polícia Civil, que exerce, por imperativo legal,
a atividade de polícia judiciária;
Considerando que a mencionada regulamentação restringiu
também a elaboração do Termo Circunstanciado, pela Polícia Militar, quanto à
natureza das infrações de menor potencial ofensivo, excluindo, dentre outros, os
casos de violência doméstica, porte de entorpecentes e de infrações penais cuja
pena exceda a um ano;
124
Considerando que essa restrição abrange a grande maioria
dos crimes elencados como de menor potencial ofensivo, relegando à Polícia
Militar uma atividade residual, de desprezível repercussão na persecução penal,
que mais se presta a criar e estimular antagonismos do que a pretensa celeridade
da prestação jurisdicional;
Considerando que, decorridos seis anos, essa
regulamentação, de caráter nitidamente experimental, tímida e de reduzido
alcance, não ensejou a sua ampliação, que seria imperiosa e há muito
implantada, se o interesse público assim exigisse ao longo desse período;
Considerando que, desde a implantação dessa experiência,
o relacionamento entre as instituições policiais foi afetado de forma sensível, com
crescentes atritos, advindo posturas que prejudicam o bom andamento do serviço
policial, em detrimento do interesse público;
Considerando, por fim, sua competência para, no âmbito
interno da Segurança Pública, organizar os serviços de seus órgãos e agentes,
prestigiando a legal repartição de funções, resolve:
Artigo 1º - O policial, civil ou militar, que tomar
conhecimento de prática de infração penal que se afigure de menor potencial
ofensivo, deverá comunicá-la, imediatamente, à autoridade policial da Delegacia
de Polícia da respectiva circunscrição policial, a quem compete, por sua
qualificação profissional, tipificar o fato penalmente punível.
Parágrafo Único - A comunicação prevista neste artigo,
sempre que possível, far-se-á com a apresentação dos autores, vítimas e
testemunhas.
Artigo 2º - A autoridade policial em serviço na Delegacia de
Polícia, ao tomar conhecimento da ocorrência, verificando tratar-se de infração de
menor potencial ofensivo, com a máxima brevidade, adotará as providências
previstas na Lei nº 9.099/95, dentre elas, a elaboração do Termo Circunstanciado.
125
Artigo 3º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua
publicação, revogada a Resolução SSP-339, de 25.09.03 e demais disposições
em contrário.
126
III – Requerimento da 11ª Promotoria de Justiça da Comarca
de Blumenau, nos autos 008.10.006132-7, que resolveu por não acatar termo
circunstanciado lavrado por policial militar e pugnou pela instauração do mesmo
por “autoridade policial”, entendendo esta como o delegado de
polícia.