a identidade cultural na pós modernidade
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A Identidade Cultural na Pós-Modernidade
Stuart Hall
1. Três Concepções de Identidade
1.1. Sujeito do Iluminismo: Partindo de influências como a Reforma Protestante,
que colocou o homem em linha direta com Deus, o Humanismo renascentista
(antropocentrismo) e as revoluções cientificas, o sujeito do Iluminismo é uma entidade
una, indivisível, singular.
Essas noções que ao mesmo tempo colocam o homem numa posição de maior
controle, forjam uma identidade centrada na ideia do Homem Racional.
Descartes no sec. XVII postulou duas substâncias, uma espacial e outra pensante. No
seu reducionismo a esses elementos essenciais Descartes coloca sujeito individual no
centro da mente, adequada a suas capacidades de pensar e raciocinar.
Essa figura do Sujeito Soberano aparece ainda em outros pensadores (como Locke, as
“mônadas” de Leibniz). Sempre era ele o sujeito da modernidade por ser (a) a origem o
sujeito da razão e conhecimento; (b) aquele que sofria as consequências dessas
práticas.
1.2. Sujeito Sociológico: A complexidade das sociedades modernas, entretanto,
obrigava o individuo cada vez mais a defrontar-se com o coletivo e com seus papeis
dentro da estrutura social. Surge então uma concepção mais social do sujeito. Essa
concepção estava em compasso com o surgimento das novas ciências sociais e com o
sujeito humano visto pela ótica biológica do darwinismo.
O dualismo cartesiano pode ser visto nas ciências sociais, na divisão entre psicologia e
outras disciplinas. Entretanto a sociologia produziu uma crítica do individualismo
racional ao localizar o individuo no meio social, nos processos de formação de classes.
A subjetividade agora é formada também a partir das relações sociais.
Ocorre, então, uma “Internalização” do exterior no sujeito, e a “externalização” do
interior através da ação no mundo social. A formação do sujeito estaria nessa
constante negociação, porém o sujeito soberano ainda permanece central nessa
concepção.
1.2.1. O Individuo Isolado: é interessante notar, nos movimentos estéticos da
primeira metade do século XX, o surgimento da figura do individuo isolado, alienado,
contra a multidão do pano de fundo social. O Flaneur de Baudelaire, que observa o
espetáculo da metrópole. Esse deslocamento de um sujeito contraposto ao todo social
talvez seja sintomático do que viria a acontecer com o homem racional cartesiano na
pós-modernidade.
1.3. Sujeito Pós-Moderno
1.3.1. Descentrando o sujeito: É possível traçar cinco grandes rupturas nos
discursos do conhecimento modernos que serviram para cada vez mais descentrar a
figura do Sujeito Racional, deslocando seu centro de identidade.
1º) Tradição do pensamento Marxista: na reinterpretação marxista
do século XX, muitos autores analisaram a frase “Homens fazem a história, mas apenas
sob as condições que lhes são dadas”, como uma retirada do homem da posição de
autor de sua própria história, já que ele está preso às condições históricas sob as quais
nasceu.
Segundo o estruturalista marxista Louis Althusser, no centro teórico de Marx não está
uma noção abstrata do homem, mas as figuras de classe, modos de produção, os
circuitos do capital. Deslocando do centro a abstração do homem, restaram
deslocadas duas posições chaves da filosofia moderna: (a) Existência de uma essência
universal do homem; (b) que essa essência é atributo de cada individuo singular.
2º) O Inconsciente Freudiano: A ideia da identidade, sexualidade e
estrutura dos desejos serem formadas com base em processos psíquicos que seguem
uma “lógica” muito diferente da Razão, destrói o conceito de Homem Racional
cartesiano, uno e fixo.
Pensadores psicanalíticos, como Lacan, fazem uma leitura da imagem do eu inteiro e
unificado como algo que a criança aprende gradualmente, parcialmente e com grande
dificuldade. No que Lacan chama de a “Fase do espelho” a criança que ainda não
possui uma autoimagem, se vê ou se imagina refletida, seja em um espelho real seja
na metáfora do olhar do outro, como uma pessoa inteira. Esse é o momento para
Lacan da entrada da criança nos sistemas de representação simbólica, incluindo
cultura, língua e diferença sexual. Nessa entrada os sentimentos conflituosos e
contraditórios irão permanecer pela vida adulta, acoplados ou escondidos sob a ilusão
da unicidade. Essa identidade formada no inconsciente, construída ao longo do tempo,
está sempre em formação, pois está sempre incompleta (alias a própria noção de
completude prefigura a noção de um eu completo e fechado).
3º) A Linguística Estrutural de Saussure: A língua é um sistema social
e não um sistema individual. Só podemos utilizar a língua para produzir significado no
interior das regras da língua e dos sistemas de significado da nossa cultura, assim ela
preexiste a nós, ela preexiste ao sujeito.
Os significados também não são fixos, eles surgem a partir de uma relação de
similaridade e diferença com outras palavras dentro do sistema da língua.
“As palavras são “multimoduladas”. Elas sempre carregam ecos de outros significados
que elas colocam em movimento, apesar de nossos melhores esforços para cerrar o
significado.” Assim, sempre haverá significados suplementares que escapam ao nosso
alcance. Como diria Lacan, a identidade, como o inconsciente, “está estruturada como
a língua”.
4º) Foucault e a genealogia do sujeito moderno: Foucault destaca um
novo tipo de poder que aparece ao longo do século XIX, o “poder disciplinar”. Esse tem
como objetivo a regulação e a vigilância. Assim quanto mais organizada a natureza das
instituições da pós-modernidade maior o isolamento, a vigilância e a individualização
do sujeito individual.
(Notar que Foucault também diferencia o poder disciplinar da biopolítica, apesar de no
livro Stuart Hall aparentemente chamar as duas formas de poder disciplinar)
5º) O feminismo: Aparecendo tanto como crítica teórica quanto como
movimento social, ele afirmava tanto as dimensões subjetivas quanto as dimensões
objetivas da política. Surge com tudo aquilo que está associado ao ano de 1968, os
novos movimentos sociais e a política de identidade, com cada movimento
identificado com sua identidade. Aqui é enfatizada, como tema político e social, a
forma como somos generificados na formação da subjetividade. Ocorre uma
politização da subjetividade e do processo de identificação.
É importante notar a fragmentação no âmbito das classes políticas que esses
movimentos, cada um portador de suas identidades, vem a produzir no cenário
político. A própria noção do homem e da mulher como participantes da mesma
identidade, a Humanidade, é questionada para dar lugar ao problema da diferença
sexual.
2. Identidades Culturais Nacionais
Como as diferenças regionais e etnicas foram, com o tempo, sendo colocadas sob um teto
político, na constituição das identidades nacionais.
2.1. Comunidades Imaginadas: "A vida das nações, da mesma forma que a dos homens, é
vivida, em grande parte, na imaginação". A nação é um sistema de representação cultural. Os
cidadãos participam de uma ideia de nação, esta por sua vez produz sentidos; a cultura
nacional é um discurso, um modo de construir sentidos que influencia nossas ações e
concepções.
Como é formada essa imagem da nação moderna?
1. A Narrativa da Nação: Esta ideia de nação é contada e recontada na
literatura nacional e nos meios de comunicação. O discurso é construído a partir da repetição
dessa narrativa, que lhe da coesão. Existe a necessidade de manter-se preso ao passado, ao
passado dessa formação nacional.
2. Ênfase na origem, na continuidade: existe uma imutabilidade que esta na
verdadeira natureza das coisas que formam a identidade. Ela está, mesmo que adormecida,
sempre pronta para ser reativada. A continuidade segue a narrativa histórica na sua
necessidade de coesão para construir a identidade como algo unitário.
3. A invenção da tradição: outra estratégia discursiva que busca soerguer
certos valores e normas por meio de ritos ou simbolos os quais se revestem de uma
antiguidade que não passa no teste do escrutínio histórico.
4. O Mito Fundacional: Na esteira das estratégias discursivas, a localização, em
um tempo mítico, da origem da nação, do povo, serve ao propósito unificante da narrativa
nacional. Destarte todas essas estratégias transfiguram os desastres e confusões do tempo
histórico em uma comunidade coesa pela formação desse povo, participante dessa
comunidade.
5. Ideia de povo: A ideia de povo nesse sentido requer também uma busca em
um passado mítico do povo original, o folk puro, e a consequente reativação dos tempos
perdidos.
Então, a construção da identidade nacional é construída a partir desse vai volta entre o
passado perdido e a edificação de um futuro baseado nesse mito. Nesse retorno ao passado é
possível notar também, junto com o discurso do folk original, uma ideia de expulsão do outro.
A partir da identificação nesse retorno anacrônico a um passado imaginado está também
contida a ideia de purificação das fileiras e da própria cultura nacional.
2.2. Identidade e Diferença
Ernest Renan compõe três coisas que constituem o principio espiritual da unidade de
uma nação:
- As memórias do passado;
- O Desejo por viver em conjunto;
- A perpetuação da herança;
A nação remete a natio que é colocada pelo autor como uma comunidade local, um
domicilio, uma condição de pertencimento. A constituição dos princípios acima são requeridos
para “tornar a cultura e a esfera politica congruentes”.
Apesar dessa tentativa de sobrepor a todas as diferenças o discurso nacional com o
claro objetivo de unifica-lo, muitas vezes colocando-a como expressão subjacente da cultura
de “um único povo”, não pode-se perder de vista que uma cultura nacional é também uma
estrutura de poder cultural. Os embates violentos e as conquistas que suprimiram as
diferenças devem em um primeiro momento ser esquecidas. Por isso as memórias do passado
constroem-se a partir de mitos fundacionais, de uma temporalidade mítica que esconde as
conquistas e violências que efetivaram o poder cultural de um grupo. Levando-se em conta as
culturas colonizadas isso fica ainda mais claro.
O próprio mecanismo comparativo de virtudes de uma identidade frente a outra
(império-colonias), frente a um outro, forma as características das identidades.
(aqui talvez pode ser traçado uma paralelo com a significação negativa das palavras no
estruturalismo de Saussure; a significação de uma palavra só ocorre por ser uma antônimo de
outra.)
Logo ao invés de pensar as culturas nacionais como unidades, melhor seria pensa-las
como dispositivos discursivos que representam a diferença como unidade ou identidade. É a
fase do espelho exposta por Lacan; mesmo sendo atravessadas por enormes diferenças,
mantem-se a ilusão do “eu inteiro” através do exercício de diferentes formas do poder
cultural.
Ainda com o retorno a utilização do conceito de raça é difícil unificar essas identidades.
Raça não é uma categoria biológica ou genética que tenha qualquer validade cientifica. Raça é
uma categoria discursiva, ou seja, é uma categoria organizadora de um conjunto de práticas
sociais, formas de falar, um conjunto frouxo de diferentes características físicas utilizadas
como marcas simbólicas a fim de diferenciar e produzir um grupo frente a outro.
3. Globalização:
É importante perceber que apesar da colcha de retalhos que pode parecer uma Identidade
Nacional, ela tem dominado a “modernidade”, se sobrepondo a outras formas de
identidade cultural. Então por que a pós-modernidade começa a ver um processo de
deslocamento dessas identidades?
3.1. A Compressão Espaço-Tempo
Três aspectos são sintomáticos nos deslocamentos e desintegrações das
identidades nacionais na pós-modernidade:
a. Homogeneização do Pós-Moderno
b. Reforço das Identidades Locais
c. Novas identidades Híbridas
Nesses três aspectos é importante notar a atual compressão do espaço-tempo.
Nas palavras de David Harvey em A Condição da Pós-Modernidade:
“À medida que o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia “global” de
telecomunicações e uma “espaçonave planetária” de interdependências
econômicas e ecológicas – para usar apenas duas imagens familiares e
cotidianas – e à medida que os horizontes temporais se encurtam até o ponto
em que o presente é tudo que existe, temos que aprender a lidar com um
sentimento avassalador de compressão de nossos mundos espaciais e
temporais.”.
Essa compressão temporal em que o presente é tudo pode ter o efeito duplo de
homogeneização das identidades que passam a deslocar-se e aproximar-se cada vez mais - não
estando mais limitados ao conceito anterior de local como espaço físico, mas sim de local
como espaço temporal agora guiado por essa compressão - assim como pode reforçar as
identidades locais, de forma a reaver, nesse todo presente, realidade menores, que agora
encontrão vazão no estreitamento dos espaços.
Por outro lado, não se pode descartar o Hibridismo de identidades. A compressão
tanto quando reforça processos de homogeneização e abre espaço para identidades locais,
também abre espaço para a assimilação de mais de uma identidade dentro do sujeito
fragmentado pós-moderno.
Aqui pode ocorrer o que K. Robins chama de Tradição, um retorno à pureza
fundamental de identidades outrora subjugadas, ou a Tradução, que é justamente a aceitação
da não unidade da representação cultural, encerrando na identidade híbrida sua demarcação.
(Acho aqui um bom ponto para começar algum paralelo, com o pensamento de
Negri. Toda a produção de subjetividade da multidão também comporta a questão da
compressão espaço-tempo, já que Negri não limita a multidão a um espaço físico.)